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CEM SONETOS DE AMOR PABLO NERUDA | CEM SONETOS DE AMOR Pincazo, desde a perspectiva da plenitude da idade, da poesia amorosa nievudizna, estes Cem sonetos de amor surpreendem antes de tt do pelo contraste entee a palpitagdo da palavrac@ imagem ¢ a deliberada cleisio de uma nudez que refoge dos prestigis sonotos ou constrativos do soneto céssico. “Com muita humildade — cscteve Neruda — fiz eses sonetos de madeita dei-Ihes o som desta opaca ¢ pura subscdnnia que se contrapdem as "rimas que soaram como pratarla, ctistal ou canhonago” dos poetas que anteriormente abordaram 0 soneto. Do mesmo modo, € evitado 0 principio de manutengéo de um padeio méttico e ritmico invariével, e,com maior raza0 ainda, a estrutura silogistica ¢ si- rmiétrica na exposigao de contetido em quarte: tos € tercetos. Mas este despojamento volunta fio € um meio para deixar expedita a mais so- berana liberdade na visto: conquista uma nova € poderosa coesto, a de uma palavra de terra, gua, arc chama, ade uma voz que €0 metal ¢ o elemento e ouve o latejo de um mundo no latejo do corpo amado, Hino 20 tangivel, 0 amor, em Neruda, € também via'de-acesso 3 fusio com o néelco dltimo onde a conscitnecia reconhece teu ser no ser do mundo. 30.09.83 Minha cara secretéria, 2 0. Para que vocé it wane ee continue sendo sémpre a methor profis- Pn dae a ole a at trabalha e desen vole, ee ‘como a. -amdquina de escrever i poorer eee e silenciosamente, se orsae lambeém para que voce possa entender o que da Olivetti a respeitamos e admiramos, é a Wee aqui, das palavras de Pablo Nerudé as nossds, e passamos muito carinhosamente ds suas mitos os Cem Sonetos de A yer que ele ay para sua Matilde, "orque, sem duvida, assim come uma grande mulher, EEN eS Parabéns pelo seu dia. Pablo Neruda CEM SONETOS DE AMOR TRADUGAO DE CARLOS NEJAR Coleco POESIA DE PABLO NERUDA vol. 1 capa: Arpplan Publicidade S.A, fevisto: Francisco Marques da Rocha traductio: Carlos Nejat © fe Made Neruds ‘Tordosos dicts para ingua pomugues reseridos 3 L & PM Eaitores, AV. Nova Torque, 306 90003 «Ponto Algie~ io Grande do Sul Impreso no Bras Inersn de 1999 A MATILDE URRUTIA Senhora minba muito ameda, grande padecimento tive ao escrever-te ‘ites mal-chamados sonetes e bastante me docrars e custaram, mas a ‘legnia de oferecé-loi a ti é maior que una compina. Ao propé-lo bem sabia que ao cortato de cada um, por afeiao eletiva e elegdncia, 08 foe- tas de todo tempo alinharane riras que soarars como prataria, cristal ou canhonayo. En, com niuite bumildade, fie estes sonetos de madeira, det-ihes 0 om desta opaca e pura substincia e assim devez aleansar teu ‘owvidos. Tu € en caminhando por bosques e areais, por lagos perdidos, por cinzentas latitudes, recolbemos fragmentos de pau puro, de lenhos submetidos ao vawérs da dgua e da intempérie, De tas suasissimos ves- Higies construs, covs machado, faca, canivete, este: moadeirames de amor e edifiquet pequenas casas de quatorze tébuas pars que nelas vitamn ieus olhos que adoro ¢ canto, Astin extabelecidas minhas raxdes de amor te entrego esta centéria: sonetos de madeira que s6 se lesantaram porque thes deste a vida. Outubro de 1959 A Matilde Uruetia XXIL XXIV, XV, XXVI XXVIL Nao te MANHA Matilde, nome de planta ou pede ou vinho Amor, quantos caminhos até chegar a um beljo Aspeto amor, violeta coroada de espinhos Recotdards aquela quebrada caprichosa que a noite nem o et nem a autora Nos bosques, perdido, coreei um tamo excuro . “'Virds comigo"’, disse, sem que ninguém sou- bese Se ndo fosse porque tém cor-de-lua teus olhos ‘Ao golpe da onda contra a pedra indécil Suave € a bela como se miisica ¢ madeira ‘Tenho fome de tia boca, de tua yor, de teu péle |. Plena Mulher, maga carnal, lua