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O E sc r a v o

n a F o rm a ção
S o c ia l
d o P ia u í
Perspectiva Histórica
do século X V I I I
Tanya Maria Pires Brandão
a

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© Copyright by Tanya Maria Pires Brandão

U N IV E R S ID A D E F E D E R A L D O P IA U Í

R eitor
Pedro Leopoldino Ferreira Filho
V ice-R eito r
Rômulo Gavoso Castello Branco

C O N S E L H O E D IT O R IA L

P resid en te
Fabiano de Cristo Rios Nogueira

M EM BROS
Celso Barros Coelho
Francisco Newton Freitas
Humberto Soares Guimarães
Ordônio Moita Filho
Tomás Gomes Campeio

B 817* À Cê a rla Beatriz,


B randão, T anya M aria P ires CftZenata Izabel,
O escrav o na form ação so cial d o P ia u í: p e rs p e c tiv a h is tó r ic a d o
sécu lo X V III / T anya M aria F*ires B ra n d ã o ; A p re s e n ta ç ã o d e A rm a n d o <77Zaria Cecília
S o u to M aior. — T eresin a: E d ito r a d a U n iv e rs id a d e F e d e ra l d o P ia u í, e C)/}/lan a Cristina
1999.
de quem, voluntariam ente, me to m ei escrava
198 p
1. P iau í - H istó ria 2. C a p ita n ia d o P ia u í 3 . E sc ra v id ã o - B rasil C o ­
lónia.
I. T ítu lo GDD 981.22
índice

A p re se n ração

I n tr o d u ç ã o ............................................................................................................... 17

C apítulo I A p o lític a c o lo n ia l p o rtu g u e sa na A m e ric a ..........................35

C apítulo II A c o lo n iz a ç ã o d o 1’i a u í ............................................................. 45

C apítulo III A e c o n o m ia d o Piauí a té o século W 1 I I ........................ 61

C apítulo I V F o rm a ç ã o social do Piauí - século X V II I ......................... 87

C apítulo V C a r a c te rís tic a s d a escravaria no P i a u í .............................. 113

C apítu lo V I A s m a n e ira s d e tra b a lh o e as


re n d a s e c o n ó m ic a s do escravo no P ia u í.......................... 141

C apítulo V I I O e sc ra v o na fo rm ação social d o P ia u í....................... 151

R e fe rê n c ia s B ib lio g rá fic a s.................................................................................173

B ibliografia S e c ç ão P ia u í....................................................................................183

D o cu m en to s C o n su lta d o s:

I m p r e s s o s ................................................................................................... 187

M a n u s c r ito s ................................................................................ 189

I n v e n tá r io s .................................................................................................195
índice - Q u a d m s índice - Figuras

1 N ú m ero de fa z e n d a s d e g a d o d o P ia u í - 1764 a 1 7 7 2 ......................... 65 1 M a p a g e o g rá fic o d e lo ca liz a ç ão d a s f a z e n d a s d e


2 E xportação d a s F a z e n d as d o F isco - 1 770 a 1 7 8 0 .................................. 8 0 g a d o no P iau í, n o a n o d e 1 6 9 7 ....................................................................... 57
3 E volução d em ográfica d o P ia u í - 1607 a 1 7 9 7 .........................................91
2 M a p a c a rto g rá fic o d a C a p ita n ia d o P ia u í
4 E volução das fa z e n d a s d e g a d o no Piau í - 1674 a 1 7 9 7 .......................93 no a n o d e 1 7 6 1 .................................................................................................... 58
5 D isrrib u ição d a p o p u la ç ã o p o r F re g u esia , z o n a s l rb an a
e Rural. Piauí - 1 7 6 2 ...........................................................................................96 3 e 4 T a n q u e s p a ra c u r t u m e d e c o u r o ............................................................85
6 D istrib u ição d a p o p u la ç ã o p o r D is tr ito , z o n a s
5 C a s a -G ra n d e d e S ão D o m in g o s ................................................................... 109
l rbana e Rural. Piauí - 1 7 7 2 ........................................................................ 96
7 C a p ita n ia do P iauí: n ú m e ro d e Fogos p o r f a z e n d a - 1 7 6 2 ................. 98 6 'P ipo d e m e s tiç a d o P i a u í ................................................................................ 110
8 C a p ita n ia d o P iauí: n ú m e r o d e Fogos,
Fazendas e S ítio s - 1 7 7 2 ...................................................................................9 9 7 N e g ra p ia u ie n s e d e a s c e n d ê n c ia ................................................................. 137
9 População d o P iau í no fin a l d o s é c u lo X V IJI,
8 e 9 T ip o d e c o n s tr u ç ã o e x e c u ta d a p e lo s e s c r a v o s ...............................138
por gru pos érn ic o s ......................................... .................................................. 100
I 0 D istrib u iç ã o d a p o p u la ç ã o d o P ia u í d e a c o rd o l O e l l I n s tr u m e n to s d e t o r t u r a .................................................................... 170
com a c o rd a p e le dos h a b ita n te s - 1 7 7 2 .............................................. 101
I I População d o Piauí n o fin a l d o s é c u lo X V III, 12 e 1 3 I n s tr u m e n to s d e s u p líc io ............................................................... 171
por fazendas e grupos é t n i c o s ................................................................... 131
12 D istrib u iç ã o p e rc e n tu a l e p ro p o rc io n a l d a p o p u la ç ã o
livre e escrava p o r fa z e n d a n o P iau í e m 1 6 9 7 .................................... 132
13 D isrrib u ição d a p o p u la ç ã o livre e e scra v a , z o n a s
l rbana c R ural, por Fogos e F a z e n d a s - P ia u í. 1 7 6 2 ..................... 133
1 4 D isrrib u ição d a p o p u la ç ã o livre e escrav a
por Freguesia no Piauí e m 1 7 9 7 ............................................................... 134
15 D istrib u iç ã o p o r a m o s tra g e m d e escra v o s p o r id a d e , sex o e
nacionalidade, em C a m p o M aior. P iau í - s é c u l o X V I I I ................. 135
1 6 Valor m édio d o escravo c m ( ia m p o M aior, P iau í,
na 2l m etad e d o sécu lo X \1 I I ................................................................... 136
< 5^1 gradecimentos

À U F P E , e m e s p e c ia l a o curso d e M e strad o e m H istó ria q u e


n o s p ro p o rc io n o u o i n s t r u m e n to básico para elaboração m eto d o ló g ica
e c ie n tíf ic a d e s s e tra b a lh o ;
A o g ra n d e m e s tre o rie n ta d o r, Dr. A rm ando S o u to M aior, p o r sua
a m i z a d e , p e la o r ie n ta ç ã o c ie n tíf ic a e p a c iê n c ia na c o n s tru ç ã o e
e la b o ra ç ã o d o tra b a lh o ;
A C o o rd e n a ç ã o , p ro fe sso re s, funcionários e colegas d e curso, pelo
e s tím u lo , a p o io e a m iz a d e ;
A m e u s p a is, q u e a c re d ita ra m e m mim e não m ed iram esforços
e m in v e s tir na m in h a e d u c a ç ã o ;
À p ro fe s s o ra C é lis P o rte la N u n e s , ch efe do D e p a rta m e n to d e
G e o g ra fia e H is tó ria d a U F P I , pelo se u apoio, in c e n tiv o , palavras e
e x e m p lo d e v id a;
A o p ro fe s s o r F e r n a n d o D ib T a jra , c o o rd e n a d o r do c u rso d e
C iê n c ia s S o c iais d a U F P I , p e lo in c e n tiv o e su g e stõ e s a p a rtir das
d is c u s s õ e s d a s p ro b le m á tic a s d o tra b a lh o ;
À s p ro fe sso ra s M a ria d o Socorro Rios M agalhães e D e ild e s d e
O liv e ira P ra d o p e la c o rre ç ã o e revisão final do tex to ;
Aos universitários C arlos .Augusto P. B randão e G ildivane C ardoso
pela colaboração na c o m p u ta ç ã o d o s d a d o s e s ta tís tic o s e a ju d a na
p esquisa desenvolvida:
Ao O dilon Freitas pela g e n tile z a e co o p eração in d isp e n sá v e is
na im pressão da 1* fase d e s te trab alh o ;
A todos q u e d ire ta ou in d ir e ta m e n te a ju d a ram a so lu c io n a r os
problem as, inclusive os de o rd em d o m é stic a , a fim d e q u e p u d é s se m o s
elaborar e ste , d u ra n te a fase d e d isse rta ç ão .

Tanya Brandão
cS^presentação

B rasil te m u m a im e n s a d ív id a com a raça negra. N ã o h á com o


n e g a r e s ta d ív id a , p o rém , o h isto ria d o r não d e v e s e r u m ju iz o sirian o ,
ju lg a n d o o passad o , d is trib u in d o p ré m io s e c o n d e n a ç õ e s d e acordo
com su a s c a te g o ria s é tic a s e as d e seu te m p o .
A h u m a n id a d e a in d a é m oral e e s p ir itu a lm e n te p o u c o ev o lu íd a
e u m a v isã o g e ra l d e s te fin a l d e s é c u lo e d o m ilé n io d e m o n s tr a
c la ra m e n te q u e o p ro b le m a da escrav id ão no País é u m re fe re n c ia l
para e ssa reflexão e o q u a n to d e v e rd a d e p o d e m te r e s ta s palavras.
H á , se m d ú v id a , u m s e n tim e n to d e e s p e ra n ç a ; p o ré m , m e sm o a ssim ,
a e scra v id ã o a in d a p e rs is te na nossa p ró p ria é p o c a, m ascarad a d e m il
form as p o lític a s e ec o n ó m ica s, ta n to no País com o e m o u tra s regiões
m ais d e sen v o lv id as. E s te livro não se p ro p ô s a p re s e n ta r u m libelo,
u m a a cu sação a cad êm ica c o n tra nossos a n te p a s s a d o s q u e , no K a u í d o
século X V III, u saram e a b u sara m do d e s p ro te g id o braço escravo. T an y a
M aria R r e s B randão p ro c u ro u , nas su as p á g in a s, e x p lic ar o esp aç o d a
escrav id ão negra na tra m a d o p ro cesso d a co lonização, e nos revela
com o e la não se lim itav a a d e te rm in a d o s g ru p o s sociais. A p o sse d e
escravos é, d e s g ra ç a d a m e n te , d ifu n d id a e a c e ita p e la p ró p ria C oroa
P o rtu g u e sa , clero, ricos, re m e d ia d o s e a té b rancos q u e p o d e ria m s e r
c o n sid e rad o s re la tiv a m e n te p o b res. O s je s u íta s p raticaram a escravidão
a b e rta m e n te . S e, por u m lado, d e fe n d e m os ín d io s — com o m a n tê -lo s
cativ o s se a te rra é d e le s , a c o n h e c e m b e m . fogem com fac ilid a d e e c irc u n stâ n c ia e sp e c ia l d e te re m escravos. Para isso m ergulha em fontes
e m b re n h a m -s e nas lo n ju ras do se rtã o — por o u tro , com o a d m in is ­ p rim árias nos a rq u iv o s p ú b lic o s, privados e cartonais. O s arquivos não
tra d o re s d e fa z e n d a s e sítio s u sa m . a p a re n te m e n te se m rem orsos, os lhe fo rn eceram a p e n a s e s c ritu ra s capazes d e quantificações confiáveis.
n eg ro s nas fain as agrícolas e p a s to n s . com o reg istra a p e sq u isa d o ra . M ilh a r e s d e d o c u m e n t o s , d i r e t a ou in d ir e ta m e n te rela riv o s à
A h istó ria da e scra v id ã o no Brasil d e s e n v o lv e u -s e com d u a s e s c r a v id ã o , p a s s a r a m p e la s s u a s m ã o s . p o s s ib ilir a n d o - lh e o
v e r t e n t e s q u e se c o n s t i t u e m e m u m a e s p é c ie d e c o n tr a p o n to le v a n ta m e n to d e u m a m p lo q u a d ro c o n ju n tu ra l, com re g istro s,
v e rd a d e ír a m e n te s u c e d id o . U m a é a d o s e n h o r q u e tra ta b e m os te s ta m e n to s e c a rta s, com tra d iç õ e s e valores ét icus especiais inseridos
escravos, ou p o rq u e te m c o n sciê n cia e s p iritu a l d e q u e e le é um se r no c o n te x to geral d a so c ie d a d e p ia u ie n se do século \ \ III. Observand< >
h u m a n o ou p o rq u e se dá c o n ta d e q u e o n e g ro é u m b e m , u m a a d o c u m e n ta ç ã o d a é p o c a , T a n y a B randão percebeu c la ram c n te a
p ro p rie d a d e , e te m u m valor eco n ó m ico q u e d e v e se r p reserv ad o . A g eo p olítica d a C oroa no s e n tid o d e q u e não lhe era suficiente, no século
o u tra é a do s e n h o r d e s a p ie d a d o , cru e l e in se n sív el, e v e n tu a lm e n te X V II, a p e n a s o c o n h e c im e n to d o te r m ó n o e a expulsão dos indígenas
e m lu ta c o n tra os negros re b e ld e s ou em p e rm a n e n te ex ercício d e d as áreas m ais p ro m isso ras. O problem a era com plexo e a autora nota.
sad ism o . .Ambas se alargam em trê s sécu lo s e m eio d e reg im e escravo­ com ag u d a p e rsp ic ác ia, a n e c e s s id a d e subjacente qu e o governo po rtu ­
c ra ta , ao longo d o s q u a is se im p o rta ram q u a tro m ilh õ es d e africanos. A g u ê s tin h a d e fa c ilita r c o m u n ic a ç õ e s e n tre o h stad o do M aranhão e o
m ác u la da escrav id ão não é, p o rta n to , d ia n te d e ssa e s p a n to s a q u a n ti­ r e s ta n te d o B rasil, d ic o to m ia q u e não era apenas geográfica mas
ficação, s o m e n te re sp o n sa b ilid a d e p esso al d e tra fic a n te s neg reiro s ou ta m b é m p o lític a e a d m in is tra tiv a . As circunstâncias não eram fáceis
d e a lg u n s p ro p rie tá rio s. A tin g e a s o c ie d a d e com o u m to d o , co rro m p e- nem sim p les: solos agricultáv eis lim itad o s e im ensas distâncias a té os
lh e a alm a, g e ra n d o a in só lita c a ra c te rís tic a brasileira d e se r nosso u m p o rto s m arítim o s. D aí se t e r co n sid erad o o território piau ien se um
p a ís m a jo rita ria m e n te escravo, p o is, às v é sp era s d a I n d e p e n d ê n c ia , a caso e s p e c ia l. T a n y a M a ria P ires B randão o analisa com sin g u lar
nossa po p u lação era d e 3 ,6 m ilh õ es e os escravos som avam 1,9 m ilhões. p ro fic iê n c ia c rític a .
A in d a h o je a p o p u laç ã o negra p e rfa z 44,2% da p o p u laç ã o brasileira, o V elhas riv a lid a d e s trib a is se transplantaram para o Brasil e delas
q u e nos dá o nível d e im p o rtâ n c ia d e s te livro. V indos d e d is tin ta s se ap ro v e ita ram os brancos escravocratas. O s africanos eram d iferen tes
regiões d a Á frica, com línguas e c o s tu m e s d ife re n te s , os negros não e n tr e si. po is v in h a m d e regiões d istin ta s, tinham diversas etnias,
c o n s titu ía m u m a m assa h o m o g én e a , d a í sua fra q u e z a e a facilid ad e d e línguas e c o s tu m e s. R o b e rt W alsh, um inglês que viajou pelo Brasil no
se u c o n tro le p elo s b rancos nos trê s sécu lo s e m eio e m q u e foram início d o século passado, reg istro u q u e a população negra era com posta
s u b m e tid o s à escravidão. Por q u e ta n to s braços negros foram usad o s d e "o ito ou nove c a sta s d if e r e n te s ” que se hostilizavam "em lutas e
no P ia u í n a s a tiv id a d e s p e c u a r is ta s , se o c ria tó rio e x ig ia p o u c a b a ta lh as". N ã o era p ro p ria m e n te assim . Porém a referência d e Walsh
in te rfe rê n c ia do h o m em ? A ótica u sa d a pela Professora T anya M aria d e m o n s tra q u e os neg ro s não tin h a m a necessária u n id ad e para a
Pires B randão para e x p lic ar essa a p a re n te c o n tra d iç ã o , nas u n id a d e s m elh o ria d e sua c o n d iç ã o ou libertação. D isso sabiam tam bém os
p ro d u to ra s rurais d a sua região no p erío d o colonial, p e rm ite q u e se p ro p rie tá rio s, m as W alsh te v e a c u id a d e su ficien te para notar q u e “os
veja q u e o tra b a lh o escravo não se restrin g ia ao m an e jo do gado nos brancos in c e n tiv a m essa a n im o sid a d e , procurando m antê-la v iva. por
c a m p o s, po is h av ia im p re sc in d ív e is n e c e s s id a d e s d e m o n ta g e m e a ch arem q u e ela e s tá in fim a m e n te associada à sua própria segurança”.
conservação d as fa z e n d a s, p la n tio d e a g ric u ltu ra d e su b s is tê n c ia , além H avia um a d is tin ç ã o básica e n tr e os negros: os que haviam nascido na
d e serviços d o m é s tic o s . A fa z e n d a , d e c e rta form a, é a u tá rq u ic a : é lá Á frica e os crioulos. já nascid o s no Brasil. Além disso, diferenciavam -se
m esm o q u e se p ro d u z g ra n d e p a rte do q u e se co n so m e, a lé m da carn e e n tr e boçais c ladinos. O s p rim e iro s, mal chegados da África, não falavam
e do leite. T anya B randão a d ian ta-se, sobrepõe-se às explicações ap en as p o rtu g u ê s e e sta v a m no e s tá g io d e adaptação forçada à sua nova
e c o n ó m ic a s e a p o n ta fa to re s p sic o ló g ic o s, co m o o d e s e jo d e u m co n d ição , e n q u a n to q u e os ladinos já se faziam e n te n d e r na língua dos
r e c o n h e c im e n to p e lo s b ran co s d e status social d ife re n c ia d o , p e la se u s s e n h o re s e c o n h e cia m b e m as regras do jogo no qual eram sem pre
os perdedores. Io d o s, p o ré m , p o d ia m s e r o b je ro d e c o m p ra , v e n d a ,
e m p ré s tim o s , d o ação , p e n h o r, s e q u e s tro , tra n s m is s ã o p o r h e ra n ç a ,
e m b a ig o , d epósito ju d ic ia l, a rr e m a te e a d ju d ic a ç ã o c o m o q u a lq u e r
m ercadoria. Os p reço s, n a tu r a lm e n te , variavam .
A com pleta p e s q u is a bibliográfica c a p a c ie n te b u sc a em arquivos
d e ra m a Iànya M aria Pires B ra n d ã o a o p o r tu n id a d e d e te r c o n trib u íd o ,
d e m an e ira b rilhante, para o e s tu d o d3 h istó ria social d o P iauí. N os
ú ltim o s anos au m en to u m u ito o c o n h e c im e n to d o q u e foi a e scra v id ã o
no Brasil, p a rtic u la rm e n te n o N o r d e s te . D e p o is d e G ilb e rto Frevre.
q u e com Casa-Grande e Senzabj iniciou a fase c ie n tífic a da h is tó n a social
d o N o rd e s te , o in te re s s e p o r e s s e im p o r ta n te s e g m e n to d a h istó ria
brasileira gerou tra b a lh o s s ig n ific a tiv o s c o m o f j Declínio da E scra tid ã o
na Paraíba, de D ia n a G a liz a : Introdução ao E studo d a E scra tid ã o ern Ç )n tro d ução
Pernambuco, de A na M a n a B arros d o s S a n to s: A Desagregação do Sistem a
Escravista no M aranhão, d e Jalila A youb R ibeiro; Pretos e Brancos a S ertíço
de um a Ideologia de D om inação, d e \ irg ín ia A m o e d o ; O D eclínio da
E scravidão no Ceará, d e P e d ro A lb e rto d e O liv eira S ilva; O Cotidiano da
Escravidão em Pernambuco, d e M a ria A n g ela G rillo; O Pacto do Silêncio,
d e M aria Suzeli A lm eid a; V entre-Livre, M ãe E scrava, d e S ilv an a M aria e sc ra v id ã o , e n q u a n to m o d o d e p ro d u ç ã o , p re d o m in o u p o r m a is
B randão e O Controle Social Sobre os E scravos em Pernambuco no Século d e trê s sé c u lo s n as co ló n ias a m e ric a n a s d a E u ro p a e foi u m a d a s b a s e s
X IX , d e Clarissa N u n e s M a ia . d a e s tr u tu r a e c o n ó m ic a e social d o N o v o M u n d o . S u a im p la n ta ç ã o ,
Agora, a p u b licação d e s t e O E scrot o na Formação S o à a ld o P iauí q u e é o re n a s c im e n to do e scra v ism o no O c id e n te , ocorreu no m o m e n to
o ferece m ais luzes ao tem a, ilu m in a n d o a sp e c to s p a rticu la re s d a h istó ria h istó ric o d e tra n s iç ã o do re g im e fe u d a l para o c a p ita lis ta .
social nordestina e e n s in a n d o co m o s e faz um livro m e to d o lo g ic a m e n te A lite r a tu r a e s p e c ia liz a d a é b a s ta n te c o n v in c e n te q u a n d o e x p õ e
seguro, c o rre ta m en te in fo rm a d o e ca p az d e s e d u z ir ta n to o e s p e c ia lista os m o tiv o s q u e levaram os e u ro p e u s , q u e já v in h a m im p la n ta n d o o
em h istó ria qu an to to d o a q u e le q u e d e s e je saber, p a ra d e le i te ou re g im e d e tra b a lh o livre e a ssa la ria d o m ais c o n d iz e n te com o n ív el d e
ilustração, como se processou a form ação social d o Piauí. Por isso m esm o d e s e n v o lv im e n to d e sua e c o n o m ia , a faz e r ressurgir, em se u s d o m ín io s ,
não necessitava d e p refá c io , m as c o m o não a c e ita r o c o n v ite e ficar d iv e rsa s fo rm a s d e tra b a lh o c o m p u lsó rio , e e n t r e e le s a e sc ra v id ã o .
v in cu la d o a uma obra d e t a n to s m é rito s? E sse p a ra d o x o , id e n tif ic a d o c o m o p a r te d o p ro c e s s o d e d e s e n v o l­
v im e n to d o c a p ita lis m o e u ro p e u , d e c o rre u em v ir tu d e d a a c u m u la ç ã o
A r m a n d o S o u to M a io r p rim itiv a t e r - s e e fe tiv a d o n o â m b ito d o m e rc a n tilis m o . C o n t u d o ,
c o n fo rm e e x p lic a O c tá v io la n n i:

Essa co n trad ição , não seria su stentável se se apoiasse ap en as na


acum ulação prim itiva, no com ércio de m ercadorias, ou no m onopólio
colonial (...) pode m an te r-se po rq u e haviam -se c o n stitu íd o , nas
colónias, formações sociais am plam ente articuladas internam ente. Isto
é. as form ações sociais escravistas tornaram -se organizações político-
económ icas a lta m e n te articuladas, com os seus centros de poder,
t-d K j L M \ ; XI 1 IV /

p rin c íp io s e p r o c e d im e n to s d e m a n d o e e x e c u ç ã o , té c n ic a s d e c o n tro le O e m p re g o d o tra b a lh o assa la riad o na produção colonial fora


e r e p r e s s ã o .’' c o n s id e ra d o a n tip r o d u c e n te . E m p rim e iro lugar p o rq u e, no m o m e n to
d a im p la n ta ç ã o d a s e m p r e s a s c o lo n ia is, o c o n tig e n te populacional
E m b o ra P erd ig ão M a lh e íro s a firm e q u e . no in ício , a e sc ra v id ã o m e tr o p o lita n o n ã o p e rm itia sa n g ria s d e m ão-de-obra. Em segundo,
d o s a fric a n o s não e s tiv e s s e re la c io n a d a a in te r e s s e s o u tro s q u e n ão o p o rq u e ficaram c o m p ro m e tid o s o tip o , o volume, e o ritm o da produção
“ p r e te n d id o b e n e fic io d e re s g a tá -lo s d e m o rte c e rta ou d o c a tiv e iro nas c o ló n ias, u m a v e z q u e , d e v id o às su as características. o trabalho
d o s s e u s in im ig o s."- o c o n s e n s o e n tr e os a u to re s m ais m o d e rn o s é o d e livre assalariado d a ria o rigem a p ro d u to re s autónom os m ais preocupados
q u e a e sc ra v id ã o in s titu íd a no c o n ti n e n te a m e ric a n o a c h a v a -s e em com sua s u b s is tê n c ia , d e s a rtic u la d o s , portanto, das exigências m ercan­
p e rf e ita s in to n ia com a e x p a n s ã o c o m e rcia l e u ro p e ia . tilista s.
O g ra n d e co m ercio do O c id e n te , no início d o s te m p o s m o d ern o s, S o m a n d o -s e a isso a im p e ra tiv a necessidade d e m an u te n çã o ,
tin h a por b a se o cap ital c o m e rcia l sob c o n tro le d o s g o vernos e e m p re s a s ren o v ação e e x p a n s ã o d o g r a n d e c o n tig e n te de trab alh ad o res, exigidos
e s ta ta is ou p riv ad as d a s m o n a rq u ia s n a c io n a is. N a n e c e ssá ria b u sc a d e nas e m p re s a s c o lo n ia is, o trá fic o d e africanos tran sfo rm o u -se em ex­
novos m e rc a d o s — c o n s u m id o re s ou p ro d u to re s — novas á re a s foram c e le n te n e g ó c io p a ra os c o m e rc ia n te s e governos do Velho M undo. O
d e s c o b e rta s e c o lo n iz ad a s, t e n d o po r b a se e c o n o m ia s p c r f e ita m c n r c n e g ro a frica n o , a p a r tir d e e n tã o , am p liaria a lista d e m ercadorias do
a ju s ta d a s e m favor d a a m p lia ç ã o d o c a p ita l m e rc a n til m e tro p o lita n o . g ra n d e c o m é rcio .
A ssim , as c o ló n ia s tra n s fo rm a ra m -s e em c e n tr o s m o n o p o liz a d o s d e E m b o ra n ã o t e n h a sid o a ú n ica form a d e trab alh o com pulsório
e x p o rta ç õ e s d e m a té ria -p rim a : e n q u a n to as m e tró p o le s , a tra v é s da a d o ta d o nas A m éricas, a e scra v id ã o apresenta-se com o a m ais im p o rtan ­
b u rg u e s ia c o m e rc ia l, se b e n e fic ia v a m com a d is tr ib u iç ã o d e s e u s t e d e la s, e m fa c e d a a b ra n g ê n c ia do território o n d e vigorou, do te m p o
p ro d u to s , p r in c ip a lm e n te os co lo n iais. d e d u ra ç ã o e d o p a p e l d e s e m p e n h a d o nas formações sociais do N ovo
A p a r e n te m e n t e , as re la ç õ e s e c o n ó m ic a s m e r c a n tilis ta s não M undo.
ex ig iam o re g im e e sc ra v ista d e p ro d u ç ã o . Isso p o rq u e , a p rio ri. os in te ­ Por u m a q u e s tã o p u r a m e n te económ ica, a escravidão não só foi
re sse s d a b u rg u e s ia lim ita v a m -se a p e n a s à c irc u la ç ã o d a s m erc ad o rias. im p la n ta d a c o m o ta m b é m leg itim ad a . A presenta-se, seg u n d o definição
D e s ta fo rm a, a m an e ira c o m o eram o b tid o s os p ro d u to s fic a ria em d e C a io P rado Jú n io r, c o m o “ u m corpo estranho q u e se in sinua na
s e g u n d o p lan o . O b se rv a -se . p o ré m , q u e o lu cro d e s e ja d o não p ro v in h a e s tr u tu r a d a civilização o c id e n ta l, em q u e já não cabia. E vem contrariar-
a p e n a s d a p rá tic a d e c o m p ra r b a ra to e v e n d e r m ais caro. I m a s é rie d e lh e to d o s os p a d rõ e s m o rais e m a te ria is estab elecid o s.”123
ite n s n e c e ssita v a se r c u m p rid a d e m odo a g a ra n tir c o n d iç õ e s favoráveis O e n v o lv im e n to d e p e s so a s , governos e in stitu iç õ e s eu ro p éias,
no m erc ad o m u n d ia l, d e s ta c a n d o -s e a im p re sc in d ív e l a q u isiç ã o d e m e r­ no g ra n d e c o m é rc io , c o n tr ib u iu n o s e n tid o de se criar um a ideologia
cadorias. em nível c re s c e n te , ligadas, p o rta n to , d ir e ta m e n te a o p ro cesso d a e sc ra v id ã o , a in d a q u e para is to fossem elim inados e m esm o c o n to r­
p ro d u tiv o . n a d o s p rin c íp io s e n o rm a s f u n d a m e n ta is que alicerçavam a civilização
e u ro p é ia .
1 V A N M . O c iá v io . E s c ra v id ã o c ra c ism o . S ão P au lo : H U C I T E C , 1978. p. O p rim e iro e le m e n to p e r tu r b a d o r diz respeito ao C ristian ism o .
12 . A filo so fia c ris tã a firm a q u e to d o s os hom ens tê m a m esm a origem c
2 M e s m o re c o n h e c e n d o q u e “o re s g a te foi. p o is , o t í tu l o o u f u n d a m e n to q u e fo ram c ria d o s à im a g e m e s e m e lh a n ç a de D eu s. te n d o , p o rta n to ,
o rd in á rio p ara a e sc ra v id ã o d o s n e g ro s, a q u e m se e n te n d i a p r e s ta r assim u m im e n so q u e se a m a re m e r e s p e ita re m m u tu a m e n te . O u tra d ific u ld a d e era o
serv iço ", n ão ig n o ra M a lh e íro s q u e “ e m b re v e a c o b iç a d e s p e r to u a e s p e c u la ç ã o
m e rc a n til: o a m o r d o g a n h o d e sc o b riu n o c o m é rc io d e s s a m íse ra g e n te u m a f o n te d e
lucro e n q u e /a : o n eg ro foi tra n s fo rm a d o e m m e rc a d o ria ." .M A L H E ÍR O S . P erd ig ã o . A
e s c r a v id ã o n o B rasil: e n sa io h is tó ric o , ju ríd ic o , social. 3 3 e d . Vol. II. P e tró p o lis: V ozes 3 P R A D O J I J N I O R , C aio . F o rm a ç ã o d o B rasil c o n te n ç p o râ n e o : colónia. 1.3*
- IN I,/M E C . 1976. p. 23. e d . S ão P aulo: B ra silie n se , 1 9 7 7 . p. 2 7 0 .

1 8 in t r o d u ç ã o in tro d u ç ã o 19
T anya M a r ia p ir e s b r a n d ã o O ESCRAVO NA FO RM A ÇÃ O S O C I A L D O PIAI í

ideal d e liberdade q u e c a m p e a v a na E u ro p a e q u e . no m o m e n to , d e s- A fu sã o d e id e ia s, o p in iõ e s e p rin c íp io s, a n tig o s e m o d e rn o s


vinculava-se da serv id ão e d o fe u d a lism o . re su lta ra m , p o rta n to , na ideologia da escravidão, elaborada para a te n d e r
Aos pensadores c o u b e a m issã o d e c ria r um c o n ju n to d e id eias aos in te r e s s e s da b u rg u e s ia c o m e rcia l, e q u e logo se to rn a ria a c c .tu 'o r
q u e exprim isse e d e f e n d e s s e os in te r e s s e s dos g ru p o s e c o n ó m ica e ro d o s os s e g m e n to s da s o c ie d a d e o c id e n ta l. \ a nova c o n c e p ç ã o , a
p o litic a m e n te d o m in a n te s n o m o m e n to . F azia-se n e c e s s á rio q u e tal e sc ra v id ã o se fazia n e c e s s á ria n o m u n d o c h e io d e p e c ad o s; p o r se re m
ideário fosse aceito e p ro fe s s a d o p e la s o c ie d a d e c o m o um rodo. p ag ão s, os h o m e n s d e co r m ere c ia m o c a tiv e iro . C o m o afirm a S u ely
Q u e iro z ;
C om esse ob jetiv o , id é ia s , tra d iç õ e s e v alores foram ren a sc id o s
e criados com a fin a lid a d e d e d e m o n s tra r q u e a e sc ra v id ã o era n a tu ra l
e necessária. Da é p o c a d e P la tã o e A ris tó te le s re to m o u -s e a id eia d e A escrav id ã o p a ssa ria a sc r a p o n ta d a co m o u m e le m e n to im p o r ta n te
n o g ra n d e e s q u e m a d e o rd e m e g o v ern o div in o s; aju sta v a -se ao q u a d ro
q u e a escravidão era im p re sc in d ív e l e m u m m u n d o o n d e h o u v e sse
d e u m a s o c ie d a d e e u n iv e rso d e te r m in a d o s p o r regras h ie rá rq u ic a s
moral ediscip lin a. P o ru m a q u e s tã o d e fa ta lid a d e , a lg u n s nasciam para
q u e s u p õ e m s u b o rd in a ç ã o a u m a a u to r id a d e m ais a lta. C e r t a m e n t e
os trabalhos in te le c tu a is e n q u a n to o u tro s p a ra o braçal, e n q u a d ra n d o -
era ju s ta , p o r se r u m fe n ô m e n o umv ersai. d e to d o s os te m p o s e lu g ares.
se p e rfe ita m e n te n e s te s e g u n d o os escravos q u e n a sce ra m para a s u je i­ A lg u n s n a sc e ra m para m a n d a r, o u tro s p ara s e re m m a n d a d o s: q u e m
ção. A própria su p e rio rid a d e in te le c tu a l, c o n fo rm e e s s e p e n s a -m e n to , m e lh o r p a ra isso q u e o in d iv íd u o d e co r n ã o b ra n c a .3
trazia consigo o p rin c íp io d a a u to r id a d e . A té m e sm o no c ris tia -n ís m o
foram identificados os a rg u m e n to s re q u e rid o s. D e aco rd o com a religião
C o m o to d a id eo lo g ia , m ela e la b o ra d a com v ista à e scra v id ã o ,
cristã, no m undo, os h o m e n s p re p a ra m -s e para o re in o e te r n o d a glória.
p r e te n d ia a c o e rê n c ia e a g e n e ra lid a d e d o s is te m a q u e de seja v a in s ta u ­
S e, po r um lado, p o u c o im p o rta v a p a ra servos d e D e u s as d isto rç õ e s
rar. A trav é s d a m is tific a ç ã o e im p o siçã o d e v a lo re s e c o n d u ta s , a tu o u
sociais, por outro, o c a tiv e iro re p r e s e n ta ria s im u lta n e a m e n te ca stig o
so b re a c o n s c iê n c ia social a p o n to d e se tra n s fo rm a r em c o n c e p ç ã o d o
m erecid o e forma d e re d e n ç ã o d o s p e c a d o s .
m u n d o . S e d im e n ta d a e in te rio riz a d a co m o s e n so co m u m , co n so lid av a-
O u tro im p o rta n te e le m e n to id eo ló g ic o le g itim a d o r da e scrav i­ se a te o ria , d e s e m p e n h a n d o p ap el relev a n te na v ida social d o o c id e n te ,
dão, e q u e m uito c o n trib u iu n o s e n tid o d e a u n iv ersa liza r, foi o p r e ­ p r in c ip a lm e n te , d a s co ló n ias.
c o n c e ito racial, o q u a l se o rig in o u e se d e se n v o lv e u p o r ocasião d o s
A fo rç a d a id e o lo g ia e s c r a v is ta o r ig in a ra -s e na c o m p ro v a d a
p rim eiro s contatos d o s e u ro p e u s com in d íg e n a s na A m é ric a e com
n e c e s s id a d e d e desenvolv im e n to e c o n ó m ic o , b e m com o na m a n e ira
negros na África, q u a n d o foram c o n s ta ta d o s e u tiliz a d o s a in fe rio rid a d e
d e e x p re s s a r as leis b á sic a s d o d e s e n v o lv im e n to h istó ric o na m o d e rn i­
e o prim itivism o d o s h o m e n s d e cor.4*
d a d e . T o d a a m o n ta g e m te ó ric a c o n fe ria sig n ific a d o e o rie n ta ç ã o à
4 N ão se quer a firm a r a q u i q u e a e sc ra v id ã o n e g ra se d e v e u ao racism o. P elo e x is tê n c ia d a s o c ie d a d e escrav ista , p ro m o v e n d o sua e s ta b ilid a d e e
co n trário , o racismo to rn o u -se m ais a c irra d o n o o c id e n te d u r a n te e a p ó s longo p e río d o d e s e n v o lv im e n to , u m a v e z q u e p r o te g ia o s is te m a d e p ro d u ç ã o ,
escravista. C om o diz E ric W illiam s q u a n d o se re fe re a o rig e m d a e sc ra v id ã o n egra “a d isrrib u iç ã o , e s tra tific a ç ã o e d o m in a ç ão . N o B rasil, com o em to d a s as
razão foi económ ica, não racial; n ã o te v e relação c o m a c o r d o tra b a lh a d o r, m as co m o
A m é ric as, a id eo lo g ia d a escrav idão v e ic u la d a e a ssim ila d a p e rd u ro u
baixo p reço do trabalho.” E m c o n tr a p a rtid a c o m o o m e s m o e s tu d io s o a firm a “as feiç õ e s
do h o m e m (negro), se u cab elo , c o r e d e n ta d u r a , su a s c a ra c te rís tic a s s u b h u m a n a s tã o a té o sé cu lo X V III. se m p r a tic a m e n te so fre r c o n te s ta ç ã o m ais sig n ific a ­
a m p la m e n te alegadas, fo ra m a p e n a s a s ú ltim a s ra c io n a liz a ç õ e s p a ra ju s tif ic a r u m tiva p o r p a r te d o s b ra sile iro s livres. R e fle tia a ssim , a e s tr u tu r a social e
sim p les fato económ ico.” C a p it a li s m o e e s c ra v id ã o . R io d e J a n e iro : .A m érica, 1979. o s is te m a d e d o m in a ç ã o a q u e d e ra o rig em e q u e a m a n tin h a .
p. 24. A relevância dada ao c o n s ta ta d o d e sc o m p a sso c u ltu ra l d a s c iv iliz a ç õ e s e a div isão
do m u n d o e n tr e os c ristã o s (p o v o d e D e u s) e p ag ão s re s u lto u n u m a te o ria d e q u e a
Im p la n to u -s e a escrav idão no Brasil p a ra le la m e n te ao s u rg im e n to
d e sig u ald ad e dos hom ens e ra orig in al; q u e a s o c ie d a d e e a c u ltu ra h u m a n a e ra m reg id as d a e m p re s a a ç u c a re ira . A a g ric u ltu ra tro p ic al d a é p o c a m e rc a n tilis ta
p o r leis biológicas im u táv eis e e te r n a s ; q u e as raças “ in fe rio re s ” se v ê e m c o n d e n a d a s
ao cativ e iro e as “su p e rio re s” d e p o s ita r ia s d a c iv iliz a ç ã o d e s tin a m - s e a e x p lo ra r as 5 Q U E I R O Z . S u e ly R. A s p e c to s id e o lo g ic o s d a e s c r a v id ã o . In : E s t u d o s
inferiores. e c o n ó m ic o s , v. 13. n° 1. S ão P au lo . p. 89.

2 0 in tro d u ç ã o i n t r o d u ç ã o 21
T A N Y A M A R IA P I R E S B R A N D A O
O ESCRAVO NA F O R M A Ç Ã O SOCIAL D O PIAUÍ

se m o strav a m ais lu crativ a q u a n d o e fe tiv a d a e m larga e sca la, po is exigia,


n ã o só e x te n s a s á re a s fé rte is , m as ta m b é m o e sfo rç o d e m u ito s tra b a ­ A trav és d a s d o a ç õ e s d e te rra s, concessão d e privilégios com er­
lh a d o re s. O u , c o m o d iz C a io P rad o J ú n i o r “a p la n ta ç ã o , a c o lh e ita e o ciais. m o b iliz a ç ão e c o n tro le d a o fe rta d e m ão-de-obra no q u e se refere
tra n s p o rte d o p r o d u to [ca n a ] a té os e n g e n h o s o n d e s e p re p a ra o a ç ú c a r à q u a n tid a d e , d is c ip lin a e b a ix o nível d e custos, é q u e a m etró p o le
só se to m a v a re n d o s o q u a n d o re a liz a d o e m g ra n d e s v o lu m e s .”6 in te rv é m , d ire ta e /o u in d ir c ta m e n te , na organização do siste m a p ro d u ­
tiv o c n a fo rm ação d a s o c ie d a d e colonial, oferecendo condições favorá­
P o r o u tr o lad o . o a s p e c to c lim á tic o d o s tró p ic o s, p o u c o a tr a e n t e
v e is a o d e s e n v o lv im e n to d o p ro je to básico de colonização.
p a ra o e s c a s s o tra b a lh a d o r e u ro p e u d isp o n ív e l, a n e c e s s á ria rig id e z
q u a n to à d is c ip lin a d o tra b a lh o nos e n g e n h o s , a r u d im e n ta r te c n o lo g ia D e v id o ao c a rá te r e x p o rta d o r d a econom ia colonial brasileira,
e m p re g a d a , e a a sso c ia ç ã o d e s s e s e le m e n to s à e x ig ê n c ia d e b aix o s s u rg e o p re d o m ín io d o s e to r m o n o p ro d u tiv o -ex p o rtad o r, c a n aliz a n d o
c u s ro s d e p ro d u ç ã o , colocava o tra b a lh o escrav o c o m o a so lu ção m ais p a ra si o s fa to re s m a te ria is e h u m a n o s utilizados na pro d u ção expor­
c o rre ta n o c u ltiv o da ca n a. C o m o tra b a lh o escravo, ficariam asse g u ra d o s táv el. O fu n c io n a m e n to e d e s e n v o lv im e n to d e ste se to r d e ra origem a
o tip o , o ritm o e o v o lu m e d a p ro d u ç ã o b rasile ira n a ó tic a c o lo n izad o ra. u m o u tro q u e lh e serv ia d e s u p o rte : o d e subsistência, c o m p re e n d e n d o
d e n tr e o u tra s , a a tiv id a d e c ria tó ria . O com plexo económ ico colonial,
A e s t r u t u r a s ó c io -e c o n ô m ic a d o B rasil c o ló n ia , d e s d e c e d o .
p o r ta n to , c o n s titu ía -s e e m d o is níveis:
c o n ta ra co m a c o n trib u iç ã o e fic a z d o E s ta d o m e tro p o lita n o , p e rc e b id a
a tra v és d a legislação colonial o n d e são d isc ip lin a d a s “a s relações c o n c re ­
ta s , p o lític a s e s o b re tu d o eco n ó m ica s e o n d e se c ris ta liz a m os o b je tiv o s O prim eiro é dos grandes producos de exportação, como o açúcar e o
d a e m p re s a co lo n izad o ra, a q u ilo q u e se visava com c o lo n iz aç ã o .”7E f e ti­ tabaco(...) o outro é das atividades acessórias cujo fim é m anter em
funcionam ento aquela econom ia de exportação. São sobretudo as que
v a d o n o s m o ld e s d o s is te m a c o lo n ial m e rc a n tilis ta , o a p ro v e ita m e n to
se destinam a fornecer os meios de subsistência à população empregada
e c o n ó m ic o d o B rasil tin h a p o r o b je tiv õ a e x p lo ra ç ã o d o s re c u rs o s
nesta últim a, e poderíamos, em oposição à outra, denominá-la economia
n a tu ra is e m p ro v e ito d o com ércio m etro p o lita n o . D iz C a io Prado Jú n io r: d e subsistência.9

(...) Se vamos à nossa form ação, verem os q u e n a rea lid a d e nos T o m a n d o -s e a fo rm a çã o sócio-econôm ica com o s e n d o reg im e
constituím os para fornecer açúcar, tabaco, alguns outros gêneros (...)
e c o n ó m ic o e s u p e r e s tr u tu r a c o rr e s p o n d e n te de um a so cied ad e n u m a
É com tal objetivo, objetivo exterior... Sem atenção a considerações
e ta p a d e te r m in a d a d a e v o lu ç ã o h istó ric a , pode-se d e fin ir o q u a d ro
q u e não fossem o in te resse d aq u ele com ércio le u ro p e u ), q u e se
organizarão a sociedade e a econom ia brasileiras. T udo se disporá co lo n ial c o m o u m a fo rm a çã o social escravista, reflexo d e sua co ndição
naquele sentido: a e stru tu ra social, bem como as atividades do País.8 d e c o ló n ia d e ex p lo ração . S e g u n d o O ctáv io lanni, e n q u a d ra -se n e sta
c a te g o ria :
É a p a rtir d a í, ou seja, d a p o lític a e c o n ó m ic a d e P o rtu g a l, q u e se
o rig in a ra m as p rin c ip a is c a ra c te rís tic a s d a e s tr u tu r a s ó c io -e c o n ô m ic a L m a sociedade organizada com base no trabalho escravo [do negro,
d o Brasil a e x e m p lo d o s m o n o p ó lio s, d a s g ra n d e s p ro p rie d a d e s ag ro p e - índio, m estiço, etc. | na qual o escravo e o senhor pertenciam a duas
castas distintas[...[ A alienação do trabalhador [escravo], característica
c u a ris ta s e d o re g im e d e tra b a lh o escravo.
dessas formações sociais, implicava que ele era física e m oralm ente
subordinado ao senhor [brancoj em suas atividades religiosas, lúdicas
e o u tras.10
6 PRADO J Ú N I O R , C aio . H is t ó r ia e c o n ó m ic a d o B ra sil. 2 0 a e d . S ã o F^ulo:
B ra silie n se , 1977. p . 33.
7 N O V A IS , F e rn a n d o A P o rtu g a l e B rasil n a c ris e d o a n t i g o s i s te m a c o lo n ia l
- ( 1 7 7 7 - 1 8 0 8 ) . S ão P ãulo: I I U C I T E C , 1 9 7 9 . p . 58.
9 Ib id . p. 41.
8 P R A D O J Ú N I O R , C aio , o p . c it., p . 23.
10 L A N N I, O c tá v io , o p . c it., p. 13.
2 2 in tro d u ç ã o
i^ n u od u ção 23
O ESCRAVO NA F O R M A Ç Ã O S O C I A L D O PIAI í
T a n y a M a r ia P ir e s B r a n d ã o

O a p ro v e ita m e n to e c o n ó m ic o d o Brasil nos m o ld e s d o s is te m a


