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Quando a Vida nos Machuca

Compreendendo o lugar de Deus em sua dor

Philip Yancey

Digitalizado por Carlos Honório


Reeditado por SusanaCap

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Semeadores da Palavra e-books evangélicos


Copyright © 1999 por Philip Yancey

Publicado pela Multnomah Publishers


204 West Adams Ave., P.O. Box 1720, Sisters, Oregon,
97759

Copyright © 2003 pela Editora United Press

Título do original em inglês: When life hurts


Tradução: Luiz Frazão Filho

Revisão:
Josemar de Souza Pinto
Noemi Lucília Lopes S. Ferreira

Adaptação da capa e miolo


B. J. Carvalho

Supervisão editorial de produção


Vera Villar

1ª edição brasileira: 2003


Quando o coração se me amargou
e as entranhas se me comoveram,
eu estava embrutecido e ignorante;
era como um irracional à tua presença.
Todavia, estou sempre contigo,
tu me seguras pela minha mão direita.
Tu me guias com o teu conselho
e depois me recebes na glória.
Quem mais tenho eu no céu?
Não outro em quem eu me compraza na terra.
Ainda que a minha carne e o meu coração
desfaleçam,
Deus é a fortaleza do meu coração
e a minha herança para sempre.
Um convite à esperança

Há três décadas escrevendo, já conversei com muitas


pessoas vítimas da dor. Algumas delas, como um piloto
adolescente cujo avião ficou sem combustível e caiu em um
milharal, eram diretamente responsáveis por seu próprio
sofrimento. Outras, como uma jovem que morreu de
leucemia, seis meses após seu casamento, foram
aparentemente escolhidas de forma aleatória, sem nenhum
aviso prévio. Entretanto, todas, sem exceção, tinham
profundas e inquietantes dúvidas sobre Deus por causa da
dor pela qual passaram.
A dor coloca à prova nossas convicções mais
elementares sobre Deus. Já ouvi, repetidas vezes, cinco
perguntas ensejadas pela dor: Deus é suficientemente
competente? Ele é, de fato, tão poderoso? Ele é justo? Por
quê Ele parece não se importar com a dor? Onde está Deus
quando mais preciso dele?
Conheço bem essas perguntas por já tê-las feito a mim
mesmo, em momentos de sofrimento. Caso você ainda não
tenha colocado diante de si as mesas questões, é provável
que algum dia isso venha a acontecer, em momento de
grande sofrimento ou dor. Se você está passando por
intensas aflições, físicas ou emocionais, este pequeno livro é
para você. Nesses tempos tão indesejados de busca e
desespero, Deus anseia por nos oferecer algo de valor
inestimável, algo que nunca pedimos. Cada pergunta pode
ser um convite à esperança, a porta para os seus generosos
dons divinos.
Na tua presença, Senhor,
estão os meus desejos todos,
e a minha ansiedade não te é
oculta.
Bate-me excitado o coração,
faltam-me as forças,
e a luz dos meus olhos,
essa mesma já não está contigo.
Salmo 38.9-10
SEÇÃO UM
QUANDO VOCÊ SE PERGUNTA POR QUE DEUS CRIOU A DOR

