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O marxismo e seus rebatimentos no Servigo Social 1. A atualidade do marxismo Jodo Anténio de Paula" Na grande imprensa, ¢ mesmo nas publicagées cientificas, acade- numa crise.do marxismo. Uma seja no plano da teoria seja no plano hist6rico ‘como o marxismo tem sido apropriado pelos movimentos sociais e tem se tornado, de alguma forma, roteiro de determinadas construgdes sociais. Ou seja, quero trabalhar também com a crise do socialismo, do dito socialismo real. Entdo, procutarei discutir o significado dessa propalada e insis- mente reiterada crise do marxismo; de outro, discutir também o minado modelo de socialismo, e, ao final, levantar algumas quest6es sobre 0 que est vivo e o que esté morto no marxismo, digamos assim. A primeira abordagem & a questo tedrica. Quando se diz que o marxismo esté em crise, apontam-se determinados pontos tedricos em que’a explicagio marxista, a contribuicio marxista ou nfo seria sufi- ciente para dar conta da realidade ou seria francamente falha. Uma crise que teria os seus componentes mais importantes, talvez, na anélise econémica. Entéo se denuncia que a taxa de lucro nfo tende a cair, pelo contrério, a taxa de lucro sobe; se diz que a tendéncia a pauperi- zagio que estaria presente em algumas das anélises de Marx, também * Doutor em UFMG-CEDEPLAR. ine. professor no Pés-Graduacio de Economia da outros lugares d mos de salério real. criticas nfo sio recentes. Desde o smo apontam essas profetizedo umas intas coisas e essas coisas nfo idal dessa critica antiga, somaram-se recentemet € uma das mais contundentes ¢ dizer, por exempl substfincia de onde Marx partia para fazer a sua se — a luta de classes — também estaria derrogada. Decretaram o fim da luta de classes. E, como conseqiiéncia, até 0 proprio conceito de classe, do qual partia Marx, estaria também em questio etc. De outro lado, vocé tem uma crise histérica, quer dizer, o socia- lismo real faliu de forma estrepitosa, Houve uma sucesso, nos «iltimos meses. Nao s6 a queda do Muro de Berlim, mas, enfim, vétios pafses que tinham, em algum momento, g&0 do socialismo, abandonat mercado, uma certa vit6ria neoliberal que estaria grassando pelo mun- do afora. Este € 0 ponto de partida que eu queria tomar. Quer dizer, a existéncia dessas pecas de marketing, de propaganda etc. muito podero- a5, que esto balizando a discustio que se faz hoje sobre esse tema. Queria também dizer que, na verdade, essas crises talvez se em vez de totalizantes, totalitérios. Como se fosse proibido, e°fosse ento um crime, pensar a sociedade de forma global, de forma a com- preender as suas diversas determinagdes etc. Hi essa desconfianga com relagéo aos sistemas globalizantes de explicagéo do mundo e, ao mesmo tempo, uma certa valorizacio do fo marxista como Walter Benjamin seja . Walter Benjamin, como todos sabem, € um autor que se preotupou, que buscou construir a sua obra, a partir exatamente do fragmento. 64 Cadernos ABESS Cadernos ABESS 65 Néo estou querendo dizer que Nietzsche e Waiter Benjamin sejam a mesma coisa, mas hé essa semelhanga, digamos formal, que, como me ensinaram os nossos velhos mestres, nunca esté despida de implicagdes conteudisticas ete. Enfim, este é um dos sintomas também do nosso tempo, do nosso momento. A crise das ideologias, a crise das utopias, o fim das utopias como o fim de um certo projeto do moderno. O modemo, ou a moder- nidade, estaria hoje em q fim, no esgotamento de certos para Estarfamos vivendo um momento hist6ria da humanidade, onde a perplexidade e a fragmentagio siio as palavras mais ouvidas e mais valorizadas. E por que 0 moderno estaria em questo? Por que esta ctise do socialismo, do marxismo, se insere nessa crise maior do moderno? Porque, eu acho que com razo, algumas das promessas do moderno no se realizaram ou se realizaram de forma perversa. promessas do moderno era, por exemplo, que levasse a humanidade a estdgios superiores lomfnio da natureza, mas um dominio que fosse harm6nico com a natureza, a uma convivéncia pacifica entre os homens. ra a grande promessa da modernidade, foi, Enfim, a