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MULHERES E CONFLITOS

SOCIOAMBIENTAIS
Volume II
Grão-Chanceler
Dom José Antônio Peruzzo

Reitor
Waldemiro Gremski

Vice-reitor
Vidal Martins

Pró-Reitora de Graduação
Maria Beatriz Balena Duarte

Pró-Reitora de Pesquisa, Pós-Graduação e Inovação


Paula Trevilatto

Pró-Reitor de Missão, Identidade e Extensão


Ir. Rogério Renato Mateucci

Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Direito


André Parmo Folloni

Livro publicado com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico


Chamada CNPq/FINEP/FNDCT 06/2018, processo 403993/2018-0

Livro publicado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior


Edital 21/2016, Auxílio 0081/2019, Processo 88881.290198/2018-01
Organização
Bruna Balbi Gonçalves
Liana Amin Lima da Silva
Maria Cristina Vidotte Blanco Tárrega
Nadia Teresinha da Mota Franco

MULHERES E CONFLITOS
SOCIOAMBIENTAIS
Volume II
Rua Imaculada Conceição, 1155, Prado Velho
CEP 80.230-100 - Curitiba - Paraná - Brasil
www.direitosocioambiental.org
contato@direitosocioambiental.org

Conselho Editorial
Antônio Carlos Sant’Anna Diegues
Presidente Antônio Carlos Wolkmer
José Aparecido dos Santos Bartomeu Melià, SJ (in memorian)
Bruce Gilbert
Vice-Presidenta Carlos Frederico Marés de Souza Filho
Liana Amin Lima da Silva Caroline Barbosa Contente Nogueira
Clarissa Bueno Wandscheer
Diretora Executiva Danielle de Ouro Mamed
Flávia Donini Rossito David Sanchez Rubio
Edson Damas da Silveira
Primeira Secretária Eduardo Viveiros de Castro
Amanda Ferraz da Silveira Fernando Antônio de Carvalho Dantas
Heline Sivini Ferreira
Segundo Secretário Jesús Antonio de la Torre Rangel
Oriel Rodrigues de Moraes Joaquim Shiraishi Neto
José Aparecido dos Santos
Tesoureira José Luis Quadros de Magalhães
Jéssica Fernanda Maciel da Silva José Maurício Arruti
Juliana Santilli (in memorian)
Conselho Fiscal Liana Amin Lima da Silva
Andrew Toshio Hayama Manuel Munhoz Caleiro
Anne Geraldi Pimentel Maria Cristina Vidotte Blanco Tárrega
Priscila Lini Milka Castro Lucic
Priscila Lini
Rosembert Ariza Santamaría

B894m Gonçalves, Bruna Balbi et al.


Mulheres e conflitos socioambientais/Bruna Balbi Gonçalves, Liana Amin Lima da
Silva, Maria Cristina Vidotte Blanco Tárrega, Nadia Teresinha da Mota Franco (org.). v.
II. – Curitiba, PR: CEPEDIS, 2020.
184p. 20cm.
ISBN: 978-65-87022-01-7
1. Grupos sociais - Mulheres - Violência. 2. Ambientalismo e preservação. I. Bruna
Balbi Gonçalves. II. Liana Amin Lima da Silva. III. Maria Cristina Vidotte Blanco Tárrega.
IV. Nadia Teresinha da Mota Franco V. Título.
CDD 305.4842
333.72
CDU 502-055.2(81)
SUMÁRIO

PREFÁCIO
Bruna Balbi Gonçalves, Liana Amin Lima da Silva,
Maria Cristina Vidotte Blanco Tárrega e Nadia Teresinha da Mota Franco ............ 7

A DESIGUALDADE DE GÊNERO NA PESCA ARTESANAL E O


APROFUNDAMENTO DESTE CENÁRIO CASO A PEC 06/2019 SEJA
APROVADA
Beatriz Lourenço Mendes e Fabiane Fagundes da Fonseca ...................................... 11

ANÁLISES SOBRE O AGRONEGÓCIO E O SEU IMPACTO NA VIDA


DAS MULHERES INDÍGENAS GUARANI E KAIOWÁ NO ESTADO DE
MATO GROSSO DO SUL: ENTRE LUTAS E RESISTÊNCIAS
Rosely A. Stefanes Pacheco e Juliana Cruz Lino ......................................................... 29

CAMPONESAS E AGROBIODIVERSIDADE: DIREITO DE SER E VIVER


NO CAMPO
Lenir Correia Coelho e Diego Augusto Diehl............................................................ 47

DIAGNÓSTICO SITUACIONAL DAS CATADORAS DE MATERIAIS


RECICLÁVEIS DO MUNICÍPIO DE TABATINGA – AM
Bruno Reinert de Abreu, Helena Liebl e
Tales Vinícius Marinho de Araújo ................................................................................. 67

GÊNERO E INJUSTIÇAS SOCIOAMBIENTAIS: MULHERES GUAR-


DIÃS DA BIODIVERSIDADE?
Isabella Madruga da Cunha e Thais Giselle Diniz Santos ......................................... 83

O AGRO NÃO É POP (NEM FEMINISTA): REFLEXÕES SOBRE O


GOLPE DE 2016, O AUMENTO DO USO DE AGROTÓXICOS NO BRA-
SIL E AS SUAS CONSEQUÊNCIAS PARA A SAÚDE DAS MULHERES
Isabelle Maria Campos Vasconcelos Chehab ........................................................... 107

O CONCEITO DE ECOFEMINISMO COMO SUBSÍDIO PARA A FOR-


MAÇÃO DE UMA COOPERATIVA DE MULHERES RURAIS EM SÃO
JOSÉ DOS PINHAIS: UMA PROPOSTA DE POLÍTICA PÚBLICA
Bruna Dos Santos Furtado ............................................................................................ 125

O CRÉDITO INSTALAÇÃO NA MODALIDADE FOMENTO MULHER


E A INVISIBILIDADE DAS ASSENTADAS NO CAMPO
Vanessa Pereira Tannous, Elenice Silverio de Souza e
André Felipe Soares de Arruda ................................................................................... 149
6|

O ECOFEMINISMO COMO INSTRUMENTO DE DESCONSTRUÇÃO


DO PATRIARCADO PARA UMA MAIOR REPRESENTATIVIDADE
FEMININA
Daiana Allessi Nicoletti Alves e Wanessa Assunção Ramos ................................. 165
PREFÁCIO

Há um fio que sutilmente vem unindo as mulheres à terra ao longo


da história. Os trabalhos produtores de vida – a gestação e o cuidado com
as crianças, tarefas relacionadas à produção de alimentos e à coleta de água,
o cultivo de plantas medicinais, sejam eles entendidos como sagrados ou
profanos, estão continuamente ligados às mulheres. Esta relação sobreviveu
a séculos de dominação masculina e à exclusão da natureza e de tudo o
que fosse próximo a ela pela modernidade.
A exclusão das mulheres foi construída sobre um fundamentalismo
religioso que relegou a elas a posição de bruxas, seres desprezíveis por-
que zombavam da moral da época, profanos porque não se submetiam
à fé cristã, diabólicos porque propagavam conhecimentos ancestrais e
cultuavam a sua profunda ligação com a natureza. A caça às bruxas não
ocorre como movimento espontâneo na Europa, é uma ação organizada
e administrada oficialmente pelo Estado e pela Igreja. As autoridades
viajavam ensinado as comunidades a reconhecerem as bruxas, as igrejas
dispunham de urnas para permitir o anonimato nas denúncias de bruxa-
rias. A imprensa foi largamente utilizada, gerando um pânico em massa.
Para isso, os julgamentos mais marcantes eram divulgados em formato
de panfletos. Os magistrados padronizaram os julgamentos de tal forma
que as confissões de prática de bruxaria, geralmente obtidas sob tortura,
eram semelhantes, nos mais diversos países europeus – da França e Itália,
à Alemanha, Suíça, Inglaterra, Escócia e Suécia.
Nem mesmo a razão iluminista se afastou destas premissas. Ao con-
trário, chancelou tais afirmações, que ficaram protegidas também sob os
dogmas da ciência. Os filósofos precursores da modernidade garantiram
a legitimidade da perseguição. Bacon, Galileu, Descartes, e até mesmo
Hobbes, que embora cético sobre a bruxaria, defendeu o controle social
por meio da perseguição. A prática de bruxaria era o mais terrível dos
crimes, e as bruxas deveriam ser queimadas vivas, assim como seus filhos
– escreveu Bodin.
A perseguição aos seres muito próximos à natureza, que possuem
com ela uma relação de interdependência – no caso da Europa, especial-
mente as mulheres – foi levada à América. A conquista se dava por meio
do controle dos corpos e dos territórios. A caça às bruxas atingiu seu auge
8| PREFÁCIO

entre os anos de 1580 e 1630, quando, a partir da exploração colonial, as


relações feudais foram dando lugar às instituições do capitalismo mercan-
til. Portanto, ela está inserida no projeto de modernização capitalista. As
mulheres sequestradas da África para serem escravizadas na América e as
indígenas latino-americanas de quem se expropriou as terras, as vidas, os
corpos, são todas elas bruxas para a modernidade europeia.
É por tudo isto que figuram, ao mesmo tempo, como principais
alvos e necessárias lideranças nos conflitos socioambientais. No campo,
plantam as sementes que irão alimentar as cidades, cuidam dos animais, da
caça e da casa. Nos rios, mangues e mares, pescam, confeccionam as redes,
tarrafas ou malhadeiras, limpam o pescado, e em alguns casos, realizam o
seu comércio. Na sua concepção de territórios, estranhos à lógica moderna,
realizam a coleta de frutos, plantas e sementes, que servirão à produção de
alimentos, roupas e utensílios.
Estas e outras atividades desenvolvidas pelas mulheres raramente são
consideradas trabalho, o que dificulta a organização e o acesso a direitos.
As mulheres enquanto donas de casa são donas dos serviços domésticos,
mas nada podem possuir: o trabalho realizado não é pago, pesam regras
sobre seus corpos, sua vida deve ser dedicada ao cuidado dos demais. Por
isso também a elas são negados os direitos sobre as terras que ocupam,
facilitando a retirada de seus lares para a construção de obras de extrati-
vismo mineral ou barragens hidrelétricas. 
A resistência tem cheiro de sangue e os corpos de mulheres violenta-
das e mortas se acumulam. Somente no Brasil, uma mulher é morta a cada
duas horas. É contra elas que recai a violência nos conflitos territoriais, que
começa quando ainda são meninas. Não são poucos os relatos de abuso
sexual de crianças e adolescentes durante a construção de grandes obras.
As mulheres que se insurgem diante deste cenário vivem constantemente
ameaçadas de morte. Em 2016, nos tomaram Nilce de Souza Magalhães.
Em 2018, Marielle Franco. Em 2019, Dilma Ferreira Silva. 
Essas condições, vividas e reproduzidas por séculos, nunca calaram
as mulheres. Ao contrário, tem-se um fortalecimento de sua organiza-
ção coletiva, a partir da tomada de consciência de sua exclusão enquanto
sujeitas históricas. Recentemente, há um levante feminista nos territó-
rios em toda a América Latina, que aponta caminhos possíveis para o
continente. São estes os conflitos abarcados pelos trabalhos contidos
MULHERES E CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS
|9

neste livro: as histórias das indígenas, das camponesas, das pescadoras,


das catadoras se entrelaçam e unificam a luta. A saída é evidente e a luta é
essencial: socioambientalista e feminista, com a retomada dos territórios
pelos povos, pela natureza e pelas mulheres. 

Bruna Balbi Gonçalves


Liana Amin Lima da Silva
Maria Cristina Vidotte Blanco Tárrega
Nadia Teresinha da Mota Franco
A DESIGUALDADE DE GÊNERO NA PESCA
ARTESANAL E O APROFUNDAMENTO DESTE
CENÁRIO CASO A PEC 06/2019 SEJA APROVADA

LA DESIGUALDAD DE GÉNERO EN LA PESCA


ARTESANAL Y APROBACIÓN DE ESTE CENARIO
CASO A PEC 06/2019 SEA APROBADA

Beatriz Lourenço Mendes1


Fabiane Fagundes da Fonseca2

INTRODUÇÃO

A relação de gênero nas sociedades tradicionais, em específico nas


pesqueiras, vem sendo o foco do estudo de diversos pesquisadores(as) que
compreendem a histórica invisibilização dessas mulheres seja nos estudos
acadêmicos ou no acesso a direitos assegurados pelo Estado, através de
legislações e políticas públicas. Dentro disto, este trabalho buscou analisar
esse cenário de desigualdade de gênero na pesca artesanal, e o possível agra-
vamento dela considerando a ameaça eminente posta pela PEC 06/2019,
popularmente conhecida como Reforma da Previdência, a qual representa
mais um ataque aos direitos sociais.
Para tanto, foram analisadas algumas bibliografias que abordam a
questão de gênero no campo da pesca artesanal, e acesso das pescadoras
a direitos previdenciários, assim como a própria Proposta de Emenda
Constitucional mencionada.
Inicialmente o trabalho traça as diferentes concepções possíveis de
pesca artesanal. Estas diferentes conceituações, tanto acadêmicas, quanto
legislativa, são de abordagem necessárias, visto que, quando centradas na
captura, invisibilizam o trabalho exercido majoritariamente por mulheres
nas etapas de pré e pós captura, que também são imprescindíveis para a

1 Mestranda em Direito e Justiça Social pelo Programa de Pós-Graduação em Direito


(PPGD-FURG) e pesquisadora do projeto Cidadania, Direitos e Justiça (CIDIJUS).
2 Graduada em Ciências Biológicas, pela Universidade Federal do Rio Grande (FURG)
e pesquisadora do Laboratório de Mapeamento em Ambientes, Resistências, Sociedades
e Solidariedade - MARéSS.
Contato: fabianefonseca@gmail.com
12 | A DESIGUALDADE DE GÊNERO NA PESCA ARTESANAL E O APROFUNDAMENTO DESTE CENÁRIO
CASO A PEC 06/2019 SEJA APROVADA

reprodução da atividade.
Em um segundo momento, faz-se um apanhado acerca de diferentes
fatores que promovem a desigualdade de gênero para as mulheres pescado-
ras. Confere-se um enfoque no acesso ao seguro defeso, um direito também
previdenciário, que teve sua concessão suspensa às mulheres pescadoras
da Laguna dos Patos, em virtude de um entendimento errôneo por parte
do Ministério do Trabalho e Emprego. A abordagem deste conflito vem
à tona para assinalar que a garantia de direitos sociais está sempre em
disputa, não se constituindo uma benesse do Estado, mas, antes, uma luta
por cidadania.
E, por fim, o artigo se dedica a contrapor as regras atuais de concessão
de aposentadoria por idade rural e as futuras regras de acesso ao benefício,
caso a PEC 06/2019 seja aprovada, bem como questionar a atuação do
Poder Executivo para empreender esta drástica modificação na Previdên-
cia, já que as reformas nesta área são uma realidade desde a promulgação
da Constituição. Após, examinam-se possíveis consequências decorren-
tes da reforma, levando em consideração dois aspectos principais sobre a
PEC 06/2019 que afrontam a Constituição Federal: a desconsideração
da categoria de gênero para a concessão da aposentadoria por idade rural
e a incompreensão das dificuldades do labor rural.

A CADEIA PRODUTIVA DA PESCA ARTESANAL SOB A


ÓTICA DE GÊNERO

Ao abordar a pesca artesanal é necessário delimitar sobre qual pers-


pectiva se está falando. Em um olhar reducionista ela é vista apenas como
a captura de pescados em seu ambiente natural através de determinados
petrechos e embarcações de pequena escala, assim, o(a) pescador(a) arte-
sanal é posto como o indivíduo que realiza essa atividade laboral. Se consi-
derada em uma perspectiva ampla, a pesca artesanal é compreendida como
um modo de vida onde os sujeitos envolvidos – pescadores e pescadoras
artesanais – possuem uma forma de organização própria, logo, a defini-
ção não se restringe apenas a captura ou ao tamanho das embarcações
(DIEGUES, 1983).
Enquanto comunidade tradicional, os(as) pescadores(as) artesa-
nais possuem uma relação intrínseca com o ambiente em que trabalham
A DESIGUALDADE DE GÊNERO NA PESCA ARTESANAL E O
APROFUNDAMENTO DESTE CENÁRIO CASO A PEC 06/2019 SEJA APROVADA | 13

e vivem, tendo um domínio sobre todo o processo produtivo e possuindo


um conhecimento próprio resultante desta forma de interação com a
natureza. Diferentemente do universo acadêmico, nestas comunidades
a compreensão sobre os fenômenos naturais, assim como da dinâmica de
funcionamento dos ecossistemas e das espécies, possui uma explicação
dada pela experiência prática de cada sujeito e ao mesmo tempo reflete o
acúmulo dos saberes transmitidos através da oralidade entre as gerações
(DIEGUES, 1983).
Ainda relacionado ao conceito, historicamente, as definições de pesca
artesanal têm sido um elemento de exclusão das mulheres pescadoras, pois
observam apenas a relação de extração de espécies do ambiente aquático,
dessa forma, invisibilizando as atividades exercidas pelas mulheres, as quais
em geral são realizadas em terra. Um elemento que se relaciona diretamente
com a dupla jornada de trabalho das mulheres, consiste, segundo Kergoat
(2001), na separação entre trabalhos de produção e de reprodução:

[...] tem dois princípios organizadores: o princípio da separação (existem


trabalhos de homens e trabalhos de mulheres) e o princípio da hierarqui-
zação (um trabalho de homem “vale” mais do que um trabalho de mulher).
Eles são válidos para todas as sociedades conhecidas, no tempo e no espaço
- o que permite, segundo alguns e algumas (Heritiér-Augé, 1984), mas não
segundo outros (Peyre e Wiels, 1997), afirmar que existem desta forma
desde o incício da humanidade. (KERGOAT, 2003, p. 56)

Todavia, na atual Lei da Pesca, Lei nº 11.959/2009, fica evidente a


incorporação das práticas realizadas majoritariamente pelas mulheres no
rol de trabalhos considerados constituintes da pesca artesanal, portanto, há
um grande avanço em termos legislativos no reconhecimento das mulheres
enquanto ativas e produtivas no processo pesqueiro.
No que tange à participação feminina na pesca, Alencar & Maia
(2011), analisando os dados do Registro Geral da Pesca do ano de 2009
identificaram que haviam 693.705 pescadores(as) artesanais registrados/
as no Brasil, dos quais 34,9% (237.714) eram mulheres, evidenciando
a importante participação delas na atividade produtiva. Cabe salientar
que, por ser um estudo realizado apenas com os dados do RGP, é possível
que seja deficitário no aspecto de mensuração da proporção de gênero,
uma vez que muitas pescadoras se deparam com uma série de dificuldades
para acessar tal registro, configurando-se também como um elemento de
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CASO A PEC 06/2019 SEJA APROVADA

exclusão destas do reconhecimento profissional (BECKER, 2013).


O cenário de desigualdade de gênero na pesca artesanal brasileira
vem sendo relatado por diversos(as) autores(as) (BECKER, 2013; GAL-
VÃO, 2013; HELLEBRANDT, 2017). A não compreensão das mulheres
enquanto pescadoras, para fins trabalhistas e previdenciários, pelo fato de
não atuarem primordialmente na etapa de captura, vem gerando uma série
de invisibilidades, especialmente por excluí-las do acesso a direitos básicos,
como seguro defeso e aposentadoria por idade rural, como se verá adiante.

A MULHER PESCADORA E O ACESSO A DIREITOS

Em virtude da globalização e industrialização do mundo, restaram


poucas comunidades locais que se sustentam a partir de atividades que
fogem da lógica capitalista relacionada à venda de mão de obra para o
mercado de trabalho. Entretanto, segundo o extinto Ministério da Pesca
e Aquicultura (2012) a pesca artesanal é responsável pela produção de
60% do pescado no Brasil, envolvendo aproximadamente um milhão de
pescadores e pescadoras, cumprindo um papel importante, não somente
para as comunidades diretamente envolvidas, como também para a segu-
rança alimentar da população brasileira.
Todavia, principalmente nestes grupos se observa com frequência a
negação de direitos, cuja desproteção por parte do Estado será analisada
a seguir, no contexto das pescadoras artesanais.
No que se refere ao seguro-defeso, regulado pela Lei nº 13.134/2015
, trata-se do equivalente ao seguro-desemprego, isto é, um auxílio finan-
ceiro temporário fornecido aos(às) pescadores(as) artesanais no período
de defeso, ou seja, interim destinado à reprodução das espécies aquáticas
alvo destas pescarias, previsto no art. 7º, inciso II, da Constituição Federal.
Neste sentido, a partir da análise dos requisitos para o acesso ao
seguro defeso, observa-se a primeira barreira para a consecução dos direitos
previdenciários das mulheres pescadoras, isto é, a documentação exigida
pelo INSS, visto que o Registro Geral de Pesca se encontra, na maioria
dos casos nos nomes dos homens, bem como o registro da embarcação de
pesca e os talões de comercialização do pescado. De outro lado, o segundo
óbice enfrentado pelas pescadoras é que a maior parte do labor exercido
por elas, tais como a evisceração e demais processamentos do pescado assim
A DESIGUALDADE DE GÊNERO NA PESCA ARTESANAL E O
APROFUNDAMENTO DESTE CENÁRIO CASO A PEC 06/2019 SEJA APROVADA | 15

como conserto das redes de pesca, é realizado em terra, confundindo-se


com a jornada de trabalho doméstico.
No que se refere à falta de concessão do seguro defeso em virtude de
déficit de documentação, Becker (2013) assevera que a licença ambiental
(a qual demanda o RGP) é facilmente suprida pela apresentação de licença
no nome do cônjuge, conforme postulado pelo Ministério Público em
Ação Civil Pública, com vistas ao restabelecimento do pagamento do
seguro-defeso às pescadoras artesanais. Medida que garante o acesso ao
benefício, ainda que coloque a pescadora em condição de subalternização
em relação ao marido para o reconhecimento enquanto pescadora.
Um elemento que se agrega a este cenário é a necessidade de apre-
sentação de documentos que, costumeiramente, se encontram em nome
do marido como condicionante para o acesso ao seguro-defeso às mulhe-
res. Esse fato se explica em virtude da possibilidade de inscrição de duas
maneiras junto ao INSS, como pescador(a) individual e como regime de
economia familiar.
Esta última é a forma derradeira como mulheres se inscrevem, justa-
mente pela ausência de diversos documentos em nome próprio. Contudo,
quando advêm situações de morte do companheiro, aposentadoria deste,
bem como a situação de mulheres solteiras que atuam somente nas etapas
de pré e pós captura, estas não se enquadram na condição de regime de
economia familiar e tampouco possuem atuação frequente na captura
para se inscreverem como pescadoras individuais.
Em relação às especificidades dos trabalhos realizados pelas mulheres,
apesar de a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável da Aqui-
cultura e da Pesca as enquadrar como parte do processo produtivo, con-
forme destacado no art. 4º, parágrafo único, da Lei 11.959/2009, onde
“considera-se atividade pesqueira artesanal, para os efeitos desta Lei, os
trabalhos de confecção e de reparos de artes e petrechos de pesca, os repa-
ros realizados em embarcações de pequeno porte e o processamento do
produto da pesca artesanal”, o direito ao seguro-defeso muitas vezes não
é garantido às mulheres pescadoras.
Portanto, os trabalhos das mulheres pescadoras acabam por ser rela-
cionadas ao cuidado da casa e da família, o que descaracterizaria a ativi-
dade de pesca, argumento recorrentemente utilizado para o indeferimento
de pedidos de seguro-defeso para pescadoras. Sintetiza este contexto a
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CASO A PEC 06/2019 SEJA APROVADA

socióloga Maneschy (2013):

Uma série de fatores sociais, culturais e políticos contribuíam para esse


quadro de marginalização das mulheres trabalhadoras na pesca. Em pri-
meiro lugar, as características da sua inserção na pesca, que tende a se dar
de maneira flututante, ou descontínua; ademais, muitas vezes o fazem para
prover diretamente o consumo do lar e, assim, sem passar pelo mercado.
Por outro lado, o fato de elas combinarem atividades produtivas e repro-
dutivas, muitas vezes no mesmo tempo e lugar, também contribui para
obscurecer essa condição de trabalhadora e, por conseguinte, desestimula
a reivindicação de seu estatuto (MANESCHY, 2013, p. 42).