quente A lz que de teus p6 sobe a tua cabeleira Me faltz tempo para celebrar ceus cabelos, . De hi muito tempo a teria te conhece ‘Amo o pedaco de terta que tu é Nilo te amo comp se fosses rosa de sal, topizio Pelas montanhas vais como vem a bri Enquanto a magna espuma de tha Negra Minha feia, és uma castanha despenteada | Oh que todo o amor propague em mim sua boca | Quantas vezes, amor, te amei sem ver-te € talvez sem lembranga Foi luz 0 fogo € pio a lua rancorosa ‘Amor, amor, as nuvens @ torte do céu ‘Antes de amar-te, amor, nada era meu. Nem a cor das dinas teiriveis em Iquique ‘Nua és do simples como uma de tuas maos ul 2 3 4 6 16 ib Ig 20 a 3 M4 b 26 28 29 30 31 XXXVI XXIX, XKX. XXXI, XXXIL uy. Ly, LVL LVI LVI LX. "Ati fere aquele que quis fazer-me dano LXE 1XIL ‘Amor, de gtio a gtio, de planeta a planeta Vers da pobreza das casas do Sul Ters do arquipélago 2s fibras do alerce Com louteitos do Sul e orégi0 de Lota A casa a manha com a verdade cevolta MEIO-DIA Amor, sora nos varios & casa Bs filha do mar e prima do orégio ‘Tua mao foi voando de meus olhos ao dia Coragio meu, rainha do aipo e da artesa Oh amer, ob rai louco ¢ ameaca purptirea Tua casi resioa como um trem 20 meio-dia Mas esqueci que tuas macs satisfaziam Bra verde o silencio, molhada era s luz |. Desventuras do més de janeiro quindo o indife- Radiantes dias balangados pela @gua matinha |. Unt sinal tea busco ¢m todas as outras Saberds que nfo te amo ¢ que te amo io estcjas longe de mim um s6 dia, posque Das esteelas que admirei, molhadas Deirés de mim no ramo quero verte Dois amantes ditosos fazem um s6 pio E hoje: todo 0 ontem foi caindo. Cotapos disse que teu riso tomba Teu riso pertence a uma érvore entrcaberta Cantas ¢ 4 tol ¢ 4 eu com teu canto Aqui est o pao, 0 vinho, a mesa, a morada ‘TARDE Espléndida tazio, demon claro Espinhos, videos totos, enfermidades, pranto Acostuma-te a ver deteis de mim a sombra Mentem 9s que disseram que eu perdi a lua Entre os espadoes de ferro literitio Pobtes poetas a quem a vida e a morte ‘Trouxe o amor saa cauda de dores Aide mim, ai de n6s, bem-amada 38 39 40 4 a 45 % 48 49 30 31 32 3 34 0 36 57 38 59 a a 6 64 6 IX. LX. LXV, XV Xvi XVII LXIX, 1XX, LXXI LXXI LXXIL XXIV LXXV, LXXVI LXXVIL, EXXVIIL LXXXIL LXXXUL EXXXIV. LXXKY. LXXXVI XXXVI XXXVI. LXXXIX, xc. XCl xcil XCIil XcIV. XCV. XCVI. XCVIL, XCVIIL XCIX. C. No meio da terta afsstarei Nio sé pelas teras desertas onde a pedra salina ‘De tanto amor minha vida se tingiu de violeta Matilde, onde estés? Notei, pata baixo Nio te quero senao porque te quero ‘Agrande chuva do Sul cai sobre Ilha Negra ‘Amenina de madeita néo chegou caminhando Talycz nio ser € ser sem que tu scjas Talve2 ferido vou sem ir sangrento De pera em pena cruza suas ithas 0 amiot Amor meu, o inyerno regressa a scus quariéis Recordarés talvez aquele homem afilado O caminho molhado pela Agua de agosto Esta € a casa, o mare a bandeira Diego Riveta com a pacitncia do 0550 Hoje € hoje com o peso de todo tempo ido Néo tenho nunca mats, nao tenho sempre. Na aria NOITE De noice, amada, amarra teu coraggo 20 mew De viagens ¢ dores eu regressei, amor meu ‘Jas minha, Repousa com teu sonho em meu so- inho ‘Amor meu, a0 fechat esta porta rotuma E bom, amor, sentirte perto de mim na roite Uma vez mais, amor, a tede do dia extingue Do mar pata a ruas corre a vaga n€voa Oh Cruz do Sul, oh trevo de fosforo fragrente Astrés aves do mat, ers raios, 6s tesouras (O més de marco volta com sua luz econdida Quando eu morrer queio tuas maos em meus olhos Peasci morter, enti de perto 0 frio A idade nos cobre como a garoa ‘Amor meu, se morro € tu ndo morres Se alguma vez. teu peito se detém Se morro sobrevive-me com tanta forca pura Os que se amaram como nds? Busquemos Penso, esta época em que tu me amaze HE que voat neste tempo, aonde? E esta palavra, este papel esctto Outros dias virdo, seré entendido 8 79 80 81 82 383 84 85 36 87 88. 