O c o rre q u e . em f a c e d a s e x ig ê n c ia s d o s e t o r e x p o r ta d o r , colonial m e rc a n tih sta . ao te m p o em q u e exigia u m a e s tr u tu r a p ro d u tiv a
in sta u ra ra -se o m o d o d e p ro d u ç ã o e s c ra v is ta o n d e os m e io s e os e sc ra v ista , a c h av a -se p a ra ie la m c n tc a m e a ç a d o "P e lo s u rg im e n to na
trabalhadores p e rte n c ia m a p a rtic u la re s e/o u ao E s ta d o . A e sc ra v id ã o c o ló n ia d e u m a e s tr u tu r a só c io -e c o n ó m ic a , com s e u s e le m e n to s d e
apresentava-se. p o rta n to , c o m o e le m e n to c a ra c te riz a d o r d o q u a d ro rig id e z, su as re g u la rid a d e s, s e u s in te re s s e s e. p o r ú ltim o , m as ta m b é m
econôm ico-social. em v irtu d e d a e s tr u tu r a e c o n ó m ic a d e te r m in a r a im p o r ta n te , p elo s c o n flito s q u e lhe são p ró p rio s.~ iJ
su p e re stru tu ra p o lític a e id eo ló g ic a d a s o c ie d a d e co lonial b rasileira.
N o re g im e e sc ra v ista p e lo p ró p rio c a rá te r d a s relações sociais,
A exem plo da s o c ie d a d e s u lis ta d a A m é ric a d o N o r te , no B rasil, os d o is p rin c ip a is pólos d a s o c ie d a d e — p ro p rie tá rio s e escravos — são
tam b é m , a escravidão gerou e m a n te v e : a n ta g ó n ic o s . O s p rim e iro s in te re s s a v a m -s e e e x ig ia m a e x p lo ra çã o
m áx im a d a torça d e tra b a lh o d o c a tiv o e. p ara ta n to , u tiliz a v a m os
l m a c o m u n id a d e p la n ta tio n q u e d e v e s e r e n te n d i d a c o m o u m s is te m a m ec a n ism o s v io le n to s e repressivos. O escravo, p o r sua vez. co n sid e rad o
s o c ia l i n t e g r a d o , e t o r n o u e s t a c o m u n i d a d e o c e n t r o d a v id a [ n ã o s ó se r in terio r, a c h a n d o -s e in v o lu n ta r ia m e n te s u b m e tid o ao d o m ín io d o
re g io n a l m a s d a c o l ó n i a ] . I s o lo u u m a c l a s s e d e p r o p r i e t á r i o s d e e s c r a v o s s e n h o r procurava, através d a s m ais d iv ersas m o d alid a d e s, n e g a ro e s c ra -
c o m id e o lo g ia e p s i c o l o g i a e s p e c i a i s e o p o d e r p o l í t i c o e e c o n ó m i c o
vism o. I m a d e la s, a m ais c o m u m e p a c ífic a , foi a fuga in d iv id u a l ou
p a r a im p o r s e u s v a lo r e s à s o c i e d a d e c o m o u m t o d o . 11
c o le tiv a . V erifica-se assim q u e "a e sc ra v id ã o in s e re no p ró p rio â m a g o
d o s is te m a social q u e so b re ela se e rg u e , u m a s itu a ç ã o c o n flitiv a , e,
N a verdade, v e rific a -se q u e o c a rá te r d e fo rm ação e s c ra v ista não com e la , u m a e n e rg ia p o lític a p rim á ria , q u e a m e a ç a , in d e te rm in a e
se restrin g iu à so c ie d a d e agríco la e x p o rta d o ra d o B rasil. N a s re g iõ e s in tro d u z v a ria n te s na e v o lu ç ã o h is tó ric a .” 1314
brasileiras onde p re d o m in o u o m in ifú n d io , c o m o ta m b é m n a q u e la s
O s u r g im e n to e c o n s e q u e n t e d e s e n v o lv im e n to , no s e io d a
cu jo s e x c e d e n te s e c o n ó m ic o s d e s tin a v a m -s e ao m e rc a d o c o lo n ia l,
co ló n ia, d e s o c ie d a d e s c u ja s e c o n o m ia s n ão e s tiv e s s e m d ir e ta m e n te
ocorreu o m esm o tip o d e p r o p rie d a d e d o s m e io s d e p ro d u çã o . N e s s e v in c u la d a s ao m e rc a d o e x te rn o se c o n s titu ía m em p o te n c ia l, co m o
caso. tam bém , a e scrav id ão in flu e n c io u as rela çõ e s sociais no q u e se
am eaça à e s tr u tu r a m e rc a n tilista . S itu a d a s em geral em áreas desfav o rá­
refe re às relações m a te ria is e id eológicas. E s s e f e n ô m e n o e s tá ligado
v eis à g ra n d e p la n ta ç ã o c a n av ie ira , d e s p e rta v a m p o u c o in te r e s s e à
d ire ta m e n te aos in te re s s e s e n e c e s s id a d e s d a e c o n o m ia e x p o rta d o ra .
M e tró p o le em v irtu d e d o o b je tiv o d e su a b a se e c o n ó m ic a . S o m a v a-se
C o m o afirm a A ntônio Barros d e C a stro :
ain d a o fa to d e q u e , d e v id o às c a ra c te rístic a s d a s a tiv id a d e s d e sen v o lv i­
das, o e m p re g o d a m ã o -d e -o b ra escrava deixav a d e se r u m a e x ig ê n c ia
A p ro d u ç ã o e m m a s s a d e m e r c a d o r ia s c r ia ra íz e s ... o b je tiv a n d o - s e f u n d a m e n ta l. E sse s fa to re s c o n trib u íra m n o s e n tid o d e q u e e s ta s
s o o a fo rm a d e u m c o m p l e x o a p a r a t o p r o d u t i v o . " O o b j e t i v o ” m a i o r
regiões p ro d u to ra s d e s e m p e n h a s s e m o p a p e l d e pólo d e a tra ç ã o não
d e s t a re a lid a d e - o s e u " s e n t i d o '' s e q u i s e r - l h e e a g o ra i n e r e n t e : a t e n d e r
só para os colonos livres, social e e c o n o m ic a m e n te m arginalizados, com o
às s u a s m ú l t i p l a s n e c e s s i d a d e s , g a r a n t i r a s u a r e p r o d u ç ã o . . . a f o r m a
p e la q u a l os i n t e r e s s e s e x r e m o s a r u a m s o b r e a c o l ó n i a p a s s a a d e p e n d e r
ta m b é m para os escravos fo rag id o s da z o n a d o s e n g e n h o s.
p r i m e i r a m e n t e d a s u a s o l i d e z e d a s u a e s t r u t u r a i n t e r n a . 12 D e s s e m odo, além dos m ec a n ism o s criados no s e n tid o d e “abafar,
contornar, ou desviar, o c h o q u e d e v o n ta d e s q u e se e n c o n tra cm e s ta d o
la te n te no âm ago d e s ta s o c ie d a d e .” 15 ou seja. nos lim ite s sociais e e s p a ­
ciais d a g ra n d e lavoura, to m a v a -se n e c essá rio a m p lia r o raio d e in c id ê n -
11 G E N O V E S E , E u g e n e D . A e c o n o m ia p o lí ti c a d a e s c r a v id ã o . C o le ç ã o
A m érica: econom ia e so c ie d a d e . R io d e J a n e iro : P A L L A S , 1 9 7 6 . p .1 3 . 13 Id. ibid.
12 CA STRO , A n tô n io B. d e . O c a p ita lism o e a e sc ra v id ã o . LARA, J o s é R ib e iro 14 Ib id ., p.79.
d o A m aral e t alii. In: M o d o s d e p r o d u ç ã o e r e a l id a d e b r a s ile ir a . P e tró p o lis: V ozes,
1980. p. 88. 1 5 ld . ib id.

f^nirodução 2 5
2 4 in tro d u ç ã o
T anya M a r ia P ir e s Br a n d ã o O ESCRA V O NA F O R M A Ç Ã O SOCIAL D O PIAUÍ

cia d o e scra v ism o , e v ita n d o -s e . assim , o su rg im e n to , na própria colónia, ao c r e s c im e n to d o re b a n h o , lim ita n d o -s e assim o n ú m ero d e pessoas
d e e s tr u tu r a s so c ia is o u tra s q u e se c o n s titu iria m em p e rig o à o rd em para o tra b a lh o n o s cu rra is.
e n tã o v ig e n te . Por o u tro lado. a p e c u á ria d o se rtã o exerceu fo rte atração sobre
E s s e im p a s s e foi a m e n iz a d o em te m p o hábil. N a s so c ie d a d e s os h a b it a n te s d a s d e m a is re g iõ e s p ro d u to ra s, p rin c ip a lm e n te das
d e s e n v o lv id a s com b a se nas a tiv id a d e s ac essó ria s ou d e s u b s is tê n c ia , regiões agrícolas. O m a io r c o n tig e n te era form ado p o r in d iv íd u o s d e
se ja m p ró p ria s ou d a co ló n ia, d e s d e c e d o v e n fic o u -s e a c o n c e n tra ç ã o nível social e eco n ó m ico inferior, bem com o por pessoas livres m arginali­
d e te rra s e e scra v o s, im p e d in d o - s e . d e ssa form a, o a p a re c im e n to d e zad as e escrav o s fo rag id o s. D e s ta c a m -s e . n esse processo, e n tr e outros,
u m a c a m a d a social c o m p o sta d e p e q u e n o s p ro p rie tá rio s q u e privilegias­ os s e g u in te s a s p e c to s e s p e c ífic o s d a econom ia p ecu arista:
se o tra b a lh o livre. O rig in ário s d o s e to r agrícola e x p o rta d o r ou m a n te n d o a) e m b o ra p e rm itis s e u m a ren d a inferior à ren d a da a g ricu ltu ra
co m o m e s m o v ín c u lo s e s tr e ito s , assim ilaram um a p sico lo g ia g e ra d a e x p o rta d o ra , to rn a v a -s e a t r a e n t e , um a vez que não estav a s u je ita às
p e la p o s s e d e escrav o s. A h e g e m o n ia p o lític a e social d o s g ra n d e s flu tu a ç õ e s d o m e rc a d o e x te r n o ;
p la n ta d o re s e sc ra v o c ra ta s in d u z iu a id eia d e q u e o h o m e m livre sem a
bi e x ig ia p o u c o c a p ita l na e d ifica ç ã o das u n id a d e s p ro d u to ra s,
p o s s e d e e sc ra v o s p o d ia c o n s id e ra r-s e p o b re , m esm o com a b u n d â n c ia
u m a casa e um cu rral fe ito s co m m ate ria l rústico da região, algum as
d e d in h e iro . A e sc ra v id ã o a c h a v a -se tão im p re g n a d a nos c o s tu m e s d o
cab eças d e g a d o e a te rra q u e p o d e ria s e r arrendada;
B rasil a p o n to d e ser, c o m o a firm a R o b e rt C o n r a d :" m u ito m ais d o q u e
u m a in s titu iç ã o e c o n ó m ic a , já q u e a p ro p rie d a d e d e escrav o s não só c) p ro p ic ia v a m a io r m o b ilid a d e social que na região dos e n ­
e ra lu c ra tiv a , c o m o ta m b é m e lev av a o s ta tu s d o p ro p rie tá rio aos olhos g e n h o s. O re c é m -c h e g a d o a s s u m in d o as funções d e vaqueiro, no prazo
d o s o u tr o s .” 16 m ín im o d e c in c o a n o s, p o d e ria p a ssa r à condição d e p ro p rie tá rio d e
curral em fa c e d o re g im e d e p a rc e ria ;
N a form ação e d e s e n v o lv im e n to da so c ie d a d e colonial p ia u ie n se ,
p e r c e b e - s e os d o is tip o s d e c o e rç ã o no s e n tid o d a a d o ç ão d a força d e d ) a s o c ie d a d e p e c u a r is ta só m u ito p o ste rio rm en te foi o b jeto
tra b a lh o escravo. S u a a tiv id a d e b á sic a tiv e ra in ício na g ra n d e p ro p rie ­ d e fisc a liza ç ã o d o s a g e n te s d o g o v e rn o e d a justiça;
d a d e c a n a v ie ira e se d e s e n v o lv e ra , m e sm o q u a n d o o c u p a v a áreas m ais e) d ific ilm e n te , na reg iã o p a sto ril, o escravo fugitivo d e o u tras
in te rio ra n a s , e m fu n ç ã o d a e c o n o m ia e x p o rta d o ra . O c o lo n o q u e p e n e ­ lo ca lid a d e s e ra e n c o n tra d o .
tra v a n o s e rtã o , v in d o g e ra lm e n te d o litoral e sc ra v ista n ão fugia à regra T o d o s e s s e s ite n s c o n c o rre ria m no se n tid o d e q u e a p ecu ária
c ita d a p o r N e ls o n W e m e c k S o d ré: “o h o m em em ig ra com a su a concha, d is p u s e s s e d e u m e x c e d e n te d e m ã o -d e -o b ra relativ am en te b arata, já
is to é , co m os s e u s h á b ito s , os s e u s c o n h e c im e n to s , as su a s norm as, q u e não h a v ia o u tra s a tiv id a d e s c o n c o rre n te s.
a q u ilo q u e ficou b a tiz a d o c o m o c u ltu ra , na s o c ie d a d e m o d e rn a .” 17
N o e n ta n to , a fo rm a çã o social do P iauí en q u ad ro u -se n aq u elas
A ssim , d if ic ilm e n te , a p e c u á ria p ia u ie n s e e s ta r ia is e n ta d a d e c a rá te r esc ra v ista . D e s d e os p rim ó rd io s da colonização do território,
escravidão, u m a vez q u e e s ta já fazia p a rte da psicologia social brasileira. os p e c u a r is ta s , a e x e m p lo d e D o m in g o s Afonso, se u tiliz a ra m do
O c o rre q u e o c ria tó rio c o m o a tiv id a d e e c o n ó m ica , e m p rin c íp io , tra b a lh o escrav o , c o n fo rm e s u a s p ró p ria s palavras:
n ão n e c e s s ita v a d a u tiliz a ç ã o d e escravos nas fa z e n d a s. S e u c a rá te r
e x te n s i v o , d e p e n d e n d o q u a s e q u e e x c lu s iv a m e n te d o s re c u rs o s D eclaro q u e nas d itas terras, conteúdas nas ditas sesmarias, tendo
n a tu ra is , ex ig ia o m ín im o da in te rfe rê n c ia h u m a n a no q u e d iz re s p e ito ocupado m uitos sítios com gados m eus, assim vacum como cavalar, e
todos fornecidos com escravos, cavalos, e o mais necessário...*18
16 C O N R A D , R o b e rt. O s ú lt im o s a n o s d a e s c r a v a tu r a d o B ra sil - 1 8 5 0 /
1 8 8 8 . 2* e d . R io d e J a n e iro : C iv ilização B rasileira. 1978. p. 15.
18 M A F R E N S E , D o m in g o s A fo n so . T e s ta m e n to . A p u d . A L E N C A S T R E , J.
1 7 V ital d e L a B L A C F IE a p u d S O D R É , N . W e m e c k . F o rm a ç ã o h is tó r ic a d o M . d e. M e m ó r ia c ro n o ló g ic a h is tó r i c a e c ro n o g rá fic a .d a província d o P ia u í.T e re sin a :
B ra sil. R io d e J a n e iro : B ra silie n se , 1976. p. 122.
C O M E P I. 1 9 8 1 , p. 150.

2 6 in tro d u ção in tr o d u ç ã o 2 7
tanya M a r ia P ir e s b r a n d ã o O ESCRA V O NA F O R M A Ç Ã O S O C IA L D O PIAUÍ

E m 1874, p r a tic a m e n te às v é s p e ra s d a ab o lição d a e s c ra v a tu ra A o se t r a t a r a s o c ie d a d e p ia u ie n s e c o m o e s c ra v is ta , n ã o s e


no Brasil, d epois d e s e re m tra fic a d o s para a região c a fe e ira g ra n d e p r e te n d e a firm ar q u e a escrav id ão te n h a sido o ú n ico m odo d e p ro d u ç ã o
c o n tig e n te d e cativos, o P ia u í, sem sofrer g ra n d e s m odificações e s tr u tu ­ v ig e n te no p e río d o co lo n ial p o r q u a n to su a re a lid a d e se a p re s e n ta v a
rais na econom ia, p o s s u ía 2 3 .4 3 4 escrav o s, p e rfa z e n d o u m a p e r c e n ­ m ais c o m p lex a. E x istiam v i n o s m odos d e p n x Jução. c o n tu d o , a escrav i­
tag em aproxim ada d e 11,6% d e su a p o p u la ç ã o . ’ d ã o e ra d o m in a n te . E n tre os h a b ita n te s havia p ro p rie tá rio s, v a q u e iro s,
A o e s tu d a r a p e c u á ria s e rta n e ja , e s p e c ia lm e n te no P iau í, o n d e s itia n te s , a g reg ad o s e tro p e iro s, c o n q u a n to o g ra n d e d iv iso r social fo sse
ela se to rn o u m ais a u tó n o m a , d e v e -s e t e r em m e n te q u e o tra b a lh o a e sc ra v id ã o , u m a vez q u e c in d ia a s o c ie d a d e e n tr e h o m e n s livres e
nas u n id a d e s p ro d u to ras n ã o s e lim itav a ao m an e jo d o gad o nos cam p o s escravos. E n q u a n to aos p rim e iro s e ra rese rv ad o o d ire ito à p ro p rie d a d e
e curral, o b v iam e n te m ais p ró p rio ao h o m e m livre, e m regra o v a q u e iro , d o s in s tr u m e n to s d e p ro d u ç ã o , os c a tiv o s eram c o n s id e ra d o s m e io s d e
ou sim p les rem essas d e b o is à s feiras. H a v ia n e c e s s id a d e d e m o n ta g e m p ro d u ç ã o , im p e d id o s d e u tiliz a r a su a p ró p ria to rç a d e tra b a lh o , p o is
e co n serv ação da in fr a -e s tr u tu r a d a s fa z e n d a s , o q u e ficava a cargo d o s e s ta era d e s g ra ç a d a m e n te p ro p rie d a d e d e o u tre m . C o m o nas re g iõ e s
escravos. A agricultura d e s u b s is tê n c ia , a c o n stru ç ã o d e ag u ad as, cercas, e x p o rta d o ra s, a p o sse d e escravos ta m b é m esrava ligada ao s ta tu s social.
c u rrais e a fabricação d e u te n s ílio s m ais g ro sse iro s, além d o s serviços N o m o m e n to em q u e a e s c ra v id ã o c o n tro la a m aio r m assa d e
d o m é stic o s, eram , se m d ú v id a , im p re sc in d ív e is, b ásico s na v id a d a s fato res eco n ó m ico s d isp o n ív e is na form ação social, ex p licita-se, s e g u n d o
fa z e n d a s, m as eram ta m b é m tra b a lh o p e s a d o , p o u c o g ra tific a n te para J. G o re n d e r, su a d o m in a ç ã o . E v id e n te m e n te , e s s a d o m in a ç ã o n ã o
o h o m em livre. r e s u lta d e a s p e c to s p u r a m e n te e c o n ó m ic o s. As rela çõ e s e c o n ó m ic a s
ío ram e s c ra v is ta s p o r co ação e x tra -e c o n ó m ic a , a q u e ia q u e o p ró p rio
N a s fazendas d e criar, n o P iauí, o tra b a lh o não se d ife re n c ia v a
G o r e n d e r c o n s id e ra “ in d is p e n s á v e l [n o e scra v ism o ] p ara p e r m itir a
m u ito do trabalho d a q u e la s o u tra s q u e c a ra c te riz a m a A m érica colonial,
e x to rs ã o d o s o b re p r o d u to d o s a g e n te s d o p ro c e sso d e tra b a lh o .”21
id e n tific a d a s por E u g ê n io G e n o v e s e e m su a obra so b re O M u n d o d o s
S e n h o re s d e E scravos: Ê o reflex o d e u m a in s titu c io n a liz a ç ã o id eo ló g ic a na co ló n ia ,
em n ív eis p o lític o , ju ríd ic o e religioso. E m b o ra to d o s os fato res in te rn o s
in d u z is s e m ao tra b a lh o livre ou a o u tra fo rm a q u a lq u e r d e tra b a lh o
N a fazenda de tipo antigo, e n tre ta n to , o trabalho não é so m en te
empregado nos cam pos. G asta-se um a parte considerável do tem p o de c o m p u lsó rio , na p e c u á ria p ia u ie n s e , p re d o m in o u o e scra v ism o d e v id o
trabalho na alim entação do proprietário e de sua família e na provisão às e x ig ê n c ia s d e c o n so lid a ç ã o e p re se rv a ç ã o d e u m a s o c ie d a d e colonial
d e serviços que possam capacitá-lo a viver no estilo exigido pela sua da é p o c a m e rc a n rilis ta .
posição social. Seus trabalhadores não som ente plantam e colhem ; eles C o m o p ro p ó s ito d e d e m o n s tr a r a in se rç ão d o P ia u í no m o d e lo
tam bém servem à m esa, cuidam de seus cavalos, tocam m úsica em colo n ial, to m a n d o p o r b a se a p a rtic ip a ç ã o d o e scra v o ín d io , n e g ro e
ocasiões festivas. Por sua vez, parte dos recursos da fazenda e p a rte da m e s t iç o na f o rm a ç ã o e c o n ó m ic a s o c ia l p i a u i e n s e , foi f e i t o u m
produção realizad a são usadas para c o b rir as n e c e s s id a d e s d e
le v a n ta m e n to d e d o c u m e n ta ç ã o e m arq u iv o s p ú b lic o s e carto riais, bem
subsistência da força d e trabalho (...) A fazenda de estilo antigo (...)
tem uma dupla personalidade. Produz m ercadorias para um m ercado, co m o e x a u stiv a p e s q u is a b ib lio g rá fic a . A e sco lh a d a e scra v id ã o c o m o
mas parte de sua energia dirige-se para sua própria m anutenção e o re fe re n c ia l b á sic o d a p e s q u is a d e v e u -s e ao fa to d e t e r sid o a esc ra v id ã o
consumo d e ‘sta tu s’.1920 u m a d a s in s titu iç õ e s m ais s ig n ific a tiv a s no p ro c e s s o d e co lo n iz aç ã o
b ra sile ira , r e p r e s e n ta n d o u m a v e rd a d e ira b a se m a te ria l para o s u s te n ­
tá c u lo d a s o c ie d a d e v ig e n te .
C o m o d e fin iç ã o e d e lim ita ç ã o m e to d o ló g ic a p a ra o e s tu d o , foi
19 C Ò N R A D , R o b e rt. o p . c it., t. 2, p. 345.
2 0 G E N O V E S E , E u g e n e . O m u n d o d o s s e n h o r e s d e e s c ra v o s : d o is e n sa io s 21 G O R E N D E R , J a c o b . O c o n c e i to d e m o d o d e p ro d u ç ã o e a p e s q u is a
d e in te rp re ta ç ã o . R io d e J a n e iro : P az e T e rra , 1979. p . 24. h is tó n e a . In: LARA. J o s é R. d o A m aral e t alii. o p . c it ., p. 50.

2 8 in tr o d u ç ã o 9 n tro d u ç a o 2 9
T a n y a M a r ia P ir e s Br a n d ã o O ESCRAVO NA F O R M A Ç A O SOCIAL D O PIAUÍ

f e ito u m c o rte cro n o ló g ico , isto é, s e g u n d a m e ta d e d o sé c u lo XVII e o F in a lm e n te , a tra v é s d e u m a f u n d a m e n ta ç ã o em d o c u m e n to s originais


s é c u lo X V III. isso p o r q u e n e s s e p e río d o se d e u o in íc io d o p ro c e sso d e p ro c u ra -se d e m o n s tr a r as c a ra c te rís tic a s d a escravaria com o form a d e
p o v o a m e n to e e x p lo ra çã o d o te rritó rio p ia u ie n s e , q u e se c o n so lid o u s u s te n ta ç ã o d a e s tr u tu r a s ó c io -e c o n ó m ic a p ia u ie n s e e, ao m esm o
no d e c o rre r d o s an o s s e te c e n tis ta s . A b a se d a s o c ie d a d e e s tr u tu r a d a te m p o , d e m o n s tr a r a id e n tid a d e d e s sa e s tru tu ra com as d e m a is q u e
n o s é c u l o X \ II d e s e n v o lv e u -s e d e tal fo rm a q u e . ao a t i n g i r a c e n tú r ia e x istira m e m várias reg iõ es d o B rasil.
s e g u in te , p o ssu ía u m a id e n tific a ç ã o p ró p ria com c a ra c te r ís n c a s bem A m eto d o lo g ia u tiliz a d a p a ra e sse e stu d o foi desenvolvida atrav és
d e fin id a s . S e n d o a p e c u á ria a p rin c ip a l a tiv id a d e e c o n ó m ic a d a região d e p e s q u is a b ib lio g rá fic a e a n á lis e d e d o c u m e n taç ã o . Vale sa lie n ta r
n e s s e p e río d o , viveu um d e s e n v o lv im e n to q u a n ti ta t iv o a tra v é s da q u e a d o e u m e n ta ç ã o tra b a lh a d a te m a p articu larid ad e d e s e t em g ran d e
com ercialização d o gado. a rtic u la n d o -se com as d e m a is regiões d o Brasil. p a rte , in é d ita . Por o casião d a p e s q u is a , m u ito s d e s se s d o c u m e n to s
X o e n ta n t o , o b se rv a -se . ta m b é m , n e s s e p e río d o , o in íc io d e d e c lín io c n c o n rra v a m -s c e m to ta l d e s o rd e m e a in d a em arquivos m ortos d e
d e to d o o p ro ce sso p ro d u tiv o e c o n ó m ic o -so c ia l, reflex o d e c ir c u n s ­ cartórios d o Piauí. O u tro s d o c u m e n to s , com o é o caso d aq u eles c o n s ta n ­
tâ n c ia s a d v e rsa s d e c a rá te r e s tr u tu r a l e c o n iu n tu ra l. n ão a p e n a s em te s d e m ic ro film e s d a U n iv e rs id a d e F ed eral de P ern am b u co , relativ os
n ív el in te r n o com o ta m b é m e x te rn o . ao acerv o d o A rq u iv o H is tó ric o U ltra m a rin o em Portugal, q u e tra ta m '
A o r g a n iz a ç ã o s ó c io - e c o n ó m ic a d a C o ló n ia p o r tu g u e s a na da p e n e tra ç ã o d o S e rtã o , a in d a s ã o d e sc o n h e c id o s pelos h isto ria d o res,
A m é ric a a c h a v a -se s u b o rd in a d a a " p o lític a s ” ou d e te r m in a ç õ e s da assim c o m o p e la s o c ie d a d e p ia u ie n s e .
M e tr ó p o le , c u jo o b je tiv o m a io r e ra o a p ro v e ita m e n to e c o n ó m ic o d e A p r e te n s ã o d e s s e tra b a lh o lim ita -se a um a e ta p a prim eira sobre
to d o o te rritó rio b rasile iro , te n d o p o r b a s e os p rin c íp io s m e rc a n tilis ta s . o assu n to , a b rin d o p e rsp e c tiv a s p a ra o u tro s futuros estu d io so s p e sq u isa ­
O e s tu d o d o caso p ia u ie n s e p e rm ite a o b serv ação d e q u e essas p o lític a s dores. O p r e s e n te te x to m a n te v e -s e fiel ao do c u m e n to original a p re se n ­
re fle tia m s itu a ç õ e s c o n ju n tu r a is b e m e s p e c ífic a s , t a n to d o p o n to d e ta d o na U n iv e rs id a d e F e d e ra l d e P ern am b u co e m 1984.
v is ta d o te m p o em q u e o c o rre u a c o lo n iz aç ã o , c o m o d a s c o n d iç õ e s d a
á re a a s e r e x p lo ra d a . D e s s a fo rm a é q u e e n t r e as c a r a c te r ís tic a s
a p r e s e n ta d a s pela s o c ie d a d e p ia u ie n s e d u r a n te o p e río d o e n fo c a d o
p o r e s t e tra b a lh o , id e n tif ic a - s e a q u e la s m ais im p o r ta n te s d o m o d elo
c o lo n iz a d o r: a g r a n d e p r o p rie d a d e , a te n d ê n c ia m o n o c u ltu ra ! e o
e scra v ism o .
Para m e lh o r c o m p re e n s ã o d e s te e s tu d o , fo ram d e te r m in a d o s
s e u s o b je tiv o s d a s e g u in te m an e ira : e m p rim e iro lugar, c o m o e ix o
c e n tr a l d a id é ia q u e p e rm itirá to d o o d is c u rs o no p la n o m e to d o ló g ic o
c o m o n o p la n o o p e ra c io n a l, a te s e d e q u e o escra v o no P iau í te v e o
m e sm o perfil c u ltu ral, e c o n ó m ico e social das d e m a is reg iõ es brasileiras,
e n g a ja n d o -s e , p o r ta n to , no q u a d ro social p ia u ie n s e .
C o m fin a lid a d e d e a te n d e r a e s s e o b je tiv o g e ra l, e s tip u lo u - s e
u m a s u c e s s ã o d e p a sso s o rg a n iz a d o s s is te m a tic a m e n te : n u m p rim e iro
m o m e n to , p ro c u ra -se id e n tif ic a r os m óveis d a c o lo n iz a ç ã o d o P iau í,
b e m c o m o as c a ra c te r ís tic a s a p r e s e n ta d a s r e s u lta d o s q u e sã o d a
d in â m ic a d a ação c o lo n iz a d o ra p o rtu g u e s a no Brasil. N u m s e g u n d o
m o m e n to , faz-se u m a d e scriçã o d a co m p o sição e form ação d a so c ie d a d e
p ia u ie n s e em to d o s os n ív eis, para d a í se c a r a c te n z a r o se u p e rfil.

3 0 in tro d u ção in tr o d u ç ã o 31
apítulo I

A Política C olonial Por tuguesa na América


ara fin s d e d e lim ita ç ã o d e s te e s tu d o , co n sid era-se sob a d e n o m i­
n a ç ão te m p o s m o d e rn o s o p e río d o q u e c o m p re e n d e do século XV ao
sé c u lo X IX . E ssa fa s e a p re s e n ta - s e m u ito rica cm a c o n te c im e n to s
h is to r ic a m e n te s ig n ific a tiv o s, com o é o caso da reestru tu ração política,
e c o n ó m ic a e social p ro c e s s a d a na E u ro p a , seguida do a la rg a m e n to das
fro n te ira s d o m u n d o c iv iliz a d o , isto é, o fen ô m en o da e u ro p e iza ç ã o e
d o s u rg im e n to d e n o v as c iv iliz a çõ e s, m u itas em regiões a té e n tã o
d e s c o n h e c id a s .
Por d e s e m p e n h a r d e s ta c a d o papel no período acim a m encionado,
P o rtu g a l c o lo c a -se c o m o im p o r ta n te o b je to d e e s tu d o q u a n d o se p re ­
t e n d e a n a lis a r a fo rm a ç ã o e d e s e n v o lv im e n to d e im périos coloniais da
é p o c a m e rc a n tilis ta , p o is e fe tiv o u m ais cedo q u e as d e m a is nações
e u ro p é ia s a u n ific a ç ã o d e se u te rritó rio e a cen tralização do poder.
C o m o n ação foi p io n e iro na e x tra p o la ç ã o de suas fro n teiras, e s ta b e le ­
c e n d o in te rc â m b io s co m civilizações e x tra-E u ro p a e assu m in d o , assim ,
re s p o n s a b ilid a d e p e lo a la rg a m e n to d o com ércio in ternacional no início
d a m o d e rn id a d e .
A im p o rtâ n c ia d o rein o lu sita n o eleva-se, p a rticu la rm e n te , q u a n ­
d o s e o b se rv a a c o lo n iz a ç ã o d o Brasil. E n te n d e n d o -s e por colonização
a c o n q u is ta , o p o v o a m e n to e o a p ro v e ita m e n to económ ico d e um a
re g iã o , v e rific a -s e a d im e n s ã o do fe ito p o rtu g u ê s na A m érica. N o
p r im e ir o m o m e n to , s o b re s s a i-s e o d e s e q u ilíb rio e n tr e a e x te n s ã o
te rrito ria l d o p e q u e n o P o rtu g a l e a im en sid ão das terras do Brasil.
V e rifica -se a in d a o d e s c o m p a s s o e n tr e o volum oso ca p ital re q u e rid o
n a im p la n ta ç ã o d a e m p re s a colonial e a delicada situ ação fin an ceira
d o re in o p o rtu g u ê s . S o m a m -s e a isso as d ificu ld ad es e n fre n ta d a s para
a s se g u ra r o d o m ín io c o lo n ia l, face às in v estid as d e o u tra s p o tê n c ia s
T anya M a r ia p ir e s b r a n d ã o O E SCRA V O NA FO R M A Ç Ã O S O C IA L D O PIAI í

u ltram arinas. N ã o o b s ta n te as a d v e rs id a d e s , o correu o n a s c im e n to h is­ e s ta b e le c e r c o n ta to s co m ercias com as regiões do M a r do N o rte e M e d i­


tórico do Brasil e seu e n g a ja m e n to na c o n ju n tu r a d o m u n d o o c id e n ta l. te rrâ n e o O c id e n ta l. E m face d e seu d e s e n v o lv im e n to social c p o lític o
A pesar da g ra n d e q u a n tid a d e d e p e s q u is a s já rea liz a d a s, m u ita s a té o sé cu lo XV e x p lo ro u a c o sta africa n a , realizou o a p ro v e ita m e n to
q u e s tõ e s fu n d a m e n ta is r e f e r e n te s à c o lo n iz aç ã o b rasile ira c o n tin u a m agrícola das Ilh a s d o A tlâ n tic o e d e sco b riu a v ia m arítim a para as ín d ia s.
d e safian d o os h isto ria d o re s. U m a d e la s d iz r e s p e ito aos m e c a n ism o s A co lo n ização d o B rasil ta m b é m se in se re nos fe ito s d e s ta época.
u tiliz a d o s po r Portugal no s e n tid o d e e x p lo ra r e m a n te r s e u s d o m ín io s E n q u a n to P o rtu g a l se lançava p e lo A tlâ n tic o em b u sc a d e o u ro
am ericanos, c o n s id e ra n d o -s e as c o n d iç õ e s g e ra is d o Brasil, os r e c u r s o s e d e m ercad o s c o n s u m id o re s para os p ro d u to s q u e com erciava, b u s c a n ­
q u e o reino d isp u n h a e a c o m p e tiç ã o q u e s e in ic io u e se in te n s ific o u , do. a in d a , p raç a s p ro d u to ra s d c e s p e c ia ria s , su rg ia m , no r e s ta n te d a
ao longo dos séculos, e n tr e as p o tê n c ia s e u ro p é ia s . E in egável o esforço E u ro p a, novas n a ç õ es q u e se e m p e n h a ria m na d is p u ta p e la h e g e m o n ia
do tão p e q u e n o rein o ao r e a liz a ra co lo n iz aç ã o d e u m im e n s o te rritó rio do m undo. A lém da E sp a n h a q u e se g u ia d c p e rto os passos p o rtu g u e se s,
com o o do Brasil. T ild o in d ic a q u e a e m p re s a só se to rn o u p o ssív el em m as q u e logo d e fin iu su a área d e d o m in a ç ã o na A m érica, d e s ta c o u -s e
tace da firm e d e te rm in a ç ã o q u a n to aos o b je tiv o s e a u tiliz a ç ã o d e a In g la te rra , \ i v i a e s ta ú ltim a um p ro c e sso d e reo rg a n iz a ç ão in te r n a
m ecanism os eficazes na v ia b iliz a ç ã o d o p ro je to , ou seja, a co lo n ização q u e a levaria a se c o n s ti tu í r e m E s ta d o M o d e rn o . As m o d ific a ç õ es no
nos m oldes do A ntigo S is te m a M e rc a n tilis ta . p lan o só c io -e c o n ô m ic o lh e p e rm itiria m :
A lguns h isto ria d o re s, a e x e m p lo d e S ta n le y e B arbara S te in ,
a c re d ita m q u e a “ e x p a n sã o m a rítim a d a e s tr u tu r a e c o n ó m ic a pré- E squadrinhar as áreas que constituíam — real e potencialm ente — as
c a p ita lista p o rtu g u e sa foi, d e s ta r te , a r e s u lta n te d e u m a c o n ju n ç ã o fontes de m atéria prim a, os m ercados consum idores e, acima de tu do,
fo rtu ita d e um a tec n o lo g ia m a rítim a r e la tiv a m e n te d e s e n v o lv id a e d e os próprios fornecim entos de ouro e prata em barra e em espécie: os
um a localização geográfica p riv ile g ia d a .” 1 O u tr o s , e n tr e ta n to , em b o ra im périos coloniais am ericanos da Espanha e Portugal.3
não ignorem a im p o rtâ n c ia d e s ta ú ltim a , an a lisam o fe n ô m e n o da
ex p an são colonialista d e P o rtu g a l a p a rtir d e su a e v o lu ç ã o h istó ric a , T a m b ém a França, trad icio n al rival dos in g le se s na m o d e rn id a d e ,
c o n c e d e n d o , assim , m aior v a lo r à obra d a n ação lusa. viv en cio u o m e s m o m o m e n to d e a d a p ta ç ã o aos novos te m p o s e p a rtiu
Portugal não e s te v e in c ó lu m e à c ris e c o n ju n tu ra l q u e abalou a na p e rse g u iç ã o d o s m e sm o s o b jetiv o s. D e s ta c a m -s e a in d a e n tr e o u tro s
E uropa na derrocada d o s is te m a fe u d a l, c u jo á p ic e oco rreu no sé cu lo povos, os fla m e n g o s q u e d e há m u ito c o n tro lav a m g ra n d e p a rte d o c o ­
X IV C o n tu d o , co n fo rm e e x p õ e M a n u e l N u n e s D ia s ,12 e n c o n tro u em si m ércio in te r n o e u ro p e u .
m e sm o a fo rça in ic ia l n e c e s s á r ia à s u a tr a n s f o r m a ç ã o o rg â n ié a , Vivia e n tã o a E u ro p a o q u e se c o stu m a c h a m a r revolução c o m e rci­
a ssu m in d o m u ito c e d o a fo rm a d e E s ta d o N a c io n a l. E c e rto q u e os al, era m e rc a n tilis ta c a ra c te riz a d a p e la n e c e s s id a d e c re s c e n te d e m e ta is
c o n d ic io n a n te s físicos tiv e ra m se u p e s o , v e z q u e c o n trib u íra m no nobres, a u m e n to no v o lu m e d e m ercadorias e busca d e m ercados. C o m o
s e n ti d o d e d e s e n v o lv e r a s h a b i l i d a d e s n á u t i c a s e c o m e r c ia is . afirm a o h is to ria d o r b ra sile iro . C a io P rad o Jú n io r:
E n tre ta n to , a aliança e n tr e a n a s c e n te b u rg u e s ia c o m e rcia l e a C oroa
foi d ecisiv a na e lim in a ç ã o rá p id a d a s b a rre ira s no c a m p o p o lític o , (...) Em sum a e no essencial, todos os grandes acontecim entos d esta
e c o n ô m ic o -s o c ia l e te c n o ló g ic o , f a v o r e c e n d o o e x p ã n s i o n i s m o era a que se convencionou com razão chamar descobrim entos articulam-
p ro p ria m e n te d ito . C o m p e tiu , p o rta n to , a P o rtu g a l, e m p rim e ira m ão. se num conjunto q u e não é senão um capítulo da história do m ercado
europeu. Tudo q u e se passa são in cid en tes da em presa comercial a

1 S T E I N , S ta n le y e S T E I N , B arb ara H . A h e r a n ç a c o lo n ia l d a A m é ric a L a tin a .


R io d e Jan eiro : Paz e T e rra , 1976. p. 27.
2 D IA S, M an u e l N u n e s . O d e s c o b r im e n to d o B ra sil: s u b s íd io p a ra o e s tu d o 1 S T E I N . S ta n le y e S T E I N . B arbara H. A h e r a n ç a c o lo n ia l d a A m é ric a L a tin a .
d a in teg ração do A tlân tico S u l. S ão F^ulo: P io n e ira /IJS R 1967. R io d e Ja n e iro : F\rz e T e rra , 1976. p. 27.

36 37
T a n y a M a r ia P ir e s Br a n d ã o O E SC R A V O NA F O R M A Ç Ã O SO CIA L D O PIAUÍ

q u e s e d e d ic a m os p a ís e s d a E u ro p a a p a r tir d o sé c u lo X V e q u e lh e s o b je tiv a n d o p r o te g e r s e u s d o m ín io s ultram arin o s. Q u a n d o não m ais


a larg ará o h o r iz o n te p e lo O c e a n o a fo ra .45 s u fic ie n te s e s s e s m e c a n is m o s , re s tn n g iu seu cam p o d e ação colonial,
d e s v ia n d o o e ix o d in â m ic o d e s u a e c o n o m ia im perial para o A tlântico.
A o c u p a çã o s is te m á tic a d o t e m r ó n o brasileiro p elos p o rtu g u e s e s O q u a d ro in te r n o p o r tu g u ê s a p re s e n ta -s e com o im p o rta n te
foi d e te r m in a d a p e lo e s p ír ito d e c o m p e tiç ã o q u e c o n ta g io u as n açõ es v ariáv el q u a n d o s e p r e t e n d e o b se rv a r a sp ec to s d o im pério colonial
e u ro p e ia s . D e início, te n d e - s e a a c a ta r in te g r a lm e n te a id éia d o s h is to ­ lu s ita n o . A s m u d a n ç a s no c a m p o p o lític o , económ ico e social, em bora
ria d o res. S re in d iz q u e : d e c isiv as no in íc io d o ex p a n sio n ism o ultram arino, não foram su fic ie n te ­
m e n te p ro fu n d a s , só lid a s e c o n tín u a s , d e form a a p e rm itir o controle
O s e sfo rç o s p o r tu g u e s e s s o lta d o s p a ra a c o n so lid a ç ã o d e se u c o n tr o le d o p a trim ó n io , in c lu s iv e , o u s u f r u to m o n o p o lista das co n q u istas. Res-
so b re a co sta b rasileira... foram , em g ra n d e m e d id a , sim p les ação reflexa, s e n tia -s e P o rtu g a l d e n ão t e r c o n s titu íd o um a re d e d e d istrib u içã o a
d e m o d o a p r e v e n i r o e s t a b e l e c i m e n t o d e e n c la v e s c o s t e i r o s e x e m p lo d o s fla m e n g o s e ita lia n o s.
c o m p e titiv o s , p o r p a r te d a I n g la te r ra e d a F rança in te r e s s a d a s n a V erifica-se, a in d a , q u e os retro cesso s políticos e sociais c o n trib u ­
e x tra ç ã o d o p au -b rasil.-' íram n o s e n tid o d e d ific u lta r o d e se n v o lv im e n to da b u rg u esia local,
d e ix a n d o -a in c a p a z d e e x e rc e r p re ssõ e s q u e im pedissem d e te rm in a d as
X o e n ta n to , em v irtu d e d a s d ific u ld a d e s e n fre n ta d a s no O r ie n te m e d id a s p re ju d ic ia is aos in te r e s s e s m erc an tis do País. D ecorre daí,
— os riscos p ró p rio s d a v iag e m , o a ta q u e d e e s tra n g e iro s aos navios, os p ro v a v e lm e n te , o fa to d e P o rtu g a l te r assum ido a condição desvantajosa
c u sto s com a m a n u te n ç ã o d o d o m ín io e a p e rd a d o m onopólio com ercial d e s im p le s e n tr e p o s to e u ro p e u d o s p ro d u to s q u e a d q u iria.e m ou tras
d a s e s p e c ia ria s , m o d ific o u -s e o tr a ta m e n to a té e n tã o c o n c e d id o ao te rra s , a s s u m in d o c o n tu d o , os risco s d a em presa.
Brasil. R e ssa lta -se a in d a a am eaça da s p o tê n c ia s e u ro p é ias d e se fixarem A lém d a d e b ilid a d e e c o n ó m ic a e financeira, o c o m p o rta m e n to
na A m é ric a em reg iõ es n ão o c u p a d a s p e lo s d e sc o b rid o re s. a n tie m p r e s a r ia l m e r c a n tilis ta d a C o ro a e d a nobreza local c o n trib u iu
N o longo p ro c e s s o d e re e s tru tu raç ã o p o lític o -e c o n ó m ic a d a no s e n tid o d e f a v o r e c e r a p e n e tr a ç ã o d o cap ital e stra n g eiro , q u e se via
E u ro p a M o d e rn a , a d i s p u t a p e la h e g e m o n ia d e u o rig e m a s é rio s a tr a íd o n ã o a p e n a s p e lo v alo r in trín s e c o e com ercial d o s p ro d u to s
c o n flito s in te rn a c io n a is q u e se re fle tia m nas á re a s co lo n iais cu ja p o s s e a p o rta d o s e m P o rtu g a l, m as ta m b é m p elo s privilégios e concessões no
e e x p lo ra çã o g a ra n tia a p re e m in ê n c ia , n ão só e c o n ó m ica , m as p o lític a R eino.
no V elho C o n tin e n te . P e rc e b e -se assim a razão d e tão agressiva a ti tu d e C o n tu d o , foi P o rtu g a l, p re s s io n a d o pela c o n flitu o sa co n ju n tu ra
d a s p o tê n c ia s e m e r g e n te s . I n ic ia lm e n te p a rtic ip a ra m d o s fru to s d o e u ro p é ia e lim ita d o p o r su a re a lid a d e in te rn a , q u e se lançou a explorar
u ltra m a r a tra v és d a p ira taria , corço e co n tra b a n d o . E m se g u id a , a tra íd o s e co lo n iz ar u m a A m é ric a a in d a p ra tic a m e n te inexplorada, mas am bicio­
p e lo o u ro já c o n s ta ta d o no q u in h ã o e s p a n h o l e p elo s ê x ito s d a e m p re s a n a d a p o r to d o s. Foi m ais u m a ação d a b urguesia p o rtu g u e sa , prom otora
a ç u c a re ira no Brasil, d e c id ira m -s e p e la fix ação d e n ú c le o s nas reg iõ e s d a e v o lu ç ã o social e p o lític a d e o u tro ra . b u rg u esia essa co m p o sta d e
in v a d id a s e pela o rg an iz aç ã o d e m o d e rn a s c o m p a n h ia s d e c o m é rc io h o m e n s re a lista s “ m u ito s d a in d e p e n d e n te c id ad e d o Porto ou im preg­
e s p e c ífic a s para as re g iõ e s coloniais. n a d o s d o se u e s p ír ito .”6 A q u e la b u rg u e sia , que, não co n seg u in d o d e te r
P o rtu g al, fre n te a e s s e in trin c a d o q u a d ro , p ro cu ro u se d e fe n d e r, o a v a n ço d o c a p ita l e s tra n g e iro , a lio u -se a ele.
a ssu m in d o posição d e n e u tra lid a d e nas q u e s tõ e s in tern acio n ais. A dotou O B rasil co lo c a v a -se e n tã o com o a g ran d e e única esperança.
o s is te m a d e alia n ça e c o n c e ssõ e s com as p o tê n c ia s q u e se rivalizavam .