Passeie por um jardim durante a primavera ou observe a


neve cair sobre uma paisagem montanhosa, e, por um
instante, você terá a impressão de que tudo parece justo no
mundo. A criação reflete a generosidade de Deus assim como
uma pintura reflete a generosidade do artista.
O mundo está repleto de belezas, convenhamos.
Mas, observando mais detidamente este adorável
mundo, você começa a ver dor e sofrimento por toda parte.
Os animais devoram uns aos outros em um cruel ciclo de
sobrevivência, onde prevalece a lei do comer ou ser comido.
Todo ser humano passa por profundos sofrimentos pessoais.
Alguns se destroem mutuamente. Tudo o que tem vida
enfrenta frustrações, acidentes ou doenças - e, por fim, a
morte.
A "pintura" de Deus lhe parece falha; às vezes, até
arruinada.
Confesso que cheguei a ver a dor como um grande erro
divino, num mundo que, por outro lado, se mostra
impressionante. Por quê teria Deus permitido que sua
criação ficasse desordenada e a dor passasse a existir no
mundo? Se não houvesse injustiças e sofrimentos, seria
muito mais fácil para nós respeitarmos a Deus e acreditar
nele. Por quê não poderia ter Ele criado todas as belezas
deste mundo deixando de fora a dor?
Descobri a resposta para essas perguntas em um lugar
inusitado. Para minha surpresa, descobri que, na verdade,
existe um mundo onde não há dor - entre as paredes de um
leprosário. Os leprosos, hoje chamados de hansenianos, não
sentem dor física. Porém, é justamente aí que está a tragédia
de sua condição. A medida que a doença se alastra, as
terminações nervosas que emitem os sinais de dor silenciam.
Praticamente toda a deformidade física ocorre porque a
vítima da lepra não consegue sentir dor.
Certa vez, conheci um portador de lepra que havia
perdido todos os dedos do pé direito por insistir em usar
sapatos apertados, menores do que os que ele precisava usar.
Conheço outro que chegou quase a perder o polegar por
causa de uma ferida que se desenvolveu em decorrência da
força com que ele segurava o cabo de um esfregão. Muitos
pacientes naquele hospital ficaram cegos em virtude de a
lepra ter silenciado as células da dor, cuja função era alertá-
los no momento em que piscassem.
Meus encontros com vítimas da lepra serviram para me
mostrar que, em mil e um aspectos, grandes e pequenos, a
dor nos é útil a cada dia. Enquanto formos saudáveis, as
células da dor nos alertarão sobre quando devemos trocar de
sapatos, sobre quando devemos segurar com menos força o
cabo de um esfregão ou de um ancinho, ou quando
precisamos piscar. Enfim, a dor nos permite levar uma vida
livre e ativa. Em um livro escrito anteriormente, Where Is God
When It Hurts, descrevo algumas das notáveis características
da corrente da dor no corpo humano. Não posso reproduzi-
las todas aqui, mas vale a pena mencionar algumas:
- Sem os sinais da dor, a maioria dos esportes seria
demasiadamente arriscada.
- Sem a dor, não haveria sexo, uma vez que o prazer
sexual é transmitido principalmente pelas células da dor.
- Sem a dor, a arte e a cultura seriam muito limitadas.
Musicistas, dançarinos, pintores e escultores, todos
dependem da sensibilidade do corpo à dor e à pressão. Um
guitarrista, por exemplo, precisa sentir exatamente a posição
de seus dedos nas cordas e a pressão exercida sobre elas.
- Sem a dor, nossas vidas estariam correndo constantes
perigos fatais. Não receberíamos, por exemplo, o aviso da
ocorrência de um apêndice supurado, de um enfarto ou de
um tumor cerebral.
- Em suma, a dor é essencial à preservação da vida
normal neste planeta. Não se trata de uma inovação
inventada por Deus no último instante da criação só para
tornar infeliz a vida das pessoas. Nem se constitui ela num
grande erro do Criador. Hoje vejo no incrível rede de milhões
de sensores da dor existentes por todo o corpo humano,
precisamente adaptados à nossa necessidade de proteção,
um exemplo da competência de Deus, e não de sua
incompetência.

***

Deus meu,
clamo de dia,
e não me respondes.
Salmo 22.2
SEÇÃO DOIS
QUANDO VOCÊ DUVIDA DO PODER DE DEUS.

É claro que a dor física é apenas a camada externa


daquilo que chamamos de sofrimento. A morte, as doenças,
os terremotos, os tornados - tudo suscita duros
questionamentos sobre o envolvimento de Deus na terra.
Pode ser que, originalmente, Ele tenha criado a dor como um
meio de advertência eficaz para nós. Mas ao que dizer do
mundo hoje?
Será que Deus pode se sentir satisfeito com toda a
insensatez dos males da humanidade, com as catástrofes
naturais e as fatais doenças infantis? Por quê Ele não atua
com toda a sua competência e põe fim a algumas das piores
formas de sofrimento? Ele tem poderes suficientes para isso?
Ele tem capacidade para reorganizar o universo de modo a
aliviar nosso sofrimento?
Certa vez, um famoso filósofo expressou o problema da
dor da seguinte maneira: "Ou Deus é todo-poderoso, ou é
todo-generoso. Ele não pode ser as duas coisas e permitir a
dor e o sofrimento". Essa linha de pensamento geralmente
leva à conclusão de que Deus é bondoso, de que Ele nos ama
e detesta nos ver sofrer; mas, infelizmente, suas mãos estão
atadas. Ele simplesmente não tem poder suficiente para
solucionar os problemas deste mundo. Mas não é isso que a
Bíblia ensina. Há no Antigo Testamento um livro sobre um
homem que, sem merecer, sofria uma grande dor - Jó. No
caso de Jó, Deus teve uma plataforma perfeita para discutir
sua falta de poder, se é que esse era, na verdade, o problema.
Certamente, Jó teria recebido de bom grado as seguintes
palavras de Deus: "Jó, lamento profundamente o que está
acontecendo. Espero que você entenda que eu nada tive a ver
com a maneira como as coisas ocorreram. Gostaria de poder
ajudá-lo, Jó, mas realmente não tenho como".
Deus não disse nada disso. Falando a um homem ferido
e completamente desmoralizado, Ele enalteceu toda a sua
sabedoria e o seu poder (Jó 38-41).

