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HISTÓRIA ou ESTÓRIA?
As Edições de Ouro e o Coquetel grafam a palavra história e não estória por
julgar a primeira forma mais correta, conforme dicionários mais
categorizados, que julgam a segunda forma imitação do inglês story, sem
correspondente com raízes em nossa língua.
1
Das dez horas da manhã até as onze, ou seja, durante uma hora
inteira, Cliff esforçou-se para espantar o cansaço profundo que
invadira seu corpo. Tentou recuperar a capacidade de raciocinar e de
reagir com a necessária rapidez. Naquele instante, ainda não poderia
imaginar que, dali a três horas, uma decepção terrível o aguardaria.
Levantou-se da mesa do café. Comera sozinho, já que os outros
participantes da operação estavam superocupados. O zumbido do
videofone cortou o silêncio.
Cliff parou e calcou a tecla de resposta.
— McLane — disse laconicamente. Era Halvorsen.
— Arme-se de paciência, comandante — disse. Cliff não saberia
dizer se o cônsul anunciaria um desastre ou não. — Enquanto o senhor
estava descansando, travamos o primeiro combate neste planeta.
Cliff logo compreendeu.
— Foram os Veever?
— Sim — respondeu o cônsul — pegamo-los junto à estação de
tanques em que Erickson foi atingido pelo disparo. C.O. ainda se sente
um pouco fraco, mas não sofreu qualquer dano permanente, Será que
poderia vir logo até aqui?
— Voarei — asseverou Cliff e desligou. Mario e ele chegaram
simultaneamente à plataforma.
— Comandante — disse Mario, apertando a mão de Cliff. — Será
que a grande aventura nos pegou?
Um sorriso cobria-lhe o rosto largo.
— Pegou. Mas não é exatamente o que eu queria. Venha comigo.
Uma multidão de colonos estava reunida na enorme sala que ficava
junto ao terraço. Pelas vestimentas e pela ausência das barbas marciais
percebia-se que eram quase todos terranos. Ninguém falava. No meio
da sala havia uma poltrona pesada. Titus Veever estava sentado nela,
amarrado com largas correias. Cliff parou como se alguém o
segurasse. Caminhou devagar para junto de Titus. Fitaram-se
longamente e em silêncio.
— Titus, caro colega de caça e companheiro de luta perigosa —
disse Cliff em tom penetrante. — O senhor tem sorte por estar apenas
amarrado a essa poltrona. Devo-lhe muita coisa, e prometi a mim
mesmo que lhe daria uma sova por causa de sua desonestidade. Que
tal?
— Seu tec estúpido! — resmungou Veever.
Cliff fez um sinal para Mario, abriu a grande fivela magnética de
seu cinto e entregou-o ao primeiro-oficial. Mario sorriu como quem
compreendia.
— Desamarre-o, Halvorsen — disse Cliff.
Halvorsen, muito nervoso, interpôs-se entre o colono e o
astronauta.
— Comandante, o senhor não pode... Afinal, este homem...
Cliff afastou-o.
— Na qualidade de chefe da operação ordeno-lhe que desamarre o
prisioneiro.
Halvorsen deu-se por vencido. Sacudiu os ombros e fez um sinal
para seus subordinados. Estes não disseram nada; desataram os cintos
que prendiam Titus. Cliff recuou um passo. Na sala, espalhou-se um
silêncio de tensa expectativa. Esse silêncio foi interrompido por Mario
de Monti, que tirou a pistola do cinto de Cliff, destravou-a com um
estalo e se colocou diante da porta.
— Vamos assistir a uma luta honesta, minha gente.
Veever levantou-se e parou diante da poltrona. Cliff procurou
golpear com a esquerda. Veever reagiu com uma rapidez extrema:
levantou os braços e reteve a mão esquerda de Cliff. Este puxou o
colono para junto de si, e com a direita desferiu um golpe que passaria
para a história.
Veever foi atingido em cheio. Foi atirado para trás, caiu na
poltrona e o pé desta quebrou-se com o impacto de seu corpo. A
violência do soco fez com que Titus rolasse e batesse em cheio contra
a parede. A pancada abalou a casa e um enorme quadro com moldura
especial soltou-se da parede. Tombou para a frente e quebrou bem na
cabeça do colono. Cliff ficou parando, fazendo massagem na mão
direita.
