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A falta de padronização nos procedimentos clí- mas infelizmente alguns autores, revistas, teses e
nicos é generalizada, exceto em uma ou outra es- dissertações insistem em utilizar “materiais e mé-
pecialidade médica. A ausência de protocolos per- todos” ou “material e método” no lugar do correto
mite “opiniões, experiências pessoais, dicas, macetes Material e Métodos.
e técnicas individuais”, aplicadas amplamente nos Apesar de poucas pessoas atentarem para a me-
pacientes, sem qualquer fundamentação na meto- todologia utilizada nos experimentos, sobre ela re-
dologia científica. cai a maior parte da avaliação do trabalho a ser lido.
Por outro lado, o enrijecimento com base em Quando a metodologia tem limitações ou falhas, os
protocolos muito bem definidos pode dificultar o trabalhos quase sempre são ignorados pela maioria
tratamento de casos especiais e diferentes, fora da dos estudiosos criteriosos do assunto ou são expli-
média. Ou melhor, pode dificultar a explicação, a citamente criticados.
justificativa e as conseqüências que podem advir de Nos trabalhos experimentais sobre os efeitos
tratamentos fora do que está protocolado em uma dos medicamentos na movimentação dentária in-
sociedade, instituição científica ou profissional, in- duzida e nas reabsorções dentárias utilizam-se vá-
clusive do ponto de vista jurídico. rios animais, sendo mais comuns os ratos, macacos
Em muitas áreas, os protocolos existem, mas e, mais esporadicamente, cães, gatos e porcos. Nos
por ignorância não se tem acesso ao conhecimento três últimos, as dificuldades técnicas, de padroniza-
apropriado. Muitas vezes ficamos fechados em nos- ção e de extrapolação dificultam a sua realização e
so assunto específico, sem nos preocuparmos em a comparação de resultados.
consultar outras áreas do conhecimento humano. O uso de animais em experimentos deve le-
O tópico Material e Métodos nas teses e traba- var em consideração a taxa metabólica basal de
lhos publicados apresenta os protocolos experimen- cada organismo, mas infelizmente nem sempre
tais utilizados, ou seja, os “métodos”. Permeando o isto é sabido e aplicado. A taxa de metabolismo
texto sobre a metodologia do trabalho, apresenta basal refere-se à taxa metabólica determinada em
também os instrumentos, as drogas, os equipa- condições padronizadas, em que o animal encon-
mentos e outros apetrechos utilizados durante os tra-se quieto, sem digerir nenhum alimento, sem
experimentos. Na língua portuguesa o substantivo dormir, sem sofrer qualquer tipo de estresse e em
coletivo para designar este conjunto de itens é “ma- temperatura ambiental ótima3. Considerada uma
terial”. Esta palavra, quando utilizada como subs- inter-relação fundamental que existe entre to-
tantivo coletivo, não deve ser utilizada no plural, dos os seres vivos, a taxa metabólica basal é tida
* Agradeço a: 1) Prof. Dra. Rosangela Gonçalves Peccinini Machado, da Faculdade de Farmácia e Bioquímica da UNESP-Araraquara, pela gentileza e disponibi-
lidade em discutir e fornecer dados para nos fundamentarmos apropriadamente sobre a Extrapolação Alométrica; 2) Ao doutorando Milton Santamaria Jr. pela
colaboração recebida.
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Insight Ortodôntico
Tabela 1 - Troca metabólica em estado de repouso de 7 Tabela 2 - Troca metabólica em estado de repouso de espécies
cães, quanto à unidade de peso e de superfície corporais, distintas de animais quanto à unidade de peso e de superfície
segundo Max Rubner (apud Pichotka12, 1971). corporais, segundo Benedict (apud Pichotka12, 1971).
animal peso em superfície Kcal/Kg em Kcal/m2 peso em Kcal/ Kcal/m2
Kcal/Kg
no quilogramas em cm2 24 horas de superfície gramas 24 horas de superfície
1 31,2 10.750 35,68 1.036 camundongo 21 3,6 158 550
2 24 8.805 40,91 1.112 rato 400 33,2 82 670
3 19,8 7.500 45,87 1.207 coelho 2.600 117 44,5 620
4 18,2 7.662 46,20 1.097 cão 14.000 485 34,7 745
5 9,61 5.286 65,16 1.183 homem 65.000 1.650 25,3 920
6 6,5 3.724 66,07 1.153 touro 600.000 12.100 20 1.890
7 3,19 2.423 88,07 1.212 elefante 3.672.000 49.000 13,4 2.060
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Consolaro, a.