***

"Cinge, pois, os lombos, homem", começou Deus.


"Pois eu te perguntarei, e tu me farás saber."
Então, Deus se pôs a explorar o cosmo.
"Onde estavas tu, quando eu lançava os fundamentos da
terra?
Dize-mo, se tens entendimento.
Quem lhe pôs as medidas, se é que o sabes?"

***
Passo a passo, Deus conduziu Jó pelo processo da
criação: o projeto do planeta Terra, a escavação de canais
para depositar os mares, a colocação do sistema solar em
movimento, a criação da estrutura cristalina dos flocos de
neve. Em seguida, Ele se voltou para o reino animal,
ressaltando, com orgulho, o bode montes, o boi selvagem, o
avestruz, o cavalo e o falcão. O escritor Frederick Buechner
sintetizou as comparações que figuram no livro de Jó da
seguinte maneira "[Deus] diz que tentar explanar os tipos de
coisas que Jó quer explicar seria como tentar explicar
Einstein comparando-o a uma cabeça de bagre... Deus não
revela seu grande plano. Ele se revela a si mesmo."
Outras partes da Bíblia me convencem de que talvez
devêssemos ver o problema da dor como uma questão de
ocasião, e não de poder. Temos muitos indícios da
insatisfação de Deus com o estado em que este mundo se
encontra. Certamente, sua insatisfação em vê-lo é tão grande
quanto o nosso desagrado em assistir à sua decadência. E
Ele planeja, um dia, tomar alguma atitude em relação a essa
situação.
Toda a vida dos profetas e de Jesus e todo o Novo
Testamento são permeados pela esperança de que chegará o
grande dia em que serão criados um novo céu e uma nova
terra com a finalidade de substituir o antigo céu e a antiga
terra. O apóstolo Paulo expressou a questão da seguinte
maneira:

"Porque para mim tenho por certo que os sofrimentos do


tempo presente não podem ser comparados com a glória a
ser revelada em nós. A ardente expectativa da criação
aguarda a revelação dos filhos de Deus... Porque sabemos
que toda a criação, a um só tempo, geme e suporta angústias
até agora" (Romanos 8.18-19-22).
Às vezes, vivendo nessa criação que "geme e suporta
angústias", não podemos deixar de nos sentir como o pobre e
velho Jó, que procurava aliviar sua dor, esfregando com
cacos de argila as chagas que lhe cobriam o corpo, e se
perguntava por que Deus, permitia que ele sofresse. Como
Jó, podemos confiar em Deus, mesmo quando todas as
evidências parecem estar contra nós. Podemos acreditar que
Ele controla o universo e promete que, um dia, existirá um
mundo muito melhor, um mundo onde não haverá dores,
males ou angústias.

***

Até quando,
SENHOR
Esquecer-te-ás de mim
para sempre?
Até quando ocultarás
de mim o rosto?
Salmo 13.1

***
SEÇÃO TRÊS
QUANDO DEUS PARECE INJUSTO.

"Por quê eu?", perguntamos quase instintivamente ao


enfrentar uma grande tragédia.
Veja com atenção as seguintes perguntas, e você poderá
detectar um traço comum entre elas.

Havia dois mil carros trafegado abaixo de chuva na estrada.


Por quê justamente o meu foi derrapar e se chocar contra
uma ponte?

Entre todas as crianças que freqüentam a escola, por quê


justamente o meu filho foi baleado por um louco?

Um tipo raro de câncer ataca apenas uma em cada cem


pessoas. Por quê justamente o meu pai tem de estar entre as
vítimas?