4 P R A D O J Ú N I O R . H i s t ó r i a e c o n ó m i c a d o B ra s il. 2 0 a e d . S ão P a u lo : 6 F O N S E C A , C é lia F reire. A e c o n o m ia e u ro p é ia e a c o lo n iz a ç ã o d o B rasil:


B ra silie n se . 1977. p. 14. a e x p e riê n c ia d e D u a r te C o e lh o . R io d e Ja n e iro : C o n selh o Federal d e C u ltu ra / In s titu to
5 S T E 1 N . op. c it., p. 26. H istó ric o e G eo g rá fic o B rasileiro , 1 9 7 8 . p. 70. ,

38 39
T anya M a r ia p ir e s b r a n d ã o O EISCRAVO NA F O R M A Ç Ã O S O C IA L D O PIAUÍ

C o n tu d o , as trad icio n ais fo rm as d e co lo n ização já não su rtiam os e fe ito s (...) R e p re s e n ta m -s e . q u e r p e la p ro c u ra das p e d ra s e m e ta is preciosos,
q u e r p e la m o n ta ria do s silv íco las, ou p o rq u e d e f e n d e s s e m e s te s o seu
d e seja d o s. Era u m a á re a p o v o a d a p o r civ iliz a çõ e s em estação c u ltu ra l
h a b ita t ou p o rq u e os p re ia sse m p a ra os escrav o s os in v aso res europeus,
p rim itiv o o n d e a d o m in a ç ã o p o lític a não favorecia os o b jetiv o s m e rc a n ­
q u e r. e n n m . p ela asseguração da te rra e x te n sa e d e sg u a rn e c id a , cobiçada
tis. A lém disso, a e x te n s ã o d a c o sta m a rítim a e a ação c o n s ta n te d e se m c e ssa r p e lo s in im ig o s d a n a ç ã o p o rtu g u e s a ou p elo s q u e lh e não
estran g eiro s colocavam em risco o d o m ín io p o rtu g u ê s no N o v o N lun do. re c o n h e c ia m a le g itim id a d e d a s o b e ra n ia s o b re a co ló n ia a m e ric a n a .7
D e c id iu -se e n tã o P o rtu g a l, a p a r tir d a s e x p e riê n c ia s a d q u irid a s
nas Ilhas d o A tlân tico e das s u g e s tõ e s fe ita s , e m p e n h a r-s e na o c u p a ç ã o O c o rre u q u e . m e sm o d e p o is d e e x p u lso s, os e s tra n g e iro s , c o m o
do territó rio e oiganizar p ro d u çã o q u e fosse ao m esm o te m p o ap ro p riad a é o caso d o s h o la n d e s e s , c o n tin u a ra m p e n e tr a n d o no te rritó rio a tra v é s
à região e lucrativa n o c o m é rc io e u ro p e u . d o s g ra n d e s rios n o rd e s tin o s a fim d e p e s q u is a re m a e x is tê n c ia d e
E n te n d e n d o -s e p o r p o lític a o c o n ju n to d e o b jetiv o s q u e inform a m in é rio s e re a liz a re m e sc a m b o com ín d io s d o P ia u í e C e a rá .8
d e te r m in a d o p ro g ram a d e a ç ão g o v e rn a m e n ta l e c o n d ic io n a a su a C o n c lu in d o , p o d e -s e a firm a r q u e o d e v a s s a m e n to , a c o n q u is ta
ex ecu ção , o bserva-se q u e o p r o je to d e c o lo n iz aç ã o d o Brasil, lev ad o a e a o c u p a ç ã o d o s e rtã o n o rd e s tin o , região o n d e s e a c h a in c ru s ta d o o
e fe ito p o r P ortugal, o b je tiv a v a à d e fe s a d o p a trim ó n io e o a p ro v e i­ Piauí, não p o d e se r in te rp re ta d o com o fato isolado, ou ocorrência casual.
ta m e n to económ ico d o te rritó rio . Para ta n to , p o rém — e ta lv e z e s te ja A n a lisa n d o -se a ev olução h istó ric a d o Brasil, p e rc e b e -s e q u e a co lo n iza­
aí a razão d o êxito — os m é to d o s era m a d a p ta d o s às c irc u n s tâ n -c ia s d o ção d o s e rtã o se c o n s titu iu em e ta p a d e u m a p o lític a re a lis ta d e a m p lo
m o m e n to histórico, d ig a -s e d e p a ssa g e m , b a s ta n te co m p lex as, v e z q u e s e n tid o , im p o s ta p e la s n e c e s s id a d e s d e so b re v iv ê n c ia e e x p a n sã o d o
envolvia o Brasil, o p ró p rio P o rtu g a l e a E u ro p a . a n tig o im p é rio c o lo n ial p o rtu g u ê s , c o m o a firm a C é lia F reire F o n seca
P artindo d e s ta c o n c e p ç ã o , p o d e -s e e n te n d e r a evolução p o lític o - em se u tra b a lh o so b re a E c o n o m ia E u ro p é ia e a C o lo n iz a ç ã o do B rasil.9
a d m in istra tiv a d o B rasil c o ló n ia , a m o n ta g e m d o co m p lex o e c o n ó m ic o
agro ex p o rtad o r e a lim ita ç ã o d o p o v o a m e n to às regiões m ais p ró x im a s
do litoral. T orna-se ta m b é m m ais clara a razão d e P o rtu g al, m e sm o
a lim e n ta n d o a e s p e ra n ç a d e d e s c o b rir riq u e z a s m in e ra is n o Brasil,
c o n c e n tra r sua a te n ç ã o n a s z o n a s lito râ n e a s p ro d u to ra s d e g ê n e ro s
e x p o rtá v eis e nos p o n to s e s tr a té g ic o s à d e fe s a d o c o n tin e n te . Ficou,
p o rta n to , a cargo d a in ic ia tiv a p a rtic u la r, e v id e n te m e n te com o aval da
M e tró p o le , a tarefa d e a la rg ar as fro n te ira s d a colónia, c o n q u is ta n d o e
p o v o an d o seu interior.
S o m e n te ap ó s a d e fin itiv a e x p u lsã o d o s e s tra n g e iro s in sta la d o s
no Brasil — h o la n d e se s e fra n c e se s — u ltim a d a em m ea d o s d o sé cu lo
XVII, é q u e Portugal se v o ltou p ara a ex ploração siste m a tiz a d a d o c e n tro
do Brasil. A colonização d o in te rio r d o N o rd e s te , e n te n d id a com o povoa­
m e n to e valorização, foi a s s e g u ra d a p e la fu sã o d e in te re s s e s o ficiais e
privados. E n q u a n to s e b u sc a v a d e s c o b rir o E ld o ra d o , e x p a n d ia -s e a
á re a p o r tu g u e s a e v ia s t e r r e s t r e s e ra m a b e r t a s , f a c i l i t a n d o as 7 M A G A L H A E S . B asílio d e. E x p a n s ã o g e o g rá fic a d o B ra sil c o lo n ia l. 2* e d .
com unicações e n tre os n ú c le o s p o p u lac io n ais m ais ao n o rte e os c e n tro s São P au lo : N a c io n a l. 1035. p. 21.
d e d e c is õ e s p o l ít ic o - a d m i n is t r a ti v o s . C o m o e x p lic a B a s ílio d e 8 N I N E S . O d ilo n . P e s q u is a s p a ra a h is tó r i a d o P ia u í. 2 a e d . R io d e J a n e iro :
M ag alh ães, os im p u lso s d a e x p a n sã o g e o g rá fic a d o Brasil e n tr e 1504 c A rte n o v a , 1974. p. 38.
1696, q u a n d o foi u ltra p a s s a d o o m e rid ia n o d e T o rd esilh as: 9 F O N S E C A , op. c it.. p. 160 a 200.

40 41
apítulo 11

A Colonização do Piauí
................................. ...... ...
< § S hf.isto rio g ra fia b rasileira, em g eral, e s ru d a a colonização d a região
M e io N o r te d o B rasil, id e n tif ic a n d o c o m o m o to r d e s se p ro c e sso a
e x p a n sã o d o s c u rrais. N ã o re sta d ú v id a d e q u e c o u b e à p e c u á ria fa z e r
ver ao colono o v alor e c o n ó m ic o d e s sa área, a té e n tã o c o n s id e ra d a
d e sp ro v id a d e riq u e z a s m in e ra is e p o u c o p ro p íc ia à lavoura d e e x p o rta ­
ção. C o n tu d o , a lé m d o s fa to re s p u r a m e n te e c o n ó m ico s, é p o ssív e l se
id e n tific a r a q u e le s d e o rd em política. S e, p o r um lado, ocorria o a v anço
dos c u rra is nos s e rtõ e s d e d e n tr o ,1 p o r o u tro , ach av a-se a C o ro a p o r tu ­
g u e sa a te n ta em relação às c o n v e n iê n c ia s q u e resu lta ria m a se u serviço
e. em esp ec ial à se g u ra n ç a d o E sta d o d o M a ra n h ã o , em serem povoados
os v ales d o P a rn a íb a e Paraim .-’
N o q u e c o n c e rn e ao te rritó rio p ia u ie n s e , fora a in ic ia tiv a d e
algum a v e n tu re iro .123 a p e n e tra ç ã o se d e u p o r volta do s é c u lo X V II,
q u a n d o foram org an izad as e x p ed içõ es m ilita re s e religiosas, o b je tiv a n d o
c o n h e c e r e p a c ific a r a área. S e g u in d o -s c a e s ta s , já na s e g u n d a m e ta d e
da c e n tú ria , ac o rre ra m o u tra s e x p e d iç õ e s g e ra lm e n te p a tro c in a d a s p o r
p e c u a ris ta s, q u e iriam c o n c re tiz a r a c o lo n iz aç ã o , im p lic a n d o o p o v o a­
m e n to c e x p lo ra çã o e c o n ó m ic a da região.

1 D e n o m in a ç ã o a tr ib u íd a à região m ais in te rio ra n a d o se rtã o d o N o r d e s te a n te s


d a criação d a C a p ita n ia d o P iauí, e m 1718.
2 C a ria do R ei p ara o G o v e rn a d o r d e P e rn a m b u c o , e m 0 8 .0 1 .1 6 9 9 - A .H .U ./
Pe. C ó d . 2 5 7 . 11. 5\.
3 A n o tic ia m ais re m o ta q u e se te m d o P iau í é d e a u to ria d e G ab riel S o a re s, e m
1587. R e fe re -se a in d a q u e lig e ira m e n te a seu m ais n o tá v e l rio, o P arn aíb a. c o n h e c id o ,
na é p o c a , co m o R io C irande d o s T a p u ia s —C O S T A . F A . P ereira da. C ro n o lo g ia h is tó ric a
d o P ia u í - d e s d e os se u s te m p o s p rim itiv o s a té a p ro c la m a ç ã o d a R ep ú b lic a . 2a e d . v. 1,
R io d e Ja n e iro : A rte n ova. 1974. p. 25.
T a n y a M a r ia P ir e s Br a n d ã o O ESCRAVO NA FO RM A ÇA O SO C IA L D O PIAI í

A co lo n iz aç ã o d o P iau í c o in c id iu com o novo d ire c io n a n ic n ro m a rítim o s, inviabilizavam o c u ltiv o d a cana para a fabricação do açúcar.
ro m a d o p e la p o lític a co lo n ial p o rtu g u e s a , q u a n d o o c a rá te r d e lito ra- A esc o lh a d a p e c u á ria co m o a tiv id a d e p rincipal talvez te n h a resu lta d o
n e id a d e d o s a n o s q u in h e n tis ta s toi a te n u a d o . A ação d a m e tró p o le d a o b se rv a ç ã o aos c a ra c te re s tísico s regionais e ao fato d e os currais iá
d ire c io n o u -s e no sé cu lo s e g u in te , no s e n tid o d e p ro m o v e ra in te g raliz a - v ire m a d e n tr a n d o no se rtã o . M as. é provável, a in d a , q u e a c a p ac id ad e
ção d e s e u s d o m ín io s. M o b ilizav a-se. assim , na busca d e vias te rre s tre s d a criação bovina d e o c u p a r v a s ta área em tem p o rela tiv a m e n te exíguo,
q u e c e rta m e n te fac ilita ria m as c o m u n ic a ç õ e s e n tr e o E s ta d o d o M a ra ­ com re d u z id o n ú m e ro d e p e s so a s e po u co cap ital ten h a m influ íd o na
n h ã o e o re s ta n te do Brasil, ao r e m p o e m q u e te n ta v a e v ita r o co n tra b a n ­ escolha.
d o d e e s tra n g e iro s q u e p e n e tra v a m na h in te rla n d a tra v é s d o s g ra n d e s A c o lo n iz aç ã o p ro p ria m e n re d ita do te rritó rio p iau ie n se tev e
rios e m a n tin h a m bom re la c io n a m e n to com os n a tiv o s.4 in ício n a s e g u n d a m e ta d e d o sécu lo X V I I . q u a n d o foram c o n ced id as
E m b o ra tiv e s s e m sid o fo rm a d as várias en tra d a s , c a b e n d o a elas as p rim e ira s se sm a ria s. A té a d é c ad a d e 1660. ap ro x im ad am en re. a
a p rim azia d as in cu rsõ e s no m o m e n to inicial do d e v a ss a m e n to d o Piauí, região a sse m e lh a v a -s e a um c o rre d o r m igratório. O s tra n s e u n te s e s ta ­
u tiliz o u -s e P o rtu g al d a ação d o s s e rta m s ta s d e c o n tra to e m issio n á rio s vam p re o c u p a d o s na b u sc a d o in d íg e n a , na d e sc o b e rta d e m inérios e
c a tó lic o s para d a r s e g u im e n to ao p ro ce sso d e c o n q u is ta d a área. C o m o no c o n h e c im e n to geográfico d a área. For essas razões, nenhum in teresse
e s s e s d o is g ru p o s já v in h a m p a lm ilh a n d o os se rtõ e s, as d ific u ld a d e s d e m o n stra v a m em se fixarem d e fin itiv a m e n te no local. Alguns, a ex em ­
re la tiv a s a a g re s s iv id a d e d o s in d íg e n a s e c u s to s das e x p e d iç õ e s seriam plo d e D o m in g o s Jo rg e V elho, ch eg aram a té a se in sta la r na região po r
a m e n iz a d a s .5 um p e río d o m ais longo, p o rém essas residências tiveram caráter te m p o ­
O b s e rv a n d o -s e a d o c u m e n ta ç ã o d a é p o c a , p e rc e b e -s e q u e a rário:
M e tró p o le h av ia c o n s ra ta d o q u e a p e n a s o c o n h e c im e n to d a á re a e a
e x p u lsã o d o in d íg e n a não e ra m s u fic ie n te s para a te n d e r s e u s o b je tiv o s T in h am erigido para sua morada e habitação o Rio Potingh... e o Rio
c o lo n iz a d o re s, os q u a is só seriam a tin g id o s com a fixação d e colonos, Parnaíba e ... neles tinham feito suas povoações com suas habitações,
q u e p e rm itiria , a um só te m p o , a sse g u ra r o d o m ín io da reg iã o c o n q u is ­ com suas criações, ta n to dos vacum como cavalares, ou ovelhuns e
ta d a e e fe tiv a r seu a p ro v e ita m e n to eco n ó m ico . cabruns... e faziam sua lavoura e assim tiveram seus domicílios vinte e
q u atro ou v in te e cinco anos...6
N a ocasião , c o n tu d o , não se a p re s e n ta ra m m u ita s o p ç õ e s à
valorização d o te rritó rio . O e x tra tiv is m o v e g e ta l e m in e ra l to rn a v a -se
q u a s e im possível em v irtu d e das lim itaçõ es q u a n to ao p o te n c ia l n atu ral Q u a n to ao e fe tiv o a p ro v e ita m e n to económ ico da região, em
d a s dro g as e m e ta is n o b res. T a m b é m a in e x is tê n c ia d e g ra n d e s e x te n ­ observância aos o bjetivos colonizadores d e Portugal, to m a-se necessária
sõ es d e solos a g ric u ltá v e is e a d is tâ n c ia a se r p e rc o rrid a a té os p o rto s m u ita c a u te la q u a n d o se p r e te n d e avaliar o p ap el dos a c am p a m e n to s
dos b a n d e ira n te s , m esm o os m ais duradouros. Isso p o rq u e com o afirm a
o p ró p rio Jo rg e V elho, re p re s e n ta ra m a n te s d e tu d o “um m uro co n tra
4 N U N E S . O d iio n . P e s q u is a p a ra a h is tó r ia d o P ia u í. 2 a e d . v. II, R io d e o g e n tio d e c im a e o n e g ro fu g id o d e baixo.”7 N ã o tin h am , pois, por
J a n e iro : A rte nova, 1975. p. 37. fin a lid a d e im p la n ta r e s tr u tu r a sócio-econôm ica no local. A função dos
5 E p rováv el q u e , d e início, a e x p a n sã o d a á re a colo n ial p o rtu g u e s a n a A m érica arraiais e ra tã o s o m e n te fo rn e c e r a lim e n to s às tro p as e gu arid a aos
in te re s s a s s e s o m e n te à C o ro a e p a rte d a s o c ie d a d e co lo n ial. Q u a n to à b u rg u e s ia lusa, c o m b a te n te s nos in te rv a lo s d a lu ta. Além disso, a v ida q u a se n ó m ad e
e s t a achava-se e m p e n h a d a n a b u sc a d e re su lta d o s m ais im e d ia to s, a e x e m p lo d a e m p re sa
a ç u c a re ira do lito ra l e trá fic o d e e sc ra v o s a fric a n o s. A in e x is tê n c ia d e m in é rio s , a
in v ia b ilid a d e d e im p la n ta ç ã o d a p la n ta tio n , asso c ia d a a a g re ssiv id a d e d a p o p u la ç ã o
n a tiv a d ific u lta v a m a c o lo n iz a ç ã o d a área. O s riscos d o e m p r e e n d im e n to e a e x ig ê n c ia 6 P e tiç ã o d e Je rô n im a C a n d e ira Fróis. re q u e re n d o sesm aria. In: C O S I A. E. v
d e m o b ilização d e g ra n d e s c o n tin g e n te s c o m p ro m e tia m a ap licação d o c a p ita l q u e se I, p. 69.
a ch av a reserv ad o a in v e s tim e n to s c u ja ta x a d e re to m o fo sse m ais se g u ra e a c u rto 7 P e tiç ã o d e D o m in g o s J o rg e V elho. In: E N N R S . E rn esto . As g u e rra s n o s
p ra z o . Palm ares: su b s íd io s p ara a su a h is ió n a . 1° \. |s .d | Brasiliana. S érie 5a. vol. 127. p. 326.

46 47
tanya M a r ia p ir e s b r a n d a o O ESCRAVO NA FO R M A Ç Ã O S O C IA L D O PIAUÍ

dos b a n d e ira n te s “ to p a n d o b a n d e ira ao g e n tio bravo o n d e o p e d ia m " ' Jorge \ e l h o s in te tiz a m u ito b em o e s p ír ito d o s c o n q u is ta d o re s , ao
não p e rm itiu q u e e s s e n ú c le o s h a b ita c io n a is se d e se n v o lv e sse m se afirm ar:
p e rp e tu a n d o .
E n tre ta n to , ig n o ra r o d e s e m p e n h o dos p a u lis ta s no d e se n ro la r I m os ao s e rtã o d e s te c o n tin e n te ... se n ão a d q u ir o ta p u ia g e n tio b ra b o
d a colonização seria u m lap so h istó ric o im p erd o áv el. As b arreiras q u e e c o m e d o r d e c a rn e h u m a n a p ara re d u z ir ao c o n h e c im e n to d a u rb a n a
form avam contra o in d íg e n a asseg u rav am a p e n e tra ç ã o dos p e c u a rista s h u m a n id a d e e h u m a n a s o c ie d a d e d e racional tra to , para p o r e s s e m e io
q u e se fixariam na reg ião fa z e n d o s u rg ir a so c ie d a d e p ia u ie n s e . c h e g a r a te r a q u e la luz d e D e u s e dos m is té rio s da fé c a tó lic a q u e lh e s
b a s ta p a ra a su a sa lv ação .10
T am b ém a ação d o s m issio n á rio s cató lico s serviu d e s u p o rte à
colonização do Piauí. A lém d o tra b a lh o d esen v o lv id o nas p e re g rin a ç õ e s
p e la s ald eias, nas m issõ e s je s u ític a s a g ru p a v a m -se os in d íg e n a s q u e Q u a n to ao fa to r te m p o , não há q u a s e d is tâ n c ia e n tr e a fa s e d e
passavam a rec e b e r e n s in a m e n to s ta n to religiosos com o a q u e le s q u e d e v a s s a m e n to e início do p o v o a m e n to , p o d e n d o -s e dizer, m esm o , q u e
p o ssib ilita ria m h a b ilitá -lo s p a ra o tra b a lh o o rganizado. D iz o p ró p rio foram q u a s e q u e c o n te m p o râ n e o s . E s ta n d o a C oroa in te re s s a d a na
rei d e Portugal: o c u p ação c o lo n ial da área. u tih z o u - s c d o s is te m a sesm aríal, q u e na
p rá tic a se c o n s titu iu na d is trib u iç ã o d a te rra a q u e m e m p r e e n d e s s e a
N o q u e b e m m o s tra a e x p e r iê n c ia o q u a n to é p re c iso a s s is tê n c ia dos c o n q u is ta . A p ro v e ita n d o -s e d e tal m e d id a os c riad o res e x p a n d ira m o
p a d re s m issio n ário s e p o r q u e , p o r e s te m e io , se p u d e ra m tra z e r m ui tos esp aço p e c u a n s ta , c o n q u is ta n d o novas áreas a in d a não m o n o p o liz a d a s
[índios] ao g ré m io da Ig re ja e os b e n e fíc io s tem p o rais p u d e ra m ta m b é m p eio s g ra n d e s s e n h o re s . S e, p o r um lado, in te n s ific o u -s e a c o n q u is ta
c o n d u z ir m u ito s + p a ra e s ta e m p re s a tã o sa c ro -sa n ta ... e p o r se te r po r do te rritó rio , p o r o u tro re s u lto u na fo rm ação d o la tifú n d io q u e v iria a
m ais c e rto q u e s e rá is to u m in s tr u m e n to m u ito e ficaz p ara os re d u z ir ser um a d a s p rin c ip a is c a ra c te rís tic a s d o P iauí.
ao c a m in h o d a v e r d a d e s e n d o s o b re as d o u trin a s q u e se lh e s p re g a .89
M e sm o n as d e m a is reg iõ e s b rasile ira s o n d e havia u m a g ra n d e
c o m p e tiç ã o p e la p o sse d a te rra , o re g im e d e d o açõ es d e s e sm a ria s
E m bora se p ro c u re d e s ta c a r a q u i o p e c u a ris ta com o e le m e n to co n co rreu no s e n tid o d e se fo rm a re m p ro p rie d a d e s q u e e x tra p o la v a m
e d ifica d o r da colonização d o P iauí, é necessário se escla re c e r q u e , a n te s as d e lim ita ç õ e s fixadas em lei. C o m relação ao caso p ia u ie n s e , o b serv a-
da im p la n ta ç ã o d o s c u rra is, os c ria d o re s p e n e tra ra m no te rritó rio , se q u e e sse fe n ô m e n o to m o u d im e n s õ e s a in d a m aiores, te n d o e m v is ta
a ssu m in d o um a p o s tu ra m u ito s e m e lh a n te à dos b a n d e ira n te s . P e rte n ­ um a sé rie d e fa to re s. A ch av a-se o g o v e rn o p o rtu g u ê s , n e s sa o casião,
c e n d o as e n tra d as d e c a rá te r oficial ou particular, p e rse g u ia m o in d íg e ­ im p o s s ib ilita d o d e e m p r e e n d e r com recu rso s p ró p rio s o d e v a s s a m e n to
na, e x te rm in a n d o -o ou r e d u z in d o -o ao cativeiro. E e v id e n te , c o n tu d o , do interior. O s rec u rso s d e q u e d is p u n h a , o b v ia m e n te , d e v e ria m s e r
q u e ao d e s e m p e n h a re m a a tiv id a d e a p re sa d o ra pro cu rav am conciliá- a p lic ad o s e m e m p re s a s , c u ja tax a d e re to rn o fo sse m ais im e d ia ta , ou
la à b u sc a d e novas te rra s p a ra a p e c u á ria q u e já v in h a o c u p a n d o largos na d e fe sa d a s á reas m ais c o b iç a d a s o u , a in d a , na m a n u te n ç ã o d o a p a re ­
e sp aço s no in te rio r d o N o r d e s te . lho a d m in istra tiv o e m ilita r Por esses e o u tro s m otivos, os títu lo s te rrito ­
N e s s a p rim e ira fa se d a h is tó ria d o P iauí, o b se rv a -se q u e os riais r e f e re n te s à área c o n q u is ta d a foram c o n c e d id o s aos d e v a ss a d o re s
in te re s s e s m e tro p o lita n o s e n c o n tra v a m resp ald o na m o b ilização dos em troca d e serv iço s p re s ta d o s.
b a n d e ira n te s, religiosos e c u rraleiro s com relação à p o p u lação indígena. N o â m b ito da so c ie d a d e b rasileira, os q u e d isp u n h a m d e c a p ita is
h u m a n o e m a te ria l n e c e s s á rio s à c o n q u is ta , d e s ta c a v a -s e o g ru p o

8 C a rta d e D o m in g p s Jo rg e V elho d irig id a a EI Rei d e F brtugal - 1 5 .0 6 .1 6 9 4 .


In: E N N E S , op. cit., p. 2 0 4 .
10 C a rta d e D o m in g o s Jo rg e V elho a EI R ei, d a ta d a d e 0 5 .0 7 .1 6 9 4 . In : E N N E iS ,
9 C a rta d e E) R ei, d e 1 3 .0 1 .1 6 9 9 - A .H .U ./P e . - C ó d . 2 5 7 , 11. 7v. op. c u ., p. 2 0 4 a 2 0 7 .

48 49
T an y a M a r ia P ir e s Br a n d ã o O ESCRAVO NA FO R M A Ç Ã O SO C IA L D O PIAUÍ

d e d ic a d o à a tiv id a d e p a s to ril p e lo seu in te r e s s e na in co rp o raç ã o d e fu n d a m e n ta l e x ig id a e m o u tra s lo ca lid a d e s na aq u isição d e sesm an a.


novas áreas. D aí talv ez a c o n c e n tra ç ã o d e g ra n d e s e x te n s õ e s d e te rra s ou seja, d e m o n s tra r a p tid ã o d e c u ltiv o d o solo. foi resp e ita d a . C om o
em m ãos d e p e sso a s p riv ile g ia d a s e c o n ó m ica e fin a n c e ira m e n te . afirm a S im p líc io M e n d e s , no P iauí:
T u d o leva a crer. a in d a . q u e . e n tr e a q u e le s q u e p o s s u ía m os
recu rso s h u m a n o s e m a te ria is necessário s e d isp o n ív e is à c o n q u is ta d o A s c a rta s d e se s m a n a s e ra m passad as sem ordem e sem u m a orien tação
s e rtã o , s a lie n ta v a -s e o g ru p o d e d ic a d o à p e c u á ria p e lo in te r e s s e a p r e ­ c e r ta , p r e v ia m e n te tra ç a d a aos d iv erso s governadores coloniais. .As
s e n ta d o na incorporação d e novas áreas. Fechava-se o círculo da s e g u in te m e d id a s a e s s e r e s p e ito n ã o firm a ra m um p lan o geral, u n ifo rm e e
m an e ira : só os ricos p ro p rie tá rio s tin h a m re s p a ld o p ara e m p r e e n d e r a m e th o d ic o p a ra e ssa s d o a ç õ e s , d e s o r te q u e as co n d iç õ e s variam ,
c o n q u is ta d e novas á re a s; c o n s e q u e n te m e n te a e s te s e s ta v a re se rv a d o m u d a m d e a c c o rd o co m o m o m e n to , a in flu ê n c ia do b e n e fic ia d o e as
o d ire ito d e re c e b ê -la s em se sm a ria s. E x e m p lo s ig n ific a tiv o foi a C a sa d iv e rs a s m e d id a s o c a sio n a e s e x p e d id a s pelo governo d a m e tró p o le .1’
d a Forre, im p o r ta n te e m p re s a p a sto ril da B ahia. q u e . nos an o s s e te n t a
d o sécu lo X V II. cm so c ie d a d e com D om ingos A fonso S e rtã o , c o m b a te u A lib e ra lid a d e v e rific a d a na d istrib u iç ã o dos títu lo s podia e sta r
o s ín d io s g u e g u ê s em te rritó rio p ia u ie n se . I m a vez e lim in a d o o in im i­ re la c io n a d a ao p o u c o in te r e s s e q u e a te rra do Piauí d e sp e rto u nos
go. foram in stalad o s os p rim e iro s currais, sen d o , im e d ia ta m e n te d e p o is , colonos p o r se r d is ta n te , p o b re p ara a ag ricu ltu ra e acolher um a popula­
re q u e rid a s as p rim e ira s d e u m a sé rie d e c o n c e ssõ e s d e te rra s e m d if e ­ ção n a riv a agressiva. A a firm a tiv a re s u lta da observação d e q u e nas p ri­
r e n te s p o n to s d a bacia d o P arnaíba. m eiras d é c a d a s d a o c u p a ç ã o te rrito ria l não ocorreram c o n flito s m ais
D u r a n te o sé cu lo X V II, o n ú m e ro d e p ro p rie tá rio s foi b a s ta n te sérios, e n tr e colonos, p o r q u e s tõ e s d e terra. Isso talvez p o rq u e, na
lim ita d o . S e g u n d o o a u to r d e a D e s c riç ã o d o S e r tã o d o P ia u í,1112 e m ocasião, a te rra não fu n c io n a s s e com o p ro p rie d a d e im obiliária e nem
1697. to d as as te rra s p e rte n c ia m aos se n h o re s D o m in g o s A fonso S e rtã o in flu e n c ia s s e no p re ç o d a p ro d u ç ã o local.
e L e o n o r P ereira M a rin h o . O a u to r d o d o c u m e n to afirm a te r p e rc o rrid o T a m b é m o fa to d e h a v e r te rra em d em asia e pouca g e n te para
to d a a área o c u p a d a , q u e c o m p re e n d ia os vales d o s R ios C a n in d é , P o ti, o c u p á -lo p o d e te r c o n tr ib u íd o no s e n tid o d e q u e fossem a te n u a d a s as
Ira u e ira . L o n g á e G u r g u é ia , o n d e se achavam im p la n ta d a s 129 f a z e n ­ d e te rm in a ç õ e s c o n c e rn e n te s às d istrib u iç õ e s dos lo te s.13A flexibilidade
d as. E possível q u e o p a d re M ig u e l d e C arv alh o te n h a c o m e tid o alg u m da fro n te ira p e rm itia a g e n e ro s id a d e nas doações, vez q u e havia espaço
e x a g ero q u a n to ao n ú m e ro d e se sm e iro s, p o ré m , co n v ém re s s a lta r q u e a se r o c u p a d o p elo s re ta rd a tá rio s.
n ã o eram m u ito os g ra n d e s g ru p o s p e c u a ris ta s d o N o rd e s te . D u r a n te o sé cu lo X V III, e n tr e ta n to , a co n cen tração da terra veio
A form ação no P iauí d o s m aio res la tifú n d io s n o rd e s tin o s c o m u - provocar o sé rio c o n flito social e n tr e sesm eiro s e posseiros. É possível
m e n te é a p o n ta d a com o u m a d ec o rrê n cia d a s c a ra c te rístic a s ecológicas q u e e s s e novo a s p e c to d a lu ta p e lo d o m ín io da terra não se dev eu à
reg io n a is, co m o ta m b é m p e lo baixo nível té c n ic o d a p e c u á ria . O u tr o s lim ita çã o d a á re a c o n q u is ta d a te n d o em v ista q u e foi b a s ta n te e x p re s­
a s p e c to s a in d a p o d e m s e r id e n tific a d o s q u a n d o o b se rv a d a a o rig e m siva a e x p a n sã o te rrito ria l n e s te p erío d o . O b serv e-se a ex p an são da
d o la tifú n d io p ia u ie n s e , \ l u i t o s d e le s d iz e m re s p e ito ao p ro c e sso d e
o c u p a ç ã o d o te rritó rio .
E m b o ra h o u v e s s e lim ite s d e á re a s, fix a d o s em lei, p a ra as 12 M E N D E S , S im p líc io . P r o p r i e d a d e l e r r i l o r i a l d o P ia h u y . T e re s in a :
c o n c e ssõ e s se sm a ria is, v e rific o u -se , com relação às d o a ç õ es no P iau í, T ipografia d e “O FHauhv”, 1928. p. 23.
u m re la x a m e n to ao c u m p r im e n to das d e te rm in a ç õ e s . N e m a c o n d iç ã o 13 A sesm a ria d e v e ria m e d ir tr ê s lég u as d e co m p rim e n to p o r u m a d e largura.
C o n tu d o , a títu lo d e e x e m p lo d a c o n c e n tra ç ã o d a p ro p ried ad e d e sta , c ita -se a concessão
fe ita e m 1681 c o rre s p o n d e n d o a " d e z léguas d e te rra a cada um do grupo c o m p o sto
p o r D o m in g o s A fonso M a fre n s e , Jú lio A fonso S erra, Francisco D ias d e Ãvila e B ernardo
1 I C A R V A L H O . M ig u e l d e . (P a d re ) D e s c rip ç ã o d o c e r t ã o d o P ia u h y ao Ilm ° P ere ira G ag o , q u e já h a v ia m re c e b id o a n te r io r m e n te o u tro s títu lo s. C O S T A op. cit..
S r° Frei Francisco d e L im a B ispo d e P ern a m b u c o . In : E N N E S , o p . c it., p. 3 7 0 -3 8 9 . p. 48.

50 51
T anya M a r ia p ir e s b r a n d ã o O e s c r a v o n a f o r m a ç ã o S O C I A L D O PIA U Í

á re a c o n q u is ta d a e n tr e 1697 e 1761 nos m ap a s c a rto g rá fic o s a seguir. ex em p lo , para lh es se r c o m p a n h e iro s nos in te re s s e s q u e se p ro m e tia m ,
T u d o leva a c re r q u e u m c o m p le x o d e fato res c irc u n s ta n c ia is e c o n ju n ­ s e evacuavam to d a s as c a p ita n ia s v iz in h a s.~ !i
tu ra is te n h a corroborado n e s te s e n tid o . E sse ê x o d o p ara o P iauí p o d e te r co n c o rrid o p a ra agrav ar os
O a u m e n to n atu ral d o s reb a n h o s exigia a fixação d e cu ria is novos con flito s sociais do sé cu lo X V III. Em face da alteração no q u a d ro d e m o ­
n as áreas favoráveis e d e p re fe rê n c ia a in d a não ex p lo rad as. Ao lado gráfico. novo valor p o d e te r sid o c o n fe rid o à te rra , v isto q u e a p o s s e d e
disso, verificou-se, ta m b é m , o ráp id o c re sc im e n to populacional. S e g u n ­ um vinha g a ra n tir um tip o d e vida m ais rran q ú ila. pois g a ra n tia a su b sis­
d o os q u a d ro s d e n23 e 4. n o a n o d e 1697. o n ú m e ro d e p e sso a s d e d ic a ­ tê n c ia d o p ro p rie tá rio .
d a s às faz e n d a s era na o rd e m d e 43 8 . e no a n o d e 1 762 su a p o p u la ç ã o A q u e stã o fu n d iá ria no Piauí d u ra n te e s te período é u m in d ic a tiv o
já c o rre sp o n d ia a 12.744 h a b ita n te s . do in te r e s s e q u e d e s p e r ta v a nos co lo n o s as te rra s d a reg ião . A já
A m an eira a c e le ra d a c o m o se d eu o a u m e n to no n ú m e ro d o s d e c a n ta d a a sp ira ç ã o d o s m o rad o res d o Brasil em se tra n sfo rm a re m em
m o rad o res d as fa z e n d a s, e n tr e 1697 e 1762. p o d e se r a trib u íd o à c h e ­ g ra n d e s s e n h o re s ru rais é fa c ilm e n te co m p ro v ad a na co lo n iz aç ã o d o
g a d a d e novos h a b ita n te s . O fa to d e . no final d o sé c u lo X V II. e s ta p o ­ Piauí. C o n fo rm e S im p iíc io M e n d e s , foi " tã o d e s m e n s u ra d a a a m b iç ã o
p u lação em sua q u a s e to ta lid a d e , se r c o m p o sta d e e le m e n to s d o sexo d e p o ssu ir v a sto s d o m ín io s te rrito ria is (...) q u e a té c h e g a ra m a p e d ir
m ascu lin o , p e rm ite q u e s e a trib u a a c h e g ad a d e novos h a b ita n te s a d esp ro p ó si tos. "1415
oco rrên cia d e s se fe n ô m e n o d e m o g rá fic o no P iauí. A n a lis a n d o -se as fo n te s , p e rc e b e -s e q u e , na v e rd a d e , m u ito s
C o n v é m le m b ra r q u e , n e s te p e río d o — s e g u n d a m e ta d e d o m eios foram u tiliz a d o s , o b je tiv a n d o a p o s s e d e im e n so s p a trim ó n io s
sécu lo XV II e p rim e ira d o s e g u in te — q u a n d o , o P iauí, se eng ajav a te rrito ria is no Piauí. U m d o s m ais c o m u n s foi o r e q u e rim e n to d e várias
e fe tiv a m e n te no bloco c o lo n ia l, a e c o n o m ia e x p o rta d o ra d o B rasil sesm arias nos m ais d ife r e n te s p o n to s ou a té m esm o lim ítro fe s a g leb a s
e n fre n ta v a fo rte crise. E p o ssív e l q u e os h a b ita n te s ta n to d a região a n te rio rm e n te re c e b id a s em doações. O u tr a fó rm u la m u ito e m p re g a d a
agrícola com o da m in e ira b u s c a s s e m o Piauí c o m o refúgio. foram os p e d id o s fe ito s e m n o m e d a e sp o sa e filhos, a lg u n s d e le s a té
A atração q u e o P iau í p asso u a e x e rc e r so b re os colonos p o d e se r m en o re s d e id a d e .
a trib u íd a em p rim e iro lu g ar p o r se ac h ar p a c ific a d o . A e x p u lsã o d a s A lém d e s s e s , o u tro s m é to d o s , a té c e rto p o n to d ú b io s, foram
trib o s in d íg e n a s p e rm itia a c o n s tru ç ã o d e novos c u rra is d e m o d o m ais e m p re g a d o s n o a la rg a m e n to d a s p ro p rie d a d e s . N a s tra n sc riç õ e s d e
seguro do q u e no início do d e v a ssa m en to . Por o u tro lado, é in te re s s a n te doações c o n s ta n te s em C a tá lo g o das S e sm a ria s c o n c ed id a s a p a rtic u la ­
o b serv ar q u e a p e c u á ria m e s m o d e p o is d e p a ssa d a su a fase á u re a , res no P iauhv,16*id e n tif ic a n d o - s e c e rta im p re c isã o q u a n to aos lim ite s
g a ra n tiu u m a re n d a e s tá v e l te n d o em v ista q u e se u s tra d ic io n a is da área so lic ita d a ou a in d a a indicação d e m arcos p e re c ív e is.U m e x e m ­
m ercados c o n su m id o res c o n tin u a v a m crescendo. A p esar d e a e c o n o m ia plo foram as d o a ç õ e s f e ita s a M a n u e l d e S o u sa M a rtin s e m 1798. N a
açu careira, p o r razões rela tiv a s ao c o n te x to in te rn a c io n a l, d e fro n ta r-s e ocasião, e le re c e b e u q u a tr o lo te s em d if e r e n te s d a ta s , c a d a u m d e le s
com sérios problem as, no q u e c o n c e rn e às n e c e s s id a d e s da p ro d u ç ã o e com re g istro d if e r e n te , c o m p re e n d e n d o u m a área d e trê s lég u a s d e
da p o p u laç ã o da zo n a c a n av ie ira , não h o u v e m o d ific a ç õ es. A e x ig ê n c ia
d e a u m e n to das e x p o rta çõ e s d o açúcar, bem com o o c re s c im e n to c o n tí­
n u o d a p o p u lação im p re sc in d ia m d o s gados d o P iauí. 14 D U R Ã O , A n to n io J o s é d e M orais. D e scrição d a C a p ita n ia d e S ão J o s é d o
Piauí - 1 772, In: .V IO L E , L .R . B. D e s c riç ã o d a c a p it a n ia d e S ão J o s é d o P ia u í - 1 7 7 2 .
T u d o isso c e r ta m e n te e s tim u lo u a in sta la ç ã o d e novos c u rra is e
R ev ista n° 112, S ão P aulo, 1977, p. 564.
a fixação d e novos h a b ita n te s em terras p ia u ie n s e s . D e s c re v e n d o em
1 5 Ib id ., p . 565.
1772 a C a p ita n ia d e São J o s é d o Piauí, D u rã o c h e g o u a a firm a r q u e
16 PIA U Í. G o v e rn o . SILV A, A n to n in o F reire d a. (O rg .). C atálo g o d a s se sm a ria s
“e n q u a n to os p rim e iro s d e s c o b rid o re s davam ao longe, um a g ra n d e c o n c e d id a s no Piauhv; re g is tra d a s nos livros d e n° I o, 2o, 3°, 4°, e 5° e x is te n t e s na
id éía d e s te s se rtõ e s m ovidos d e la se abalavam m u ito s a se g u ir-lh e s o D ire tó ria d e a g ric u ltu ra , te rra s, viação e ob ras p ú b lic a s. A rquivo P ú b lico d o E s ta d o do
Piauí: d o c u m e n to s avulsos.

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T a n y a M a r ia P ir e s b r a n d ã o O ESCRAVO NA FORM AÇÃO SO CIA L D O PIAUÍ

c o m p n m e n ro p o r u m a d e larg u ra.1 N o a n o d e 1799, o m e sm o s e n h o r Sodré, q u e afirm a te r a p e c u ária d o sertão defin id o suas linhas no sécu lo
foi a q u in h o a d o co m nova c o n cessão . P o d e -se , a in d a , c ita r c o m o o u tro XVI. a p e rfe iç o a n d o -a s nos s e g u in te s . Em bora tiv e sse sua origem na
e x e m p lo d e rec u rso u tiliz a d o na a m p lia ç ã o d o p a trim ó n io fu n d iá rio a zo n a agríco la do litoral, d e c a rá te r escravista, e com cia m a n te n d o
c o n c e ssã o fe ita a A le x a n d re G u sm ã o N o g u e ira em 1800, cu jo s lim ite s e s tre ita s relações, a região p a s to n i veio a p re se n ta r fisionom ia d ife ren te .
e ra m : C o n c lu s iv a m e n te , o a u to r id e n tific a com o a m ais n ítid a e m ais an tig a
d iv e rg ê n c ia e n tr e as d u a s reg iõ e s a resistê n c ia ao escravism o d e m o n s ­
Fica d e n tro um olho d'água cham ado vu lg arm en te d e T am boril, tra d o p e la p e c u á ria .1'” P a rtin d o , ta m b é m , da prem issa d c q u e a pecuária
extrem ando para essa parte com a fazenda do im p e tra n te , para outra não exigiu o trab alh o escravo, A lberto Passos G uim arães nega a e x istê n ­
com a fazenda de Bebedouro e para outra com as caatingas in ú te is.18 cia d a e sc ra v id ã o nas fa z e n d a s d e gado do N o rd e ste .- T ê m a m esm a
c o n c e p ç ã o C e ls o F u rta d o . C a io Prado e Clóvis M o u ra.-1 d e n tr e o u tro s
O fato é q u e . po r to d o o sécu lo X \1 I I , c o n so lid o u -se o la tifú n d io e s tu d io s o s , ju lg a n d o se r livre e d e origem in d íg en a a m ão-de-obra nos
n o P iauí, tip o d e p ro p rie d a d e rural p e r te n c e n te a u m se n h o r, te n d o cu rrais d o se rtã o .
p o r b a se a p e c u á ria e com boa p arcela d a á re a sem c u ltiv o . A lg u n s h is to ria d o re s n o rd e s tin o s c o n te s ta m essa conclusão.
A form ação social d o Piauí te v e seu início q u a n d o , p a ra le la m e n te D ia n a G a lisa . d e te n d o - s e na a n á lise do q u adro paraibano, observou
ao d e v a s s a m e n to e o c u p a ç ã o d o te rritó rio , e s ta b e le c e u -s e a p e c u á ria q u e o tra b a lh o escravo e livre c o -ex istiram na p ecu ária d e s d e a im p lan ­
c o m o base d o a p ro v e ita m e n to e c o n ó m ico local. A p re d o m in â n c ia d o tação d o s p rim e iro s cu rrais a té o final do sécu lo X IX q u a n d o foi e x tin ta
la tifú n d io p e c u a ris ta e a v ig ê n c ia d a e scra v id ã o no c o n te x to p ia u ie n s e o fic ia lm e n te a escrav id ão no B rasil.1920122
in d ic a m a p o s s ib ilid a d e d e aplicação d o m o d e lo c o lo n iz a d o r b rasileiro, N o c a so p ia u ie n s e , O d ilo n N u n e s em su a s P e s q u is a s faz
cu jas cara c te rístic a s fu n d a m e n ta is são a g ra n d e p ro p rie d a d e , u m a e s tr u ­ referência a ín d io s e negros escravizados nas d ife ren te s eta p a s da econo­
tu r a e c o n ó m ic a re s p a ld a d a n u m a ú n ic a a tiv id a d e e o e m p re g o d o m ia p ia u ie n s e a té o ano d e 1888. M e sm o no século XIX. q u a n d o a
tra b a lh o escravo. p e c u ária p e rd e u sua posição d e d e s ta q u e no cenário brasileiro, c o n tin u ­
Em geral, a h isto rio g rafia aborda a região p asto ril d e form a globa- aram e x is tin d o “escravos d o rei q u e recebiam a p e n a s ro u p as e carne,
liz a n te sem q u e sejam ob serv ad as s itu a ç õ e s c o n ju n tu ra is b e m p e c u lia ­ d e v e n d o re tira r o r e s ta n te d e seu s u s te n to d e suas próprias plan taçõ es
res, ta n to do p o n to d e v ista d o m o m e n to h istó ric o , com o d a s c o n d içõ es e crias. S e g u n d o a in d a O d ilo n , e m 1832. o ín d ice d e escravizados no
n a tu ra is da área.
V erifica-se. p ro v a v e lm e n te e m d e c o rrê n c ia d e s sa v isão, a a tu a l
c a rê n c ia d e e s tu d o s m ais e sp ec ífic o s, p r in c ip a lm e n te no q u e c o n c e rn e 19 S O D R E . H is t o r ia d a b u rg u esia brasileira, 3ae d . Rio d e Janeiro: Civilização
a o re g im e d e tra b a lh o d o m in a n te nas fa z e n d a s p ia u ie n s e s . C o n tu d o , Brasileira, 1976. p. 26.
d u a s lin h as d e p e n s a m e n to se c o n tra p õ e m à v ig ên c ia d a e scra v id ã o na 2 0 G U 1M A R A E S, A lb e rto lb s so s. Q u a tr o sé c u lo s d e la tif ú n d io . -R ed. R ip d e
p e c u á ria se rta n e ja . Janeiro: Paz e T e rra . 1977.

A m ais tra d ic io n a l, e x a ta m e n te a q u e la q u e g e n e ra liz a o q u a d ro 21 F U R T A D O . C elso . F o rm a ç ã o e c o n ó m ic a do B rasil. 14a e d . São R iulo:


N acion al, 1970.
p e c u a ris ta , id e n tific a o c a rá te r não e s c ra v ista d a s o c ie d a d e d o in te rio r
n o rd e s tin o . E n tr e os q u e d e fe n d e m e s ta te s e e n c o n tra -s e W ern eck P R A D O J L N I O R , C aio. H is t ó r ia e c o n ó m ic a do B rasil. 2 0 a ed. São Paulo:
B rasiliense, 1977.
M O U R A . C lóvis. R e b e liõ e s d e s e n z a la : q u ilo m b o , in su rreiçõ es, g u ern lh as.
R io d e Ja n e iro : C o n q u ista -T e m a B rasileiro , v. 1 1. 1972.
2 2 G A L IS A . D iana S o ares d e . O d e c lín io d a e sc ra v id ã o na P araíb a - 1 8 5 0 /
17 Ib id .. p .1 2 1 .
1 8 8 8 . R e c ife : 1977. D isse rta ç ã o (M e s tr a d o em I listó ria) - D e p a rta m e n to d e I Iistória.
18 Ib id ., p. 63. U n iv e rs id a d e d e P e rn a m b u c o . (.V lim eo).

54
í T a n y a M a r ia P ir e s b r a n d ã o

P ia u í superava o d o C e a rá , s e n d o m e n o r d e n rr e as p rovíncias d o N o r te
e N o rd e s te , as d o M a ra n h ã o . Pará e P e rn a m b u c o .~2i
Ao se p re o c u p a r com a p e c u á ria p ia u ie n s e . G ayoso e A lm en d ra
c o n fe re g ran d e im p o rtâ n c ia ao re g im e d e tra b a lh o escravo. C h e g a
inclusive a c o m eter exageros, q u a n d o responsabiliza a abolição d a escra­
v a tu ra p elo d eclín io d a e c o n o m ia provincial. *
C om a p ro p o sta re v isio n ista da h istó ria d o Brasil, a u to re s m ais
m o d ern o s, a ex e m p lo d e Ja c o b G o re n d e r e L uiz M o tt. d e ra m m aio r
divulgação, p assa n d o a p re v a le c e r a te s e d e q u e o escrav ism o foi um a
d a s p rin c ip ais c a ra c te rís tic a s da e s tr u tu r a só cio -eco n ô m ica d o P iauí
d u r a n te a fase colonial.
N o s c a p ítu lo s s e g u in te s , a lg u m a s d a s p r in c ip a is q u e s tõ e s
relativ as à form ação social d e c a rá te r e scra v ista q u e p re d o m in a ra m
d u r a n te os séculos X V II e X V III serão e s tu d a d a s com m ais d e ta lh e s .
N e s s a p a rte do trab alh o , a p reo c u p a ç ão prin cip al d iz re s p e ito à m an eira
c o m o Portugal, a té o sé c u lo X V III, c o n se g u iu m a n te r, e x p a n d ir e
in te g ra r se u s d o m ín io s a m e ric a n o s. V erifica-se q u e , n e s se s e n tid o ,
p ro cu ro u o reino p o rtu g u ê s c o n c ilia r o a p ro v e ita m e n to e c o n ó m ic o d o
te rritó rio p iau ie n se aos m o ld e s d o A n tig o S is te m a C o lo n ial, a p e s a r d e
se re m red u z id o s os recu rso s d isp o n ív e is.

F ig u r a 1
23 N U N E S , O d ilo n ., op. c it., p. Ia 9 .
24 GAYOSO E A L M E N D R A . P e c u á ria . T e re sin a : Im p re n s a -O fic ia l. 1931.
M apa e la b o ra d o por João G a b rie l B a p tista , c e d id o g h e n tilm e n te p ara
S e p a ra ta d o Jornal E sta d o d o P iauí, n 2 158, 159, 160. pu b licação n e s te tra b a lh o .

56 57
T a n y a M a r ia p ir e s b r a n d ã o

apítulo

A Economia do P iauí até o Século X V III

F ig u r a 2
M a p a do a rq u iv o p a rtic u la r d e M a n u e l C arv alh o , g e n tilm e n te c e d id o
p a ra p u b lic a ç ã o n e s te tra b a lh o .

