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MATURAÇÃO BIOLÓGICA
COORDENAÇÃO PERCEPTO-MOTORA
Locomoção
Destreza manual
Controle dos esfíncteres
UMA NOVA MANEIRA DE PENSAR
Completando os subestágios sensório-motores
O domínio da permanência do objeto
A resolução de problemas
A brincadeira
A imitação
O desenvolvimento da capacidade de categorizar
A capacidade de perceber as figuras como representações As relações
mutáveis entre palavras, pensamentos e ações
DESENVOLVIMENTO DAS RELAÇÕES ENTRE A CRIANÇA E
O CUIDADOR
Explicações sobre o apego
Padrões de apego
UM NOVO SENTIDO DO EU
Auto-reconhecimento
O Eu como um ator
Uma percepção dos padrões
A emergência das emoções secundárias
O FIM DA FASE DE BEBÊ
236
O self e seus limites estão no cerne da especulação filosófica sobre a
natureza humana, e a percepção do self e sua contraparte, a percepção do
outro, são fenômenos universais que influenciam profundamente todas as
nossas experiências sociais.
Daniel Stern, The Interpersonal World of the Infant
Pouco antes do segundo aniversário de Jake, sua mãe, Barbara, seu pai e
irmãos foram passar algumas semanas na Suíça e deixaram Jake, aos
cuidados de sua tia Retta. Antes da viagem, a mãe de Jake providenciou
para passar uma semana na casa de sua irmã com Jake, para que ele tivesse
a oportunidade de se familiarizar com o ambiente. No início, Jake ignorou
todos na casa de sua tia, exceto sua mãe e sua prima de quatro anos de
idade, Linda. A primeira tarde, no tanque de areia, com Linda, ele se
sentou e observou fascinado, enquanto ela conduzia um chá para seu
ursinho e seu coelhinho. Depois de um tempo, ele colocou vários pequenos
recipientes enfileirados na beira da caixa de areia, encheu um recipiente
maior com areia e, depois, despejou seu conteúdo nos recipientes
pequenos, imitando perfeitamente a sua prima. Então, Linda percebeu o
olhar dele. Dizendo "Bip-bip! Saia do meu caminho!", ela pegou um
caminhãozinho de brinquedo e o fez correr ao longo da beirada do tanque
de areia, derrubando as xícaras de chá e os bichinhos de pelúcia. Em um
instante, Jake estava gritando "Bip-bip" e derrubou seus recipientes com
um carrinho de brinquedo. Linda ria freneticamente. Jake também riu e
saiu com seu carro atrás do caminhão dela em volta da beirada do tanque
de areia.
Daí em diante, Jake seguia Linda pela casa. Se ela pedia a sua mãe algo
para comer ou beber, ele estava bem atrás dela, esperando pela sua parte.
Jake não falava diretamente com a sua tia e não permitia que ela mudasse
sua fralda ou o ajudasse. Durante muito tempo, ele recusou a ajuda de
qualquer pessoa, mas, se realmente não conseguia fazer alguma coisa,
dizia, "mamãe faz". Jake sabia que Barbara ia viajar. "Você já vai,
mamãe?", perguntou ele várias vezes durante aquela semana.
Naquela tarde, Jake caiu e arranhou seu joelho enquanto estava chutando
uma bola. Correu chorando para seu pai. O pai, que estava ocupado naquele
momento, sugeriu-lhe que pedisse a sua mãe para colocar um curativo no
seu machucado. Jake correu para a cozinha, onde sua tia e sua mãe estavam
sentadas, "mamãe, olha", disse ele, mostrando o machucado para sua tia e
ignorando sua mãe. Quando Barbara se ofereceu para ajudar, Jake recusou.
Mais tarde, na piscina, Jake estava mostrando a seu pai tudo o que havia
aprendido a fazer. "Mostre a mamãe", disse seu pai, desconfiando de algo.