Cada questionador pressupõe que, de alguma forma,


Deus seja o responsável, o causador direto da dor. Se, de
fato, Ele é todo-competente e todo-poderoso, isso não
significa que Ele controla cada aspecto da vida? Teria Deus
escolhido, pessoalmente, o carro que deveria derrapar na
auto-estrada? Teria Ele direcionado o pistoleiro para a sua
vítima? Teria Ele escolhido, de maneira aleatória, uma vítima
do câncer, a partir, por exemplo, de uma lista telefônica?
Poucas pessoas conseguem evitar esse tipo de
pensamento, quando a dor as atinge. Imediatamente,
começamos a fazer um exame de consciência, na tentativa de
encontrar algum pecado pelo qual Deus possa nos estar
punindo. O quê Deus está me dize por meio da dor? E, se
nada encontramos de definido, começamos a questionar a
justiça de Deus. Por quê estou sofrendo mais do que o meu
vizinho que é um ímpio?
Ao entrevistar pessoas que se encontram em meio a
sofrimentos, constatei que elas se atormentam a si mesmas
com perguntas como essas. Enquanto se contorcem na cama,
se questionam sobre Deus. Embora bem-intencionados,
geralmente os cristãos fazem com que as vítimas da dor se
sintam ainda em pior estado. Eles chegam aos leitos
hospitalares levando presentes de culpa - "Você deve ter feito
algo para merecer isso" - e frustração - "Você não deve estar
orando o suficiente."

***

"Ser absolutamente obrigado a amar a Deus,


no meio do deserto, é como ser obrigado
a estar bem quando se está doente, a cantar
de alegria quando se está morrendo de sede,
a correr quando se tem as pernas quebradas.
Todavia, esse é o primeiro e grande
mandamento. Mesmo no meio do deserto -
e especialmente no meio do deserto -
devemos amá-lo."
Frederick Buechner

***
Mais uma vez, a única maneira de colocar à prova as
suas dúvidas em relação a Deus é procurar solvê-las à luz da
Bíblia. O que encontramos lá? Será que Deus, em algum
momento, usa a dor como punição? Sim, usa. A Bíblia
registra muitos exemplos, especialmente de castigos impostos
à nação de Israel do Antigo Testamento. Mas note bem: em
todos os casos, a punição seguiu-se a repetidas advertências
contra o comportamento que levou alguém a merecê-la. Os
livros proféticos do Antigo Testamento, com centenas de
páginas, fazem uma enérgica e eloqüente advertência ao povo
de Israel para que se afastasse do pecado antes do juízo final.
Pense no pai ou na mãe que castiga seu filho pequeno. De
pouco valeria a correção feita intempestivamente por esse pai
ou por essa mãe, se não houvesse, de sua parte, qualquer
explicação diante daquele filho. Essa tática produziria uma
criança neurótica, desobediente. Para ser eficaz, o castigo
deve ter clara relação com o comportamento.
A nação de Israel sabia por que estava sendo punida; os
profetas haviam advertido o povo judeu de forma pungente e
detalhada. O faraó do Egito sabia exatamente por que as dez
pragas se desencadearam contra a sua terra: Deus as havia
predito, mostrando-lhe a razão por que elas ocorreriam e
como uma mudança nos sentimentos e atitude daquele
governante poderia evitá-las.
Os exemplos bíblicos do sofrimento como forma de
punição, portanto, tendem a seguir um padrão. A dor vem
depois de muita advertência. Depois de advertido, ninguém
fique por aí se perguntando: "Por quê?" As pessoas sabem
muito bem por que estão sofrendo.
Mas será que esse padrão nos faz lembrar aquilo que
acontece à maioria de nós hoje? Recebemos alguma revelação
direta de Deus nos advertindo sobre alguma catástrofe
iminente? O sofrimento pessoal vem acompanhado de clara
explicação da parte do Senhor? Se não conhecemos a razão
do sofrimento, devemos questionar se as dores por que passa
a maior das pessoas - um acidente aéreo, um caso de câncer
na família, uma fatalidade no trânsito - são realmente
castigos de Deus?
Francamente, creio que, a menos que Deus se revele
especialmente de outra forma, seria melhor recorrermos a
outros exemplos bíblicos de pessoas que enfrentaram o
sofrimento. A Bíblia contém algumas histórias de pessoas
que sofreram, mas para quem o sofrimento não era,
absolutamente, punição divina.

