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XIV Encontro Anual da ABEM Belo Horizonte, 25 a 28 de outubro de 2005

O Método Suzuki e a música tradicional mineira


no ensino de violino

Glaucia de Andrade Borges


Universidade do Estado de Minas Gerais – Uemg/
Orquestra Sinfônica de Minas Gerais/
Orquestra de Câmara Sesiminas-Musicoop

Resumo. A organização pedagógica e a motivação são elementos essenciais ao ensino infantil básico de violino. Esta
pesquisa em andamento busca assegurar o nível de motivação das crianças e a qualidade de ensino através do uso de
cantigas tradicionais mineiras combinado à utilização da metodologia de ensino desenvolvida por Shinichi Suzuki, de
eficiência pedagógica comprovada. De acordo com os princípios do Método Suzuki, toda criança pode aprender um
instrumento sem dificuldades e de forma natural, da mesma maneira que aprende sua língua materna, desde que haja
ambiente favorável. O aluno aprende a técnica do instrumento executando repertório de canções familiares. A pesquisa
objetiva uma aproximação entre o estudo de violino, com base no referido método, e a língua materna brasileira -
especificamente, o repertório tradicional mineiro: música folclórica, regional e erudita. A familiaridade do aluno com as
canções mineiras ocorre, naturalmente, durante a infância, através da tradição oral.

INTRODUÇÃO

O ensino infantil básico de violino requer organização pedagógica e ambiente com alto
nível de motivação. A pesquisa em andamento buscará abranger estes dois aspectos primordiais da
didática instrumental através da utilização de música tradicional mineira, embasada em uma
metodologia comprovadamente eficaz. O Método Suzuki foi a abordagem pedagógica escolhida
devido a minha experiência com esta metodologia de ensino e a seus reconhecidos benefícios para o
aluno.

1. Problemática do ensino de violino

Uma das razões, para o reduzido número de crianças que estudam violino no Brasil, é
a pequena difusão do ensino da música. Faz-se necessário, portanto, procurar maneiras de captar um
maior número de alunos, e mantê-los motivados durante o período de aprendizagem básica do
instrumento, para que eles prossigam estudando e se profissionalizem.
Uma maneira de estimular a criança a estudar violino, seria empregar uma literatura
musical com a qual o aluno brasileiro estivesse familiarizado. Os livros de estudo deste
instrumento, utilizados no Brasil, são, em sua grande maioria, estrangeiros. Quase todos eles
utilizam material folclórico, do próprio país, pouco conhecido do brasileiro, distanciando o
aprendizado do violino da cultura e da experiência musical de nosso aluno.
Já o uso exclusivo de repertório brasileiro apresenta algumas limitações. Diversas
melodias folclóricas brasileiras estão em tonalidades cujos intervalos não se ajustam bem a uma
fundação apropriada de mão esquerda, e são ritmicamente complexas, oferecendo dificuldades
técnicas de arco. Torna-se difícil encontrar, portanto, um número suficiente de peças, de nível
básico, que se encaixem dentro de uma seqüência pedagogicamente eficaz, e que possam ser
empregadas sem descaracterizações rítmicas ou melódicas.
Provavelmente, a fórmula ideal de ensino será combinar o material importado, de
eficiência pedagógica já comprovada, com as cantigas tradicionais brasileiras. Deste modo, será
possível manter o nível de motivação das crianças e a qualidade do ensino.

2. Método Suzuki

O Método Suzuki, desenvolvido no Japão por Shinichi Suzuki, alcançou grande


sucesso internacional a partir de meados da década de 60, e vem sendo aplicado em diversos países
da Ásia, Europa e Américas.

De acordo com os princípios desta metodologia de ensino, toda criança pode aprender
um instrumento sem dificuldades e de forma natural, da mesma maneira que aprende sua língua
materna. Para que uma habilidade se desenvolva satisfatoriamente, é preciso haver ambiente
favorável onde a criança seja exposta, várias vezes, ao objeto de aprendizado (palavras ou
melodias); estimulada a repetir; valorizada por suas conquistas; motivada; e, principalmente,
amada. No processo de aprendizado da língua, a criança ouve as mesmas palavras, diversas vezes,
até ser capaz de dizê-las, muito antes de aprender a ler e escrever. Esse processo de absorção e
refinamento do vocabulário é interminável.

Analogamente, os alunos do método Suzuki são incentivados a escutar, diariamente, as


peças do repertório. Dessa maneira, ao tocarem as músicas, já assimilaram, intuitivamente, seus
padrões rítmicos e melódicos. Podem identificar, então, notas musicais de menor ou maior duração,
como perceber também os intervalos presentes na melodia.