58
V i y / os sécu lo s X \1 I e X \1 1 1 . co m o toi v isto a n te r io r m e n te , a p e c u á ria
foi a b ase d a fo rm ação social p ia u ie n se . Em face d isso , os e s tu d o s r e la ti­
vos à e c o n o m ia d o P ia u í são. em g eral, c o n trib u iç õ e s ao c o n h e c im e n to
h istó ric o d e s s a a tiv id a d e no Brasil. A re le v â n c ia d e s s e s e s tu d o s r e s id e
no faro d e q u e c o m u m e n te a p e c u á ria n o rd e s tin a n ão d e s p e r ta a a t e n ­
ção d o s p e s q u is a d o re s . A e x p lic a ç ã o talv ez e s te ja 11a não v in c u la ç ã o
d ire ta e n tr e e s ta a tiv id a d e e o c o m é rcio in te rn a c io n a l. C o n tu d o , a s u a
im p o rtâ n c ia no c o n te x to co lonial não se lim ito u à fu n ç ã o d e s u b s id ia r
o s e to r e x p o rta d o r d a e c o n o m ia b rasile ira , m as s o b re tu d o p o r q u e a -
criação d e g a d o d e u o rig e m a so c ie d a d e d o se rtã o e e s ta se d e se n v o lv e u
b a s ta n te a rtic u la d a co m p rin c íp io s c o lo n iz a d o re s.
S u rg iu a p e c u ária no N o r d e s te brasileiro co m o reflexo d a e m p re s a
agrícola lito râ n e a , im p la n ta d a p e lo s p o rtu g u e s e s no in íc io do p ro c e s s o
d e c o lo n iz a ç ã o d o B rasil. S u a e x p a n sã o p o d e s e r in te r p re ta d a c o m o
p ro d u to d o c re s c im e n to n a tu ra l d o reb an h o , c o m o ta m b é m do c o n tín u o
d e s e n v o lv im e n to d a d e m a n d a d e a n im a is d e tiro e c o n su m o d e c a rn e
na C o ló n ia.
Q u a n d o W e rn e c k S o d ré 1 e s q u e m a tiz a a e v o lu ç ã o d a a tiv id a d e
p a sto ril no N o r d e s te d o B rasil, id e n tific a trê s im p o r ta n te s m o m e n to s .
N o p rim e iro , c o n te m p o râ n e o à im p la n ta ç ã o d a e m p re s a a ç u c a re ira ,
foram tra n s p la n ta d a s p ara o Brasil as p rim e ira s m a triz e s . A p a rtir d e
e n tã o , o g a d o firm o u -s e c o m o um d o s p rin c ip a is fo rn e c e d o re s d a fo rça
m o triz n e c e s s á ria ao p ro c e sso d e fab ricação d o a ç ú ca r: tra n s p o rta v a a
c a n a , m o v ia a e n g e n h o c a , c o n d u z ia o p r o d u to f in a l aos p o r to s
e x p o rta d o re s e a lim e n ta v a a p o p u la ç ã o d o s e n g e n h o s .

1 S O D R E . N e ls o n W e rn e c k . F o rm a ç ã o h is t ó r i c a d o B ra sil. 9 a e d . R io d e
Ja n e iro : C iv iliz a ç ão , 1976.
1
T a n y a M a r i a P i r f .s B r a n d ã o O ESCRA V O NA FO R M A Ç Ã O SO CIA L D O PIAUÍ

A fa se s e g u in te te m in íc io na p rim e ira m e ta d e d o sé c u lo W T I I. a tiv id a d e p e c u a r is ta não se p ro ce sso u e m d e trim e n to d a açucareira. A


q u a n d o se aguçam as d ific u ld a d e s d e c o n v iv ê n c ia p acífica e n t r e o gad o longa d u ra ç ã o d o e s ta d o d e c ris e d a e m p re sa do a ç ú ca r decorreu d e
e a c u ltu r a d a cana na m e s m a p ro p rie d a d e . E m v ir tu d e d a im p o rtâ n c ia su a im p o ssib ilid a d e d e v e n c e r a co ncorrência no m ercado externo, devi­
d o ca n av ia l para a e c o n o m ia d a colónia, c o m e ç o u e n tã o a p e c u á ria a d o a a m p liação d o q u a d ro d e p ro d u to re s com a p articipação da I lolanoa
c e d e r e s p a ç o , p e n e tr a n d o n o in te r io r d o t e m tó n o . e In g la te rra . As d ific u ld a d e s d o m e rc a d o in tern acio n al não se fizeram
A c a ra c tc rís ric a p rin c ip a l d e s s e p e río d o foi a se p a ra ç ã o , a p e sa r s e n tir a p e n a s no s e to r ex p o rtad o r, refletiram -se tam b ém naq u ele ligado
d e lim ita d a ao a s p e c to e sp a c ia l, e n tr e o cu rral e e n g e n h o . E m b o ra o a o a b a s te c im e n to in te rn o . U m a das p rincipais alteraçõ es foi o in te re sse
g a d o e o e n g e n h o fiz e s se m a in d a p a rte d o m e s m o c o m p le x o p ro d u to r, q u e a p e c u á ria c o m e ç o u a d e s p e r ta r e n tr e os h a b ita n te s do Brasil.
p o is a m b o s c o n tin u a v a m p e r te n c e n d o ao m e s m o p ro p rie tá rio , p ô d e - T ra ta v a -se d c u m e m p r e e n d im e n to cujas exigências ao nível d e capital
se observ a r a o c o rrê n c ia d a p rim e ira m o d ific a ç ã o na a tiv id a d e p a sto ril. e ra m m ín im a s e s e m m a io r e s c o m p le x id a d e s q u a n to à té c n ic a
A a d m in is tra ç ã o d o s c u rra is p a sso u a cargo d o s v a q u e iro s, g e ra lm e n te , e m p re g a d a .
p e sso a s r e s id e n te s ju n to ao c u rra l e não ligadas d i r e ta m e n te ao cultiv o A e v o lu ç ã o h is tó ric a d o P iauí p e rm ite a c o n sta ta ç ã o d e sse fato:
d a can a. a p a c ific a ç ão d a á re a e a c o m b in a ç ã o d o s meios d e produção fu n d a ­
A te rc e ira e ta p a d a e v o lu ç ã o p e c u a ris ta im c io u -s c p o r v o lta d e m e n ta is com o p a sto , ág u a e an im a l representavam os condicionam entos
m e a d o s d o sé c u lo X V II. q u a n d o os p e c u a ris ta s p e n e tra ra m b a s ta n te in te rn o s q u e a sse g u ra v a m só lid a po sição à pecuária, fre n te às crises
no s e rtã o , c h e g a n d o a a tin g ir o te rritó rio q u e a r u a lm e n te c o n s titu i o e x te rn a s , com r e d u z id o s c u s to s m o n etá rio s.
E s ta d o d o Piauí. Q u a n d o s e in ic io u o s é c u lo X V III, eram g ra n d e s as p e rsp e c tiv a s
Ao o c u p a r a b acia o rie n ta i d o P arn aíb a, a p e c u á ria a d q u iriu to ta l para a e c o n o m ia d o P iauí. A e x is tê n c ia d e terras não ocupadas p e rm itia
a u to n o m ia . A lém d as d u a s a tiv id a d e s o c u p a re m áreas d is tin ta s , o curral a m u ltip lic a ç ã o d o s c u rra is, cu jo s re b a n h o s au m en tav am sa tisfa to ria ­
e o e n g e n h o p assam a p e r te n c e r a d if e r e n te s s e n h o re s . E c o n ó m ic a e m e n te . F u n c io n o u , a in d a , c o m o e le m e n to estim ulador, o esforço dos
s o c ia lm e n te , so b re ssa ía m -se , e n tã o , as p esso as q u e se d e d ic a v a m e sp e- se n h o re s d e e n g e n h o para m a n te re m seu padrão económ ico-financeiro.
c ific a m e n te ao criatório. A g ra n d e d istâ n c ia e n tr e os dois n ú cleo s p ro d u ­ A q u e b ra d o p re ç o d o a ç ú c a r in d u z ia -o s ao au m e n to da produção. C om
to re s v e io c o la b o rar no s e n tid o d e q u e fo sse m a te n u a d o s os laços isso, p u d e ra m os c u rrais d isp o re m d e m ercado c e rto em nível c rescente.
e s ta b e le c id o s e n tr e as d u a s p rin c ip a is a tiv id a d e s e c o n ó m ic a s no N o r­ É c e rto q u e a e x is tê n c ia no Piauí d e recursos n a tu ra is favoráveis
d e s te . O s c o n ta to s e n tr e h a b ita n te s das d u a s á re a s p ro d u to ra s te n d e m ao d e s e n v o lv im e n to d a p e c u á ria foi fa to r de su m a im p o rtân cia, pois
a s e r p e rió d ic o s , ocasião em q u e se fazia o c o m é rc io d o e x c e d e n te d e p o ssib ilito u o c re s c im e n to q u a n tita tiv o do s rebanhos. N o e n ta n to , além
p ro d u çã o . d e s s e a s p e c to , c o m o ta m b é m d a q u e le s p articu lares ao criatório, foram
N u m a te n d ê n c ia q u e já v in h a se e fe tiv a n d o , e v o lu iu o curral, d e c isiv o s no d e s e n v o lv im e n to d a p e c u á ria os e stím u lo s originados da
tra n s fo rm a n d o -s e em fa z e n d a d e sig n ific a d o m ais a m p lo , c o rre s p o n ­ c o n ju n tu ra e c o n ó m ic a d o m o m e n to .
d e n d o a u m a p ro p rie d a d e rural p e c u a ris ta cu ja re n ta b ilid a d e originava- T o d o e s s e c o n ju n to d e fa to re s p e rm itiu q u e se form assem no
se na v e n d a d o g a d o e na p o sse d a terra , q u e a g lu tin a v a m a io r n ú m e ro P ia u í as m ais i m p o r ta n te s f a z e n d a s d e criar d e to d o o N o rd e s te .
d c p e sso a s d e d ic a d a s a um c o n ju n to d e a tiv id a d e s além d o p a s to re io P o s s ib ilita n d o , a in d a , a o s c u rra is d e s s a c a p ita n ia m o n o p o liz a r os
do re b a n h o . m e rc a d o s c o n s u m id o re s d e g a d o q u e se am pliavam com su rg im e n to
A in te n s ific a ç ã o d a a tiv id a d e c ria tó ria no N o rd e s te , c o in c id iu d e o u tra s praças.
com a c rise q u e a e c o n o m ia a ç u ca reira v iv e n c io u na s e g u n d a m e ta d e As c a p ita n ia s d o Pará, M a ra n h ã o , C eará, Rio G ra n d e . Paraíba,
d o sé cu lo XVII e a p rim e ira m e ta d e do século s e g u in te . E sse fe n ô m e n o Pernam buco, B ah ia e M in a s G e ra is foram ab astecid as pelos gados do
não é d o s m ais d ifíc e is d e c o m p re e n s ã o , haja v is ta q u e a e x p a n sã o da P iauí, d u r a n te os ú ltim o s a n o s d o sé c u lo XVII e po r to d o o século

62 63
T a n y a M a r ia p i r e s b r a n d ã o O ESCRA V O NA FO RM A ÇÃ O S O C IA L D O PIA U Í

XVIII. Os depoimentos dos contemporâneos documentam os tacos 129 a 400. correspondendo a implantação de 8.2 a cada ano. No corte
históricos. Rocha Pita afirmou ser a terra do Piauí na passagem do cronológico de 1730 a 1762. enaram-se. a cada ano. 4.2 novas fazendas,
século XVII para o XVIII: pois. em 1762. havia um total de 536 unidades. Na década de 1762 a
1^>2. toi mantida a mesma proporção, uma vez que, no final do período,
T ã o a b u n d a n te d e p a s to s p a ra to d o o g ê n e ro d e g ad o s, e os cria tão eram 578 as fazendas de gado no Piauí.
g ra n d e s e e m ta n to n ú m e r o , q u e , a lé m d e vir m u ito p ara a B an ia,
s u s te n ta m to d o s os p ovos d a s M in a s d o S u l, q u e se m e s ta a b u n d â n c ia
QUADRO 1
n ão flo re sc e riam na su a o p u lê n c ia .2
N um ero de fazendas de gado do Piauí: 1 764-1 772
Até aproximadamente a década de noventa do século XM II. AN O N* DE FAZENDAS DE GADO
quando sucessivos períodos de estiagem ocorreram no Nordeste, o
ritmo expansionista da produção bovina no Piauí toi bastante 1674 30
significativo. Segundo o autor de O roteiro do Maranhão a Goiaz pela 1697 129
Capitania do Piauí, “uma fazenda em estágio florescente produzia 1730 400
anualmente uma média de oitocentos a mil crias.’’3 1762 536
1772 578
Essa indicação serve de ponto de partida para os cálculos que
permitem estimar o volume de gado de uma fazenda. Para atingir mil
F O N T E : M O T T , L . R . B. E s tr u tu r a D e m o g rá fic a d a s F azen d as d e G a d o d o P iau í -
crias anualmente, seriam necessárias, no mínimo, mil vacas em idade C o lo n ial: u m ca so d e p o v o a m e n to ru ral c e n trífu g o ; In : R e v is ta C iê n c i a e
de reprodução sem que sejam aqui computadas as perdas motivadas C u l t u r a , 3 0 (1 0 ) : 1197, o u t. 1978.
por morte dos bezerros nascidos e as prováveis gestações interrompidas. ■
Portanto, é muito provável que, numa fazenda em estado florescente
houvesse mais de duas mil matrizes, fora os garrotes machos e fêmeas, Verifica-se que o maior índice de criação de fazenda por ano no
Piauí ocorreu até os anos 30 do século XVIII, o que pode estar
as vacas velhas, os touros reprodutores e bois.
relacionado ao processo de devassamento e conquista da região, o qual
Segundo as informações do documento citado acima, eram retira­
nessa ocasião já se encontrava bastante adiantado, permitindo a
dos de cada curral uma média de 250 a 300 bois, para serem remetidos implantação de currais de forma mais acelerada. É provável que a baixa
às feiras de gado. Essa retirada se fazia do produto líquido obtido, no índice, ao longo dos anos. resulte da concentração de terras efetivada
aproximadamente 675 cabeças, após reduzidos o dízimo e a quarta
rapidamente no período anterior. Vale a pena esclarecer que uma
parte pertencente ao vaqueiro. As fêmeas eram mantidas na fazenda
fazenda não correspondia a um curral, tratava-se de um complexo
para reprodução do rebanho e consumo local. pecuarista que poderia abranger vários currais, dependendo do número
O ritmo expansionista das fazendas pode ser observado através de gado e das terras disponíveis.
da quantidade de propriedades instaladas a cada ano. Entre 1697 a
Contudo, é interessante observar que o número crescente de
1730, portanto em 33 anos, o número de fazendas do Piauí passou de instalação de novas fazendas coincidiu com a fase mais importante da
pecuária piauiense. Embora mantendo-se como grande fornecedor de
gado, o Piauí perdeu o monopólio no abastecimento da Colónia na
2 PIT A , S eb astião d a R ocha. H is tó r ia d a A m é ric a p o r tu g u e s a . B elo H o riz o n te : década de 1 /30. A partir de então, com a abertura da estrada que
Ita tia ia , 1976. p. 180. hgava o Rio Grande do Sul à zona mineira, os bois do sertão passaram
3 R o teiro do M ara n h ã o a G o ia z p e la C a p ita n ia d o Piauhv. In: R e v is ta d o I n s t i ­ a enfrentar a concorrência do gado dos pampas. Os efeitos podem ser
tu t o H is tó ric o e G e o g rá fic o B ra s ile iro , v. 6 9 , p . 1 0 5 -1 7 9 , ju l. —d e z .. 1906. p . 79.

64 65
\
W
T a n y a M a r ia P i r e s b r a n d ã o O E S C R A V O N A F O R M A Ç Ã O S O C I A L D O P IA U Í

S?
observados nas arrecadações do dízimo. Em 1730 correspondeu a do, para que ocorressem irregularidades ou redução das remessas
76.000 cruzados, enquanto que 24 anos depois foram estes arrematados destinadas às tradicionais praças. Talvez, póresse motivo, o governador

W
por 66.750 cruzados, ou seja 26: 700r$000.4 Geral tenha solicitado, em 1705. aos fazendeiros do Piauí, o envio de
gado à Bahia, assegurando o preço de um cruzado por arroba de carne.

W
A exportação das boiadas piauienses se fez para o Norte,

U
Nordeste e centro da Colónia. Todavia, foi a região da grande lavoura Determinar o volume do comércio do gado piauiense é tarefa
que se firmou como a tradicional praça importadora da produção bovina bastante difícil, porque as remessas feitas por via marítima, em geral,

W
do Piauí, não só peio volume, mas também pela constância das remessas saíam pelo porto maranhense ou quase clandestinamente pelo de Sali­

U
feitas durante o século XVII e XVIII. nas, na barra do Igaraçu.6 Com relação às saídas pelos caminhos do

U
Em segundo lugar, destaca-se a região das Gerais. Com a intensi­ sertão, tudo indica que eram mais expressivas. Entretanto, os dados
referentes a elas são desconhecidos. Dessa forma, até mesmo estimá-

U
ficação das atividades mineradoras sugiram novas perspectivas para o
comércio dos gados do Piauí. Com isso, a pecuária piauiense pôde las seria bastante arriscado, tendo em vista que a distribuição dos bois

U
extrapolar sua condição de fornecedora de carne aos núcleos litorâneos. no mercado não era feita por cotas determinadas:

^
As determinações que proibiam garimpeiros de exercer outra
(...) C ada particular vai v e n d e r as suas boiadas, onde tem maior

^
atividade além da extração dos minérios somadas ao rápido crescimento
com odidade e interesse, ou por serem melhores, as estradas, ou mais

t i
da população mineira contribuíram no sentido da expressiva valorização
c u rta a m archa, ou maior o preço, porque as reputão, que he o primeiro
do gado. E sabido que, entre 1699 a 1701, quando se verificaram irregu­

t i
objecto do vendedor.7
laridades no abastecimento da carne nas Gerais, várias pessoas morre­

ka
ram de fome naquela região, embora tivessem grande quantidade de
Somente a partir das fazendas de Mafrense, que por sua morte

t i
ouro armazenada.
foram legadas aos jesuítas e confiscadas pela Coroa em 1760, quando
Devido à necessidade de prover os núcleos que se desenvolviam

^
da expulsão dos missionários, pode-se elaborar uma conjectura aproxi­
no centro do Brasil, onde o poder aquisitivo se apresentou crescente e
mada dos rendimentos da pecuária no Piauí. Contudo, os dados dispo­

^
bem representado pelo ouro, destacou-se a região das Minas Gerais
níveis a partir dos anos sessenta, quando as fazendas passaram a ser

^
como mercado de grande potencialidade. Exercendo por isso forte
administradas por pessoas nomeadas e pagas pelos cofres do Reino,

i
atração sobre os fornecedores de gado. Afirma C. R. Boxer:
podem não corresponder à realidade. Como se observara mais adiante,
o descaso, a ignorância nesse tipo de atividade e ainda a atitude
O s preços q u e ob tin h am pelo gado em M inas Gerais era m uitíssim o duvidosa dos administradores comprometem a análise. No entanto,
m aior do qu e q u a lq u e r outro q u e pudessem esperar o b ter nas cidades são os indicadores disponíveis.
litorâneas. Bois q u e alcançavam d e três a cinco oitavas d e ouro por.
cabeça nestes últim os lugares, alcançavam de quinze a trin ta em M inas No ano de 1739, por exemplo, as Fazendas da Capela, como
Gerais.5 eram chamadas, achavam-se distribuídas em 100 léguas de terras. Seu
rebanho importava em 3.000 cabeças de gado vacum e 1.500 cavalares,
É provável que essa ampliação do mercado bem como a expecta-
tiva do lucro, aumentado pelo contrabando do ouro, tenham contribuí-
6 S e g u n d o O d ilo n N u n e s , o p . c it. p. 117 e 134, p o r v o lta d e 1768 B elém
c o n su m ia a n u a lm e n te e n tr e v in te e o ito a tr in ta m il bois do P iauí e q u e , p elo Ju a zeiro ,
4 N U N E S , P e s q u i s a p a r a a h is tó r i a d o P ia u í. 2* e d . R io d e J a n e iro : A rte n o v a , n o rio S ã o Fran cisco, tra n sita v a m , no in ício d a d écad a d e 1780, se s se n ta m il bois oriu n d o s
1 9 7 5 . v. I, p . 98. d a s fa z e n d a s p ia u ie n s e s c o m d e s tin o às feiras d o Brasil.
5 B O X E R , C R A I d a d e d o o u ro d o B ra sil: d o re s d e c re s c im e n to d e u m a 7 R O T E I R O d o M a ra n h ã o a G o ia z p e la C a p ita n ia d o Píauhy. R e v is ta d o
s o c ie d a d e colonial. 2* e d . S ã o f t u l o : N a c io n a l, 1 9 6 9 . p . 67. I n s t i t u t o H is t ó r ic o e G e o g rá fic o B ra s ile iro , to m o 12, p. 94.

66 67
T a n y a M a r ia P ir e s b r a n d ã o
O ESCRAVO NA FO R M A Ç Ã O S O C IA L D O PIAUÍ

donde anualmente eram retirados 1.000 bois vendidos por quacro escu­
Retomando-se os indicadores dos rendimentos das fazendas de
dos romanos a unidade.8
Mafrense no que diz respeito exciusivamente ao gado. observa-se o
Dos 4.000 escudos arrecadados, os jesuítas retirav am 1 .6 0 0 para seguinte: cm 1757 o rebanho correspondia a 32.000 cabeças de bovinos
o cumprimento das determinações testa mentirias alheias à Companhia e l.bOO cavalares. Nesse ano. a retirada para comercialização foi da
de Jesus. Com o transporte do gado às feiras, foram gastos 600 escudos: ordem de 1.200 bois. Dando-se a cada boi o mesmo valor obtido em
do restante, isto é, 1.200 escudos, conforme havia ordenado Nlafrense, 1736. o resultado em 1757 seria de 4.800 escudos romanos. Mantendo-
800 foram reservados ao sustento do noviciado de Jequitiaia e 4 0 0 se. ainda, o valor cambial do final da década de tnnta, quando o escudo
revestidos em favor da companhia, como forma de pagamento pela romano correspondia a lS000rs.!: os 1.200 bois exportados renderam
administração. Do montante, 600 escudos foram aplicados nas 4:800â000rs. Segundo o levantamento feito pelas autondades em 1762,
fazendas. as mesmas 30 fazendas renderam 7:923S000rs.
Ao se tentar adaptar esses números às fazendas dos particulares, De acordo com as exportações das fazendas do fisco, referentes
convém a observação de que suas receitas não se achavam obrigadas a ao período entre 1770 a 1789. (QLADRO 2) somente nos anos de
determinações testamentárias. Portanto, a renda líquida seria revestida 1776, 1782, 1786. 1788 e 1789. as arrecadações superam aquela obtida
em favor unicamente do proprietário. Quanto aos gastos referentes ao em 1762. Demonstra ainda que as retiradas foram mais volumosas do
transporte das boiadas, dificilmente atingiam o mesmo valor, tendo que as de 1739 e 1757, chegando ao final da década de oitenta, à
em vista que os fazendeiros contavam com seus escravos, agregados e exportação de 13 boiadas, com 3.039 cabeças de gado.
vaqueiros para as funções de guias e passadores.
N a s trê s ú ltim a s d é c a d a s d o s é c u lo X V III, o b serv a-se te n d ê n c ia
Fora a compra de escravos, alguns utensílios agrícolas como d e b a ix a no p reç o d o g a d o , p o d e n d o e s ta s e r a trib u íd a à e x c essiv a
enxada, pá e pequenas moendas para a obtenção dos produtos neces­ p ro d u ç ã o e m relação à c a p a c id a d e d e ab so rç ã o d o s m ercad o s. S e , p o r
sários à subsistência dos moradores da fazenda, o montante correspon­ um lado, c o n tin u o u s e n d o a reg iã o lito râ n e a a m ais im p o r ta n te d o s
dente às vendas dos bois, era lucro. Nenhum beneficiamento mais m erc ad o s; p o r o u tro , a lé m d a c o n c o rrê n c ia firm a d a p e la p e c u á ria d o
dispendioso se fazia na terra, tanto para a agricultura, como na obtenção Sul, as d e m a is c a p ita n ia s c o n ta v a m n e s sa ocasião com re b a n h o s locais.
de pastagem artificial para o gado. Por sua vez. a manutenção e Isso, se m falar nas d ific u ld a d e s q u e p o rv e n tu ra su ig ia m em d e c o rrê n c ia
crescimento do rebanho se fazia de forma natural, portanto, sem da c r is e e c o n ó m ic a c o lo n ia l e q u e c e r t a m e n t e lim ita v a o p o d e r
emprego de capital. Vale a pena ressaltar que, ao gado e à lavoura a q u is itiv o d a p o p u laç ã o .
locais, competia o abastecimento da fazenda. Desta forma, os rendi­
O u tr a s variáv eis p ro v a v e lm e n te in flu íra m na re d u ç ã o d o s saldos
mentos da pecuária permitiam ao proprietário a obtenção de artigos
p ro v e n ie n te s d a s fa z e n d a s reais no P iau í, p o d e n d o -s e re la cio n a r a u m a
de luxo, tais como os móveis, as jóias. as sedas declaradas nos inventá­
m á d is trib u iç ã o no m erc a d o . A h ip ó te s e é p e r t i n e n t e em fac e d a s
rios, e ainda todas as drogas e cousas comestíveis do reino apesar dos
re c o m e n d a ç õ e s o riu n d a s d e L isb o a , re g u la m e n ta n d o a d is trib u iç ã o
altos preços dos impostos.9*O estudo dos dados constantes nos inven­ s e g u n d o a c o n v e n iê n c ia d o m ercad o :
tários, analisados mais adiante, indica que a maior parte das inversões
dos fazendeiros era feita em escravos.
Q u e os gados d o a g re s te das fa z e n d a s d e N a z a ré e C a n in d é se re m e ta m
p ara o c o n s u m o n o M a ra n h ã o a e x e m p lo d o s p a rtic u la re s p ro p rie tá rio s
d a s fa z e n d a s n a q u e le s s ítio s q u e os g ad o s d a in s p e ç ã o d e S ão J o s é d o
8 A pud. N U N E S , O d ilo n , o p . c it., v: 1, p. 102.
9 G AM A , João d e M aia d a . D iário d a v ia g e m d e reg resso p ara o R ein o , d e Jo ão
da M aia d a G am a, e d e in sp e ç ã o d a s b arras d o s rios d o M a ra n h ã o e d as c a p ita n ia s d o
N o rte , e m 1728. In: M a rtin s , E A. O liv eira. U m h e ró i e s q u e c id o : Jo ão d a M aia d a 10 .Apud. N U N E S . O d ilo n , op. c it., v. I. p. 102.
G am a. v: 2. R m u g al: M in is té rio d a s C o ló n ia s, 1944. v. 2, p. 5 -1 0 9 . p. 23.
11 Id. Ibid.

6<S
i
T a n y a M a r ia p i r e s b r a n d ã o O ESCRAVO NA FO RM A ÇÃ O SO C IA L D O PIAUÍ

P ia u í e o r e s to d a s o u tr a s in s p e ç õ e s s e e x p o rta m p a ra a B a h ia n a fo rm a Um documento de 1796.1* que registra o recebimento do mon­


j á p r a tic a d a .12 tante correspondente às vendas do ano anterior, é mais elucidativo,
embora omita o total das saídas, como também a quantidade perdida
Além da tentativa de evitara saturação do mercado, as recomen­ por morte ou extravios na caminhada. Segundo essa fonte, pelas 557
dações reais diziam respeito às despesas de transporte, que, conforme cabeças vendidas na feira de Itapecuru Mirim, apuraram-se
o quadro 2 das exportações, eram bastante significativas. 3:745$670rs líquidos. Dessa quantidade de bois, 385 foram vendidos
A longa caminhada até as feiras, é certo ocasionava o desgaste a 7$050rs, enquanto 172 outros a 6$700rs. No percurso até a feira, 43
da boiada. As precárias condições dos pastos e água das estradas, princi­ bois foram vendidos ao preço de 2S116rs, cada um. importando num
palmente durante o verão, acarretavam perdas, avariações e vendas total de 86$500rs. Somando-sc as 557 primeiras às 43 outras, conclui-
dos bois estropiados. No entanto, é quase certo também que as despe­ se que cada uma das três boiadas remetidas era fomiada por mais de
sas registradas não correspondiam apenas ao transporte do gado do trezentos bois.
rei. Nas remessas estavam incluídas reses pertencentes a particulares. Comparando-se estes dados aos constantes no quadro das expor­
A citação seguinte permite ainda que se conclua haver; na trajetória tações, observa-se outro aspecto interessante. No quadro, a quantidade
pelo sertão, elementos que se aproveitavam das vendas comumente gasta nas remessas é constante, de valor exato, sem frações, correspon­
feitas ao longo do caminho, em cujos lotes podiam se incluir gado dendo a quase metade do apurado líquido. Enquanto que, na corres­
ainda aproveitável: pondência da Junta1 15para a entrega dos 3:745S670rs líquidos recebidos,
4
foram gastos 207$480rs, valor monetário quase irrisório.
( ...) N ã o d e v e s a ir b o ia d a c o m m a is d e d u z e n to s e c i n q u e n t a c a b e ç a s O documento citado abaixo, datado de 14.09.1797, também é
p a ra d a r lu g a r a o q u e o p a s s a d o r lev a d e e m p r é s tim o e a lg u m a s do s esclarecedor Presta contas de quatro boiadas recebidas e vendidas
e sc ra v o s a s q u a is p o r n e n h u m c a m in h o serão e m n ú m e r o q u e v e n h a a por Miguel Antonio dos Santos:
p a s s a r a b o ia d a d e tr e z e n ta s c a b e ç a s p o is te m m o s tra d o a e x p e riê n c ia
q u e a b o ia d a q u a n d o m ais m an ei ra m e lh o r c o n d ição te m e m e n o s riscos.
N a c o n f o r m id a d e d a s m e s m a s o r d e n s , o rd e n a rá v m c ê aos p a ssa d o re s C h e g a ra m c o m s e te c e n to s e q u a r e n ta bois e se v en d eram a sa b e r
d a s b o ia d a s q u e e x p e d ir n ã o d e v e m v e n d e r e m c a m in h o g a d o a lg u m tr e z e n to s e s e s s e n ta e o ito b o is a s e te m il reis, c e n to e n o v e n ta e s e te
d e f a z e n d a o u s e u , e m e s m o os e sc ra v o s, q u e p o ssa c a m in h a r e c h e g a r a se is m il e n o v e c e n to s re is, q u in z e a se is m il e q u a tro c e n to s reis e
a fe ira p o r q u e N e lla lh e h a to m a r c o n ta o C a p . M a n u e l H e n r iq u e d e c e n to e s e s s e n ta q u e fic a ra m para g a sto s da fa z e n d a real se g u n d o a
C a rv a lh o .13 o rd e m q u e tiv e e a ssim m a is a q u a n tia d e c e n to e q u a re n ta e trê s m il
e q u i n h e n to s e s e s s e n ta re is im p o rtâ n c ia d e s e sse n ta bois q u e os
p a s s a d o re s v e n d e ra m n o c a m in h o fa z e n d o tu d o a som a d e 4:1 7 4 5 8 6 0
É lamentável que o referido quadro das exportações não d e q u e s e a b a te m 3 2 4 5 1 8 0 g a s to s co m as referid as boiadas fica líq u id o
especifique o número de gados que deixavam o curral com destino às a q u a n tia a c im a d e 3 :8 5 0 5 6 8 0 d e q u e fez a e n tre g a .16*
feiras, nem o local para onde foram levados. Desta maneira, não se
pode verificar as percentagens relativas às vendas feitas no trajeto e o Conclui-se, assim, que, se havia algum prejuízo nas exportações.
númeto de perdas, a fim de calcular o real valor do boi exportado.

14 P IA U Í. G o v ern o . D o c u m e n to d a ia d o d e 19.06.1796. L iv ro 8, R egistro 1780/


12 P O R T U G A L . G o v e rn o . O fíc io p a ra a j u n t a d a F a zen d a R e a l d o M a ra n h ã o , 1799. A rq u iv o P ú b lic o d o lis ta d o d o Piauí.
L isb o a , 1 8 .0 5 .1 7 9 5 . L iv ro 8 , p. 11. A rq u iv o P ú b lic o d o Eis la d o d o P iau í. 15 Id . ib id .
13 P IA U Í. G o v e rn o . O fíc io a o T e n . B asílio P im e n ta C o rre ia, I n s p e to r d o P iau í 16 M A R A N H Ã O . G o v ern o . O fício a M ig u el A ntônio G onçalo dos S an to s d a ta d o
d a ta d o d e 2 1 .0 3 .1 7 9 1 , L iv ro 9 , p . 3 3 e 34. A rq u iv o P ú b lic o d o E s ta d o d o P iauí. d e 1 4 .0 9 1 7 9 7 . S ão L u iz. L ivro 8. A rq u iv o P ú b lico d o lista d o d o Piauí.

70 71
T a n y a M a r ia P i r e s b r a n d ã o O ESCRAVO NA FO RM A ÇÃ O S O C IA L D O PIAUÍ

estas decorriam do péssimo estado das estradas e da má escolha da se rtã o . N a d a os im p e d ia , ta m b é m , d e se re m o s a rre m a ta d o re s d a s


praça. b o ia d a s v e n d id a s n a s p o rte ira s d o s cu rrais reais.
Iorna-se interessante observar que. no período correspondente Nas fontes oficiais consultadas e já citadas, que fazem referência
aos anos registrados no quadro das exportações, os administradores a administração dessas fazendas, em geral seus autores espelham-se
das fazendas reais sugeriram às autoridades que as vendas fossem feitas nas fazendas dos particulares. Deixam transparecer que eram melhor
na própria fazçnda, a fim de se tornarem mais lucrativas. Contudo, os administradas e que davam mais lucros. O que é perfeitamente com­
números provam o contrário. Em 1789. as 3.039 reses vendidas nos preensível. pois, o vaqueiro, trabalhando sob o regime de parceria (de
currais importaram em 8:329$500rs, enquanto que as 2.117 cabeças quatro bezerros nascidos recebia um), interessava-se naturalmente
exportadas, em 1797, corresponderam ao também líquido resultado pelo aumento da produção. Além disso, periodicamente ocorriam as
de 9:815$330rs. Portanto, é quase certo que os rendimentos das três visitas dos proprietários ou de seus representantes, ocasião em que
Inspeções nas décadas de setenta e oitenta do séculoXVIII poderiam eram feiras as partilhas e o controle do rebanho.
ter sido maiores. Com relação ao comércio do gado. também levavam vantagem
Esse era, como demonstra a correspondência oficial, o os particulares. Pira o transporte de suas boiadas, além de seus escravos
pensamento das autoridades de Lisboa. Estas confirmam, inclusive, e agregados, contavam com guias experientes, de confiança, pagos por
ser mais lucrativo o envio das boiadas para serem vendidas em outras jornada, que se responsabilizavam pela boiada, até mesmo em função
capitanias, salvo se os compradores pagassem pelos bois ainda nas do poderio dos senhores. Quanto à colocação no mercado, tinham muita
fazendas, preço superior ao médio então obtido na Bahia, que era de atenção no que diz respeito à proximidade do curral e quanto ao melhor
2$800rs. Caso isso não acontecesse, providências deveriam ser tomadas preço pago pelo produ to.
quanto à mudança dos guias e passadores, tanto os do Piauí, como os Já nas fazendas reais, não se observava o mesmo fato. Veja-se
das demais capitanias consumidoras. A segunda recomendação se fez por exemplo que, no período de 1782 a 1788, as três Inspeções — do
necessária em virtude dos prejuízos obtidos nas vendas realizadas Canindé. Piauí e Nazaré — remeteram seus gados para a Bahia, sem
durante a caminhada dos bois à feira, conforme denuncia o documento que fossem levadas cm conta a distância e a possibilidade de saturação
abaixo: do mercado. Em 1789, dizia a Junta do Maranhão ao governo interino
do Piauí:
Se fez reparável nas últimas contas das remessas dos gados para a Bahia
o grande número de reses vendidas no caminho aos Procuradores a N o s 18 a n o s p r e c e d e n te s m a n d a d o s para a B a h ia 3 3 532 b o is q u e v ê m
título de refugo com uma diferença de quarenta por cento a despeito a sa ir a L 2 b 3 p o r a n o ... o r e n d im e n to a n u a l se rá m aio r ou m e n o r a
das primeiras boiadas.17 p r o p o ç ã o q u e s e e x tra ir m ais ou m en o s g ad o s... d a In sp e ç ã o d e C a n in d é
s e e x p o rta ra m n o s d ito s a n o s p ara a q u e la c a p ita n ia 5 .6 5 7 b o is q u e
C o n v ém r e p e tir q u e as fa z e n d a s d o fisco se d is trib u ía m e m trê s re n d e ra m líq u id o s 1 6 :9 2 4 5 5 0 0 , d a in s p e ç ã o d o P ia u í 3 .0 9 9 b o is q u e
d e p a rta m e n to s e q u e , d e s d e o co n fisc o , p assaram a s e r a d m in is tra d a s re n d e ra m 8 :7 5 4 5 9 9 0 . e d e N a z a ré 3.3 0 7 b o is q u e re n d e ra m 8 : 1 9 2 Í2 0 0
r e s u lta n d o d a í sa ir c a d a boi d a p rim e ira In s p e ç ã o a 2$991 re is , d a
p o r p esso as pagas p e lo erário real, e s ta s n e m s e m p re in te ira d a s d o
s e g u n d a 2 .8 2 5 . e d a te rc e ira a 2 .4 7 7 e m to d o s e m c o m u m a 2 .8 0 8 re is
fu n c io n a m e n to d e u m a faz e n d a . Por o u tro la d o a in d a , tais su p e rv iso re s
p re ç o m é d io .18
não s e achavam im p e d id o s d e p o s s u ir b e n s d e raiz, q u e r e m te rra s
d o P iauí, q u e r nas reg iõ e s p ró x im a s aos ca m in h o s d a s b o iad a s p elo

17 P O R T U G A L . G o v ern o . O fício p a ra a j u n t a d a F azen d a R eal d o M a ra n h ã o . 18 M A R A N H Ã O . G o v ern o . O fício ao G ov ern o d o P ia u í d a ta d o d e 2 3 .1 1 .1 7 8 4 .


L isb o a, 18.05.1705. L ivro 8 , p . 11. A rq u iv o FM blico d o Eis la d o d o Piauí. S ão l^ iiz . L iv ro 8, R e g istro 1 780/1 798. A rquivo P ú b lico d o E sla d o d o Piauí.

73
tanya M a r ia p i r e s b r a n d ã o O ESCRAVO N A FO RM A ÇÃ O S O C IA L DO PIAUÍ

Apesar da má administração e até descaso dos encarregados, não ncontrada outra atividade que viesse substituir a indústria do açúcar
se pode dizer que a Coroa tivesse prejuízo em suas fazendas no Piauí. que se verificou foi o aumento do rebanho nordestino, não apenas
Como proprietária, seu apuro líquido, nas décadas de setenta a oitenta io Piauí, mas também nas demais capitanias, concorrendo para a desva­
do século XVHI. superou a casa dos 83:929$000rs. Como Metrópole, lorização do gado. A concorrência imposta pela pecuária do Su Iagravava
somava ainda os dízimos arrecadados sobre o gado. Para se ter uma rinda mais esse quadro.
idéia. no ano base de 1791/1792, foram estes arrematados por É provável que o fluxo de renda gerado pela exportação,
80:600$00 distribuídos da seguinte forma: rincípalmente nas últimas décadas do século XVIII, já não fosse
:mais suficiente para assegurar ascendente nível de vida. Para tanto,
necessitava ser vendida maior quantidade de gado. Até mesmo as
Oeiras 24:050$000
exigências mais comuns dos fazendeiros foram se tomando difíceis de
Jerumenha 8:350$000
jserem satisfeitas. Os inventários registrados em Campo Maior indicam
Valença 12:450$000
que ocorre um declínio no poder aquisitivo da população. Apenas os
Pamaguá 7:450$000
escravos, entre os produtos importados, continuavam sendo adquiridos
Marvão 12:050$000
mais ou menos na mesma proporção do período anterior.
Campo Maior 25:250$000'
Na tentativa de estabilizar seu padrão de vida, os proprietários
elevam os abates e as exportações, chegando inclusive a comprome­
terem o rebanho da Capitania, preocupando seriamente as autoridades,
Contudo, a questão básica, isto é, de quanto seria a renda da que passam a determinar medidas protecionistas.2’ A ocorrência tardia
pecuária não pode ser respondida quantitativamente, principalmente desse fenômeno na pecuária piauiense, ou seja, dos efeitos da situação
quando se trata das fazendas particulares. Sabe-se, apenas, que dispun­ conjuntural internacional, explica-se em parte pela ligação indireta
ham de uma estrutura montada no que tange a administração e exporta­ que mantinha com o comércio externo. Demonstrou a experiência que
ção do produto. Certamente os fazendeiros lucravam mais que a Coroa. o criatório não esteve imune às crises da economia brasileira. Entre­
É provável que se beneficiassem ainda mais com a revenda dos bois tanto, apresentou-se resistente ao estado de crise, cujos efeitos se
leiloados nas fazendas reais, pordeterminação dos governadores, confor­ tornaram perceptíveis somente a médio e a longo prazo, devido prova­
me afirma um contemporâneo: “os arrematadores, como senhores de velmente à sua capacidade de crescer extensivamente com baixíssimos
sua fazenda acompanham ao destino para onde a vão dispor e a condu­ custos monetários.
zem com todo o zelo, e cuidado o que não acontece aos que a governam Merecem destaque, também, os mecanismos de defesa de que
por conta de sua majestade.”1 20
9 dispunha a pecuária para enfrentaras dificuldades. Em primeiro lugar,
As dificuldades para a economia do Piauí se iniciam em meados o aproveitamento dos subprodutos. A exploração do couro serve de
do século XVIII. O agravamento da situação económica da Colónia exemplo. Segundo Antonil, da Bahia e Pernambuco, a cada ano, saíam
ocasiona reorganização interna, refletindo-se no setor de subsistência. para Portugal 90.000 meios de sola, correspondendo a 169:000$000rs
A retração económica dificultava o crescimento do mercado, pois
diminuía o poder aquisitivo dos consumidores. Por outro lado, não foi
21 P IA U Í. G o v ern o . O fício re c e b id o d c A n tô n io Salcs c N o ro n h a d a ta d o d c
2 9 .0 3 .1 8 7 3 . livro 8, R e g istro 1 7 8 /1 7 7 9 . A rquivo P ú b lic o do E stado d o Piauí.

19 C O S T A , F A F tereitad a. C ro n o lo g ia h is tó r ic a d o E s ta d o d o P ia u í. R io d e P IA U Í. G o v ern o . C irc u la r d a ta d a d e 0 4 .1 2 .1 7 9 4 . L ivro 9, R egistro d e 1793/


Ja n e iro : A rte n o v a, 1975. v. I. p . 68. 1795, p . 103. A rquivo P ú b lic o d o E sta d o d o Piauí.

2 0 P IA U Í. G o v e rn o . D o c u m e n to d e 1 7 .0 8 .1 7 9 8 d ir ig id o ao S e c r e tá r io d o P IA U Í. G o v ern o . O fício e x p e d id o p ara L isb o a d a ta d o d e 16.11.1798. L ivro 12.


E s tra n g e iro e M a rin h a . L ivro 2 2 , p . 7 1 v - 72. A rq u iv o P ú b lic o d o E s ta d o d o P iauí. C o rre s p o n d ê n c ia p ara M e tró p o le , p. 124. A rq u iv o P ú b lico do E stado d o Piauí.

74 75
T anya Maria Pires Brandão O ESCRA V O NA FO R M A Ç Ã O S O C IA L D O PIA U l

dos 201:800$000 correspondentes à produção da Colónia. Informa rdios da colonização perdeu, com o passar dos anos, seu caráter
Odilon Nunes que no início da década de 1780. saíam da vila da subsistência. Fora o arroz, feijão, milho e mandioca, plantava-se^^
Pamaíba entre trinta a trinta e dois mil couros cm cabelo e quatro mil bém o algodão, o fumo e a cana. 'r. : ?%sfí ;a
meios de sola.22 De acordo com João da Maia Gama. o método de Quanto à fabricação do açúcar; utilizando-se a cana, embora
curtimento do couro empregado no Piauí era bastante singular, umenre nas fazendas existisse uma moenda, em toda a Capitania
utilizando-se a casca do angico. No entanto “hê melhor solla que o final do século XVIII não havia um só dos chamados engenhos
toda a do Brasil e como a dc atanado."23 (Veja figs. n25 3 c 4) s. Na exploração do fumo, empregava-se o método praticado na
Outro mecanismo de defesa da pecuária foi sua capacidade de lia, mas sem colheita expressiva.
transformar-se, desde que houvesse possibilidade de alcançar novos No que diz respeito ao algodão, seguia-se o método do Itapecuru
mercados. Aproveitando-se dessa caracrerística em 1770: Rirá, utilizando-sc a produção no fabrico de tecidos mais grosseiros
ra confecção do vestuário dos escravos.
A brio Jo ão P au lo D in iz . n e g o c ia n te d e Villa d e S ão Jo ã o d a B arra da
Mesmo incentivada pelas perspectivas do mercado externo, a
P arn aíb a, n u m n o v o c a m in h o p a ra a e x tra ç ã o d o s re fe rid o s gados
cultura do algodão não foi capaz de amenizar a crise económica do
(p ia u ie n s e s ) le v a n ta n d o o fic in a s n a s m a rg e n s d o d i t t o rio P arn aíb a
Piauí. Se, por um lado, teve influência a tradicional vocação pecuarista
o i t t e n t a lég u as a c im a d a s u a foz. o n d e os re d u z a c a rn e s s e c a s, q u e
carreg a n u m b a rc o p e lo m e s m o R io a té à d i t t a Villa p a r d 'a h i s e re m re­ do morador do Piauí, por ou troas alteração no cenário mundial, estimu­
e x p o rta d a s à B ah ia. R io d e J a n e ir o e P ará.24 ladoras da participação brasileira no mercado algodoeiro, tiveram caráter
passageiro. Dessa forma, o quadro não se definiu de maneira que favore­
cesse a penetração de novos e desordenados fornecedores.
A indústria da carne apresentou-se como alternativa para
comercialização do principal produto da região. Em Porto das Barças Desconhece-se quantitativamente a produção algodoeira do
eram abatidos anualmente em doze a treze mil bois.25Contudo. Odilon Piauí durante o século XVIII. Entretanto, a documentação oftcial
Nunes, fundamentando-sc em documentos de 1781, informa cjue o evidencia o estímulo ao cultivo do algodão, apesar de não ser o tipo
abate anual nas charqueadas de Parnaíba era de 40.000 bois.26 cultivado o mais aceito no mercado. O comércio regular do produto só
pode ser avaliado a partir de 1815 até 1864 em função da disponibili­
Apesar de toda a versatilidade da pecuária no final do século
dade dos registros das exportações.
XVIII, tornou-se irreversível a crise económica do Piauí. Além dos
condicionamentos conjunturais, interferiram também os de caráter D u r a n te os sé c u lo s XVII e X V III, as u n id a d e s p ro d u to ra s d o
estruturais. Ao longo dos séculos, apesar de algumas tentativas de Piauí d e m o n s tra ra m te n d ê n c ia a a u to -s u fic iê n c ia ta n to n o m o m e n to
inovações, mantém a pecuária o método quase exrrativista do início d e a p o g e u d a p e c u á ria , q u a n to n o d e e s ta g n a ç ã o e d e c lín io . E m b o ra
da colonização. não fo sse a a u to -su fic iê n c ia in teg ral, e s ta alcançou níveis b a s ta n te sig n i­
ficativos e m fu n ç ã o d a p ró p ria o rg an iz aç ã o sócio -eco n ó m ica.
Por outro lado, nenhuma outra atividade surgiu como alento para
economia da Capitania. Nem mesmo a agricultura praticada desde os A distância que separava as fazendas uma das outras, bem como
aquela existente entre a Capitania e os principais centros da colónia
contribuiu no sentido dc que a auto-suficiência das fazendas extrapolas­
22 N IJN E S , O d ilo n , op. c it., p. 134.
se o âmbito da alimentação. Com relação aos ofícios e serviços como a
23 GAM A, Jo ão d a. D iário (...) D oc. c il. In: M A R T IN S , o p . c it., p . 24.
tecelagem, carpintaria, construção, cerâmica e outros, estes eram aten­
2 4 R O T E IR O (...) D oc. c it.. In: R e v is ta d o I n s t i t u t o H is tó r ic o , o p . c it. p. didos em sua grande maioria pelos escravos e elementos subordinados,
assegurando relativa independência às fazendas.
25 N U N E S . O d ilo n , op. c it., p. 109.
E m fu n ç ã o d e s s a c a p a c id a d e , in ib iu -s e o d e s e n v o lv im e n to d o
2 6 Ib id ., p. 134.