e assemelhados que não levarem em consideração ram aceitos. Assim se criam verdadeiras “correntes
estes aspectos podem cometer equívocos: traba- literárias”, onde um trabalho vai citando outro, e
lhos podem ser criticados, projetos de pesquisa assim sucessivamente, muitas vezes sem checar
podem ter financiamentos negados, prêmios po- detalhes metodológicos fundamentais. A simples
dem deixar de ser obtidos e igualmente bolsas de publicação de um trabalho não lhe dá automati-
estudo perdidas. camente credibilidade, apenas permite sua acessi-
Afinal, não existem protocolos definidos sobre bilidade à comunidade científica. A credibilidade
dosagens de medicamentos e sua extrapolação do vem com a leitura e análise crítica, mas cada vez
homem para os animais? menos podem ser caracterizadas como críticas as
Existem! leituras de trabalhos, quase sempre restritas a re-
As áreas do conhecimentos são a Farmacoci- sumos e conclusões. Exigir que um determinado
nética e a Toxicologia, enquanto a metodologia trabalho utilize necessariamente as mesmas do-
chama-se extrapolação alométrica3,10,11,13,16. Exis- sagens, posologias e metodologias de trabalhos
tem planilhas nas quais inserimos a espécie, a taxa anteriores pode ser o caminho mais curto para
metabólica e outras características animais, com perpetuar erros metodológicos na concepção de
resultado final de dosagem adequada a ser extrapo- trabalhos científicos sobre movimentação dentária
lada. Esta preocupação2,9,10,13,16 de extrapolação de induzida experimental 1,4,5,6,8,14,15,18,19,20.
humanos para animais remete-nos ao início do sé- A literatura sobre os efeitos dos medicamentos
culo XX. Este termo vem do Grego állos e significa durante a movimentação dentária induzida ainda é
outro, um outro, diferente ou estranho. carente de metodologia padronizada, em todos os
Você já viu esta preocupação e extrapolação seus aspectos. O modelo murino é o mais utilizado
alométrica em trabalhos anteriores1,4,5,6,8,14,15,18,19,20 e universalmente aceito como o mais barato, ético
sobre testes de medicamentos durante a movimen- e passível de extrapolação para o homem. Podemos
tação dentária induzida? Um exemplo da falta desta até ousar afirmar que, pelo menos, o modelo animal
metodologia padronizadora e alométrica pode ser está padronizado: o rato.
obtido ao analisar-se o trabalho de Arias e Marques- No entanto, quando se avalia as dosagens dos
Orozco1, publicado no Am. J. Orthod Dentofacial medicamentos, o tempo de aplicação e a prepa-
Orthop. em 2006, no qual não houve qualquer ex- ração dos mesmos, a falta de padronização é ab-
plicação ou justificativa para as doses utilizadas de soluta1,4,5,6,8,14,15,18,19,20. Alguns trabalhos utilizam
aspirina, acetaminofeno e ibuprofeno a que foram subdosagens, outros superdosagens. Há uma falta
submetidos os ratos durante a movimentação den- de preocupação ou dificuldade não explicitada em
tária induzida. Mesmo em outros modelos inflama- transferir a forma de utilização do medicamento no
tórios em ratos e testando-se o efeito analgésico e homem para o animal.
antiinflamatório da aspirina não se detecta a preo- Como exemplo, podemos utilizar os analgésicos
cupação alométrica ou a explicitação do “porque e antiinflamatórios. Se no homem a dose de analgé-
ou como a dosagem e a posologia” foram escolhidas sicos é única ou eventual (mesmo que estes medi-
ou determinadas, como no trabalho de LaBuda e camentos, com o seu uso prolongado, tenham efeito
Fuchs7, em 2001! antiinflamatório), mas se queira avaliar o efeito na
As agências fomentadoras de pesquisa, junta- movimentação dentária induzida quando são utili-
mente com as universidades, pressionam por nú- zados como analgésicos, deve-se aplicar a dosagem
mero de publicações, sem critérios para avaliar a única também no animal ou então dosagem eventu-
qualidade das mesmas, apenas consideram a clas- al e aleatória, se for o caso. Estes aspectos são consi-
sificação dos veículos de comunicação em que fo- derados na metodologia de extrapolação alométrica.
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Quase todos os analgésicos comercializados e dontista pode, ao longo de um ano, iniciar o tra-
aplicados no homem, em nossos dias, atuam mo- tamento de 20 pacientes que não apresentaram
dulando, entre outros mecanismos de ação simul- necessidade de ingerir um determinado analgési-
tâneos, a síntese de prostaglandinas, interferindo co. Estes pacientes constituiriam o grupo contro-
no ciclo do ácido araquidônico. Em uma única le. Outros 20 pacientes com o mesmo tipo de má
dose, a redução de prostaglandinas é transitória, oclusão, morfologia dentária, mesmo perfil etário
mas suficiente para fazer desaparecer o quadro de e de gênero, submeter-se-iam ao mesmo tipo de
dor do paciente durante a movimentação ortodôn- tratamento, com o mesmo operador, mas recebe-
tica, quando detectado este desconforto. Por sua riam, por necessidade clínica, o analgésico deter-
vez, a redução prolongada de prostaglandinas por minado. Estes pacientes constituiriam o grupo ex-
estes medicamentos a partir de doses regulares e perimental. Provavelmente o grupo experimental
repetidas, promove um efeito redutor do edema, apresentaria menor velocidade de movimentação
conhecido como efeito antiinflamatório, muito dentária induzida e maior índice de reabsorção ra-
utilizado nos períodos pós-operatórios cirúrgicos. dicular após o tratamento. Naturalmente o autor
Numa situação como em que se queira testar poderia concluir que o medicamento foi o respon-
medicamentos em sua ação analgésica, não parece sável por esta diferença que, até estatisticamente,
coerente e minimamente razoável que se utilize seria significante. No entanto, a conclusão estaria
estes medicamentos com regularidade, em doses equivocadíssima: a dor poderia estar relacionada
antiinflamatórias, durante toda a movimentação à maior intensidade de força, o que resultaria em
dentária induzida. Infelizmente isto ocorre, equi- menor velocidade de movimentação dentária in-
vocadamente, em muitos trabalhos na literatura duzida. As áreas de hialinização e as lesões da ca-
sobre a influência de analgésicos na movimentação mada cementoblástica seriam maiores, resultando
dentária induzida1,4,5,6,8,14,15,18,19,20. Se estas doses em maior índice de reabsorção radicular.