***

"Não acredito que o sofrimento, puro e


simples, ensine.
Se o sofrimento por si só ensinasse, o
mundo inteiro seria sábio, uma vez que todos
sofrem. Ao sofrimento devem-se
acrescentar o profundo pesar, a compreensão,
a paciência, o amor, a receptividade e
a disposição para permanecer vulnerável
ao próprio sofrimento."
Anne Morrow Lindberg

***
Jesus ressaltou essa questão em duas passagens
diferentes do Novo Testamento. Certa vez, seus discípulos
apontaram para um cego e perguntaram quem havia pecado
a ponto de produzir tamanho sofrimento - o cego ou seus
pais. Jesus respondeu que nem o cego nem seus pais havia
pecado (João 9.1-5).
Em outra ocasião, Jesus comentou sobre dois
acontecimentos recentes de sua época: a queda de uma torre,
provocando a morte de 18 pessoas, e a matança de alguns
fiéis no interior do templo, determinada pelo governo. Aqueles
que morreram com a queda da torre, disse Ele, não eram
mais culpados do que qualquer outra pessoa (Lucas 13.1-5).
Eles nada haviam feito para merecer aquela dor.
Existem exceções, é claro. Em alguns casos, a dor esta
nitidamente relacionada aos erros de comportamento: as
vítimas de doenças sexualmente transmissíveis e as pessoas
atingidas por enfermidades relacionadas ao fumo e ao álcool
não precisam perder seu tempo tentando descobrir a
"mensagem" de sua dor. Entretanto, a maior parte de nós, na
maioria das vez, não está sendo punida por Deus. Ao
contrário, o nosso sofrimento segue um padrão de dores
inesperadas e inexplicáveis, como aquelas vivenciadas por Jó
e pelas vítimas das catástrofes descritas por Jesus.

***
Justo é o SENHOR em todos
os seus caminhos, benigno
em todas as suas obras.
Salmo 145.17

***

Contaste os meus passos


quando sofri perseguições;
recolheste as minhas lágrimas
no teu odre; não estão elas
inscritas no teu livro?
Salmo 56.8

***
SEÇÃO QUATRO
QUANDO VOCÊ SE PERGUNTA SE DEUS SE IMPORTA

A última grande dúvida que surge em meio à dor é


sutilmente diferente.
Trata-se de uma dúvida de natureza pessoal. Por quê
Deus não demonstra maior interesse por nós nos momentos
de necessidade? Se Ele se preocupa com a minha dor, por
quê não me faz ver isso?
Um grande autor cristão, C. S. Lewis, escreveu um livro
clássico sobre a dor, intitulado The Problem of Pain. Nesse
livro, ele responde, de forma convincente, a muitas das
dúvidas com que os cristãos se deparam diante do
sofrimento. Centenas de milhares de pessoas encontraram
consolo no livro de Lewis.
Mas anos depois de Lewis ter escrito o livro, sua esposa
contraiu câncer. Ele a viu consumir-se, aos poucos, em um
leito de hospital, acabando por morrer. Após sua morte, ele
escreveu outro livro sobre a dor, esse de caráter muito
pessoal e emocional. E nesse livro, A Grief Observed, C. S.
Lewis diz o seguinte:
"Enquanto isso, onde está Deus? Este é um dos
sintomas mais perturbadores. Quando você está feliz, tão
feliz a ponto de não ter a sensação de precisar dele, ao
recorrer a Ele com louvor, você é recebido de braços abertos.
Mas recorra a Ele em um momento de desespero, quando
todos os demais tipos de ajuda se mostram inúteis, e o que
você encontra? Uma porta se bate no seu rosto, e você ouve o
som da tranca que a fecha por dentro. Depois, segue-se o
silêncio. Você pode tratar de ir embora."
C. S. Lewis não questionou a existência de Deus, mas,
sim, o amor divino. Em nenhum outro momento, Deus
pareceu mais distante ou desinteressado. Será que Deus
tinha amor para dar? Se o tinha, então onde Ele estava nesse
momento de tanta dor?
Nem todos têm a sensação de abandono descrita por C.
S. Lewis. Alguns cristãos expressam que Deus se lhes revelou
de forma particularmente real em seus momentos de dor. Ele
é capaz de proporcionar um misterioso conforto que nos
ajuda a suportar a dor por que estamos passando. Mas nem
sempre é assim. Às vezes, Deus parece silenciar totalmente.
E aí? Será que Ele só se importa com as pessoas que, de
alguma forma, sentem o seu conforto? Já conversei
suficientemente com pessoas que estavam sofrendo e pude
perceber que as experiência diferem. Não posso generalizar a
maneira como alguém sente, individualmente, a proximidade
ou a distância de Deus. Porém, existem duas expressões de
preocupação divina aplicadas a todos nós, em qualquer
ocasião. Uma é a resposta de Jesus à dor. A outra envolve
todo aquele que se diz cristão.
Mesmo os cristãos mais fiéis podem, assim como C. S.
Lewis, questionar a preocupação pessoal de Deus. Nessa
ocasião, as orações parecem palavras lançadas ao vento.
Poucas pessoas recebem a milagrosa aparição de um
Deus misericordioso que venha a amenizar suas dúvidas.
Mas, pelo menos, podemos ter uma visão real de como Deus,
de fato, se sente em relação à dor.