Com o professor, o aluno aprenderá os dedilhados correspondentes às notas musicais, e


executará as arcadas, gerando os ritmos e as articulações da peça. O jovem violinista aprende a
tocar as canções antes de utilizar a notação musical, e é requisitado a exercitá-las, periodicamente, a
fim de manter seu vocabulário musical. A cada revisão, ele aprimora as técnicas de mão esquerda e
de arco, automatiza os movimentos envolvidos, e passa a tocar cada cantiga em nível superior
àquele anteriormente atingido.

O repertório de violino, apresentado nos seus dez volumes, foi criteriosamente


escolhido e organizado por Shinichi Suzuki, para que todos os aspectos técnicos fossem
apresentados em ordem progressiva de dificuldade.
A abordagem pedagógica Suzuki envolve o aluno em atividades individuais e
coletivas. Nas aulas individuais, ele é iniciado no conteúdo técnico e musical e, durante as aulas em
grupo, desenvolve o conhecimento adquirido. O sistema didático do Método Suzuki promove
também a socialização dos alunos, e favorece o desenvolvimento de habilidades individuais
necessárias à vida em comunidade. Outro fator de motivação, explorado no Método Suzuki, é a
eliminação de exercícios de técnica pura. O aluno aprende a técnica do instrumento executando
repertório de canções familiares.
Concluindo, a pesquisa em andamento buscará uma aproximação entre o estudo de
violino, com base no referido método, e a língua materna brasileira - especificamente, o repertório
tradicional mineiro: música folclórica, regional e erudita - com o intuito de criar uma atmosfera de
ensino altamente motivadora.

JUSTIFICATIVA

O uso de canções mineiras, com as quais os alunos já estejam familiarizados, está de


acordo com a abordagem da técnica violinística e o conceito da "língua materna" utilizados por
Suzuki. A exemplo desse método, a familiaridade do aluno com o repertório proposto ocorre,
naturalmente, durante a infância, através da tradição oral.
As canções folclóricas são formas simples, de apreensão rápida, que facilitam o ensino
musical básico. Códigos musicais, como notas e intervalos, são assimilados intuitivamente,
promovendo um fácil desenvolvimento da percepção auditiva.
Analogamente, este projeto pretende ampliar a metodologia Suzuki, tornando-a não só
um instrumento de ensino do violino, mas, também, um meio de enriquecimento da cultura mineira.
De execução complexa, o violino requer excelente treinamento auditivo. O emprego de
músicas do repertório local favorecerá o desenvolvimento de uma boa afinação, já que a criança terá
um referencial familiar. A proximidade com a tradição também influenciará positivamente o
aprendizado dos mecanismos de execução do violino, como a postura, o manuseio do arco e a
técnica de mão esquerda.
Um fator primordial, para o sucesso do desenvolvimento de qualquer habilidade, é a
motivação. O aprendizado do instrumento, através do repertório mineiro, poderá tornar a prática
diária prazerosa e, em conseqüência, eficiente.

OBJETIVOS
Este projeto tem como objetivo complementar os dois primeiros volumes de repertório
empregado no Método Suzuki para violino. Faz-se necessário então:

• identificar os principais elementos técnicos e musicais trabalhados nas vinte e nove peças do
repertório Suzuki;
• selecionar o repertório mineiro para análise;
• analisar as obras mineiras com o objetivo de identificar seus elementos técnicos e musicais;
• comparar os elementos identificados nos dois repertórios - Suzuki e tradicional mineiro;
• adaptar as peças selecionadas ao nível do aluno iniciante;
• elaborar materiais didático-pedagógicos.

METODOLOGIA

O material complementar, para violino solo, deverá ser composto, principalmente, de


peças folclóricas, regionais ou eruditas de Minas Gerais, podendo também incorporar canções
folclóricas nacionais já assimiladas pela sociedade mineira. Maior ênfase será dada ao uso de
repertório anônimo, com o qual as crianças já estejam familiarizadas, sem desprezar, contudo,
canções representativas das gerações passadas.
As peças selecionadas terão a finalidade de iniciar o aluno nos aspectos técnicos e
musicais presentes no repertório do Método Suzuki. Após o aprendizado do repertório mineiro,
cada habilidade desenvolvida deverá ser reforçada com o estudo das músicas dos dois primeiros
volumes Suzuki. As peças deste repertório poderão ser complementadas por uma ou mais canções
mineiras, apresentadas parcialmente ou na íntegra, dependendo da demanda e das características
melódicas e rítmicas inerentes às canções recolhidas.
O repertório mineiro selecionado será impresso em dois volumes de estudo, e
apresentado em CD multimídia. A apresentação multimídia conterá partituras musicais e gravações
das peças, executadas ao violino, pela pesquisadora.