Esta compreensão de que a atividade realizada pelas mulheres cons-


titui tão somente uma colaboração e, portanto, não é passível de remune-
ração, constitui uma grave injustiça social, tendo em vista que a própria
Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável da Aquicultura e da
Pesca reconhece as funções exercidas em terra como parte imprescindível
da atividade pesqueira. Todavia, este já foi o entendimento do Ministério
do Trabalho e Emprego no ano de 2011.
Este, por meio da Instrução Normativa MTE/SPPE nº 01/2011,
passou a exigir uma série de documentos exclusivamente em nome próprio
do(a) pescador(a) artesanal em seu artigo 13, como o comprovante de
venda do pescado, o comprovante de inscrição no Cadastro Específico
do INSS, a cópia do Certificado de Registro da Embarcação, a licença
ambiental emitida por autoridade ambiental competente, dentre outros.
Após doze anos de concessão de seguro defeso para pescadoras arte-
sanais que exercem a pesca em regime de economia familiar na Lagoa
dos Patos, a exigência de documentos em nome próprio por parte do
Ministério do Trabalho e Emprego gerou a suspensão deste benefício às
mulheres, sendo necessário o ajuizamento de uma Ação Civil Pública,
de iniciativa do Ministério Público Federal, para o restabelecimento do
seguro defeso das mulheres.
Verifica-se, assim, a relação direta entre divisão sexual do trabalho
e o comprometimento dos direitos sociais das mulheres pescadoras. Em
virtude do senso comum difundido de que o trabalho envolvido na cap-
tura do pescado é mais relevante do que o realizado nas etapas de pré e
pós captura, tal como a confecção e reparo de redes e o beneficiamento do
pescado, majoritariamente exercido por mulheres, dá-se margem para a
A DESIGUALDADE DE GÊNERO NA PESCA ARTESANAL E O
APROFUNDAMENTO DESTE CENÁRIO CASO A PEC 06/2019 SEJA APROVADA | 17

constatação equivocada de que o trabalho de mulheres pescadoras consiste


em mero auxílio ao trabalho dos homens.

O conflito de identidade das pescadoras é possível explicar, em parte, pelo


fato de o seu reconhecimento como profissional da pesca ser recente. As
mulheres pescadoras vivenciaram, durante várias décadas, a invisibilidade,
a precarização do trabalho e a exclusão de direitos sociais. Até o ano 1978,
as mulheres não estavam legalizadas profissionalmente nas Colônias de
Pescadores, considerando que as entidades de classe eram controladas pela
Marinha de Guerra. Neste contexto, as pescadoras eram invisíveis na insti-
tuição que representava tão somente os trabalhadores da cadeia produtiva
da pesca. (LEITÃO, 2013, p. 42)

Nesse sentido, contrapondo a esta postura autoritária e contraditória


do Estado, Hellebrandt (2017), em um estudo realizado em uma comu-
nidade pesqueira no extremo sul do Brasil demonstrou casos de auto-or-
ganização de pescadoras artesanais no desenvolvimento de estratégias de
economias locais (fábrica de gelo e gastronomia com pescados locais), as
quais traziam benefícios não apenas para as pescadoras diretamente envol-
vidas e suas famílias como também para toda a comunidade estudada, o
que evidencia o papel essencial destas mulheres no território pesqueiro.
Hellebrandt (2017) afirma que o que ocorre de fato é um distancia-
mento do Estado, a instituição que regra a atividade pesqueira e provém
os direitos previdenciários, e os(as) trabalhadores(as) da comunidade pes-
queira, resultando em legislações desconexas à realidade concreta da pesca
artesanal. Este cenário pode ser associado também ao entendimento de
que boa parte destas legislações e regramentos do ordenamento pesqueiro
e do acesso a direitos de seguro defeso são construídos com embasamento
em dados científicos produzidos pelas ciências naturais, a qual, segundo
Diegues (2008), tem seu foco no estudo dos fatores físico-químicos e
biológicos e muitas vezes ignora as interfaces culturais, sociais e políticas
relacionadas ao uso da natureza.
Santos (1987), exprime que este paradigma dominante na Ciência
tem sua origem no século XVI, e configura-se como um modelo global e
totalitário, o qual estabelece fronteiras ostensivas entre o saber científico
e o não-científico, e impõem que só tem rigor científico aquilo que pode
ser quantificado. Este determinismo mecanicista assumido pela ciência
moderna faz crer que esta é inquestionável, passando a ter um papel
18 | A DESIGUALDADE DE GÊNERO NA PESCA ARTESANAL E O APROFUNDAMENTO DESTE CENÁRIO
CASO A PEC 06/2019 SEJA APROVADA

dogmático antes desempenhado pela igreja (SANTOS, 1987; FÁVERO,


2006).
Corrobora com isto a afirmação de Bennet (2005 apud Hellebrandt,
2017) a qual destaca que há três fatores que constroem o contexto de
invisibilização e marginalização das mulheres pescadoras seja no âmbito
da produção científica ou dos espaços de decisão, sendo eles: o foco dos
pesquisadores na captura das espécies; a suposta neutralidade em relação
a temática de gênero pretendida por muitos pesquisadores e por fim, o
agrupamento dos dados de pesca junto aos da agricultura. Este último
acabando por dissimular não só as informações sobre o setor pesqueiro em
si, mas ao não realizar um fracionamento por gênero, acaba por fortalecer
o encobrimento das informações pertinentes às mulheres pescadoras.
Diante disto, é possível ver que os diferentes conceitos de pesca arte-
sanal e de pescador(a) artesanal, bem como as políticas públicas voltadas
ao universo pesqueiro, também podem contribuir para a configuração da
desigualdade de gênero, tendo em vista que por limitar a atividade pes-
queira à ação de captura dos pescados, acaba por excluir a maior parte das
mulheres da identificação profissional enquanto pescadoras e destituí-las
de direitos concedidos aos homens pescadores.

PERSPECTIVAS SOBRE A APOSENTADORIA DAS PESCADO-


RAS SE FOR APROVADA A PEC DA PREVIDÊNCIA 06/2019

Primeiramente, cumpre analisar como as pescadoras artesanais


são classificadas dentro do sistema de Previdência Social brasileiro. Exis-
tem, dentro do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), cinco tipos
de segurados(as) obrigatórios(as), ou seja, aqueles(as) que devem, obri-
gatoriamente, contribuir para o equilíbrio do sistema previdenciário. São
eles(as): empregados(as), empregados(as) domésticos(as), trabalhado-
res(as) avulsos, contribuintes individuais e segurados(as) especiais.
Conforme o art. 12, VII, alínea b, da Lei nº 8.212/91, os(as) pes-
cadores(as) artesanais são classificados(as) como segurados(as) especiais,
devendo fazer da pesca a principal forma de subsistência e exercê-la de
forma habitual, podendo ser de forma individual ou em regime de eco-
nomia familiar. Este último regime, conforme o §1º do mesmo artigo, é
definido como o trabalho segundo o qual a participação dos membros da
A DESIGUALDADE DE GÊNERO NA PESCA ARTESANAL E O
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família é indispensável para a própria subsistência do grupo familiar e para


a cadeia reprodutiva da pesca, devendo, obrigatoriamente, ser efetuado
em condições de mútua colaboração e dependência, sem a utilização de
empregados permanentes.
Como seguradas especiais do INSS, as pescadoras artesanais são
equiparadas a trabalhadores(as) rurais, de forma que podem acessar unica-
mente a modalidade de aposentadoria por idade, nos termos do art. 143,
da Lei 8.213/91. Isto ocorre em virtude da não ocorrência de recolhi-
mentos mensais durante a vida laborativa, diferente das outras classes de
segurados(as), e sim a efetivação de contribuição previdenciária mediante
a comercialização da produção, embora seja facultada a trabalhadores(as)
rurais a opção de contribuição mediante a folha de pagamento.
Esta limitação de acesso unicamente à aposentadoria por idade
sugere que se as pescadoras que não conseguem comprovar a própria
qualidade de seguradas especiais, seja por entraves burocráticos estatais
relativos à documentação, seja por um histórico de divisão sexual do tra-
balho que não lhes permite a auto-identificação como pescadoras, elas
restam totalmente desamparadas na velhice, um dos momentos em que
o(a) trabalhador(a) mais necessita da cobertura previdenciária.
Torna-se oportuno trazer parte da pesquisa de Leitão (2013), a
qual capta a perspectiva de mulheres pescadoras sobre as problemáticas
da pesca, gênero e trabalho, a partir da realização de oficinas itinerantes
em comunidades pesqueiras. Senão vejamos:

As articuladoras argumentam sobre o fato de que muitas vezes os pesca-


dores e as pescadoras não se identificam como profissionais da pesca nos
formulários institucionais que preenchem e que exercem esta profissão
ao longo das suas vidas. Esta falta de identificação é ainda mais frequente
entre as mulheres pescadoras. Segundo elas, as mulheres chegam ao posto
médico, à escola do filho e se identificam como domésticas. Elas deveriam
se identificar como pescadoras: “tudo isso são provas de anos de atividade
na pesca, que pode juntar a sua carteirinha (RGP) de pescador ou pesca-
dora para adquirir seus benefícios.” Só assim, elas podem garantir o acesso
à aposentadoria. Cícera Estevão Batista ainda ressalta que é importante
manter toda a papelada em dia porque, segundo ela, “a previdência hoje
é um entrave ao acesso aos benefícios (...) a previdência procura qualquer
coisa pra negar um benefício. Aí a gente tem que mandar tudo certinho
pra poder a gente adquirir o benefício solicitado.” (LEITÃO, 2013, p.41)
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CASO A PEC 06/2019 SEJA APROVADA

Em outras palavras, a falta do reconhecimento da condição de segu-


rada especial da pescadora artesanal acarreta o desamparo destas mulheres
quando atingem idade avançada ou quando perdem a capacidade para o
trabalho, pois a inscrição como segurada especial também é pré-requi-
sito para acesso ao auxílio-doença, seguro defeso, além de elemento fun-
damental para o acesso à aposentadoria, cujas regras de concessão serão
analisadas a seguir.
Atualmente, a Constituição Federal prevê regras diferenciadas para
a aposentadoria por idade urbana e rural. Por se entender que o labor
rural é mais penoso, resguarda-se o direito de obter a aposentadoria em
cinco anos mais cedo, para homens e mulheres. Desta forma, nas regras
atuais, a mulher pescadora que obtiver a documentação necessária exposta
anteriormente, consegue alcançar a aposentadoria aos 55 anos de idade
e 15 anos de exercício de atividade pesqueira, ao passo que os pescadores
homens a obtêm ao somar 60 anos, com o mesmo tempo de trabalho na
pesca. É o que dispõe o art. 201, CF:

Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral,
de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que
preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a:  
(...)
§ 7º É assegurada aposentadoria no regime geral de previdência social, nos
termos da lei, obedecidas as seguintes condições
(...)
  II – sessenta e cinco anos de idade, se homem, e sessenta anos de idade,
se mulher, reduzido em cinco anos o limite para os trabalhadores rurais
de ambos os sexos e para os que exerçam suas atividades em regime de
economia familiar, nestes incluídos o produtor rural, o garimpeiro
e o pescador artesanal.   (Constituição Federal de 1988) (grifo nosso)

Como já mencionado anteriormente, apenas a partir da Constituição


Federal as mulheres pescadoras passaram a gozar plenamente de direitos
sociais, pelo menos teoricamente. Não obstante esta conquista, como
demonstrado pelo excerto acima, elas ainda encontram diversos entraves
para a obtenção dos benefícios previdenciários, principalmente em virtude
da falta de identificação como pescadoras, por si mesmas e pelo Estado.
Desde a promulgação da Constituição Federal, inúmeras são as con-
trarreformas já aprovadas para a mudança nas regras previstas de aposen-
tadoria. Cita-se, por exemplo, a instituição do Fator Previdenciário, que
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APROFUNDAMENTO DESTE CENÁRIO CASO A PEC 06/2019 SEJA APROVADA | 21

desestimula os(as) segurados(as) a se aposentarem mais cedo, através da


incidência deste fator, que abate uma parcela da renda mensal inicial do(a)
requerente, sendo de aplicação obrigatória na aposentadoria por tempo
de contribuição e facultativa na aposentadoria por idade.
Além disso, tem-se a Fórmula 86/96, um método para evitar a inci-
dência do fator previdenciário, por meio da soma entre a soma da idade
do(a) segurado(a) e o tempo de contribuição, devendo atingir, no caso de
mulheres o valor de 86 pontos e 96 para os homens.
Esta última regra foi instituída pela Lei 13.183/2015 e é aplicada
na aposentadoria por tempo de contribuição, apresentando um critério
progressivo em que a pontuação aumenta até o ano de 2026, passando a
ser 90 pontos para mulheres e 100 pontos para homens.
Estes exemplos foram citados para demonstrar como, nos últimos
trinta anos, o direito constitucional à aposentadoria sofre mitigações com
as reformas apresentadas, a ponto de tornarem inalcançáveis à população
brasileira as regras impostas. Com a adoção dessas medidas, o Estado de
Bem-Estar Social, teoricamente, instituído pela Constituição Federal, falha
na garantia de serviços públicos e proteção da população, não cumprindo
com o papel de “Estado Providência”.
Este desempenho por parte do Estado aparece de forma mais brutal
na Proposta de Emenda Constitucional 06/2019. As principais afetadas
por esta reforma serão as mulheres, trabalhadoras urbanas e rurais, prin-
cipalmente pelo fato de ignorar a dupla jornada de trabalho das mulhe-
res e as assimetrias de gênero no mercado de trabalho. Há também um
negligenciamento acerca da penosidade do trabalho rural, que impede o
alcance pleno de direitos previdenciários pelas pescadoras artesanais, se
comparadas à trabalhadoras urbanas.
A PEC 06/2019, no que tange à aposentadoria por idade, pretende
alterar os requisitos constitucionais, equiparando a idade mínima para a
concessão do benefício para 60 anos para ambos os gêneros e aumentando
em cinco anos o tempo de carência para a obtenção deste, ou seja, de 15
anos de efetiva atividade pesqueira, o(a) segurado(a) passa a necessitar da
comprovação referente a 20 anos de labor na pesca. Cumpre transcrever um
trecho do confuso texto da referida Proposta de Emenda Constitucional:

Art. 22. Ressalvado o direito de opção à aposentadoria pelas normas esta-


belecidas no art. 24 ou pela lei complementar a que se refere o § 1º do art.
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CASO A PEC 06/2019 SEJA APROVADA

201 da Constituição, o segurado filiado ao Regime Geral de Previdência


Social até a data de promulgação desta Emenda à Constituição poderá
aposentar-se por idade quando preencher, cumulativamente, os seguintes
requisitos:
I - sessenta anos de idade, se mulher, e sessenta e cinco anos de idade, se
homem; e
II - quinze anos de contribuição, para ambos os sexos.
§ 1º A partir de 1º de janeiro de 2020, a idade de sessenta anos da mulher,
prevista no inciso I do caput, será acrescida em seis meses a cada ano, até
atingir sessenta e dois anos de idade.
§ 2º A partir de 1º de janeiro de 2020, o tempo de contribuição previsto
no inciso II do caput será acrescido em seis meses a cada ano, até atingir
vinte anos.
§ 3º O requisito a que se refere o inciso I do caput será reduzido em cinco
anos, para ambos os sexos, para os trabalhadores rurais a que se refere o
inciso IV do § 7º do art. 201 da Constituição, observado o disposto no §
2º, e, para a mulher, o acréscimo a que se refere o § 1º, até atingir sessenta
anos de idade. (PEC 06/2019)

Esta alteração proposta pela PEC se manifesta incoerente com o


cenário brasileiro por duas razões principais já mencionadas: uma referente
à penosidade do labor rural e outra que diz respeito à falta de consideração
das disparidades de gênero no cenário brasileiro.
Por um lado, a parcela da população que exerce labor rural já
enfrenta dificuldades em face da burocracia imposta para comprovar o
período laborado no campo ou na pesca, além das dificuldades de subsis-
tência de trabalhadores(as) rurais frente à dominação do agronegócio no
Brasil. Embora a Constituição Federal institua a idade de 16 anos para o
início das atividades laborativas, O Tribunal Regional Federal da 4ª Região
relativiza esta norma, passando a computar o trabalho rural a partir dos
12 anos de idade! Senão vejamos:

EMENTA: DIREITO PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA


POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. TRABALHO RURAL A PAR-
TIR DE 12 ANOS DE IDADE. TEMPO COMUM. 1. Comprovada
atividade rural exercida, com inicio de prova documental suficiente, cor-
roborada pela prova testemunhal. 2. O tempo de trabalho rural a partir
dos doze anos de idade, desde que devidamente comprovado, pode ser
computado para fins previdenciários. 3. Apesar de extraviada a carteira
de trabalho, possível a demonstração do tempo de serviço por outros meios
de prova. (TRF4, AC 5010874-38.2014.4.04.7107, SEXTA TURMA,
Relatora BIANCA GEORGIA CRUZ ARENHART, juntado aos autos
em 25/10/2016) (grifo nosso)
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APROFUNDAMENTO DESTE CENÁRIO CASO A PEC 06/2019 SEJA APROVADA | 23

A jurisprudência acima colacionada corrobora a alegação de que


trabalhadores(as) rurais, incluindo pescadores(as) artesanais, iniciam o
trabalho em tenra idade. Todavia, remanesce a dificuldade de comprovação
do período laborado. Segundo Brumer (2002), o modelo de previdência
social adotado no Brasil é voltado para trabalhadores(as) urbanos, os quais
são assalariados e conseguem efetuar contribuições mensais, já o setor rural
possui uma capacidade contributiva muito baixa, excluindo vários(as)
agricultores familiares do acesso à previdência.
Por outro lado, no que toca à questão de gênero, a equiparação da
aposentadoria para 60 anos de idade proposta pela Reforma da Previdência
despreza a questão vastamente exposta da divisão sexual do trabalho, que
acarreta um desgaste para as mulheres muito superior ao sofrido pelos
homens, em razão da dupla jornada de trabalho.
Soares (2003) ao trabalhar o conceito de cidadania fragilizada das
mulheres, aduz que em virtude da naturalização do papel das mulheres
como responsáveis pelo núcleo familiar, não lhes é permitida uma cida-
dania plena. Isso se explica pelo próprio fato de que o surgimento dos
direitos sociais no Estado de Bem-Estar Social se construiu com base em
um modelo masculino de trabalhador, ou seja, aquele que possui dispo-
nibilidade integral para o trabalho remunerado, em virtude da delegação
do trabalho reprodutivo às mulheres.
Sendo assim, se o próprio Estado não oferece condições plausíveis de
que mulheres acessem direitos sociais em situação de paridade, verifica-se
o fracasso do Estado Democrático de Direito, já que ignorar as assimetrias
de gênero nas relações sociais envolve uma negação institucional do alcance
de direitos para certos grupos, como o das mulheres, principalmente, as
trabalhadoras rurais. Enfatizam também a mesma crítica à PEC 06/2019:

A aposentadoria por idade é a modalidade de benefício previdenciário mais


acessado pelas mulheres e pela parcela da população mais pobre, pois a baixa
escolaridade e as parcas oportunidades ocasionam situação de desemprego
e, consequentemente, tempo de carência insuficiente para se aposentar
por tempo de contribuição. Por conseguinte, entende-se que a aprovação
de tais medidas acarretaria um agravamento no processo de feminização
da pobreza no país, visto que a maior parte das seguradas mulheres não
conseguiria acessá-lo e acabariam por migrar para a assistência social, que
também sofrerá graves mudanças com a reforma. Destarte, a aposenta-
doria, consagrada pela Constituição como um direito, passará a um mero
devaneio. (MENDES et al, 2019, p. 25)
24 | A DESIGUALDADE DE GÊNERO NA PESCA ARTESANAL E O APROFUNDAMENTO DESTE CENÁRIO
CASO A PEC 06/2019 SEJA APROVADA