29, 90 a 93 oT 8 99 100 101 102 103 104 105 106 107 108 109 no mm 12 3 n4 ns 16 7 8 MATILDE, nome de planta ou pedra ou vinho, do que nasce da terra e dura, palavra em cujo crescimento amanhece, em cujo estio rebenta a luz dos limées. Nesse nome cortem navios de madeira rodeados por enxames de fogo azul-marinho, € essas letras so a agua de um rio que em meu cotacdo calcinado desemboca, Oh nome descoberto sob uma trepadeira como a porta de um téinel desconhecido que comunica com a fragrancia do mundo! Oh invade-me com tua boca abrasadora, indaga-me, se quctes, com teus olhos noturnes, mas em teu nome deixa-me navepar ¢ dormir. i I AMOR, quantos caminhos até chegar a um beijo, que solidao erranse até tua companhia! Seguem os tens sozinhos rodando com a chuva, Em Taltal ndo amanhece ainda a primavera. Mas tu ¢ eu, amor meu, estamos juntos, juntos desde a roupa as raizes, juntos de outono, de agua, de quadris, até ser s6 tu, s6 cu juntes. Pensar que custou tantas pedtas que leva 0 tio, a desembocadura da agua de Boroa, pensar que sepatados por trens ¢ nacSes tu € eu uinhamos que simplesmente amar-nos, com todos confundidos, com homens ¢ mulheres, com a tetta que implanta ¢ educa os cravos, 12 Il ASPERO AMOR, violeta coroada de espinhos, cipoal entre tantas paixdes erigado, Tanga das dotes, cofola da célera por que caminhos ¢ como te ditigiste a minha alma? Por que precipitaste teu fogo doloroso, de repente, entre as folhas frias de meu caminho? Quem te cnsinou os pasos que até mim te levaram? Que flor, que pedra, que fumaca, mosttaram minha morada? O certo € que tremeu a noite pavorosa, autora encheu todas as tagas com seu vinho ¢ 0 sol estabeleceu sua presenga celeste, enquanto o crucl amor scm trégua me cercava, até que lacerando-me com espadas ¢ espinhos abriu no coracdo um caminho queimante, 13 XI PLENA MULHER, maga carnal, lua quente, espesso aroma de algas, lodo e luz. pisados, que obscura claridade se abre entre tas colunas? Que antiga noite o homem toca com seus sentidos? Ai, amar € uma viagem com Agua e com estrelas, com at opresso ¢ bruscas tempestades de farinha: amar € um combate de felampagos € dois compos por um 6 mel dertotados, Beijo a beijo percorto teu pequeno infinito, tuas matgens, teus rios, teus povoados pequenos, €-0 fogo genital transformado em delicia corte pelos ténues caminhos do sangue até precipitar-se como um cravo notutno, ate ser € Ndo ser sendo na sombra um raio, XIII ALLUZ que de teus pés sobe a tua cabeleita, a turgéncia que envolve tua forma delicada, nfo € de nécar marinho, nunca de prata fria: é de pao, de pao amado pelo fogo. A fatinha acumulou seu celeito contigo ¢ cresceu incrementada pela idade venturosa, quando 05 cereais duplicaram teu peito meu amor cta 0 catvio ttabalhando na tcrta Oh, pao tua fronte, pao tuas petnas, pio tua boca, pfo que devoro ¢ nasce com luz cada manha, bem-amada, bandeita das fornadas uma licao de sangue te concedeu 0 fogo. da fatinha aprendeste a set sagtada, e do pao o idioma ¢ 0 aroma. 23 XVI AMO 0 pedaco de tetra que tu &, porque das campinas planetatias outa estrela nfo tenho. Tu repetes a multiplicaséo do universo. Teus‘amplos olhos si0 a luz que tenho das consielacoes detrotadas, tua pele palpita como os caminhos gue pereorre na chuva 0 meteoro. De tanta lua foram para mim teus quadris, de todo o sol tua boca profunda ¢ sua delicia, de tanta luz ardente como mel na sombra teu coracdo queimado por longos raios rubros, € assim percorto o fogo de tua forma beijando-te, Pequena ¢ planetaria, pomba e geografia. 