Suas desconfianças foram confirmadas quando Jake se voltou e tentou
chamar a atenção de sua tia. Jake havia chamado seu tio de "papai"
durante toda a sua estada, mas assim que seu pai apareceu em cena de
novo, seu tio se tornou "tio Len" e seu pai se tornou "papai". Essa
mudança não ocorreu em relação à "mamãe". Durante os três dias que a
família de Jake permaneceu na casa de seus tios, Jake ignorou Barbara e
se recusou a permitir que ela fizesse qualquer coisa para ele. Quando
estavam preparando-se para voltar para sua própria casa, no entanto, Jake
olhou para sua tia e disse, "Tchau, tia Retta". Depois, voltando-se para
Barbara, ele se dirigiu a ela diretamente pela primeira vez desde que ela
voltou. "Vamos, mamãe", disse ele, erguendo os braços como que querendo
dizer que ela o pegasse no colo. As mudanças que aconteceram no
comportamento de Jake desde seu primeiro aniversário revelam muito sobre
o fenômeno desenvolvimental que marca o segundo ano de vida. Em seu
primeiro aniversário, Jake estava começando a andar; ao se aproximar do
segundo, ele já corre e sobe nos móveis com facilidade. Também está muito
mais hábil na manipulação de objetos pequenos. Aos 12 meses de idade, seu
vocabulário consistia principalmente de palavras isoladas e de alguns
conjuntos de frases - "suco", "lobo", "mamãe", "foi embora"; agora, as
habilidades de linguagem de Jake permitem-lhe comunicar-se mais
eficientemente e participar de uma brincadeira de faz-de-conta com outra
criança. Jake ainda fica apreensivo diante de pessoas e lugares
estranhos, e ainda está tão fortemente ligado a seus pais que é difícil
para ele se adaptar quando deixado na casa de sua tia. Do ponto de vista
cognitivo, ele é suficientemente sofisticado para "punir" sua mãe por sua
ausência, tratando sua tia como sua mãe até o momento de entrar no carro
para voltar para casa.
MATURAÇÃO BIOLÓGiCA
COORDENAÇÃO PERCEPTO-MOTORA
LOCOMOÇÃO
Quando os bebês se aproximam do seu primeiro aniversário, tornam-se
capazes de ficar de pé e andar, o que lhes permite cobrir uma distância
maior e libertar suas mãos para explorar e manipular os objetos. No
início, precisam de algum tipo de ajuda para andar. Essa ajuda pode vir
de várias formas. Muitos bebês conseguem ficar de pé se agarrando no pé
de uma cadeira ou esticando o corpo para se apoiar no assento de uma
poltrona. Vendo essas tentativas, os cuidadores freqüentemente auxiliam,
segurando os dois braços do bebê para ajudar nos primeiros passos
hesitantes. Em uma série de estudos, Esther Thelen e sua equipe
acompanharam o desenvolvimento de várias habilidades que convergem para
permitir que a criança ande (Thelen e Ulrich, 1991; Thelen et ai., 1989).
O andar traz mais mudanças para as vidas dos bebês do que trouxe o
engatinhar. Como diz tão eloqüentemente Selma Fraiberg (1959, p. 61), o
andar representa "um corte nas amarras que liga o bebê ao corpo da
mãe ... Para a criança que dá seus primeiros passos e se vê andando
sozinha, este momento deve proporcionar a primeira sensação pronunciada
de singularidade de separação do seu corpo e do corpo de sua mãe, dá-se a
descoberta do self solitário".
DESTREZA MANUAL
A coordenação dos movimentos finos da mão aprimora-se significativamente
entre os 12 e os 30 meses. Os bebês de um ano de idade podem rolar uma
bola ou atirá-la desajeitadamente; quando estão com dois anos e meio,
conseguem lançá-la. Conseguem também virar as páginas de um livro sem
rasgá-las ou dobrá-las, cortar papel com tesoura, enfiar contas com
agulha e linha, construir uma torre com seis blocos de altura com
considerável facilidade, segurar uma caneca de leite ou uma colher de
papa de maçã sem derrubar, e vestir-se sozinhos (contanto que a roupa não
tenha botões, ou que os sapatos não sejam de amarrar) (Gesell, 1929).