Por este motivo, defende-se que a Reforma da Previdência não


merece prosperar, visto que atinge frontalmente o alcance de direitos
sociais por parte de grande parcela da população brasileira. Principal-
mente as pescadoras e agricultoras em pequena escala, que já possuem
atualmente um tratamento mais brando pela Constituição Federal, serão
as mais atingidas pela PEC 06/2019, visto que além de aumentar o tempo
de efetiva comprovação da atividade, ainda equipara formalmente a idade
para a concessão da aposentadoria para homens e mulheres, não obstante
a realidade material aponte que essas desigualdades de gênero ainda são
latentes na vida das mulheres brasileiras.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por conseguinte, este trabalho procurou demonstrar alguns aspectos


concernentes à invisibilidade do trabalho da mulher pescadora e como isso
impacta nos direitos previdenciários destas.
Em um primeiro momento, abordou-se a necessidade de uma con-
cepção mais ampla de pesca, voltada não somente à captura do pescado,
mas que também abranja as etapas de pré captura e pós captura e que
reconheçam os sujeitos que se dedicam a estas últimas etapas, sob pena
da exclusão das mulheres das políticas públicas voltadas à pesca artesanal.
Como vastamente demonstrado, as tarefas realizadas em terra são
majoritariamente exercidas por mulheres, como o conserto e confecção
de redes, o beneficiamento do pescado e a comercialização. Contudo,
estas atividades produtivas são comumente confundidas com o trabalho
doméstico não remunerado, atividade reprodutiva exercida pelas mulheres,
como decorrência da divisão sexual do trabalho.
Este entendimento de que a atividade realizada por mulheres pes-
cadoras configura mero auxílio, apesar de desmistificado pela Lei nº
11.959/2009, já foi utilizado pelo Ministério do Trabalho e Emprego
como justificativa para suspender a concessão do seguro defeso às mulhe-
res pescadoras da Laguna dos Patos. Por este motivo, entende-se que os
direitos sociais advindos da Constituição Federal não são consolidados,
pelo contrário, em momentos de crise são os primeiros a sofrerem ata-
que, sob a justificativa, segundo o Estado capitalista, de que “oneram” o
orçamento público.
A DESIGUALDADE DE GÊNERO NA PESCA ARTESANAL E O
APROFUNDAMENTO DESTE CENÁRIO CASO A PEC 06/2019 SEJA APROVADA | 25

No mesmo sentido, surge a Proposta de Emenda Constitucional nº


06/2019, um projeto perverso que, por trás das inúmeras alterações pre-
vistas, tem como carro-chefe a gradual privatização da Previdência Social,
a partir da imposição de regras cada vez mais árduas e de impraticável
alcance para a maior parte da população brasileira, como o aumento de
idade e tempo de contribuição para a aposentadoria . Ao mesmo tempo, a
PEC 06/2019 delega à Lei Complementar a criação de um novo regime de
Previdência Social, o denominado sistema de capitalização individual, já
implantado - e fracassado - no Chile, cujo debate merece ser aprofundado
em momento oportuno.
Em síntese, no que se refere às mudanças propostas para a aposen-
tadoria das pescadoras artesanais, observa-se uma grande desinforma-
ção sobre as questões materiais que permeiam a realidade destas pessoas.
Em outras palavras, a referida proposta ignora os elementos cruciais já
incorporados na Constituição Federal, como a desigualdade de gênero e
a penosidade do labor rural nas alterações pretendidas.
Em virtude disso, do ponto de vista de gênero, compreende-se a PEC
06/2019 como um grande ataque aos direitos sociais previstos constitu-
cionalmente. Se atualmente as pescadoras já encaram os critérios para a
comprovação do labor na pesca e da condição de seguradas especiais como
burocráticos, as regras que estão por vir, caso a Reforma da Previdência seja
aprovada, apontam para a intensificação do abismo entre as pescadoras
artesanais e o alcance de direitos sociais.
Por fim, esta reforma não é considerada perversa, unicamente pelo
fato de agravar o abismo existente entre a população mais pobre e o alcance
de direitos sociais. Sobretudo, deve ser rechaçada por promover um negli-
genciamento por parte do Estado acerca da proteção previdenciária e assis-
tencial dos(as) brasileiros(as), relegando à mão invisível do mercado, repre-
sentada pelas instituições bancárias, a responsabilidade pelo seguro social,
por meio do sistema de capitalização individual, previsto no art. 201-A.

REFERÊNCIAS

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ANÁLISES SOBRE O AGRONEGÓCIO E O SEU
IMPACTO NA VIDA DAS MULHERES INDÍGENAS
GUARANI E KAIOWÁ NO ESTADO DE MATO
GROSSO DO SUL: ENTRE LUTAS E RESISTÊNCIAS

ANÁLISIS SOBRE LA AGRICULTURA Y SU IMPACTO


EN LA VIDA DE LAS MUJERES INDÍGENAS
GUARANI Y KAIOWÁ EN EL ESTADO MATO GROSSO
DO SUL: ENTRE LUCHA Y RESISTENCIA

Rosely A. Stefanes Pacheco1


Juliana Cruz Lino2

INTRODUÇÃO

Este trabalho tem entre seus objetivos, verificar mesmo que de forma
breve, o processo de apropriação das terras indígenas no Estado de Mato
Grosso do Sul, a consequente consolidação do latifúndio e do agronegócio,
bem como o impacto que este processo trouxe para a vida das populações
indígenas, em especial para as mulheres Guarani e Kaiowá. Além do que,
evidenciar as lutas e resistência destas mulheres. Neste ínterim, percebe-se
que, se, por um lado o sistema as oprime e as discrimina, por outro, estas
mulheres resistem e lutam por seus direitos.
Quanto a metodologia que utilizamos para este trabalho, enfatiza-
mos a busca pela revisão bibliográfica sobre o tema, também elegemos
trabalhar com a prática da “escuta” de mulheres indígenas. Dentre as
fontes consultadas, recorremos ao Documento Final elaborado na VI
Kunãgue Aty Guasu de 2018. Enfatizamos que este é um trabalho que
está em processo de construção.
No que tange aos resultados parciais deste trabalho, entendemos
que uma compreensão mais ampla dos desafios que os povos indígenas,
1 Doutoranda em História, PPGH-UFGD (Universidade Federal da Grande Dourados);
Doutoranda em Direito, PPGD-PUCR (Pontifícia Universidade Católica do Paraná),
Professora UEMS (Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul).
Contato: roselystefanes@gmail.com
2 Acadêmica 4º ano Curso de Direito, UEMS (Universidade Estadual de Mato Grosso
do Sul).
Contato: julianalyno@hotmail.com
30 | ANÁLISES SOBRE O AGRONEGÓCIO E O SEU IMPACTO NA VIDA DAS MULHERES INDÍGENAS GUARANI
E KAIOWÁ NO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL: ENTRE LUTAS E RESISTÊNCIAS

ainda hoje, enfrenta no campo de seus direitos territoriais, passa, por um


desvelar histórico sobre a forma como a questão territorial foi tratada no
Brasil. Além do que, é necessário “desmistificar” o tema do agronegó-
cio, pois, apesar do agronegócio tornar-se sinônimo de produtividade,
deve-se levar em consideração que este segmento se fundamenta em “uma
produção/produtividade excludente, promotora da miséria, degradação
ambiental, violências e tantas outras mazelas e barbáries”. (FABRINI e
ROOS 2014, p.22).

BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE UM TERRITÓRIO


“INVENTADO”

O termo território nos remete a uma variedade de interpretações


conceituais e o território espacial-geográfico reconhecido atualmente
como Estado de Mato Grosso do Sul, localizado na região Centro Oeste
do Brasil, que até o ano 1977 compunha o sul do Estado de Mato Grosso,
está inserido entre estas interpretações.
Raffestin (1993), já enunciou que as organizações políticas procu-
ram subdividir e recortar o território para melhor controlá-lo, mais como
forma de representá-lo do que para, realmente, dividi-lo, pois, o Estado
busca unidade e uniformidade, e substitui a diversidade pela generalidade.
O território se apresenta como a expressão concreta e abstrata do
espaço apropriado, produzido e reproduzido pelos atores que o (re) defi-
nem cotidianamente levando em consideração suas dimensões que são,
ao mesmo tempo, política, econômica, cultural e, também, de natureza
imbricados pela historicidade e pela conflitualidade inerente a toda esfera
do corpo social. (Raffestin, 1993).
Destarte, a raiz da história do processo geopolítico, de apropria-
ção e redefiniçao territorial ocorrido neste Estado, o mesmo encontra-se
imbricado das noções descritas acima, uma vez que neste espaço territorial
desde o século passado já fora “demarcado” quais seriam os espaços que
seriam reservados aos povos indígenas e quais os que seriam liberados para
as frentes de expansão.
No que se refere particularmente a esta porção de terras que hoje
denominamos de Estado de Mato Grosso do Sul, para uma melhor com-
preensão das questões que hoje envolvem indígenas e não indígenas e a luta
MULHERES E CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS
| 31

pela posse de terras, é necessário fazermos uma breve digressão histórica.


Segundo (Ferreira, 2009), em 1858, em decorrência da Lei de Terras
(1850) foi criada através do Decreto 2092 de 20/01/1958, a chamada
Repartição de Terras Públicas, que direciona os procedimentos sobre as
terras e designava ao Estado iniciar um processo de medição, definição e
divisão de propriedades, começando então o controle fundiário sobre a
região. Devemos considerar que simultaneamente ocorreu a intensificação
dos aldeamentos indígenas, que passou a delimitar os territórios que os
povos indígenas deveriam ocupar.
Entre os anos de 1915 a 1928 o SPI (Serviço de Proteção ao Índio)
demarcou oito reservas para os Guarani e Kaiowá do sul de Mato Grosso:
(Caarapó, 3600 hectares; Dourados, 3600 hectares; Ramada ou Sassoró,
2000 hectares; Porto Lindo ou Jacarey, 2000 hectares; Amambai, 3600
hectares; Limão Verde, 900 hectares; Pirajuí, 2000 hectares). (STEFANES
PACHECO, 2004). Este Estado aldeou de maneira compulsória gru-
pos étnicos diversos, com culturas distintas em um mesmo microterritório. 
De acordo com Cavalcante:

Os índios eram vistos como transitórios, não houve qualquer preocupação


de se escolherem terras de ocupação tradicional, em alguns casos, sequer se
preocuparam com o suprimento de água potável, demarcando áreas sem
nenhum curso d’água, como a Reserva Indígena Limão Verde, por exemplo.
Também não se preocuparam com a dimensão das áreas para que pudessem
atender às necessidades dos indígenas no futuro, pois se esperava que eles
fossem assimilados tornando-se trabalhadores rurais assalariados indistintos
dos demais trabalhadores braçais e integrados ao mercado regional a partir
dos mais baixos níveis. (CAVALCANTE, 2014, p.3)3.

Em meados do século XVIII Mato Grosso (ainda província) possuía


em seu território diversas pessoas consideradas não indígenas, livres, como
também pessoas na categoria de escravizadas, além de milhares de indíge-
nas de diversas etnias. Findada a Guerra Guasu, (1870), denominada pelos
brasileiros como “Guerra do Paraguai”, novos colonos passaram a ocupar
este território. Muitos destes eram militares (ex combatentes) que vieram
a compor o grupo de fazendeiros e empresários da região, formando um
mercado capitalista monopolizado, subsidiado e legitimado pelo Estado
3 Disponível em < http://www.29rba.abant.org.br/resources/anais/1/1401848531_
ARQUIVO_29RBA-Demarcacaodeterrasindigenas.T.L.V.Cavalcante.pdf>, acesso em
20 de abril de 2018.
32 | ANÁLISES SOBRE O AGRONEGÓCIO E O SEU IMPACTO NA VIDA DAS MULHERES INDÍGENAS GUARANI
E KAIOWÁ NO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL: ENTRE LUTAS E RESISTÊNCIAS

(por ter feito a transferência e venda de grandes áreas de terras públicas),


foi composto por uma frente extrativista e outra agropastoril. 
Insta apontar que os conflitos pela posse da terra/território sempre
marcaram o perfil das relações sociais e econômicas que se estabeleceram
no Brasil. Contudo, essas manifestações nem sempre ocorreram de forma
aberta ou visível devido à pressão e repressão exercida pelos setores domi-
nantes do poder.
Ao longo dos séculos de apropriação do território brasileiro, perce-
be-se que a estrutura substantiva da questão agrária, ou seja, a forma como
foi e continua sendo organizada, por mais que tenha alterado o vai e vem
do poder político e econômico no país, principalmente aqueles referentes
à terra, à propriedade fundiária e ao que se refere às questões camponesas
ou indígenas, por exemplo, é extremamente resistente às transformações
que possam colocar em risco seus interesses.
Sobre o processo de expropriação e incorporação aos “nacionais”
dos territórios Guarani e Kaiowa enfatizamos que com o final da Guerra
Guasu, uma Comissão de Limites percorreu a região ocupada pelos Gua-
rani e Kaiowá, entre o rio Apa e o Salto de Sete Quedas, em Guairá. Essa
comissão era dirigida pelo coronel de engenheiros Rufino Enéas Gustavo
Galvão e sua segurança era realizada por destacamento militar comandada
pelo capitão Antônio Maria Coelho. Acompanhando esta comissão estava
Thomas Laranjeira, comerciante que atuava como fornecedor de alimentos
(Corrêa Filho, 1939 apud Stefanes Pacheco, 2004). Thomas Laranjeira
logo percebeu a grande quantidade de ervais nativos nesta região próxima
à fronteira com o Paraguai. Procurou então se apossar dessas terras para
a atividade extrativa, solicitando ao governo de Mato Grosso e depois ao
governo imperial a concessão de extensa área de terra nessa região. Os Kaiowá
e Guarani passaram, de certa forma, a serem aliciados para esse trabalho, e,
nos primeiros anos do século XX, já se tornava difícil para estes grupos indí-
genas manterem-se à margem dos ervais. (STEFANES PACHECO, 2004).
Consta que a região sul de Mato Grosso despertava grandes interesses
de outros “nacionais”. Diversas pessoas se dirigiram para esta região do
País para se colocarem como senhores possuidores de terras. Para Fabrini
(2008), isto fez com que a estrutura fundiária do Estado, especialmente a
parte localizada no sul do Estado, já nascesse concentrada.   
Devemos acentuar que no ano de 1977, com a fundação do Estado de
MULHERES E CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS
| 33

Mato Grosso do Sul, este processo foi conduzido pelo grupo que ocupava
o poder político e econômico. Almeida (2012), afirma que o processo
separatista, executado no governo Militar de Geisel, foi um projeto polí-
tico atrelado a estes dirigentes do Estado. A partir de 1980, este cenário de
concentração de terras e renda, de aldeamento compulsório, e de aumento
das desigualdades, fez com que esta fosse acentuada, desencadeando movi-
mentos incisivos de lutas por territórios e por direitos. 

O PROCESSO DE “INDUSTRIALIZAÇÃO” E OS TERRITÓ-


RIOS INDÍGENAS

O processo da chamada “industrialização” do Estado de Mato Grosso


do Sul, de um modo geral foi pautado na agregação de valor da cadeia
do agronegócio, especialmente as Usinas de Açúcar e Álcool. Esta dinâ-
mica que visou atender a demanda de crescimento econômico regional
e nacional, principalmente após é resposta a Lei Complementar nº 93
de 05/11/2001 (vigente até 2016) que instituiu o Programa Estadual de
Fomento à Industrialização, ao Trabalho, ao Emprego e à Renda (MS-EM-
PREENDEDOR), que concede incentivos e benefícios como isenção fiscal
às empresas que na região se instalassem e promovessem desenvolvimento
econômico. Frisa-se que é o segundo Estado com maior taxa de média de
crescimento anual entre 2002 e 2014, segundo dados do IBGE (2016). 
Esse crescimento tem sua base na estrutura agroindustrial do Estado
que se divide na produção de produtos alimentícios, sucroenergético,
celulose, papel e minerais metálicos, sendo a produção de produtos sucroe-
nergéticos representada pelo município de Dourados, conforme (SILVA,
2016). 
Há de se considerar que de forma direta e indireta, o “desenvolvi-
mento” industrial somando-se ao processo de crescimento tem causado
diversos impactos socioambientais, especialmente por conta da intera-
ção entre a indústria com o meio em que suas unidades produtoras estão
fixadas.
Fabrini e Roos (2014), evidenciam que os segmentos dominantes
da sociedade brasileira entendem que não há no país um problema agrá-
rio que demande mudanças estruturais, na verdade são apenas propostas
ajustes ao modelo.
34 | ANÁLISES SOBRE O AGRONEGÓCIO E O SEU IMPACTO NA VIDA DAS MULHERES INDÍGENAS GUARANI
E KAIOWÁ NO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL: ENTRE LUTAS E RESISTÊNCIAS

Os autores argumentam que mesmo com esta proposta “inovadora”


apresentada atualmente pelo agronegócio, que se apresenta como um
“novo” modelo de desenvolvimento para o campo brasileiro, pautado na
ideologia de superação do atraso do campo em substituição do modelo
baseado no latifúndio, na realidade, o agronegócio ainda traz nas suas
estruturas um conjunto de ações e práticas fundamentadas nas relações de
trabalho típicas da “acumulação primitiva” de capital, que não são regula-
das pelo mercado, tais como: “a superexploração do trabalho, violências,
peonagem e trabalhos análogos à escravidão”. (Fabrini e Roos, 2014, p.
22). Portanto, a acumulação capitalista a partir da renda fundiária não
passa de outra dimensão que acaba por unificar latifúndio e agronegócio.
Dessa maneira, apesar do agronegócio tornar-se sinônimo de produ-
tividade, deve-se levar em consideração que este segmento se fundamenta
em “uma produção/produtividade excludente, promotora da miséria,
degradação ambiental, violências e tantas outras mazelas e barbáries”.
(FABRINI e ROOS 2014, p.22).
Andrades e Ganimi (2007), ao discutirem teoricamente, o processo
de modernização da agricultura, apresentam o processo, conhecido como
Revolução Verde4, que acarretou profundos impactos no espaço geográfico
mundial e brasileiro e por consequência nas terras consideradas agricul-
táveis no Estado de Mato Grosso do Sul.
Importante destacar que antes do término da Segunda Grande
Guerra (1939-1945), instituições privadas, perceberam na agricultura
uma boa chance para reprodução do capital, começaram a investir em
técnicas para o melhoramento de sementes, denominadas Variedade de
Alta Produtividade (VAP), no México e nas Filipinas (ROSA, 1998).
Dentre as sementes, destacam-se o trigo, o milho e o arroz, sementes que
são a base da alimentação da população mundial.
Com o término da Guerra, muitas indústrias químicas que abaste-
ciam a indústria bélica norte-americana começaram a produzir e a incen-
tivar o uso de agrotóxico: herbicida, fungicida, inseticida e fertilizantes
químicos na produção agrícola para eliminar fungos, insetos, ervas dani-
nhas (ROSA, 1998 apud ANDRADES e GANIMI, 2007). Não se pode
esquecer também a construção e adoção de um maquinário pesado, como:
4 A Revolução Verde, modelo baseado no uso intensivo de agrotóxicos e fertilizantes
sintéticos na agricultura, é um fato corrente no campo e está presente na vida de muitos
produtores em diversas áreas do mundo. (Andrades e Ganimi, 2007).
MULHERES E CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS
| 35

tratores, colheitadeiras, para serem utilizados nas diversas etapas da pro-


dução agrícola, desde o plantio até a colheita, finalizando, assim, o ciclo
de inovações tecnológicas promovido pela Revolução Verde. (Andrades
e Ganimi, 2007, p.45).

Como pôde ser visto, a Revolução Verde causou profundos impactos ao


meio ambiente, mas não se pode esquecer de que o homem, apesar de
causador desses impactos, também sofre com as consequências de suas
ações, tanto como ser biológico, quanto como ser social. Biologicamente,
ou seja, a saúde do homem, também sofre com tal modelo, haja vista que o
homem é consumidor direto de tais alimentos. O consumo sistemático de
alimentos contaminados por agrotóxicos, ao longo da vida, leva a doenças
perigosíssimas, como, por exemplo, o câncer, todavia somente as pesquisas
mais recentes atentaram para a estreita relação entre o consumo de tais
alimentos e essa doença. (2007, p. 52).
Do ponto de vista social, o processo de modernização da agricultura é
extremamente desigual e excludente visto que privilegia alguns poucos
produtores, latifundiários, em detrimento de outros tantos pequenos pro-
dutores familiares (SILVA apud ANDRADES e GANIMI, 2007).

Soma-se a isso, temos as implicações devastadoras que este modelo


impõe aos territórios indígenas. As comunidades têm sido afetadas por este
modelo de produção. Primeiro porque foram arbitrariamente expropriados
de seus territórios, para a chegada das frentes de expansão, depois, com a
instalação das grandes propriedades, o que tornou praticamente impossível
conviver “confinados” como que em “gaiolas” rodeados de plantações de
cana-de-açúcar e de soja, à mercê de todos os tipos de agrotóxicos, que
são utilizados nestas plantações.
Depreende-se que o modelo latifundiário, agroexportador que se
perpetuou no processo de modernização da agricultura, apesar de atrair
vultosas remessas de dólares, não as converte em benefícios sociais.
Ainda sobre a chamada “Revolução verde – um jeito capitalista de
dominar a agricultura”, os autores Zamberlam e Fronchet, (2001, p. 13)
são extremamente felizes em seu conceito porque deixam evidentes as
reais intenções da grande empresa na modernização da agricultura, que
são a maximização do lucro através da monopolização de fatias cada vez
maiores do mercado e a aquisição de royalty por intermédio dos pacotes
tecnológicos, criando um círculo de dependência para o agricultor que só
adquiria os pacotes tecnológicos produzidos pelas transnacionais.
36 | ANÁLISES SOBRE O AGRONEGÓCIO E O SEU IMPACTO NA VIDA DAS MULHERES INDÍGENAS GUARANI
E KAIOWÁ NO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL: ENTRE LUTAS E RESISTÊNCIAS

O importante nesse conceito é destacar a abrangência das pesquisas


realizadas em vários campos do conhecimento e também a ousadia em
desenvolver “receitas” que poderiam ser adaptáveis a qualquer região. Os
que acreditam nessa proposta não levam em consideração as diversas geo-
grafias presentes no mundo, pois admitem uma receita universal passível
de ser aplicada em qualquer região. (BELATO apud ZAMBERLAM;
FRONCHET, 2001, p. 13).
Por certo, estas diretrizes orientadas por um tipo de pensamento
não tomaram forma ao acaso. Para que pudessem lograr êxito fora neces-
sária uma estrutura epistêmica, política e cultural para que essa política
pudesse se tornar realidade. A esta estrutura, Quijano (2009), nomeia
como colonialidade do poder.
Estes argumentos também demonstram que, à medida que se inten-
sificam as relações político-econômicas, os grupos dominantes tendem a
impor também seus códigos simbólicos e, através deles sua visão de mundo.
Ao se apropriarem e controlarem a circulação e a interpretação das men-
sagens, estes também impõem modelos (GEERTZ, 1989).