76 77
T a n y a M a r ia p i r e s b r a n d ã o O E S C R A V O N A F O R M A Ç Ã O S O C I A L D O P IA U Í

mercado incemo. A aquisição de alimentos não produzidos no local, N. s u b s is tê n c ia , e n ã o p o d e n d o d a r d e n tr o d 'd i a s m e sm a s consum o ao


r:
como também as manufaturas e utensílios domésticos mais finos, s u p e ilio (S íc ) p ro c u ra as C a p ita n ia s d a M a rin h a , co m o m ais povoadas,
faziam-se diretamente nos centros litorâneos ou recorria-se ao comércio p a ra ali os v e n d e r e m , h a v e re m as m a n u fa tu ra s , e m ais g ên ero s d a
ambulante, muito comum nesse período. m e tró p o le , os escrav o s d e Á frica ta m b é m n e c e ssá rio s piara a c u ltu ra
c o m e s tív e l d o P aiz, e tr a to d a m e sm a criação d e g ad o .28
Outro aspecto interessante da economia piauiense diz respeito
às funções económicas desempenhadas no contexto colonial. A peculia­
ridade da articulação mantida com a economia do Brasil Colónia, embo­ Como se observa na citação, além de a pecuária alimentar a
ra tivesse caráter suplementar, foi de grande importância. Sobre isso, popu lação local e fornecer os gados necessários às regiões exportadoras,
afirma Gorender ter sido tão significativa quanto a participação do mantinha ligação com o comércio importador, adquirindo produtos
fumo e do algodão.27 lusitanos e escravos da África. Portanto, colocava-se em prática um
dos princípios básicos da política colonial: a Colónia devia consumir
Esse engajamento na filosofia económica da Colónia não se
produtos metropolitanos. Sobressaiu-se a importância da pecuária
traduz em termos numéricos, na contribuição dada à balança comercial.
quando se constata seu papel no engajamento do sertão no contexto
Na verdade, somente 2,8% couberam à pecuária não somente a nordes­
colonial.
tina, no total das exportações brasileiras durante a fase colonial. Essa
percentagem chega a ser insignificante quando comparada aos 56% Observe-se que, do ponto de vista económico e demográfico,
de responsabilidade do açúcar e aos 31,7% atingidos pela mineração não havia razão da utilização da mão-de-obra escrava no Piauí. Contudo,
do mesmo período. , o escravo foi aí empregado tanto no plano mercantil da pecuária piaui­
ense, quando abasteceu os principais centros brasileiros, como no setor
É certo, como se observou anteriormente, que a formação
de subsistência da fazenda, conforme será tratado posteriormente.
económica do Piauí manteve a tendência à monocultura da colonização
brasileira, tendo em vista que a pecuária até o final do séculoXVIII foi
a quase única atividade da área. No entanto, fortalecia-se assim o pacto
colonial pois estabelecia a dependência entre essa região e as demais
da Colónia, e vice-versa.
As capitanias exportadoras, mais precisamente a agrícola e a
mineira, dependiam da produção bovina do sertão para manterem as
unidades produtoras. Vale a pena ressaltar que, nessas regiões, direta­
mente vinculadas ao mercado externo, os fatores de produção eram
concentrados na obtenção do principal produto. Isso não se dava apenas
por opção económica dos habitantes, mas também pela força dos
mecanismos institucionais que pretendiam favorecer a produção de
determinados artigos exportados. Assim, é visível a interdependência
regional:

As C a p ita n ia s e P o v o açõ es q u e só c o n s is te m n a c ria ç ã o d e g ado,


e x c e d e n d o a m u ltip lic a ç ã o d o s m e s m o s , n o n e c e s s á rio p a ra a sua

27 G O R E N D E R , Ja c o b . O e sc ra v ism o c o lo n ia l. E nsaio. S ão Raulo: Á tic a , 1978. 2 8 R O T E I R O (...) D oc. c it., In : R e v is ta d o I n s t i t u t o H is tó ric o , op. c it. p.
p. 411. 105.

78 79
i -ah •hPanya Maria pires Brandão O ESCRA V O NA FO R M A Ç Ã O S O C IA L D O PIA U Í

----------------- ■ _Úã
1778 C a n in d é 2 556 4005000
QUADRO 2 2
1 .3 8 3 5 2 8 0

I
-o
P iau í 497 4005000
Exportação das Fazendas do Fisco - 1770 a 1789 N a z a ré 2 568 4005000 1 .0 0 5 5 2 4 0
TOTAL 6 1 .6 2 1 1 .2 0 0 * 0 0 0 3 .2 7 7 * 6 4 0
ANO IN S P E Ç Ã O B O IA D A S N * D E R E S E S D E S P E S A S A PU R O L ÍQ U ID O
1779 C a n in d é 3 889 6005000 2 .6 7 2 •.5f„
8. 2■0■*
1770 C a n in d é 3 920 6005000 1 .7 1 3 5 2 4 0 P iau í — — __
P iauí 2 419 4005000 5295740 N a z a ré 2 561 4005000 1 .6 4 7 5 4 4 0
N a z a ré 2 552 4005000 5855560 TOTAL 5 1 .4 5 0 1 .0 0 0 * 0 0 0 4 .3 2 0 * 2 6 0
TOTAL 7 1.891 1 .4 0 0 * 0 0 0 2 .8 2 8 * 5 4 0
1780 C a n in d é 4 1 .1 5 8 8005000 2 .5 3 9 5 2 0 0
1771 C a n in d é 3 943 6005000 1 .9 4 0 5 7 2 0 P ia u í 2 569 4005000 1 .1 8 6 5 2 8 0
P iau í 2 492 4005000 8275640 N a z a ré 2 590 4005000 1 .2 5 8 5 3 2 0
N a z a ré 2 617 4005000 1 .1 6 3 5 2 0 0 TOTAL 8 2 .3 1 7 1 .6 0 0 * 0 0 0 4 .9 8 3 * 8 0 0
TOTAL 7 2 .0 5 2 1 .4 0 0 * 0 0 0 3 .9 3 1 * 5 6 0
1781 C a n in d é 1 306 2005000 7905960
1772 C a n in d é 3 791 6005000 1 .3 4 1 5 7 0 0 P iau í 1 302 2005000 7035040
P ia u í ' 2 505 4005000 9265460 N a z a ré 1 305 2005000 6465160
N a z a ré 1 326 2005000 5855560 TOTAL 3 1 .0 1 3 600*000 2 .1 4 0 * 1 6 0
TOTAL 6 1 .6 2 2 1 .2 0 0 * 0 0 0 2 .8 5 3 * 7 2 0
1782 C a n in d é 3 811 6005000 2 .9 4 9 5 6 2 0
1773 C a n in d é 3 936 6005000 2 .2 9 1 5 0 2 0 P iau í 2 536 4005000 1 .8 4 2 5 6 2 0
P iau í 2 504 4005000 8955720 N a z a ré 2 567 4005000 1 .9 2 6 5 8 0 0
N a z a ré 2 543 2005000 1 .0 4 1 5 8 8 0 TOTAL 7 1 .9 1 4 1 .4 0 0 * 0 0 0 6 .7 5 9 * 0 4 0
TOTAL 7 1 .9 8 3 1 .2 0 0 * 0 0 0 4 .2 2 8 * 6 2 0
1783 C a n in d é 3 909 6005000 2 .4 2 4 5 6 8 0
1774 C a n in d é 4 1 .1 4 5 8005000 2 .3 0 7 5 3 2 0 P ia u í 2 562 4005000 1 .2 0 7 5 1 2 0
P iau í 2 547 4005000 9515340 N a z a ré 2 595 4005000 1 .1 8 3 5 0 0 0
N a z a ré 2 579 4005000 8445080 TOTAL 7 2 .0 6 6 1 .4 0 0 * 0 0 0 4 .8 1 2 * 8 0 0
TOTAL 8 2 .2 6 9 1 .6 0 0 * 0 0 0 4 .1 0 2 * 7 4 0
1784 C a n in d é 2 627 4005000 1 .6 8 5 5 7 2 0
1775 C a n in d é — — — —
P ia u í 1 272 2005000 9015360
P iauí — — — — N a z a ré 2 627 4005000 1 .8 1 7 5 4 6 0
N a z a ré — — — — TOTAL 5 1 .5 2 6 1 .0 0 0 * 0 0 0 4 .4 0 4 * 5 4 0
TOTAL — — — —
1785 C a n in d é 1 206 2005000 5545800
1 .2 0 0 5 0 0 0 3 .8 0 0 5 9 2 0 P ia u í — — __ __
1776 C a n in d é 6 1 .6 7 6
2 4005000 1 .1 7 3 5 9 2 0 N a z a ré 1 237 2005000 6415200
P iauí 511
854 6005000 1 .7 5 4 5 3 6 0 TOTAL 2 443 400*000 1 .1 9 6 * 0 0 0
N a z a ré 3
TOTAL 11 3 .1 4 1 2 .2 0 0 * 0 0 0 6 .7 2 9 * 2 0 0
1786 C a n in d é 6 1.560 1 .2 0 0 5 0 0 0 5 .6 6 3 5 5 4 0
P iau í 4 971 8005000 2 .4 9 9 5 7 2 0
1777 C a n in d é 3 916 6005000 2 .1 7 7 5 2 2 0
4655840 N a z a ré 3 725 6005000 1 .4 7 5 5 3 2 0
P iau í 2 437 4005000
2 1 .2 9 4 5 2 0 0 TOTAL 13 3 .2 5 6 2 .6 0 0 * 0 0 0 9 .6 3 8 * 5 8 0
N a z a ré 568 4005000
TOTAL 7 1.921 1 .4 0 0 * 0 0 0 3 .9 3 7 * 2 6 0

HO Hl
T a n y a M a r ia P ir e s B r a n d ã o O ESCRAVO N A F O R M A Ç Ã O S O C IA L D O PIA U Í

1787 C a n in d é 1 205 200$000 420$620


P iauí — — — —

N a z a ré 1 252 200$000 546$760


TOTAL 2 457 4 0 0 Í0 0 0 967S380

1788 C a n in d é 6 1.500 1 .2 0 0 $ 0 0 0 2 .9 4 0 $ 3 7 0
P iau í 3 752 600$000 1 .7 7 4 $ 1 70
Nazaré 2 573 400$000 773$580
TOTAL n 2 .7 6 5 2 .2 0 0 $ 0 0 0 5 .4 8 8 $ 1 2 0

1789 C a n in d é 6 1.399 ____ 4 .0 0 2 $ 0 0 0


P iau í 3 675 — 1 .8 9 0 $ 0 0 0
Nazaré 4 965 — 2 .4 3 7 $ 5 0 0
TOTAL 13 3 .0 3 9 — 8 .3 2 9 $ 5 0 0

T O T A L GERAL 135 3 6 .7 4 6 2 4 .4 0 0 $ 0 0 0 8 3 .7 3 4 Í5 6 5

F O N T E : PIA U Í, G overno. D o c u m e n to d a ta d o d e 17/08/1784: E xportação d as F azendas d o Fis­


c o 1779-1789. L ivro 22, p. 72v/74v. A rquivo P ú b lico d o E sta d o d o Piauí.

Figuras 3 e 4
Tanques cravados na rocha usados para curtume de couros. Utilizava-
se a casca de angico, planta taninosa. Localizados em São Pedro, mu­
nicípio de José de Freitas.

82
apítulo I V

Formação Social do P iauí — Século X V III


vJ^Vo estudar a sociedade do sertão nordestino, a historiografia
brasileira define-a quase sempre como esdrúxula, por se apresentar
fora dos padrões comuns da sociedade colonial brasileira. Em geral,
essa concepção tem por base indicadora a estrutura fundiária e as carac-
terísticas próprias da atividade pastoril, incluindo-se seu caráter de
subsistência e a mão-de-obra empregada nas fazendas.
Um dos elementos que influenciou decisivamente no aspecto
social do sertão foi a não vinculação de sua base económica com os
mercados externos. Segundo a maioria dos historiadores, este fato evi­
tou uma ação mais efetiva por parte de Portugal, contribuindo para
um desenvolvimento social mais autónomo. Por outro lado, no interior
nordestino, onde foram aplicados recursos próprios dos colonos, a renda
obtida permanecia na sua totalidade em mãos dos investidores.
De acordo ainda com a mesma tendência teórica, a Metrópole,
na ocasião da penetração do gado, achava-se interessada em distanciar
rebanhos das áreas da cana e na ocupação do interior. Diante disso, o
sistema de doação de sesmaria teria beneficiado colonos de pequenas
posses e socialmente menos favorecidos, popu larizando a posse da terra.
Mesmo nos imensos latifúndios que se formaram na região pastoril do
sertão cm consequência, principalmente, das sucessivas concessões
feitas a determinadas pessoas ou grupos, vem sendo observada a exis­
tência de uma camada social intermediária com possibilidade de
ascender económica e socialmente.
É comum entre os historiadores que se referem ao setor da
pecuária destacar como característica relevante a mobilidade social
permitida aos habitantes. Além dos mulatos, dos foragidos e colonos
pobres de ou tras regiões que se tomaram grandes fazendeiros no sertão.
O ESCRA V O N A FO R M A Ç Ã O SO C IA L, D O P IA U Í
tanya M a r ia p i r e s B r a n d ã o

os historiadores apontam a figura do vaqueiro para exemplificação. O corpo social do Piauí formou-se de elementos vindosdè outras
Sua definição é a de homem livre, misto de empregado, parceiro e regiões, sendo que alguns eram já proprietários de gado, d cten a e
sócio dos currais, que. na maioria dos casos, possuía apenas sua força escravo em suas localidades de origem, enquanto que outros nada pos­
de trabalho quando chegava a uma fazenda. Passando o prazo mínimo suíam além da liberdade pessoal, havia ainda aqueles que nem.esta
de cinco anos na administração de um curral, o vaqueiro poderia elevar liberdade possuíam. Todos, indiscriminadamente, penetraram no ser­
sua condição social, por ter se tomado proprietário de gado. tão com o objetivo de formar e ampliar seu próprio património. Para
tanto, os mais variados recursos, legais ou não, foram utilizados.
Outro aspecto bastante enfatizado por essa corrente historiográ-
fica é o caráter da força de trabalho nas fazendas de criar O principal De acordo com as fontes históricas, durante os séculos XVII e
argumento é a idéia de que a baixa renda da pecuária não permitia a XVIII, distinguiu-se a sociedade piauiense por seu aspecto violento.
compra de escravos, além de que, seria impossível a fiscalização sobre É evidente que a agressividade da população resultou do processo
estes no pastoreio do gado. Desta forma, os reduzidos elementos reque­ coionizador Na primeira fase, quando se iniciou o povoamento da
ridos nas unidades produtoras seriam recrutados entre os habitantes região, foi exigido dos conquistadores, não apenas o espírito aventureiro,
livres da região e, na grande maioria, entre os nativos, que se adaptariam mas a coragem e a audácia suficientes para dominar a natureza hostil,
de forma excelente aos trabalhos dos currais. afugentar o índio bravio, relutante e acostumar a gadaria aos novos
pastos. A própria luta pela sobrevivência e garantia da terra conquistada
Todos esses elementos, e mais o isolamento em que vivia a popu­
lação interiorana, motivado não apenas pela distância dos principais % teve caráter violento.
centros e postos da colónia, mas também pelo próprio caráter de subsis­ Nem bem estava encerrado o devassamento, já os moradores do
tência da pecuária, teriam contribuído no sentido de fazer surgir uma Piauí enfrentavam outro tipo de batalha. A luta não mais se limitava
sociedade mais democrática. aos combates contra os nativos, o principal alvo eram os senhores das
terras que concentravam grandes extensões delas. Residentes no Piauí
O estudoda sociedade do Piauí Colónia permite ampliar o conhe­
ou em ricos palacetes nas outras capitanias, esses latifundiários procu­
cimento sobre essa parcela do quadro social brasileiro, tendo em vista
ravam ampliar seus domínios, dificultando a distribuição de terras entre
que a mesma se desenvolveu em terras longínquas do sertão nordestino
os demais habitantes. Com o intuito de aumentar a renda de suas
e dentro dos padrões impostos pela pecuária colonial.
propriedades, os grandes senhores exigiam dos seus moradores paga­
Embora tivesse a sociedade do Piauí apresentado características mentos pela exploração da terra, muitas vezes superioras possibilidades
peculiares bastante marcantes, estas não foram suficientemente domi­ dos arrendatários. O nível da agressividade do conflito chegou a tal
nantes a ponto de tomá-la exótica ao contexto brasileiro em geral. Na ponto que João da Maia Gama confessou ao rei de Portugal:
formação social piauiense, na fase colonial, foram conservadas muitas
das características apontadas como fundamentais no modelo social bra­
T endo eu corrido todos os dom ínios d e VM ag*5. em Portugal, ín d ia e
sileiro do mesmo período. Brasil m e paresse q u e não achei em parte algua a honde os vacallos d e
Por outro lado, muitos dos adjetivos imputados a sociedade pe­ Y M agde. ex p erim en tassem d e o u tro vassalo m ais violências, nem
cuarista, via de regra, não se aplicam ao caso piauiense. Com relação m atéria mais digna da real atenção de V M agde.‘I
ao caráter democrático, basta que se tomem os julgamentos e opiniões
contemporâneos para questioná-lo. Mesmo aqueles que qualificaram
a sociedade piauiense como diferente das européias e até das
americanas denunciam o espírito aristocrático da população quando I G A M A , Jo ã o d a M a ia d a. D iá rio d a v ia g e m d e re g re sso p a ra o R e in o , d e Jo ã o
afirmam que todos, desde o mais humilde ao senhor de fazenda ou d a M a ia G a m a , e d e in s p e ç ã o d a s b a rra s d o s rios d o M a ra n h ã o e d a s c a p ita n ia s d o
roça, julgavam-se nobres e fidalgos, com direito à pratica de crime N o r te , e m 1728. In : M a rtin s . E A O liv e ira . U m h e r ó i e s q u e c i d o : Jo ã o d a M aia G a m a .
F b rtu g a l: M in is té rio d a s C o ló n ia s, 1 9 4 4 , v. 2. p. 28.
quando contrariados.

88 89
ta n y a M a r ia P ir e s b r a n d ã o O E S C R A V O N A F O R M A Ç A O S O C I A L D O P IA U Í

O caráter violento da sociedade piauiense pode ser constatado do Piauí cresceu nos sessenta e cinco primeiros anos à ra______
nos documentos relativos aos séculos XVII e XVIII. Um dos contempo­ >.32 habitantes por ano. Esse número só se toma significativo porque®
râneos mais preocupados foi Antonio de Morais Durão, inteligente lépoca do primeiro censo havia apenas 438 moradores nas fazendas,
observador social do Piauí. Para ele, o principal responsável era o fato lita-se que grande parte desses novos habitantes não resultou do
de que os moradores: ãmento natural da população, tendo em vista que em 1697 existi-
apenas quarenta mulheres. Daí em diante, o aumento anual foi
D e s d e m e n in o s s e h a b i tu a m a m a ta r e v e r m a ta r c o m f r e q u ê n c ia to d a ia vez mais se intensificando, de maneira que. em pouco mais de
c a s ta d e a n im a is , p e r d e m in s e n s iv e lm e n te a c o m p a ix ã o e p r a tic a m im século de povoamento, a população do Piauí se multiplicou quase
a o d e p o i s s e m d if ic u ld a d e , c o m o s in d iv íd u o s d a s u a m e s m a e s p é c ie , 119 vezes. O mais alto índice ocorreu nos cinco anos entre 1772 e
o m e s m o q u e s e m p r e c o s tu m a r a m c o m os d a s m a is.2 J777, quando 6.903 novos habitantes são multiplicados, correspon-
I dendo a um crescimento de 1380,6 por ano.
Para outro ouvidor geral do Piauí, José de Barros Coelho, o princi­ |!
pal agravante da violência era o estado de ignorância em que vivia a
população em geral. Por esse motivo, solicitou o envio de missionários
de vida exemplar, de sorte que maiores atenções fossem dadas à educa­
ção das crianças, procurando difundir os princípios da doutrina católica.3 QUADRO 3 1
Além desses fatores acusados por aqueles que viveram o Evolução D em ográfica do Piauí: 1697-1797
momento, é provável que a instalação do poder constituído, efetivada
um século após o início do povoamento, fosse uma forma de evitar a í Período Na de População nos Aum ento M édia Anual d e
vigência da lei do mais forte.4 Nas fazendas, vivia um determinado Anos L im ite s do P eríodo Populacional C rescim ento
número de pessoas sem maiores comunicações com os demais núcleos i 1 6 9 7 /1 7 6 2 65 4 3 8 - 1 2 .7 4 4 12.306 189,32
produtores. O que se chama de isolamento das fazendas pode ter gera­ ' 1 7 6 2 /1 7 7 2 10 1 2 . 7 4 4 - 19.191 6.447 6 4 4 ,7 0
do o individualismo nos habitantes, tendo em vista que na fazenda se \ 1 7 7 2 /1 7 7 7 5 19.191 - 2 6 . 0 9 4 6.903 1.380,60
I 1 7 7 7 /1 7 9 7 20 2 6 .0 9 4 - 5 1 .2 6 3 25.169 1.258,45
desenvolviam, via de regra, as atividades básicas necessárias ao
1 1 6 9 7 /1 7 9 7 100 4 3 8 - 5 1 .2 6 3 50.765 5 0 8 ,2 5
autoconsumo.
■■■Ss*»*®»»
O rápido e desordenado crescimento populacional pode ser apon­
F O N T E S : CA RV ALHO, M ig u e l, Pe. D e s c r ip ç ío d o certão do Piaohy, rem etid a ao Ilm* Revim*
tado como agravante estado de insegurança da sociedade. Observando- S~ Frei F rancisco d e L im a, B ispo d e P e m a m b " . In: E N N E S, E rnesto. As guerras
se as informações contidas no quadro a seguir; verifica-se que a popula- n o s Palm ares: su b síd io s para sua h istó ria [s.I.J Brasiliana, 1938 p.370-389.
PIA U Í. G overno. C aídas, J. R R e su m o d e to d s s s s pessoas livres e cativas. Fogo e
fazendas da c id a d e , villas e se rtõ e s d a cap itan ia d e São José d o Piauí. R egistro n®
027 3 , p. 102-103. A rquivo P ú b lico d o E stad o d o Piauí: sala d o Poder Executivo.
2 D U R Ã O , A J. M o rais. D e sc riç ã o d a c a p ita n ia d e S ão J o s é d o P ia u í - 1 7 7 2 . In: D U RÃ O , A J. M . D escrição da C a p ita n ia d e São José d o Piauí — 1772. Revista d e
M O T R L -R .B . D escrição d a c a p ita n ia d e S ã o J o s é d o P iau í, 1772. R e v is t a d e H is tó r ia , H istória, São Paulo, n® 112, p. 5 6 5 .
S ão Ffeulo, n ° 1 1 2 , p . 565. M O T T , L. R. B. E strutura d e m o g r á fic a d a s fazendas d e gado do Píaoí colonial:
u m caso d e p o v o a m e n to c e n trífu g o . S ão Paulo, C iên cia c C u ltu ra v. 30, o u t. 1978,
3 G O S T A , E A P e re ira . C ro n o lo g ia h is tó r ic a d o E s ta d o d o P ia u í. R io d e
p. 10.
J a n e iro : A rte n o v a, 1975. v. 1, p . 103.
4 D e ac o rd o co m a d o c u m e n ta ç ã o , o P ia u í foi e le v a d o à c o n d iç ã o d e C a p ita n ia
e m 1 7 1 8 , e m b o r a não a p r e s e n ta s s e a s c o n d iç õ e s m ín im a s e x ig id a s. R or e s s a razão ,
s o m e n te e m 1 7 5 9 é q u e foi in s ta la d a a m á q u in a a d m in is tra tiv a d o E s ta d o e e m p o s s a d o
o p rim e iro g o v e rn a d o r

90 91
T a n y a M a r ia p i r e s Br a n d ã o O ESCRA V O N A FO R M A Ç Ã O S O C IA L 1 ) 0 PIA U Í

De acordo com os dados censitários disponíveis, esse aument


QUADRO 4
demográfico nas fazendas do Piauí durante o século XVIII não é prov
niente da incorporação de indígenas. Conforme análise feita m Evolução das Fazendas de G ado do Piauí: 1697-1797
adiante, o número de índios foi sempre inexpressivo nas unidades | Período N *de Q a a n t. d e Fazendas D ife re n ç a no M édia A nual d c
aristas. embora ainda existissem tribos em seu estado natural residind Anos nos L im ite s do na d e Fazendas E xpansão das
na Capitania. Período Fazendas
Os documentos consultados que dizem respeito ao períod 1 6 7 4 /1 * 9 7 23 3 0 -1 2 9 99 4 ,3 0
fazem alusão às muitas penetrações de colonos no Piauí durante 1 6 9 7 /1 7 3 0 33 129 - 4 0 0 271 8,21
séculoXVIII. Dessa forma, pode-se inferir que foram essas as respons 1 7 3 0 /1 7 6 2 32 4 0 0 -2 3 6 136 4 ,2 5
veis pela evolução do quadro demográfico. Conquanto a Metrópol 1 7 6 2 /1 7 7 2 10 2 3 6 - 578 X 42 4 ,2
embora interessada na rápida ocupação da área. não patrocinou expr
siva corrente migratória para o Piauí, que graças às suas características PO NTES: CARV ALHO. M ig u e l, P e. D c s c r ip ç w d o c e r t í o d o P ic u h y , re m e tid a ao Ilm fi Revim®
climáticas e económicas, os estrangeiros, com destino ao Brasil, nã S“ f i a f i n a s c o d c L b n a , B ispo d e Pernsml)™ . 1»: E N N E S , E rn esto . A s g a era s
o o s P a lm a re s: su b s íd io s para sua h istó ria ( s i . ] B rasiliana, W 3 8 p.370-389.
procuraram se fixar no local. Assim, a grande maioria dos 508.25 nov' PIA U Í. G overno. C aídas, J. P. R e su m o d e r o d a s a s p e s s o a s liv re s e c a tiv a s . Fogo e
habitantes que anualmente engrossavam a população do Piauí nos 100 fazendas da c id a d e , villas e serrões d a c a p ita n ia d e S ão José d o Piauí. R eg istro n*
anos que separaram 1697 de 1797, provavelmente, chegavam das cap' 0 2 7 3 , p . 1 0 2-103. A rquivo P áb iico -d o E s ta d o tio P iauí: saia d o P o d e r E x ecu tiv o .

tanias vizinhas principalmente ua mineira e das açucareiras. D U R Ã O , A J. M . D escrição da C apitania d c São José do P iauí - 1772. R e v is ta -de
H is tó ria , São Paulo, n a 112, p. 565.
Como foi mencionado anteriormente, os colonos habitantes do M O T T , L R. B. E s tr u tu r a d e m o g rá fic a d a s f a z e n d a s d e g a d o d o P ia u í c o lo n ia l:
Piauí sentiam-se atraídos pela estabilidade económica que oferecia a u m caso d e p o v o a m e n to c en trífu g o . São Paulo, C iê n c ia c C u ltu r a v. 30, o u t. 1978,
p . 10.
pecuária. Mesmo nos anos em que foram constantes as queixas relativas
à queda do preço do gado no mercado colonial, o fluxo migratório não
diminuiu. A década de 70 serve de ilustração. Vivia a economia piauien­
se momentos difíceis e, no entanto, foi nesse período que se deu, com Embora o aumento quantitativo de fazendas tenha sido bastante
maior intensidade, o aumento da população. significativo, levando-se em conta que em 1674 só existiam 30 delas,
Paralelamente ao crescimento populacional, verificou-se a expan­ o crescimento da população foi mais elevado. Em 1697 a média de
são das fazendas de criar. Entre 1674 e 1772, surgiram, no Piauí, 548 habitantes por propriedade era de 3,3 aproximadamente e em 1762
novas fazendas, correspondendo, nesses 99 anos, à instalação, em essa taxa havia subido para 23,6.
média, de 5,51 novas unidades por ano. De acordo com o quadro logo Considere-se que as atividades nas unidades produtoras
a seguir, o maior índice de edificações ocorreu nas três primeiras déca­ permaneceram basicamente as mesmas durante o século XVTH, pois
das dó século XVIII, à razão anual de 8,21. nem mesmo a agricultura foi desenvolvida. Conclui-se, então, que o
índice de marginalização sócio-cconômica foi bastante alto e com
tendência a crescerem face das constantes fixações de novos elemen­
tos. Vale a pena ressaltar que o principal motivo da expansão dos currais
foi o crescimento do rebanho somado à necessidade de serem ocupadas
as terras conquistadas. Portanto, não havia grandes necessidades de
ampliar em tamanha proporção o quadro de empregados. .
Durante os dois primeiros séculos da história do Piauí, verificou-
se uma concentração muito grande da população no setor rural. As

92
T a n y a M a r ia p i r e s b r a n d ã o O E S C R A V O N A F O R M A Ç Ã O S O C I A L D O P IA U Í

p a la v r a s d c Séipo Buarque, identificando as origens do Brasil, adaptam- T e n d o c o n s id e ra ç ã o ao m u i t o q u e c o n v é m ao se rv iç o d e D eus» e


se perfeitamente ao caso piauiense: e a o b e m c o m u m d e m e u s v assalo s d e s s a c a p ita n ia , q u e n d a flo i_
e s e ja b e m a d m in is tr a d a a ju s tiç a , s e m a q u a l n ã o h á E sta d o q u e po ssa
T o d a a e s t r u t u r a d e n o ssa s o c ie d a d e c o lo n ial te v e s u a b a s e fo ra d o s s u b s is tir ; e a te n d e n d o q u e a n e c e s s á ria o b se rv â n c ia das lei» n ão p ô d e
m e io s u rb a n o s . É e f e t i v a m e n t e n a s p r o p r ie d a d e s r ú s tic a s q u e to d a a a té agora conseguir, para d a m e s m a c a p ita n ia , v iv en d o os seu s h a b ita n te s
v id a d a c o ló n ia s e c o n c e n tr a d u r a n t e os sé c u lo s in ic ia is d a o c u p a ç ã o e m g ra n d e d is tâ n c ia u n s d o s o u tro s , se m co m u n ic a ç ão , co m o in im ig o s
e u ro p é ia .s d a s o c ie d a d e civ il, e d o c o m é rc io h u m a n o .7

Até o ano de 1762, por conseguinte, um século depois de iniciada O s primeiros centros urbanos do Piauí não surgiram
a ocupação do Piauí, não existia vida urbana da capitania. A única vila espontaneamente. Foram criados e instalados através de determinações
que havia sido criada; e a bem da verdade em condições precárias, era vindas de Lisboa e até mesmo quanro à localização tiveram as autori­
a da Mocha. Em 1717, ocasião de sua instalação, cinco anos depois de dades que interferir Com relação aos futuros habitantes dessas vilas,
ter sido criada, teve o governador do Maranhão que enviar muitas ogovemo enfrentou dificuldades bastante sérias. A população em geral
famílias para habitá-la. Pouco tempo depois, 300 degredados portu­ não se sentiu atraída pelos privilégios e concessões oferecidas às pessoas
gueses também foram enviados a fim de promover o desenvolvimento que se instalassem nas vilas. Poucos, ainda, foram aqueles que se
de sua população.6 Entretanto, quase inexpressivo foi o avanço nesse comprometeram em construir casas nas sedes: Jerumenha, 15 pessoas;
sentido. Quando de sua elevação à condição de cidade e capital da ■Campo Maior, 45; em Marvão, o número foi 23; em Pamaguá, Valença
Capitania em 1762, a então Oeiras contava com 270 casas, incluindo- e Pámaíba, foram respectivamente 10, 45 e 59 o número de pessoas
se, entre essas, as edificadas no raio de uma légua. Residiam então, na que prometeram edificar suas residências.8 Convém ressaltar que nem
localidade, 1.200 pessoas, sendo que apenas 655 eram livres. todas as promessas foram cumpridas.
O caráter ruralista da sociedade piauiense predominou durante N o início dos anos 70 do séculoXVIII, as vilas ainda não haviam *
os anos setecentistas, vez que os moradores achavam-se dispersos pelos apresentado progresso algum. Verifica-se que o número de fogos,
latifúndios, sem núcleo demográfico de grande importância. Esse entendidos aqui por casas, até mesmo declinou em algumas delas.
quadro, além de favorecer a consolidação do poderio dos grandes senho­ Vejam-se, à página seguinte, os quadros referentes aos anos de 1762 e
res, dificultava a administração da justiça e arrecadação dos impostos. 1772:
Tornando-se então necessária a centralização do poder político-
administrativo e a formação de centros urbanos.
Esses dois acontecimentos ocorreram no início da década de 60
do século XVIII. Note-se que, à época, toda a política metropolitana
dirigia-se no sentido de melhorar a economia portuguesa e fortalecer
o regime colonial que vinha sofrendo ameaças. Entende-se assim o
porquê das providências de Portugal com relação ao Piauí e as palavras
do Rei:

5 H O L A N D A , S é rg io B u a rq u e . R a íz e s d o B ra sil. 8 a E d . R io d e J a n e iro : J o s é
7 P O R T U G A L . G o v ern o . C a r ta d a ta d a d e 19 .0 6 .1 7 6 1 . In : C O ST A , op. c it., p.
O lím p io , 1975. p. 4 1 . 144.
6 C O S T A , o p . cic., p . 8 2 . , 8 I b id ., p. 155.

94 95
T anya Maria Pires brandão O ESCRAVO N A FO R M A Ç Ã O S Ò C ÍA L D Ò PIA U Í

. ij ^ ■ • - • í
QUADRO 5 Oeiras, por exemplo, capital da Capitania em dezembro de 1772,
no perímetro urbano, compreendendo o centro da Vila e mais uma
Distribuição da População por Freguesia:
área de uma légua correspondendo ao subúrbio, tinha 296 fogos, sendo
Zonas U rbana e Rural, Piauí — 1762 que apenas 157 deles ficavam rio centro. Outro caso interessante é o
PO PU LA ÇA O URBANA PO PU LA Ç Ã O RURAL de Pamaguá, onde, ao findar o ano de 1772, havia, na vila e subúrbio,
F R E G U E S IA
A bsoluta P ercentagem A bsoluta Percentagem
TOTAL 31 fogos, sendo 29 no centro.
No entanto, é Jerumenha que melhor ilustra a situação das vilas
O E IR A S 1 .2 0 0 2 7 ,3 5 3 .1 8 6 7 3 ,9 9 4 .3 8 6
no Piauí. Em todo o distrito — zona urbana e rural — havia 253 casas,
VALENÇA 156 10,51 1 .3 2 9 8 9 ,4 9 1 .4 8 5
MARVÃO 65 6 .1 4 994 9 3 ,8 6 1 .0 5 9 sendo que apenas 5 delas ficavam na sede e 18 nos arrabaldes da vila.
C A M P O M A IO R 162 8 ,6 8 1 .7 0 5 9 1 .3 2 1 .8 6 7 Ao descrever a capitania do Piauí, Durão, reportando-se às vilas
P IR A C U R U G A 19 0 ,8 0 2 .3 3 9 9 8 .7 7 2 .3 5 8 e à cidade de Oeiras, informa que nas mesmas não havia oficinas,
JE R U M E N H A 99 1 4 ,2 0 598 8 5 .8 0 687
igrejas, mercado, cadeias ou qualquer outro tipo de serviço. Sobre a
PARNAGUÁ 97 1 0 ,7 5 805 8 9 ,2 5 902
capital e maior de todas, diz:
TOTAL 1 .7 9 8 1 4 ,1 0 1 0 .9 5 6 8 5 ,0 4 1 2 .7 4 4

F O N T E : PIAUÍ, Governo. GALDAS, J. R R esu m o d e todas as p e sso a s livres e cativas, fogos e N ã o te m reló g io , C a sa s d e C â m a ra , c a d e ia , a ç o u g u e , fe rre iro o u o u tra
fazendas d a c id a d e, villas e se rtõ es d a c ap itan ia d e São Jo sé d o Piauí. R eg istro n8 a lg u m a o fic in a p ú b lic a . S e rv e m d e C â m a ra u m a s casas té rre a s d c barro
0275, p. 102-103. A rquivo P ú b lic o d o E sta d o d o Piauí. Sala d o Poder E xecutivo.
e s o b re q u e co rre litíg io . A c a d e ia é co u sa in d ig n íssim a se n d o n ecessário
e s ta re m os presos e m tro n c o s e ferros, p ara seg u ran ça. A casa d o aço u g u e
é a lu g a d a , e d e m a is co isa n e n h u m a . As casas d a c id a d e to d a são té rre a s,
a t é o p ró p rio p a lácio d o g o v e rn o . T e m u m a ru a in te ir a , o u tr a d e u m a
QUADRO 6
só fa c e , e m e ta d e d e o u tr a . T u d o o m a is são n o m e s s u p o s to s ; o d e
Distribuição da População por Distrito: c id a d e v e r d a d e ir a m e n te só g o za o n o m e .9

Zonas U rbana e Rural, Piauí — 1772


Em ternos demográficos, a zona rural apresentava-se mais
PO PULA ÇA O U RBA N A ;PO PU LA ÇA O RURAL significativa. Em 1762, quando foram instaladas as sete primeiras vilas,
F R E G U E S IA TOTAL
A b s o lu ta jP e r c e n ta g e m A b s o lu ta P e r c e n ta g e m 85,04% do total da população residia na zona rural. Em 1772 o índice
O E IR A S 1.252 2 1 ,9 6 4 .4 4 8 7 8 .0 3 5 .7 0 0 é de 85,8 dos 19.191 habitantes da Capitania.
PA R N A G U Á 191 7 ,8 5 2 .2 4 2 9 2 ,1 4 2 .4 3 3 A alteração, isto é, a queda de 0,16% não significa propriamente
JE R U M E N H A 81 5 ,2 9 1 .4 5 0 9 4 ,7 0 1.531
uma tendência dos moradores de se fixarem no setor urbano. O que
VALENÇA 407 1 6 ,0 4 2 .1 2 9 8 3 ,9 5 1 .3 2 6
7,01 1.233 9 2 ,9 8 2 .9 7 1
pode ter contribuído nesse sentido foi o desenvolvimento de Pamaíba.
MARVÃO 93
G A M P O M A IO R 363 12,21 2 .6 0 8 8 7 ,7 8 2 .9 7 1 Com uma população correspondendo a 19 pessoas, 0,8% dos habitantes
PA R N A ÍB A 337 1 2 ,5 0 2 .3 5 7 8 7 ,4 9 2 .6 9 4 da freguesia, no início da década de 60, dez anos depois, ampliou para
TOTAL 2 .7 2 4 1 4 ,2 0 1 6 .4 6 7 8 5 ,8 0 1 9 .1 9 1 337 o número de seus moradores.

F O N T E : DURÃO, A J. M . D escrição d a cap itan ia d e São José d o P iauí — 1772. In: M O 'iT , L*-
R. B. Descrição d a cap itan ia d e São José d o Piauí —1772. R e v is ta d e H is tó ria . ne 112,
São Paulo, 1977. 9 D U R Ã O , A; J. M . D e sc riç ã o d a C a p ita n ia d e S ão J o s é d o P iau í - 1772. In:
M O T T . L .R .B . D escrição d a C a p ita n ia d e S ão Jo s é d o P iau í —1772. R e v is ta d e H is tó r ia ,
n° 112, S ã o P ã u lo , 1977.
T a n y a M a r ia p i r e s b r a n d ã o O ESCRAVO N A FO R M A Ç Ã O SO C IA L D O PIAUÍ

Pertencente à freguesia de Piracuruca, Parnaíba foi sempre a N o início da década de 70 do século XVIII. 80.94% dos 3.034
sede do distrito, tanto que João Pereira Caídas identifica como morado­ fogos situavam-se na zona rural piauiense. Cada unidade rural tinha
res do setor urbano aqueles residentes na localidade. Em 1772, em em média 3,09 fogos, isto porque eram 794 unidades produtoras,
função do fabrico das carnes secas e couramas, segundo Durão, aumen­ compreendendo 568 fazendas e 226 sítios. Na zona urbana havia 126
tou consideravelmente sua população. Não se pode, entretanto, afirmar sítios e 11 fazendas.
que houve um deslocamento de pessoas da própria capitania para aque­
la localidade. E provável que os novos habitantes tenham vindo de
outras regiões, já que, além da indústria da carne, desenvolvia-se na
O U A I ) RO X
vila o comércio dê importação e exportação. Mesmo assim, ainda se Capitania do Piauí:
observa um fato interessante relativo a Parnaíba. Se em 1762, 100% N úm ero de Fogos, Fazendas e Sítios - 1772
de sua população era urbana, em 1772 somente 12,5% residiam no
FO CO S
centro e subúrbios. Dos 2.694 habitantes, 2.357 moravam na zona rural D is tr ito N a d e Fogos N - d e F a z e n d a s N s d e S ítio s
em 1772. ' U r b a n a R u ral
Em função do caráter ruralista da sociedade piauiense, grande O E IR A S 1.002 299 733 182 103
parte dos estabelecimentos residenciais ficavam nas fazendas. Em VALENÇA 329 31 298 60 11
1762, a percentagem de fogos existentes na zona rural era de 79,62% MARVÃO 253 23 230 69 46
C A M P O M A IO R 369 67 302 58 46
do total de 1.983. Retirando-se os 58 das aldeias indígenas instaladas P IR A C U R U C A 190 24 166 39 50
em Oeiras, nas 536 fazendas do Piauí ficavam 1.521, o que correspondia JE R U M E N H A 447 86 361 91 49
à média de 2,83 fogos em cada fazenda. Na zona urbana havia 404 P A R N A ÍB A 444 78 366 79 47
fogos. TOTAL 3.034 578 2.456 579 352
v

F O N T E : D U R Ã O , A J. M . D esc riç ã o d a c ap itan ia d e São José d o Piauí - 1772. In: M O T T , L.


R- B. D escrição d a c a p ita n ia d e São José d o Piauí - 1772. S e p a ra ta d a R e v ista d c
í QUADRO 7 H is tó ria . ns 112, São Paulo, 1977.

Capitania do Piauí: N úm ero de fogos por fazenda - 1762


Freguesia N a d e Fogos N a d e Fazendas Fogos/Fazendas Nas vilas e cidades, provavelmente, residiam apenas funcionários
públicos, civis e militares, pequenos comerciantes, o pároco e alguns
O E IR A S 324 169 1,9
marginalizados, fora os escravos. Mas, de maneira geral, os moradores
VALENÇA 266 52 5,1 do Piauí dedicavam-se exclusivamente à pecuária bovina, caprina, ovina
M ARVÃO 176 39 4 ,5 e equina. Escreveu assim o Ouvidor da Capitania em 1772:
C A M P O M A IO R 276 86 3 ,2
P IR A C U R U C A 330 84 3 ,9
JE R U M E N IIA 77 51 1,5 C uidam m uitos h a b ita n te s d e ste país em fugir da sociedade vivendo
PA R N A ÍB A 130 55 2 .4 nos m atos e brenhas, on d e se figuram mais livres e donde vem a falta
d e instrução q u e padecem , e o respirar tudo a bárbaro e feroz. Verdade
TOTAL 1 .5 7 9 536 2 ,9
e s ta bem in d icad a pelos m u ito s e graves crim es q u e com etem
F O N T E : PIA U Í, G overno. CAUDAS, J. P. R esu m o d c rodas as pessoas livres e cativas, fogos e prin cip alm en te de m orte e resistências.10
fazendas d a cid a d e, villas e s e rtõ e s d a capitania d e São Jo sé d o Piauí. L ata 267, M aço
2, Pasto 1. A rquivo P ú b lico d o E sta d o d o Piauí. Sala d o P o d e r E xecutivo.
10 D U R Ã O , D oc. c it. In : M O T X op. c i e , p. 555.

98 99
Tanya Maria pires brandão O ESCRAVO N A F O R M A Ç Ã O S O C IA L D O P IA U l -

A história do Piauí, neste período, é rica em acontecimentos Com relação aos índios, embora existissem ainda, no território
que demonstram a reação dos fazendeiros à autoridade imposta, fosse do Piauí, muitas tribos vivendo em seu estado natural, nas fazendas e
ela política ou religiosa. Como exemplo, cita-se a destruição da primeira sítios apenas 14,75% dos habitantes eram nativos, lideravam, portanto,
Capela, edificada em louvor a X . S. da Vitória, próxima à Mocha. Conru- brancos e negros. Os primeiros totalizavam 154, isto é, 35,48%, enquan­
do, é provável que esse comportamento rebelde, caracterizado, tam­ to que os negros correspondiam à maior parcela, equivalente a 47,93%
bém, na ocasião da instalação da máquina administrativa, fosse um do total da população.
mecanismo de proteção à ordem vigente ou resultasse das exigências No início da década de 60 do século XVIII, de acordo com o
da pecuária. levantamento feito pelo governador Pereira Caídas, a população indíge­
A composição étnica da população piauiense é característica na em processo de aculturação limitava-se a 691 residentes nas aldeias
relevante no estudo da formação social do Piauí. Em geral, os autores, de Jaicós e São José de Sende, distrito de Oeiras. Referindo-se à camada
quando se referem ao assunto, afirmam que o pessoal empregado nas livre da população, diz o primeiro governador do Piauí que os pretos
fazendas era na sua maioria índio e mestiço. Entretanto, observa-se eram em menor número nessa categoria social, embora superassem os
que só postenormente estes últimos vêm corresponder à maior parcela brancos. O grupo maior era formado por mu latos.1?
da população.11*1
0Nos dados populacionais fornecidos por Pe. Miguel de Em 1772, a população achava-se distribuída, segundo a tonali­
Carvalho, referentes aos anos finais do século XVII, os mestiços são dade da pele, da seguinte maneira:
apenas oito, incluindo-se crianças, principalmente do sexo feminino,
caíúsos e mamelucos, conforme quadro seguinte.
j ■
Q U A D R O 10
QUADRO 9 Distribuição da População do Piauí de A cordo com a
Fopulaçao do Piauí no Final do Século X V II G or da Pele dos H abitantes —1772
por G rupos Étnicos
Populaçao M asculina Fem inina
PO PU LA ÇÃ O
G rupos É tn ico s População
A bsoluta_______ P ercentagem B ran co s 1 .8 8 5 1 .3 2 0
M u la to s 2 .1 5 0 1 .9 0 0
B ranco 154 3 5 ,4 8 M e s tiç o s 1 .5 5 4 1 .5 5 4
N e g ro 208 4 7 ,9 3 V e rm e lh o s 556 575
ín d io 64 1 4 ,7 5 M a m e lu c o s 668 686
M e s tiç o 8 1 ,8 4 P re to s 3 .8 5 6 2 .4 8 7
TOTAL 434 1 0 0 ,0 0 TOTAL 1 0 .6 6 9 8 .5 2 2

F O N T E : CARVALHO, Pe. M iguel d e . D e zcrip ção d o C e rtã o d o R eauby R e m e tid a ao lim o e F O N T E : D U R Ã O , A J. M . D esc riç ã o da c ap itan ia d e São J o sé d o Piauí — 1772. In : M O '1 'i; L.
R m o Sor. B ei Francisco d e L im a , B ispo d e F em am co. In : E N N E S , E. A s g u e rra s n o s R. B. D escrição d a cap itan ia d e São Jo sé d o P iauí — 1772. S e p a ra ta d a R e v ista d e
Palmares: subsídios para a su a h istória. [s.I.) B rasiliana, 1938, p. 370 a 389. H is tó ria , n* 112, São Paulo, 1977.

12 P O R T U G A L . G o v ern o . M in is tro d o U ltr a m a r D o c u m e n to d a ta d o d e 09.


11 Veja fig. n5 6 no fin al d o c a p ítu lo co m o ilu stra ç ã o d o tip o m e s tiç o p ia u ie n s e . 10. 1 7 6 6 . In : GOSTD\, o p . c i t ., p. 167.