"Era desprezado e o mais rejeitado


entre os homens; homem de dores
e que sabe o que é padecer."
Isaías 53.3

Jesus passou grande parte de sua vida ente pessoas


sofredoras, e suas respostas a essas pessoas demonstram
como Ele se sente em relação à dor. Quando Lázaro, o amigo
de Jesus morreu, Ele chorou. Muitas vezes - e todas as vezes
em que a sua interferência e atuação eram requeridas - Ele
curou a dor.
Como Deus se sente em relação à dor? Olhe para Jesus.
Ele respondia àqueles que sofriam com tristeza e pesar. Em
seguida, com poder sobrenatural, Ele estendia a mão e
eliminava as causas da dor. Não acredito que os discípulos
de Jesus se atormentassem com perguntas como esta: "Será
que Deus se importa"? Eles tinham provas cabais da
preocupação de Deus todos os dias. Eles simplesmente
olhavam para o rosto de Jesus e o viam desempenhar a
missão de Deu na terra.
Em Jesus, encontramos o fato histórico de como Deus
respondia à dor na terra. Ele expressa o lado íntimo e pessoal
da resposta de Deus ao sofrimento humano. Todas as nossas
dúvidas em relação a Deus e sobre o sofrimento devem, na
realidade, ser filtradas pelo que sabemos sobre Jesus.
Jesus não só respondeu à dor com compaixão, como,
surpreendentemente, o próprio Deus experimentou a dor. O
mesmo Deus que, diante de Jó, se "jactou" de seu poder
demonstrado na criação do mundo optou por se sujeitar a
esse mundo e a todas as suas leis naturais, inclusive à dor.
Outra escritora cristã, Dorothy Sayers, disse o seguinte:
Qualquer que tenha sido a razão pela qual Deus optou
por fazer o homem como ele é - limitado, sofredor e sujeito a
dores e à morte -, teve a honestidade e a coragem de lhe
oferecer as suas próprias soluções para as limitações
humanas. Qualquer que seja o jogo de que está participando
com a sua criação, qualquer que seja a maneira como se
relaciona com o homem, Deus segue as suas próprias regras
e age de maneira clara e justa, Ele nada exige do homem que
não tenha exigido de si mesmo. Ele próprio passou por toda
sorte de experiências humanas, desde as mais banais
tributações da vida familiar e restrições impostas pela vida
profissional e a falta de dinheiro até os piores horrores da
dor, da humilhação, da derrota, do desespero e da morte.
Quando homem, Ele agia como homem, Ele nasceu pobre,
morreu miserável e achou que, realmente, seus esforços e
sofrimentos tiveram valor.

"Porque Deus amou ao mundo de tal maneira", diz o versículo


mais conhecido da Bíblia, "que deu o seu Filho unigênito,
para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida
eterna" (João 3.16).

O fato de Jesus ter vindo à terra, sofrido e morrido não


exclui a dor de nossas vidas. Nem nos garante que nos
sentiremos sempre confortados. Mas isso não demonstra que
Deus se tenha sentado ao acaso, assistindo-nos sofrer
sozinhos. Ele se juntou a nós e, durante a sua passagem pela
terra, suportou uma dor muito maior do que qualquer grande
dor que a maioria de nós pode suportar. Com isso, Ele
conquistou uma vitória capaz de tornar possível a existência
de um mundo futuro sem dor.

***

A palavra "compaixão" provém de duas palavras latinas


que significam "sofrer com".
Jesus demonstrou compaixão no sentido mais profundo,
ao descer voluntariamente à terra para experimentar a dor.
Ele sofreu conosco e por nós.

***
Mostra as maravilhas da tua bondade,
ó Salvador dos que à tua
destra buscam refúgio...
Guarda-me como a menina dos
olhos, esconde-me à sombra das tuas asas.
Salmo 17.7-8
SEÇÃO CINCO
QUANDO VOCÊ PRECISA SENTIR O AMOR DE DEUS.