razfo, qu ciéncia nascida dessa razfo, » a0 beco sem saida do holo- na razio teria realmente pontos a, © caos das grandes cidades, esses problemas todos que os ecologistas denunciam e que, em certa medida ‘so, digamos frustragSes do moderno, resultados de um desenvolvi- ‘ou realmente a um problema. aonde ela nos levou? causto nuclear. Enfim,-essa confi acionalismo que vivemos hoje, essa volta de weberiana — essa tentativa de , nas formas esotéricas, essa um — vou usar aqui reencantar 0 mundo, coisa das varias formas esotéricas res logia etc. Sto tentativas de recuperar uma certa mi que Weber cha- mava de desencadeamento do mundo, da razio ocidental, essa coisa toda que agora volta como espécie de grande tébua de salvaco a ser 66 Cadernos ABESS retomada etc. Porque, efetivamente, 0 ptojeto moderne teria nos levado para um caminho extremamente complicado e cujo futuro ninguém pode prever com muita clareza. B nesse contexto de crises que se superpdem, de crises que so econémicas, politicas, ideolégicas, culturais etc. que devemos enten- der a crise do marxismo. Porque o marxismo, certamente, é a mais importante das herangas do moderno. E a mais significativa das ctia- goes da ftustrasto, do iluminismo, O marxismo deve um novo mundo, de uma nova sociedade. Entéo, este € 0 caldo de cultura, complexo etc. que deve ser colocado como pano de fundo das reflexes que vamos fazer aqui. nos Estados Unidos, com os sucessivos governos republicanos, ¢ em. outras partes do mundo também. Até no Brasil se fala em neolibera- lismo. Hé um deslizamento, uma derrapagem do projeto socialista e do marxismo enquanto teoria, enquanto método. Haveria essa ascensio, jeto neoliberal seria a Gnica alternativa ao chamado socialismo. Entio, a coisa se colocou mais ou menos como se fosse um jogo ‘onde houvesse dois competidores: a gestdo burocrética da economia, representada pelos pafses do Leste europeu, e 0 mercado. Na medida em que a gestio burocrética da economia fracassa, a alternativa 6 0 mercado. Quero dizer que essa alternativa, essa disjuntiva € falsa. Em pri- meiro lugar, porque o mercado — ¢ nfio sou eu que o digo, so todos 98 te6ricos do mercado, desde Adam Smith até os mais recentes como Hayeck, como von Mises etc., que dizem e enfatizam — o mercado € um mecanismo de produgio de desigualdades de renda e de riqueza. Esse € 0 mercado: um instrumento produtor e reprodutor de desi- gualdades. Se voc® deixa 0 mercado funcionar, se ele funciona livre ¢ ple- namente, como os neoliberais pretensamente querem que funcione, ‘0 inevitvel € a producao de desigualdades fantésticas, em termos de Cadernos ABESS 67 riqueza, de renda, de propriedade etc. Com todas as conseqtiéncias que nés aqui sabemos muito bem quais sao. Por outro lado, a gestdo burocrética da economia néo € 0 socia- i ir longamente até que ponto é legitimo cha- mar-se aquilo de socialismo. E um certo tipo de socialismo, néo hé Porque negar isso, mas ndo € a tnica alternativa socialista existente. Se fizermos uma andlise da Revoluyéo Russa, que é certamente o essa discusso, vamos ver 0 seguinte: iigladiaram-se, se confrontaram varios itros caminho adotado, o caminho stalinista, era 0 tinico ¢ inevitév ‘Vamos ‘tomar a questéo da agricultura, o encaminhamento da questo agricola, da questio do campesinato na Rissia. Havi tradig&o nfo pode ser desprezada; a economia camponesa nfo é um estégio intermediério entre alguma coisa e outra, mas uma economia € um modo de produgao espectfico. exatamente, com essas palavras, mas € legitimo iderar essa tradigao cam- ponesa russa como estével, cor *, € nfo como algo passa- geiro, transit6rio, que seria socializado em algum momento. Essa forma de entender a questo da agricultura, tal como colo- cada pelo Chaianov, confronta-se claramente com a petspectiva de Marx, de Kautski, de Lénin etc. Mas é uma perspectiva extremamente interessante. que veio para Ele nfo Voce teria uma segunda perspectiva que sem ser to apegado & forma camponesa tr a de Chaianov, também apontava para a necessidade de um ritmo mais Iento na construgéo do socialismo, sobretudo porque o campesinato