100

i • t a n y a M a r ia P i r e s b r a n d ã o O ESCRAVO NA FO R M A Ç Ã O SO C IA L D O PIAUÍ

Observa-se, assim, o declínio da participação do índio no correspondessem à menor parcela social, os fazendeiros eram de maior
cômputo geral da população, pois nos dois recenseamentos do século expressão política, social e económica.
XVIII corresponde a um pouco mais de 5,0%. Declinava também a Como fbi visto em capítulo deste trabalho relativo à colonização
quantidade de elementos de cor branca, passando no início dos anos do Piauí, já no século XVII verificou-se uma grande concentração de
70 a compreender 16,7% do total de habitantes. O mesmo fenômeno terra em poder de poucos, apesar da grande quantidade de pessoas
verifica-se com relação aos pretos que setenta e cinco anos antes eram empenhadas na conquista do território.
quase metade da população e agora perfaziam 33% do total. De acordo Durante o século XVIII, embora não se possa precisar a quanti­
com as informações de 1697,1762 e 1772, durante o séculoXVIII foram dade de donos de fazendas, observa-se que houve uma expansão do
os mestiços que apresentaram maior aumento, pois a taxa de 1,84% grupo social composto pelos fazendeiros. Além do fracionamento das
foi alterada para 44,35%. propriedades, motivado pela venda e herança, nesta fase prosseguiu o
Esses dados explicam até certo ponto, o peculiar relacionamento devassamento, permitindo a incorporação de novas áreas territoriais.
racial mantido entre os elementos livres da população piauiense, Somente pelo governador do Pará foram concedidas 309 novas sesma­
durante o século XVIII. Segundo João Pereira Caídas, em carta dirigida rias, conforme o índice de Sesmarias do Piauí.14*
ao ministro do ultramar, em outubro de 1762: Convém ressaltar que nem todas essas doações foram feitas a
novos proprietários. Da mesma forma, não se pode afirmar que 536
N e s s e s e rtã o , p o r c o s tu m e a n tiq u ís s im a , a m e s m a e s tim a ç ã o te m fazendas declaradas por João Pereira Caídas, como também 579
b ran co s, m u la to s e p re to s , e to d o s, u n s e o u tro s, s e tra ta m c o m recíp ro ca fazendas e352 sítios identificados por Durão correspondiam a idêntico
ig u a ld a d e , s e n d o ra ra a p e s s o a q u e s e s e p a ra d e s t e rid íc u lo s is te m a , número de proprietários.
p o r q u e s e s e g u ir e m o c o n trá rio e x p õ e m as su a s v id a s .13
Aspecto interessante a ser observado no grupo social dos
fazendeiros diz respeito à sua atividade económica no final do século
Ao que parece, na sociedade do Piauí até o final dos anos XVII e por algum tempo do seguinte: dono de fazenda era também
setecentos, a tonalidade da pele dos habitantes não tinha estreita conquistador de terras e apresadorde índios.
relação com o nível social, como acontecia em geral nas demais regiões
Não se pretende afirmar que o senhor pessoalmente cuidasse
brasileiras. O negro tanto podia ser escravo como criador. É provável
da administração de seu património, de sua ampliação e se dedicasse,
que somente os índios não desfrutassem dessa característica geral.
ao mesmo tempo, ao trafico de escravos indígenas. Principalmente
Durante o século XVII, e principalmente no século no século nos primeiros momentos da colonização, eram os proprietários absente-
XVIII, a estrutura social do Piauí comportava dois grandes grupos: um ístas que viviam das rendas oriundas dos currais do arrendamento da
formado por pessoas livres e outro por escravos. Entre os primeiros, terra, cuja administração ficava a cargo do vaqueiro. Residentes em
encontravam-se os fazendeiros, os vaqueiros, posseiros, os agregados e outras capitanias, esses sesmeiros patrocinavam a organização de
sitiantes. Quanto ao segundo, o qual será tratado posteriormente, era expedições cuja finalidade era a conquista de novas terras e o aprisiona­
composto de índios, negros e mestiços submetidos ao regime jurídico- mento do indígena que seria comercializado.
social da escravidão.
Esse quadro, durante o séculoXVIII, sofreu modificações, tendo
Na sociedade piauiense, sobressai-se o grupo constituído pelos
fazendeiros, pessoas proprietárias de gado, terra e escravos. Embora
14 P IA U Í. G o v e rn o . SIL V A , A n tô n io F reire (org.) C a tá lo g o d a s sesm arias
c o n c e d id a s, n o P iauhy; re g istra d a s n o s livros d e n ° I o, 2o, 3o, 4o e 5o e x is te n te s no
13 P IA U Í. G o v e rn o . C A L D A S , J .E D o c u m e n to d a ta d o d e o u tu b r o d e 1762. D ire tó rio d e a g ric u ltu ra , te rra s , v iaçã o e o b ra s p ú b licas. A rquivo P ú b lico d o E sta d o d o
L iv ro 18, p. 25 - A rq u iv o P ú b lic o d o E s ta d o d o Piauí.- -■; R a u í: d o c u m e n to s avulsos.

102 103
T anyà Maria pires brandão O ESCRAVO N A FO R M A Ç Ã O S O C IA L D O PIA U Í

ern vista uma série de circunstâncias. Em primeiro lugar porque depois percentual de sítios entre as unidades de produção rural era de 28,4%,
de longo período de acirrados combates, as tribos indígenas ou foram pois havia 568 fazendas e 226 sítios situados nesse setor da Capitania.17
exterminadas ou expulsas para regiões mais interioranas. Por outro Nos sítios, além da criação de gado, praticavam-se o cultivo da mandio­
lado, tem início a campanha contra a escravidão dos nativos. Observa- ca. batata, arroz, milho, feijão e frutas, principalmente, banana.18 O
se também que, passada a primeira fase do povoamento, maior número excedente da produção, tanto agrícola como pecuarista destinava-se
de conquistadores tinham por meta edificar suas fazendas, onde passa­ às fazendas e vilas da Capitania, podendo ser remetido algum gado
vam a residir, administrando mais de perto seus bens. Contudo, em para outras capitanias.
1772, existiam ainda 107 fazendas pertencentes a pessoas que residiam Conforme Maria Isaura Pereira de Queiroz, essa camada social,
fora do Piauí. O que significa dizer que, no mínimo, 18,48% das fazen­ que ela denomina sitiantes tradicionais, dividia-se em independentes
das continuavam sendo exploradas de conformidade com absentismo. e subordinados aos fazendeiros. O segundo grupo fazia parte da
No entanto não se pode afirmar que cada uma destas fazendas perten­ clientela dos grandes senhores. “Foram estes seus protetores, padrinhos
cia a um único dono. Sabe-se apenas que seus proprietários residiam de seus filhos, seus banqueiros, seus advogados, seus chefes políticos,
em Portugal, Bahia, Pernambuco, Ceará e Maranhão.15 isto é, seus elementos de ligação com a sociedade global, fatores de
A pecuária, principal atividade económica do Piauí, como foi sua integração nesta.”19
visto anteriormente, concorreu para que o povoamento e estrutura h provável que a generalização feita por Maria Isaura se adapte
produtiva locais apresentassem singularidades, cujos reflexos podem ao quadro piauiense. Entretanto, não se pode afirmar se havia sitiantes
ser identificados na organização social. Urna delas uiz respeito ao grupo autónomos no Piauí. Fica difícil aquilatar, mesmo na sociedade escravis­
formado pelos sitiantes: pessoas livres, geralmente proprietários de ta, a importância económica, social c política das pessoas que possuíam
gado e escravos que, por não possuírem título de posse fundiária, arren­ apenas gado e escravos. Isto porque se sabe que na sociedade colonial
davam lotes, conhecidos como sítios, aos latifundiários. Convém ressal­ a camada privilegiada era a dos grandes proprietários rurais.
tar que nessas propriedades havia também sítios pertencentes ao dono
Entretanto, durante o século XVIII, quando a luta pela posse
das terras, de modo que nem todos esses eram áreas arrendadas. (Veja
da terra se caracterizou pelo conflito entre posseiros e sesmeiros, o
fig. n2 5 no final do capítulo)
grupo social que não detinha a posse da terra contou com o apoio dos
A coexistência de sítios e fazendas no Piauí tem início no século sitiantes. A adesão pode ser interpretada como alternativa na aquisição
XVII. Segundo Pe. Miguel de Carvalho, Domingos Afonso Sertão e de propriedade, já que objetivavam distribuição mais justa da terra. O
Leonor Pereira Marinho além de ocuparem suas terras com gados seus, que leva a crer que, além de buscarem ascensão social e económica, os
“as mais arendão a q.,n lhe quer meter gados pagandolhe lOrs de foro sitiantes procuravam fugir da exploração dos grandes senhores.
por cada çitio, e desta sorte estão entruduzidos donatários das terras
Em meio aos componentes dessa camada social intermediária
sendo só sizmeiros p.* as povoarem com gados seuz.” 16
entre fazendeiros e escravos, destaca-se o vaqueiro, figura simbólica
Quando enumera as 129 unidades produtoras, descrevendo sua da região pastoril, tanto no folclore local como na historiografia. Por
localização geográfica e seus moradores, o referido padre identifica um lado, representava toda a sociedade pecuarista, por ser o elemento
nove sítios. Um deles, o sítio de Catherina, arrendado por Antonio diretamente envolvido com o gado. Por outro, o tipo de vida que levava,
Gomez, que mora no local com três negros, pertence ao fazendeiro montado a cavalo, solto pelos campos, administrando um património
André Gomes da Costa, também residente no Piauí. Em 1772, o

17 D U R Ã O , op. c it. In : M O T T , op. c it., p. 565.


15 D URÃO , d o c . c it. In : M O T T , o p . c it. p . 5 6 7 . 1 8 C A R V A L H O , do c. c it. In : E N N E S , o p . c it., p. 379.
16 CARVALHO, d o c . c it. In : E N N E S , o p . c it., p . 3 7 0 . 4 19 Q U E IR O Z , M aria Isa u ra P ereira d e . O c a m p e s i n a t o b r a s i l e i r o : e n sa io s

104 105
T a n y a M a r ia p i r e s b r a n d ã o O ESCRAVO NA FO R M A Ç Ã O SO C IA L D O PIAUÍ

longe da fiscalização do patrão serviu como indicador da liberdade Outra figura pertencente à sociedade piauiense era o posseiro.
existente nas sociedades do interior pastoril. Elemento de condição jurídica social liv re que se instalava nas terras
Embora existissem escravos vaqueiros — em 1697 foram identifi­ que conquistava, dedicando-se à agricultura de subsistência e à pecuá­
cados quatro20 — , via de regra, as pessoas encarregadas de olhar o ria. Embora não possuíssem o tírulo de posse da gleba ocupada e nem
r a b a n h o e administrar as fazendas e sítios eram livres. Na grande maio­ pagassem foro pelo usofruto da mesma, caso pertencesse a outro senhor;
ria, os vaqueiros não possuíam terra, nem gado e nem escravos, princi­ os posseiros demonstraram maior independência que os sitiantes e
palmente quando chegavam à Capitania. vaqueiros. Empreenderam verdadeira luta contra o monopólio da terra,
Além do gado e da terra, era da competência do senhor de fazen­ chegando a preocupar a Coroa, apesar de não terem alcançado concreta­
da fornecer os escravos e os instrumentos agropecuários necessários. mente resultados favoráveis.
Assim, o vaqueiro participava com seu trabalho, cujo pagamento se Entre os habitantes livres do Piauí destacavam-se os agregados.
fazia sob o regime de parceria, no que diz respeito à produção do curral. Eles formavam grande parcela da sociedade piauiense mas não se enga­
Quanto aos produtos agrícolas, não há qualquer referência sobre a javam diretamente no sistema produtivo da região. Achavam-se dividi­
participação dos vaqueiros. dos entre os que se estabeleciam nos latifúndios, chegando a cultivar
A documentação contemporânea enfatiza apenas que o posto em pequena escala alguns gêneros, mediante certas condições, sem
de vaqueiro era ambicionado por todos. Este fato é bastante compreen­ que pudessem ser considerados propriamente empregados ou lavrado­
sível porque a função oferecia estabilidade de emprego somada à res e aqueles que viviam agregados a uma família como pessoa da
consideração e apoio dispensados pelos fazendeiros e demais pessoas. casa. Os dois tipos foram identificados por Durão da seguinte maneira:
Entretanto, é provável que o interesse em ter escravo ficasse por conta
da possibilidade que os vaqueiros tinham de algum dia serem donos U n s q u e a lg u m a s o c a siõ e s se rv e m c o m o criados in e re n te s às fam ílias,
de currais. o u tro s q u e n e m s e rv e m , n e m n a fa m ília se in c lu e m , a n te s tê m fogo
Reservavam-se, portanto, aos vaqueiros, grandes possibilidades s e p a ra d o , p o s to q u e d e n tr o d a m e sm a fazenda. O s p rim eiro s, d a d o
q u e m a u s . são to le rá v e is, m a s os s e g u n d o s são péssim o s e dan o so s em
de mobilidade social. Completados os cinco primeiros anos de contrato
to d o o s e n tid o .21
na administração de uma fazenda, recebiam então 25% da produção.
Dessa maneira, poderia o vaqueiro passar à condição de criador
autónomo, quer como arrendatário de sítio, quer como posseiro, A origem dessa categoria social pode estar na probabilidade de
ocupando com seu curral e lavoura terras devolutas. Ao que tudo indica, que muitos dos colonos que buscavam o Piauí para residirfossem foragi­
não havia qualquer impedimento formal ao fato de o vaqueiro permane­ dos da justiça ou dos senhores de escravos. Necessitavam, pois, da
cer na fazenda juntamente com seus gados. No caso do gado ser retirado proteção do senhoril do Piauí para manter sua condição no obscuran­
da propriedade do grande senhor, não se sentia o vaqueiro obrigado a tismo. Mas é provável que a concentração fundiária no Piauí também
abandonar sua antiga função, desde que contratasse os serviços de possa ter contribuído, vez que parte da população não tinha acesso à
outras pessoas. propriedade dos meios de produção. Por outro lado, as dificuldades
em promover a conquista da terra, a limitação ao número de vagas de
Como o de fazendeiro, o número de vaqueiros era limitado.
administradores nas fazendas, o pouco ou quase nenhum recurso dispo­
Achava-se relacionado à quantidade de fazendas e sítios instalados.
nível para se fixarem em terras arrendadas e a preferência pelo trabalho
Vale ressaltar que a expansão dos currais achava-se determinada pelo
escravo foram elementos que concorreram para que muitos dos novos
aumento natural do rebanho.
habitantes, mesmo aqueles livres de qualquer compromisso social ou

2 0 C A R V A L H O , d o c . c it. In : E N N E S , op. cit. 21 D U R Ã O , d oc. c it., In : M O T T , o p . c it., p. 557.

106 107
T a n y a M a r ia P ir e s b r a n d ã o O ESC R A V O N A F O R M A Ç Ã O S O C IA L D O P IA U Í

jurídico, fossem submetidos ao domínio dos fazendeiros. Formavam


os agregados uma espécie de clientela dos proprietários da teria, pronta
para executar tarefas violentas até mesmo cometendo crimes de morte
por ordem e interesse do senhor. As relações de dependência homem
a homem tomavam-se necessárias, em decorrência da ausência de um
governo constituído que fizesse cumprir as leis. A dispersão popula­
cional e a insegurança pessoal exigiam a presença de elementos prepara­
dos para defendera propriedade, bem como as pessoas ali residentes.
Dessa forma, no Piauí, o agregado foi simultaneamente fruto e
elemento confirmador da sociedade do tipo escravista paternalista,
como era a piauiense, onde eram de grande importância as relações de
caráter pessoal.
A estratificação social no Piauí Colónia, de maneira geral, tinha
por base os recursos económicos. Três categorias podem ser identifica­
das: a primeira compunha-se dos proprietários da terra, gado e escravos;
a intermediária, mais variada, abrangia as categorias dos sitiantes, va­
queiros, feitores, posseiros e agregados. Na base da pirâmide social
encontrava-se a massa escrava, compreendendo as pessoas que estavam
sujeitas a um senhor, consideradas como propriedade. A composição
quanto à origem, idade, sexo, dessa categoria, bem conto as funções
sociais por ela desempenhadas é objeto de estudo em capítulos
seguintes.
Quanto à mobilidade social, como foi demonstrado, nos séculos
XVII e XVIII era bastante limitada. Fora os vaqueiros, que podiam
chegara proprietários de gado e escravos, poucas chances tinham as
demais categorias de ascender socialmcnte. O elemento definidor era
a posse de títulos fundiários. No entanto, em virtude dos critérios
vigentes na concessão de sesmarias, sendo de grande importância a
influência político-económica do requerente, ocorreu a concentração
fundiária. Distanciavam-se assint, socialmente, os elementos livres, C A 5 A - GR AUBE BE -S>ÃO B o m IU6C*>
proprietários de imensos latifúndios, daqueles que não possuíam terra
alguma. Figura 5

Planta baixa elaborada a partir das edificações existentes, das ruínas encon­
tradas e descrições feitas por descendentes dos antigos proprietários.
Observa-se a proporção entre as dimensões da Casa-Grande e da Senzala,
bem como a localização dessa última e do engenho. Compartimentos deno­
minados “armazém” ou “quarto” provavelmente eram utilizados pelos agre­
gados.

109
'KJAH T A N Y A M A R IA P IR E S B R A N D Ã O

C aracteristicas da E scravaria no P iauí

F ig u ra 6

M a ria J ú lia G o m e s d e S o u sa , 2 3 a n o s, n a tu ra l d o m u n ic íp io d e M ig u e l A lves.


T ip o d e m e s tiç a m u ito c o m u m n o in te r io r d o P iauí. Id e n tific a -s e n a m e sm a
tra ç o s fis io n ó m ic o s in d íg e n a s e a fric a n o s.

110
Q 5 -:

nível historiográfico, a questão sobre a existência de escravos


nas zonas pecuaristas do Nordeste brasileiro sofre atualmen te processo
___
revisionista. Até Ibem
_ _ _ _ _ __ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ a _ _ _ ' J i i _ _ _ _ _ _ _ _ _ _
pouco tempo nãp era contestada a , ídéía de que .
a sociedade sertaneja havia se desenvolvido fora do regime escravista. -v
Essa interpretação é comumente encpptradános^trabalfjosque objeti­
vam analisar o contexto social e econpmico dô BrasiJ Çqlôma á partir
das zonas exportadoras, tendo em vista o destacado papel desempe­
nhado por esses setores no contexto coloniàimetcançilista. ' •' : u . - ,: o

Partem, em geral, esses autorçjs, çio princípio de(tjuea escravidão rc


foi instituída nas áreas coloniais, única è CítclUsivamente, pefà ftCcessi-
dade de obter da produção resultados qúfé^àtendessem à demanda do
comércio externo. Dessa forma, nas zpnaS jiròdutoras^mesrho Coloniais,
que não estivessem engajadas diretamèhtè nò cpmérçio íjluridial, não .
teria vigorado a escravidão. _ E/irre o-> U ° ' k

Entre os defensores da determinação eçonômiça còrrto responr


sável pelo emprego da mão-de-obracativa;destaca-se (Clóvis Moura.,
quando afirma ser “verdade incon testável que a economia'pastoril não
podia arcar com o ônus do escravo! caró,'e de difícil aquisição na zona
sertaneja. ” i ’v r e d / r ,
Acred ita o autor que na zpna pecuarista predominou u ma econo­
mia rigorosamente fechada. Contudoí,' conforme ficou"demonstrado
anteriormente neste trabalho, o caiárcr de subsistênciá da pecuária
diz respeito ao âmbito colonial. Sua estrutura mercantil despontou no
momento em que o gado passou a sêí Vendidoaos donos dos engenhos
e demais consumidores das zonas exportadoras.
•____________________________ K , ... . ™ 'M Ct, , ,, .
.u*, ( tro. . \ ~ b c lj v .
I M O U R A , C ló v is, R e b e liã o d a s e n z a la : q b ilo m b o s in su rre iç õ e s g u errilh a s.
R io d e Ja n e iro : C o n q u is ta , T e m a s b rasileiro s, v. 11, 1972. p ., 222.
T a n y a M a r ia p i r e s b r a n d ã o O E S C R A V O N A F O R M A Ç Ã O S O C I A L D O P IA U Í

Por outro lado, em face das reduzidas exigências de capitais para A introdução do escravismo no Piauí obviamente não se ligou ao
implantação e manutenção das fazendas, havia facilidade de capitaliza­ aspecto puramente económico da produção, como aconteceu nas regi­
ção. Em primeiro lugar; os recursos iniciais geralmente eram próprios, ões agroexportadoras litorâneas. As próprias características da atividade
contribuindo para que as rendas das fazendas ficassem em mãos do económica local dispensavam o emprego de cativos e, até certo ponto,
proprietário. Em segundo, a reposição do rebanho se fazia de forma impunham dificuldades ao controle da massa subjugada. O mais lógico
natural sem necessidade de reinversões. O pagamento aos empregados e racional, portanto, seria a utilização de pessoas livres, que abundavam
limitava-se ao do vaqueiro, sendo utilizado o regime de sorteou parce­ na região e que, graças ao paternalismo reinante, tomavam-se depen­
ria, salvo na ocasião de remessas de boiadas. Analisando-se sessenta e dentes dos proprietários das fazendas, a quem dedicavam fidelidade.
um inventários registrados no Cartório do IaOficio na cidade de Campo Entretanto, o surgimento e evolução da sociedade piauiense não
Maior entre 1762 a 1800, em apenas quatro deles não foram declarados se fez de maneira aleatória, fora dos padrões colonialistas. Se Domingos
escravos pertencentes aos inventariados. Afonso Certão, como afirmou em seu testamento, e os outros primeiros
Nas últimas décadas, o estudo da escravidão vem sendo objeto colonizadores trouxeram juntamente com o gado, os primeiros escravos
de grande interesse entre estudiosos. Esse fato vem contribuindo no para o Piauí, é óbvio que a prática escravista na pecuária vinha de ou­
sentido de que algumas lacunas existentes no conhecimento sejam tras regiões. Logo, não foi na bacia oriental do Rimaíba que ela adquiriu
agora preenchidas. A preocupação metodológica quanto ao corte crono­ essa característica.
lógico e quanto à definição do objeto a ser estudado vem dando origem A escravidão foi um fato histórico de todo o Brasil Colónia. Como
a trabalhos mais específicos, permitindo maior aprofundamento na afirma Vàlter Piazza ao identificar negros cativos na economia minifun­
análise das variáveis, numa visão conjuntural. Sobre a sociedade pastoril diária de Santa Catarina:
no Brasil Colónia, as obras de Fernando Henrique Cardoso e Diana
Galisa, por exemplo, demonstram que da não foi a mesma na Paraíba E stabelecia-se a escravidão negra em terras do Brasil, espraiando-se
e no Rio Grande do Sul.2 em todos os seus quadrantes, sob a alta proteção da Coroa, que concedia
Com relação à estrutura e funcionamento da sociedade piaui­ favores aos q u e se instalavam como mercadores, nos entrepostos e
ense, novas interpretações têm sido apresentadas. A Jacob Gorender feitorias da C osta d Á frica, às Companhias q u e faziam o tráfico, e,
coube a primeira iniciativa. Em seu trabalho sobre O Escravismo coloni­ pu n h am , enfim , no Brasil, toda uma imensa corte de funcionários a
serviço desse com ércio q u e , inegavelm ente, representava para o seu
al, faz severa crítica historiográfica no que diz respeito à natureza da
Erário um forte esteio.5
força de trabalho nas fazendas do Piauí.3 Luiz R. B. Mott, através de
publicações em revistas e periódicos especializados, divulga e reinter-
preta documentos referentes ao Piauí na fase colonial.4 Fundamentados A própria metrópole era uma nação escravista. No Norte da
em documentos do século XVII e XVIII, estes dois pesquisadores colónia, quando pretendia garantir a posse das conquistas, utilizou-se
concluem que a formação social piauiense teve caráter escravista. dos negros escravizados na construção de fortaleza, enviando, direta­
mente da África, contigente de negros por conta da fazenda real. Na
2 C A R D O S O , F e rn a n d o H . C a p ita lis m o e e sc ra v id ã o n o B rasil m e rid io n a l: o
mesma época e na mesma região, distribuiu 300 negros entre as pessoas
. i ..iU n a s o c ie d a d e e sc ra v o c ra ta d o R io G ra n d e d o S u l. R io d e Ja n e iro : P a z e T e rra , que povoavam o Itapicuru.6
l ‘>72.
G A L IZ A , D ia n a S o a re s d e . O d e c lín io d a e s c r a v id ã o n a P a ra íb a : 1 8 5 0 /1 8 8 1 .
R e c ife , 1977. D iss e rta ç ã o d e M e s tra d o . U n iv e rs id a d e F e d e ra l d e F te m a m b u c o -U F P E . 5 P IA Z Z A , W a lte r E O e s c r a v o n u m a e c o n o m ia m in if u n d iá ria . S ão Paulo:
3 G O R E N D E R , J. O e s c r a v is m o c o lo n ia l. S ão Fbulo: Á tica, 1978. E n sa io -2 9 . U D E S C , 1 9 7 5 . p . 12.

4 A lgum as d e ssa s p u b lic a ç õ e s c o n s ta m n a b ib lio g ra fia d e s t e tra b a lh o . P IA Z Z A 6 S A L L E S , V ic e n te . O n e g r o n o P ará: so b o reg im e d a escravidão. R io d e


W a l t e r E O e sc ra v o n u m a e c o n o m ia m in if u n d iá r ia . S ão Fhulo: U D E S C , 1 9 7 5 . p .1 2 . Ja n e iro : F u n d a ç ã o G e tú lio V argas, U n iv e rs id a d e d o Pará, 1971. p . 18.

114 115
T a n y a M a r ia P ir e s B r a n d ã o O E S C R A V O N A F O R M A Ç Ã O S O C I A L D O P IA U Í

Conclui-se. então, que ao reino metropolitano interessava a difu­ nias do Norte que absorviam os escravos da terra. São Vicente e até
são do regime de trabalho escravo na Colónia, dando preferência ao aquelas capitanias onde desenvolvia a agricultura exportadora também
africano. A farta legislação normatizando e proibindo a escravidão do empregavam os índios cativos.
gentio, além de contraditória, foi ineficaz, demonstrando que essa Além dos particulares, também as autoridades usufruíram do
prática envolvia altos interesses, inclusive da própria Coroa. comércio de indígenas. De acordo com a legislação que normatizava
Sob dois aspectos, a escravidão se fez presente no Piauí desde o também a guerra ao gentio, a venda das peças aprisionadas deveria ser
início do devassamento territorial. A primeira modalidade diz respeito realizada em praça pública pelo maior lance.
à empresa de saque, fonte fornecedora de escravos indígenas. A outra
refere-se ao emprego propriamente dito de escravos e não apenas A im p o r tâ n c ia q u e d e le s (le ilõ e s ) r e s u lta r s e p a g u e a fa z e n d a R eal a
tapuias, na economia local. d e s p e s a q u e n e s ta g u e rra fizer, e q u e d o q u in to q u e lh e to c a m so b ra n d o
A guerra feita ao elemento nativo, ao tempo em que promovia a a lg u m a c o isa s e d ê p a ra o g o v e rn a d o r d e P e rn a m b u c o e o m ais r e p a r ta
p e lo s c a b o s , o f ic ia is e s o ld a d o s c o m o d is p õ e o R e g im e n to d a s
limpeza da região através da expulsão e eliminação das tribos, permitia
F ro n te ira s .9
a redução dos sobreviventes ao cativeiro. Parte dos elementos apresados
eram mantidos nos contingentes sob o domínio dos bandeirantes que
empreendiam a conquista. Além de peças militares, eram os índios Tudo indica que o tráfico de índios do Piauí para outras localida­
que praticavam a agricultura de subsistência para o terço. Outra parcela des brasileiras foi bastante expressivo. Levando-se em conta que, ao
dos índios apresados era comercializada em outras capitanias para o findar o século XVII, as bacias do Canindé, Itaim-açu, Itaueira, Maratoã
trabalho na lavoura. O tráfico de peças do sertão foi, nos séculos XVII e Gurgéia achavam-se conquistadas e povoadas, conclui-se que grande
e XVIII, empreendimento bastante lucrativo. As irregularidades no quantidade de índios havia sido escravizada. Como dos 438 habitantes
abastecimento e o alto preço do negro abriam perspectivas para o tráfico das fazendas, naquela época, apenas 64 eram nativos, fica claro que os
de índios capturados. No Pará, por exemplo, diz Vicente Salles que: demais apresados foram traficados. A participação de vinte mulheres
indígenas, entre esses 14,75% da população, demonstra que na sua
grande maioria os elementos masculinos retirados de suas tribos saíam
As cham adas p e ç a s d o s e r tã o era m o fe re c id a s aos lav rad o res p o r p reço s
irrisórios, c o m p a r a tiv a m e n te ao p re ç o d o escrav o a fric a n o im p o rta d o do Piauí.
d ir e ta m e n te ... O e sc ra v o n e g ro , im p o r ta d o p e lo e s ta n c o d e 1682, Passada a fase do devassamento, teve continuidade o estado de
c u s ta v a 100 m il ré is , e n q u a n to o in d íg e n a e ra v e n d id o a 30 m il ré is e guerra entre colonos e ameríndios. Apesar das manifestações dos jesuí­
a in d a havia lu c ro d e q u a tr o c e n to s p o r c e n to p a ra a d m in is tra ç ã o d a tas, objetivando proteger as tribos, bem como das proibições régias ao
fa z e n d a real n a c o ló n ia .7 cativeiro dos índios, as entradas preadoras tiveram prosseguimento,
intensificando-se após a expulsão da Companhia de Jesus. Já em 1763,
Embora apontassem restrições ao trabalho do índio, os colonos o governador João Pereira Caídas promoveu campanha contra os
de baixa renda geralmente envolvidos com atividades de subsistência Acaroás, Gueguês e Timbiras, que habitavam a região fronteiriça da
obrigavam-se a comprá-los. Capitania.10 Em 1777, forte expedição militar, sob o comando do
Sousa Gayoso afirma que, no Maranhão, o preço de escravos tenente-coronel João do Rêgo Castelo Branco, empreendeu guerra aos
atingiu o nível mais alto de toda a América.8 Mas não eram só as capita-
9 P O R T U G A L . G o v ern o . C a rta -R é g ia d e 1708. In: S O B R IN H O , B a ib o sa L im a .
7 Ib id ., p.13-14. D e v a s s a m e n to d o P ia u í. v. 2 5 5 , sé rie 5a, p. 116.
8 SO U S A . G ayoso, R a im u n d o J o s é d e . C o m p ê n d i o h i s tó r i c o - p o l ít ic o d o s 10 P E R E IR A D A C O S T A , C r o n o lo g ia h is tó r i c a d o E s ta d o d o P ia u í. R io d e
p r in c íp io s d a lavoura d o M a r a n h ã o . R io d e Ja n e iro : L iv ro s d o M u n d o , 1970. p. 208. J a n e iro : A rte n o v a . v. 1 p . 1 5 6 -157.

116 1 17
!f
1 T Á N Y A M A R IA P IR E S B R A N D Ã O O E S C R A V O N A F O R M A Ç Ã O S O C IA L D O P IA U Í

Rínenteiras.11 Em 1797 foi a vez dos Gamelas sofrerem aos ataque Rauí, Durão preocupou-se a pronto de questionar como podiam subsistir
dos colonos.112 os que alí se encontraram. O mesmo aconteceu com o capitão Francisco
Tinham cunho oficial essas expedições militares. O grosso de Iropes de Sousa:
suas tropas era formado pelos próprios índios, cujos conhecimentos da
região e habilidades guerreiras foram aproveitadas. Alguns desses che­ N ã o h á p la n ta ç õ e s para o s u s t e n t o d o s índios... não há co n d iç õ e s... não
garam inclusive a receber uma forma de patente que os constituía sei c o m o e s te s p o b re s ín d io s se h ã o d e su sten tar, e n q u a n to não tiv erem
Capitães, Alferes e Ajudantes.13 Informa um contemporâneo que “os p la n ta s c a p a z e s d e c o m e re m , s e m p r e dispersos e m d ilig ê n c ia a serviço
índios são sem questão alguma os melhores soldados para estas d o t e n e n t e c o ro n e l... 16
diligências.”141
5
Os sobreviventes, conforme informa a vasta documentação do Depoimentos contemporâneos permitem que se conheça o
período, tinham destinos variados. Alguns eram levados para as aldeias, comportamento dos índios aldeados. I m deles referente aos índios
outros, os mais rebeldes eram encaminhados para os mercados de escra­ denuncia que:
vos. As mulheres, e principalmente crianças, podiam ser distribuídas
entre os habitantes das fazendas e vilas. M u ito s d o s ín d io s c h a m a d o s J a ic ó s , os quais foram a ld ead o s h á p e rto
As aldeias, até o início da década de 1760, conhecidas como d e q u a re n ta , s e n d o já ho je tão p rático s e civilizados na lín g u a e co stu m es
missões, eram dirigidas pelos jesuítas. C.R. Boxer descreve-as de d o s p o r tu g u e s e s q u e d e s te s s e n ã o diferem m ais d o q u e na falta d e
maneira interessante: o b e d iê n c ia ... p o r n ã o fa z e re m ro ças, n e m o u tro n e n h u m serv iço q u e
lh e se ja ú til p a ra a s u b s is tê n c ia d e v id a, a maior p a rte d o an o vivem no
m a to , r o u b a n d o e m a ta n d o m u ito g a d o de várias fa z e n d a s d a m esm a
(...) A sse m e lh a v a m -se a o rfa n a to s o u in te rn a to s d irig id o s p o r s a c e rd o te s c a p ita n ia . 17
r ig id a m e n te p u rita n o s , e m b o ra p ie d o so s. E , im p o n d o id é ia s e u ro p é ra s,
ta is c o m o a d e v e s tir o s in te r n o s , os m issio n á rio s fiz e ra m m a is m al d o
q u e b e m aos s e u s p r o te g id o s . ,s Sobre o mesmo problema, tem idêntica opinião o ouvidor Morais
Du ião:

Depois da saída dos padres, essas missões foram transformadas


em estabelecimentos oficiais. Submetidos ao regime de escravidão, A o m e s m o te m p o e m q u e s e iam d o m e stic a n d o , já p o r força ou p o r
embora disfarçada, os índios não apresentaram aumento quantitativo. a r te , m u ito s ín d io s q u e fa z ia m u m a v id a m u ito livre e m u ito b ru ta l,
p o r to d o o g ê n e ro d e v ícios la p id a m seg u n d o os se u s a n tig o s vícios e
As condições oferecidas nas aldeias eram péssimas. Quando esteve no
c o s tu m e s q u e n u n c a la rg a ra m .18

11 P IA U Í. G o v e rn o . D o c u m e n to d e 2 6 .1 0 .1 7 7 7 , L iv ro 7. A rq u iv o P ú b lic o d o A população nativa declinou em ritmo acelerado durante o século


E s ta d o d o Piauí. XVIII, vitimada pela guerra, doenças e pelo próprio regime a que foi
12 P IA U Í. G o v e rn o . D o c u m e n to d e 1 5 .0 3 .1 7 9 7 , L iv ro 8. A rq u iv o P ú b lic o d o
E s ta d o d o P iauí.
16 R e la tó rio d o P iau í d e 2 4 .1 0 .1 7 7 8 - L ivro 11. p. 4 7 /4 8 . A rquivo P ú b lico d o
13 P IA U Í. G o v e rn o . D o c u m e n to d e 1 5 .0 5 .1 7 7 3 , p o r G o n ç a lo B o te lh o n o E s ta d o d o Piauí.
p e río d o d e 1 7 7 0 /1 7 8 1 , L iv ro 2 3 , p . 19 -2 0 . A rquivo P ú b lic o d o E s ta d o d o P iauí.
17 P IA U Í. G o v e rn o . C a rta d a ta d a d e 11.06.1771, e x p e d id a à S e c re ta ria do
14 P IA U Í. G o v ern o . O fíc io d e 2 4 .0 4 .1 7 8 2 , c o rre s p o n d e n d o ao p e río d o d e 1 7 7 8 / E s ta d o , N e g ó c io s e M a rin h a , L ivro 22. A rq u iv o P úblico d o E sta d o d o Piauí.
1 7 8 2 . L iv ro 3 3 , A rq u iv o P ú b lic o d o E s ta d o d o Piauí.
18 D U R Ã O , A n tô n io Jo s é d e M o rais. D escrição d a c a p ita n ia d e São Jo sé do
15 B O X E R . A id a d e d o o u r o d o B rasil: d o re s d e c re s c im e n to d e u m a so c ie d a d e P iau í — 1 772. In : M O rl'T . D e scrição d a c a p ita n ia d e São José do P iau í — 1 772, R e v ista
c o lo n ial. 2 a e d . S ão fe u lo : N a c io n a l, 1969. p. 43. d e H is t ó r ia . n° 112. 1 9 7 7 , p. 565.

118 119
T a n y a M a r ia P ir e s b r a n d ã o O E S C R A V O N A F O R M A Ç Ã O S O C I A L D O P IA U Í

submetida. A maioria das tribos ainda não pacificadas achavam-se na correspondendo à metade daquela cota exigida aos fazendeiros. A
capitania do Maranhão. No censo de 1762, embora a população do hipótese de que há equivalência entre os termos negros, fábricas e
Piauí esteja distribuída pelo aspecto racial, consta apenas os índios escravos se confirma quando no documento esses pertenciam a um
aldeados em Jaicós e São João. Pelo destaque dado. entende-se serem senhor que se vai obrigado ao pagamento da respectiva contribuição.
esse os únicos entre os moradores da região conquistada. Dez anos No entanto, é na Descrição do Certão do Piauí, primeiro censo
depois, quando fez o levantamento geral dos habitantes do Piauí. Durão da população, que se observa a sinonímia entre negro e escravo. Parte
deixou de incluí-los no mapa por achar que não prometiam aumento. da população, a livre, foi identificada como ser humano, enquanto que
Relacionou apenas os 1.131 que figuravam entre os habitantes das outra, a grande maioria, foi coisificada, animalizada: “em cada húa
vilas e fazendas. E provável que esse número seja resultado das campa­ (fazenda) vive hu homem com hum negro e em alguas se achão mais
nhas realizadas entre os anos dos censos. No arrolamento de 1797, negros.”20 Outra observação interessante nesse sentido: ao redigir o
também não foram incluídos entre os moradores, nem mesmo foi feita documento, o autor mencionou a condição social de escravo apenas
qualquer observação sobre o assunto. No entanto, é possível que, ao quando esse exercia as funções de vaqueirice:
findar o século XVIII, ainda existissem tribos em seu estado natural
no território piauiense. A atitude dos recenseados em não mencioná- E sse ria c h in h o (d o B o ety d e o p rim " . q u e d a p .” d o sul e n tra n o C a n in d é
los talvez se explique pela dificuldade de registrá-las. j u n t o d e s u a C a b e c e ira te m h u a só faz.1**de E g o as, e s tá n e lla h u n e g ro
Estudar a sociedade piauiense nos primeiros séculos de sua e sc ra v o , d o c a p p .m D.°* A ffo n so C e rtã o , S°r d a d.* fa z e n d a e s t e n e g ro s e
formação impiica em se verificar as principais características dos c h a m a F ran c00. h e c a z a d o c o m h u a h in d ia d e q .my em 5 filh as, h e n e g ro
escravos que a constituíam, uma vez que, no contexto social, foram d e c o n ta e s e m b r.“ a d â da razenda (sic) a seu S°r. 21
sempre expressivos desde a primeira fase do povoamento do Piauí.
As principais fontes históricas relativas à segunda metade do Vale ressaltar que, referindo-se aos administradores das fazendas,
século XVTI são de autoria do Pe. Miguel de Carvalho, que visitou o 0 citado jesuíta não especificou a tonalidade de suas peles, salvo quando
Piauí na década de 90 com o objetivo de criar a primeira freguesia da os mesmos eram escravos. Em contrapartida, quando identifica os
região. Nesses documentos, observa-se que os termos negros e fábricas fábricas teve o cuidado de registrar se os mesmos eram negros, mestiços
foram utilizados como sinónimos de escravos. Veja-se, por exemplo, o ou indígenas, sem contudo tratá-los pelo nome: “a segunda (fazenda)
Termo de Obrigação dos Moradores para com a recém criada freguesia se chama Boqueirão está nella Manoel Alves com 3 negros...”22
de Nossa Senhora da Vitória: De acordo com as informações do Pe. Miguel, a distribuição dos
habitantes do Piauí em 1697 era da maneira descrita no quadro n2
O u tr o sim d iç e rã o q u e p o r e s t e s e o b rig av ão to d o s a p a g a re m aos R.*1" 1 l.Tomando-se por base a interpretação do documento feita acima,
c u ra s as p ro ço is o rd in á ria s q . a t e ag o ra p ag av ão aos d a M a tr is d a conclui-se qué 280 habitantes achavam-se sob o regime escravo,
C o n c e iç ã o d o R o d e lla , a s a b e r c a d a m o rad o r, d o is m il rs. e os S .'“ d e correspondendo a 64,51% do total. Entre esses, a maior percentagem,
fa z e n d a s p ela p a r te d o s s e u s n e g ro s e p e ila fa b ric a d e s to s to is .19 74,28%, refere-se aos negros, seguidos dos indígenas, que perfaziam
22,85% dos escravos.
A grande disparidade entre as cotas fixadas indica a condição
social dos contribuintes. Por cada escravo deveriam ser pagos l$000rs,
2 0 C A R V A L H O , D e sc riç ã o d e c e rtã o d o PSauhy re m e tid a ao Ilm ° e R m ° S °
Frei F rancisco d e L im a , B isp o d e F tm a m b u c o . In: F N N E S , o p . c it., p . 373.
19 CARVALHO, F* M ig u e l d e . T e rm o d e o b rig ação d o s m o ra d o re s. In: E N N E S ,
E rn e sto . A s g u e rra s n o s p a lm a re s : su b s íd io s p a ra a su a h is tó ria , v. 1, sé rie 5*, v. 127, 21 Ib id ., p . 3 8 1 .
1938, p. 366. 2 2 I b id ., p . 3 7 3 .

121
' ’ ' • * t à n y a M a r ia p i r e s b r a n d ã o O E S C R A V O N A F O R M A Ç Ã O S O C I A L D O P IA U Í

/ i> Miguel de Carvalho, que visitou o Piauí na década de 90 com o buídos nas zonas rural e urbana da capitania. Em 1762, foram idcniifte
objetivo de criar a primeira freguesia da região, nesse documento. obser­ cados. pela primeira vez. os escravos residentes em vilas e cidades
va que os termos negros e fábricas foram utilizados como sinónimos existentes. Correspondiam a 5,35% do rotal da população, retirados os
de escravos. Veja-se, por exemplo, o Termo de Obrigação dos Moradores indígenas aldeados. Entre os habitantes desses centros populacionais,
para com a recém-criada freguesia de Nossa Senhora da Vitória. a camada cativa compreendia 37.37% do total.
Havendo nesse período apenas vida rural, a distribuição por A maior concentração ocorria em Oeiras, única cidade e sede dó
fazenda era na ordem de 1,19 pessoa livre por unidade produtora, governo, onde estavam 465 dos 642 escravos urbanos da capitania. A
enquanto que a média de escravo ficava em çomo de 2,17. Embora vila de Pamaguá era possuidora da mais alta taxa de cativos. Viviam
com pequena vantagem, a região banhada pelo rio Gurguéia e seus escravizados 61,86% do total de seus moradores. Em Marvão, apenas
afluentes destaca-se com um maior número de homens livres. Mesmo 13.85% dos habitantes achavam-se na mesma condição.
assim, há um negro para cada fazenda. Pela tonalidade de seus escravos, A média de habitantes por casa na zona urbana, em toda a
conclui-se serem importados, pois não contavam com índios nem capitania, era 4.2 pessoas, sendo que, para cada fogo, havia 1,6 escravos.
mestiços. Em compensação, na bacia do Canindé onde estava o maior
A distribuição por residência, nas sete freguesias, pode ser observada
número de fazendas, havia uma média de 2,33 escravos para cada
no Quadro 7 deste trabalho, onde se verifica que Jerumenha apresenta­
unidade. (Veja o quadro n2 12 no final do capítulo) va a maior taxa com relação às pessoas livres, mas é em Piracuruca que
Conforme observações feitas ao levantamento da população em existe quantidade maior de escravo por residência.
1697, o elemento feminino da sociedade é basicamente escravo. Pelo
Na década de 60 do século XVIII, a maioria dos habitantes do
tratamento diferenciado dispensado a D. Mariana Cabral, esposa de Piauí residia na zona rural, como demonstram os quadros demográficos
Domingos de Aguiar, “unico homem bi*0. que ha cazado nesta nova que fazem parte deste trabalho. Retirando-se os 691 indígenas na zona
frequezia,”23conclui-se que a mesma era a única mulher livre da região.
pecuarista propriamente dita, isto é, nas fazendas e sírios estavam
Entre as 31 outras restantes, sete eram negras, uma cabocla, duas
10.275 pessoas, logo, 85% de todos os habitantes da Capitania.
mestiças,24 uma mulata e vinte indígenas.
O contingente de pessoas livres, nos anos sessenta do século
O desequilíbrio entre a quantidade de homens e mulheres se
XVIII, mantêm-se superior ao de pessoas escravizadas, mesmo quando
deve às próprias características do povoamento sertanejo. Em geral, o
se subtraem os índios aldeados mencionados por João Pereira Caídas.
colono emigrava para o sertão sem a família em face das condições de Esse fato será analisado posteriormente nesse trabalho, objetivando
viagem e a insegurança de vida própria da região. O dado mais interes­
verificar o papel do escravo na formação social piauiense. Convém, no
sante diz respeito ao predomínio das indígenas, justificado pelo fato
entanto, que seja lembrado o rápido aumento populacional ocorrido
de que a importação de negras implicaria o desvio dos recursos reserva­
na primeira metade do séculoXVIII, ocasionando alterações no quadro
dos à compra de peças masculinas mais aptas ao trabalho das fazendas.
social do Piauí. Ressalte-se ainda que, como ficou demonstrado anteri-
A preferência pela nativa pode ser explicado pela facilidade de captura
ormente, entre fazendeiros e escravos existia uma camada social
e o baixo preço no mercado colonial. intermediária, onde foram enquadrados os agregados, que eram ele­
Quando o primeiro governador, João Pereira Caídas, recenseou mentos livres não engajados em atividades económicas locais.
a população piauiense, em 1762, achava-se a mesma disposta de acordo
Retomando-se a análise das informações referentes ao ano de
com o quadro n2 13. Como se observa, os habitantes achavam-se distri- 1762, verifica-se que na zona rural da Capitania existiam 1.579 fogos
distribuídos entre as 536 fazendas, numa média de 2,9. A massa escrava,
2 3 Ib id ., p . 3 7 9 . compreendendo 4.002 almas, correspondia a 2,5 por casa e 7,4 por
2 4 F b r m e s tiç o fic a s u b e n t e n d id o a q u e le s p r o v e n ie n te s d o c r u z a m e n to d e fazenda. Vale ressaltar que o índice de escravos era superior; tendo em
raças n ã o id e n tific a d a s .