Cada uma dessas realizações pode parecer menor em si, mas cada habilidade
requer uma boa parcela de prática para dominar a tarefa e aumenta a
competência geral dos bebês. Mesmo um ato tão elementar quanto usar uma
colher requer uma coordenação incrivelmente precisa (Connolly e
Dalgleish, 1989). A Figura 6.3 descreve as várias maneiras como os bebês
entre 10 e 23 meses de idade tentam segurar uma colher. Depois que a
colher é mergulhada na comida, ela deve ser segurada de tal maneira que
nada se derrame enquanto ela é conduzida até os lábios. Então, seu
conteúdo deve ser esvaziado na boca. Entre os 10 e 12 meses de idade, os
bebês podem apenas fazer tarefas simples com uma colher, tais como batê-
la na mesa ou mergulhá-la repetidamente na tigela. Crianças um pouco mais
velhas conseguem coordenar as ações de abrir sua boca e levar a colher
até ela sem derramar, e colocar a colher na boca. Quando essa seqüência
de ações elementar é completada, ela é, então, ajustada até se tornar
simples e automática. Com todas essas ações coordenadas a serem reunidas,
não surpreende que demore até os dois anos ou mais para se poder deixar
uma criança com uma colher e uma tigela de cereal e esperar que boa parte
do cereal vá parar na boca da criança!
FIGURA 6.2
A progressão do arrastar-se para o engatinhar e para o andar segue uma
seqüência desenvolvimental clássica. Cada novo estágio na locomoção
permite às crianças se moverem mais rapidamente e envolve uma mudança
qualitativa no padrão do seu comportamento.
Como vimos nos Capítulos 4 e 5, Piaget acreditava que todas as ações dos
bebês nos quatro primeiros subestágios do desenvolvimento sensório-motor
estão muito ligadas ao aqui e ao agora - ao que o bebê está
experimentando no momento - e que, antes de um ano de idade, a capacidade
do bebê de pensar sobre objetos ausentes é bastante limitada (ver Tabela
6.1). No entanto, segundo Piaget, em torno de dois a dois anos e meio, o
pensamento da criança sofre uma transformação qualitativa, que ele
atribuiu à emergência do pensamento simbólico ou representação - ou seja,
a capacidade para, mentalmente, fazer com que algo fique no lugar, ou
represente, outra coisa ou alguém. Até mesmo os estudiosos do
desenvolvimento que discordam de grande parte da teoria de Piaget,
concordam que, por volta do final do segundo ano de vida, as crianças
começam a pensar de uma nova maneira (Case, 1998; Fischer e Bidell, 1998;
Kagan, 1982; Vygotsky, 1934/1987).
FIGURA 6.4
As crianças no estágio 5 do desenvolvimento da permanência do objeto não
conseguem manter uma idéia firme da permanência de um objeto quando seu
local é mudado m o seu conhecimento. (Extraída de Bower 1982.)
245
Uma vez tendo dominado a permanência do objeto, os bebês conseguem
antecipar a trajetória do deslocamento de um objeto que desaparece por
trás de uma barreira e prevêem o local da sua reemergência. Quando uma
bola rola para baixo de uma poltrona, por exemplo, uma criança de dois
anos de idade vai até o outro lado da poltrona para procurar por ela, em
vez de procurá-la debaixo da poltrona.
A RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS
A capacidade de raciocínio sobre as localizações de objetos não-vistos é
apenas uma manifestação da capacidade desenvolvida para resolver vários
problemas através da manipulação de representações mentais. As
observações de Piaget das suas filhas ilustram muito bem como essa
capacidade permite que as crianças mais velhas resolvam problemas
sistematicamente, e não por tentativa e erro. As duas meninas foram
confrontadas com o mesmo problema - como passar um objeto fino e comprido
por entre as barras do seu cercado (ver Figura 6.5) - mas elas resolveram
o problema de maneiras bastante diferentes, porque uma delas, Jacqueline,
estava no subestágio 5, enquanto a outra, Lucienne, estava no subestágio
6. Jacqueline, com 15 meses de idade, está sentada em seu cercado:
Fora do cercado está um objeto de 20 centímetros de comprimento, mais ou
menos à distância de cerca de três espaços entre as barras. De início,
Jacqueline tenta puxar o objeto para o seu cercado horizontalmente, mas o
objeto não passa pelas barras. Da segunda vez, ela acidentalmente vira um
pouco o objeto ao levantá-lo. Percebe isso e alcança o objeto por entre
as barras e o vira até ele estar suficientemente vertical para passar por
entre as barras. Mas, após várias tentativas subseqüentes, deixa claro
que esse foi um sucesso acidental; ela ainda não entendeu o princípio
envolvido. Nas próximas várias tentativas, ela pega o objeto pelo meio e
o puxa horizontalmente contra as barras. Incapaz de consegui-lo dessa
maneira, ela, então, o vira para cima. Só na décima sétima tentativa ela
vira o objeto antes de ele tocar as barras, e só na vigésima ela consegue
fazê-lo sistematicamente. (Adaptado de Piaget, 1952b, p. 305.).
