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2o Fórum da Rede NE do Livro e da Leitura: reflexões sobre o livro na Bahia e no

Nordeste – 22 e 23 de abril de 2009


 
Livrarias nas Políticas Governamentais e Distribuidores e Livreiros juntos para o
escoamento da produção
Mileide Flores
 
Gostaria de iniciar a minha fala, com uma provocação feita durante o Seminário
promovido pelo Deputado Marcelo Almeida, em Brasília em outubro de 2008, pela
comemoração ao dia do Livro e da Biblioteca: foi questionado, diretamente aos
representantes do MinC, de como  as livrarias eram vistas dentro dos projetos das
políticas públicas que estão sendo estabelecidas pelo MinC. Sem respostas à
indagação o silêncio toma conta. A mesma indagação fiz durante o 1o Fórum em
Fortaleza em novembro de 2008: Como as livrarias são vistas? Como são definidas?
Quem somos dentro desta cadeia? Porque não temos respostas? Será que é pela
dificuldade em responder que as livrarias são mencionadas apenas nas falas, mas não
nas ações?
 
Minutos depois, fomos brindados pelo representante do MEC, o Sr. Carlos Xavier, no
seguinte: “... Quando se fala livraria, as coisas começam a entrar num terreno meio
pantanoso. É aquele tipo de coisa: todo mundo elogia, todos acham ótimo, mas é o
setor menos equacionado. Talvez, até pela nossa tradição cultural na área da indústria
do livro, nós temos nas livrarias realmente o elo mais fraco dentro dessa cadeia
economicamente falando. Ao mesmo tempo, eu só entendo que as livrarias terão um
poder maior de fogo a partir do momento em que elas tiverem uma proposta ousada,
unida e que possa ser uma bandeira nacional para a união de todos. Por exemplo, a
questão do preço fixo (para nós livreiros é a Lei do Fomento do Livro e da Leitura). …..
Eu acredito que falta para as livrarias, como não falta, por exemplo, para o setor
editorial, como não falta para os autores, uma bandeira que possa unir nacionalmente
numa luta política mesmo. ….. Apenas uma informação. Semana passada, num
congresso do CEPAL, no Chile, e pela primeira vez também eu vejo em nível
internacional, pelo menos ibero-americano, uma moção pelas livrarias, assinada em
conjunto por todos os representantes de editoras, livreiros, produtores culturais,
membros de governo etc. e tal. Em vários países estão sendo recomendadas políticas
públicas para incentivar e apoiar a formação de livrarias físicas e digitais, partes
fundamentais de políticas de acesso à leitura etc. Etc”
 
Quando o representante do MEC falou em “terreno pantanoso” me veio a famosa frase
do Geir Campos, sempre lembrada por mim, de que “..é quando se coloca o pé em
uma  livraria é que começam todos os problemas sociais e econômicos, culturais e
políticos que cercam a produção e a circulação do livro em nosso país (Cartas aos
Livreiros do Brasil, 1960)
 
Acho que esta é a resposta calada. Somos “pantanosos” e, por isso, acredito que este
seja o motivo da Livraria estar posicionada apenas no 4o eixo do PNLL, Cadeia
Produtiva. As Livrarias também estão encaixadas na Cadeia Mediadora. A nossa
responsabilidade vai além do econômico,  somos também, agentes culturais,
mediadores, formadores e mantenedores da leitura e dos leitores. Desta forma, ela tem
por obrigação de ser vista como parceira ideal e fundamental para qualquer política
pública do livro e da leitura. Sem o envolvimento das livrarias, das bibliotecas e dos
escritores nas políticas de aquisição de livros tais políticas seriam meramente
mercantis. E é por isso que se gasta tanto, há tanto tempo, sem se ter retorno paritário
necessário na relação do custo x formação/manutenção de leitores.
 
As livrarias devem ser compreendidas, segunda as divisões clássicas da economia em
1º. Produção, Distribuição e Consumo: estão compreendidas na esfera da
distribuição, preenchendo a necessidade de aproximar o autor e o livro do
estudante comprador, do intelectual comprador e do interessado comprador;
2º. Em Primária, Secundária e Terciária, nos coloca  na esfera do Terciário, que se
expande, se moderniza e retrata a cara das cidades, pois a livraria representa
comércio de um bem cultural precioso, capaz de civilizar e democratizar;
3º. Em setor Intensivo em Tecnologia, Intensivo em Capital e Intensivo em
Trabalho, coloca as livrarias na esfera do Intensivo em Trabalho, que realiza a
grande função social de empregar pessoal, permanente ou sazonalmente, direta
ou indiretamente.
 