— O desempenho fez jus à sua fama, Cliff — disse Mario com um
sorriso largo.
Dois homens libertaram Veever da moldura e dos pedaços do
quadro e arrastaram-no para o centro da sala. Amarraram suas mãos e
ficaram parados em atitude de expectativa. Halvorsen esteve a ponto
de dizer alguma coisa, mas foi interrompido por um zumbido.
Alguém manipulou uma chave junto à escrivaninha coberta de
tubos de ensaio vazios, pequenos videofones e armas, além de lápis,
anotações e xícaras vazias. O grande videofone foi ligado e Helga
Legrelle surgiu na tela.
— Quero falar com o comandante McLane — disse em voz alta.
Cliff abriu caminho por entre os circunstantes. O rosto de Helga
trazia todos os sinais de pânico. Cliff desconfiou de que havia alguma
coisa terrível.
— Vou ligá-lo com Barcfield — disse laconicamente e moveu uma
chave. O rosto do cientista encheu a tela.
— McLane, é uma coisa terrível — balbuciou. Parecia que sua voz
não obedecia à vontade.
— O que houve?
— Das oitenta amostras, todas foram examinadas, e não existe
nenhuma possibilidade de engano, setenta e seis não acusaram nada.
São compostas exclusivamente de extratos.
Cliff pensou que o chão iria abrir-se embaixo dele. Na sala só se
ouvia a respiração pesada do colono, que parecia recuperar a
consciência aos poucos.
— E as quatro restantes? — indagou Cliff.
— As quatro estão infetadas de vírus de febre amarela.
— Meu Deus! — disse Cliff. — Será que não houve algum
engano?
O cientista-chefe sacudiu a cabeça sem dizer uma palavra.
— Isso significa que Terra não terá a menor proteção se alguém
tiver a idéia de carregar as naves de algum desses dezesseis tanques.
Seria a maior catástrofe desde o planeta incandescente que saiu da
trajetória. Obrigado, Barcfield.
Barcfield hesitou.
— Para sua informação quero acrescentar que as amostras provêm
dos conjuntos de tanques Quinhentos e Trinta, Quinhentos e Trinta e
Nove, Seiscentos e Vinte e Um e Setecentos e Três.
Uma pessoa que se encontrava na sala anotou os números.
— É só o que posso informar — disse Barcfield. — O que
devemos fazer, comandante?
— Interrompa as análises. Vá dormir e prossiga quando estiver
descansado. Depois documente tudo e reúna provas cabais dos fatos.
Algum ocupante da nave ficou exposto aos vírus de febre amarela?
— Não. Fizemos vacinas com culturas criadas às pressas. O senhor
ainda terá que ser vacinado, McLane.
— Daqui a pouco estarei aí — prometeu Cliff em tom nervoso.
— Ei! — disse alguém com a voz rouca. — Ouça, seu tec
estúpido!
Várias cabeças viraram-se. Titus Veever endireitara o corpo um
pouco e virou a cabeça de forma a poder fitar McLane com os olhos
inchados.
— Quer repetir a dose? — perguntou Cliff em tom gentil.
— O senhor perdeu o jogo, astronauta. Parecia que ali vinha outra
surpresa.
— Por quê? — perguntou Cliff.
— Ontem os tareys carregaram quatro naves, que se encontram na
rota de Terra. Pousaram junto aos tanques que continham vírus. O
senhor perdeu e Terra também.
Cliff ficou calado por segundos.
Depois disse com uma calma que surpreendeu até mesmo Mario,
embora o primeiro-oficial conhecesse o poder de autocontrole de Cliff:
— Cônsul Halvorsen.
— Pois não, comandante.
— Leve este homem à câmara fria da Hydra II. É uma ordem.
Cuidarei do resto.
Depois segurou Mario pelo ombro e gritou:
— Depressa, Mario. Realizaremos uma decolagem de emergência
com a Orion.
Saíram correndo sem despedir-se das pessoas que se encontravam
na sala.
Precipitaram-se para dentro do elevador central, comprimiram o
botão e foram à parte inferior da nave. O pequeno elevador
recolheu-os. Dali a pouco, viram-se na sala de comando. Helga
virou-se abruptamente ao ver os dois homens. Manipulava os
comandos de comunicação audiovisual.