Jacqueline parecia ter um objetivo claro em mente, porque foi,
certamente, persistente. Continuou a trabalhar no problema até resolvê-
lo. Mas seus esforços foram, às vezes, bem-sucedidos, e, às vezes, não.
Quando ela conseguia, não entendia o porquê. Só percebeu a solução após
muitas tentativas e muitos erros. Essa experiência é característica do
subestágio 5 do período sensório-motor.
Embora tivesse dois meses menos que Jacqueline quando lhe foi apresentado
esse problema, a resolução de problemas de Lucienne era mais sofisticada,
um lembrete de que as normas de idade associadas aos estágios
piagetianos, assim como outras normas desenvolvimentais, são apenas
aproximadas.
Lucienne pega o objeto pelo meio e o puxa horizontalmente. Percebendo o
seu fracasso, ela afasta o objeto, vira-o e passa-o por entre as barras
facilmente. Quando o objeto é novamente colocado no chão, ela o pega pelo
meio e o vira antes de passá-lo entre as barras, ou o pega por uma de
suas extremidades e o passa facilmente por entre as barras. Ela faz isso
com objetos mais compridos e nos dias subseqüentes. Ao contrário de sua
irmã Jacqueline, que teve de tentar várias vezes até conseguir uma
solução, Lucienne imediatamente percebeu a razão do seu fracasso.
(Adaptado de Piaget, 1952b, p. 336.). Vemos, nas ações de Lucienne, a
essência do comportamento sensório-motor do subestágio 6; ela parece
estar usando as informações que não estão imediatamente disponíveis aos
seus sentidos para resolver o problema. Em vez de passar pelo lento
processo de tentativa e erro, como fez sua irmã, Lucienne parece ter
retratado uma série de eventos na sua mente antes de agir. Ela imaginou o
que aconteceria se ela puxasse o objeto horizontalmente. Depois, inferiu
que se virasse o objeto para que ele ficasse na posição vertical e
paralelo às barras, ele passaria entre elas. Piaget selecionou a
capacidade de Lucienne para resolver o problema apenas através da
inferência como a evidência-chave para a existência de uma nova maneira
de pensar no subestágio 6.
A BRINCADEIRA
Muitos estudiosos do desenvolvimento vêem nas brincadeiras das crianças
paralelos claros ao seu atual estágio de desenvolvimento cognitivo. As
primeiras origens do brincar podem ser observadas no comportamento
sensório-motor, como quando os bebês chutam seus pés enquanto estão
tomando banho pelo simples prazer de sentir e ver a água espirrando (uma
reação circular primária). Mais tarde, a brincadeira sensório-motora vai
além do próprio corpo do bebê e passa a incorporar objetos e relações
entre os objetos (reações circulares secundárias e terciárias) e envolver
outras pessoas, como na brincadeira do "esconde-esconde". Durante o
período dos 12 ou 30 meses de idade, surgem novas formas de brincar que
parecem refletir novas habilidades mentais (Bretherton e Bates, 1985;
Piaget, 1962; Zukow, 1986). Aos 12 ou 13 meses, os bebês usam objetos na
brincadeira de uma maneira muito parecida com a que os adultos os usam a
sério; ou seja, eles colocam colheres na boca e batem com martelos. No
entanto, por volta dos 18 meses, os bebês começam a tratar uma coisa como
se fosse outra. Eles mexem seu "café" com um uma varinha e penteiam o
cabelo da boneca com um ancinho de brinquedo ou, como fizeram Jake e sua
prima, agem como se a beirada de um tanque de areia fosse uma estrada.