teria um papel fundament Bukharin é aquele sujeito que propée um ritmo de construgdo, de industrializago mais lento, mais compativel com a estrutura, com 0 a do Bukharin, que, peso da agricultura, do campesonato, do mujique, dessa tradigao cultural, tecnolégica da Riissia no processo de.construgéo do socia- lismo. Havia uma terceira perspectiva, que era sentada por Trétski, pelo Preobrozheus Ky, era a chamada acumulagdo socialista primitiva, que implicava num processo de transferencia de rendas, de riquezas, do campo para a cidade, através dos pregos, do met 10 de pregos, pregos agricolas defasados vis-a-vis os pregos industriais. Falavam entdo da tesoura dos precos e, com isto, haveria a cons- trugdo de uma base de recursos para a industrializacdo. Quer dizer, a agricultura seria a base, o suporte do processo de industrializagéo acelerado que se pretendia, fa da esquerda, repre- idéia fundamental roposta ou © projeto que acabou sendo vitorioso, ue combinow ao principio bésico da esquer- esmagamento de Kilak, ndo sé do Kélak mas de toda a agricultura, A estrutura agricola da Russia foi profundamente afetada 30, com conseqiiéncias que perduram até hoje. $0, quero dizer que havia pelo menos quatro projetos para trabalhar a questio da agricultura, para pensar e estabelecer um ritmo, um proceso de construgéo do socialismo, s6 para tomar esse ponto. Em outros pontos a gente poderia citar também as varias alter- nativas politicas que se colocavam. 0 fato de ter vencido uma das posigées, e essa posicio ter se eae com mortes etc. as outras posi alternativa e nem que era a melhor. Ou trajet6ria, a hist6ria do ‘como um aconteciment Venceu a alternativa e essa alternativa produziu os efeitos que sabemos, Quando se coloca a questo de que de um lado temos um mer- cado maravilhoso, um mercado fantéstico, capaz de eficiéncia, de aumento de produtividade, e de outro, a deformagéo burocrética, 0 68 Cadernos ABESS Cadernos ABESS 69 juntiva. Nao existe isso. F preciso mo ainda néo foi tentado. Por que atraso etc., essa é uma falsa E 0 que que € 0 soci tha perspectiva? Se eu pudesse resumir em duas palavr: de autogestdo que Marx cha- mava de livre associacdo dos produtores, e, de outro lado, a democra- cia de base, a democracia socialista. Sao essas duas coisas, fundamentalmente, que dao sentido, que qualificam o socialismo, na minha perspectiva. E essas duas coisas efetivamente nunca foram implantadas, de forma conseqiiente, em nenhum lugar do mundo. Portanto, 0 socialismo ainda é uma alterna- tiva conereta, real, que deve ser experimentada. Pessoalmente, colo- come na posigéo daqueles que estéo dispostos a tentar construir 0 socialismo nesse sentido. Com relagdo a crise tedrica que o marxismo estaria vivendo, existe hoje, nos jornais, uma discussio que € muito interessante, sobre tuais, alguns até de grande passado, de grandes contribuigdes a0 mar- xismo, esto dizendo que a luta de classe acabou. Decretado: a luta de classes acabou e, junto com a luta de classes, muitas outras coisas 0 também acabou. Nao sei se .perialismo. Como também nfo © socialismo, assim por diante. ia dizer duas coisas em relacdo a is: um artigo de Luiz Gonzaga Beluzzo na revi uma entrevista do Weffort. Beluzzo diz assim: pois efetivamente no hé mais por que falar em luta de classes” argumento dele é que'se nfo existe mais classe, como ento falar em luta de classes? E por que ndo existem mais classes? Porque os processos con- temporfineos de divisio do trabalho, de flexibilizacio dos mercados de trabalho, de fragmentacdo da classe operéria, levaram a um virtual esvaziamento da consisténcia, da solidariedade de classe. Entdo, a dinamica capitalista levou a uma fragmentagio tio absoluta da classe operdria que, na verdade, ela nfo existe mais. Eu queria discutir isso em detalhes. Se tomarmos Marx e O Capi- tal como referéncia, vamos ver, no livro I do “Capital”, uma seqiién- Primeiro, me reportar sto E, que repercute cia extremamente interessante: de um lado, temos 0 processo de"cons- trugo da classe operéria a partir da cooperacao simples, até a classe operéria para si. Quer dizer, dé um