AGROTÓXICOS PARA QUEM?

Atualmente, o Brasil é um dos maiores consumidores de agrotóxi-


cos do mundo. Apesar de todos os alertas sobre os malefícios que o uso
destas substâncias pode causar no ambiente e na saúde da população, seu
uso segue.
O Relatório Human Rights Watch de julho 2018 aponta que a
grande quantidade de agrotóxicos usados no brasil é impulsionada pela
expansão da agricultura monocultora em grande escala. De todos os agro-
tóxicos vendidos no Brasil, cerca de 80 por cento são usados em plantações
de soja, milho, algodão e cana-de-açúcar (2018, p.30).
É de se observar que o termo agrotóxico passou a ser adotado no
Brasil a partir da Lei Federal nº 7.802, de 1989, regulamentada pelo
Decreto nº 4.074, de 2002, e traz o seguinte conceito5: “Compostos de

5 Brasil. Lei nº 7802, de 11 de julho de 1989. Dispõe sobre a pesquisa, a experimentação, a


produção, a embalagem e rotulagem, o transporte, o armazenamento, a comercialização, a
propaganda comercial, a utilização, a importação, a exportação, o destino final dos resíduos
e embalagens, o registro, a classificação, o controle, a inspeção e a fiscalização de agrotóxicos,
seus componentes e afins, e dá outras providências. Diário Oficial da União. 11 jul 1989.
MULHERES E CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS
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substâncias químicas destinadas ao controle, destruição ou prevenção,


direta ou indiretamente, de agentes patogênicos para plantas e animais
úteis e às pessoas”.
O atual governo Jair Bolsonaro (PSL), com o apoio da bancada rura-
lista no Congresso Nacional, acelerou a liberação desses produtos e tenta
a todo custo aprovar o PL 6299/02, nominado por seus críticos como
“pacote do veneno”6, que flexibiliza ainda mais a legislação sobre agrotó-
xicos, repassando para o Ministério da Agricultura responsabilidades que
hoje estão a cargo do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) e da
Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
A geógrafa e pesquisadora Bombardi (2009) escreve:

O Ministério da Agricultura, ampliou para 197 o número de produtos


autorizados apenas nos primeiros cinco meses deste ano. Embora o Pacote
do Veneno, em tramitação no Legislativo, ainda não tenha sido votado,
o incentivo maior ao uso de agrotóxicos é uma realidade, como avalia a
pesquisadora do departamento de Geografia da Universidade de São Paulo
(USP) (LARISSA MIES BOMBARDI, 21/05/2009).7

Bombardi (2009/2017), autora do Atlas de Geografia do Uso de


Agrotóxicos no Brasil e Conexões com a União Europeia, afirma que está
em curso no Brasil um projeto que elimina a histórica batalha entre o uso
de agrotóxicos na agricultura e a agroecologia. Conforme a pesquisadora:
“É o Ministério da Agricultura que tem dado a palavra final, e a gente tem
visto essa escalada gigante de aprovações de novos produtos comerciais”.
Soma-se a isso o fato de que o uso de agrotóxicos tem contaminado
o solo e a água usados por diversas comunidades indígenas. Conforme o
Relatório Human Rights Watch, “pessoas expostas a agrotóxicos frequen-
temente estão em comunidades pobres, enquanto os vizinhos são proprie-
tários de grandes fazendas, ricos e politicamente poderosos (2018, p.48).
Diante desta grave situação, alguns organismos e instituições têm rea-
lizado um contra pronto. Dentre eles citamos o MPF (Ministério Público
Federal). De acordo notícia veiculada na página on line da Procuradoria

6 O pacote do veneno, série de propostas que visa afrouxar os mecanismos de controle do


uso do agrotóxico no Brasil. Neste sentido ver Bombardi (2017).
7 Disponível em https://www.redebrasilatual.com.br/ambiente/2019/05/governo-li-
bera-mais-31-agrotoxicos-e-o-pl-do-veneno-na-pratica-sendo-executado/ acesso em 28
de maio de 2019.
38 | ANÁLISES SOBRE O AGRONEGÓCIO E O SEU IMPACTO NA VIDA DAS MULHERES INDÍGENAS GUARANI
E KAIOWÁ NO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL: ENTRE LUTAS E RESISTÊNCIAS

Regional da República da 3ª, a mesma destaca a realização do Fórum


Nacional de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos e Transgênicos8.
Assim, em reunião realizada na Procuradoria Regional da República da
3ª Região, em 28 de maio de 2019, definiram estratégias com o intuito de
enfrentarem a situação que consideram alarmante para a saúde humana e
ambiente, qual seja: a liberação inesperada e acelerada de agrotóxicos nos
cinco primeiros meses de 2019.
Segundo a matéria discutida neste Fórum, no Brasil foram liberados
197 registros de novos produtos, conforme monitoramento diário reali-
zado pela organização Greenpeace. A maioria dos produtos é altamente
ou extremamente tóxica, alertou o pesquisador da Fundação Oswaldo
Cruz (Fiocruz) Luiz Cláudio Meirelles, secretário-executivo do Fórum.  
O Fórum decidiu interpelar os órgãos responsáveis pelo registro –
Anvisa, Ibama e Ministério da Agricultura – sobre os parâmetros que vêm
sendo adotados para a liberação dos agrotóxicos. As informações sobre
esses critérios deveriam ser de acesso público com sua publicação nos sites
dos órgãos responsáveis, ressaltou a procuradora regional da República
Fátima Borghi, membro da Câmara de Meio Ambiente e Patrimônio
Cultural do Ministério Público Federal (MPF) e coordenadora adjunta
do Fórum.

A RESISTÊNCIA DAS MULHERES GUARANI E KAIOWÁ

Diante deste processo de extrema adversidade a que foram subme-


tidos, os povos indígenas têm resistido. Se organizam em coletividade
e passam a reivindicar seus direitos. Destacamos o papel das mulheres
indígenas Guarani e Kaiowá que passaram a lutar e resistir por meio das
grandes assembleias, as Kunãngue Aty Guasu.
Denota-se que as mulheres indígenas têm participado, cada vez mais,
dos encontros, fóruns, oficinas e conferências nacionais e internacionais
promovidos pelas organizações indígenas, instâncias estatais e não gover-
namentais. Estes novos espaços de discussão, articulam mulheres de dife-
rentes etnias – as coordenadoras de organizações ou departamentos de
mulheres indígenas, e é expressivo o número de professoras e mulheres que
8 Disponível em < http://www.mpf.mp.br/regiao3/sala-de-imprensa/noticias-r3/forum-
-define-estrategia-para-enfrentar-a-liberacao-acelerada-de-agrotoxicos-em-2019-1> acesso
em 29 de maio de 2019.
MULHERES E CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS
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atuam na área da saúde – o que propicia o fortalecimento de suas organi-


zações e a troca de experiências, assim como uma gradativa capacitação
para o exercício na esfera pública.
Antes de adentrarmos ao tema das Assembleias Kunague Aty Guasu
faz-se necessário falar da existência das Assembleias Aty Guasu. Sobre
este tema o pesquisador e liderança indígena Ava Guarani Kaiowá Tonico
Benites, assim descreve:

Em meados de 1980, as lideranças reivindicantes das demarcações terras


tradicionais passaram a se articular, se reconhecer, se apoiar como repre-
sentantes legítimas dos territórios tradicionais reivindicados em conflito.
Assim, todas as lideranças vinculadas ao movimento de recuperação das
terras tradicionais se julgam, se reconhecem e se legitimam como os articu-
ladores, porta vozes e representantes da Aty Guasu. No seio do Aty Guasu
há um reconhecimento consensual entre esses líderes das famílias extensas.
(BENITES, 2014, p.199)9.

Destas Assembleias Aty Guasu, passaram a se desdobrar outras,


dentre elas as Kunangue Aty Guasu (Assembleias de mulheres). Além da
Kunãngue Aty Guasu, existem também a Aty Guasu dos Jovens – RAJ
– Retomada Aty Jovem, Aty Guasu Mitã (das crianças) e Aty Guasu dos
Professores e lideranças Guarani e Kaiowá. São espaços políticos de jovens
e mulheres que trazem suas demandas específicas.
Evidenciamos que as discussões destas Assembleias são voltadas prin-
cipalmente para a questão da demarcação das terras indígenas, porém,
como ocorre na Aty Guasu, outras demandas também são analisadas.
A Grande Assembleia das mulheres Kaiowá e Guarani - Kuñangue Aty
Guasu, teve seu início em 2006, no território sagrado Nãnderu Marangatu,
localizado no município de Antônio João. Além desta, diversas outras
foram organizadas nos anos de 2012, 2013, 2014, 2017 e 2018.
Ao final de cada Assembleia, as mulheres elaboram um Documento
Final, que é enviado às várias autoridades10 que tratam sobre o tema dos
direitos indígenas. Dentro dos temas demandados, além das reivindicações
9 Enfatizo que as Aty Guasu já existiam desde o início do século XX, mas que foram reto-
madas com mais vigor a partir da década de 1980, especialmente pelas questões territoriais.
10 O Relatório final da VI Aty Kuña foi encaminhado ao Presidente da FUNAI, ao Minis-
tério Público Federal de Dourados, à Defensoria Pública de Mato Grosso do Sul, ao curso
de Licenciatura Intercultural Indígena, ao Magistério Indígena Ara Vera À Secretaria
Especial de Saúde Indígena (DSEI - MS), à Rede de Proteção aos direitos das crianças de
MS, dentro outros segmentos que atuam no setor.
40 | ANÁLISES SOBRE O AGRONEGÓCIO E O SEU IMPACTO NA VIDA DAS MULHERES INDÍGENAS GUARANI
E KAIOWÁ NO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL: ENTRE LUTAS E RESISTÊNCIAS

territoriais, encontram-se também demandas referentes à saúde, educação,


sobre a situação econômica das mulheres e a violência contra as mulheres
Guarani e Kaiowá, além de outros temas gerais.
As mulheres Guarani e Kaiowá em suas assembleias debatem pautas
que vão além da demarcação de suas terras tradicionais. Discutem pau-
tas específicas que fazem parte de seu cotidiano, como: educação, saúde,
segurança, sustentabilidade, violência doméstica, violência nos acampa-
mentos, alimentação adequada, direito das crianças, a temática da adoção,
os retrocessos aos direitos dos povos indígenas, mulheres na política, a
importância de seguir o seu “modo de ser” assim como a medicina tradi-
cional, dentre outros temas.
Nestes encontros várias comunidades são convidadas a participarem,
pois não se trata de uma Assembleia somente para as mulheres indígenas,
mas sim organizada por elas. Temos a participação de homens, jovens,
rezadores, rezadeiras e crianças. A presença de autoridades regionais, esta-
duais e federais, que de alguma forma apoiam a luta indígena, bem como
das organizações indigenistas.
A preparação para uma Assembleia é longa, exige muito esforço e
cuidados. Isto porque estas mulheres necessitam tecer relações com outras
comunidades, com outras lideranças. Além destes cuidados, as mulheres
têm gastos envolvidos nesta organização. Tais como com viagens, alimen-
tação, transporte, dentre outros, o que geralmente é custeado pelos “simpa-
tizantes” da causa, pois, é sabido que o Estado brasileiro tem recrudescido
consideravelmente em suas políticas públicas.
A VI Kunãgue Aty Guasu, foi realizada entre os dias 10 e 14 de julho
de 2018 na Reserva Indígena do município de Amambai, localizada no
Estado de Mato Grosso do Sul, região fronteiriça com o Paraguai. Dentre
as reivindicações das mulheres indígenas, nesta grande Aty, destacamos:

Nós mulheres indígenas kaiowa e guarani, juntamente com as lideranças de


nossos tekoha reunidos na VI Kuñangue Aty Guasu junto com Aty Guasu
e RAJ (Retomada Aty Jovem), realizada entre os dias 10 e 14 de julho de
2018, naReserva Índígena de Amambai em Mato Grosso do Sul, viemos
anunciar todo o nosso apoio a todos os tekohas retomados por nosso povo,
pois a nossa terra é ancestral e de lá não sairemos.
Fomos retirados forçadamente de nossas terras pelo estado brasileiro e
obrigados a viver confinados nos “chiqueiros” que são as reservas indígenas
que o governo brasileiro criou. Estas reservas estão superpopulosas e não
MULHERES E CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS
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dispõem de condições de vida para a realização de nosso modo de ser.


(...)
Nós indígenas já estávamos aqui antes mesmo de existir os brancos, os não
indígenas fazem de tudo para nos destruir, por isso temos que fortalecer
o nosso corpo e o nosso povo, não aceitamos nenhuma lei vinda dos não
indígenas. Temos água e eles o veneno, temos a terra e eles o dinheiro,
viemos para preservar e eles para destruir11.

Conforme diálogo que tivemos com algumas mulheres Guarani e


Kaiowá, alertaram que o tema dos agrotóxicos, ou como chamam enve-
nenamento está na pauta de suas reivindicações. Haja vista os grandes
problemas que vêm enfrentando em suas comunidades. Neste sentido,
citamos o fato que ocorreu na comunidade Guyraroka, localizada no
município de Caarapó, MS.
Segundo noticiado por diversas mídias diversas crianças e adolescen-
tes das etnias Guarani e Kaiowá necessitaram de atendimento médico, na
primeira semana do mês de maio de 2019, após uma intoxicação provocada
pelo contato com calcário e agrotóxicos12.
De acordo com a matéria:

Em abril o fazendeiro mandou tirar os bois de uma área usada para pasto
e começou a preparar a terra para plantar. Começou a jogar o calcário e
depois a pulverizar com agrotóxico. As nuvens de poeira e veneno são
levadas pelo vento para a comunidade”. (Palavras de uma moradora da
comunidade).

A referida matéria prossegue:

Como a área utilizada é muito próxima à escola da aldeia, as crianças


costumam ir às cercas aturdidas e curiosas pelo barulho dos tratores, que
lançam calcário por toda a terra nua levantando uma tormenta de poeira
branca arrastada pelo vento. O barulho impede o decurso normal das aulas
enquanto o antigo pasto é transformado pelo maquinário para se inte-
grar à paisagem de soja, cana e milho. Orbitando o ambiente degradado,
aviões lançam nuvens úmidas de veneno em voos rasantes. Para os Guarani
Kaiowá resta o confinamento entre a monocultura e a sentença de morte
que a alimenta.

11 Documento Final da VI Kunãgue Aty Guasu Disponível em < http://apib.info/


files/2018/07/Documento-Final-da-VI-Kun%C3%A3gue-Aty-Guasu.pdf> , acesso em
20 de abril de 2019.
12 Disponível em https://cimi.org.br/2019/05/agrotoxicos-despejados-perto-aldeia-le-
vam-criancas-jovens-guarani-kaiowa-hospital/, acesso em 28 de maio de 2019.
42 | ANÁLISES SOBRE O AGRONEGÓCIO E O SEU IMPACTO NA VIDA DAS MULHERES INDÍGENAS GUARANI
E KAIOWÁ NO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL: ENTRE LUTAS E RESISTÊNCIAS

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No Brasil, pelas leituras efetuadas até o presente momento, perce-


be-se que, ao longo da história colonial e republicana o sistema político
desenvolveu mecanismos para consolidar o controle sobre a terra/ territó-
rio como recurso econômico a partir unicamente dos referencias ancorados
nos pressupostos da propriedade privada, que não se coadunam com a
forma de viver nos territórios dos povos indígenas.
De acordo com Souza Filho (2015, p.1) “a cultura proprietária
moderna e capitalista entende a terra como mercadoria e para que seja
uma efetiva mercadoria deve estar vazia”. O autor acrescenta que: “Tudo
o que tornar a terra permanentemente ocupada, como a natureza animal
e vegetal, os índios e as populações tradicionais, são obstáculos para o
exercício do direito de propriedade e considerado entrave ao livre desen-
volvimento capitalista”.
Portanto, em consonância com este modelo, o Estado brasileiro tem
estabelecido um compromisso com um modelo de “desenvolvimento” que
não tem considerado os interesses dos camponeses e tão pouco dos povos
indígenas, mas que tem protegido as grandes propriedades e contempora-
neamente as chamadas indústrias baseadas no agronegócio.
E, todo este processo histórico de privatização das terras e desenvol-
vimento das formas capitalistas de produção no campo, tem produzido
resistências camponesas, quilombolas, indígenas, dentre outras, que expres-
sam a contradição e as resistências de comunidades, povos que demandam
por viver, produzir e muitas vezes gerir os seus próprios territórios.
Algumas autoras têm destacado este protagonismo enquanto uma
espécie de feminismo comunitário13. Julieta Paredes tem escrito ampla-
mente sobre este tema, descrevendo o feminismo comunitário como uma
maneira de reivindicar os direitos das mulheres indígenas, com base em
seus próprios conceitos e estruturas, usados muitas vezes para compreender
a situação de “subjugação” das mulheres. (2008, 2013).
Por fim, se, por um lado o sistema as oprime e as discrimina, por
outro, estas mulheres resistem e lutam por seus direitos. Acredita-se que
que estas mobilizações femininas de participação e reivindicação em prol

13 Apesar de não ser objeto deste trabalho o tema do feminismo comunitário indígena,
compreendemos que é importante, trazer algumas considerações.
MULHERES E CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS
| 43

de seu bem viver fazem parte de uma prática descolonizadora que vem
romper com uma colonialidade de poder (Quijano, 2009).

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a experimentação, a produção, a embalagem e rotulagem, o transporte, o
armazenamento, a comercialização, a propaganda comercial, a utilização,
a importação, a exportação, o destino final dos resíduos e embalagens, o
registro, a classificação, o controle, a inspeção e a fiscalização de agrotó-
xicos, seus componentes e afins, e dá outras providências. Diário Oficial
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toxicos-despejados-perto-aldeia-levam-criancas-jovens-guarani-kaiowa-
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CAMPONESAS E AGROBIODIVERSIDADE:
DIREITO DE SER E VIVER NO CAMPO

CAMPESINAS Y AGROBIODIVERSIDAD:
DERECHO DE SER Y VIVIR EN EL CAMPO

Lenir Correia Coelho1


Diego Augusto Diehl2

Quando mais viva é a personalidade da mulher, quando se sente com


maior intensidade como ser humano, mais fortemente sente, também,
a ofensa do homem que, com a mentalidade formada através dos séculos,
não sabe perceber por trás da mulher desejada
uma individualidade que desperta.
(KOLONTAI, Alexandra. A nova mulher e a moral sexual.
São Paulo: Expressão Popular, 2011, p. 89)

INTRODUÇÃO

As mídias sociais procuram reforçar o discurso que as mulheres


avançam em suas conquistas, nas garantias dos direitos, focando, princi-
palmente, na independência feminina e a escalada nas mais diversas car-
reiras profissionais que até então eram vistas como exclusivas dos homens,
porém, se esse debate é fecundo na zona urbana, o mesmo não acontece no
campo, havendo predominância das tradições patriarcais, como exemplo:
os filhos quando completam 18 anos, os pais fazem contrato de comodato
para estes, transferem gado para as fichas dos mesmos e assim eles podem
pleitear crédito junto as instituições bancárias; enquanto que as filhas
1 Advogada Popular, integrante da Rede Nacional de Advogadas e Advogados Popula-
res – RENAP, associada da Associação Brasileira dos Advogados do Povo – ABRAPO.
Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Direito Agrário –PPDGA da Universidade
Federal de Goiás – UFG, residente em Goiânia/Goiás/Brasil. Bolsista da CAPES.
Contato: adv.lenir@hotmail.com
2 Professor Adjunto da Universidade Federal de Goiás - Regional Jataí. Doutor em Direito
pela Universidade de Brasília (PPGD-UnB). Pesquisador do Instituto de Pesquisa, Direitos
e Movimentos Sociais (IPDMS), Professor do Programa de Pós-Graduação em Direito
Agrário –PPDGA da Universidade Federal de Goiás – UFG, residente em Jataí/Goiás/
Brasil.
Contato: diegoadiehl@gmail.com
48 | CAMPONESAS E AGROBIODIVERSIDADE: DIREITO DE SER E VIVER NO CAMPO

quando completam 18 anos, se ainda estiverem residindo com os pais, são


destinadas maiores responsabilidades no campo; não recebem nenhum
apoio para fazerem investimentos nos sítios, de forma individual - realidade
vivenciada no Estado de Rondônia.
Estado de base agrária, formado em grande parte por migrantes das
mais diversas partes do Brasil que para cá vieram em busca do “Eldorado”
prometido pelo Governo e aqui fixaram e criaram raízes. Estado marcado
por conflitos agrários em virtude da entrega das terras para o Capital
durante o período ditatorial, contribuindo para a formação de grileiros e
latifundiários apoiados pelo Estado e sem nenhuma política agrária efetiva
para atender os camponeses.
As mulheres, nesse contexto agrário, pelas vivências que a advocacia
popular para o campesinato tem propiciado no Estado de Rondônia, per-
mite identificar que, quanto camponesas, enfrentam diversos obstáculos,
por exemplo, os maridos ou companheiros não as impedem de participa-
rem dos encontros de mulheres promovidos pelos movimentos sociais de
luta pela terra, desde que tenham cuidado dos serviços de casa, ou seja, para
participarem, devem cumprir obrigações domésticas que poderiam ser rea-
lizadas por eles, como exemplo: fazer a própria alimentação. Outro aspecto
é a injusta divisão do trabalho rural, já que os afazeres domésticos ficam à
cargo das mulheres, na maioria das moradias rurais, elas acumulam esses
afazeres com o trabalho na roça, a educação dos filhos e o enfrentamento
de longas filas e busca por documentos para acessarem os serviços médicos,
escolares, assistência social, entre outros serviços públicos, quando são
oferecidos aos camponeses.
Muitas dessas camponesas possuem dificuldades para acessarem seus
direitos, freqüentemente, são lesadas, ainda mais quando se trata de acesso
as políticas públicas de crédito para a produção familiar, já que os progra-
mas fazem mais exigências do que elas conseguem atender, burocratizam
excessivamente o acesso ao crédito que garantiria melhores condições de
produzir no campo.
Com o objetivo de abordar as camponesas e o direito a agrobio-
diversidade a partir das vivências da advocacia popular em Rondônia,
principalmente, nos anos 2014 e 2015, através da execução do Projeto
Revolta das Amélias, junto ao Movimento dos Pequenos Agricultores
do Distrito de Tarilândia, cidade de Jaru/Rondônia é que se demonstra
MULHERES E CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS
| 49

as experiências dessas camponesas que a partir de suas práxis no campo,


vivenciam plenamente a agrobiodiversidade.
A luta campesina é uma constante no Estado de Rondônia, onde
o conflito agrário é a realidade vivenciada por cada família camponesa,
quer na luta pela terra ou na luta pela permanência na terra. Dentro desse
quadro a única certeza é a luta, sendo que as camponesas além dessas
lutas enfrentam uma luta maior: a derrubada do patriarcado. Partindo
do histórico da formação estado de Rondônia procura mostrar como a
universidade, através da extensão universitária, pode inserir nessa luta e
contribuir com as camponesas.
A advocacia popular é um compromisso político e social, inserido
na prática junto as camponesas, que permite construir novos olhares sobre
o direito e desta forma, a relação dialógica se faz, onde a coleta de dados
através da pesquisa participante, utilizando a metodologia materialismo
histórico foi apontando os caminhos dessa relação dialógica, formadora
e comprometida.
Tem-se presente o campesinato quanto classe que luta, enfrenta o
agronegócio e o latifúndio, desta forma, vivenciam a agrobiodiversidade
como um modelo possível para o campesinato e ficar no campo. Encer-
rando com a demonstração de que a agrobiodiversidade é um direito
do campesinato, que mais do que isso, é seu modo de viver no campo e que
quando as camponesas avançam na defesa da agrobiodiversidade também
avançam na desconstrução e destruição do patriarcado rural.