Esse tipo de comportamento é chamado de brincadeira simbólica (também
chamada brincadeira de faz-de-conta ou fantasia): é a brincadeira em que
um objeto substitui - ou seja, representa - outro, como o ancinho está
substituindo um pente.
247
TABELA 6.2 QUATRO PASSOS NO DESENVOLVIMENTO DO BRINCAR
Tipo de uso do brinquedo (agente) Exemplo
250
4. As crianças de 30 meses simultaneamente coordenaram seu trabalho em
duas categorias importantes e criaram subcategorias em que os objetos
eram agrupados também segundo a cor. Começaram criando um espaço de
trabalho na frente delas e, depois, criaram duas categorias dentro dele.
Preencheram as categorias pegando o brinquedo que estivesse mais à mão e
colocando-o no grupo apropriado. Se essas crianças tivessem recebido uma
boneca logo depois de terem colocado um barco em seu respectivo grupo,
elas a colocavam junto com as outras bonecas. Parece, então, que uma das
principais mudanças cognitivas associadas ao fim da fase de bebê é a
capacidade de ir além do reconhecimento dos relacionamentos conceituais
para fazer uso ativo desses relacionamentos. As crianças conseguem, a
partir daí, construir categorias, segundo diferenças e correspondências
conceituais, de uma maneira mais flexível e sistemática.
FIGURA 6.7
De quantas maneiras você achaque pode organizar esses objetos? A
capacidade para categorizar barcos de uma cor e bonecas de outra e sub-
categorizá-las segundo a cor e a formae surge durante o final da fase de
bebê (Extraída de Sugarman, 1983.)
251
FIGURA 6.8
A capacidade para guiar o próprio comportamento usando um modelo emerge
no final da fase de bebê. (a) O experimentador (Judy DeLoache) esconde um
boneco em miniatura em um modelo em escala, enquanto uma criança de três
anos de idade observa, (b) A criança pega um boneco maior que foi
escondido no lugar correspondente no sala. (c) A criança pega o boneco em
miniatura que ela originalmente observou ser escondido no modelo.
257
Os macacos bebês demonstraram seu apego às mães de pelúcia após
separações de até um ano. Os pesquisadores colocaram os bebês em um
dispositivo em que, pressionando uma entre três alavancas, eles podiam
escolher olhar para a mãe de pelúcia, para a mãe de arame ou para uma
caixa vazia. Os macacos que foram criados com uma mãe de arame que
proporcionava leite e uma mãe de pelúcia sem leite passaram mais tempo
pressionando a alavanca que lhes permitia olhar para a mãe de pelúcia, do
que a alavanca que lhes permitia ver a mãe de arame. Não estavam mais
interessados na mãe de arame do que na caixa vazia. Mesmo os macacos que
só foram criados com a mãe de arame não mostraram sinais de apego quando
tiveram a oportunidade de vê-la (Harlow e Zimmerman, 1959).
PADRÕES DE APEGO
O comportamento social mal-adaptado dos macacos criados com mães
substitutas inanimadas coloca uma questão profunda: Que tipos de
interações entre a mãe e o seu bebê proporcionam a base mais eficiente
para o desenvolvimento de relações sociais humanas saudáveis? Como não há
dois pares mãe-criança iguais, e como as condições ambientais em que os
bebês nascem variam enormemente, não devemos esperar encontrar "um padrão
único" de apego que satisfaça as exigências básicas de desenvolvimento
social em todas as culturas (Hinde, 1982). No entanto, muitos
investigadores acreditam que seja possível identificar padrões gerais de
interação mãe-bebê que conduzam mais claramente ao desenvolvimento. As
pesquisas realizadas sobre esses padrões de interação entre a mãe e a
criança têm sido muito influenciadas pelo trabalho de Mary Ainsworth.
Tendo como base as observações de pares mãe-bebê na África e nos Estados
Unidos, ela concluiu que há padrões consistentes e qualitativamente
distintos nas maneiras como as mães e os bebês se relacionam um com o
outro durante o segundo e o terceiro ano da fase de bebê (Ainsworth,
1967, 1982). A maioria dos pares mãe-bebê observados parecia ter
desenvolvido um relacionamento confortável e seguro por ocasião do
terceiro ano, mas alguns relacionamentos foram caracterizados por tensão
persistente e dificuldades no estabelecimento de atividades conjuntas.