lado 0 processo da construsio da classe, de organizacdo e da construgdo da classe em-si e depois para-si, com os desdobramentos que podemos fazer Gramsci chamava de “formas de resisténcia do trabalho a0 capital”. De outro lado, temos a construgéo do préprio proceso de trabalho, enquanto forma de i classe operéria. Formas de organizagio da exploragéo da mai Entao temos doi expresso da luta de como € que 0 ci processos interconectados ¢ que séo a propria Jasses. Fazendo rapidamente a historinha disso, | surge € encontra trabalhadores am isoladamente, cada um no seu local, na sua faz 0 qué? Organiza essas pessoas sob um mesmo espaco e sob um mesmo comando, e a isso se chama de cooperagao simples. Ao fazer isso, © capital pretende duas coisas: disciplinar essa classe e economizar meios de produgéo e, assim, aumentar a produ- tividade, sem fazer nenhuma inovagio tecnolégica. E s6 uma inovagao social que surge af. E 0 que o Marx chama de trabalhador coletivo, do corpo coletivo de trabalho. E poderemos gener € 0 embrido da construcao da classe operéria em si Quer dizer. a criagiio da classe operdtia e do capital é simultanea. © capital surge ¢, ao surgir, cria a classe operdria, neste sentido; cria 0 trabalhador coletivo, o capital solidérios contra aquele que as oprime, que os explora etc. Entio a classe operdria se organiza e se constitui como um corpo que se opée 20 patric, que se opée ao capital. Qual a estratégia, a resposta capitalista a esse processo de construgdo da classe operdria em si? E a sua fragmentacao através da divisio do trabalho. A divisfo do trabalho, do ponto de vista da divisio técnica ou divisio manufatureira do trabalho, €, de um lado, uma estratégia politica, realgada por alguns autores, como Stephen Margliar, como Gorz ete, E uma estratégia politica de fragmentacio da classe, de dis- 7 Cadernos ABESS Cadernos ABESS m1 solver as relacdes de solidariedade que haviam se estabelecido entre eles. De outro lado, é uma estratégia econémica para aumentar a produtividade, como toda a economia da cléssica tinha apontado. Entio, a estratégia da divisio do trabalho é uma estratégia polf- tica e econémica, que, criando o chefe, o subchefe, o contramestre, toda uma hierarquia de postos de trabalho, uma hierarquia de salério, acaba produzindo um feito de segmentacao desse corpo coletivo de trabalho. Qual é a resposta dos trabalhadores? A resposta dos trabalhadores Jo dos sindicatos. J4 que nfo € possivel construir a unida- vamos construf-la fora. Dé-se uma organizacio fora da fébrica, ¢ 0 sindicato € claramente a tentativa de recompor a unidade que 0 patronato rompeu, dentro da fabrica. Os trabalhadores reagem dessa forma e os capitalistas fazem mais um lance nesse jogo. O lance € a introdugdo de maquinaria, o desemprego, a reducdo dos |saldrios ‘em fung&o do controle do desenvolvimento das forcas produtivas, da tecnologia etc. Qual é a resposta dos trabalhadores? Quebram as méquinas, poem fogo nas méquinas. O movimento ludita, o movimento dos quebrado- res de méquinas é, claramente, uma resposta operdria a esta tentativa de desestabilizagaio dos salérios, do emprego etc. feita pelos patroes. Os trabathadores, a it desse momento, déo um passo adiante ©, no contexto dessa dit que é apenas uma disputa por melhoria dos salérios, das condi¢Ses do trabalho, descobrem pela primeira vez, ‘que era possivel um projeto alternativo; que no bastava apenas lutar por melhores saldrios, mas era preciso ou era poss{vel lutar por um mundo novo, uma sociedade nova. E 6 daf que surgem ou ressurgem determinadas idéias que j4 haviam aparecido antes, no contexto da Revolucdo Francesa e outras, que € a idéia do socialismo. Junto com a idéia do socialismo, a idéia de um partido revolucionério; e, junto com a idéia de um partido revo- lucionério, um Estado capaz de viabilizar a transicio para o socia- lismo ete. Os trabalhadores abandonam o projeto burgués e, a partir dat, i6 colocam no horizonte das suas pretensdes politicas um novo projet I, representado pela idéia do socialismo, do partido, da revo- lugao ete. 72 Cadernos ABESS Os patrdes continuam na sua