— O que houve? — cochichou em tom assustado.
— Uma decolagem de alarma. Onde estão Atan e Hasso?
— Atan está no seu camarote, dormindo — disse Helga. — Hasso
está com os cientistas.
Cliff foi saindo e gritou:
— Avise Tamara e Van Dyke. Tomarei uma vacina. Halvorsen
explicará tudo.
Voltou dali a cinco minutos. Ao lado dele, Hasso atravessou
correndo os sessenta metros do espaçoporto. Atan já estava sentado
diante das telas. Helga gritou ordens numa sucessão rápida, seguidas
de instruções e informações. Hasso desapareceu na sala de máquinas,
e Mario já havia programado a rota para Terra.
— Comandante para computação: curso de Terra programado?
— Comandante para sala de máquinas: toda força em todos os
conjuntos. Velocidade máxima.
— Entendido.
Hasso, que como de costume surgiu na tela, levantou a mão.
— Comandante para rádio: prepare-se para transmitir uma série de
mensagens para Tareyton e para as autoridades terranas.
— Todos os contatos estabelecidos. Livro de bordo funcionando
— respondeu Helga.
— Decolar! — disse Cliff.
A Orion VIII subiu, disparou para o céu e afastou-se
vertiginosamente. Dali a alguns segundos, durante os quais os
neutralizadores de gravidade tiveram que realizar um trabalho titânico,
os homens reunidos na casa de Halvorsen ouviram um forte
estampido. Isso se deu quando o disco prateado ultrapassou a barreira
do som. A nave desapareceu no espaço.
— Estabeleça contato com Tareyton, minha filha — disse Cliff em
tom tranqüilo.
Contemplou a tela central redonda. Viu o planeta diminuir e o sol
reduzir-se até ficar do tamanho de uma estrela. Dali a alguns minutos,
se as máquinas não queimassem, a Orion penetraria no hiperespaço.
— Contato estabelecido. Ligarei as telas.
Helga moveu várias chaves.
— Preste atenção, Halvorsen — disse Cliff, que já se acalmara um
pouco. — O senhor já deve ter verificado quando as naves cargueiras
decolaram de seu planeta, não é?
Halvorsen esboçou um sorriso forçado.
— Sim, infelizmente — respondeu.
— Por que infelizmente? — perguntou Cliff.
— Porque lamento ter que dar-lhe a informação que segue,
McLane. A primeira das quatro naves tem uma vantagem de vinte e
duas horas. A última decolou há dez horas. Estamos reunindo uma
tripulação que voará para as quatro estações de tanques. Assim que
tivermos os resultados, entrarei em contato com o senhor pelo
hiper-rádio. Entendido?
— De acordo — disse Cliff. — Não se preocupe. Minha Orion é
uma nave muito rápida.
— Acontece que são vinte e duas horas. Isso corresponde a seis
zonas de distância.
— Quer fazer o favor de chamar Tamara Jagellovsk?
Halvorsen fez um gesto afirmativo e transferiu a ligação.
— Decolei para interceptar as naves antes que cheguem a Terra —
disse Cliff sem o menor intróito. — Tentarei convencer os
comandantes a pararem. Além disso, entrarei em contato com Villa e
Wamsler. Concluam as investigações e levem Halvorsen e Veever a
Terra. Combinado?
— Combinado, Cliff.
Oeste/Seis 039. Uma nave levava cerca de cento e quarenta horas
para chegar a Terra. As naves cargueiras eram mais lentas.
"Por isso", assim pensou Mario de Monti no dispositivo de
alimentação do computador, "a Orion teria que vencer o percurso em
pouco mais de cento e vinte horas para ter uma chance real."
— Faça o favor de chamar Lydia van Dyke.
— General — disse o comandante — farei o possível para
convencer as naves a pararem. Se alguma coisa não der certo, poderei
contar com seu apoio?
— Pode contar com todo o apoio da minha parte, Cliff — disse
Lydia em tom amistoso.
— Muito bem. É possível que tenha que tomar uma medida
drástica. Gostaria de ter cobertura.
— No que depender de Tamara e de mim, o senhor pode contar
com todo o apoio.
Cliff aproximou os dedos da tecla.
— Obrigado — concluiu.