Mas Jesus, o nosso Salvador sofredor e Médico, não


ficou na terra. Hoje, não podemos até Jerusalém, alugar um
carro e agendar com Ele uma visita particular. Como
podemos, hoje, sentir o amor de Deus de forma concreta?
Temos o Espírito Santo, é claro, um símbolo real da
presença de Deus em nós. E temos a promessa do futuro,
quando Deus criará o mundo perfeito, e quando nos
encontraremos face a face com Ele. Mas, como viver ainda o
momento presente? O que pode nos tranqüilizar e nos
mostrar, de maneira física e visível, o amor de Deus na terra?
É aí que entra em cena a Igreja, a comunidade que
inclui todos os verdadeiros seguidores de Deus na terra. A
Bíblia usa a expressão "o corpo de Cristo", que expressa
aquilo que devemos realmente significar.
Os cristãos devem refletir a imagem de Cristo - suas
palavras, seu toque, seu cuidado - especialmente para
aqueles que têm necessidade de ajuda.
Só existe uma boa maneira de compreender como o
corpo de Cristo pode prestar assistência a uma pessoa que
sofre: vê-lo em ação. Eu já tenho testemunhado e
experimentado isso em minha própria vida. E já tenho visto a
sua atuação na vida dos outros também. Deixe-me contar-lhe
a história de Martha, uma pessoa que conviveu com uma
grande dor e grandes dúvidas.
Martha era uma atraente mulher de 26 anos, quando a
conheci. Mas sua vida mudou para sempre no dia em que ela
tomou conhecimento de que havia contraído ALS, ou "mal de
Lou Gehrig". O ALS destrói o controle do sistema nervoso.
Primeiro, a doença ataca os movimentos voluntários, como o
controle sobre os braços e as pernas, depois as mãos e os
pés, progredindo até finalmente afetar a respiração, sucumbe
rapidamente ; outras vezes, não.
Martha parecia perfeitamente normal quando me falou
pela primeira vez sobre sua doença. Porém, um mês depois,
ela estava numa cadeira de rodas. Foi demitida de seu
emprego na biblioteca de uma universidade. Passado mais
um mês, seu braço direito perdeu os movimentos. Logo, seu
outro braço seguiu o mesmo caminho, e ela mal conseguia
manejar os controles da nova cadeira de rodas elétrica.
Comecei a visitar Martha no hospital de reabilitação. Eu
a levava para pequenos passeios em sua cadeira de rodas e
em meu carro. Tomei conhecimento da gravidade e da
impiedade de seu sofrimento. Ela necessitava de ajuda para
cada movimento: para se vestir, para acomodar a cabeça no
travesseiro, para fazer sua higiene. Quando ela chorava,
alguém tinha de enxugar suas lágrimas e segurar um lenço
de papel em seu nariz.
Seu corpo estava completamente rebelado contra a sua
vontade e não obedecia a qualquer de seus comandos.
Conversamos brevemente sobre a morte e a fé cristão.
Confesso sinceramente que, para Martha, as grandes
esperanças cristãs da vida eterna, da cura fundamental e da
ressurreição pareciam vazias, frágeis e inconsistentes como a
fumaça quando usadas como bandeira para alguém em
dificuldade. Ela não queria asas de anjo, mas um braço que
caísse coordenadamente para o lado, uma boca que não
babasse e pulmões que não lhe faltassem. Confesso que a
eternidade, mesmo pensando na eternidade onde não haverá
dor, parecia ter uma estranha irrelevância para o sofrimento
por que Martha estava passando. Ela pensava em Deus, é
claro; mas mal conseguia vê-lo com amor. Ela resistia a
qualquer forma de conversão em seu leito de morte,
insistindo que só recorreria a Deus por amor, e não por
medo. E de que maneira ela poderia amar um Deus que lhe
permitia sofrer tanto?
No mês de outubro, mais ou menos, ficou claro que o
ALS completaria rapidamente o seu terrível ciclo de vida de
Martha. Ela já tinha grande dificuldade para respirar. Por
causa da dificuldade na chegada do oxigênio ao cérebro,
geralmente adormecia no meio de uma conversa. Às vezes,
durante a noite, ela acordava em pânico, com a sensação de
sufocamento, e não conseguia pedir socorro.
O último pedido de Martha foi para sair do hospital e
passar, pelo menos, duas semanas em seu apartamento, em
Chicago, para que tivesse a oportunidade de chamar os
amigos, um a um, a fim de se despedir e encarar sua morte.
Mas essas duas semanas em seu apartamento apresentavam
um problema: como poderia ela receber, durante 24 horas do
dia, a assistência de que necessitava para permanecer viva,
somente se ela estivesse em um quarto de hospital, e não em
casa.
Assim sendo, um grupo de voluntárias cristãs se
ofereceu para prestar a assistência pessoal gratuita e
generosa de que Martha necessitava. Elas adotaram Martha
como um alvo de vida e providenciaram tudo o que era
necessário para satisfazer seus últimos desejos. Dezesseis
mulheres reestruturaram suas vidas em função de Martha, e,
após se dividirem em equipes de trabalho e providenciarem
serviços de babá para seus próprios filhos, elas mudaram-se
para o apartamento de Martha. Faziam companhia a Martha,
ouviam seus delírios e queixas, davam-lhe banho, ajudavam-
na a se sentar, mudavam-na de posição, passavam a noite
inteira acordadas com ela, oravam por ela e lhe
demonstravam o seu amor. Elas se colocaram à sua
disposição, oferecendo-lhe um lugar e dando sentido ao seu
sofrimento.
Para Martha, aquelas mulheres passaram a ser o corpo
de Cristo e lhe mostraram claramente o que é a esperança
cristã. Por fim, vendo o amor de Deus encarnado em seu
corpo, em sua Igreja, e assistindo à demonstração de amor
por parte das pessoas à sua volta - embora, para ela, Deus
parecesse impiedoso e até mesmo cruel -, Martha veio à
presença desse Deus em Cristo e se entregou,
verdadeiramente, àquele que morreu para salvá-la. Ela não
foi à presença de Deus com medo; Martha havia finalmente,
encontrado o amor divino. Nos rostos daquelas mulheres
cristãs, ela acabou conseguindo ler o amor de Deus. Durante
cerimônia muito emocionante, realizada em Evanston,
Martha, mesmo tão debilitada, deu seu testemunho de
conversão e foi batizada.