estratégia, e 0 passo seguinte ocorre jé na segunda metade do século passado, com o chamado taylorismo © 0 fordismo, que so estratégias de controle da forga de trabalho por ‘meio de segmentagio do taylorismo. E, no caso do fordismo, a tenta- tiva de generalizar esse controle para além da fébrica, introduzindo uma série de instrumentos (que vocés, aqui, até conhecem melhor que eu), que séo as estratégias de controle extrafabrica que os patrées desenvolvem na sua dominagio. A robotizacao, em curso hoje, e a automagéo seriam peas dese jogo, jogadas pelos patrées, pelo capital. Ou seja, quando Beluzzo fala que nao existe mais classe ¢ levanta, como argumento para isso, a existéncia desse proceso de fragmentagao, me parece ser uma contra- digo em termos. Isto ndo € nada mais que 2 expresséo da prépria luta de classes. E a estratégia patronal visando a recomposigio ou a desestruturagdo da classe operdria, cui Existem vérios arguments que poderia listar aq\ ‘entendimento da organizag8o operéria a0 nivel ‘Vamos tomar um caso muito clés Fi unidades aqui no Brasil ¢ fora do Brasil. Os trabalhadores dessa fabrica descobriram que s6 € possivel uma estratégia eficiente de Iuta contra ‘0s seus patrées, para conseguirem melhores salérios etc., se se tiver uma visio global da estratégia dessa empresa ao nivel internacional. © que implica em campanhas sélariais onde haja uma troca de expe- ritncias, um balizamento de propostas comuns, uma tentativa de enten- dimento das estratégias de introdugdo de inovacSes tecnolégicas, de automagio, de robotizagio. Enfim, a internacionalizaco do capital, (© proceso de desenvolvimento dessas estratégias exige, propde ao movimento operdrio uma resposta que também serd internacional, que também seré global. Quando Beluzzo usa como argumento contra.a existéncia de lute de classe 0 movimento da prépria luta de classes, isso, francamente, € uma contradi¢o clamorosa. uma fébrica que tem vivo € © que esté morto no marxismo? Essa a com muita insisténcia. Um livro publicado de um autor chamado John Elster, tem no final ista do que esta vivo ¢ do que esté ais coisas mortas do que vivas, no io sem fim, morreu quase tudo. Afinal, 0 que es pergunta tem sido recentemente no Br um balanco, onde ele faz u morto. Para ele, existem marxismo, Entdo, é um ce Cadernos ABESS 3 Nao vou fazer uma lista dese tipo, 0 que esté vivo ¢ o que esté morto. Quero destacar 0 que me parece fundamental no marxismo, idade, a sua atualidade. Se pudéssemos reduzir 0 marxismo & sua expresso méxima ou fundamental, diria que ele tem dois conceitos fundamentais. O primeiro € 0 conceito de alienaco € 0 segundo € 0 conceito de praxis. Quer dizer, 0 marxismo parte da perspectiva de que existe 0 mundo alienado, o mundo marcado pela inautenticidade das relagdes entre as pessoas, entre os produtores, e, por outro lado, que esse mundo alienado pode ser reconstrufdo, desconstrufdo ¢ reconstrufdo. E que essa desconstrucao ¢ reconstrugio € tarefa dos homens organi- zados, através de uma préxis politica, tedrica etc. Neste sentido, o marxismo € um instrumento que denuncia o mundo alienado, mostra as suas deformacdes e as suas perversidades. E, por outro lado, propde alternativas para superar este mundo. O marxismo € absolutamente vital, e, como dizia Sartre, é a filosofia insuperdvel do nosso tempo. Isso significa dizer, por outro lado, que o marxismo nfo € algo pronto ¢ acabado. O marxismo € © que se constréi também, que se reconstr6i e se transforma. S6 nessa perspectiva € possivel entender, € possivel aceitar a vitalidade do marxismo, Para usar um autor (sei que José Paulo aprecia muito) o funda- mental do marxismo € 0 método, e; mais, o fundamental do marxismo é levar a sério a idéia da ica, € realizar a dialética. © que ica realizar a dial Tuma frase de Goethe, que no Fausto ‘Eu sou aqui Je que tudo nega e com razo, porque tudo que existe merece perece: Acho que esse € 0 nosso ponto: © marxismo se propée, se debruca sobre 0 mundo, o mundo que é alienado, o mundo que é resultado de forgas contradi de, ele proprio, ser dialético. O que sign vasao, da permeabilidade do método, da