A tela escureceu. Cliff levantou-se. Parou no centro da sala de
comando e disse:
— Daqui a alguns minutos, a nave penetrará no hiperespaço. Atan,
faça o favor de permanecer junto às telas. Mario, você cuidará do
rádio. Helga tem dormido pouco; rápido, para o camarote. Hasso.
O engenheiro da nave respondeu pelo intercomunicador de bordo.
— Não posso aumentar mais nada, Cliff, senão ficaremos parados
no hiperespaço.
— Ainda não entramos nele, Hasso.
— Não, mas daqui a pouco vamos saltar.
— Muito bem. Helga e eu vamos dormir. No momento em que um
de vocês se sentir cansado acordará um de nós. A substituição tem de
ser imediata. Pelo menos três postos devem ficar constantemente
guarnecidos. Ligarei o piloto automático. Tudo entendido?
— Durma tranqüilo, comandante — murmurou Atan. —
Cuidaremos da Orion como se fosse uma preciosidade.
Cliff sorriu.
— Muito bem — disse. — Confio em vocês.
A Orion VIII, que era uma das naves espaciais mais velozes de
Terra, correu pelo espaço como um fantasma prateado, foi ganhando
velocidade e finalmente foi empurrada para o hiperespaço pelas
máquinas.
O painel de rádio estava com o autômato de advertência ligado.
'Hasso acompanhava as indicações das máquinas que corriam
vertiginosamente. Mario achava-se sentado na poltrona de comando.
Dez horas depois da decolagem: há algum tempo De Monti
procurava pesar as chances do empreendimento de Cliff.
"Conseguiria alcançar as outras naves? A Orion ultrapassaria ao
menos três delas.
E uma série de mensagens de rádio seria suficiente para advertir os
respectivos comandantes. O perigo residia na quarta nave, aquela que
decolara em primeiro lugar. Quando os vírus de febre amarela
tivessem sido inseridos no processo produtivo, já não haveria como
salvar Terra de seu triste destino."
Continuou pensando:
"Nem mesmo os robôs e uma equipe sanitarista trabalhando a toda
velocidade conseguiriam vacinar alguns bilhões de homens contra a
febre amarela, uma doença há muito extirpada e esquecida. E os que
fugissem nas naves levariam os germes para todos os setores do
espaço."
Essas idéias fizeram Mario empalidecer. Sentiu um calafrio. Com o
canto dos olhos, viu a luz que piscava.
Dirigiu-se imediatamente ao painel de rádio, girou os botões e
ligou o hiper-receptor. Ao mesmo tempo, conectou o dispositivo de
escrita e pôs o livro de bordo a funcionar. Uma mensagem transmitida
por fita começou a ser gravada.
Seu teor era o seguinte:
Aqui fala o planeta Tareyton. Chamamos McLane a bordo da
Orion VIII. Nossos comandos descobriram que as tripulações técnicas
das quatro naves espaciais foram subjugadas. Os homens já se
encontram no consulado, sãos e salvos. Informam que as quatro naves
foram guarnecidas por uma tripulação composta de colonos que as
levará a Terra. Com isso, o perigo tornou-se ainda maior. Titus
Veever, submetido a um inquérito mais rigoroso sob a direção de
Tamara, confessou que as tripulações receberam ordem de lançar os
estoques na atmosfera terrana. Os cientistas pedem que
acrescentemos o seguinte: o vírus da febre amarela não corresponde
ao tipo clássico. Trata-se de uma cultura especial que produziu uma
bactéria desnaturada. Provavelmente não poderá ser combatida por
qualquer dos medicamentos ou soros conhecidos. Assinado.
Halvorsen. Decolarei dentro de cinco horas em companhia de Veever
e das tripulações libertadas, com destino a Terra. Desligo.
— Virão na Hydra II — murmurou Mario e disse:
— Atan. Leia isto.
Hasso surgiu na tela do videofone.
— Mario, seu rosto merece um estudo. O que está lendo?
— As piores notícias que vi desde o momento em que decolamos
de Terra — respondeu Mario. — Deixe suas máquinas em paz por
alguns minutos e dê um pulo até aqui.
— Irei logo — disse o engenheiro da nave.
Leram o texto que retratava uma terrível realidade. Repetiram a
leitura e decidiram acordar Cliff imediatamente. Caberia a ele decidir
o que se deveria fazer.
