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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

Castigo José Castigo

Patrick Alves

Marcelo Andrade

COMPLEXIDADE ECONÔMICA E A POSSIBILIDADE DE


DESENVOLVIMENTO DOS PAÍSES AFRICANOS

2021
1. INTRODUÇÃO

A partir de meados de século XX, aprofundaram-se, nas Ciências


Econômicas, teorias desenvolvimentistas devido à grande divergência do nível
de desenvolvimento entre os países do Norte (centro) e Sul (periferia), que as
teorias mainstream tinham dificuldades para explicar. Esta questão é ainda
mais pertinente para os países africanos, nos quais não se vislumbrou uma
melhoria significativa no bem-estar material dos cidadãos. Apesar disso,
existem exceções em outras partes do mundo, onde países passaram de
subdesenvolvidos para desenvolvidos, como é o caso de Singapura, Taiwan,
Coreia do Sul, e outros como Índia e China que estão no caminho de entrar nas
fileiras do mundo desenvolvido.

Neste processo, uma das contraposições das teorias clássicas, ainda


nos meados do século XX, foi o Estruturalismo Latino-Americano, onde a
relação desigual entre o centro e a periferia levaria ao atraso dos últimos pois
apresentavam estruturas produtivas diferentes, resultando na deterioração dos
termos de troca. O centro, por ser pioneiro na industrialização, apresentava
setores modernos, e a periferia, pelo seu atraso neste processo, apresentava
setores tradicionais dedicados à exportação de produtos primários para os
países do centro. Desta forma, a estrutura produtiva dos países da periferia se
manteria heterogênea e especializada, e a do centro, diversificada e
homogênea (Rodriguez, 2009). Deste modo, como proposta de
desenvolvimento dos países da periferia, focar-se-ia na mudança estrutural
através da industrialização como forma de passar a produzir bens de maior
valor agregado, processo no qual a substituição de importações seria
fundamental.

Mais recentemente, no princípio do século XXI, as possibilidades de


desenvolvimento passaram a ser explicadas com ferramentas empíricas
modernas pela transformação produtiva para modificar as cestas de exportação
dos países, passando a ser constituídas por bens mais complexos. A
modificação das cestas, seria resultado da inovação pela acumulação de
capital físico, humano e institucional durante o processo de desenvolvimento,
tornando as exportações intensivas nestes fatores. (Alencar et al., 2018)
Esta abordagem designada de complexidade econômica é atribuída a
Hidalgo e Hausmann, que em 2009 desenvolveram a medida de complexidade
através de dados desagregados de comércio externo, demonstraram que as
possibilidades de crescimento e desenvolvimento futuro das economias estava
correlacionado com a sua capacidade de produzir bens com uma elevada
complexidade econômica. Esta nova metodologia possibilitou desagregar os
dados dos países em relação ao comércio internacional, como nos trabalhos de
Hwang e Rodrik (2007), Hidalgo et al. (2007) e Hidalgo e Hausmann (2009), de
modo a enfatizar a estrutura produtiva com uma base de dado e técnicas não
disponíveis aos antigos estruturalistas.

      Assim, pretende-se neste ensaio explorar os determinantes da


complexidade econômica e analisar as possibilidades de desenvolvimento dos
países africanos, face ao seu atual estágio de complexidade.

Para o efeito, o ensaio é constituído por quatro partes, incluindo esta


introdução. A segunda parte, aborda de forma sucinta sobre a complexidade
econômica e seus determinantes. A terceira, debruça sobre as possibilidades
de desenvolvimento da África, analisando os dados de complexidade
econômica e o estágio dos determinantes. Finalmente, a quarta, tece as
considerações finais.

2. COMPLEXIDADE ECONÔMICA E SEUS DETERMINANTES

       Trabalhos empíricos recentes têm vindo a evidenciar a relação


positiva entre os índices de complexidade econômica e o nível de renda e
desenvolvimento dos países e regiões. Esta proposição vai em posição
contrária à preconizada pelas teorias clássicas, as quais baseadas no trabalho
de David Ricardo, diziam que uma maior produtividade seria alcançada através
da exploração das vantagens comparativas dos países, independentemente da
complexidade produtiva associada. Le Caous e Huarng (2020) buscaram
avaliar os efeitos do Índice de Complexidade Econômica no Indicador de
Desenvolvimento Humano (IDH). Eles também levaram em conta fatores
políticos, culturais e ambientais para melhorar a medição do desenvolvimento
humano. Um modelo linear hierárquico foi usado como ferramenta estatística
para analisar 87 países em desenvolvimento de 1990 a 2017, que também
estudaram os efeitos de desigualdade de gênero e consumo de energia. Os
resultados mostraram que o desenvolvimento humano aumentou com a maior
complexidade econômica. É importante frisar que o modelo se limitou a países
em desenvolvimento.