As Livrarias são um fenômeno institucional complexo, com missão complexa e de
grande fragilidade. Não existimos apenas para espelhar as fragilidades de uma política
social carente de mudanças, não existimos apenas para revelar as condições
precárias  de comercializar livros em um país de baixa renda e de renda mal
distribuída, de um país cheio de analfabetos e de alfabetizados funcionais, sem elite
ilustrada, sem crenças arraigadas na revelação do livro. 
 
Não podemos ser interessantes apenas a nós mesmos ou aos poetas que com ironia
ferina ou admiração manifesta, sempre nos colocaram a par com as musas. Para
Gregório de Matos, em A um livreiro que havia comido um canteiro de alfaces com
vinagre, no século XVII, ele polemiza as habilidades de sobrevivência dos livreiros da
seguinte forma:
“Levou um livreiro a dente / de alface todo o canteiro / e comeu, sendo livreiro /
desencadernadamente.
Porém, eu digo que mente / a quem disso o quer taxar / antes é para notar /
que trabalhou como mouro / pois meter folhas no couro / também é
encadernar”
Ou, para Carlos Drummond de Andrade, em Espaço Livraria, no século XX, fala dos
poderes de salvação e de perdição da livraria:
“Primeira livraria, Rua da Bahia / A Carne de Jesus, por Almáquio Diniz / não
leiam! obra excomungada pela igreja / rutila no aquário da vitrina / terror visual
na tarde de domingo
Um dia, quando? / vou entrar naquela casa / vou comprar / um livro mais
terrível que o de Almáquio / nele me perder – e me encontrar”
 
Por isso, é fato dizer, sem medo da repetição de que sem envolver as livrarias nas
compras governamentais e, sobretudo, sem resolver a falha fundamental da baixa
escolaridade e da baixa renda nacional, o Brasil continuará sendo,
paradoxalmente, um ótimo produtor e um péssimo consumidor de livros. Assim, o
efeito-demonstração e o efeito-vitrine, realmente motivador que bienais e feiras de
livros apresentam, não surtirão os efeitos esperados de uma democratização do livro,
útil como cultura, como direito e como negócio. As livrarias têm que ser percebidas
como parceiras estratégicas das autoridades públicas.
 
Acreditando em se tratar, realmente, de um “terreno pantanoso” pontuarei alguns
conflitos existentes neste mercado.
 
A princípio o mercado do livro é composto por dois conjuntos de interesses:
·       Primeiro: o editor, ofertante do produto manufaturado, e o livreiro, atendido
muitas vezes por atacadistas e distribuidores;
·       Segundo: o livreiro com os consumidores finais, sejam pessoas físicas ou
jurídicas. Muitas vezes o livreiro é substituído pelo autor, pela própria editora e
por colégios.
Por trás, temos na composição da cadeia produtiva do livro os setores:
·       Autoral (escritor, tradutor e ilustrador - o escritor muitas vezes faz o papel
do livreiro e do distribuidor),
·       Editorial (o editor, a editora - muitas vezes faz o papel do livreiro),
·       Gráfico (terceirizado pela editora e muitas vezes faz o papel das editoras)
·       Produtor de papel,
·       Produtor de máquinas,
·       Distribuidor (muitas vezes faz o papel do livreiro),
·       Atacadista (muitas vezes faz o papel do livreiro),
·       Livreiro (pessoa jurídica que atende o consumidor final) e
·       Bibliotecário.
 
Cada um destes setores é formado por uma grande quantidade de agentes que em
muitos momentos aparentam interesses conflitantes.
 
A Associação Nacional de Livrarias (ANL) publicou em outubro de 2007 o diagnóstico
do Setor Livreiro no Brasil onde constata que existem 2.600 livrarias sendo que 70%
são de médio e pequeno porte; - faturamento mensal entre R$ 35 mil e R$ 45 mil;
ganho líquido de 5%; - cada vez menos empresários buscam investir num negócio que
exige muito trabalho, muito esforço pessoal e um ganho real muito baixo como
conseqüência. Em 1999, 35,5% municípios possuíam livrarias e em 2006 apenas 30%
dos 5.564 municípios.  Uma queda de 15,5% dos municípios com livrarias no país
(IBGE, 2007).
 