RONDÔNIA: O “EL DORADO” DA DITADURA

Rondônia, estado da região Norte, teve ampliada o seu processo de


colonização durante o período da Ditadura Militar através do discurso
de colonização da região Amazônica, criando a “Marcha para o Oeste”,
incentivando camponeses das regiões Nordeste, Sul e Sudeste para virem
para a Rondônia com a promessa que teriam terras e incentivos para a pro-
dução. Diminuindo assim as tensões agrárias nas demais regiões do país.
A propaganda governamental falava de um “El Dorado” - que as terras
estavam inabitadas e esperando serem exploradas, não se preocupando
em informar sobre os ribeirinhos, indígenas, seringueiros, quilombolas,
que aqui já viviam.
50 | CAMPONESAS E AGROBIODIVERSIDADE: DIREITO DE SER E VIVER NO CAMPO

A política concentradora do período de colonização das décadas de 60 e


70 foi mantida na década de 1980, favorecendo o latifúndio e o capital
financeiro internacional, para a exploração da madeira, recursos minerais
e monocultura em larga escala”. (MARTINS, 2009, p. 38)

Afinal, o Governo Militar criou políticas de incentivos para as gran-


des empresas apossarem de enormes quantidades de terras e muito pouco
investiu nos assentamentos das famílias camponesas que responderam
ao chamado para virem para o estado. Segundo Martins (2009, p. 183):

No entanto, os projetos da colonização dirigida, implantados pelos milita-


res, não foram suficientes para o assentamento dos colonos que chegavam ao
estado. Por isso, consolidou-se a luta espontânea pela terra, em grande parte
baseada na experiência da busca pela constituição de um território campo-
nês de migrantes com recorrentes processos de expropriação na bagagem.

A luta pela terra em Rondônia acabou fazendo parte da construção


do estado, onde as famílias camponesas cansadas das promessas governa-
mentais, organizadas em movimentos sociais, principalmente a partir da
década de 80, passaram a lutar para terem acesso a terra e poderem viver da
produção, exigindo políticas públicas para o campesinato. Wolkmer (2015,
p. 134): “Diante das carências materiais e do aumento das demandas por
direitos, os movimentos reivindicatórios se colocam como resposta para
uma nova organização da sociedade”.
Em Rondônia, a luta pela terra é latente e a atuação dos movimentos
sociais de luta pela terra vem ganhando destaque no cenário nacional,
principalmente, ao combate ao latifúndio e a exigencia de que as famílias
camponesas sejam assentadas nas terras públicas da União, que quando são
identificadas são denunciadas, pois, estas terras que deveriam ser destinadas
ao Programa de Reforma Agrária encontram-se nas mãos de latifundiários
com grandes laços políticos com entes do Estado o que permite que estes
não sejam responsabilizados pela apropriação indevida de terras públicas.

CONTRIBUIÇÃO DA UNIVERSIDADE PARA A DERRUBADA


DO PATRIARCADO RURAL

Através da luta pela terra busca-se, além da destruição do latifún-


dio, uma política agrária que propicie o viver no campo com acesso as
MULHERES E CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS
| 51

políticas públicas que garantam essa vivência. Para além disso as campo-
nesas enfrentam outra luta, que mostra que o avanço da classe depende da
derrubada do patriarcado; o que faz com que dentro das relações sociais
familiares e com os movimentos sociais de luta pela terra são necessários
criação de espaços de reflexão, conhecimentos e construção de ações que
permitam que as relações humanas no campo sejam mais igualitárias; que
o patriarcado rural seja desconstruído, permitindo a participação efetiva
das camponesas nas lutas sociais, sem a carga excessiva da tripla jornada
no campo: cuidar da casa; da educação dos filhos e trabalhar no roçado.
Nesse processo de desconstrução do patriarcado rural o fazer coletivo
mostra-se necessário, pois, não basta conhecer e reconhecer as condições
opressoras que vivem as camponesas, é necessário construir saídas através
de ações sociais que influenciem as mudanças necessárias que permitam
a mudança das relações sociais no campo.

Mudando-se o comportamento ou a relação entre mulheres e homens


muda-se a compreensão que um grupo tem de si mesmo e muda o tecido
das relações sociais. Nesse sentido, a intencionalidade feminista visa não só
conhecer, mas transformar a realidade das relações humanas numa direção.
Ela inclui, portanto, uma ideologia no sentido positivo, isto é, no sentido da
afirmação de pautas, de idéias mesmo que provisórias, sobre como deveriam
ser as relações humanas. Ela inclui, portanto, uma visão da sociedade como
um todo embora sua ação pareça se limitar a uma problemática especifica.
(GEBARA, 2005, p.10)

Diante disso, a universidade tem muito a contribuir, tanto que


durante os anos de 2014 e 2015 foi executado o Projeto: “Revolta das
Amélias” junto as camponesas do Movimento dos Pequenos Agricultores
(MPA) no Distrito de Tarilândia, cidade de Jaru/ Rondônia. O projeto
fazia parte das atividades de extensão universitária da Especialização em
Direitos Sociais do Campo, da Universidade Federal de Goiás, Campus da
Cidade de Goiás, Turma do PRONERA (Programa Nacional de Educação
na Reforma Agrária), Especialização que contou com 55 estudantes, vin-
dos de 15 estados brasileiros, que desenvolveram pesquisas nas três grandes
áreas: assessoria jurídica popular, educação no campo e agroecologia e
territórios; essas pesquisas dialogavam com camponeses e camponesas
das mais diversas regiões brasileiras, o que permitiu que a Especialização
tivesse na extensão universitária o compromisso de romper os muros da
52 | CAMPONESAS E AGROBIODIVERSIDADE: DIREITO DE SER E VIVER NO CAMPO

universidade e dialogar profundamente com as necessidades do povo.


O projeto Revolta das Amélias foi um desses projetos de extensão
universitária, que nascido do diálogo entre a acadêmica, integrante da
turma de Especialização em Direitos Sociais do Campo e as camponesas do
MPA, num processo comprometido em discutir as situações vivenciadas
pelas camponesas e como os conhecimentos jurídicos poderiam contri-
buir para o fortalecimento das mulheres e do processo de libertação do
patriarcado rural. Compreendendo que a apropriação dos conhecimentos
produzidos no coletivo pode fortalecer as camponesas em suas lutas coti-
dianas na sociedade, na família e na comunidade em que vivem; partindo
sempre das necessidades apontadas pelas camponesas que participaram
das atividades de base do MPA/Tarilândia.

A intencionalidade de base não parte, portanto de um pensamento puro,


mas de uma situação injusta da qual participam as mulheres pelo fato de
serem mulheres numa sociedade patriarcal que hierarquiza os sexos e os
valoriza segundo sua situação nesta hierarquia. Isto não significa que as
mulheres não participem da criação de relações em que elas mesmas pro-
duzem injustiças ou que elas sejam a reprodutoras de uma sociedade racista,
sexista ou escravista. Entretanto, é desta situação que nasce a consciência
da urgência da mudança e, portanto uma intencionalidade. (GEBARA,
2005, p. 12)

Intencionalidade que foi dialogada com as camponesas do MPA e


resultou na elaboração e execução do projeto de extensão universitária:
Revolta das Amélias, que nascido da vontade coletiva tornou-se um ins-
trumento na luta contra o patriarcado rural.
Importante destacar que o patriarcado rural está impregnado no coti-
diano das camponesas, pois, trata-se de reproduções familiares transmitidas
e repetidas automaticamente sem reflexão e somente quando a camponesa
começa a participar de espaços coletivos de formação é que vão tomando
conta da importância de romper com essas estruturas exploratórias.
O projeto consistiu em encontros, onde a afirmação “ser mulher”
partia da compreensão de que trata-se de uma construção coletiva com
desafios constantes, processo que bem especificou Simone de Beauvoir
(1949) ao afirmar que não se nasce mulher, se faz mulher; sendo esse
um ato construtivo que se faz na práxis, através da troca de experiên-
cias e conhecimentos, também como instrumentos vivos de superação e
MULHERES E CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS
| 53

transformação.
O discurso urbano de que as mulheres possuem igualdade de direitos
e que as suas lutas e pautas avançam não encontram o mesmo amparo
no campo, onde a dominação masculina se faz presente e se reproduz
de geração para geração, onde a suposta força física masculina alimenta
as relações familiares fez com o projeto fosse um espaço de construção e
afirmação da camponesa quanto ser em construção, na busca por igualdade
de direitos sociais.
De forma, que a autoafirmação quanto camponesa nesses encontros
e quanto mulher em construção foi sempre reforçado com a intencionali-
dade clara de permitir que essas camponesas construíssem suas autonomias
a partir do domínio de conhecimentos.
A camponesa além de ter que se afirmar como mulher nesse espaço
agrário, lutar contra o patriarcado, também tem que desconstruir a con-
cepção de que é natural a divisão de trabalho entre homens e mulheres
no campo, principalmente, quando essa divisão de trabalho implica em
sobrecarga de trabalho para a mulher e que não há valoração desse traba-
lho, segundo Christiane Campos no livro organizado pelo Setor de Gênero
do Movimento dos Trabalhadores Rurais: Construindo novas relações de
gênero: desafiando relações de poder (2003, p. 21):

Isso significa que se mesmo na classe trabalhadora as relações entre homens


e mulheres se baseiam na exploração, na opressão, na violência, na domina-
ção, estes mecanismos vão se naturalizando, de modo que as pessoas não
estranham que a sociedade se divida entre alguns que mandam e outros
que trabalham, uns que exploram e outros que são explorados, isso pode
até ser encarado como injusto, mas natural.

A primeira luta da camponesa quanto a questão de gênero é a afirma-


ção de ser mulher em construção e depois a luta pela desnaturalização da
divisão do trabalho e demais relações de poder existente no campo. Nesse
processo libertátorio a universidade tem muito a contribuir, principal-
mente, quando se compromete a colocar os conhecimentos à disposição
do povo.
A extensão universitária é um grande instrumento da universidade
para dialogar com o povo e no que se refere ao Curso de Direito ajudar
os acadêmicos e acadêmicas a romper com a visão reducionista de que a
54 | CAMPONESAS E AGROBIODIVERSIDADE: DIREITO DE SER E VIVER NO CAMPO

lei é direito, que deve ser um reprodutor de normas. Ao participar de um


projeto de extensão universitária como foi o projeto: “A Revolta das Amé-
lias”, o acadêmico e a acadêmica de Direito se insere num contexto social
onde o Direito extrapola as normas jurídicas e torna-se emancipatório de
homens e mulheres em luta.

É importante que os estudantes de Direito saibam que existem outras


maneiras para se conhecer e usar o Direito. Olhares que utilizam o Direito
como uma potente ferramenta de transformação social.
Este olhar é compartilhado por centenas de operadores do Direito que,
nas mais diversas carreiras jurídicas (como a advocacia, a magistratura e o
magistério), optaram por enxergar o Direito, como diria Lyra Filho, como
“um processo de construção da liberdade”. (KOPITTKE, 2010, p. 12)

A derrubada do patriarcado rural será fruto das ações das campo-


nesas, será através de um processo emancipatório, que poderá ser mais
árduo ou não, se houver contribuição das Universidades; sendo certo que
as universidades que apostarem no protagonismo das camponesas, na
contribuição dialógica, sem dúvida, será grande contribuidora desse pro-
cesso e estará cumprindo o papel da universidade de educação libertária e
emancipatória de construção de um novo mundo mais igualitário.

ADVOCACIA POPULAR: COMPROMISSO POLÍTICO E


SOCIAL

A advocacia popular se utiliza da educação jurídica popular como


espaço de construção do ato de educar coletivo, não é neutro, possui lado
e através da advocacia popular aliada a assessoria jurídica popular permite
que todos aprendam e compartilhem seus conhecimentos. A pesquisadora
Regina Maria Giffoni Marsiglia apud Ana Elizabete Mota et al (2006, p.
383) apresenta como debate de fundo que:

A teoria é um conhecimento organizado, sedimentado, que muito embora


tenha partido da realidade concreta, passou por um complexo processo de
sucessivas abstrações, que ao mesmo tempo o faz distanciar-se do concreto
imediato e poder explicar uma realidade mais ampla, concentrando-se em
apontar os elementos essenciais de um objeto construído nesse processo
de generalização e abstração. A pesquisa é uma das formas de se produzir
conhecimento, que foi se estruturando com o tempo, criando seus objetos
e métodos, definindo as relações que os pesquisadores devem estabelecer
MULHERES E CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS
| 55

com seus objetos de conhecimento, em um processo de discussão profundo


e polêmico entre os cientistas.

Portanto, teoria, quanto conhecimento, deve ser produzido a partir


da realidade concreta, mesmo quando se tem que se abstrair dessa realidade
para compreendê-la melhor, quem está envolvido no processo estabelece
relações, promove discussões e sínteses que formam a produção científica
– isso foi vivenciado no projeto executado junto as camponesas do MPA
de Tarilândia.
Importante destacar que quando se trata de Educação Popular no
conceito apresentado por Paulo Freire de que a educação implica em teo-
ria e prática juntos e à serviço do fazer junto com o povo, é um fazer que
implica reflexão e ação, mas, também implica compromisso, onde o fazer
é teoria e pratica que conduz a reflexão (FREIRE, 2004).
Por se tratar de um projeto desenvolvido com conteúdos jurídicos
a partir da metodologia freiriana, revelou o caráter de que o Direito não
é neutro e está profundamente comprometido com os saberes populares,
o despertar da consciência de classe e que o mesmo não é lei, segundo
Roberto Lyra Filho (1982, p. 124):

O Direito, em resumo se apresenta como positivação da liberdade conscien-


tizada e conquistada nas lutas sociais e formula os princípios supremos da
Justiça Social que nela se desvenda. Por isso é importante não confundi-lo
com as normas que aparecem na dialética social.

De forma que o direito nasce das vontades coletivas, do fazer dinâ-


mico da história e nesse aspecto, o projeto dialogou profundamente com
o Direito Achado na Rua a partir do reconhecimento de que os sujeitos
sociais constroem o Direito e que isso é possível através da conscientização
de seu protagonismo e da partilha de saberes. Segundo Alexandre Bernar-
dino Costa e José Geraldo de Sousa Junior (2009, p. 17):

Fala-se de O Direito Achado na Rua, caracterizando-o muito sucintamente,


para aludir a uma concepção de Direito que emerge, transformadora, dos
espaços públicos – a rua –, onde se dá a formação de sociabilidades reinven-
tadas que permitem abrir a consciência de novos sujeitos para uma cultura
de cidadania e de participação democrática.

Nessa afetividade pensada é que se optou por encontros de Educação


56 | CAMPONESAS E AGROBIODIVERSIDADE: DIREITO DE SER E VIVER NO CAMPO

Jurídica Popular, onde os conteúdos jurídicos eram interligados com a


história das lutas das mulheres do MPA, se falava dos direitos a aposen-
tadoria, do direito ao documento da terra, etc, mas, também se falava da
horta, dos remédios, do quintal produtivo, da casa camponesa. Direito e
vida camponesa dialogavam e iam revelando conhecimentos e desvelando
as relações sociais vivenciadas pelas camponesas.
Foram realizados 06 encontros com as camponesas do MPA de
Tarilândia com conteúdos jurídicos e políticos que foram definidos pela
Coordenação Municipal do MPA, sendo:
• Direito Civil: nome, prenome, registro civil, regime matrimo-
nial, guarda e pensão alimentícia, história do MPA;
• Direito Previdenciário: Segurada Especial, conceito de campo-
nesa e de classe social;
• Direito Agrário: posse, propriedade, domínio, documentos da
terra, produção e soberania alimentar;
• Lei Maria da Penha: violência contra as mulheres, importância
da participação das mulheres nas instâncias organizativas do
MPA;
• Direito Constitucional: políticas públicas para as mulheres,
acesso à crédito, acesso à saúde e educação, construção da pauta
de reivindicações das camponesas para o Estado referente as
políticas públicas;
• Plenária Geral: história das mulheres no Brasil – visibilidade e
construção de seus direitos, as mulheres dentro do MPA.
Cada encontro era preparado de forma coletiva e mediado pela aca-
dêmica do Curso de Especialização em Direitos Sociais do Campo, que
quanto advogada popular, pode constatar nas observações das falas das
participantes que o Direito poderia ser utilizado por elas no cotidiano e
que elas se sentiam mais confiantes para participarem dos mais diversos
espaços sociais, como: coordenação do movimento, reunião com autori-
dades públicas etc.

A transformação do mundo necessita tanto do sonho quanto a indispen-


sável autenticidade deste depende da lealdade de quem sonha às condições
históricas, materiais, aos níveis de desenvolvimento tecnológico, científico
do contexto do sonhador. Os sonhos são projetos pelos quais se lutam.
(FREIRE, 2000, p. 26)
MULHERES E CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS
| 57

O dialogo sobre o Direito e as práticas vivenciadas pelas campone-


sas implicou no reconhecimento das limitações das normas sistematiza-
das e a precariedade dos serviços públicos. Na medida em que elas iam
conhecendo os seus direitos junto aos órgãos públicas, ia se construindo
também pautas de lutas, trocas de receitas e principalmente, alternativas
para solucionar os problemas da comunidade.
Na avaliação do projeto, a camponesa Ilmara Aparecida, destacou
que “os direitos aprendidos nos encontros foram importantes para superar
a insegurança, antes eu questionava, sabia que tinha direitos, mas, não tinha
certeza. Agora eu sei e ninguém me segura...” Fala feita ao descrever como
conseguiu resolver o problema do título da terra em que morava após o
encontro sobre direito agrário.
Cada encontro partia dos conhecimentos das camponesas sobre o
assunto, depois havia leitura de textos, trabalhos em grupos e partilha, que
no processo de mediação feita pela acadêmica permitia a construção de
conteúdos significativos para as camponesas, que passaram a entender o
direito não como um arcabouço de leis, mas, como processo do que era e
o que poderia vir-a-ser:

Direito é processo, dentro do processo histórico: não é uma coisa feita,


perfeita e inacabada; é aquele vir-a-ser que se enriquece nos movimentos de
libertação das classes e grupos ascendentes e que definha nas explorações e
opressões que o contradizem, mas de cujas próprias contradições brotarão
as novas conquistas. (LYRA FILHO, 1982, p. 86).

A construção de novos olhares sobre o direito, construída a cada


encontro, ia transformando as camponesas e as pessoas que estavam a sua
volta, entre eles, os camponeses que assumiram a manutenção da alimen-
tação para os encontros, já que havia sido combinado com a coordenação
do MPA que nenhuma camponesa seria deslocada para a cozinha durante
os encontros e que portanto, os camponeses deveriam assumir essa tarefa,
que tradicionalmente, era realizada pelas camponesas. O camponês José
Carlos ao avaliar sua participação na cozinha durante o encontro, enfatizou
como é árduo o trabalho doméstico e a importância de que os homens pas-
sassem ajudar suas companheiras em casa. Outro camponês, o Reginaldo,
destacou que nunca havia cozinhado em casa, que ao falar com sua esposa
que havia feito macarrão no encontro do MPA, a mesma havia deixado
58 | CAMPONESAS E AGROBIODIVERSIDADE: DIREITO DE SER E VIVER NO CAMPO

ele “chegar perto do fogão e cozinhar para a família”.


A extensão universitária comprometida com a realidade dessas cam-
ponesas permitiu a mudança de comportamentos e a compreensão de que
essas mudanças são feitas através de um processo contínuo de formação,
de participação coletiva e de enfrentamento e dialogo com a realidade.
Durante os encontros foi possível também destacar o profundo com-
prometimento dessas camponesas com a terra, quanto espaço de vivencia,
de vida e reprodução das relações famílias. No encontro de Direito Agrário
elas foram desafiadas a desenharem o mapa da propriedade como era e
como gostariam que fosse. No que permitiu, identificar a capacidade das
mesmas em desenhar/construir um todo orgânico e harmônico da produ-
ção camponesa; o entorno da casa com flores, plantas medicinais, pomar,
o lugar da roça branca e da lavoura permanente, o pasto, o bosque com
riacho limpo, o espaço da pesca, do chiqueiro, do galinheiro, do tanque de
leite, do tanque de peixes, da agroindústria da mandioca, de embutidos e
da panificação – esses últimos desenhados pelas camponesas feirantes. Este
todo desenhado por elas é o viver cotidiano, é a agrobiodiversidade em
sua plenitude, a visão comprometida dessas camponesas com o bem-viver
e a existência no mundo.
Só é possível compreender o campesinato a partir da compreensão
dessa vivência de que a terra é espaço de vida, é muito mais do que espaço
de trabalho, é a agrobiodiversidade em sua forma plena.