      Tendo em conta que a complexidade importa, resta-nos saber quais são
os seus principais determinantes. Yalta e Yalta (2020), ao analisar o atraso e
os determinantes da complexidade econômica de países norte-africanos,
encontraram que o capital humano é o principal determinante da complexidade,
enquanto os recursos naturais possuem um efeito negativo. Os resultados
também sugerem que o efeito adverso da renda proveniente de recursos
naturais desaparece quando interagem com o capital humano e a democracia.
Nguyen et al (2020) também buscaram analisar os determinantes da
complexidade econômica, chegando à conclusão de que as patentes afetam
positivamente o grau de complexidade, assim como o desenvolvimento do
mercado financeiro, devido à maior possibilidade de financiar as patentes e
novo conhecimento.

3. AS POSSIBILIDADES DE DESENVOLVIMENTO DA ÁFRICA 

3.1. Perfil de desenvolvimento, exportações e complexidade econômica da


África

Os países africanos, mesmo sendo detentores de várias riquezas em


recursos naturais e boas condições agroecológicas, continuam atrasados na
corrida ao desenvolvimento, pois a sua dependência em commodities está a
levar a uma lenta transformação da estrutura produtiva fundamentalmente
voltada a produtos primários e com uma grande parcela da população
dependente da agricultura de subsistência, fazendo com que vivam abaixo da
linha da pobreza, sendo que a maioria dos países apresenta uma população
acima de 50% vivendo abaixo de USD 1,90 pessoa/dia, conforme o Mapa 01
abaixo.
Mapa 01. Taxas aproximadas da pobreza por país no ano de 2021
Fonte: World Population Review

Do acima exposto, torna a África um continente com mais países com


uma população acima de 50% a viver abaixo da linha da pobreza, seguido da
América latina e central, Ásia e finalmente alguns países Europeus. Esta
desproporção geográfica da pobreza é um grande indicativo que estes países
não atingiram a prosperidade econômica com o tempo, requerendo uma
atenção especial por parte dos desenvolvimentistas.

Em termos da estrutura das exportações, conforme o mapa 02 abaixo,


muitos países exportam commodities, com excepção de Marrocos e Tunísia,
em que as suas economias dependem de bens elaborados industrialmente,
sendo, respectivamente, automóveis e máquinas.   
Mapa 02. Categoria de Bens de Exportação Predominantes para os Países
Africanos
Fonte: Visual Capitalist

Não obstante esta realidade, Tunísia é o único país que apresenta um


índice de complexidade econômica relativamente alto que se equipara a países
como Canadá, Brasil, Índia e muitos países da Europa Ocidental, conforme o
Mapa 03, abaixo. O restante dos países, apresentam um índice baixo,
demonstrando uma baixa diversificação da produção, salvo alguns países da
África Oriental que não apresentam informações.
Mapa 03. O estágio atual dos índices de complexidade econômica dos países
africanos
Fonte: Atlas of Economic Complexity em https://atlas.cid.harvard.edu/rankings

Assim, as perspectivas de desenvolvimento destes países estariam


ligadas à possibilidade de tornar suas produções mais sofisticadas. Antes de
ver o comportamento dos determinantes, importa referir que esta complexidade
seria garantida pela transferência de tecnologias pelo fluxo de Investimentos
Direto Estrangeiro (IDE) que fluem a estes países, à semelhança da China que
alcançou bons resultados com a abertura da sua economia nos anos 70,
atraindo investimentos para as suas zonas econômicas especiais, o que levaria
a uma melhoria do product space de muitos países, apesar de que muitas
empresas que operam nesses países são multinacionais ligadas à indústria
extrativa com pouca ligação ao restante da economia.

Este facto, foi constatado por Celso Furtado, no seu estudo sobre
Venezuela, nos anos 50, identificando que o setor petrolífero ligado ao capital
estrangeiro e exportações pouco articulava com os outros setores na
economia, ou seja, havia pouco ganho em termos de produtividade do setor
exportador (que se beneficiava de novas tecnologias importadas) para toda
economia.
Por isso, dos determinantes da complexidade econômica identificados a
priori neste ensaio, tais como capital humano, patentes e o desenvolvimento do
mercado financeiro, pode-se aliar esta situação ou a tendência do IDE que flui
para os países africanos que estão ligados a indústrias extrativas sem
nenhuma articulação com a economia como um todo, o que ajudará a analisar
as possibilidades futura de desenvolvimento deste continente pela
diversificação na composição das suas exportações por cestas constituídos de
produtos mais complexos. 