122
T a n y a M a r ia p ir e s b r a n d ã o O E S C R A V O N A F O R M A Ç Ã O S O C I A L D O P IA U Í

vista que, nos números referentes à população e fogos, acham-se como foi dito anteriormente. a economia piauiense enfrentou uma
incluídos os 691 indígenas e os 58 fogos das aldeias de Jaicós e São crise muito forte. Devido a esse fato. é provável que as importações
João de Sende, localizadas na freguesia de Oeiras. de braços cativos não acompanhassem o ritmo do período anterior
A freguesia onde se encontrava o maior índice de pessoas livres Dessa forma, comparando-se os dados populacionais, verifica-se que,
habitando a zona rural era a de Piracuruca. com uma taxa de 74,37% em 1797, Jerumenha tinha a menos de 6.1% de escravos do que no
de seus 2.349 habitantes, com 7,16 escravos por fazenda. O menor ano de 1762; Valença apresentou uma quebra de 13.3% no mesmo
percentual ficava em Pamaguá. Entretanto, para cada fazenda dessa período; em Oeiras a diferença nas taxas foi de 10%; em Campo Maior
freguesia, havia em média 10,5 escravos acima da média geral da a queda no índice foi a mais baixa apresentada, correspondeu a 1.1%.
Capitania, que era de 7.50 cativos por unidade produtora. Segundo o levantamento parcial da população no ano de 1797,
Como o censo de 1797 não traz as mesmas informações contidas o percentual correspondente às pessoas brancas era da ordem de
naquele elaborado em 1762. toma-se difícil verificar a evolução do 16,44%. Demonstra esse dado um possível declínio na quantidade
quadro demográfico de forma mais ampla. Em 1762, o governador desses habitantes que em 1697 a taxa era de 35,48%. Tudo leva a crer
preocupou-se com as fazendas e vilas, observando a quantidade de que a maior quantidade de habitantes livres, 32,19% da população
fogos, pessoas livres e escravas existentes nos dois setores. Já com identificada, era mulata. Esse dado é perfeitamente compreensível,
relação a 1797, os dados referem-se à população livre e escrava quanto tendo em vista que esses mestiços compunham o grosso da população
ao grupo racial de apenas 6 a 8 freguesias existentes na Capitania. maiginalizada social e economicamente na Colónia. Observa-se ainda
Contudo, é possível observar-se alguns aspectos da dinâmica popula­ que os pretos tinham uma participação modesta entre os livres idcntifi
cional desses trinta e cinco anos processada em Campo Maior, Jerume- cados, o índice de 7,0% aproximadamente. A maioria dos negros, pois,
nha, Oeiras, Parnaíba, Piracuruca e Valença. (Veja quadro 14 no final se achava sob o regime do cativeiro, correspondia à maior parcela dos
do capítulo) escravos no Piauí, isto é, 21,9% de todos os habitantes constantes no
Um aspecto digno de nota no documento de 1797 é a ausência Quadro 14. Entre os cativos, os mulatos eram os mais reduzidos, ficando
de indígenas entre os habitantes do Piauí. Nas cinco freguesias, cujos em tomo de 5%.
dados estão completos, ocorreu aumento da população livre nas três Alguns outros dados que possam oferecer maiores detalhes sobre
últimas décadas do século XVTII. Este fato pode significar que a taxa as características do escravo no Piauí são encontrados nos inventários.
de natalidade entre os habitantes livres era mais alta, ou que os escravos Com esse objetivo, analisou-se uma amostragem aleatória do distrito
morriam mais cedo. O número de livres também pode ter acrescido de Campo Maior, região típica do Piauí setecentista, onde se desenvol­
devido à participação do alforriado. Vale ressaltar que o aumento geral via a pecuária extensiva e escravista e cuja produção se destinava aos
da população foi muito grande entre 1762e 1797, passando de 12.684 mercados coloniais. Sua agricultura também não fugia dos parâmetros
pessoas para um total de 51.263, o que significa uma taxa de cresci­ da regional. Além da mandioca, feijão, milho, arroz para o consumo
mento na ordem de 304.15%. local, algumas moendas extraíam da cana a cachaça e a sacarose, consu­
O fato de a maioria dos novos habitantes identificados em 1797 midas nas fazendas, sítios e vilas.
ser de pessoas livres, por si só não indica declínio da população escrava. A sede administrativa do distrito, que Durão descreve como
Ocorre que os primeiros podiam se locomover espontaneamente de semelhante às povoações do Reino, com mais possibilidade de vir a
região para região da colónia em busca de melhorias. Quanto aos ser uma cidade do que a própria capital Oeiras. nem qualquer outra
escravos que chegavam, estavam ligados às necessidades dos senhores oficina pública. A evolução do quadro demográfico de Campo Maior
proprietários que os compravam e os transferiam para seus currais. assemelha-se ao da Capitania. Entre 1762 a 1797, a população do
Convém esclarecer que na segunda metade do século XVIII, distrito cresceu de 1.897 para 8.302 habitantes, o que significa uma
taxa de 344,6%. Conquan to a popu lação livre tenha aumentado 351,9%.

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qç. esçr^vos de Campo Maior; em 1797, apresentavam uma taxa de algum como escravo, confirmando-se a informação do último censo do
crescimento na ordem de 330%. séculoXVIII. Se havia nativos trabalhando em currais, não se achavam
t . Como a população em geral da Capitania, os moradores do distri­ legalmente sob regime do cativeiro.
to campomaiorense distribuíam-se pelas zonas urbanas e rural, concen­ I ma das principais características da população escrava analisada
trando-se em maior quantidade nas fazendas e sítios. E lamentável é a superioridade, em termos de quantidade, dos elementos do sexo
que os censos populacionais consultados não ofereçam dados suficien­ masculino, que correspondia a 62,2%. Característica não apenas do
tes, de forma a permitir que seja verificada com maior amplitude a contingente de escravos analisado, mas da população piauiense desde
dinâmica de sua população. o século XVII, quando o percentual referente ao elemento feminino
Em sessenta e hum inventários registrados no Cartório do l 2 era de 4,6%. Quando, em 1772, Durão elaborou o Mapa Geral da
Ofício da cidade de Campo Maior nas quatro últimas décadas do século Capitania do Piauí existiam 10.669 homens e 8.522 mulheres, entre
XVIII, foram declarados 389 escravos. Logo, para cada proprietário brancos, vermelhos, pretos e mestiços. A maior incidência de homens
havia uma média de 6,3 cativos. Entretanto, a quantidade de escravos escravos explica-se provavelmente pelo tipo de atividade desenvolvida
que fazia parte do património do senhor variava bastante. Talvez e a rústica vida do sertão, onde o elemento escravo importado não
estivesse relacionada com o tamanho do rebanho de cada curral ou a poderia se limitar aos serviços domésticos.
extensão das terras cultivadas ou ainda com o poder aquisitivo do De acordo com as declarações dos inventariantes, a população
proprietário. escrava, nesse período, era bastante jovem. Em ambos os sexos
• Entre os inventariados, destacou-se Izabel de Castelo Branco predominava a faixa etária de 0 a 49 anos. Interessante observar que,
connlo a maior proprietária de cativos. Ao falecer; possuía 39 escravos, enquanto os homens atingiam uma idade mais avançada, 7,0%
6.000 cabeças de gado vacum, 804 cavalares, 40 ovelhas e 16 cabras.2S achavam-se com mais de sessenta anos; o índice de mulheres a partir
Logo em seguida, estava Ana Maria de Jesus que possuía 36 cativos, dos cinquenta anos declinava bruscamente, chegando a zero entre os
3.106 gados bovinos, 54 cavalares.26 Nas propriedades das duas culti­ que tinham mais de sessenta anos. Esse fatp pode ser resultado de
vavam-se cana e mandioca. Apenas quatro inventários não possuíam vários aspectos. Um deles seriam as condições de saúde, no que se
escravos, correspondendo à taxa de 6,5 do total da amostragem. refere à assistência médica. Nesse caso, as mulheres estariam mais
Vale ressaltar que nos inventários foram declarados apenas vulneráveis, em função da maternidade. Poderia ainda reiacionar-se
escravos residentes na zona rural. Se havia algum escravo habitando a aos interesses do próprio fazendeiro, que via as escravas como agentes
zona urbana, não foi mencionado pelos inventariantes. No entanto, é de reposição das peças. Observa-se que, a partir da faixa de 39 anos, o
provável que, pelo fato de não existir o que se poderia chamar número de mulheres cai sensivelmente, coincidindo com o declínio
propriamente vida urbana no Piauí até o século XVIII, os escravos, da sua capacidade de reprodução. É provável ainda que fosse conse­
como a população em geral, ligavam-se ao setor rural. Aqueles que quência das condições de trabalho, ocasionando maior número de
foram identificados pelos recenseadores como escravos das vilas e mortes entre o elemento feminino. No entanto, o declínio na participa­
cidades poderiam ser os domésticos que acompanhavam os senhores ção das mulheres relativamente mais idosas poderia ser reflexo de
em suas temporadas citadinas. alforrias.
Conforme demonstra o quadro n2 15, não foi declarado índio Quanto à nacionalidade, os cativos nascidos no Brasil eram em
maior quantidade. Entre os de nacionalidade identificada, 47,8% do
2 5 In v e n tá rio d a ta d o d e 1 4 .0 9 .1 7 7 6 , no C a rtó rio d o I o O fíc io d a c id a d e d e
total da amostragem eram brasileiros, crioulos ou mestiços. O interes­
C a m p o M a io r - P iauí. sante, entretanto, é a relação que há entre sexo, idade e nacionalidade.
2 6 In v e n tá rio d a ta d o d e 1 3 .0 8 .1 7 9 9 , no C a rtó rio d o I o O fíc io d a c id a d e d o Na faixa de 0 a 9 anos não foram declarados escravos africanos em
C a m p o M a io r - Piauí. ambos os sexos. Os 79 de nacionalidade conhecida corri essa idade

126 127
T a n y a M a r ia p i r e s b r a n d ã o O E S C R A V O N A F O R M A Ç Ã O S O C I A L D O P IA U Í

eram brasileiros. Entre os mais velhos, entretanto, os africanos são importada através da Bahia é a própria nacionalidade dos cativos
mais numerosos, inclusive, entre as mulheres, cujo contingente era registrados nos inventários. Segundo Donald Píerson:
formado em maior número por brasileiras. Conclui-se, então, que, na
aquisição de escravos africanos, dava-se preferência aos de idade A m aior parte das im portações (baianas) veio de Angola d u ran te a
superior a dez anos. Os de 20 a 39 anos, em ambos os sexos^ tinham últim a p a rte do século XVI e durante o séculoX V II, e de G uiné, nos
vindo da África. Constata-se também que as importações de africanos, séculos XVIII e XIX. Fbr volta de 1710. o fum o baiano estava sendo
em maior escala, eram de homens, já que 76% do total eram do sexo em barcado para a “C osta de Mi na", q ue desde então passou a consti tuir
masculino. (Veja figura n*2 7, que ilustra descendentes de escravos) por mais d e um século um terço da produção baiana.28
No quadro elaborado com base nas informações contidas nos
inventários, 7,9% dos escravos têm nacionalidade desconhecida: Essa Por fim, resta a questão sobre o preço do escravo. Como mostra
taxa toma-se expressiva, uma vez que a amostragem limita-se a 389 o quadro n2 16, o valor do escravo também achava-se relacionado ao
cativos. No entanto, observou-se que entre os africanos tanto os bantos sexo, idade e nacionalidade. No conjunto, era de preço mais alto o
quanto os sudaneses foram trazidos para o Piauí. Relativamente às escravo do sexo masculino na faixa de 10 a 39 anos, o que significa
nações de origem, predominavam os procedentes de Angola, 56,68%, dizer com maior potencial para o trabalho. A diferença em favor do
seguidos pelos Minas, k3,17%, Benguela com 9,75% Guiné, 9,36%, escravo brasileiro homem, verificada no valor médio correspondente
Congos, 36% e Gegê, 2.43%. Havia ainda entre os Mossambiques, as faixas etárias de vinte e de quarenta anos, pode ser resultado de
Rebolos e Cassangue com um percentual de 0,97% cada. Evidente­ uma avaliação superior à média feita a algum escravo mais qualificado
mente, foram computados apenas os indivíduos para os quais constou ou de estimação. É bom lembrar que os dados computados foram
explicitamente a nação de origem, uma vez que alguns entre os retirados das partilhas dos bens pertencentes à família. (Veja quadro
registrados foram identificados como da Costa, de Nação ou 16 no final do capítulo)
simplesmente da África, sem maiores esclarecimentos quanto à região No que diz respeito ao valor médio das escravas, obseiva-se que
de onde precediam. ■ t as de nacionalidade brasileira eram mais caras. Talvez por estarem
É provável que os escravos africanos intiroduzidos no Piauí mais socializadas, tinham preço mais elevado aquelas que se encontra­
tenham sido adquiridos na Bahia e no Maranhão. Maior quantidade, vam entre 20 e 29 anos, o que pode significar capacidade para a
no entanto, deve ter sido importada através da Bahia, visto ser o princi­ reprodução como também para o desenvolvimento de trabalhos
pal porto ancoradouro de navios negreiros no Nordeste. A regularidade pesados.
na oferta e até abundância da mercadoria africana proporcionava certa O valor comercial da jovem escrava brasileira poderia, ainda,
estabilidade no valor do escravo. O preço do negro de angola durante. achar-se relacionado às características sociais do Piauí, que desde o
o século XVIII permaneceu em tomo de 80$000rs, enquanto que os séculoXVII até o final do séculoXVIII, como foi visto, apresentou um
da Costa da Mina custavam porvolta de lOOSOOOrs, cotações inferiores desequilíbrio entre o número de habitantes do sexo feminino e
às do Maranhão.27 Por outro lado, a Bahia foi a mais importante praça masculino. Algumas fontes históricas de autoria de padres e
consumidora do gado piauiense. Era natural que, pelos caminhos por administradores fazem referência à vida desregrada e fora dos princípios
onde passavam as boiadas, entrassem também os escravos. Outro da Igreja católica que levavam os habitantes do Piauí. É provável que
indicador de que a escravaria do Piauí, em maior quantidade, era nessa época acontecesse o mesmo fenômeno que Gayoso denuncia
ocorrer no Maranhão:

2 7 P IE R S O N , D o n a ld . B ra n c o s e p r e t o s n a B a h ia : e s tu d o d e c o n ta c to racial.
2a e d . S ão f t u lo : N acio n al, 1971. p . 116. 2 8 Id . ib id .

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O E S C R A V O N A F O R M A Ç Ã O S O C I A L D O P IA U Í

A m a io r p a r te d e s ta s trê s e s p é c ie s , vive e m hu m a m an ceb ia c o n tin u a d a ,


e o m a is h é q u e h á b ra n c o s q u e p re fe re m e s ta a m iz a d e illic ita c o m VO IO ^ vO
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h u m a m u la ta . n e g ra , o u ín d ia , ao m ais a ju s ta d o c a z a m e n to . O u tr o s h a
q u e já ligados ao e s ta d o m a trim o n ia l, a b a n d o n ã o h u m a m u lh e r fo rm o za.
e q u e m u ita s v e z e s fez a s u a fo rtu n a , p o r h u m a n e g ra , ou m e s tiç a , q u e C
c e r t a m e n t e n ã o m e re c ia a m e n o r p re d ile c ç ã o . ao n e g ro m ais fe io d a ^N
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FONTE: PEREIRA CALDAS. Resumo de todas as pessoas livres e cativas. Fogos e Fazendas da cidade, Villas c Sertões da Capitania de Sío Joié do llaulty.
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F O N T E : Relatório do Presidente da Província do Piauí, 1867 - Dr. Adelino Antônio de Lima FVeire, p. 41.
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134 135
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I 137
T a n y a M a r ia p i r e s b r a n d ã o

apítuloVI
A s M aneiras de Trabalho e as Rendas Económicas do
E scravo no P iauí

Figuras 8 e9
Muro de pedras construído por escravos com material existente na
região. Fazenda abelheiras, município de Campo Maior - Piauí.

138
vi^omo foi exposto em capítulo precedente, a questão sobre o
trabalho na região inreriorana do Nordeste brasileiro vem sendo aborda­
da pela historiografia de forma variada. A primeira e mais tradicional
abordagem historiográfica considera o elemento escravizado desneces­
sário e até impossível de ter existido na pecuária em face da grande
quantidade de braços livres e indígenas disponíveis. Ressaltam, ainda,
os estudiosos que defendem este ponto de vista a dificuldade de fiscali­
zação do trabalhador nos campos do criatório.
Contrapondo-se a essa conclusão, há autores que não apenas
identificam cativos trabalhando nos currais, como também chegam a
supervalorizar sua participação, ao considerar a eliminação da escra­
vatura como fator responsável pelas dificuldades que a economia
regional sofreu no final do século XIX e início do seguinte. Entre uma
e outra dessas interpretações, encontra-se a tese mais moderada que

iw
afirma terem coexistido trabalho livre e escravo na região pastoril do
sertão.
Durante os séculos XVII e XVIII, no Piauí, área pecuarista por
excelência, o regime escravista foi dominante, embora tenham existido
diversas formas de trabalho, desde o livre até o compulsório. Assim
como são identificados os passadores, tropeiros, boiadeiros que trans­
portavam as reses até as feiras contratados por jornadas, e os vaqueiros
que sob a forma de parceria administravam as fazendas, também os
escravos são utilizados desde a fase da conquista.
No primeiro momento da história do Piauí, quando vigoraram
dois tipos de economia, podem ser identificados três tipos de escravos:
o índio, o negro e o mestiço. O primeiro, utilizado na economia
predatória, durante o devassamento da área, exercia as funções de
T a n y a M a r ia p i r e s B r a n d ã o O E S C R A V O N A F O R M A Ç Ã O S O C I A L D O P IA U Í

guia e peça militai; tinha, nos arraiais, o encargo de cultivar gêneros Entretanto, deixando de lado o aspecto quantitativo da composi­
alimentícios necessários à subsistência do terço sertanista. ção social, convém esclarecer que a existência da escravidão como
Concomitantemente à conquista, instalou-se a pecuária, instituição jurídica numa determinada sociedade, automaticamente,
organizando-se desde cedo de forma definitiva. Surgiram as primeiras faz com que se divida esta em homens livres e escravos, distinguindo-
fazendas estruturadas como propriedade e a organização do trabalho se as duas camadas em muitos aspectos. Além do comportamento
foi definida logo de início. Percebe-se. através da descrição feita por diferenciado, compete a cada uma das categorias funções também
Pe. Miguei de Carvalho, analisada no capítulo 5 deste estudo, que. já distintas. Nas sociedades escravistas, o elemento livre e principalmente
na segunda metade do século XVII, o escravo foi utilizado de forma o proprietário de escravos não se incumbiam de trabalhos pesados,
expressiva. Suas funções, na ocasião, variavam de vaqueiro a auxiliar considerados degradantes. Por outro lado, o cativo, antes de ser visto
de vaqueiro; conquanto entre os que se dedicavam ao tratamento do como pessoa — já que não era considerado cidadão colonial — era
gado e o cultivo do arroz, feijão, mandioca e algumas frutas consumidas propriedade de um senhor. Representava, pois, capital, que deveria,
nas fazendas e sítios, foi observada a presença marcante de negros. de preferência, gerar lucros. No mínimo tais elementos teriam de
Embora com participação modesta, os índios também faziam produzir o correspondente ao seu valor; pago antecipadamente, somado
parte do contingente populacional das unidades produtoras. A mulher aos custos de sua manutenção. Nesse contexto, homens livres, proprie­
escravizada correspondia à quase totalidade do elemento feminino da tários ou não da força de trabalho, juntamente com os escravos, partici­
região ocupada pela pecuária, isto é, 96,8%. Competia a ela os trabalhos pavam diretamente do processo de produção, mas há de se ressaltar o
domésticos, incluindo-se o papel de companheira e algumas das papel do escravo como elemento produtivo.
atividades agrícolas. Vale ressaltar que nesse contingente predominou Como nas demais regiões do Brasil Colónia, no Piauí também
a nativa, já que correspondia a 62,5% dos habitantes nas rústicas propri­ vigorou o modo de produção escravista, que significou um sistema de
edades do Piauí seiscentista. produção social tendo por base o trabalho escravo. Tomando a definição
A importância do trabalho escravo até o final do século XVII é de um modo de produção pelas relações soejais de produção, Décio
facilmente observada na distribuição dos moradores pelas fazendas e Freitas afirma que a produção escravista era fundamental, mesmo nas
na composição social dos mesmos. Em apenas três das 129 fazendas circunstâncias de o produto obtido destinar-se ao mercado interno.1
residia o vaqueiro sozinho, enquanto que 48% dessas habitavam o Assimilando essa psicologia escravista, os fazendeiros do Piauí
vaqueiro e três escravos. Mas, foi o próprio Mafrense que, informado adotaram o regime de trabalho escravo, fato que não passou desperce­
das necessidades de uma fazenda, nivelou o escravo aos instrumentos bido ao autor do Roteiro do Maranhão a Goiás pela Capitania do Piauí.
agrícolas e gados que deveriam ser fornecidos aos vaqueiros. “ Era cada huma fazenda destas, não se ocupão mas de dez, ou doze
A predominância dos negros entre os cativos, já que 109 fazendas escravos, e na falta delles os mulatos, mistiços, e pretos forros raça
abrigavam esse tipo de escravo, pode ser explicada pela própria que adundão os Sertões.”1 2
dificuldade de adaptação do indígena ao trabalho sistemático em seu A preferência pelo trabalho escravo nas fazendas resultou ainda
habitat. Daí talvez porque entre os 64 indígenas apenas 44, das características da população livre disponível existente na Capitania,
correspondendo a 10,1% da população geral, eram do sexo masculino, que, segundo informação do mesmo visitante, autor do documento
naturalmente mais rebeldes que as índias.
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Em meados do século XVIII o quadro demográfico do Piauí


1 F R E IT A S . E s c ra v o s e s e n h o r e s d e esc ra v o s. F brto A legre: U n iv ersid ad e
apresenta alterações que podem induzir o pesquisador a questionar S u p e r io r d e T e c n o lo g ia São L o u re n ç o d e B rin d es, U n iv ersid ad e d e C axias d o Sul, 1977,
sobre o papel do trabalho escravo. Na verdade, conforme análise feita p . 19.
no capítulo anterior, verifica-se a superioridade do número de 2 R o te iro d o M a ra n h ã o a G oiaz p e la C a p ita n ia d o Piauí. In: R e v is ta T rim e s tra l
habitantes livres, sobre o número de escravizados. d o I n s t i t u t o H is tó r ic o , to m o X L 1I, PI p. 88.

142
T a n y a M a r ia P ir e s b r a n d ã o O E S C R A V O N A F O R M A Ç Ã O S O C I A L D O P IA U Í

anteriormente mencionado, vivia “ociosa e inúril pela aversão que tem Como não havia nesses núcleos urbanos qualquer tipo de presta­
ao trabalho da Agricultura.”3Aguardavam esses habitantes o suigimento ção de serviço, o trabalho dos escravos límitava-se ao setor doméstico.
de uma vaga para vaqueiro. Isto porque “vaqueiro, creador, ou homem Nem os escravos de ganho, comumente encontrados nas cidades brasi­
de fazenda são títulos honoríficos entre eles, e sinónimo, com que se leiras de outras regiões, eram vistos nas vilas e cidades do Piauí.
distinguem aqueles a cujo cargo está a administração e economia das Maior desempenho teve o escravo na zona rural piauiense ou
fazendas.”4 nos sítios e fazendas da periferia dos centros urbanos. Nesses últimos,
No Piauí do século XVIII. apenas a vaqueirice era compatível além da criação de gado, eram cultivados alguns gêneros agrícolas, como
com o homem livre. Além desse aspecto, havia probabilidade de edifica­ cana, para obtenção do açúcar; rapadura e cachaça. É provável que
ção de fazendas próprias onde poderiam “aplicar com proveito hum principalmente as unidades produtoras mais próximas das sedes dos
maior número de escravos.”5 O espírito escravista, portanto, também distritos destinassem parte de sua produção para o mercado urbano. A
era comum entre os vagabundos e marginalizados social e economi­ tarefa dos cativos nas fazendas e sítios seria a agricultura, o pastoreio
camente. do gado na limitada área da propriedade e os serviços domésticos.
Enquanto não vagava o cargo de vaqueiro nas fazendas existen­ Era, entretanto, nas fazendas de criar que se instalavam a maioria
tes, por morte ou desistência daquele que exercia a função, ou enquan­ dos escravos do Piauí. Como foi demonstrado no capítulo anterioi; havia
to não surgissem novas oportunidades com a edificação de outros uma média de 19,1 pessoas para cada fazenda, sendo que os escravos
currais, mantinha-se‘ esse grupo de moradores como agregados das dividiam-se na proporção de 7,4 para cada unidade produtora. Também
fazendas. Segundo Durão, tais elementos não exerciam qualquer ativi­ aqui cabe a observação de que os números, por si sós, não representam
dade económica, fazendo parte do que se pode chamar de clientela claramente o quadro.
dos proprietários, eram especializados em executar ações de violência: Descrevendo o Piauí em 1772, o Ouvidor Geral indicou as pes­
matar, principalmente, e defender a família do proprietário. soas que se envolviam no trabalho das fazendas: eram os proprietários
Como se pode observar, os homens do Piauí até o século XVIII, e seus familiares, os feitores, vaqueiros, fábricas e agregados. Partindo
quando não se engajavam como administradores de uma fazenda, trans­ desse ponto, pode-se observar o caráter do trabalho efetivado por cada
formavam-se no que atualmente é chamado de c a p a n g a de um senhor. um dos elementos, a fim de defini-lo como trabalho produtivo e não-
As demais atividades económicas eram realizadas por escravos. Deixa, produtivo.
portanto, de servir como argumento que nega a importância da mão- Tomando-se o conceito de Oskar Lange para trabalho produtivo,
de-obra cativa no Piauí o índice relativamente inferior de escravos entre isto é, “aquele que cria os objetos materiais”,6 pergunta-se: que bens
os habitantes da Capitania. ou produtos criavam os fazendeiros, vaqueiros, feitores e agregados? É
Na zona urbana do Piauí, na década de 60 do séculoXVIII, havia óbvio que suas atividades satisfaziam necessidades básicas no desenvol­
em média 4,2 pessoas para cada casa. A divisão de 1,6 escravos para vimento das fazendas, entretanto, não criavam bens, produtos. Por
cada residência pode ser considerada até relevante, tendo em vista as isso, adaptavam-se a elas o conceito que o mesmo autor deu ao trabalho
condições da vida urbana piauiense nessa época. Oeiras, depois de não-produtivo que também chama de serviços. Para Lange. “todas as
uma década como cidade sede da administração da Capitania, de cidade atividades relacionadas direta ou indiretamente com a satisfação das
só gozava o nome, nas palavras de Durão. necessidades humanas, mas que não servem diretamente à criação de
objetos, são chamadas serviços.”7

3 Ib id .. p. 69. 6 L A N G E . O skar. M o d e r n a e c o n o m i a p o lí ti c a . R io d e Ja n e iro : F u n d o d e


4 Id. ibid. C u ltu ra , 1 9 6 7 . p . 18.
5 Id. ibid. 7 Id . ib id .

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T a n y a M a r ia p i r e s B r a n d ã o O E S C R A V O N A F O R M A Ç Ã O S O C I A L D O P IA U Í

O mesmo, entretanto, não ocorria com o trabalho dos escravos que. Instalada em Parnaíba, pelos anos de 1770, com vista à exportação
ao se dedicarem a agricultura, pois produziam bens necessários ao de ca me. foi a principal responsável pelo desenvolvimento da vila. O
consumo nas fazendas: ao construírem os currais, as aguadas, estavam aumento populacional verificado entre 1762 e 1772 prova isso. No
adaptando objetos naturais às necessidades das fazendas. Mas nem início dos anos sessenta, sua população compreendia 19 pessoas instala­
por isso deixaram de prestar serviços. Exercendo as funções de artesãos, das nas quatro únicas casas existentes. Dez anos depois, o número de
de elementos domésticos, de marceneiros e de tropeiros, seu trabalho seus habitantes era 2.694. Pela quantidade de elementos de pele
era uma prestação de serviço. Portanto, no Piauí encontravam-se escura, principalmente destacando-se os pretos, pode-se atribuir que
também escravos produtivos e não-produtivos. Os primeiros seriam a grande quantidade desses moradores eram escravos. Mesmo porque
aqueles que participavam do processo de trabalho produtivo propria­ em 1797, portanto 27 anos depois da instalação da primeira empresa,
mente dito. Os demais, como aponta Décio Freitas, podiam desempe­ 33,13% da população era escrava, sendo que, entre esses, 92,64% era
nhar funções socialmente úteis ou necessárias, mas economicamente composta de pretos. O índice de pretos livres no mesmo ano era de
improdutivas. (Veja figs. n2 8 e 9 no final do capítulo) 7,35% da população geral conforme quadro n2 14.
Na agricultura das fazendas, a força de trabalho escravo firmou- Eram as charqueadas mais um tipo de trabalho considerado
se como mais importante. Segundo Alencastrc, o desprezo da população pouco digno para o homem livre, não apenas pela sua natureza, mas
livre por esse tipo de atividade retardou a utilização de técnicas agrí­ pelo próprio ambiente das oficinas:
colas mais desenvolvidas durante o século XVIII. Disse ele em 1897:
As e p id e m ia s q u e q u a s e to d o s os an o s e x p e rim e n ta , p o rq u e o fé tid o
A i m p o r t a ç ã o d e i n s t r u m e n t o s a g r á r io s é h o j e d e p a l p i t a n t e q u e c a u sa o s a n g u e e s p a lh a d o e m ais m iú d o s d e ta n to s m ilh ares d e
n e c e s s id a d e , p o r q u e c o m a re e x p o rta ç ã o d o s e sc ra v o s, e a a u s ê n c ia d e reses q u e s e m a ta m n o p e q u e n o e sp a ç o d e um a té dois m eses, corrom pe
se u s b raço s, a lavoura h á d e so co rrer-se a b raço s liv res, q u e , n ão e s ta n d o o a r co m m u ita fa c ilid a d e e p ro d u z o d a n o a p o n tad o . As m oscas e ou tras
a c o s tu m a d o s ao r u d e tra b a lh o d o e sc ra v o , p re c is a m s e r a u x ilia d o s.8 saran d ijas são tã o e n u m e rá v e is q u e cau sam in ex p licáv eis m o léstias aos
h a b ita n te s , e is to m e s m o h á d e s u p o rta r ja re c isa m e n te to d a pessoa
q u e vai d e fo ra p o r q u e só n o te m p o d e verão s e p o d e c a m in h a r por
Competia também ao escravo a confecção de utensílios necessá­ a q u e le d is tr ito , p o is d e in v e rn o p o r s e r baixo, e alag ad iço , se co b re
rios mais rústicos, tais como celas, arreios, artefatos de madeira, de lagoas e faz a b s o lu ta m e n te im p ra tic á v e is os c a m in h o s d e s o rte q u e o
barro e também a fabricação de tecidos utilizados no cotidiano pela p o v o se te m v is to n a c o n s te rn a ç ã o d e p a d e c e r alg u m as fo rm a s.10
escravaria e demais habitantes das fazendas. Essa era uma das
atividades das mulheres que também trabalhavam nos cercados e até Portanto, na sociedade piauiense dos séculos XVII eXVIII, onde
construíam casas.9 Exerciam ainda os escravos funções que poderiam os homens se distinguiam por sua condição jurídico-social, havia habi­
I
ser específicas do homem livre, a exemplo da enfermagem. No hospital, tantes livres e habitantes escravos. Entre os livres, proprietários ou
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onde eram tratados os escravos doentes, os curativos eram feitos por não de escravos, observa-se como característica relevante sua indisposi­
escravos do fisco. 1
ção para trabalhos mais exaustivos, que numa economia como a piauien­
Além dos cativos do setor urbano e daqueles que trabalhavam se, significava, via de regra, atividade produtiva. Assim, no sistema
nas fazendas e sítios, existiam outros empregados na indústria do char­ económico do Piauí identificam-se dois pólos: um produtivo e outro
não produtivo. No primeiro, enquadravam-se os escravos, se constituin­
do em agentes economicamente produtivos do processo económico.
8 A L E N C A S T R E , J. M . R d e . M e m ó ria c ro n o ló g ic a , h i s t ó r i c a e c ro n o g rá fic a
d a P ro v ín c ia d o P ia u í. 'íe r e s in a : C O M E P I , 1 9 8 1 , p. 83.
9 D o c u m e n to d e 2 7 .0 8 .1 7 8 7 d o livro 2 9 . A rq u iv o P ú b lic o d o E s ta d o d o Piauí. 11 D u rão , d oc. In : M o t t, op. c it., p. 563.

146 147
apítuloVII
O E scravo na Formação Social do P iauí
vigência da escravidão, constatada na divisão social em pessoas
livres e escravos, por si já segregadas, parte dos habitantes, colocando-
a em posição inferior e concorrendo para que as duas castas tivessem
interesses antagónicos. A observação de como se articulavam os dois
principais segmentos sociais do Piauí é de grande importância, vez
que o escravismo foi a principal forma de obtenção da mão-de-obra,
pelo menos até o final do século XVIII.
Escravizar significa reduzir o homem à condição de cativo, sinóni­
mo de propriedade, pois ser escravo é estar sujeito a um senhor como
propriedade dele. Dessa forma, o homem, quando escravizado, vê sua
condição de pessoa comprometida, nivelada aos objetos “desde que o
homem é reduzido à condição de cousa, sujeito ao poder e domínio ou
propriedade de um outro, é havido por morto, privado de todos os
direitos, e não tem representação alguma.”1
Entre os atos jurídicos que comprovam a coisificação do homem
escravo no Piauí déstacam-se os inventários dos patrimónios pertencen­
tes às pessoas que faleciam. Neles, quando são relacionados, avaliados
e divididos os bens materiais, os escravos encontram-se entre os semo­
ventes, denominação dada a animais domésticos ou domesticados.
Até o final dos anos setecentistas, observa-se que a posse dos
escravos foi generalizada, incluindo-se entre os proprietários a Coroa
portuguesa, o clero, pessoas ricas e pobres, pretas, brancas, mestiços e
até escravos. Não se limitava, portanto, a determinado grupo social,
deixando transparecer o quanto a escravidão havia se impregnado e se
consolidado na sociedade piauiense.
1 M A L H E ÍR O S , P erdigão. A e s c r a v id ã o n o B rasil: en saio h istó rico , jurídico,
social. 3 a e d . P e tró p o lis: Vfozes, IN L /M E C , 1976. v. I, p. 35.
T a n y a M a r ia p ir e s b r a n d ã o O E S C R A V O N A F O R M A Ç Ã O S O C IA L D O P IA U Í

Mesmo quando a ação dos jesuítas se limitou às missões, feitas no inventário, Izabel de Castelo Branco possuía o equivalente a
praticavam os missionários a escravidão disfarçada ou abertamente. 25:095$980rs em gado, escravos, quatro fazendas, casas de tijolo e
Entretanto, foi a partir de 1711, quando receberam, através de legado, taipa, objetos em couro, cobre, prata e estanho, além de um engenho,
o património pertencente a Afonso Sertão que os padres da Companhia plantações de cana e mandioca, carros de bois e instrumentos agrícola.
assumiram o papel de escravistas, o qual era mais condizente com o Deste valor; 2:482$000rs era em dinheiro, enquanto que os escravos
regime constituído no Brasil Colónia. Como administradores das correspondiam a 5:160SOOOrs. Antonio de Sousa Lima quando faleceu
fazendas e sítios, ao tempo em que se empenharam a ponto de multipli­ deixou a seus herdeiros 50$000rs em dinheiro, 15$740rs em ouro
carem o referido património, conservaram o regime da escravidão que lavrado, objetos em prata no valor de 25:360rs, um engenho de
já vigorava nas unidades de produção. 130$000rs, fazendas avaliadas em 160$000rs e terras cultivadas com
A partir de meados do século XVIII, quando foram confiscados cana e mandioca por 170$000rs. Todo o património declarado
os bens pertencentes ou administrados pelos jesuítas, a Coroa Portu­ correspondia a 3:239$840rs, sendo que l:305$000rs era o valor
guesa tomou-se proprietária de escravos em terras do Piauí. Acredita- referente aos escravos.3
se que o governo lusitano fosse o proprietário de maior número de Embora, a posse de escravos não estivesse obrigatoriamente
cativos no Piauí, pois possuía em suas fazendas e sítios 1.010 cavalos, relacionada à propriedade de gado e de títulos territoriais, verifica-se
1.860 bestas e 50.670 cabeças de gado vacum e um total de 489 que, em geral, grandes latifundiários pecuaristas é quem possuíam
escravos.2 Esses daclos são do levantamento feito em 1782. maior quantidade de cativos. Entre os inventariados constantes da
Com relação aos habitantes do Piauí em geral, a prática de possuir amostragem que serviu de base aos estudos referentes aos fazendeiros
escravos foi amplamente difundida. No entanto, ocorriam casos de particulares, aqueles que possuíam mais de 1.000 cabeças de gado
pessoas que não tinham escravos, apesar de serem criadores de gado e bovino além de cavalares e outros eram também os que contavam
cultivadores do solo. Antonio Vieira de Castro enquadra-se entre esses, com mais escravos. Entre os fazendeiros dos quais foi possível colher
pois tinha 150 cabeças de gado vacum e 12 cavalares. Entretanto, o rodas as informações necessárias, encontram-se os seguintes:
mais comum, conforme os inventários analisados, era os fazendeiros
possuírem escravos, mesmo sendo pequenos os currais e a agricultura
praticada apenas de subsistência. Damião Rodrigues de Brito, por NOME Gado Gado
exemplo, quando faleceu em 1788, tinha somente 33 cabeças de gado \&cum C avalar O velhas Cabras Escravos
vacum e 6 cavalares, mas contava com dois escravos: um mestiço de ( u n id .) (u n id .) (u n id .) (unid.) (u n id .)
35 anos e um Rebolo de 20 anos. Vicente de Sousa Coutinho possuía
cinco escravos na sua fazenda Buriti Grande, embora tivesse apenas 2 A na M 1 d e Jesu s 3 .1 0 6 54 36
bois e 3 éguas. J o a q u im J . d e S o u sa 1.000 52 — — 29
Iz a b e l d e G B ranco 6 .0 0 0 804 40 16 39
A aquisição de escravos mestiços, crioulos ou negros africanos,
M a n u e l d a C u n h a d e C arv alh o 3 .5 0 0 750 46 16 15
para os moradores do Piauí, significava altíssimo investimento, pois A n to n io d a C o s ta d e O liv e ira 1.200 98 — — 15
seu valor superava os dos demais utensílios de uma fazenda. Pelo baixo L o u re n ç o M e n d e s d a Silva 1.000 35 10 20 10
preço dos principais produtos piauienses no mercado da Capitania, é A n to n ia A. d e B rito 5 .3 0 0 15 — — 10
quase certo que só através das transações com outras praças fosse
possível a compra de braços escravizados. De acordo com as declarações

2 A L E N C A S T R E , J. M . R d e . M e m ó ria c ro n o ló g ic a , h is tó r ic a e c ro n o g rá fic a 3 In v e n tá rio re g istra d o no C a rtó rio d o 1® o fício d e C a m p o M aior, d u r a n te a 2*


d a P ro v ín c ia d o P ia u í. Tferesina: C O M E P I , 1981, p. 75. m e ta d e d o sé c u lo X V I11.
ta n y a M a r ia p i r e s b r a n d ã o O E S C R A V O N A F O R M A Ç Ã O S O C I A L D O P IA U Í

Contudo, havia casos em que, mesmo possuindo grande Para melhor compreensão das relações entre senhores e escravos,
quantidade de gado, o fazendeiro dispunha de poucos escravos. Ignácio bem como do comportamento do cativo frente ao regime escravista,
Luís Magalhães foi um deles, pois, apesar de seu rebanho superar as faz-se necessário retomar alguns aspectos do contexto social piauiense
1.000, cabeças só possuía um cativo. Ocorre que, no Piauí, muito durante o período focalizado.
embora as riquezas fossem baseadas na posse de terra e animais, o que Como foi demonstrado em capítulos precedentes, as relações
permitia lucros no comércio do gado e do arrendamento dos sítios, a sociais do PSauí foram permeadas de violência e arbitrariedades. A seme­
posse da terra e do gado sem o domínio da força de trabalho não deixava lhança da sociedade pecuarista riograndense, o quadro social do Piauí:
de gerar riquezas. Isso porque a pecuária exigia poucos braços, que
não precisavam necessariamente ser importados e escravizados. N ã o só se organizou nos m o ld e s d e u m a e s tru tu ra p atrim o n ialista, com o
No Piauí, a escravaria não era privilégio de grandes senhores. É às p o siç õ e s a s s im é tric a s n a e s tr u tu r a social c o rre sp o n d ia form as d e
certo que existia concentração de escravos em poder de alguns c o m p o r ta m e n to re g u la d a s p o r ríg id as e x p e c ta tiv a s d e d o m in ação e
fazendeiros ou de pessoas proprietárias de bens em geral. Entretanto, su b o rd in ação . F r e q u e n te m e n te a c o m p a tib ilid a d e e n tre as expectativas
e r a a s s e g u ra d a p e lo e x e r c íc io v io le n to e a rb itrá rio d a a u to rid a d e
de acordo com os inventários, observa-se que foi comum e acessível à
i n e r e n t e às p o siç õ e s h ie r a r q u ic a m e n te su p e rio re s d o siste m a social.s
população em geral investir na compra de escravos, já que apenas em
quatro dos sessenta e um inventariados não constam cativos. Isto
significa dizer que não havia uma relação direta com o interesse de A maneira como ocorreu a posse e distribuição da terra deu
acumulação de bens, mas uma relação muito mais social na posse do origem à grande propriedade, onde vigorava o patriarcalismo, tendo
escravo, não apenas alívio de trabalho braçal, mas uma ostentação de por base o trabalho escravo com a participação do vaqueiro e agregados.
posição social. Desde que pudesse adquirir uma peça, o habitante do O fato de que só os grandes pecuaristas dispunham dos recursos neces­
Piauí não se fugia a isso, mesmo que não desfrutasse de excelentes sários à penetração e conquista da área, assegurou-lhes, também com
condições materiais devida. Entre os inventariados foram identificados exclusividade, o direito de posse de grandes extensões territoriais,
muitos cujo património era bastante reduzido, conquanto constam nas requisito básico para que formassem a camada dominante da sociedade
declarações escravos de sua propriedade. Observa-se, pois, que a local. Os demais colonos, tanto dos “ terços” quanto aqueles que
escravatura no Piauí extrapolou a condição de uma instituição econó­ chegaram posteriormente, ocupavam posição social inferior.
mica, já que a posse de escravos, além de lucrativa, era também um O domínio da terra destacava, pois, social e politicamente os
indicador do nível do proprietário. grandes senhores do restante da popu lação, fazendo com que pequenos
Apesar desse fato, o regime escravista implantado no Piauí, pelo proprietários e colonos sem terra se vissem impedidos de ocupar posição
menos até o final dos anos setecentistas, apresentou as características social mais relevante. Em face do poderio dos grandes senhores, a
fundamentais daquele que vigorou nas demais regiões brasileiras cujo maior parcela da sociedade mantinha-se dependente daqueles. Até
objetivo era desenvolver a economia. Confirmando-se a idéia Octávio mesmo a condição de homem livre e independente comumente atribu­
Ianni, de ter sido única a escravidão no Brasil, “o sistema de trabalho ída ao vaqueiro é discutível. Sua posição de parceiro, ou, como querem
que produziu o escravo na região canavieira, na área de mineração e alguns, de sócio menor na empresa pecuarista, transitava-se com o
nas zonas cafeeiras era o mesmo que se espalhou e se tomou domi­ passar dos anos para uma dependência, pois transformava-se num
nante, embora modificado, na economia baseada na criação de gado e elemento de confiança do grande senhor, dando origem a vínculos
na produção do mate.”4* difíceis de serem rompidos.

5 C A R D O S O , F e rn a n d o H e n r iq u e . C a p it a li s m o e e s c r a v id ã o n o B rasil
4 G R A H A M , E s c ra v id ã o , r e f o rm a e im p e ria lis m o . S ão f t u l o : Fferspecliva, m e r id io n a l: o n eg ro n a so c ie d a d e e sc ra v ista d o R io G ra n d e d o Sol. Rio d e Janeiro:
1 9 7 9 . p. 21. G R A A L , 1 9 7 9 . p. 84.

154 155
T a n y a M a r ia P ir e s b r a n d ã o O E S C R A V O N A F O R M A Ç Ã O S O C I A L D O P IA U Í

É provável que a explicação esteja relacionada à dificuldade de EI Rei" — traz à luz muitas informações sobre a matéria. O pesquisador
aquisição de terras próprias, obrigando parte dos criadores a construírem piauiense admite inclusive que Antomo José de Morais Durão “foraisj
seus currais em terras dos latifundiários. Gomo foi visto anteriormente. primeira vítima da cizânia disseminada pelos oligarcas do Piauí, se é
as sesmarias foram objeto de muitas disputas, permitindo que se inter­ que Botelho de Castro não tenha a prioridade.
prete o conflito entre posseiros e sesmeiros, como uma tentativa dos
Provavelmente, por esse motivo, nenhuma alteração mais expres­
colonos sem terra de fugirem da dominação e exploração dos grandes
siva pôde ser observada no cenário político-social do Piauí, como teste­
proprietários. Quanto aos agregados, condição vivida por grande número
munha João de Amorim:
de habitantes do Piauí até o século XVIII, não há duvida de que simboli­
zavam o poderio do grande senhor. Subordinados ao grande proprietário
da fazenda ou a seus prepostos, viviam à margem do processo de produ­ H o je q u e to m e i p o s s e d o g o v e rn o d e s t a C a p ita n ia q u e foi c o m o
p a rtic ip e i a V E xa. n o p rim e iro o fíc io d a ta d o a d e z e n o v e d e d e z e m b ro
ção económica, reforçando, porém, a estrutura social.
d o a n o p a ssa d o (1 7 9 7 ), v e n d o a g ra n d e d e s o rd e m em q u e s e a ch av am
Um conjunto de circunstâncias favorecia ao grande senhor to d o s os d if e r e n te s ra m o s d a a d m in is tra ç ã o d a ju s tiç a , os q u e v iv iam
exercer a forma autocrática de dominação. Por muito tempo, a presença os m e lh o re s e m a is h o n ra d o s h o m e n s d e s t e s e rtã o , n ã o h a v e n d o
muito próxima do indígena, oferecendo resistência a expansão dos q u a lid a d e a lg u m a d e d e s p o tis m o q u e s e n ã o tiv e sse p ra tic a d o c o n tra
currais e disposto a desencadear ataques às fazendas, contribuiu para e le s s e m o u tro m o tiv o a lg u m d e q u e q u e r e m p o ssu ir as su as fa z e n d a s ,
aumentar a insegurança local, induzindo os pequenos criadores a o u d e c o n d e s c e n d e r c o m a in s a c iá v e l v o n t a d e d a q u e l e s q u e
buscarem proteção junto ao grande senhor de fazenda. Por outro iado, d e s p o tic a m e n te governavam e s ta d e s g ra ç a d a Capitania, ou d e irem
o poderio dos grandes proprietários do Piauí, como em toda a Colónia, b u s c a r alg u m a d a s m a is v iz in h a s re fú g io d o risco e m q u e c a d a u m se
via, a b a n d o n a d o ao g o v e rn o d e fe ito re s os b e n s q u e lh e fic a v a m .67
estendia-se ao plano político. O acesso e a influência de que desfruta­
vam nos meios palacianos da Bahia e Pernambuco serviu-lhes de instru­
mentos na satisfação de seus interesses pessoais. Depois da criação da Diante desse quadro das relações entre pessoas jurídica e social­
Capitania, através das pressões exercidas sobre o Governo local, obtive­ mente livres, indaga-se que tipo de relacionamento foi mantido entre
ram os mesmos resultados, muito embora a indicação e a nomeação homens livres e escravizados. A questão torna-se premente quando se
dos governadores recaíssem em favor de pessoas estranhas à sociedade. sabe, através de Suelv Robles Queirós, que os mecanismos da institui­
Por ser difícil, para não dizer impossível, a administração da ção servil dos tempos modernos eram regulados pela coerção e repres­
Capitania sem o apoio da aristocracia rural, os governadores, em geral, são, fórmula única de serem mantidos separados os dois pólos sociais.
procuravam não contrariar os interesses dos grandes fazendeiros, “Coerção, repressão e violência constituíram as formas de controle social
em uma sociedade de escravistas."8*
contribuindo para consolidar a posição privilegiada que já vinham
ocupando. Um exemplo disso, foi o posicionamento de João Pereira Se entre os elementos não subordinados ao regime escravista o
Caídas, primeiro governador, com ralação ao sério problema fundiário relacionamento baseava-se nestes três elementos, como teria srdo o
do Piauí. Nenhuma atitude mais ostensiva tomou no sentido de controle social da massa escravizada?
solucionar o conflito entre posseiros e sesmeiros.
Por conveniência política e, quem sabe, até poruma questão de 6 N U N E S , O d ilo n . P e s q u is a p a ra a h is tó r ia d o P ia u í. 2* e d . R io d e Ja n e iro :
sobrevivência pessoal, os administradores do Piauí até o séculoXVIII, A rte n o v a , 1 9 7 5. vol. I, p. 131.
não ousavam ir de encontro às pretensões da camada dominante. E 7 P IA U Í. G o v ern o . C a rta d e Jo ã o A m orim . L iv ro 18, p. 7. A rq u iv o P ú b lic o d o
aqueles que agiram de forma diferente foram duramente castigados. E sta d o d o P l.
No capítulo V das P e s q u i s a s p a r a a H i s t ó r i a d o P i a u í , Odilon Nunes, sob 8 Q U E IR O Z , S u e ly R o b le s d e . E s c ra v id ã o n e g ra e m S ão P a u lo . U m e s t u d o
d a s t e n s õ e s p ro v o c a d a s p e lo e s c r a v is m o n o s é c u lo X IX . R io d e Ja n e iro : J o s é O ly m p io ,
título bastante sugestivo — “Oligarquia indígena contra delegados de
1977. p . 47.