CAMPESINATO E A CONSTRUÇÃO DE UM OUTRO MUNDO


POSSÍVEL: A AGROBIODIVERSIDADE

Para pensar o campesinato é preciso sair da posição cômoda e con-


ceitual, educar o olhar para o novo, receber um choque de vidas e viven-
cias, cheias de contradições, pormenores, delicadezas e brutalidades que
envolvem esse espaço social. O camponês não é um coitado que precisa
de atenção e cuidados – caridade, mas, produtor – sujeito de sua história
e protagonista de suas lutas.
Quando falamos de camponês estamos falando de diversidade de
pessoas, culturas, formas de vida e de luta; porém, três elementos são
fundamentais para compor o camponês, principalmente o brasileiro:
luta, a relação com a terra e produção. Esses elementos estão inseridos na
MULHERES E CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS
| 59

sociedade capitalista que vivemos e por isso, não há espaço para atribuir
todos os males do mundo aos camponeses e nem a salvação, mas, entender
que estes marcham ao longo da história humana como classe que busca
sua permanência na terra.
O campesinato, como bem destaca o estudioso Ariovaldo Umbelino
Oliveira, se produz e reproduz dentro da sociedade capitalista e nessa
condição se faz classe por lutar por sua sobrevivência e essa sobrevivência
significa formas criativas de vida que implica em relações sociais dentro
da classe e para fora da classe. Mesmo em processo migratório o camponês
sempre volta para o campo.

O campesinato deve, pois, ser entendido como classe social que ele é. Deve
ser estudado como um trabalhador criado pela expansão capitalista, um
trabalhador que quer entrar na terra. O camponês deve ser visto como um
trabalhador que, mesmo expulso da terra, com freqüência a ela retorna,
ainda que para isso tenha que (e)migrar. Dessa forma, ele retorna à terra
mesmo que distante de sua região de origem. É por isso que boa parte da
história do campesinato sob o capitalismo é uma história de (e)migrações.
(OLIVEIRA, 2007, p. 11)

Entender esse processo dinâmico do campesinato é entender que


somente no contexto histórico se pode compreender suas ações e asso-
ciá-las ao avanço ou retrocesso. É na perspectiva da luta e resistência na
terra que destacamos o campesinato quanto classe, que impõe derrotas
ao Estado quando obriga-o a reconhecer a sua existência; mesmo supri-
mindo do arcabouço jurídico o termo “camponês”, transformando-o em
rurícola, trabalhador rural, empresário rural, agricultor familiar, entre
outras expressões técnicas formais como instrumento de enquadramento
do camponês e distanciamento da expressão “camponês”.

Camponês é modo de vida. Sendo que os camponeses são produtores


livres de dependência pessoal direta – são autônomos, sua sobrevivência
de homens livres lhes impõe laços de solidariedade cuja quebra ou enfra-
quecimento ameaçam seu modo de vida/ esses laços mais primários são
os de parentesco e de vizinhança que os levam a procurar se agrupar em
comunidades, a busca de sua permanência e reprodução numa mesma terra,
traduzidas como apego a terra, é a marca do sucesso de seu modo e vida e a
fonte de seu cuidado com seu meio ambiente. (CARVALHO, 2005, p. 94)

O modo de vida do campesinato mostra-se latente nas atividades


60 | CAMPONESAS E AGROBIODIVERSIDADE: DIREITO DE SER E VIVER NO CAMPO

das camponesas, que atuam no meio rural através de sua capacidade de


intervir na natureza, altera a mesma e produz, paralelo a luta para ficar na
terra, não aceitando a lógica do capital que impõe a expulsão do campo e
a proletarização do campesinato.
O campesinato atual traz em si o velho e a utopia do novo, no pro-
cesso dialético de ressignificar as vivencias agrárias. O seu tempo não é
o tempo da academia, suas vontades e lutas vão dando espaço a medida
que suas necessidade avançam, por isso, que são sempre lutas combativas
e violentas, pois, quando o campesinato se põe a lutar já se esgotou todas
as possibilidades de acordo – não há acordo possível com o capital. Apesar
de viver dentro do marco do Capitalismo, nele viver e possuir ações que
marcam o desejo de acumulação, como exemplo, a ampliação da proprie-
dade quando possui uma terra, essa se dá na necessidade de manter o
vínculo com a terra.
Na luta campesina a agrobiodiversidade não é uma mera categoria
acadêmica (um conjunto formado por todas as espécies de seres vivos
existentes na agricultura, pelas suas comunidades, pelos seus ecossistemas
e pela sua diversidade genética), é o modo de vida no campo. Trata-se de
uma relação dialógica entre o campesinato e o estar na terra com a preser-
vação da mesma para gerações futuras. Isso ficou claramente demonstrado
através do projeto Revolta das Amélias, pois, todas as pautas, falas e lutas
eram para melhoria do campo, para ficar nele, preservá-lo, pela defesa da
produção sem veneno e com tecnologia, intervir na natureza sem degradar,
era a “terra com gente para a gente”.
Nessa relação com a terra, as camponesas que participaram do Pro-
jeto Revolta das Amélias buscam formas de organizarem, de discutirem
seus problemas e principalmente, de resolverem as mais diversas situações
que enfrentam cotidianamente, sempre na certeza de que querem produzir
comida com qualidade para suas famílias e para oferecer o excedente ao
mercado urbano.

Numa palavra, é impossível transformar as relações fundamentais da socie-


dade capitalista, que são as da dominação de uma coisa por outra, com as
reformas legais que respeitarão o seu fundamento burguês; essas relações
não são produto de uma legislação burguesa, não se encontram traduzidas
em leis. (LUXEMBURGO, 1990, p. 103)
MULHERES E CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS
| 61

Ao defenderem o modo de vida camponesa com destaque para a


agrobiodiversidade como construção social possível e de resistência no
campo, as camponesas assumem o protagonismo histórico da mudança
e apontam que o caminho é a luta de classe para construção de uma nova
sociedade.

AGROBIODIVERSIDADE COMO DIREITO

O campesinato luta pela permanência na terra e para garantir a sua


produção e nesse aspecto a agrobiodiversidade mais do que preservação
ambiental é a forma dele se relacionar com o meio ambiente e sobreviver,
pois, ele vive nas condições de relações não capitalistas de produção, com
a auto exploração da força de trabalho da família e amparado na lógica de
que a terra é a fornecedora de tudo e por isso, que sua luta é sempre por
políticas públicas que trazem benefícios para permanecer na terra como
crédito para produção, moradia digna, energia elétrica, entre outras pautas
que anualmente, são apresentadas ao Estado e este não consegue atender,
pois, faz uma opção clara pelo agronegócio.
O agronegócio é antagônico ao campesinato, pois, além de não pro-
duzir alimentos, obtém a maior parte dos recursos financeiros do Estado e
expulsa o camponês, isso faz com que na luta pela permanência na terra, o
campesinato lute contra o agronegócio e por políticas estatais que rompam
com essa lógica de apoio ao plano de morte do campesinato.
A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricul-
tura (FAO) desde 1986 vem eredando esforços, através da Comissão de
Recursos Filogenéticos, para o reconhecimento dos direitos dos “agricul-
tores” (não utilizam camponeses), principalmente, no que tange a com-
preensão pelos direitos de propriedade intelectual das melhoristas sobre
as variedades de plantas.
A ONU adotou a resolução 5/89 reconhecendo os direitos dos
agricultores e em 1999, um estudo do Conselho Econômico e Social
sobre o direito de alimentação sustentou que os “direitos dos agriculto-
res deveriam ser tratados e promovidos como parte integrante do direito
humano à alimentação, já que ‘o nosso futuro suprimento de comida e a
sua sustentabilidade, depende de que tais direitos (dos agricultores) sejam
estabelecidos com firmeza’”.
62 | CAMPONESAS E AGROBIODIVERSIDADE: DIREITO DE SER E VIVER NO CAMPO

O primeiro instrumento internacional vinculante (de cumprimento


obrigatório) a reconhecer o papel dos agricultores e das comunidades
locais na conservação da agrobiodiversidade foi o Tratado Internacional
sobre os Recursos Fitogenéticos para a Alimentação e a Agricultura, que
foi promulgado, no Brasil, em 2008 através do Decreto 6.476 de 05 de
junho de 2008. Os objetivos do tratado são “a conservação e o uso sus-
tentável dos recursos fitogenéticos para a alimentação e a agricultura e a
repartição justa e equitativa dos benefícios derivados de sua utilização para
uma agricultura sustentável e a segurança alimentar, em harmonia com a
Convenção sobre Diversidade Biológica”. 
Juliana Santilli, procuradora federal, falecida em 2015, aos 50 anos,
destacou em “Agrobiodiversidade e direitos dos agricultores” (2009) que
apesar de ser um tratado internacional, ele não tem um caráter punitivo,
mas, meramente recomendativo, de que cada país que aderiu ao mesmo
construa a sua legislação de proteção aos agricultores, principalmente, no
que se referem as sementes. Destacou também a resistência dos países em
reconhecer os direitos dos agricultores, pois, o reconhecimento desses
direitos implica na proteção da agrobiodiversidade e isso o avanço do
Capital, que mói terra e gente, não pode assumir.
Carlos Frederico Marés, no livro Bens Culturais e sua proteção Jurí-
dica (2005), vai tratar do meio ambiente numa concepção ampla, englo-
bando os elementos naturais e culturais. Para ele o meio ambiente é a
agrobiodiversidade com gente e tudo, a natureza não exclui o homem e
por isso deve ser um bem protegido.

meio ambiente, entendido em toda a sua plenitude e de um ponto de vista


humanista, compreende a natureza e as modificações que nela vem intro-
duzindo o ser humano. Assim, o meio ambiente é composto pela terra, a
água, o ar, a flora e a fauna, as edificações, as obras de arte e os elementos
subjetivos e evocativos, como a beleza da paisagem ou da lembrança do
passado, inscrições, marcos ou sinais de fatos naturais ou da passagem de
seres humanos. Dessa forma, para compreender o meio ambiente é tão
importante a montanha, como a evocação mística que dela faça o povo.
(MARÉS, 2005, P. 1)

Os direitos do campesinato a agrobiodiversidade parte da compreen-


são de que é necessário colocar freios no avanço da devastação e destruição
do patrimônio natural e cultural – destacando novamente Marés: “que
MULHERES E CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS
| 63

patrimônio natural é a garantia da sobrevivência física da humanidade, que


necessita do ecossistema – ar, água e alimentos – para viver, o patrimônio
cultural é a garantia de sobrevivência social dos povos, porque é produção
e testemunho de sua vida”. (2005, p.16)
A agrobiodiversidade é um bem jurídico a ser protegido, por seu
caráter de interesse público, no que deve sofrer limitações os interesses
privados sobre os usos e funções das terras, já que nem o público e nem o
privado podem exercer domínio sobre qualquer imóvel de forma ilimitada.
Os camponeses e camponesas da Via Campesina reunidos em
Moçambique, na V Conferencia Internacional da Via Campesina, nos
dias 19 e 20 de outubro de 2008, aprovou a “Declaração de Maputo” –
documento que acabou sendo reconhecido pela ONU, através da Resolu-
ção de 17 de dezembro de 2018: Declaração das Nações Unidas sobre os
direitos dos Camponeses e outras pessoas que trabalham em áreas rurais.
Esta declaração é um instrumento importante na luta pelo reconheci-
mento ao direito de viver no campo com dignidade, produzindo alimentos,
guardando as sementes e transmitindo todos os saberes campesinos e para
isso as camponesas se mostram as maiores entusiastas dessa luta, pois,
um novo morar e viver no campo é possível com relações igualitárias e
dignidade se reafirmar CAMPONESA.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em Rondônia, a luta camponesa se faz presente e atuante, onde


a luta contra o latifúndio o agronegócio permite construções de novas
relações no campo, principalmente através da luta das camponesas, que
buscam formação e maior participação nos mais diversos espaços sociais.
No processo de luta emancipatória das camponesas e a derrubada do
patriarcado rural é de suma importância a contribuição das universidade
como foi demonstrado através do projeto Revolta das Amélias executado
junto as camponesas do Movimento dos Pequenos Agricultores do Distrito
de Tarilândia.
A advocacia popular através da Educação Jurídica Popular, como
projeto de extensão universitária, pode construir espaços para desmistifi-
car o direito, torná-lo acessível e ajudar na construção da luta por direitos
pelas camponesas, permitindo que estas entendam que de suas vivências
64 | CAMPONESAS E AGROBIODIVERSIDADE: DIREITO DE SER E VIVER NO CAMPO

cotidianas o direito está em construção e que a luta organizada dará os


rumos necessários, inclusive, para garantir o seu modo de vida.
Modo de vida que está entrelaçado com a agrobiodiversidade, pois,
as camponesas vivem na prática a produção diversificada, a preservação
ambiental, a retirada do sustento da terra sem agrida-la, conservando rios
e florestas.
As camponesas vivenciam a agrobiodiversidade em seus cotidianos
sociais, é a própria existência e a relação com a terra, onde se constrói a
cultura, os valores, as aprendizagens e o desejo constante de lutar para
romper as amarras opressoras que ainda insistem na exploração humana.
A universidade deve dialogar com o campesinato e ampliar a com-
preensão de agrobiodiversidade como elemento inerente ao campesinato
e seu modo de vida, que trata-se mais do que um conceito ou bandeira
de luta, é o ser e viver das camponesas e camponeses que ousam construir
um mundo melhor para todos.

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ao Pensamento Jurídico Crítico. São Paulo: Saraiva, 2013.
DIAGNÓSTICO SITUACIONAL DAS
CATADORAS DE MATERIAIS RECICLÁVEIS
DO MUNICÍPIO DE TABATINGA – AM

DIAGNÓSTICO DE LAS CATADORAS DE MATERIALES


RECICLABLES DEL MUNICIPIO DE TABATINGA-AM

Bruno Reinert de Abreu1


Helena Liebl2
Tales Vinícius Marinho de Araújo3

INTRODUÇÃO

O aumento na geração de resíduos sólidos no mundo é uma unani-


midade entre os estudiosos da área. Para Oliveira (2016), esse aumento
tem se dado principalmente pelo consumo desenfreado, onde os produtos
consumidos são descartados muito rapidamente, corroborando com a
teoria da obsolescência forçada onde o produto deixa de ser útil mesmo
estando em perfeito estado de funcionamento dado o surgimento de outra
tecnologia mais atual (HOCH, 2016; BALDI, 2018).
Para Nascimento (2015), a geração per capta de resíduos sólidos
urbanas é extremamente difícil de ser quantificada dado três fatores princi-
pais como: “disposição irregular, coleta informal e insuficiência do sistema
de coleta pública”.
Essa falta de informação precisa faz com que tanto o poder público,
quanto os empresários trabalhem com valores dispersos em suas tomadas
de decisões trabalhando com bases mais confiáveis apenas o que é coletado.
O SNIS, sigla para Sistema Nacional de Informação sobre o
1 Engenheiro Ambiental. Mestrando em Ciências e Meio Ambiente da Universidade
Federal do Pará – PPGCMA/UFPA.
Contato: br_abreu@hotmail.com
2 Advogada. Mestranda em Ciência Jurídica pela UNIVALI com dupla titulação na Uni-
versidade de Alicante/Espanha. Membro Imortal da Academia de Letras do Brasil de Santa
Catarina Seccional Balneário Piçarras. Membro da Comissão Estadual de Compliance e
Conformidade da OAB/SC. Escritora. Estágio docência em Direito Civil pela UNIVALI.
Contato: helenali.liebl@gmail.com
3 Mestre em Ciências e Meio Ambiente pela Universidade Federal do Pará - PPGCMA/
UFPA.
Contato: talesrevue@hotmail.com
68 | DIAGNÓSTICO SITUACIONAL DAS CATADORAS DE MATERIAIS RECICLÁVEIS DO MUNICÍPIO DE
TABATINGA – AM

Saneamento, foi criado em 1996 pelo governo federal, porém até 2002
este tinha como objetivo apenas coletar dados sobre prestadores de serviços
de água ou esgoto, e só a partir de 2002 é que o “componente resíduos
sólidos começou a ser investigado” (BRASIL, 2019).
Após dez anos em operação o sistema ainda apresenta falhas críticas
como informações desatualizadas, incompletas, imprecisas não pertinentes
e não confiáveis (CONDURU, 2012).
O problema acontece, em parte pela forma que os dados são obti-
dos, muitas informações são baseadas em questionários preenchidos pelas
secretarias municipais onde o responsável, na maioria das vezes, não é da
área e está no cargo graças a indicação política.
Catadores de resíduos existem a muito tempo. Para Dias (2016) a
recuperação de materiais a partir do lixo é uma atividade milenar, de fato,
na idade média os menos favorecidos sobreviviam graças às sobras das
classes dominantes.
Segundo Coelho (2016b), cerca de 1,5% da população mundial
economicamente ativa na Ásia e na América Latina obtém seu sustento a
partir de atividades provenientes da coleta seletiva de resíduos.
No Brasil, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA,
buscou em 2016 apresentar uma estimativa da quantidade de catadores
de resíduos ativos em território nacional chegando ao número de 387.910
(trezentos e oitenta e sete mil e novecentos e dez) indivíduos (PEREIRA
& GOES, 2016). Esses dados são bem próximos aos 398.348 (trezentos e
noventa e oito mil trezentos e quarenta e oito) catadores divulgados pelo
Centro de Estudos da Metrópole da Universidade de São Paulo (USP,
2016).
Com a introdução da Política Nacional de Resíduos Sólidos, os
municípios foram obrigados a encerrar seus lixões até 02 de agosto de
2014, o que acabou não acontecendo e os lixões acabaram sobrevivendo
até os dias de hoje. Com isso o Brasil perdeu uma ótima oportunidade
de encerrar os lixões e acabar com os passivos ambientais gerados (LOSS
et al., 2015).
Assim, a pesquisa tem como objetivo fazer um diagnóstico das
mulheres catadoras de materiais recicláveis no Município de Tabatinga,
no Estado do Amazonas, em relação a sua satisfação profissional, condições
de ambiente de trabalho e de saúde, se são estrangeiras ou não, tendo em
MULHERES E CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS
| 69

vista estar se tratando de uma cidade fronteiriça, entre outras questões.


Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na Fase de Inves-
tigação foi utilizado o Método Indutivo, na Fase de Tratamento de Dados
o Método Cartesiano, e, o Relatório dos Resultados expresso na presente
pesquisa é composto na base lógica indutiva.
Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as Técnicas do Refe-
rente, da Categoria, do Conceito Operacional, da Pesquisa Bibliográfica
e entrevistas in loco.

GERAÇÃO DE RESÍDUOS SÓLIDOS E O DESAFIO DOS GES-


TORES EM ENCERRAMENTO DOS LIXÕES

A geração de resíduos sólidos acompanhou o crescimento da popu-


lação no país, principalmente pelo aumento da capacidade de compra
pelo brasileiro aliada ao insuficiente investimento na área da reciclagem
(SANTIAGO et al., 2013; DE SOUZA JUNIOR et al., 2017).
Dessa forma, a Associação Brasileira das Empresas de Limpeza
Pública e Resíduos Especiais (ABRELPE, 2017), divulgou que em 2016
foram produzidos 78,3 milhões de toneladas de Resíduos Sólidos
Urbanos (RSU), destes apenas 2,4 milhões de toneladas foram reciclados
(BORGES et al., 2017), um valor muito reduzido que deixou um nicho
de mercado com grande potencial econômico.
O Brasil perde cerca de R$ 120 bilhões ao ano por não dar destinação
adequada ao lixo (BRASIL, 2019a)2018. Esse montante considerável de
dinheiro é maior que o faturamento inteiro do Polo Industrial de Manaus,
que é de R$ 92,67 milhões no exercício de 2018 (BRASIL, 2019c). Esse
recurso poderia gerar centenas de milhares de empregos diretos e indire-
tos, bem como reduzir impacto ambiental do lixo aterrado dando uma
sobrevida maior aos aterros.
Esta década foi palco de dois eventos muito singulares no que tange à
gestão dos resíduos sólidos em território nacional. O primeiro foi a criação
da Política Nacional de Resíduos Sólidos, sob a forma da lei 12.305/2010,
reconhecidamente um marco legal no enfrentamento dos resíduos no país
(DURSO et al., 2017).
A lei 12.305 apresentava mecanismos modernos como a introdução
da logística reversa pelas empresas produtoras, incentivos econômicos
70 | DIAGNÓSTICO SITUACIONAL DAS CATADORAS DE MATERIAIS RECICLÁVEIS DO MUNICÍPIO DE
TABATINGA – AM

à formação de consórcios intermunicipais, valorização das cooperati-


vas de catadores, a responsabilização dos geradores e do poder públi-
cos na gestão dos resíduos (SILVA, 2015 b). Mas em seus artigos 54
e 55 é possível ver os pontos chaves dessa lei, no primeiro são definidos os
encerramentos dos lixões em um prazo de 04 anos, já no segundo, define
que estados e municípios devem elaborar seus planos de gerenciamento de
resíduos num prazo máximo de 02 anos, a partir da edição da lei (BRASIL,
2010 ; BASTOS & FIGUEIREDO, 2018).
O segundo evento, então, se refere à mudança de prazos para o encer-
ramento dos lixões, dando uma sobrevida a esse passivo ambiental.
Neste caso, tanto os artigos 54 e 55 foram reavaliados e flexibilizados
para que os municípios pudessem se adaptar à nova realidade nacional. A
mudança principal se deu no artigo 54, onde foram escalonadas as datas
de encerramento dos lixões como na figura 1, (SILVA, 2015 a).

Figura 1
Datas escalonadas para o encerramento dos lixões municipais

Fonte: PLS 425/2014

Os prazos já estão acabando, como no caso das capitais e os muni-


cípios que compõem sua região metropolitana, para eles, o encerramento
das atividades dos lixões nessas localizações deveria ter acontecido até o
último dia de julho de 2018. O que acabou não acontecendo com cento
e trinta e seis municípios do Estado do Tocantins. À época, dos cento e
trinta e nove municípios tocantinenses apenas Palmas, Araguaína e Gurupi
encerraram seus lixões (ERÍLIO, 2018)2018.
O Estado do Amazonas possui nove municípios que fazem fronteiras
internacionais com a Venezuela, Colômbia e Peru, conforme o mapa 01.
MULHERES E CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS
| 71

Neste caso, estes municípios deveriam estar em fase de encerramento de


suas lixeiras municipais.