260
Para permitir comparações sistemáticas entre crianças, Ainsworth e sua
equipe desenvolveram um método para categorizar as reações dos bebês numa
"situação estranha" (Ainsworth et ai., 1971; Ainsworth et ai., 1978). As
categorias são baseadas nos comportamentos da criança: quando ela e a mãe
estão sozinhas, juntas, numa sala de brinquedo; quando a mãe deixa a
sala; quando uma mulher estranha oferece conforto; e quando a mãe
retorna. Os pesquisadores descobriram que a maneira como a criança reage
à volta da mãe é o elemento-chave, e que as respostas categorizam-se em:
apego seguro e dois tipos de apego inseguro: ansioso/esquivo e ansioso/
resistente.
Apego seguro. Brian é um exemplo clássico de apego seguro. Enquanto a mãe
está presente, as crianças seguramente apegadas brincam à vontade com os
brinquedos na sala de brinquedo e reagem positivamente à presença de um
estranho. Essas crianças tornam-se visivelmente perturbadas quando suas
mães saem do recinto e é improvável que consigam ser consoladas por um
estranho. Entretanto, quando a mãe reaparece e elas vão para seus braços,
elas rapidamente se acalmam e logo voltam a brincar. Esse padrão de apego
é mostrado por 65% das crianças da classe média norte-americana. Apego
ansioso/esquivo. Durante o tempo em que a mãe e o bebê são deixados
sozinhos juntos na sala de brinquedos, os bebês ansiosos/esquivos são
mais ou menos indiferentes ao local onde suas mães estão sentadas. Eles
podem ou não chorar quando suas mães saem do recinto. Se ficam
perturbados, os estranhos são provavelmente tão eficazes quanto suas mães
em lhe proporcionar conforto. Quando as mães retornam, essas crianças
podem afastar-se ou olhar para longe delas, em vez de correr para elas em
busca de proximidade e conforto. Cerca de 23% das crianças da classe
média norte-americana exibem esse padrão de apego.
Os pais podem passar menos tempo cuidando dos seus filhos, mas, quando
estão interagindo com eles, é muito mais provável que brinquem mais com
eles do que suas mães (Munroe & Munroe, 1994). Em uma grande variedade de
sociedades, a imensa maioria dos intercâmbios entre os pais e seus bebês
consiste em breves episódios de brincadeiras que ocorrem em um período
específico do dia (Lamb, ; 1987; Roopnarine & Carter, 1992). Dadas as
diferenças, tanto na quantidade quanto na natureza das interações dos
pais com seus bebês, os pesquisadores do desenvolvimento têm naturalmente
ficado interessados em saber que fatores podem melhorar as ligações entre
o pai e o bebê. Em geral, têm descoberto que quanto mais tempo o pai
passa com seu filho bebê e quanto mais brincalhão e mais contato físico
tiver com seu filho, mais segura será a vinculação paí-filho (Cox et ai.,
1992; Kotelchuck, : 1976). As pesquisas também sugerem que não há
diferenças intrínsecas na ligação dos bebês com sua mãe e com seu pai,
mas pode haver diferenças relacionadas a fatores contextuais. Em uma
série de estudos realizados nos Estados Unidos, Michael Lamb observou
Sebes em suas casas para determinar se eles mostravam uma preferência
pelo pai ou pela mãe, ficando perto, aproximando-se, tocando e pedindo
para serem segurados no colo mais por um do que pelo outro, Ele
descobriu que, nas famílias tradicionais, os bebês não exibem preferência
geral pela mãe ou pelo pai, mas quando ficam aflitos, é mais provável que
recorram às suas mães em busca de conforto (Lamb, 1979). No entanto, em
famílias não-tradicionais, em que o pai tem o papel de cuidador primário,
os bebês recorrem ao pai em busca de conforto quando estão sob estresse
(Geiger, 1996).