26 XVII NAO TE AMO como se fosses rose de sal, topazio ou flecha de cravos que propagam 0 fog te amo como se amam certas coisas obscutas, sectetamente, entre a sombra ea alma. Te amo como a planta que nao floresce ¢ leva dentio de si, oculta, a luz daquelas flores, € gtasas a teu amor vive escuro em meu corpo © apertado aroma que escendeu da terra. Te amo sem sabet como, nem quando, nem onde, te amo dirctamente sem problemas nem orgulho: assim te amo porque nio sei amar de outta maneira, senfo assim deste modo em que ndo sou acm és, to perto que tua méo sobre meu peito € minha, tio perto que se fecham teus olhos com meu sonho. XXII Quantas vexes, amor, te amet sem ver-te e talvex sem lembranja, sem reconhecer teu othar, sent fitar-te, centaura, em regibes contririas, num meto-dia queimanie: era 6-0 aroma dos cereais que amo. Tolvex te vi, te supus ao passar levantando uma taga em Angola, & lux da lua de junbo, ou eras tu a cintura daquela guitarra que toquet nas trevas e ressoou como o mar desmedido. Te antei sem que eu o soubesse, e busquei tua memoria. Nas casas vazias entrei coms lanterna a roubar teu retrato, Mas en ja nao sabia como eras, De repente enquanto ias comigo te toquel ese deteve minha vida: chante de mens olbos estavas, regendo-me, e reinas, Como fogueira nos bosques 0 fogo é teu reino, 32) XXIII FOI luz 0 fogo ¢ pao a lua cancorosa, © jasmim duplicou seu estrelado segtedo, ¢ do terrivel amor as suaves maos puras deram paz a meus olhos e sol a meus sentidos, ‘Oh amor, come de tepente, dos rasgos fizeste 0 edificio da doce fitmeza, derrotaste as unhas malignas ¢ zelosas ¢ hoje diante do mundo somos como uma sé vida. Assim foi, assim € ¢ assim sera até quando, selvagem ¢ doce amor, bem-amada Matilde, © tempo nos assinale a flor final do dia. Sem ti, sem mim, sem luz ja néo seremos: entio mais além da terra ¢ a sombra 0 tesplendor de nosso'amor seguité vivo. 33 XXIV AMOR, amor, as nuvens a torre do céu subiram como triunfantes lavadeiras, ¢ tudo ardeu em azul, foi tudo estrela: © mat, 2 nave, o dia se desterraram juntos Vem ver 2s cetejeiras da Sgua constelada ¢ a clave tedonda do rapido universo, vem tocar o fogo do azul instantaneo, vem antes que suas pétalas se consumam Aqui nao ha senao luz, quaatidades, caches, espaco aberto pelas virtudes do vento até enttegar 03 tiltimios segredos da espuma. E entre tantos azuis-celestes, submergidos, se perdem nossos olhos adivinhando apenas os poderes do ar, as chaves submarina, 34 XXV ANTES de amar-te, amor, nada era meu: vacilei pelas ruas ¢ as coisas: nada contaya nem tinha nome: 0 mundo era do ir que esperava E conheci saldes cinzentos, ttineis habitados pela lua, hangares cruéis que se despediam, perguntas que insistiam na atcia, Tudo estava vazio, motto e mudo, caido, abandonado e decaido, tudo era inalicnayelmente alheio, tudo cra dos outtos ¢ de ninguém, até que tua beleza © tua pobreza de dadivas encheram 0 outono, 35 XXXIV £5 filha do mar e prima do orégao, nadadota, teu corpo € de agua pura, cozinheira, teu sangue é teira viva €-teus costumes sio floridos ¢ terrestres. A agua vao tcus olhos ¢ levantam as ondas, & terra tuas mos e saltam as sementes. em Agua ¢ terra tens propriedades profundas que em ti se juntam como as leis da greda, Naiade, corta teu corpo a tutquesa ¢ logo tessutgido floresce na cozinha de tal modo que assumes quanto existe ¢ a0 fim dormes rodeada pot meus bracgos que afastam da sombra sombria, pata que descanses, legumes, algas, ervas: a espuma de teus sonhos. XXXV "TUA MAO foi voando de meus olhos 20 dia. Entrou a luz como uma toseita abcrta, Areia e céu palpitavam como uma culminante colmeia cortada nas turquesas. Tua mio tocou silabas que tilintavam, tacas, almotolias com azeites amarclos, cofolas, mananciais e, sobretuda, amor, amot: tua mao pura preservou as