Etapas de trabalho:

1. Identificação dos elementos técnicos e musicais presentes nas peças do repertório Suzuki
Será efetuada com o auxílio de uma "Ficha de Análise". Esta ficha conterá os aspectos
técnicos e musicais essenciais ao bom desenvolvimento do aluno de nível elementar, como: tipos de
dedilhados, golpes de arco, métrica de compasso, padrões rítmicos, tonalidade, características
melódicas, estrutura formal, etc.

2. Pesquisa do repertório mineiro

2.1. Consulta a fontes bibliográficas especializadas;


2.2. Consulta a partituras de música clássica, popular e folclórica, tradicionais do repertório
mineiro;
2.3.Elaboração de questionário direcionado a crianças do Curso de Musicalização da Escola
de Música da Universidade do Estado de Minas Gerais, com o objetivo de detectar
canções familiares. A amostragem apresentará diversidades com relação a origem
familiar, classe social e contato prévio com música, indicando também, o interesse, em
comum, pelo aprendizado musical.

3. Análise do repertório mineiro

Para a realização desta etapa, será usada a “Ficha de Análise”, seguindo-se critérios
análogos aos estabelecidos para o repertório do Método Suzuki.

4. Seleção de peças complementares

Será baseada no resultado da análise e comparação entre os repertórios Suzuki e


mineiro. As cantigas que contêm aspectos musicais e técnicos, e duração semelhantes aos
encontrados no repertório Suzuki, serão incorporadas ao grupo de peças do repertório brasileiro.
Aquelas que apresentarem um nível de dificuldade muito além da aptidão técnica desejada, serão
descartadas.

5. Adaptação didática dessas obras

As principais características melódicas e rítmicas das canções serão mantidas.


Alterações em partitura poderão incluir:
• transposição de tonalidades, possibilitando a aproximação dos padrões de dedilhados
próprios desse nível de aprendizado;
• pequenos ajustes rítmicos e melódicos, que viabilizem a execução técnica das arcadas e
articulações.

6. Apresentação final dos materiais didático-pedagógicos

6.1. Elaboração dos dois métodos de estudo para violino;


6.2. Apresentação multimídia.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A identificação dos elementos técnicos e musicais do repertório Suzuki, contido nos


volumes 1 e 2, foi realizada de acordo com a metodologia proposta. As 29 peças desse repertório
foram digitadas com o objetivo de promover uma melhor apresentação e compreensão dos pontos
técnicos e musicais levantados.
Aproximadamente 300 canções, cuja música impressa foi encontrada em fontes
bibliográficas, foram digitadas. A maioria dessas cantigas é da Região Sudeste. Observou-se que
diversas cantigas coletadas nos Estados do Rio de Janeiro, São Paulo e Espírito Santo são
conhecidas e cantadas em Minas Gerais. Aproximadamente, 65 cantigas, aprendidas pela
pesquisadora por tradição oral, foram encontradas em fontes fonográficas. Essas versões também
foram transcritas.
Organizou-se uma lista com mais de 220 modinhas de todos os tempos – do tempo do
Brasil Império até a atualidade. Foi realizada uma pesquisa inicial, junto ao ECAD, com o objetivo
de identificar a autoria dessas obras. Não foram encontrados registros da grande maioria das peças,
algumas, por já se encontrarem sob domínio público, como as Modinhas Imperiais, outras, por
serem anônimas, e ainda outras, por possuírem títulos iguais a outras obras. Ainda há casos em que
os compositores, provavelmente, não se preocuparam em registrar suas obras junto ao ECAD, orgão
que possui um dos melhores bancos de dados em música da América Latina.
Durante o levantamento bibliográfico, observou-se que várias canções folclóricas
apresentavam melodias muito parecidas e, às vezes, idênticas; títulos semelhantes para canções
diferentes ou títulos diferentes para a mesma canção. Por esta razão, decidiu-se modificar a
metodologia aplicada na identificação do repertório pelos alunos do Curso de Musicalização da
Escola de Música da Universidade do Estado de Minas Gerais – UEMG. A princípio, essa
identificação seria realizada através do título da peça. Devido às observações apontadas acima,
decidiu-se elaborar um teste em que o título de cada canção seja apresentado e seguido de sua
gravação em formato MIDI. Caberá à criança identificar as canções que lhe são familiares ou não,
como também aquelas cantigas que apresentem pequenas diferenças. As versões diferentes serão
registradas e gravadas.
Encontra-se em fase de finalização, um artigo sobre a psicologia e a metodologia de
ensino do Método Suzuki, escrito pela pesquisadora. Esse artigo tem como objetivo promover
melhor compreensão do Método Suzuki pela comunidade musical mineira, para que haja maior
aceitação dos resultados da pesquisa.
A conclusão dessa pesquisa, que conta com o apoio da Fundação de Amparo à
Pesquisa de Minas Gerais – FAPEMIG, está prevista para agosto de 2006.

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