3.2. Estágio dos determinantes da complexidade econômica nos países


africanos

O aproveitamento do potencial individual do capital humano africano tem sido


considerado a chave mais sustentável para a transformação económica e o
progresso social, devido a este continente possuir grande parte da sua
população jovem. Por isso, a África precisa de aproveitar os cérebros da sua
jovem população dinâmica para impulsionar a revolução tecnológica, a
competitividade económica e a prosperidade do continente. (BAD, 2014)

Assim, para medir o potencial que um país tem em capital humano, foi
concebido o Índice de Capital Humano (ICH) que destaca a forma como as
melhorias atuais da saúde e educação moldam a produtividade da próxima
geração de trabalhadores, assumindo que as crianças nascidas hoje
experimentam nos próximos 18 anos as oportunidades educacionais e os
riscos de saúde que as crianças nesta mesma faixa etária enfrentam
atualmente, em três componentes: (i) sobrevivência desde o nascimento até à
idade escolar, medida utilizando as taxas de mortalidade de menores de 5
anos; (ii) anos previstos de aprendizagem em termos quantitativos (o número
de anos de escolaridade até aos 18 anos) e qualitativos (aproveitamento
escolar) da educação; (iii) saúde, que indiretamente é medida por duas
componentes: (a) as taxas de sobrevivência dos adultos (de 15 anos que
sobrevivem até aos 60 anos de idade) e (b) a taxa de atrofiamento para
crianças com menos de 5 anos de idade. (World Bank, 2020)
Desta feita, o índice varia entre 0 e 1. Um país em que uma criança
nascida hoje pode esperar atingir a saúde plena (sem atrofiamento e 100% de
sobrevivência adulta) e o potencial de educação plena (14 anos de escola de
alta qualidade aos 18 anos de idade) obteria um valor de 1. Então, em termos
de interpretação, uma pontuação de 0,70 indica que a produtividade como
futuro trabalhador de uma criança nascida hoje está 30% abaixo do que
poderia ter sido alcançado com educação completa e saúde completa.
Numa escala global, os países considerados mais desenvolvidos
possuem um ICH acima de 64% e os menos desenvolvimento, com um índice
abaixo de 39% destes muitos são da África Subsaariana, com exceção de
África do Sul, Zimbabwe, Etiópia, Gana e Senegal que os seus índices se
apresentaram acima de 40%, conforme o mapa abaixo.

Mapa 04. Índice de Capital Humano na escala de 0-1, 2020.


Fonte: World Bank Data Base em https://data.worldbank.org/indicator/

Com isso, todos os países da África Subsaariana possuem uma média


de 40% do ICH, muito abaixo dos outros países do mundo, onde nessa
sequência estão os países da Ásia do Sul com um índice abaixo de 50%. Os
países do norte do continente americano apresentam um ICH mais alto com
75%, como descrito na tabela 01.
Tabela 01. Médias por região do Índice de Capital Humano, 2020.

Fonte: World Bank (2020)

Em termos de acumulação, considerando 103 economias, os países do


Leste Asiatico e Pacifico apresentaram maior acumulação do capital humano,
demonstrando a aceleração de desenvolvimento alcançado pelos países como
China, Coreia do Sul, Japão, Taiwan, entre outros, com uma evolução de 12%.
Os países da África Subsaariana, tiveram 2% de acumulação, uma taxa
semelhante à dos países já desenvolvidos.

Tabela 02. Acumulação de Capital Humano na década 2010-2020

Fonte: World Bank (2020)

No que tange a patentes, por estar ligado às questões de propriedade


intelectual, Hausmann (2011) indicou a existência de falhas de mercado e
vazamento de informações nos países da periferia, referindo-se à América
Latina. Estas podem dificultar o processo de patenteamento das descobertas
com um potencial de inovações que levariam a uma complexidade dos
produtos feitos e exportados destes países. Na falha de mercado foi
identificado a existência de mercados incompletos, o que implica uma falha de
coordenação no processo de inovação, comprometendo o retorno de um
investimento que possa ser feito, ou muitas vezes esta fica dependente de que
outro investimento seja realizado, para que os retornos sejam garantidos, como
capital humano adequado, infraestruturas, regulamentação, entre outros. E o
vazamento decorre do facto da fragilidade de proteção de propriedade
intelectual, em que desencoraja aos agentes incorrer a custos.
Estas constatações de Hausmann podem ser confirmadas pelos dados
de pedidos de patente por região, entre 2009 e 2019, na figura 01 abaixo, que
demonstra que os países africanos tiveram uma cota mundial abaixo de 1%, no
período em referência. 