Outra situação parecida com os municípios de fronteira refere-se


ao município de Parintins, com uma população de 102.033 habitantes,
tendo por base o senso do ano de 2010 (IBGE, 2019). Este município, em
particular, se enquadra entre os entes que devem encerrar, em definitivo,
as operações do seu lixão municipal.
Embora os nove municípios amazonenses de fronteira, referidos
anteriormente, tenham obrigação imediata com relação ao encerramento
dos seus respectivos lixões, fica a cargo o Instituto de Proteção Ambiental
do Amazonas – IPAAM, avaliar quais as características a serem adotadas
para cada município quanto à observância da lei, visto que assim como se
enquadram na lei, tendo por base as datas das cidades fronteiriças, tam-
bém podem ser enquadradas por suas respectivas populações, com prazos
variando de julho de 2019 à julho de 2021.
Mesmo após várias sinalizações de desagravo do Ministério Publico
no Amazonas o instituto tem todo o poder para criar mecanismos inde-
pendentes de avaliação, visto que é o responsável legal pela gestão ambien-
tal, a implementação e a execução das políticas nacional e estadual de meio
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TABATINGA – AM

ambiente dentro do Amazonas (AMAZONAS, 2007; LIMA, 2016).

Tabela 01
Município de fronteira do Amazonas e
critérios de encerramento dos lixões

Fonte: Adaptado do IBGE e Plano Estadual de Resíduos Sólidos do Amazonas.


* Municípios com redução de população.

CATADORAS DE RESÍDUOS

As mulheres representam apenas 31% (trinta e um por cento) das


pessoas que se declararam como catadores de resíduos sólidos no censo do
ano de 2010, isso corresponde a 136,39 mulheres que possuem na coleta
MULHERES E CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS
| 73

de resíduos sua principal fonte de renda (RODRIGUES & ICHIKAWA,


2015; DAGNINO & JOHANSEN, 2017; REGO, 2017). Esse número,
contraria a ideia de muitos teóricos que representavam as mulheres como
maioria nos lixões.
Ao longo do tempo, organizações como o Movimento Nacional dos
Catadores de Materiais Reciclados (MNCR, 2014) e o Centro de Estudos
de Apoio ao Desenvolvimento, Emprego e Cidadania (CEADEC, 2016),
erroneamente citaram as mulheres representando 70% (setenta por cento)
das catadoras nacionais.
Existem cidades e até estados onde as mulheres são maioria nos
lixões, como é o caso da cidade de Tabatinga, no interior do Amazonas,
mas em âmbito nacional a realidade é outra (MOREIRA, 2013).
As mulheres têm maiores limitações profissionais e estão vulneráveis
ao adoecimento laboral, a primeiro caso acontece não só no ramo da reci-
clagem, pois possuem as “responsabilidades do lar” bem como a criação
dos filhos. No segundo caso, Coelho et al (2016a) observa que a saúde
mental e física das cataras está intimamente ligada às condições precárias
de trabalho e à insalubridade do lixão.
Mesmo sujeitas à um ambiente de trabalho insalubre, à rotinas de
trabalhos estressantes, à exposição a vetores nocivo à sua saúde, as catadoras
apresentam certa satisfação profissional (COELHO et al., 2017).

METODOLOGIA

Este estudo se deu a partir de investigação do tipo exploratório-


-descritiva, com as catadoras de resíduos sólidos que trabalham no lixão
de Tabatinga.
Foram selecionadas apenas as mulheres para este estudo já que, neste
momento, o objetivo é entender a razão que as levou a escolher este tipo
de atividade como provedora de seu sustento e, na maioria dos casos, de
toda a sua família.
O total da amostra foi de dezoito mulheres com idades variando de
trezes a sessenta e sete anos.
Para estruturação dos dados foram utilizadas entrevistas com as
catadoras para obtenção das informações, possibilitando construir um
diagnóstico tanto profissional quanto social desta trabalhadora.
74 | DIAGNÓSTICO SITUACIONAL DAS CATADORAS DE MATERIAIS RECICLÁVEIS DO MUNICÍPIO DE
TABATINGA – AM

Nas entrevistas, semiestruturadas foi questionado a quantidade de


dependentes, se a família tinha essa atividade como principal geração de
renda, quanto à jornada de trabalho, existência de companheiro ou não,
nível de escolaridade, nacionalidade (tendo em vista que a cidade de Taba-
tinga faz fronteira com a Bolívia) e se possuíam algum tipo de benefício
governamental. Foram, ainda, levantados aspectos físicos como cor, idade
ou possível deficiência.
O levantamento dos dados de campo se deu entre os dias 8 a 27 de
outubro de 2018 onde o pesquisador, para um melhor entendimento da
rotina de trabalho e para ganhar a confiança das trabalhadoras, perma-
neceu diariamente no lixão, convivendo e mantendo um “corpo a corpo”
com as catadores.
A partir dessa abordagem de maior presença entre as catadoras foi
possível uma maior aproximação com elas, formalizando vínculos de
confiança.
Dessa forma a pesquisa foi sendo elaborada a partir de conversas
semiestruturadas pelo pesquisador e não como pergunta e respostas padro-
nizadas como de costume, e, portanto, evitando que as pesquisadas pudes-
sem dar respostas convenientes ou que sentissem vergonha em responder
quaisquer itens do questionário.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

A partir da pesquisa de campo foi possível estabelecer como perfil


preponderante das catadoras de resíduos da cidade de Tabatinga como
sendo estrangeira, acima dos 40 anos, pardas ou indígenas e sem defi-
ciências físicas.
Todas trabalham informalmente já que o município não possui
nenhuma entidade de catadores organizada, mesmo assim é possível veri-
ficar que todas seguem uma rotina comum aprendida ao longo de anos
adquiridos com a experiência de antecessores nos lixões das cidades de
Tabatinga e Letícia, na Colômbia.
Foram entrevistadas dezoito catadoras com idades de treze a sessenta
e sete anos. Foi verificado que a maioria delas estava acima dos 40 anos e
embora a idade elevada todas apresentavam vigor sem reclamação de saúde.
Apenas quatro catadoras possuíam algum documento que
MULHERES E CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS
| 75

comprovassem cidadania brasileira e possuíam residência em Tabatinga.


De tal sorte que onze funcionárias dizem morar no município colombiano
de Letícia e três relataram morar em Santa Rosa, no Peru.
No tangente à escolaridade 55,5% (cinquenta e cinco vírgula cinco
por cento) das entrevistadas sabia ler e escrever. As quatro brasileiras não
sabiam ler nem escrever, pois, segundo elas tiveram acesso à escola, mas
preferiram trabalhar desde cedo para ajudar no sustento da casa.

Das entrevistadas apenas cinco não eram as principais provedoras da casa,


sendo auxiliadas pelo companheiro ou por outro membro da família. Desta
forma treze são as principais responsáveis pelo sustento da casa, ou seja,
são as principais mantenedoras da família.
A partir dos dados levantados foi possível construir um gráfico pre-
ciso para do diagnóstico situacional das catadoras de lixo de Tabatinga.
O gráfico 01, pode servir de ferramenta para futuras políticas públicas.

Outras duas questões foram possíveis de responder a partir do diá-


logo com as catadoras, na tentativa de buscar um melhor entendimento
acerca do trabalho no lixão. A primeira é quanto a percepção das cata-
doras sobre suas condições de trabalho e saúde e a segunda, foi quanto à
76 | DIAGNÓSTICO SITUACIONAL DAS CATADORAS DE MATERIAIS RECICLÁVEIS DO MUNICÍPIO DE
TABATINGA – AM

satisfação como catadores de resíduos, que serão abordadas nos próximos


tópicos, separadamente.

CONDIÇÕES DE TRABALHO

O lixão de Tabatinga possui um perímetro de 1.259,27 m, o que


equivale a 90.526,27m2, utilizados de forma descontinuada e desordenada.
Não se usa qualquer planejamento para a disposição dos resíduos fazendo
com que os catadores sejam nômades dentro desta área.
Para os catadores, este tipo de ação é um complicador visto que
semanalmente são obrigados a refazerem seus abrigos. Os abrigos são os
locais utilizados para diversos fins, como proteção do sol, área de separação
individual improvisada, local que os catadores usam para guardar todo o
material recolhido durante a jornada de trabalho.
Essa mudança de constante de local faz com que se perca muito
tempo construindo novos abrigos.
Para as catadoras essas constantes mudanças aliadas a falta de equi-
pamentos de proteção individuais e a exposição a vetores fazem com que
todas as entrevistadas desaprovem as condições de trabalho.
O ambiente de trabalho é bastante propício a acidentes de trabalho,
já que se trata de um local cheio de desníveis, alagado, com materiais cor-
tantes, perfurantes e com diversos animais peçonhentos.

SATISFAÇÃO PROFISSIONAL

Embora a situação pareça precária e o local de trabalho seja sujo


e insalubre, as catadoras se sentiam realizadas e felizes com o trabalho
executado.
Em que pese o descontentamento com as condições de trabalho seja
unânime entre as entrevistadas, a maioria não se via executando outro
tipo de trabalho.
Aproximadamente 77% (setenta e sete por cento) das entrevistadas
se diz realizada profissionalmente, em parte pelos ganhos considerados
acima do que ganhavam fora dali e pela sensação de liberdade por não
terem que cumprir horários preestabelecidos.
MULHERES E CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS
| 77

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Foi possível concluir que Tabatinga, município amazonense locali-


zado no extremo sudoeste do Estado, possui condições de trabalho insalu-
bres e as catadoras estão expostas aos mais diversos tipos de enfermidades,
causadas por vetores e por acidente de trabalho.
Mesmo assim, apenas 23% (vinte e três por cento) das entrevistas se
dizem insatisfeitas e pensam em sair do lixão. A maioria espera uma melho-
ria, mas não trocaria esta ocupação para tentar emprego em outro lugar.
O município precisa criar mecanismos para valorização dos catado-
res, possibilitando que esses cidadãos tenham acesso a programas sociais,
como meio de ajuda ao sustendo da família, precisa ainda possibilitar
alguma forma ingresso o Sistema Único de Saúde, dado sua vulnerabilidade
à acidentes de trabalho.
O município se enquadrou em dois critérios de avaliação para as
novas regras de escalonamento do artigo 54 da lei 12.305/2010. Caso seja
enquadrado como município de fronteira tem até o último dia de julho
de 2019 para o encerramento do seu lixão municipal, esta data pode ser
prorrogada para final de julho de 2020.
Independente de obter mais um ano ou não, o fato é que a Secretaria
de Meio Ambiente junto com a de Serviço Social deve buscar o fortaleci-
mento da política municipal de meio ambiente integrando os catadores
de materiais reciclados no planejamento estratégico.
Por fim, a pesquisa não tem a intenção de esgotar o assunto, apenas
demonstrar dados relevantes sobre uma região precária economicamente
e socialmente, com origem indígena e fronteiriça, o que dificulta o acesso a
desenvolvimento e segurança da região, afetando os mais diversos direitos
fundamentais, como o trabalho, saúde e educação.

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GÊNERO E INJUSTIÇAS SOCIOAMBIENTAIS:
MULHERES GUARDIÃS DA BIODIVERSIDADE?

GENDER AND SOCIO-ENVIRONMENTAL INJUSTICE:


WOMEN GUARDIANS OF BIODIVERSITY?

Isabella Madruga da Cunha1


Thais Giselle Diniz Santos2

INTRODUÇÃO

Mulheres guardiãs da biodiversidade?

A historiografia hegemônica analisa o mundo enquanto encadea-


mento de acontecimentos neutros. Um olhar mais atento revela que
esta suposta neutralidade esconde a imposição de uma lógica linear de
desenvolvimento patriarcal, racista e heteronormativa, reproduzida e vio-
lentamente reafirmada por desigualdades materiais e simbólicas.  Nesse
paradigma, a natureza humana é limitada a um dilema entre natureza e
cultura, em um dualismo conflituoso que separa feminino e masculino
com base na hierarquia de papéis entre mulheres e homens. Por aparatos
violentos e culturais cria-se a mulher-natureza-emoção e o homem-cul-
tura-razão. Legitima-se a existência de um ser pretensamente masculino e
racional a quem de direito cabe o controle e domínio da mulher e também
da natureza.
O Estado moderno, com seu poder de polícia, e o Direito, com seu
pretenso humano universal, são a expressão máxima desse status sociocul-
tural. Os institutos jurídicos do casamento heterosexual, da “propriedade
privada”, tal qual as figuras da “mulher honesta” e dos “indígenas ainda
1 Mestra em Meio Ambiente e Desenvolvimento pela Universidade Federal do Paraná;
bacharela em Direito pela UFPR; membro do Instituto de Pesquisa Direitos e Movimentos
Sociais – IPDMS; advogada.
Contato: isabellacunha@gmail.com
2 Doutoranda em Direitos Humanos e Democracia pela Universidade Federal do Paraná;
mestra em Meio Ambiente e Desenvolvimento e bacharela em direito pela Universidade
Federal do Paraná, associada do Centro de Pesquisa e Extensão em Direito Socioambien-
tal – CEPEDIS; integrante do Grupo de Pesquisa EKOA: Direito, Movimentos Sociais
e Natureza do PPGD/UFPR; advogada.
Contato: thaisgisellediniz@gmail.com
84 | GÊNERO E INJUSTIÇAS SOCIOAMBIENTAIS: MULHERES GUARDIÃS DA BIODIVERSIDADE?

não integrados à comunhão nacional” evidenciam que o sujeito moderno


integrante do Estado e protegido pelo direito constitui o humano, ser
considerado vazio de sentimentos, porém potencial dono da materiali-
dade, de povos escravizados, de mulheres, de animais e de um mundo
feito de “coisas”.
Já que no paradigma ocidental moderno “humano” é sinônimo de
“homem”, a mulher não poderia ser totalmente humana. De qualquer
forma, em seu corpo habita uma potência muito perigosa: a potência da
vida, dos ciclos do nascer e do morrer, do sangue que não mata, mas reaviva
a esperança do nascimento. Esse corpo mulher não foi entendido como
feminino à toa. Se, em uma epistemologia dual e simplista, o feminino
representa o natural, a liberdade, as emoções e o espiritual, a certo corpo
buscar-se-á encerrar o que é “feminino”.
A aniquilação das mulheres na inquisição demonstra o desejo de
colocar o feminino no gargalo de um corpo sexuado. O corpo, a princí-
pio, é material, por isso parece fácil aprisioná-lo, violentá-lo, queimá-lo,
assassiná-lo e assim buscar a supressão de parte da natureza humana que
representa. Todavia, movimentos como o LGBT e queer demonstram que
o corpo não é estático, corpo é um espaço de movimento, ação, criação
e transgressão. Aniquilar os corpos das mulheres não foi suficiente, elas
insistem em renascer. No fim, o princípio da natureza animal sedenta
de liberdade habita todos os corpos, e quanto maior a repressão, maior
também a amplitude dos despertares naturais.
As mulheres são o outro primitivo do capitalismo europeu e na
América representam simbioses entre esse dito feminino e os povos colo-
nizados e escravizados, suas cosmologias e territorialidades. No Brasil,
de forma complexa, as mulheres rurais, entre as quais quase 65%, entre
pardas, negras e indígenas, declaram-se não brancas (MAPA e FAO, 2019),
reinventam-se através de ampla diversidade de sujeitos que manejam seus
territórios de forma particular, enquanto um espaço que recebe significado
pelo emaranhado de comunhões e conflitos dos povos, tecido pelo entre-
laçamento de muitas lutas: a luta pela terra, pelo reconhecimento, pelo
respeito e pela vida. Também por isso as mulheres expressam aquilo que o
sistema patriarcal e “moderno” possui aversão: diversidade, flexibilidade,
união, novos sentidos para a vida.
A divisão sexual do trabalho no capitalismo hierarquiza, inferioriza e
MULHERES E CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS
| 85

saqueia os trabalhos que geram a vida e que são vistos como “femininos por
excelência”. Curioso é que tais trabalhos são chamados de “reprodutivos”,
quando em verdade são produtores da vida, enquanto que os trabalhos
chamados “produtivos” são aqueles cujo produto é matéria morta - merca-
doria. Por que somente a mercadoria é tida como produtiva e com valor?
Foi devido às injustiças e à violência que as atividades de manter a
vida foram colocadas como tarefas inferiores, assim como responsabilida-
des de mulheres e não de homens. Gestação de vidas, alimentação, coleta de
água, atenção às crianças, cultivos de hortas, plantas medicinais e o cuidado
não mercadológico com a saúde. Viver e fazer nascer é apresentado como
função das mulheres e como algo necessário, mas sem importância ou
valor, pois significa a “perda de tempo” para a produção de mercadorias.
A gestação e a maternidade atrapalham a utilização de corpos humanos
no mercado de trabalho.
Os trabalhos culturalmente preservados sobremaneira pelas mulhe-
res rurais sintetizam relações da vida com o território, por isso os conflitos
socioambientais, por afetarem o acesso ou o desenvolvimento dos citados
trabalhos no território, impactam principalmente as mulheres. Não restam
dúvidas. As mulheres, principalmente as rurais, são mais impactadas pelos
conflitos socioambientais, não por um fato essencial, biológico, mas decor-
rente de uma onda esparsa e múltipla no tempo e espaço de profundas
injustiças sociais, as quais se expressam, por exemplo, nas relações, sim-
bolismos e percepções que baseiam o que chamamos de ordem machista,
de consciência fragmentária e patriarcal.
Diante disso, cabe analisar o quanto dizer que as mulheres são “guar-
diãs da biodiversidade” e incentivar essa realidade, por exemplo, mediante
programas de pagamento por serviços ambientais prestados por mulheres
na conservação da biodiversidade, para além da relevante visibilidade que
proporciona, também pode reafirmar papéis de gênero constituídos pelo
modelo patriarcal sexista, impondo injustamente às mulheres cargas de
trabalho e responsabilidades que deveriam ser de todos. Diante desse todo,
este artigo é um manifesto para escapar de soluções jurídico-políticas de
cunho essencialista e ressaltar que as injustiças colocam as mulheres não
no papel de vítimas, mas de re-existência na construção de uma realidade
que potencializa a vida e cria novos sentidos.
86 | GÊNERO E INJUSTIÇAS SOCIOAMBIENTAIS: MULHERES GUARDIÃS DA BIODIVERSIDADE?

DOMINAR A NATUREZA, DOMAR AS MULHERES: A


ORDEM PATRIARCAL CAPITALISTA

O patriarcado, um sistema de dominação social baseado na figura do


pai, do homem, ao qual mulher e filhos estão subordinados, é muitas vezes
referido como uma figura transhistórica. Quando começou o patriarcado?
É uma questão que intriga historiadoras e antropólogas. A antropologia
demonstrou a existência de sociedades matriarcais, mas isto não resolveu
o problema do aparente triunfo do patriarcado na maioria das sociedades
do mundo (dizemos aparente porque o olhar do observador contamina
o examinado, e muitas sociedades descritas como patriarcais possuem
sistemas de organização social muito mais equânimes do que os supostos
pelos cientistas ocidentais). Pois bem, não pretendemos responder esta
questão neste artigo. Entretanto, a partir especialmente da contribuição
de Silvia Federici em Calibã e a Bruxa (2017), o nosso objetivo é demons-
trar a historicidade recente de várias crenças e categorias que compõem o
sistema de dominação patriarcal.
Toda uma tradição historiográfica já nos convidou a desconfiar das
macro-narrativas, e sem dúvida, a da Idade das Luzes é a mais posta em che-
que. O suposto progressismo social trazido pela revolução científica pode
ser questionado também desde um ponto de vista feminista e ecológico, já
que produziu o deslocamento cultural de um paradigma orgânico para um
mecânico que legitimou a exploração das mulheres e da natureza. Federici
(2017), porém, não se afasta da proposta do materialismo histórico, adota
a categoria chave do trabalho e a tese de Marx da acumulação primitiva
como um processo fundacional, revelador das condições estruturais que
possibilitaram o advento do capitalismo. No entanto, a autora propõe-se
exatamente a examinar o processo da acumulação primitiva não apenas do
ponto de vista do proletariado masculino, mas sim das mudanças produ-
zidas na posição social das mulheres - inclusive excluindo-as da categoria
“trabalhador” e condenando-as ao trabalho não pago.
Para tanto, no rastro da teoria feminista crítica, a autora aponta uma
série de fenômenos ausentes da análise de Marx e que foram extrema-
mente importantes para a acumulação capitalista. São estes: i) o desen-
volvimento de uma nova divisão sexual do trabalho; ii) o advento de uma
nova ordem patriarcal que excluiu as mulheres do trabalho assalariado e
MULHERES E CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS
| 87

lhes subordinou aos homens - o patriarcado do salário; iii) a mecanização


do corpo e transformação do corpo das mulheres em máquina de (re)
produção de força de trabalho. A percepção é a de que o gradual desen-
volvimento do sistema capitalista para se impor valeu-se de uma guerra
contra as mulheres, a qual a partir dos séculos XVI e XVII tomou forma
como a “Caça às Bruxas”. Assim, “a perseguição às bruxas, tanto na Europa
quanto no Novo Mundo, foi tão importante para o desenvolvimento do
capitalismo quanto a colonização e a expropriação de terras do campesi-
nato” (FEDERICI, 2017, p. 26). Bem explica Federici:

(...) o alvo da caça às bruxas - como ocorre frequentemente com a repressão


política em épocas de intensa mudança e conflito social - não eram crimes
socialmente reconhecidos, mas práticas anteriormente aceitas de grupos
de indivíduos que tinham que ser erradicadas da comunidade por meio do
terror e da criminalização (2017, p. 306).