É claro que os pais não são as únicas pessoas com as quais os bebês
formam vínculos. Os bebês também formam vínculos com pares e com irmãos
(Stewart e Marvin, 1984; Tronik et ai., 1985). Em algumas sociedades,
como aquela dos kungs do deserto de Kalaharí, a partir de um ano de
idade, os bebês são cuidados em grupos de crianças, para que suas mães
possam reassumir o seu trabalho como coletoras de comida da sociedade
(Konner, 1977). Nessas circunstâncias, os bebês formam fortes relações
com muitas crianças mais velhas do grupo, além dos adultos. Os bebês
podem também formar ligações com crianças mais velhas, especialmente
irmãos, que não sejam seus cuidadores primários.
262
As causas de variações nos padrões de apego
A pesquisa sobre o que conduz a variações nos padrões de apego tem-se
concentrado em vários fatores prováveis: o comportamento do cuidador com
relação à criança, as habilidades e a disposição de temperamento da
criança, tensões no interior da família e os padrões de educação dos
filhos do grupo cultural a que a mãe e o filho pertencem.
265
Devemos aceitar que os indivíduos diferem entre si e que a sociedade é
complexa e, ainda, que as mães e os bebês são programados não somente
para formar um tipo de relacionamento, mas vários possíveis
relacionamentos, dependendo das circunstâncias. Assim, devemos nos
preocupar não com as mães normais e com aquelas afastadas dos padrões,
mas com uma série de estilos e uma capacidade para escolher adequadamente
entre eles. Em um nível de aproximação, há propriedades gerais da
maternidade que são necessárias em quaisquer circunstâncias. Em um nível
mais preciso, o comportamento maternal ideal vai diferir segundo o sexo
do bebê, sua posição ordinal na família, a situação social da mãe, as
contribuições na prestação de cuidados dos outros membros da família, a
situação dos recursos físicos e assim por diante. A seleção natural deve
certamente ter operado para produzir estratégias maternas condicionais,
não uma estereotipia. Grande parte do mesmo tipo de complexidade
caracteriza as conseqüências a longo prazo do apego. No Capítulo 7,
quando discutirmos esse tópico acaloradamente debatido, veremos que há
uma evidência conflitante sobre a importância dos vários padrões de apego
para o desenvolvimento posterior. Alguns pesquisadores do desenvolvimento
sugerem que os padrões de apego e iniciais determinam o apego e os
relacionamentos posteriores da criança; outros declaram que a influência
a longo prazo dos padrões de apego iniciais depende fundamentalmente da
estabilidade dos ambientes em que foram formados os padrões iniciais.
266
UM NOVO SENTIDO DO EU
AUTO-RECONHECIMENTO
A consciência do eu está entre as principais características que, segundo
consta, distinguem os seres humanos das outras espécies e as crianças de
dois anos de idade das crianças menores. Essa é uma idéia interessante,
mas encontrar uma maneira de demonstrar isso convincentemente tem sido um
problema. Várias décadas atrás, Gordon Gallup relatou uma série engenhosa
de experiências usando espelhos com chimpanzes que, desde então, tem sido
repetida com crianças (Gallup, 1970). Gallup mostrou a chimpanzes
adolescentes, nascidos na selva, suas imagens refletidas em um espelho de
corpo inteiro. No início, os chimpanzes agiram como se outro animal
estivesse na sala: eles ameaçaram, vocalizaram e fizeram gestos
conciliatórios para o "intruso". Depois de alguns dias, no entanto,
começaram a usar o espelho para explorar a si mesmos; por exemplo,
pegavam migalhas de alimento de suas faces, que só conseguiam enxergar no
espelho. Para se certificar do significado dessas reações, Gallup
anestesiou vários chimpanzes e pintou uma mancha brilhante e inodora
acima de um olho e sobre a orelha do lado oposto da cabeça. Quando
acordaram e olharam no espelho, os chimpanzes imediatamente começaram a
explorar os pontos marcados com suas mãos. Gallup concluiu que eles
haviam aprendido a se reconhecer no espelho. N. de R. No original, self,
cuja tradução literal é "eu" ou "si mesmo",
267
Esse tipo de auto-reconhecimento não é de modo algum universal entre as
espécies de macacos. Gallup proporcionou a um macaco rhesus nascido na
selva mais de 2.400 horas de exposição a um espelho, durante mais de
cinco meses, mas ele jamais mostrou qualquer sinal de auto-
reconhecimento. O problema não era simplesmente lidar com a imagem no
espelho, porque o macaco rapidamente aprendeu a encontrar alimentos que
ele só conseguia enxergar no espelho. O macaco simplesmente não conseguia
se reconhecer.