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No contexto escravista piauiense verifica-se que a violência, tratamento médico hospitalar. O Dr Francisco José da Costa Alvarenga
entendida por constrangimento físico ou moral, esteve presente no foi um dos cirurgiões nomeados para fazer curativos naqueles que fica­
tratamento dispensado aos escravos. Se. por um lado. a existência de vam doentes e eram recolhidos ao hospital. A instituição era mantida
instrumentos de tortura comprovam que o recurso do castigo físico foi pelas fazendas reais, conforme circular dirigida em 10.10.1778 aos ins­
uma alternativa para manter a ordem escravista, por outro, o próprio petores dos três departamentos,
ato de escravizar consiste em agressão à condição de ser humano dos
índios, negros c mestiços mantidos sob o cativeiro. A coerção, portanto, (...) enviar no começo do inverno para a Tesouraria como auxílio ao
achava-se implícita. Fundamentada no aspecto jurídico, a força que Hospital 1 as (arroba?) (sic) de sebo e outra de sabão para benefício
emanava dos proprietários de escravos era capaz de impor o respeito à dos escravos de sua inspeção ao escravo deve acompanhar uma pessoa
norma legal, isto é, na condição de bens materiais incorporados ao e trazer recurso de subsistência carne e cereais.10
património do senhor, os escravos, deveriam respeitar, amar e ser fiel
ao amo mesmo ferindo os aspectos mais intrínsecos à condição humana. Evidentemente que os escravos pertencentes a particulares
Além dos maus tratos físicos, a repressão de cunho psicológico foi também poderiam ser tratados no mesmo hospital, mediante paga­
eficiente mecanismo de defesa utilizado pelos escravagistas. Através mento feito pelo interessado. Fica, entretanto, a dúvida se os senhores
deles, os sentimentos e impulsos da camada dominada em desacordo remetiam seus doentes à capital da Capitania.
com o meio social, foram mantidos fora do campo da consciência.
Outro aspecto que deve ser ressaltado diz respeito às fontes
Não se pretende aqui afirmar que a escravidão no Piauí tenha históricas, principalmente as do século XVII e XVIII. Tendo em vista
sido mais, ou menos violenta, coercitiva e repressora que aquelas im­ que nesse período a grande maioria da população era analfabeta, mesmo
plantadas nas demais regiões do Brasil. Pelas próprias características porque nãò havia escolas na Capitania; as informações, quase semjSre,
da economia local, pode-se imaginar que a capacidade de trabalho do são de caráter oficial. Em geral não tratam de assuntos referentes aos
cativo talvez fosse menos explorada que nas regiões agrícolas e minerais, escravos residentes nas fazendas particulares, dando a entender que o
entretanto, tornava-se difícil concluir que a manutenção da ordem tratamento dispensado ao escravo ali residente, bem como o comporta­
escravista fosse possível sem a utilização de mecanismos repressores, mento dos mesmos era preocupação de seus respectivos senhores.
conseqiientemente violentos. As informações que se têm são as de Percebe-se, entretanto, que o castigo físico era encarado como uma
que também nas fazendas de criar do Piauí o escravo achou-se sujeito necessidade, não apenas como punição por indisciplina, mas também
ao temperamento e caráter de seu proprietário. Tem-se notícias de como medida preventiva, um recurso usado para manter o sistema e a
senhores que matavam seus escravos em momentos deraiva e também ordem social. Embora existisse legislação de caráter geral para a colónia,
de torturas praticadas contra o cativo.9 no Piauí, o tipo de penalidade aplicada aos escravos rebeldes ficava a
Quando se pretende estudar o funcionamento da escravidão no critério das pessoas mais próximas e a eles, mesmo nas fazendas da
Piauí, faz-se necessário observar, em primeiro lugar, que, de acordo Coroa, como demonstra o documento abaixo:
com o tipo de proprietário, existiam pelos menos dois grupos de escra­
vos: um composto de cativos pertencentes à Coroa e outro que abrangia Somos a dizer-lhe que a Vmcê nem tão pouco aos mais Inspetores lhe
os de propriedade de particulares. Esse fato provavelmente implicaria tem proibido o castigo aos escravos de suas repartições quando eles se
na vigência de pelo menos dois tipos de tratamento. Para os escravos fazem merecedores delles e assim pode Vmcê mandar apreender esses
do fisco, por exemplo, havia em Oeiras um hospital onde recebiam fugitivos e castigá-los em termos hábeis, e na forma de estilo ali

9 PIA U Í. G o v ern o . L iv ro 15, p. 139v, 199, 199v. A rq u iv o P ú b lic o d o E s ta d o d o 10 P IA U Í. G o v ern o . L iv ro 3 3 , p. 170 e se g u in te s. A rquivo P ú b lico d o E stad o
Piauí. d o P iauí.

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praticado que é d e precisão, açoite e palm atória, e não com pau e podem ser feitas com base na carra de Esperança. Uma delas é o fato
outro instrum ento q u e lhe possa fazer dano como alguns criadores
de que. ao ser destacado para trabalhar na residência das inspeções, o
têm praticado sem consideração atirando-lhe com q u e tem o seu melhor
escravo estava sujeito a um tratamento mais violento. Nas fazendas,
cômodo o que tem sido co n stan te a e s te resp eito ."
talvez, se sentissem mais livres, embora provavelmente trabalhando
em serviços mais exaustivos.
Observa-se ainda na citação acima que, apesar de deixarem os
Outra observação diz respeito à família do escravo. Embora fosse
administradores reais à vontade quanto ao tratamento dispensado aos
permitido o casamento entre cativos, a separação de membros da famí­
escravos, as recomendações refletem o receio de possíveis exageros.
lia achava-se sujeita à vontade e necessidade do administrador. Pode-
Denuncia ainda a referida fonte, a inconsequência dos proprietários
se ainda observar a preocupação da escrava quanto ao cumprimento
particulares quando castigavam a peça cativa, se arriscando a inutilizá-
dos princípios da religião cristã. Mesmo sendo responsabilidade dos
la.
administradores o batismo das crianças, a família escrava preocupava-
Quanto ao tratamento dispensado ao escravo do fisco, ocorria se quando não era efetivado logo nos primeiros anos de vida.
fato interessante que provavelmente implicaria em forma menos
O batismo, segundo a religião católica, permitia ao homem
violenta. A administração dos bens reais foi, nesse período, função
renascer espiritualmente. A importância conferida pelos fazendeiros
muito disputada pelos habitantes da Capitania. Em face dessa
a esse sacramento foi assimilada pelos escravos que certamente passa­
concorrência, seus administradores obrigavam-se a zelar não apenas
vam a interpretá-lo como elemento que distinguia o ser humano dos
pelo rebanho bovino, mas peia massa de cativos. Chegando ao
demais mortais. No Piauí, é possível que, como nas demais regiões
conhecimento do governador a divulgação de qualquer temeridade
escravistas, através do contato com os católicos ou por pressão social, a
cometida pelos inspetores, poderia implicar a demissão do administra­
religião da camada dominante tenha sido absorvida e professada pelos
dor É possível que se aproveitando dessa situação, a escrava Esperança
escravos índios, negros e mestiços.
Garcia, sentindo-se tolhida em seus diretos, tenha apresentado, do
próprio punho, queixa contra o administrador da Inspeção de Nazaré, A fiança da Igreja Católica de que a salvação da alma se obtinha
descrevendo o tratamento recebido: através de uma vida terrena cheia de sacrifícios condicionava ao confor­
mismo os escravos que viviam num verdadeiro vale de lágrimas. O
fatalismo e o conformismo pregados pela Igreja atraía os cativos a profes­
Eu sou hua escrava d e VS. dadm inistração do Cap*". Ant° Vieira de
sarem a religião católica. Deus os havia escolhido para essa missão:
C outo, cazada. D esde q u e o Cap*" p*. Lá foi adm inistrar, q. m e tirou
da faznd"dos algodois, aonde vevia com m eu marido, para ser cozinheira deveriam ser portanto resignados e crentes, porque ganhariam a glória
da sua caza, onde nella posso m t° mal. A prim eira h é q. ha grandes eterna. O s h u m i l h a d o s s e r ã o e x a l t a d o s . Toma-se desnecessário dizer
trovoadas de pancada enhum filho m eu sendo hua criança q. lhe fez quanto essa afirmativa interessava aos senhores. Por outro lado, era
extrair sangue pella boca, em m in não poço esplicar q. sou hu colcham importante também para os escravos aceitar as cerimónias religiosas,
d e pancadas, tanto q. cahy hua vez do sobrado peiada; por mezericordia pois, para eles, significavam um ritual de ascensão social.
deD s. escapie. A segunda estou eu e mais minhas perceiras porconfeçar Voltando as denúncias de Esperança, foram estas endossadas,
a três annos. E hua criança m inha e duas mais por Batizar.112
através de documento escrito contendo informações sobre o excessivo
número de horas de trabalho exigido dos escravos, bem como a pobreza
Algumas observações referentes ao sistema escravista no Piauí da alimentação oferecida aos cativos. É possível que o tratamento
dispensado aos escravos da inspeção de Nazaré fosse exceção. No
11 PIA U Í. G overno. L iv ro 11, C a rta d e 5 /4 /1 7 5 1 . A rq u iv o P ú b lic o d o E sta d o entanto, o comportamento dos escravos, praticando atos de rebeldia,
d o Piauí. pode vir a indicar que as relações entre senhores e escravos tiveram
12 M ensário d o A rq u iv o N a c io n a l. M aio , 1 7 9 9 , A n o X , p . 8. por base a violência física ou moral.

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A observação da atitude do escravo do Piauí permite que se o proprietário. Na economia piauiense, onde em geral a produção do
afirme ter ele demonstrado, dentro de suas possibilidades e nas mais escravo não se achava diretamente vinculada ao mercado, no mínimo,
diversas formas, sua revolta contra o cativeiro: apelando às autoridades a perda se limitava ao valor do cativo. No caso de a peça fugitiva ter
como fez Esperança, roubando e depredando o património do senhor, nascido na própria fazenda, portanto, sem que tivesse sido investido
ou fugindo da fazenda. O fato é que registrou seu inconformismo. É capital na sua aquisição, o prejuízo, ainda assim, era significativo, se
lamentável que as fontes sobre a escravidão sejam de autoria dos escra- computado a alimentação e vestuário, bem como o valor intrínseco da
vizadores. Até mesmo os aros de rebeldia são exclusivamente descritos peça. Portanto, se fosse possível somar os valores comerciais correspon­
por eles, impedindo que se tenha uma visão da escravatura pelo ângulo dentes é certo que seria obtido expressiva quantidade dc contos de
do escravizado. réis nos muitos quilombos formados no Piauí. Pelo que o escravo valia
É evidente que esse fenômeno deve ser analisado num ângulo no cômputo geral dos bens, tem-se uma idéia dos prejuízos económico-
conjuntural, que extrapola as relações ao nível de senhor e escravo. Ao financeiros que representavam os mucambos mesmo que estes não
cometer um ato de insubordinação, achava-se o escravo sujeito também fossem muito grandes.
às contingências de cunho sociaL Por exemplo, quando o escravo evadia- Por outro lado, havia ainda as repercussões sociais do ato fuga.
se, sabia ele pelas próprias regras sociais que seu status não seria modifi­ O sucesso daqueles que conseguiam atingir seu objetivo estimulava
cado, quando muito poderia ser nivelado ao dos agregados, que, como os demais. Com isso, além dos prejuízos de ordem económica, a fuga
já foi visto, não desfrutavam de liberdade. É provável que essas circuns­ representava uma ameaça escravocrata. Mais sérias ainda eram as conse­
tâncias tenham limitado o número de fugas entre os escravos, dando a quências dos quilombos. A certeza de que, em algum lugar, os fugitivos
falsa idéia de que o cativo das fazendas achava-se perfeitamente viviam fora do alcance do senhor, exercia forte atração sobre os cativos
acomodado ao regime de escravidão. que se encontravam nas fazendas. Havia, pois, a possibilidade de se
Apesar disso, a fuga foi uma forma frequente e eficaz de buscar avolumarem as tentativas de fuga, ameaçando pela base a sociedade
a liberdade perdida, ou nunca desfrutada. Foi um recurso utilizado escravista. Os perigos não paravam aí, os roubos e assaltos comumente
tanto pelos escravos de propriedade de particulares, como por aqueles praticados pelos quilombolas colocavam em risco a segurança pessoal
pertencentes à Coroa. Pode-se dizer que, no Piauí, o escravo não fugia c do património. Em 1779, por exemplo, dois quilombos organizados
apenas do ríspido tratamento físico recebido, o mais certo é que ao se nas matas do Poti preocupavam a população e a Câmara de Campo
evadir estivesse fugindo do senhor, do sistema, do cativeiro. Não se Maior pelos constantes ataques praticados contra as povoações e currais
intimidava com as dificuldades de sobrevivência que por certo enfren­ mais próximos.13
taria, nem com os riscos dos castigos comumente aplicados aos fugitivos. No Piauí, aconteceram casos de escravos foragidos que voltavam
Além das fugas individuais, segundo os documentos, aconteceram tam­ às fazendas, em horário propício, para induzir os demais à fuga. Um
bém as coletivas, que bem poderiam compreender ou não membros exemplo foi a negra Maria, que aparecia capitaneando gente cativa,
de uma mesma família. em atitude ostensiva, a ponto de as autoridades admitirem que a
Em geral, os fugitivos buscavam o interior das matas, onde, com mesma vivia “zombando da justiça ou protegida desta”.14 Em sua luta
mais segurança, procuravam viverem estado de liberdade. A documen­ contra o regime de cativeiro, o escravo do Piauí que praticava a fuga
tação concernente ao século XVTII faz referência a muitos quilombos não se limitou a seduzir e a insuflar apenas negros e mestiços. Agiram
organizados no Piauí. Embora não sc tenha notícia de quilombos repre­ também sobre os índios. Em 1778, aconteceu grande revolta entre os
sentativos em termos de quantidade de seus componentes, no Piauí,
esse núcleos formados por escravos foragidos implicavam sérias conse­ 13 P IA U Í. G o v ern o . D o c u m e n to d e 4 /3 /1 7 7 5 , L ivro 23, p. 29. A rquivo Público
quências económicas e sociais. d o E s ta d o d o Piauí.
A fuga dos cativos, mesmo individual, significava prejuízo para 14 P IA U Í. G o v ern o . L ivro 19, p. 199/199v. Arquivo P ú b lico d o E stad o d o Piauí.

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gueguês aldeados, tendo como líder um escravo que havia fugido. Além escravista. Como eram núcleos formados por um número maior de
dos furtos cometidos contra o diretor do reduto, os revoltosos atacaram escravos foragidos, na grande maioria instalados em lugares de difícil
outras fazendas cometendo toda sorte de atos violentos, inclusive acesso e contando com ajuda dos nativos, a devassa exigia a participação
mortes.15 de elementos especializados fortemente armados. O confronto certa­
A aliança entre negro e índio foi muito comum no Piauí durante mente na maior parte das vezes tomava-se um combate violento.
o século XVIII. Podem-se apontar várias razões para o fato. Em primeiro Nesse, como em outros casos, embora o interesse maior fosse a elimina­
lugar; a natural reação do nativo à dominação dos colonos fez dele ção do perigo que representavam, observava-sc na documentação sobre
aliado natural dos cativos negros. Por sua vez, negros e. mestiços escravi­ a matéria a preocupação no sentido de que fosse evitada a mortandade
zados. ao contar com o auxílio do índio, tinham suas possibilidades de dos quilombolas. Depois de rendidos, os prisioneiros eram remetidos
êxito nas fugas aumentadas. Conhecedores da região, os indígenas ao Juiz Ordinário que os repassava aos respectivos proprietários.
indicavam lugar seguro para esconderijo e dificultavam a ação dos Quando presentes, competia-lhes a aplicação do castigo merecido.
capitães do mato, já que eles eram os guias e peças militares dos Entre os habitantes do Piauí, a concepção do elemento reduzido
contigentes capitaneadores de escravos fugitivos. ao cativeiro era a mesma de outras sociedades também escravistas.
Através da documentação consultada, percebe-se que em respos­ Nivelado à condição de objeto, mercadoria comerciável, obrigatoria­
ta ao tratamento violento dos escravizadores, a atitude dos escravos mente pertencia a alguém. Como ser animalizado, tinha como privilégio
foi também agressiva, o que gerava, por sua vez, a necessidade de ser a missão de executar trabalhos pesados e degradantes ao homem.
combatida de forma austera. Todavia, apesar das punições aplicadas Considerado como elemento inferior, sem capacidade de assimilação
aos rebeldes terem sido severas, denotam as fontes que havia por parte intelectual, necessitava ser tutelado, representado. O escravo, também
dos proprietários preocupação quanto aos prejuízos que por ventura no Piauí, significava perigo, tomando-se necessário que medidas fossem
ocasionassem; talvez porque o escravo representasse investimento tomadas a fim de tomá-lo impotente para praticar atos violentos. Uma
muito alto para os pecuaristas. Diante disso, os castigos eram graduados delas era a seguinte proibição:
de acordo com a infração cometida. É o caso do escravo da fazenda
Gameleira que, ao ser capturado, recebeu sessenta açoites, embora “q u e n e n h u m esc ra v o , q u e r d e g u in é , q u e r d o g e n tio d a te rra , e b e m
ainda conservasse o cavalo pertencente a João Barbosa Ribeiro que a ssim c rio u lo s, m a m e lu c o s , m u la to s , c a fu so s a n d e m d e arm as d e fe s a s
roubara por ocasião de sua fuga.16 (p ro ib id a s), c a c e te s e violas, sob p e n a d e trê s dias d e p risão e c in q u e n ta
a ç o ite s p o r d ia .” 17
A pena de morte também chegou a ser aplicada. Entre outras
faltas cometidas, merecedoras dessa sentença, achava-se a sedução de
escravos à fuga. Pela própria gravidade do crime cometido, envolviam- Ainda assim, no desenvolvimento do processo histórico,
se, na captura desse fugitivo, fazendeiros, vaqueiros e até escravos. identificavam-se cativos que chegaram a exercer funções específicas
Houve casos em que foram dadas ordens expressas pelas autoridades de homens livres, a exemplo da vaqueirice. Outros foram até alfabeti­
governamentais para que todos pegassem em armas a fim de prender zados, colocando-se como exceção entre os habitantes da Capitania.
ou eliminar o elemento perturbador. Ao invés de negarem a estrutura escravocrata, esses exemplos serviram
para confirmá-la. O fato de determinado escravo assumir o posto de
Com relação aos quilombos, a repressão envolvia toda a sociedade
vaqueiro e administrador de fazenda indica que o mesmo havia conquis­
tado a confiança do senhor que, por sua vez, não se sentia sensibilizado
15 PIA U Í. G overno. L iv ro 2 3 , p . 6 7 e 68. o suficiente para conceder-lhe a carta de alforria. Todavia, o tratamento
16 C O ST A . F A. Itere ira d a. C ro n o lo g ia h is tó r ic a d o E s ta d o d o P ia u í: d e s d e
o s te m p o s prim itiv o s a té a p ro c la m a ç ã o d a R e p ú b lic a . R io d e Ja n e iro : A rte n o v a , 1975.
vol. I, p . 108. 17 P IA U Í. G o v e rn o . L ivro 3 7 , p. 3 7 8 -3 7 9 . A rq u iv o P ú b lico d o E s ta d o d o P iau í.

165
T a n y a M a r ia p i r e s b r a n d ã o O E S C R A V O N A F O R M A Ç Ã O S O C I A L D O P IA U Í

diferenciado recebido, se não eliminava, pelo menos acenuava as rivali­ Gregório, como b o m e s c r a v o , havia constiruído um património
dades entre cativos e senhores. Por outro lado. foi comum, nas socieda­ que julgava poder transferir para seus descendentes. Na escravidão
des escravocratas, a organização ou distribuição do trabalho dos escra­ do Piauí não era vedado ao cativo acumular algum pecúlio composto
vos. segundo ordem hierárquica que se refletia no relacionamento entre de bens, principalmente gado, cuja produção podena ser comercializada
os escravos, distanciando um dos outros. fora da Capitania. Porém, como geralmente ocorria nos regimes escra­
O rigor das relações escravistas somado à dominação parernalisra vistas, era-lhe proibido dispor do fruto de seu trabalho.
exercida pelos proprietários limitavam a reação do escravo de forma Observa-se, ainda, na citação, alguns dos recursos utilizados para
mais consciente. Dispersos nas fazendas, sem condição de se agrupa­ conseguir o comportamento pretendido da massa cativa. Um b o m
rem, o escravo no Piauí, pelo que parece, não questionou mais prõfunda- e s c r a v o na concepção do senhor era aquele que demonstrava interesse

mente sua condição de dominado. Quando muito, como no caso de pelo trabalho, que respeitava as normas do regime escravista, onde o
Esperança, reclamava os maus tratos recebidos. Em geral fugiam, rouba­ cativo tinha seu lugar, sua tarefa, seu destino. Era ainda aquele capaz
vam ou matavam, numa atitude inconsequente até irracional. Não se de não só satisfazer as vontades do senhor, mas amá-lo. Os escravos
tem notícias, até o século XVIII. de movimentos oiganizados de cativos que se aproximavam desse protótipo recebiam do senhor concessões,
que oferecessem pressão ao regime escravista. como aconteceu com Gregório. Por ser b o m e s c r o t o tinha gado e até
A possibilidade que o escravo tinha de poder cultivar um pedaço escravo e, ainda, por esse mesmo motivo, seus filhos puderam ficar
de terra para consumo próprio não significava que o regime fosse mais com metade dos bens deixados. Com essa atitude o senhor estava
ameno. Ao contrário, com eles elevava-se o grau de exploração do traba­ induzindo não apenas só familiares do cativo falecido a seguir-lhe o
lho do escravo. Esses cultivos autónomos feitos geralmente em horário exemplo, mas a todos aqueles outros que viviam na fazenda. Posicio­
que não prejudicasse o andamento dos trabalhos na fazenda, eram até nava-se, ainda, como humanitário entre os escravos de sua propriedade
favoráveis ao senhor Em primeiro lugar, porque ajudava na alimentação e senhores de outras fazendas.
da massa cativa; e, em segundo, porque representavam um freio às A citação supracitada permite, ainda, a observação sobre o
tentativas de fuga. O documento abaixo demonstra claramenre como comportamento do escravo no Piauí. Acredita-se que não havia necessi­
na realidade funcionavam essas concessões feitas pelos escravizadores: dade de Gregório possuir um escravo, pois, quando muito, podia cultivar
alguns gêneros em quantidade suficiente para o sustento de sua família
O utrossim lhe ordeno queV m cê procederá um a averiguação d e todos e criar poucas cabeças de gado. Talvez seus familiares pudessem ajudá-
os bens q u e eram p e rte n c e n te s ao preto Gregório escravo q u e foi da lo. Entretanto, tinha um escravo que deixava alforriado por morte sua.
Fazenda do Saco e hoje falecido, e procederá a fazer uma partilha entre A propriedade de escravos entre aqueles que se achavam sob o regime
os ditos bens. m andando Vmcê ferrar a m etade do gado para S. Maj. do cativeiro é forte indicativo do quanto a escravidão havia sido
entrando nesta m etade o escravo que m e é constante lhe deixara forro assimilada por todos os moradores do Piauí. Denota também o que
e outra m etade dos ditos bens será repartida en tre os seus fdhos tudo significava socialmente a posse de um cativo nessa sociedade escravista.
isto por equidade e a te n d e r ter sido o d ito escravo um dos m elhores
da d ita fazenda e sobre o testam en to que dizem ele teve não vale e ste Pelo que foi descrito, pode-se entender a importância do escravo
d e nada porque nenhum escravo pode dispor d e seus bens sem licença no quadro económico-social piauiense, embora seu número não possa
d e seu senhor.18 ser comparado com o das regiões agroexportadoras e mineira, tendo
em vista que a atividade económica desenvolvida não exigia grande
concentração de escravos.

18 PIA U í. G o v ern o . O fíc io d o D r Francisco D io g é n e s d e M o rais, e m 2 2 .0 8 . 18 0 0


A opção dos fazendeiros pelo trabalho escravo deu-se ainda no
ao I n s p e to r d o C a n in d é , J o a q u im J o s é V ic e n te , L iv ro 3 7 , p . 2 3 /2 4 . A rq u iv o P ú b lic o d o início da implantação da pecuária, quando foi necessário transplantar
E s ta d o d o Piauí. a mão-de-obra juntamente com as matrizes do gado. Fortes razões

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T a n y a M a r ia p i r e s b r a n d ã o o escra v o n a f o r m a ç ã o s o c ia l D O P IA U Í

teriam contribuído nesse sentido. Em primeiro lugaj; porque os nativos a ris to c rá tic o d if u n d iu - s e n a s s o c ie d a d e s e sc ra v ista s e
que habitavam a região não aceitaram pacificamente a penetração dos a g ric u lto re s o h á b ito m u ito d is c u tid o d e m a n d o , alé m d e u m p a d rã o
colonos que ocupavam os vales mais úmidos com seus currais. Os poucos p sic o ló g ic o g eral m a is c o m p le x o ... E s te id e a l a fe to u to d a o u tr a c lasse
índios que participaram nessa fase se achavam sob o regime do cativeiro. d a s o c ie d a d e , in c lu s iv e os e scrav o s, e m b o ra d e m a n e ira s d if e r e n te s ,
d e a c o rd o c o m as c o n d iç õ e s c o m u n s à s itu a ç ã o d e escrav o e esp e c ífic a s
Não obstante a disponibilidade de mão-de-obra livre, pois muitos
d e c a d a c la s s e .19
colonos oriundos de outras regiões penetravam durante e depois da
fase de conquista do território, observa-se certa indisposição dos pecua­
ristas em utilizarem esse tipo de trabalhador Sua condição de homem
livre permitia-lhe abandonar a fazenda a qualquer momento, ficando
fora do alcance do senhor fazê-los trabalhar involuntariamente. Ocorria,
ainda, que a pretensão desses moradores era a de algum dia chegar a
ser proprietário de gado e terra, logo não iriam exercer funções que
não os conduzissem à concretização de seus objetivos.
Além da negativa dos indígenas e dos ricos que poderiam sofrer
com os trabalhadores livres, os fazendeiros do Piauí, vindos de regiões
escravistas, eram tradicionalmente acostumados com o trabalho escravo.
Para eles, a escravidão apresentava-se como solução mais segura. Seria
até incoerente de sua parte, se recorressem ao regime assalariado, já
que tinham condições de adquirir e manter o escravo. O fato é que
não foi no Piauí que se violentou a tradicional mentalidade senhorial
do produtor brasileiro.
Com o desenvolvimento da sociedade, ocorreu a consolidação
do regime de trabalho escravo no Piauí. Enquanto se processava a orga­
nização social do trabalho, nitidamente foram aparecendo as tarefas
dos escravos e aquelas que dignificavam os homens livres. A escravidão
que já se apresentava como parte do sistema colonial das regiões produ­
toras para o grande comércio impôs-se como elemento caracterizador
da estrutura social que se estabeleceu no Piauí.
A conotação do escravismo no âmbito da economia estende-se
ao social, concedendo ao proprietário de escravo a imagem de pessoa
de projeção e prestígio, bem sucedida na vida; e, do lado do escravo, a
imagem de ser inferioi; subordinado, incapaz. Observa-se que, no Piauí,
embora fossem mantidos diversos outros tipos de relações de trabalho,
empenhavam-se os fazendeiros em manter a ordem escravista. Isto
porque como afirmar Genovese:

A lib erd ad e n a so c ie d a d e e sc ra v ista é d e fin id a p e la escravidão. P o rtan to , 19 G E N O V E S E . O m u n d o d o s s e n h o r e s d e e s è r a v o s : d o is e n s a io s d e


to d o s asp irav am a te r esc ra v o s e , u m a vez tid o s , n ã o trab alh ar. O id eal in t e ip ie ta ç ã o . R io d e J a n e iro : Paz e T e rra , 1979. p. 20.

168 169
T A N Y A M A R IA P I R E S B R A N D Ã O O E S C R A V O N A F O R M A Ç Ã O S O C I A L D O P IA U Í

Figura 10:
T ro n c o p a r a c a s t i g a r e s c r a z 'o s

r e b e ld e s e f u g i t i v o s . M u s e u d o

E s ta d o d o P ia u í.

Figura 11 Figura 13
In s t r u m e n t o s d e s u p líc io . C h ic o t e d e m a t e r i a l m e t á lic o

M u s e u d o E s ta d o d o P ia u í. u t iliz a d o p a r a a ç o it a r o s e s c r a v o s .

M u s e u d o E s ta d o d o P ia u í.

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D ocum entos Consultados

I Impressos

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20 de novembro de 1697 sobre a carta do bispo de Pernambuco escrita
ao Secretário Roque Monteiro Paim sobre a fundação da Nova Paróquia,
que se exigiu no Sertão do Piaui e sua descrição. In: ENNES, Ernesto.
As Guerras nos Palmares - subsídios para a sua História. I2 volume,
Brasiliana, série 5â, v. 127, 1938. p. 360/61.
2 _____________ .Carta autografa a D. Francisco Lima, Bispo de
Pernambuco, de 11 dc junho de 1697, remetendo a Roque Monteiro
Paim a descrição do Sertão de Piagui. In: ENNES, Ernesto. As Guerras
nos Palmares - subsídios para a sua História. I2 volume. Brasiliana, 5*
série, v. 127, 1938, p. 362/63.
3 ___________ . Termo da eleição que fizerão os moradores do certão
do Piauhi; do lugar, P. a se fazer a Ig. ia deN . S. da Victória. In: ENNES,
Ernesto. As Guerras nos Palmares - subsídios para a sua História. I2
volume, Brasiliana, 5* série, v. 127, 1938, p. 364/65.
4 ____________ . Termo de obrigação dos Moradores. In: ENNES,
Ernesto. As Guerras nos Palmares - subsídios para a sua História. I2
volume. Brasiliana, 5a série, v. 127, 1938. p. 366/67.
16 índice de sesmarias do Piauí. (C.A.B.)
5 _______. Termo da Bênção da Nova Capella e Poçe q. seu deu
ao R° Cura. In: ENNES, Ernesto. As Guerras nos Palmares - subsídios 17 Catálogo das sesmarias concedidas a particulares no Piauhy,
para a sua História. I2 volume. Brasiliana, 5* série, v. 127, 1938. p. 368/ registradas no livros de n2* l 2, 22. 3a 4a e 5a, existentes na Diretória de
69. Agricultura. Terras, Viação e Obras Públicas, organizado pelo Senador
Antonio Freire da Silva quando esteve à frente da mesma repartição.
6 ___________ . Dezcripção do certão do Píauhv Remetida ao Ilm° e
Revm° S°‘. Frei Francisco de Lima Bispo de Perna™0. In: ENNES,
Ernesto. As Guerras nos Palmares - subsídios para a sua História. I2
volume, Brasiliana, 5* série, v. 127, 1938. p. 370/389. II Documentos Manuscritos
7 ___________ . Consulta do Conselho Ultramarino de 18 de fevereiro
de 1698, sobre o que se pede Bento Surrei Camilio, como Procurador a) Arquivo Nacional - Rio dc Janeiro
do M .e de Campo Dos paulistaz Domingos Jorge Velho. In: ENNES,
Ernesto. As Guerras nos Palmares —subsídios para a sua História.. I2 Lata - 267
volume, Brasiliana, 5a série, v. 12, 1938. p. 390/93. Maço - 2
Pasta - 1
8 Carta de Domingos Jorge Velho. In ENNES, Ernesto. As guerras
nos Palmares - subsídios para a sua História. I2 volume. Brasiliana, 5a - Coleções Especiais. Estados do Brasil; 8 - Piauí.
série, v. 127, 1938, p. 204 - 207. 1. Resumo de todas as pessoas livres e cativas. Fogos e Fazendas da
9 Petição de Domingos Jorge Velho (Mestre de Campo). In: ENNES, cidade...
Ernesto. As Guerras nos Palmares - subsídios para a sua História. I2 orig. 1 p. - 1760
volume, Brasiliana, 5a série, v. 127, 1938. p. 236. 2. Relação de todos os bens de raiz que possuíam e administravam os
padres da Companhia de Jesus no Piauí sequestrados pelo Ouvidor
10 DURÃO, Antonio José de Morais. Descrição de Capitania de São
José do Piauí-1772. In: M O T T ’ L. R. B. Descrição da Capitania de Luís José Duarte Freire.
São José do Piauí - 1772. São Paulo. Revista de História n2 112, 1977. Cóp. ant. 12 p. - 1762.

11 Roteiro do Maranhão a Goiaz pela Capitania do Piauhy. In: Revista


b) Arquivo Histórico Ultramarino - PERNAMBUCO —A.H .U /Pe.
Trimestral do Instituto Histórico, Tomo XLII, PI.
12 Documento ao Governador da Capitania, em 06/09/1770 da escrava 256
Esperança Garcia. Mensário do Arquivo Nacional. Maio, AnoX, 1979. - Carta do Rei, datada de 27 de dezembro de 1965, escrita para Caetano
p. 8. de Melo de Castro sobre o comportamento dos habitantes que povoam
13 Memória relativa às Capitanias do Piauí e Maranhão por Francisco o sertão.
Xavier Machado, 1810. In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico fl. 211
Brasileiro. Tomo XVII, 3a série, n2 13, IaTrimestre, p. 56/65. - Carta do Rei datada de 11 de setembro de 1697, escrita em Lisboa
14 PIAUÍ. Presidente. Relatório do presidente da Província do Piauí para Caetano de Melo de Castro sobre as cartas de sesmarias que
- Dr Adelino Antonio de Lima Freire, p.41. passam pela Secretaria de Governo que deveriam constar cláusulas
sobre a obrigatoriedade da medição e demarcação. Recomendações
15 PIAUÍ. Vice-Presidente. Relatório do Segundo Vice-Presidente
de que nos fossem concedidas sesmarias a muita gente juntas, inclusas
da Província do Piauhy - Dr. Manoel de Freitas - 21/junho de 1868.

11 OO 189
na mesma da ca e légua. Fixa a quantidade máxima de léguas para cada de Pernambuco, referente a queixa q/ o Mestre de Campo Domingos
concessão, Jorge Velho faz aos moradores das Alagoas.
a 252 / 252v.
- Carta do Rei. em Lisboa, 23.11.1700 para o Governador e Capitão
- Carta do Rei datada de 06.02.1698 escrita em Lisboa para o Geral de Pernambuco que enviem ordens ao capitão-mor do Ceará c
Governador da Capitania de Pernambuco sobre a criação da paróquia aos religiosos da Companhia de Jesus que mandem rodos os índios
no sertão do Piagui (Piauí). que pedir o Governador do Maranhão.
fl. 268v.
- Carta do Rei ao Desembargador João Guedes de Sá. cm 03.11.1700.
- Carta do Rei datada de 17.12.1698 escrita em Lisboa para o fl. 60.
Governador da Capitania de Pernambuco sobre as datas de sesmarias
reforçando as exigências quanto a medição e demarcação, confirmação - Carta do Rei ao Provedor da Fazenda dc Pernambuco, ordenando q/
real e o cumprimento do que está disposto no regimento sobre o se faça pagamento ao Desembargador João Guedes dc Sá pela Fazenda
assunto. Real. em 05.11.1700.
fl. 28 lv. fl. 61.

- Carta do Rei datada de 16.12.1698 escrita em Lisboa, dirigida ao - Carta do Rei para o Governador e Capitão dc Pernambuco, que
Governador de Pernambuco, sobre a indicação de juizes ordinários no mandem índios do Ceará para o Maranhão como também uma tropa
certão do Rodelas visto ser a região ocupada por gado de população para a guerra do gentio Corso, cm 2 9 .11.1700.
esparsa. - Carta do Rei, em 15.12.1700 para o Ouvidor Geral da Paraíba sobre a
fl. 282. prisão do mestre de Campo Manoel Alz’ (sic) de Morais Navarro no
- Carta do Príncipe de Portugal em 21.03.1676 escrita em Lisboa, arraial do Assu.
dirigida a João Srg (sic) Vieira sobre 300 até 400 cassais açorianos fl. 72v.
enviados ao Brasil, penetração no sertão de Pernambuco e Rio Grande - Carta do Rei, cm 03.01.1772 a D. Fernando Martins Mascarenhas
objetivando para reconhecimento da área e observação de pessoas, de l^ancastro - governador e Capitão Geral de Pernambuco.
provavelmente castelhanos que se encontravam na região. fl. 93v.
fl. 15.
- Carta do Rei, em 03.03.1702 a D. Fernando Martins Mascarenhas de
Lancastro, que mande por um edital as capitanias da jurisdição daquele
C Ó D IC E 257 governo ao donatários que tiverem datas dc terras para apresentarem
- Carta do Rei para o Governador de Pernambuco, dc Lisboa, as suas confirmações.
08.01.1699, sobre a povoação dos rios Parnaíba e Praim. fl. 104.
fl. 5v. - Carta do Rei. em 03.03.1702 a Cristóvão Soares Rcimão referindo-
- Carta do Rei, em Lisboa, 13.01.1699 para o Governador de se a devassa dos furtos e excessos cometidos pelos Tapuias da nação
Pernambuco, sobre as mortes que se deram aos índios no Ceará. paiacús da ribeira do Ceara.
fl. 7v. fl. 104v.

- Carta do Rei, em Lisboa, 13.01.1699 para o Governador dc - Carta do Rei ao Superintendente da Casada Moeda Inácio dc Moraes
Pernambuco, sobre o que obrou na redução do gentio Canindé no Ceará. Sarmento, em 07.03.1702.
fl. 105v.
- Carta do rei, Lisboa 05.10.1700, para o Governador e Capitão Geral

190 191
- Carta do Rei ao Desembargador Cristóvão Soares Rei mão sobre o bengala de ajudante do n.° que vagou pela reforma de Baltazar Pires,
bando que o governador geral do Estado do Brasil mandou lançar como também a de ajudante supra Antonio de Figueiredo, envLisboa,
naquela Capitania, em 03.04.1702. 28.03.1703. 1 ^
fl. 1 0 8 v e 109. fl. 113v e 114.
- Carta do Rei ao Governador de Pernambuco sobre os índios da aldeia - Carta do Rei ao Ouvidor geral da Paraíba Cristóvão Soares Reimão
da Serra do Ibiapaba q/ tinham ido ajudar os moradores do Maranhão ordenando a liberdade dos índios paiacús q/ o Mestre de Campo Manoel
na guerra do Corso, em 28.03.1703. Alvares de Moraes Navarro havia capturado; Lisboa em 15.12.1700.
fl. 113v. fl. 74.
: • ... .I
- Carta do Rei para o provedor da Fazenda da Paraíba para que se - Carta do Rei ao Governador e Capitão Geral de Pernambuco - D.
pague ao Pe. Antonio Viveiros vigário dessa capitania a sua côngrua e Fernando Martins Mascarenhas de Lancastro sobre a unificação do
precedência aos mais filhos da folha secular; em Lisboa 24.01.1699. Estado do MaranhãO ‘as fazendas da freguesia de N. S. da Vitória do
fl. 09 Piauí, em Lisboa. 13.03.1702.
fl. 106v e 107.
- Carta do Rei para Antonio Rodrigues Pereira, provedor da Fazenda
de Pernambuco, sobre a forma das datas das terras de sesmarias, em - Carta do Rei ao provedor da Fazenda da Paraíba Salvador Goresma
05.02.1699. Dourado sobre a demarcação de terras que se dão de sesmarias, em
Lisboa 19.05.1703.
- Carta do Rei, em 05.02.1699 para o Governador de Pernambuco sobre
fl. 127v..
o que representou Antonio Rodrigues Pereira acerca da forma que devia
haver nas datas das terras de sesmarias. - Carta do Rei ao p/ o Desembaigador Cristóvão Soares Reimão,
referindo-se as medições e datas de terras de sesmarias que se acham
- Carta do Rei para o Governador e Capitão Geral de Pernambuco, D.
no distrito da Capitania do Rio Grande. Em 26.051703.
Fernando Martins Mascarenhas a respeito de soldados q/ tiraram umas
fl. 128.
índias umas da sua aldeia junto ao Piauí para usarem mal delas, em
05.09.1699. - Carta do Rei para o Desembargador Cristóvão Soares Reimão,
fl. 18. referindo-se a lei para a forma que se deve usar na repartição da légua
de terra que se há de dar a cada aldeia dos índios. Em Lisboa,
- Carta do Rei, para o bispo de Pernambuco sobre os índios da nação
22.05.1703.
Croma, em 20.01.1700.
fl. 127v e 128.
fl. 35v.
- Carta do Rei para Cristóvão Soares Reimão evidenciando a lei que se
- Carta do Rei, para o Provedor da Fazenda de Pernambuco referente
desse aos índios que se aldeiam uma légua de terra em quadra para a
o Pe. Miguel de Carvalho, em 20.01.1700.
sua habitação e sustento. Em Lisboa, 14.06.1703.
fl. 37.
fl. 129v.
- Carta do Rei para o Governador e Capitão de Pernambuco, D.
- Carta da rainha dirigida aos oficiais da Câmara de Pernambuco,
Fernando Marins Mascarenhas de Lancastro, referente o remédio q/
ordenando que se comece a tombar as terras de sesmarias pelo mais
aplicou para se comporem as diferenças em que os moradores do Piauí
dilatado sertão, sob os cuidados do Desembargador João de Puga (sic)
se achavam, escrita em Lisboa 27.09.1700.
e Vasconcelos. Lisboa, 19 de agosto de 1704.
fl. 52.
fl. 158.
- Carta do Rei ao Governador de Pernambuco sobre haver provido a

i o -j
C Ó D IC E 265
III Relação dos Inventários Analisados
- Documento datado de 04.03.1702, escrito em Lisboa, constando
parecer dos governadores de Pernambuco e .Maranhão sobre a anexação Cartório do l 2 Ofício - Campo Maior (Amostragem)
do Piauí ao Maranhão.
fl. 163. - Martinho Ferreira de Azevedo - 04.10.1798.
- José Femandes de Carvalho - 07.10.1768.
C Ó D IC E 1.087
- Manoel da Cunha de Carvalho (capitão-mor) - 25.06.1793
- Carta de Domingos Afonso Sertão dirigida a D. João de Alencasrre. - Ignácio Luis de Magalhães - não identificada a data.
Governador e Capitão Geral do Brasil, escrita na Bahia a 15.01.1702.
fl. 399, 400 - Inventariado não identificado - 13.09.1791.
- Graciano Gomes - 29.09.1768.
CAIXA 8 - Euselia Maria Viollante - 09.01.1784.
- Carta de Francis Dias Siqueira Capitão-mor da Capitania do Sertão - Antonio da Costa Botelho - 14.08.1772.
do norte, Ceará-Maranhão ao El-Rei em 16.10.1691, sobre a ocupação
- Angela Maria da Conceição - 1793.
da comarca do Maranhão e o relacionamento entre o desta com a Bahia.
- João da Costa Rabelo - 30.08.1780.
- Cópia da carta do capitão Francis Dias de Siqueira sobre o
descobrimento do caminho por terra que facilitasse a comunicação - Miguel Alvares de Araújo (capitão) - maio de 1781.
entre o estado do Maranhão e o Brasil, e a necessidade de que fossem - Lino Alvares Ferreira - 12.08. 1791.
povoadas e aproveitadas as terras do sertão, datada de 16.10.1691.
- Inventariado não identificado - 1793.
CAIXA 36 - Inventariado não identificado - 1781.

- Cópia das Juntas das Missões que se tem feito nesta capitania de - Antonio Gonçalves de Moraes - 1783.
Pernambuco desde vinte de abril de quarenta e seis (20.04.1746), em - Inventariado não identificado - 1763.
que se tiraram as que naquele ano fizeram e foram na frota.
-José Coelho Nunes (sic) -30.12.1769.
J u n ta convocada pelo Ilm° e Exm° Sr. D. M arcos N o ro n h a,
G overnador e C apitão Geral destas capitanias na qual assiste o Exm° e - Joanna dos Reis Ribeiro - 1766.
Reverendíssim o Sr. D. Fr. Luís de S“. Tereza e Bispo destas capitanias e os
- Felix de Sousa Nogueira (Tenente) - 1781.
mais deputados abaixo assinados, no dia d e hoje.
17.06 . 1746. - Isabel de Castelo Branco - 14.09.1776.
Propôs-se a carta do Pe. Missionário da aldeia do Brejo, Frei - Manoel Ferreira Valle - 1764.
Miguel da Transfiguração do distrito de Rodelas, representando a pouca
- Antonio Vieira de Castro - 08.03.1777.
obediência dos índios, e que estes se metiam nos matos, sem quererem
estar na Missão. - Domingos Pereira Leal - 16.09.1768.
- Damião Rodrigues de Brito - 1788.

194 195
- Joaquim José de Sousa - 11.11.1796. - Francisco Soares de Mello -1782.

- José Manoel da Silva - 1795. - Cipnano Gomes da Cunha - 19.11.1777.

- Vicente de Souza Coutinho -13.09.1798. - João Antonio Gomes - 16.06.1792.

- Pedro Marinho de Melo - 1793. - Izabel Francisca Azevedo - 05.06.1722.

- Caetano Perez Nunes de Brito -1799 - Ricardo Ferreira Parcos - 1799

- José Manoel da Silva - julho de 1795 - José da Silva de Morais - 09.03.1778.

- Vicente de Souza Coutinho -13.09.1798. - Anna Maria de Almevda - 1781.

- Pedro Marinho de Melo - 1793. - Lourenço Mendes da Silva - 1779.

- Caetano Perez Nunes de Brito -1799 - Constantino Lopes Ribeiro - 1796.

- José Manoel da Silva - julho de 1795 - Antonio da Costa de Oliveira - maio/1779.

- Antonio de Vivevros - 23.02.1778. - Antonio de Sousa Lima - 21.08.1799

- Fellippe de Figueiroa Milhares - 21.05.1772. - Vicente de Souza Coutinho -13.09.1798.

- Roberto de Souza - 11 ...


- Pedro Marinho de Melo - 1793.

- Francisco Alvares Campos - 31.03.1795. - Caetano Perez Nunes de Brito -1799

- Anna Maria de Jesus - 13.08.1799 - José Manoel da Silva - julho de 1795

- Clara Senyra de Macedo - 12/1771. - Antonio de Viveyros - 23.02.1778.

- Ignacia de Miranda Vazaz (sic) - 08/1770 - Fellippe de Figueiroa Milhares - 21-05.1772.

- João da Costa Perevra - 22.08.1783. - Roberto de Souza - 17...

- Maria Caetanna - 1800. - Francisco Alvares Campos - 31.03.1795.

- Antonia A. de Britto - 23.02.1777 - Anna Maria de Jesus - 13.08.1799

- Maria Joaquina - 22.09.1777 - Clara Senyra de Ma'cedo - 12/1771.

- Manoel Ferreyra Furtado - 09.07.1763. - Ignacia de Miranda Vazaz (sic) - 08/1770

- Antonio Ribeiro de Movra - 24.09.1763. - João da Costa Pereyra - 22.08.1783.

- Marianna Francisca de Jesus - 30.06.1770. - Maria Caetanna - 1800.

- Manoel de Freitas Corrêa - 18.06.1770. - Antonia A. de Britto - 23.02.1777

- Silvestre Vieira Gomes - 15.06.1793. - Maria Joaquina - 22.09.1777

- Francisco Tavares de Mello - 04.02.1776. - Manoel Ferreyra Furtado - 09.07.1763.


Éh;

A✓ 197
- Antonio Ribeiro de Moyra - 24.09.1763.
JoAO ^
- Nlarianna Francisca de Jesus - 30.06.1770.
- Manoel de Freitas Conca - 18.06.1770.
- Silvestre Vieira Gomes - 15.06.1793.
Editoração Eletrónica
- Francisco Tavares de Mello - 04.02.1776.
M arcos Vilhena
- Francisco Soares de Mello -1782.
- Cipriano Gomes da Cunha - 19.11.1777. Digitação e Revisão
- João Antonio Gomes - 16.06.1792. Janice Batista

- Izabel Francisca Azevedo - 05.06.1722.


C apa
- Ricardo Feneira Parcos - 1799 Marcos Vilhena
- José da Silva de Morais - 09.03.1778.
- Anna Maria de Almeyda - 1781.
- Lourenço Mendes da Silva - 1779.
- Constantino Lopes Ribeiro - 1796.
- Antonio da Costa de Oliveira - maio/1779. Ilustrações da capa:
- Antonio de Sousa Lima - 21.08.1799 “Escravas negras de diferentes nações” (detalhe)
Litografia de C harles Motte e Desenhos de Debret
- Ana Rosa da Silva - 17...
- Ricardo Feneira Parcos - 1799
- José da Silva de Morais - 09.03.1778.
-Anna Maria de Almeyda - 1781.
- Lourenço Mendes da Silva - 1779.
- Constantino Lopes Ribeiro - 1796.
- Antonio da Costa de Oliveira - maio/1779.
- Antonio de Sousa Lima - 21.08.1799
IM P. N A GRÁF. D A UFPI
- Ana Rosa da Silva - 17...

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