Havia cinco naves que seguiam a rota de Terra. Quatro delas
levavam uma carga mortífera. Seria uma corrida de cujo resultado
dependeria a própria existência de Terra. Mario encarregou-se de
acordar Cliff.
— Pegarei esta folha e tentarei explicar ao coronel que só há uma
possibilidade de aumentar o clima de tensão. Seria o aviso de que a
primeira nave pousou ou coisa semelhante.
Hasso sacudiu a cabeça.
— Você tem um humor bastante macabro, meu caro — disse.
***
Cliff fitou os números, como se os mesmos pudessem produzir
algum milagre. 122:25:09:30... Essas cifras indicavam a distância no
tempo a partir do momento em que as máquinas da nave foram postas
a funcionar. Cento e vinte e duas horas e vinte e cinco minutos:
durante esse tempo a Orion VIII correra vertiginosamente pelo espaço,
executara saltos pelo hiperespaço e encontrava-se a poucos segundos
do momento em que voltaria a ser arremessada para o espaço normal.
— Estamos chegando perto de Terra — disse Cliff. — Ainda
temos tempo de transmitir a mensagem. Faça correr a fita, Helga.
Já conhecia o texto do aviso de Halvorsen e ajustara seus planos ao
mesmo. A antena da nave irradiou a primeira mensagem pelo
hiperespaço. Hasso utilizou todas as reservas energéticas para atingir
uma capacidade de transmissão mais alta. O texto foi o seguinte:
Aqui fala o cruzador espacial Orion VIII comandado por McLane.
Circunstâncias extraordinárias obrigam-me a expedir a seguinte
ordem: é estabelecida uma proibição geral de pouso para toda e
qualquer nave. Repito. Uma proibição geral de pouso para toda e
qualquer nave. Nenhum veículo espacial poderá penetrar na
atmosfera terrana. Meu projetor Overkill será utilizado sem a menor
contemplação se constatar qualquer violação desta ordem. Desligo.
O aviso foi transmitido três vezes. Depois Helga desligou. Todas
as naves que se encontrassem no hiperespaço, nas proximidades de
Terra, haviam captado a mensagem. Dali a alguns segundos, o sol e as
estrelas surgiram nas telas da nave. A Orion encontrava-se no espaço
normal, a uma unidade astronômica de Terra. Os tripulantes
encontravam-se nos seus postos.
Cliff estava sentado em sua poltrona, com os cintos atados, e
segurava os controles de pilotagem manual. Cada pessoa que se
encontrava a bordo sabia perfeitamente o que tinha que fazer. Hasso
reduziu o desempenho da maior parte das máquinas. Com uma
satisfação silenciosa, constatou que nem um único bloco se queimara,
embora parte dos condutos tivesse sofrido bastante.
— Atan — perguntou Cliff em tom penetrante. — O que está
vendo?
As telas de Atan mostravam o setor espacial adjacente a Terra no
qual deveria surgir a nave de Tareyton. Se os cálculos de Cliff fossem
corretos, e se os colonos quisessem arriscar uma missão suicida, a
nave teria que aparecer a qualquer instante.
— Por enquanto nada.
Helga girou a fita para trás e ligou o transmissor para o tráfego de
rádio normal. Mais uma vez, as áreas adjacentes a Terra receberam um
aviso. As poucas naves da frota que se encontravam nas proximidades
souberam interpretar corretamente a informação de McLane. Afinal,
conheciam o coronel. Além disso, dali a poucos segundos, o texto
seria transmitido para o gabinete de Wamsler. Este ouviu a mensagem,
empalideceu e começou a esbravejar.
Os segundos passaram devagar, arrastavam-se, martirizavam os
homens...
— Há um contato de ressonância, Cliff.
— Procure verificar se é uma nave cargueira ou um cruzador.
Atan fez suas verificações e, dentro de quinze segundos, constatou
sem a menor sombra de dúvida que se tratava de uma nave cargueira
vinda de Tareyton. Fez um sinal, e Cliff levantou a cabeça. Fitou os
olhos de Mario de Monti, que ocupara seu lugar no posto de artilharia.
— Agiremos conforme o plano — disse Cliff.
— Entendido.