Passemos então às provocações da organização, para termos mais tempo para o
debate ao final.
 
Porque o MINC não apresenta ações voltadas para os Livreiros e Distribuidores?
 
Acho que esta respondida no contexto da introdução.
 
Passemos a outra indagação: a pesar dos fatos como podemos ser parceiros?
 
1. 1.Parceirizar nas discussões para agilização do processo de Regulamentação
das Leis já existentes e da criação de novas Leis.
2. Provocar discussões em torno da criação de linhas de crédito a fundo perdido, tal
qual a agricultura familiar. Não podemos esquecer que são as pequenas e as médias
Livrarias, os parceiros mais adequados para o desenvolvimento das políticas de leitura
de qualquer esfera governamental. Não se pode esquecer que desenvolvimento
econômico de um pais passa pelo poder de conhecimento e de formação de seu povo.
3. Não se pode ter uma única política pública quando temos problemas radicalmente
diferentes regionalmente. O Brasil tem que ser percebido de forma universal com
preocupação para suas peculiaridades regionais, e tratado de acordo com estas
diferenças.  Para exemplificar é só pegar dados estatísticos para que se perceba
quantos “brasis” existem em relação ao acesso à cultura, à educação e aos níveis de
pobreza. Por isso, a inserção nas compras governamentais dos livros produzidos na
região é fundamental para a sua compreensão.
1.               Obs. O PIB gerado nas regiões Norte e Nordeste comparado com o
resultado da pesquisa da FGV, 2001, sobre a concentração dos maiores índices de
pobreza, analfabetismo e desqualificação no ensino básico fez perceber que
exatamente nestas regiões, Norte e Nordeste, estão os piores índices de leitores e de
quantidade de livrarias. Em observação aos dados podemos concluir que pobreza e
desqualificação cidadã extinguem livrarias e leitores, a extinção de livrarias e leitores
aumenta a pobreza e a desqualificação cidadã, num ciclo vicioso de extrema
perversão.
4. Manutenção de Seminários Regionais, como este, aproveitando as Bienais e/ou
Feiras para escutar e estabelecer diretrizes regionais de Políticas Especiais são de
grande valia.
5. O produto Livro tem que ser tratado da mesma forma por todo o setor comercial. 
Não cabe o disparate de tributar o produto livro de forma diferenciada levando-se em
conta o tamanha da empresa que o negocia. O Deputado Antônio Palloci já
encaminhou um projeto de Lei a respeito do assunto.
6. Que o projeto aprovado no Senado, do Senador Cristovão Buarque sobre a cesta
básica de Livro, seja criado mecanismos para o envolvimento das livrarias na venda
destes livros para os beneficiados do projeto. Além da possibilidade de aumentar o
potencial de venda do segmento, a possibilidade destas pessoas de entrar em contato
com o mundo encantador da bibliodiversidade.
7. As compras permanentes das bibliotecas públicas sejam feita através das livrarias,
pra isso a necessidade de orçamento constante para renovação de acervos.
8. Com relação as nossas Bienais: onde estão os nossos escritores, os nossos
livreiros, distribuidores e editores? Qual a porcentagem de presença da produção
regional nas nossas feiras e bienais? A maioria dos eventos do livro no país é realizado
através da Lei Rouanet, este deveria ser um ponto de aprovação do projeto.
 
2.   A relação livreiro e distribuidor é sempre naturalmente tensa?
 
Acho que o questionamento deva ser entre livreiro e editora. O distribuidor está tão
frágil na cadeia quanto o livreiro. O problema não é no distribuidor e sim na política de
distribuição no país. Vejamos:
 
3.  Incentivos para regionalização do setor gráfico, na percepção de diminuir o
custo de distribuição do livro no país e aumentar a indústria gráfica nas diversas
regiões aumentando, assim, mão de obra qualificada e empregos. Fator este que
pode provocar a qualificação e aumento de toda a cadeia do livro e da leitura,
regionalmente.
4.  Que seja revisto o custo frete, o tratamento deve ser diferenciado para o
produto. A modalidade PAC dos Correios é bem vinda mas não resolve.
5.  O custo de manutenção de uma livraria no Nordeste é assustador: - a
rotatividade da venda do livro é menor; - o custo frete, apesar de ser embutido no
preço do livro é arcado pelo livreiro regional, na maioria das vezes; - a
concentração de pequenos e médios livreiros é muito grande na região e não
foram beneficiadas com a retirada do PIS e COFINS etc.
 