O EU COMO UM ATOR
Quando a fala começa a emergir, a maior parte das expressões de uma
palavra emitida pelas crianças nomeia objetos para os quais elas estão
olhando. As crianças apontam para - ou pegam - um objeto e dizem seu
nome. As primeiras descrições não incluem referência explícita ao eu.
Entre as idades de 18 e 24 meses, mais ou menos o mesmo tempo que as
crianças começam a usar expressões de duas palavras, elas também começam
a descrever suas próprias ações. Uma criança que terminou de montar um
quebra-cabeças exclama "eu fez!" ou "Becky cabou". Quando uma torre de
blocos desmorona, a criança exclama "eu faço". Nessas expressões,
observamos não somente a capacidade das crianças de se referirem a si
mesmas explicitamente, mas também sua capacidade para representar em
palavras seu reconhecimento dos padrões adultos de comportamento e seu
desejo de satisfazê-los.
RESUMO
- Em algum momento entre o segundo e o terceiro aniversários, as
crianças completam o período de desenvolvimento chamado de fase de
bebê. O final dessa fase é marcado por mudanças nos processos
biológicos, pela expansão da capacidade física e mental e pelo
surgimento de um novo relacionamento consigo mesmo e com o mundo
social.
MATURAÇÃO BIOLÓGICA
271
- As crianças adquirem um controle cada vez maior dos vários sistemas
musculares, o que lhes possibilita andar eretas e, vários meses mais
tarde, correr e pular.
- O desenvolvimento da destreza manual possibilita às crianças executar
movimentos como comer com uma colher e segurar objetos pequenos.
- O controle voluntário sobre os esfíncteres torna-se possível, embora
ainda demore algum tempo a ser adquirido o seu controle total.
272
- A pesquisa realizada com macacos desmentiu a teoria do impulso,
mostrando que os macacos bebês podem ficar apegados a mães substitutas
inanimadas que proporcionem sensações táteis agradáveis, mas não
alimento.
- A incapacidade social de macacos criados com mães substitutas
inanimadas tem concentrado a pesquisa no papel da resposta da mãe no
desenvolvimento de interações sociais normais.
- A "situação estranha" tem sido amplamente usada para avaliar padrões
distintos de apego dos bebês ao seu cuidador primário. A pesquisa tem-se
concentrado nas causas e conseqüências de três amplos padrões de apego:
seguro, ansioso/esquivo e ansioso/resistente.
- Os padrões de apego podem ser afetados por vários fatores:
1. O melhor antecedente de uma relação de apego seguro é o cuidado
atento e sensível. O cuidado abusivo, negligente ou inconsistente pode
conduzir ao apego inseguro.
2. As próprias características das crianças podem contribuir para a
qualidade de suas relações de apego. As crianças que ficam facilmente
perturbadas ou que exibem menos interesse nas pessoas do que nos objetos
podem ser mais difíceis de ser conectadas pelo adulto, o que impede o
desenvolvimento de uma relação de apego segura.
3. Parece haver variações culturais marcantes nos padrões de resposta na
situação estranha. Tanto a tradição da maternidade exclusiva quanto a da
criação comunal podem resultar em manifestações de ansiedade na situação
estranha. A importância psicológica desses achados é duvidosa.
UM NOVO SENTIDO DO EU
PALAVRAS-CHAVE
ansiedade de separação, p. 255
apego ansioso/esquivo, p. 260
apego ansioso/resistente, p. 260
apego seguro, p. 260
base segura, p. 255
brincadeira simbólica (brincadeira de faz-de-conta, fantasia), p. 246
desapego, p. 255
emoções secundárias, p. 269
impulsos biológicos, p. 254
modelo de funcionamento interno, p. 256
273
pensamento simbólico (representação), p. 242
reações circulares terciárias, p. 242
situação estranha, p. 258