colhere: ‘A tarde foi. A noite deslizou sigilosa sobre 0 sonho do homem sua cépsula celeste. ‘Um triste olor selvagem soltou a madressilva. E tua mio voltou de seu vo voando a fechar sua plumagem cue cu julguei perdida sobre meus olhos devorados pela sombra, XLIV SABERAS que nao te amo ¢ que te amo posto que de dois modos ¢ a vida, a palayra € uma asa do siléncio, © fogo tem uma metade de ftio. Eu te amo pata comegar a amar-te, pata recomecat 0 infinito ¢ para nao deixar de amar-te nunca: por isso ndo te amo todavia. Te amo € no te amo como se tivesse em minhas méos as chaves da fortuna € um incerto destino desditoso. Meu amor tem duas vidas pata amat-te, Por isso te amo quando nfo te amo ¢ por isso te amo quando te amo, 56 XLV NAO ESTEJAS longe de mim um s6 dia, porque como, porque, nao sel dizé-lo, € comprido o dia, € te estarei esperando como nas estacées quando em alguma parte dotmitaram os ttens. Nao te vas por uma hora porque entio nessa hora se juntam as gotas do desvelo ¢ talvez toda a fumaca que anda buscando casa venha matar ainda meu coragéo perdido. Ai que nfo se quebrante tua silhueta na arcia, que ndo yoem tuas pélpebras na auséncia: ndo te vas por um minuto, bem-amada, porque nese minuto tetas ido tao longe que eu cruzatei toda a terta perguntando se voltarés ou se me deixarés mottendo. LVII MENTEM 03 que disseram que eu perdi a lua, 0s que profetizaram meu porvit de areia, asseveraram tantas coisas com linguas fri quisetam proibir a flor do universo. “J& nao cantaté mais 0 Ambat insurgente da sereia, ndo tem senio povo."” E mastigavam seus incessantes papéis patrocinando para minha guitarra 0 «squecimento, Bu hes lancei aos olhos as lancas destumbrantes de nosso amor ctayando teu cotacio ¢ 0 meu, cu reclame! o jasmim que deixavam tuas pegadas, eu me perdi de noite sem luz sob tuas pélpebras € quando me envolveu a claridade nasci de novo, dono de minha propria treva LVI ENTRE os espadges de ferto litersitio passo eu como um marinheiro remoto que nao conhece as esquinas ¢ que canta porque sim, porque como se néo fosse pot isso. Dos atormentados arquipélagos trouxe meu acordedo com borrascas, atagem de chuva louca, ¢ um costume lento de coisas naturais: clas determinaram meu coracio silvestee. Assim quando os dentes da literatura trataram de morder meus honrados talbes*, eu passei, sem saber, cantando com o vento pata 0s almaréns chuyosos de minha infancia, para os bosques frios do Sul indefinivel, pata onde minha vida se completou com teu aroma, 73. LXXXVIII © MES de marco volta com sua luz escondida ¢ deslizam peixes imensos pelo céu, vago vapor tettestte progride sigiloso, uma por uma caem ao siléncio as coisas. Por sorte nesta crise de atmosfera errante reuniste as vidas do mar com as do fogo, ‘0 movimento cinza da nave de inverno, a forma que o amor imprimiu @ guitarra. Oh amor, rosa molhada por sercias ¢ espumas, fogo que danca ¢ sobe a invisivel escada ¢ desperta no tdnel da insSnia x0 sangue para que se consurman 2s undas 10 céu, esqueca o mar seus bens ¢ leoes € caia o mundo dentro das redes escutss. 106 LXXXIX QUANDO eu morrer quero tues mios em meus olhos: quero a luz ¢ 0 tigo de tuas mios amadas passar uma vez mais sobre mim seu vigor: sentir a suavidade que mudou meu destino. Quero que vivas enquanto eu, adormecido, te espero, quero que teus ouvidos sigam ouvindo o vento, que cheites 0 amor do mat que amamos juntos € que sigas pisando a areia que pisamos, Quero que o que amo continue vivo € a ti amei ¢ cantei sobre todas as coisas, por isso segue tu florescendo, flarida, para que aleances tudo 0 que meu amor te ordena, pata que passeie minha sombra pot teu pélo, pata que assim conhegam a razio de meu canto 107

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