Figura 01. Pedidos de patente por região, 2009 e 2019


Fonte: World Intellectual Property Organization (2020)

Finalmente, no referente ao desenvolvimento do mercado financeiro com


base na Financial Development Index Database do FMI, conforme o gráfico
abaixo, é demonstrado que a grande parte dos países africanos apresentam
um desenvolvimento fraco do sistema financeiro, com a exceção da África do
Sul, com um sistema financeiro robusto que se equipara aos países
desenvolvidos, conforme o Mapa 5 abaixo.
 

 
Mapa 05. Índice de Desenvolvimento Financeiro, 2020
Fonte: FMI Development Index Database (2020)

Portanto, fazendo a conjunção dos três fatores considerados como


determinantes da complexidade econômica, demonstraram que África
apresenta um baixo desempenho. Este facto, demonstra as poucas
possibilidades que os países africanos têm em atingirem a complexidade
econômica, ou seja, há poucas possibilidades de desenvolvimento futuro para
este continente via diversificação da sua cesta de exportação com bens
complexos que possam ser competitivos frente aos países já avançados. Para
que o desenvolvimento seja uma possibilidade, mais do que ajuda externa,
estabilização macroeconômica, criação de condições para atração de IDE não
ligada à indústria extrativa. As políticas dos parceiros devem focalizar-se
nestes e outros determinantes que incentivem as inovações tecnológicas
necessárias para uma equalização destas economias à cadeia de comércio
global.    
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Vimos que a abordagem empírica da complexidade, apesar de recente,


vem sendo cada vez mais utilizada como forma de se comparar diferentes
regiões e países em termos de estrutura produtiva. Ferramentas e métodos
novos surgiram com este propósito, permitindo analisar o nível de
complexidade de modo inacessível aos antigos autores estruturalistas e
desenvolvimentistas, embora muito ainda continue a ser feito por diferentes
autores e ainda haja uma necessidade de maior diálogo com o mainstream da
Economia.

Dada a importância da complexidade para explicar a diferença de renda e


desenvolvimento entre países e regiões, analisamos os seus principais
determinantes de acordo com trabalhos recentes, e em seguida analisamos o
caso particular da África, cujos índices de complexidade econômica
permanecem baixos em relação às outras regiões do mundo sob diferentes
aspectos relevantes.

Deste modo, caso se queira vislumbrar um futuro mais próximo àquele


continente sob o ponto de vista do bem-estar material, necessita-se quebrar o
círculo vicioso sob os qual os países permanecem dependentes da produção
de commodities primárias, promovendo políticas públicas amplas de incentivo à
mudança estrutural em direção à produção de maior complexidade e valor
agregado. Isto é, mais do que ajuda externa, as políticas devem ter como foco
a estabilização macroeconômica e atração de investimento estrangeiro externo
que não seja ligado à indústria extrativa, bem como maior incentivo à inovação
tecnológica e inserção destas economias à cadeia de comércio global.  
5. Referências Bibliográficas

ALENCAR, JÚLIA F. L.; FREITAS, ELTON; ROMERO, JOÃO P.  e BRITTO,


GUSTAVO. COMPLEXIDADE ECONÔMICA E DESENVOLVIMENTO: Uma
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BAD. Strategie Du Capital Humain 2014–2018. Washington, D.C.,Banque


Africaine de Developpement, 2014.

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Hausmann, Ricardo. “Structural Transformation and Economic Growth in Latin


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of Latin American Economics. Oxford: Oxford University Press, pp. 519–545,
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RODRIGUEZ, O. O estruturalismo latino-americano. Rio de Janeiro: Civilização


Brasileira-CEPAL, 2009.

WIPO. World Intellectual Property Indicators 2020. Geneva: World Intellectual


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World Bank. The Human Capital Index 2020 Update: Human Capital in the
Time of COVID-19. Washington DC: World Bank Group, 2020.

Yalta, Y. A., & Yalta, T. Determinants of Economic Complexity in MENA


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