Não se turbe o vosso coração;


credes em Deus, crede também em mim.
Na casa de meu Pai há muitas moradas.
Se assim não fora, eu vo-lo teria dito
Pois vou preparar-vos lugar,
E, quando eu for e vos preparar lugar,
voltarei e vos receberei para mim mesmo
para que, onde eu estou, estejais vós também.
João 12.1-3

Na véspera do Dia de Ação de Graças, Martha morreu.


Seu corpo, enrugado, deformado e atrofiado, era uma sombra
patética de sua antiga beleza. Quando aquele corpo
finalmente cessou sua atividade, Martha se foi.
Hoje, Martha vive em um outro corpo, de forma
vitoriosa. Ela vive, graças à vitória de Cristo sobre a dor,
sobre o pecado, sobre o sofrimento e sobre a morte. E Martha
descobriu essa vitória porque o corpo de Cristo - a sua Igreja
- fez com que ela pudesse conhecê-la de maneira clara e
definida. Por meio de seu sofrimento, ela pôde conhecer
verdadeiramente o Senhor. No amor e na compaixão dos
cristãos à sua volta, ela viu e recebeu o amor de Deus. E,
assim, as suas dúvidas em relação a Ele foram
gradativamente se dirimindo.
O apóstolo Paulo devia ter em mente algo semelhante a
essa experiência quando escreveu as seguintes palavras:

"Porque, assim como os sofrimentos de Cristo se manifestam


em grande medida a nosso favor, assim também a nossa
consolação transborda por meio de Cristo."
2 Coríntios 1.5

As melhores repostas para as questões levantadas


quando a vida nos machuca são encontradas no corpo de
Cristo, a Igreja. Prestando assistência àqueles que sofrem,
permitimos que a consolação de Cristo transborde por nosso
intermédio. Com isso, revelamos ao mundo o que Deus
realmente é.
"Se amarmos a Deus e nele amarmos os outros,
teremos prazer em deixar que o sofrimento
destrua em nós qualquer coisa que Deus
queira que por Ele seja destruída,
porque sabemos que tudo o que o sofrimento
destrói não tem importância.
Preferiremos deixar que o lixo acidental da vida
seja consumado pelo sofrimento
para que a glória de Deus possa
transparecer em tudo o que fazemos."

Thomas Merton

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