A Orion já se encontrava a menos de uma unidade astronômica de
Terra. Acelerou e moveu-se ligeiro em direção ao outro disco. Helga
tentou ininterruptamente estabelecer contato radiofônico com a outra
nave, mas foi em vão. As naves aproximaram-se. Não havia a menor
dúvida de que o destino do cargueiro era Terra. Quando Cliff seguiu
uma rota de colisão, não reduziu a velocidade, mas apenas o sentido
de deslocamento.
— Vamos atacar — disse Cliff.
A Orion aumentou a velocidade e aproximou-se. Cliff freou e
colocou a nave em posição. Mario tinha a nave cargueira na mira.
Comprimiu o botão e abriu fogo. Compridos fios brancos de fogo
correram em direção à outra nave e esfacelaram o envoltório que
abrigava os propulsores. A nave cargueira foi reduzida à imobilidade
total. Um raio de tração segurou-a. Vagava no espaço sem a menor
capacidade de impulso. Mais dois tiros foram disparados e derreteram
as comportas de saída.
— Excelente, Mario — disse Cliff.
A nave cargueira girava inerme sobre a tela redonda. Com exceção
das máquinas, o veículo espacial estava intacto. Apenas, não poderia
percorrer um metro sequer com seus próprios recursos.
— Foi a número um — disse Mario. — Onde estão as outras?
— Devagar — respondeu Helga em voz alta. — Antes de mais
nada teremos que ouvir os gritos de Wamsler. Está no meu receptor.
Contato audiovisual por Eos IV.
— Transfira — disse Cliff.
***
— Marechal Wamsler — gritou McLane, quando este, que
gesticulava furiosamente, surgiu na tela. — Ouça primeiro o que tenho
que lhe dizer.
— O que está pensando? Comando alfa. Pouse imediatamente.
Nos últimos dias, Cliff tivera que controlar-se demais. Ainda desta
vez se controlou. Fitou o rosto de Wamsler, aguardou uma pausa entre
os gritos e os comandos e disse em tom tranqüilo:
— Assim que voltar ao normal, discutirei o assunto com o senhor,
marechal.
Fez um sinal, e Helga Legrelle interrompeu a comunicação. Cliff
conseguiu ignorar as ordens das F.R.E.T. Também conseguiu reduzir à
imobilidade as três naves restantes vindas de Tareyton. Rebocou-as
para as proximidades de Terra, certificou-se de que nada mais poderia
acontecer e depois solicitou formalmente permissão para pousar.
Assim que a Orion VIII desceu na Base 104, quinze agentes do SSG
prenderam a tripulação.
Cliff ficou trancado por doze horas numa cela solitária. Teve
oportunidade de rememorar todos os detalhes do drama. Não se sentia
muito bem.
Finalmente vieram buscá-lo. Foi levado ao gabinete de Villa como
se fosse um criminoso de alta periculosidade.
Cliff já conhecia este tipo de procedimento. Mas desta vez,
sentia-se enojado. Sua equipe estava reunida, sentada em fila a seu
lado. À sua frente, Wamsler e Villa estavam entronizados, com
Michael Spring-Brauner no centro. O recinto formigava de agentes do
SSG.
— Coronel McLane — disse Villa num temível tom de voz — o
senhor forçou demais as coisas. Exagerou e não há desculpa sobre os
atos premeditados que praticou. Ou será que tem alguma explicação?
O rosto de Cliff assumiu uma expressão fatalista quando
respondeu:
— Tenho uma impressão bastante nítida de que a partir de
determinada graduação a sensibilidade sadia sofre uma redução
acentuada. Por acaso rebocaram as quatro naves cargueiras?
— Foi o que fizemos — disse Villa com um sorriso finório.
— E examinaram o conteúdo dos tanques? — perguntou Cliff. —
Afinal, não é totalmente impossível que uma vez tivessem uma boa
idéia.
— Nos tanques havia os extratos de Tareyton.
— E esses extratos contêm tantos vírus de febre amarela
desnaturados que, com eles, se poderia despovoar metade da Galáxia,
coronel — disse Cliff. — Com esta o senhor não contava, não é
mesmo? — soltou uma risadinha.
Por alguns segundos, Villa fitou-o com uma expressão de
incredulidade. Depois ligou um videofone e pediu às suas equipes que
mantivessem os tanques fechados e chamassem um grupo de
bacteriólogos. Cliff e seus companheiros ouviram-no.