utilizadas nestes trabalhos publicados fossem ex- A alternativa para evitar esta interpretação equi-
trapoladas para o homem, como na grande maio- vocada dos resultados está em administrar analgé-
ria dos experimentos publicados, os efeitos sobre sicos nos 40 pacientes que indicassem necessidade
o movimento ortodôntico seriam desconsiderados, a partir de sintomatologia dolorosa. Mas 20 destes
pois os efeitos tóxicos e colaterais no organismo pacientes receberiam o medicamento na forma de
como um todo seriam prioritários: estaríamos placebo. Porém, nem os pacientes, nem o profissio-
frente a uma superdosagem. nal, saberiam quais os 20 pacientes que estariam re-
Alguém já viu algum trabalho1,4,5,6,8,14,15,18,19,20 so- cebendo o placebo. Os comprimidos seriam iguais
bre influência de analgésicos e/ou antiinflamatórios na forma, cor, peso, sabor e embalagem; apenas o
discutir a diferença de doses e posologia a ponto de farmacêutico saberia informar, depois da obtenção
distinguir se está testando-se o medicamento com dos dados, quem ingeriu o verdadeiro medicamen-
indicação de analgesia ou de efeito antiinflamató- to. Só então os dados seriam tabulados e os cálculos
rio? Ou ainda, em algum destes trabalhos1,4,5,6,8,14,15, estatísticos realizados. Esta metodologia chama-se
18,19,20
, procura-se extrapolar, em relação à dosagem, estudo duplo cego: nem paciente nem o operador
o que seria equivalente para o homem - em termos sabem quem recebeu o tratamento, apenas quando
de quilograma/peso utilizado no trabalho experi- terminada a fase experimental do trabalho essa in-
mental realizado - utilizando-se a metodologia da formação é divulgada.
extrapolação alométrica? Uma vez uniformizados os pacientes e o tipo de
A pesquisa, especialmente em Ortodontia, má oclusão, o planejamento e o tratamento ortodôn-
pode também ser clínica. Um profissional orto- tico e o método de estudo duplo cego, ficará difícil
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Consolaro, a.
comparar os resultados com os da literatura, pois os ou dor provocados logo depois de algumas horas
trabalhos sobre influência de analgésicos e/ou an- de ativação dos aparelhos! Só pode ser por simples
tiinflamatórios concebidos com estas preocupações crença ou dogma, próprios dos preceitos religiosos,
metodológicas praticamente inexistem. mas não fundamentados em evidências metodoló-
A pesquisa aplicada quase sempre busca avaliar, gicas próprias da atividade científica.
resolver ou esclarecer uma questão específica, um As perguntas e questionamentos que fizemos
problema, uma situação determinada, uma dúvida, são apenas pontos de partida para induzir reflexões
uma técnica. A idéia advém de um problema ou e necessariamente são questionáveis e não absolu-
situação clínica, no caso da Ortodontia. Um último tamente corretas. A finalidade principal de um insi-
questionamento, assim, torna-se inevitável: quem ght está em inquietar para fazer progredir, melhorar
teve problemas na velocidade de movimentação or- e aperfeiçoar nossa querida Ortodontia.
todôntica e no índice de reabsorções em sua prática Quanto à pesquisa sobre o efeito de analgési-
clínica, quando os pacientes utilizam analgésicos cos e antiinflamatórios na movimentação dentária
para amenizar a dor e desconforto após a ativação induzida, apenas nos resta concluir que os cálculos
dos aparelhos? Este problema existe? devem ser refeitos à luz da extrapolação alométrica
Não! O problema, por mais incrível que pos- e, somente após este recálculo, considerar os resul-
sa parecer, está no fato de alguns ortodontistas não tados válidos ou não, pois é muito alta a possibili-
indicarem, desaconselharem e até proibirem o pa- dade das doses e posologias serem inadequadas e os
ciente de ingerir analgésicos frente ao desconforto resultados decorrentes altamente questionáveis!
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