flexibilidade do método, que ele esté aberto para o novo, no € ossificado, nao se cri dogma. Neste sentido, estou intei contra as deformacdes do mat rente convencido de que os antidotos mo, como procurei mostrar aqui, ee i Cadernos ABESS vem do préprio marxismo. Enquanto existirem as condigdes nas quais © marxismo foi ctiado, ou seja, o capitalismo, este mundo alienado do qual o marxismo € um critico € ao mesmo tempo quer transformar, ‘© marxismo continuaré sendo fundamental. a Cadernos ABESS 2. Notas sobre marxismo e Servico Social, suas Telagdes no Brasil ea quest&o do seu ensino José Paulo Netto A interlocugio entre o que historicamente se constituiu como ismo e 0 Servigo Social, processo que néo tem mais de trinta tra-se hoje, — entre nés — e nfo sé entre nés* —, como um fato relevante. De uma parte, autores de inegével influéncia sobre a categoria Profissional ou se vinculam diretamente ao referencial marxista ou recolhem hele (nos seus diversos veigs) nticleos essenciais para as suas elaboragées.? De outra, na dindmica mesma da formacio profissional bésica, a tradicao marxista conquista espagost — ainda que longe Universidade Federal do iduados em Servico Social locugo (cf. © meu artigo ". Servigo Social e Sociedade, S. Paulo, mes mais conhecidor, citese Marilda Villa “ot rose Alba Maria Phiho Carvalho. Cf, por exemplo, Vv.A, A metodologia no Serv ABESS.n 35, Paulo, Cortes 1383, parts primers, de Servo Social e Sociedade dedicedo 2 formagls Cortez, n> 19, ano V, abril de 1984) re Cadernos ABESS imamente adequado.S Enfim, na formagio pés- \dicios de que © interesse © a preocupagtio com .$ E se se consideram alguns significativos foros de um tratamento graduada, hé fort ela nfo sao epi profissionais e docentes — como os iiltimos congressos brasileiros de assistentes sociais ¢ os eventos realizados por ocasifio das convencées nacionais da ABESS nesta década —, estas constatagdes adquirem olarizaglo, que nfo se afirma sem problemas, encontra t@ncias. Ancoradas nos segmentos conservadores do es- £ neste contexto que oportunidades como a oferecida por este seminério devem ser vistas como largamente positivas, posto que, s° devidamente aproveitadas, podem dinamizar condigdes favorecedoras do debate — que s6 este, numa perspectiva de pluralismo profissio- nal, conduz ao esclarecimento de posturas ¢ teméticas. A comunicagéo, que a seguir se apresenta, centrando-se muito esquematicamente sobre aspectos de algum modo pertinentes ao de- senvolvimento da interlocugo mencionada, nfo pretende mais que contribuir — polemicamente e de um ponto de vista que se reclama da tradig&o marxista — para que melhor se enfrentem certas daquelas ias e dificuldades outras, iadas por companheiros que, polarizaggo a que me referi. rdagem de um aspecto deste tratamento inadequado encon- a, Uma invasto as ocultas: redugdes positivistas no marxis- to ensino da Metodologia no Servigo Social. Belo 1989, (A ser langado pela Cortez Editors, T semes- tre 91, com ino da metodologia no Servico Social.) 6. Esta afirmacio, fago-a & base da minha observacéo sistemética nos programas de pésgraduagdo da UFRJ e da PUC-SP. Cadernos ABESS 7 ‘Sobre as crises do marxismo suas dimens6es prético-politicas (a projegiio revolucionétia a concre- tizar-se na ago organizada do proletariado) determinaram, como n&o poderia deixar de ser, o freqiiente entrecruzamento de avaliagSes ted- ricas com apreciagSes politicas. Tanto do ponto de vista dos seus I dos seus opone: mada para a teoria avaliza a sua implementagao prético-politica, da mesma forma que os sucessos neste plano se invocam para caucionar a claboragao tedrica. De outra, infirmar a teoria social de Marx con- lade politica que visa superar a ordem burguesa, assim como desqualificar os movimentos e as experiéncias Voltados para a construgiio da sociedade comunista ajuda a reduzir a imantagio exercida pela teoria. ~ - Por isto mesmo, a hist6ria da constituig&o e, sobretudo, do desen- volvimento desta tradigiio apés a morte do seu fundador 6 uma se- rages € atestados de Sbito — as firmago de Lénin (“A doutrina ita ladainha acerca da