— Normalmente costuma-se perguntar ao réu qual foi sua intenção
ao praticar o ato de que é acusado — ironizou Cliff em tom de
recriminação. — É claro que esta regra não se aplica nos recintos em
que nos encontramos. O velho McLane agiu por puro prazer quando
reduziu uma nave a sucata no interior do cubo espacial terrano. E,
antes, procurou voar de Tareyton para cá num tempo recorde porque
não tinha outra coisa a fazer.
Depois a raiva apossou-se dele.
— De resto — berrou sem o menor autocontrole — não tenho
nenhuma vontade de discutir com os senhores. Exijo que me levem de
volta a minha cela. Dentro em breve Lydia, Halvorsen, nosso cônsul
em Tareyton, doze astronautas libertados e Tamara deverão pousar
aqui. Pergunte a essas pessoas por que vieram para cá. Ainda lhes dou
um bom conselho: prestem atenção ao que Halvorsen tem para contar.
Dirigiu-se às sentinelas.
— Vamos! — gritou. — Levem-me de volta. E não me
incomodem antes que tudo tenha passado.
Villa fez um sinal para os homens. McLane foi levado para a cela
solitária. Adormeceu...
***
...e acordou.
Ao que parecia, tinha sonhado, e ao menos os sonhos
demonstraram-lhe alguma compreensão. Reconciliaram-no com seu
destino amargo. Cliff apalpou os dedos doloridos e sonhou que
Halvorsen se encontrava diante dele com um copo enorme de Archer's
Tears e sorria. Seu bigode tremia nervosamente, que nem os juncos de
Grande Laguna.
Abriu os olhos e piscou-os, um tanto confuso. Wamsler e Villa
estavam sentados à sua frente.
— Oh, não!
Cliff ergueu-se. Não quis acreditar. Villa e Wamsler seguravam
um enorme copo e cheiravam seu conteúdo. Wamsler parecia um tanto
embaraçado. Pôs a mão para trás e trouxe um terceiro copo.
— Recomendações de Halvorsen — disse Wamsler em tom alegre
e descontraído. — Pediu que lhe entregássemos esta "água da
consolação".
— Contou o que aconteceu? — perguntou Cliff, olhando Villa e
Wamsler com uma expressão desconfiada.
— Contou — disse Villa e tomou um grande gole. — E deu o
devido realce ao papel desempenhado pelo senhor.
Wamsler bateu nas coxas e resmungou:
— Já estou perdendo a paciência com o senhor, McLane.
Constantemente fico rastejando para pedir desculpas.
Cliff cheirou a bebida e sorveu um grande gole. Dentro de poucos
segundos, dispôs-se a esquecer sua raiva pelas F.R.E.T. e pelo SSG.
Cliff sorriu ligeiramente e perguntou:
— Ficou tudo esclarecido?
— Ficou — disse Villa. — Ficamos muitíssimo agradecidos ao
senhor. Nosso juízo foi precipitado; a razão estava com o senhor.
Empenhei-me pessoalmente junto ao governo terrano e consegui
convencê-lo a importar uma grande remessa desta aguardente
saborosíssima e presentear o senhor. Mais uma vez, Terra foi salva
pelo senhor.
— Foi, sim. Mas nunca teria conseguido se não fosse minha
tripulação e o cônsul Halvorsen.
Cliff contemplou os dois homens.
— Quando os vejo tão quietos — disse baixinho e com uma falsa
amabilidade na voz — só posso ter pena dos senhores, que ficam
sentados aqui embaixo, sem ver a lua branca de Tareyton, as aves
negras e os peixes dentuços, sem ouvir o farfalhar dos juncos, sem
sentir o cheiro da água salgada. Por isso, nunca compreenderão o
quanto um homem como eu ama a liberdade.
— A liberdade de derrubar os tareys com socos ferozes? —
perguntou Villa.
Wamsler sorriu.
— Ou a liberdade de embriagar-se vergonhosamente em serviço?
Cliff desistiu. Não adiantava discutir com esses homens numa base
racional. Não compreendiam nada. Se não acontecesse um milagre,
morreriam nestas "cavernas". Esvaziou o copo e começou a rir.
***
Em Mais Rápido que a Luz, próxima aventura da Patrulha das
Estrelas, a supernave Orion, comandada pelo coronel Mc Lane, vive
mais uma emocionante aventura.
*
**