As relações comerciais neste segmento são sempre tensas, ninguém se vê como
parceiro, todos querem exercer as mesmas funções, como visto anteriormente nas
áreas de conflito. Precisamos reverter esta situação sob o risco de desaparecermos do
mercado e com isso, a cara das cidades, a formação do caráter de cidadania da
população, ao mesmismos dos best sellers, das livrarias formatadas, das linguagens
regionais, do autor e das editoras regionais etc.
 
6.              É também papel do estado sugerir ações que signifiquem relações mais
saudáveis entre pares de uma mesma cadeia produtiva? Dê exemplos de ações
otimizadoras.
 
Neste caso acho que a cadeia vai ter que encontrar o seu eixo, está dentro dela a
responsabilidade. Cabe ao governo a intervenção enquanto política pública de estado e
não interferir nas relações comerciais entre pares. Ao meu ver o governo entra com a
criação de mecanismos de fiscalização ao segmento, que inexiste, concordo com a
idéia da criação de uma ANCINE para o livro. O preço do livro, por exemplo é uma
caixa preta para a maioria dos que compõem a cadeia do livro. Por isso a defesa por
nós livreiros da Lei do Fomento do Livro e da Leitura (falar um pouco).
 
Porque um dos grandes problemas da cadeia produtiva no livro no NE é a
questão da distribuição?
 
Não concordo com a frase. O grande problema está na fragilidade desta cadeia no
Nordeste diante da concentração de mando e de comando do eixo Rio/ São Paulo e
dos problemas sócio-econômico-culturais da população nordestina. O problema da
distribuição é um problema nacional. Inexiste no país qualquer tipo de política de
distribuição do livro no país. Me parece ser um problema que extrapola o mercado
livreiro, haja visto o problema de escoamento de qualquer outro produto.
 
A pesquisa Retratos da Leitura no Brasil coloca que 25% da população leitora do país
esta no Nordeste, dado que preocupa ainda mais a falta de política voltada para a
produção local
 
Como fazer os distribuidores passarem a distribuir autores locais nordestinos?
Esta é uma questão puramente de demanda econômica e de falta de uma rede de
livrarias na região. Na falta de leitores a cadeia como um todo perece. Mas pontuemos
algumas ações paliativas: campanhas publicitárias etc
 
Para finalizar, é bom ressaltar que não existe outra cadeia capaz de produzir e
comercializar tanto produto novo e, ao mesmo tempo, tão frágil por estar
intrinsecamente ligada às mudanças de humor político, econômico e cultural das
políticas públicas de um país.  Somos sabedores que o país vive hoje um acúmulo de
crises, quando a maior delas encontra-se no setor social, no emprego, na segurança,
na saúde e na educação, por isso é grande a necessidade de se ler e de se
compreender um texto escrito devido à urgência de mudança no olhar com que
compreendemos nosso país e sua posição no mundo. Sabe-se que o poder de uma
sociedade é dado pela capacidade comunicativa, pelo capital cultural e pelo capital de
informação de seus cidadãos. Por isso entende-se que livro é direito.
 
Mas o LIVRO, enquanto produto, é visto sob vários olhares, aumentando, assim, o
desafio para definição e entendimento sobre a sua cadeia produtiva e comercial. O livro
é mercadoria, de editores, distribuidores e livreiros, mas também é instrumento
universal de educação e cultura.
 
Sob estes vários olhares, o LIVRO e o seu MERCADO geram um descompasso na sua
base econômica devido à imensa oferta global e a limitadíssima capacidade de
absorção do consumidor individual. Este descompasso pode ser atribuído a duas
outras situações contraditórias, o livro é um bem muito barato de se produzir em
comparação ao custo de produção de um leitor e por isso, pode-se pensar, os motivos
da proliferação de editoras em relação ao baixo número de leitores e ao baixo número
de livrarias.
 
Precisamos entender todos os componentes deste elo, por isso iniciativas como estas
são merecedoras de nossos aplausos, parabéns aos organizadores, parabéns a
Tarciana Portella e ao Sérgio Rivero pela provocação.
 
Obrigada

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