crise do marxismo, da morte do socialismo e/ou do comunismo ete. Se as autocelebracdes se mostram inconvincentes, o desgaste do cliché sobre 7. Como indiquei em outro lugar (ef. 0 meu livro) Demos socialista; Belo Horizonte, Ofici i contrério, de que ela apenas colocou' a pedra os istas devem desenvolver...” (apud L, Paggi, ne El socialismo y los intelectuales. México, Sigio XXI, 198 78 Cadernos ABESS a crise do marxismo quase acabou por retirar-the qualquer sentido — especialmente porque no geral associado ou a posigées de apologia em face da ordem burguesa ou a perfis de transfugas. Enfim, 20 longo deste século, o destino da heranca de Marx guardou uma curiosa s+ metria com 0 destino do capitalism: suas agonias ¢ funerais foram inmeras vezes proclamados. Entretanto, & inegdvel, num exame rigotoso do desenvolvimento da tradigéo fundada por Marx — exame, aliés, hoje bastante facili- tado pela existéncia de estudos que dela apresentam panordmicas satisfatérias, ram para ambas estio longe de a subsungao de umas as outras passa sem graves problem: Um exemplo privilegiado se me afigura ilustrativo: entre o nismot, ¢ a revolugdo bolchevique gesta-se e se adensa uma crise que vineula desenvolvimento tedrico (a elucidagio dos novos padries e_implementagéo wweki, Las principales corrientes del marxismo. WV. AA., Histoire du marxisme contemporain. 19761977. pela dissolucto da escola ricardiana na Inglaterra 10 ut6pico na Franga. 79 Cadernos ABESS uma concepgo reducionista do pensamento marxiano, vulgarizado a ponto de converter-se numa teoria fatorialista da hist nista € numa projecdo fatalista da transigéo (tudo aquilo que Lukécs resumiu como sendo 0 marxismo Ora, 08 anos que vo da tomada do poder i companheiros a0 desastre econdmico capi fico com a tradi¢go da Segu na criagéo da Internacional Comt , mas a ultrapassagem dos lamento da experiéncia so vetores) por desaguar na bretudo a reflexio patrocinado pelas ‘Como se sabe, no perfodo da Segunda 1 distintas da obra marxiana aprofundadas encontram-se nos t Fetscher, Karl Marx e os dos limites permitidos pela vulgata staliniana. Fora, porém, deste mar- iu largamente, como 0 atesta, entre outros {ndices, a fecundidade do chamado “marxismo ociden- tal”.25 A derrocada da autocracia stalinista, cujo processo abriu-se com 0 XX Congreso do PCUS, em fevereiro de 1956, demarcou o 10 (mais exatamente: a sua crise) e 6 artit de entio, reduziram-se gradualmente as Mais ainda: é preciso particularizar, no caso das primeiras, em que espago cultural e em que nivel tedrico elas ocorreram e qual a sua espectfica referencialidade & obra mat- xiana. Nos anos 70 — especialmente a partir da publicidade em torno do ditos “novos filésofos” franceses —, reentrou em circulagio o “crise do marxismo”. Num estudo sintético e precioso, An- lemonstrou cabalmente que, do ponto de vista tedrico, nfo alguma. Ao contrério: se era verdade que em trés pélos (Franga, Itélia, Espanha) o pensamento marxista parecia », no era menos verdade a sua vitalidade em outros espagos, notadamente nos pafses anglo-saxénicos ¢ do Oriente desenvolvido.® 15. Cf, a propésito, duas avaliagées diferentes sobre esta questio em P. Anderson, Considerations on Western Marxism. London, New Left Books, 1976 € J. G. Merquior, O marxismo ocidental. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1987. 16, Esta € uma afirmacio muito geral, pense-se, por exemplo, no que até ‘bem :recentemente ocorria em varios paises do “socialismo real" e parece ecorrer, sinda agora, em regimes autocréticos como os da Albania e da Coréia 19. “O que estava realmente em questio era a crise de um certo marxismo, geograficamente confinado & Europa latina — basicamente Franca, Itélia © Espanha, Nesta rea politica e cultural, havia certamente algo préximo a um colapso da tradicio marxista, nos fins ‘dos anos 70, no mesmo momento em que 0 marxismo estava conquistando ou consolidando novas posigdes ao longo » P. 33; 08 grifos nfo estiio de uma vasta frente externa” (Anderson, 0 no original). 80 : ‘Cadernos ABESS Cadernos ABESS 81 —

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