Para este artigo, esta contribuição é especialmente relevante para


pensar a elaboração teórica que colocou o homem num pedestal como
externalidade da natureza, em relação de oposição a esta, estabelecendo-o
como sujeito dominador e a natureza como objeto a ser dominado. Nesta
relação dicotômica, a mulher não integra a categoria “homem”, muitas
vezes usada no registro humanista para se referir a ser humano ou humani-
dade. Ao contrário, as mulheres foram excluídas desta categoria de poder,
assim como os não-europeus, em particular africanos e americanos (os
“sem” escrita, ou seja, sem cultura). Esta identificação do homem com a
razão e da mulher, e destes outros, com a emoção, os instintos, a selvageria,
a loucura - todas expressões que precisam ser dominadas, controladas.
Para Federici (2017), um passo essencial para essa elaboração foi o
que Foucault chamou de “disciplinamento do corpo”, que para a autora
tem um caráter essencial de conformação para o trabalho capitalista, forjar
um novo indivíduo que aceitasse a lógica do trabalho assalariado, a lógica
da despossessão. Há que se destacar o papel da filosofia mecanicista, cujo
maior expoente é René Descartes (1596-1650), ao trazer “as primeiras
conceptualizações sobre a transformação do corpo em máquina de tra-
balho, o que constituiu uma das principais tarefas da acumulação primi-
tiva” (FEDERICI, 2017, p. 255). Esta concepção de corpo contrastava
diretamente com a que predominava no mundo medieval do corpo como
88 | GÊNERO E INJUSTIÇAS SOCIOAMBIENTAIS: MULHERES GUARDIÃS DA BIODIVERSIDADE?

receptáculo de poderes mágicos, em que o poder das mulheres de gerar


a vida vigorava como o mistério dos mistérios. O mágico conformava
uma concepção animista da natureza que desconhecia a separação entre
matéria e espírito e concebia o cosmos como um organismo vivo, povoado
de forças ocultas.
As crenças mágicas eram uma grande fonte de insubordinação social,
entre as quais se destaca o papel histórico das profecias de expressar os
desejos e dotar os planos dos pobres de legitimidade e motivação. Neste
sentido, através da racionalização do tempo substituíram-se as profecias
pelos cálculos de probabilidade e fixou-se o corpo no espaço tempo, pois
a regularidade é condição essencial do trabalho capitalista. Além do mais,
a magia apresentava-se como inimiga do desenvolvimento do capitalismo
porque debilitava o princípio da responsabilidade individual ao, por exem-
plo, relacionar a causa da ação social ao movimento das estrelas, o que
estava fora do alcance e do controle da burguesia. A incompatibilidade
entre magia e a disciplina do trabalho capitalista é uma das razões pelas
quais foi lançada uma campanha de terror contra a magia (FEDERICI,
2017).  
À medida que (re)descobertas científicas, como o movimento da
terra e dos astros por Copérnico e Galileu, e avanços tecnológicos, como
a descoberta das leis da termodinâmica e a invenção do motor a vapor,
decifravam fenômenos naturais, foi-se criando uma obsessão pela domi-
nação desses fenômenos, representada pela alegoria do homem no centro
do universo. François Ost (1995) define esta obsessão como um programa
científico-político, que teve como um de seus primeiros autores Sir Francis
Bacon (1561-1626). O programa “assim delineado é bem o da tecnociência
moderna: conhecimento e domínio do universo” (OST, 1995, p. 37). Uma
passagem de Bacon ilustra a sua compreensão da natureza e das mulheres:
“A natureza, escreve ele, é uma mulher pública. Devemos domá-la, penetrar
seus segredos e subjugá-la a nossa vontade” (OST, 1995, p. 39) em outras
palavras, Descartes afirma “comportarmo-nos como se fôssemos donos e
senhores da natureza” (OST, 1995, p. 39).
Para Descartes, a quem o corpo era entendido como um autômato,
a diferença entre o “homem” e as demais “bestas” (animais) residia na pre-
sença do pensamento (o cogito). A alma, é posta no centro de sua filosofia
mas na forma da razão e da vontade individual. Ao se dissociar do corpo,
MULHERES E CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS
| 89

o eu racional também se desvincula da natureza. Entre a cabeça-pensante


e o corpo máquina estabeleceu-se “apenas uma relação de senhor/escravo,
já que a tarefa principal da vontade é dominar o corpo e o mundo natural”
(FEDERICI, 2017, p. 270). Federici (2017) afirma que ao desenvolver a
hierarquia entre mente e corpo, Descartes desenvolveu teoricamente as
premissas que a disciplina para o trabalho capitalista requeria, pois que é
a afirmação da supremacia da vontade que permite internalizar nos indiví-
duos os mecanismos de poder. A determinação deste conflito entre mente
e corpo representa o nascimento do indivíduo da sociedade capitalista.
O momento em que escreviam Bacon e Descartes era também o que
se declarava guerra às mulheres, ou às bruxas. Conforme demonstra Fede-
rici (2017), durante os séculos XVI e XVII as mulheres europeias foram
submetidas a um intenso processo de degradação social, também através
da lei, perdendo uma série de direitos. Com a desvalorização do seu traba-
lho e condição feminina, a insubordinação das mulheres e métodos para
domesticá-las tornaram-se os grandes temas da literatura desse período - o
período de “transição” para o capitalismo. O ponto aqui é afirmar como
elemento essencial do desenvolvimento do capitalismo, o desenvolvimento
de uma nova divisão sexual do trabalho e ordem patriarcal, que degradou
a situação social das mulheres. “Humanistas, reformadores protestantes
e contrarreformadores católicos, todos cooperaram constante e obsessi-
vamente com o aviltamento das mulheres” (FEDERICI, 2017, p. 202).
Nesta transição, relações sem as quais a sociedade humana não exis-
tiria são invisibilizadas, o que se expressa na teoria econômica que coloca
uma série de atividades e trabalhos de cuidados e de geração da vida, pra-
ticadas principalmente por mulheres, fora da esfera econômica, sendo
assim apropriadas gratuitamente, desvalorizadas e incorporadas como
uma responsabilidade apenas das mulheres mediante a divisão sexual do
trabalho que, ao lado da figura da família nuclear, separa atividade profis-
sional e doméstica (TEIXEIRA, 2018).
Nas regiões colonizadas este caráter de outreidade e subordinação
alcança tanto mulheres, quanto populações africanas e povos americanos,
os quais eram vistos de forma análoga às “bruxas”. Uma das primeiras
conquistas do estado colonial foi a criação da categoria “mulher”, ao lado
da categoria “outro”, enquanto pessoa racializada integrada nas estru-
turas comunitárias presentes. Entretanto, entender tais categoria como
90 | GÊNERO E INJUSTIÇAS SOCIOAMBIENTAIS: MULHERES GUARDIÃS DA BIODIVERSIDADE?

separadas geraria cegueira sobre as desigualdades/violências enfrentadas


pelas mulheres não brancas das comunidades americanas (LUGONES,
2008). A relação entre modernidade e colonialidade, elementos consti-
tutivos do capitalismo global e eurocêntrico, é essencial na compreensão
da organização do trabalho e da produção do conhecimento nos territó-
rios colonizados, porém, para adentrar na especificidade das violências e
desigualdades nestes processos, há de se amparar na interseccionalidade
entre as categorias “raça”; “gênero” e “classe”, visibilizando as mulheres
racializadas e pobres (CRENSHAW, 2004).
Na esteira da violência colonial e do estabelecimento das hierarquias
raciais que fundaram o racismo estrutural das Américas, os colonizadores
também impuseram uma discriminação sexual. No entanto, as mulhe-
res escravizadas tinham uma dura relação de igualdade com os homens
escravizados, submetidas ao mesmo grau de exploração, até o advento da
proibição do tráfico transatlântico de pessoas. Em termos de igualdade de
gêneros, Angela Davis (2016) afirma que a vida nas senzalas era bastante
diversa do que na casa grande (DAVIS, 2016, p. 30):

A questão que se destaca na vida doméstica nas senzalas é a da igualdade


sexual. O trabalho que escravas e escravos realizavam para si mesmos, e
não para o engrandecimento de seus senhores, era cumprido em termos de
igualdade. Nos limites da vida familiar e comunitária, portanto, a população
negra conseguia realizar um feito impressionante, transformando a igual-
dade negativa que emanava da opressão sofrida como escravas e escravos em
uma qualidade positiva: o igualitarismo característico das relações sociais.

A afirmação da igualdades das mulheres frente à opressão da escravi-


dão também se dava de modo combativo. “As mulheres resistiam e desafia-
vam a escravidão o tempo todo” (DAVIS, 2016, p.33). Fosse organizando
fugas, protestos, pegando em armas ou de forma mais sutil, aprendendo a
ler e escrever e transmitindo esse conhecimento em escolas clandestinas. A
forçosa igualdade na opressão também era uma igualdade na resistência,
de modo que Davis (2016) registra que os castigos contra as mulheres
escravizadas eram mais intensos e cruéis que os infligidos aos homens -
incluíam o estupro. Ou seja, a característica da fragilidade não era associada
às mulheres escravizadas, em realidade para o trabalho eram vistas como
iguais, entretanto no quesito punições eram desiguais, já que sofriam com
a específica submissão às violações sexuais e gestacionais.
MULHERES E CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS
| 91

As mulheres indígenas da América, além de sofrerem as violências


inerentes às disputas pelas terras, recursos e conhecimentos de suas comu-
nidades, também tiveram seus corpos sobremaneira atacados, tanto pela
escravização, quanto pela exploração sexual. Estas quando, capturadas
pelos colonizadores, foram estupradas, retiradas de suas comunidades e
até obrigadas violentamente a se casarem e procriarem, bem como quando
ao trabalharem dentro dos espaços privados das residências estavam mais
expostas às violações de seus senhores ou “administradores”. Por isso, res-
salta-se a importância do conceito de interseccionalidade como recurso
teórico para expressar uma realidade muito concreta de violências prati-
cadas contra as mulheres racializadas no contexto da colonialidade.
Essas mulheres estão nas matrizes de grande parte da população em
sociedades colonizadas e, com amparo no manifesto das bolivianas, pre-
cisamos ressaltar que elas não foram um setor, uma simples minoria, um
problema, mas sim, e hoje ainda o são, grande parte do todo (PAREDES,
2010). Mesmo em meio à brutalidade e desrespeito aferidos contra elas,
sobreviveram por meio de práticas transgressoras para o sistema da mer-
cadoria, seja em suas comunidades, inclusive ressignificando o que é ser
mulher indígena, seja pela perpetuação de seus costumes quando miscige-
nadas, demonstrando que abrigam força e sabedoria que transcendem no
tempo, pois que seus conhecimentos permaneceram presentes e inclusive
influenciam a perpetuação de “novas” (para a cultura ocidental) práticas
agrícolas, religiosas e de cuidados de saúde.
Tanto no caso dos sujeitos coloniais, como no das bruxas europeias,
os adjetivos impostos eram os mesmos: selvagens, irracionais, lascivos.
Assim, “(...) a linguagem da caça às bruxas “produziu” a mulher como
uma espécie diferente, um ser sui generis, mais carnal e pervertido por
natureza (FEDERICI, 2017, p. 345). Ou seja, seres da natureza - e não
seres destinados a dominá-la, como eram os homens brancos europeus. A
influência recíproca entre a violência colonial contra os povos originários
americanos e africanos, sobretudo contra suas parcelas de mulheres, e a caça
às bruxas demonstram essa relação, sendo que as acusações de adoração
ao demônio foram transpostas para a América com intuito de romper a
resistência das populações locais e justificar a escravização e a expropriação
de terras. Igualmente, “a experiência americana persuadiu autoridades
europeias a acreditarem na existência de populações inteiras de bruxas, o
92 | GÊNERO E INJUSTIÇAS SOCIOAMBIENTAIS: MULHERES GUARDIÃS DA BIODIVERSIDADE?

que as instigou a aplicar na Europa as mesmas técnicas de extermínio em


massa desenvolvidas na América” (FEDERICI, 2017, p. 357).
Portanto, demonstra-se a historicidade da identificação entre
“mulher”, “natureza” e “raça” a fim de visibilizar esse “outro” perpassado
pela coincidência de categorias de diferença negativa, “sexualizados, racia-
lizados e naturalizados, cuja existência social e simbólica é descartável e
desprotegida” (BRAIDOTTI, 2018), estabelecendo as bases históricas e
conceituais com as quais discutir-se-á os perigos de essencializar os papéis
de gênero. Os dualismos natureza/cultura, corpo/mente próprios da cul-
tura ocidental são constitutivos de uma visão de mundo que visa simpli-
ficar, porém que gera grandes violências. Por isso, repensar possibilidades
passa por tomar consciência sobre a arbitrariedade dos essencialismos
e dualismos, expressos pelos receios que impedem o fim do império da
mercadoria. Como afirmamos e repetimos: a divisão sexual do trabalho
no capitalismo colonial hierarquiza, inferioriza e saqueia os trabalhos que
geram a vida, os quais são vistos como “femininos por excelência”. Assim, às
mulheres coube historicamente o cuidado da casa, dos filhos, da terra, das
sementes, os trabalhos que são chamados de “reprodutivos”, quando em ver-
dade são produtores da vida. Diante destes papéis foi reservado às mulheres
uma maior responsabilidade aos cuidados reprodutivos e com a natureza, o
que envolve importantes trabalhos de preservação da vida, porém também
exploração e violências, conforme será aprofundado adiante.

A VIOLÊNCIA DE GÊNERO E A PRODUÇÃO DE INJUSTIÇAS


SOCIOAMBIENTAIS

A acumulação primária que possibilitou o capitalismo adveio da


destruição dos direitos de partilha e dos espaços comuns. Isso passou ine-
xoravelmente pelo aprisionamento da vida natural, por meio da figura da
terra-propriedade, pela apropriação estatal, pela regulação da capacidade
reprodutiva das mulheres e pela perseguição aos sujeitos destoantes, crimi-
nalizados quando se negavam a ser transformados em máquinas sem alma.
No capitalismo, somente a matéria morta, que leva o nome de mer-
cadoria (incluído o trabalho-mercadoria) é passível de produzir valor.
A modernidade humanista proliferou tecnologias da morte ao criar o
corpo soberano (homem, branco, heterosexual, saudável, fértil, racional)
MULHERES E CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS
| 93

livre para usufruto violento das coisas e dos “outros” máquinas (PRE-
CIADO, 2013). As primeiras máquinas da Revolução Industrial foram
vivas: trabalhadores da roça escravizados, trabalhadoras do sexo, as mulhe-
res reprodutoras e os animais (PRECIADO, 2019). Os seres sem natureza
individualizada e os animais foram destituídos de essência, meras coisas
para uso irresponsável, para o bel prazer.
Quando o discurso descolonial “dissolve o “Ocidente” e seu produto
supremo - o Homem, ou seja, aquele ser que não é animal, bárbaro ou
mulher, mas que é autor de um cosmo chamado história” (HARAWAY,
2009, p. 49), uma fissura se coloca na ordem patriarcal. A partir das ela-
borações ecofeministas são assinalados importantes “paralelos históricos,
culturais e simbólicos entre a opressão e a exploração das mulheres e da
Natureza” (BARRAGÁN, LANG & CHÁVEZ, 2016, p. 103). A leitura
ecofeminista desde uma perspectiva descolonial articula a denúncia da
colonização e de sua herança: a colonialidade, como forma patriarcal de
domínio. Sendo assim, trata-se de uma crítica radical ao sistema capita-
lista e à lógica do desenvolvimentismo etapista, propondo estratégias de
descolonização e despatriarcalização.
O ecofeminismo crítico distancia-se dos essencialismos e identifica
as mulheres com a natureza a partir da construção histórica e social de
gênero presente em cada cultura, também das divisões sociais de trabalho,
de tarefas, de papéis sociais e das relações de poder político e econômicas
relacionadas, denunciando os processos coloniais  (BARRAGÁN, LANG
& CHÁVEZ, 2016). Esta corrente mostra, assim, que o destino dos opri-
midos, em especial das mulheres, devido a sua esparsa e longa história
de perseguição ao lado da natureza, está intimamente ligado ao destino
da Terra e que a relação desses oprimidos com o meio deve ser reconhe-
cida, mas, sobretudo, suas razões devem ser questionadas, revelando as
injustiças que a permeiam. O desenvolvimento capitalista se reproduz
pela superexploração e subordinação dos trabalhos de cuidados com a
natureza, produção de alimentos e de biodiversidade desempenhado por
povos e principalmente suas parcelas de mulheres. Todavia, isso ocorre sem
permitir sua participação ativa nos processos de decisão sobre manejo e
gestão do que se entende por recursos, de forma a impor sua subordinação
a um sistema de vida que os violenta.
Na toada da crítica feminista ao ideário do “desenvolvimento”, a
94 | GÊNERO E INJUSTIÇAS SOCIOAMBIENTAIS: MULHERES GUARDIÃS DA BIODIVERSIDADE?

economia feminista nos permite questionar a centralidade do mercado e


os valores que estão sendo criados, ao permitir constatar que grande parte
do trabalho e da produção de bens sociais encontram-se fora da estrutura
formalmente produtiva (TEIXEIRA, 2018). A parcela de trabalhos não
remunerados é maior, em regra, do que a de remunerados, pois os trabalhos
de cuidado correspondem às necessidades humanas mais demandadas
para a vida plena.
Os valores gerados pela natureza e pelos trabalhos de cuidado e
reprodução não são reconhecidos, em verdade, são tidos como gratui-
tos. Colocar os valores destes trabalhos e ambiente dentro da esfera de
valorização econômica possui, por um lado, um impacto positivo por
proporcionar visibilidade e reconhecimento, entretanto, por outro lado,
nenhum impacto sobre sua superação, já que a mera inclusão através do
mercado não questiona a subordinação destes trabalhos. Os papéis de
gênero são reafirmados na mesma medida em que a geopolítica do capi-
talismo permanece a mesma, pois seguem mulheres e periferia na mesma
posição de subalternidade em relação aos trabalhos e bens que produzem.
Assim, a diferença pode residir somente na precificação ou monetarização
desses trabalhos, sem de fato questionar a subalternidade e arbitrariedade.
De acordo com o Relatório de Desenvolvimento Humano de 1995
do PNUD, 70% da população pobre do mundo são mulheres. Esta cons-
tatação permite falar em feminização da pobreza, pela qual é possível des-
tacar, por exemplo, as injustiças enfrentadas pelas mulheres dentro de um
mercado de trabalho cada vez mais feminino, porém com a permanência
de profundas desigualdades de rendimentos, ascensão e reconhecimento
relacionadas ao gênero (SANTOS e SOUZA, 2015).
Em especial no que tange à feminização da pobreza no campo, há de
se considerar que neste lócus o trabalho geralmente reservado às mulheres,
tende a não ser considerado enquanto tal, nem mesmo nas pesquisas ofi-
ciais, pelo que se destaca desigualdade de reconhecimento e de acesso às
garantias sociais, tais como as previdenciárias. Embora o reconhecimento
de tais trabalhos femininos seja necessário no acesso à garantias, a mera
valorização dos trabalhos de cuidado da natureza não interfere sobre a
lógica exploratória, tampouco no conflito entre o trabalho doméstico,
os trabalhos de subsistência (hortas, captação e corte de lenha, captação
de água), os trabalhos de produção e o lazer, de forma que as mulheres
MULHERES E CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS
| 95

rurais tendem a uma vida extenuante, inclusive com mortalidade precoce


e maior exposição a doenças crônicas e acidentes incapacitantes (CON-
TAG, 2016, p. 29).
Grande parte das populações e povos rurais trabalham majorita-
riamente para o consumo, gerando pouca ou nenhuma renda adicional,
contudo a macroeconomia centra-se no mercado e no preço e por isso
oculta a importância de trabalhos não remunerados para as sociedades.
Ocorre que a necessidades humanas não são supridas apenas por merca-
dorias, tampouco por bens e serviços. Os trabalhos não remunerados, tal
qual, por que não, as relações e os afetos, mostram-se também essenciais
para a reprodução da vida, o que demonstra que, para além da mercadoria,
existem muitos outros aspectos da vida econômica.
O trabalho reprodutivo das mulheres é central na construção da
sociedade e aquele desempenhado pelas mulheres rurais é essencial para
a conservação dos comuns, isto é, as terras, territórios, águas e florestas
(FEDERICI, 2014). Enquanto principais sujeitas do trabalho reprodutivo
em ligação com a natureza, as mulheres rurais dependem mais dos recursos
comuns do que os homens, conforme demonstrado por Federici em Calibã
e a Bruxa (2017). O ataque mais violento às mulheres no contexto da
inquisição não se dá por acaso, e a constante reinvenção e intensificação
das lutas das mulheres agricultoras “de subsistência” por todo o mundo
revela como nas diversas escalas os interesses privados chocam-se com os
direitos de partilha sobre os bens comuns. A gama de reformas neoliberais,
ao lado da intensificação do extrativismo, da mercantilização da natureza
e da divisão internacional do trabalho deixa mais clara essa disputa nos
locais empobrecidos.
Quando as contas nacionais medem apenas a produção de mercado,
uma grande gama de trabalhos não remunerados, desempenhados prin-
cipalmente por mulheres, resta marginalizada e até ignorada enquanto
prática sem valor, as chamadas “miudezas”. Tais trabalhos possuem em
comum sua intrínseca ligação com a vida em sua natureza, são produto-
res de capacidade de vida e não mercadorias, representados pela seleção
e preparo de alimentos, pelo manejo de plantas e vegetais, pela gestação
e maternidade, pelos cuidados pessoais e domésticos. No meio rural, a
ligação com a natureza como um todo é ainda mais evidente, pelo tra-
balho predominantemente feminino realizado em contato direto com
96 | GÊNERO E INJUSTIÇAS SOCIOAMBIENTAIS: MULHERES GUARDIÃS DA BIODIVERSIDADE?

o ambiente, tais como coleta de água, cultivo de hortas e pomares para


alimentação, coleta e corte de lenha, ordenha de vacas.
A intensificação dos conflitos socioambientais, os quais nada mais são
do que a expressão dos conflitos humanos sobre a apropriação e partilha
dos comuns e injustiças decorrentes da ordem proprietária, decorre desse
processo. Bem como, a forma pela qual a resistência vem tomando, a partir
do “giro ecoterritorial das lutas”, “uma linguagem comum de valoração da
territorialidade, que dá conta cada vez mais da confluência inovadora entre
a matriz indígena-comunitária e o discurso ambientalista” (SVAMPA,
2016, p. 147). O protagonismo histórico das mulheres campesinas nes-
sas lutas revela a concretude do aspecto da interseccionalidade entre as
desigualdades de gênero, classe, raça e a divisão internacional do trabalho.
Evidenciar tais relações permite transgredir a lógica do desenvolvi-
mento e da divisão social do trabalho, revolucionar tais conceitos e agir
sobre uma mudança integral da sociedade, a partir  de um projeto centrado
no comunitário, nas práticas de economia solidária, na soberania alimen-
tar e na defesa da terra e do território. Nesse sentido, os ecofeminismos
comunitários e populares são transgressores ao enfrentarem tanto a frag-
mentação das lutas identitárias pautadas no ressalte da diferença, quanto
o “horizonte patriarcal da equidade e da inclusão” (BARRAGÁN, LANG
& CHÁVEZ, 2016), na medida em que assumem as diversidades raciais,
sexuais, de classe e de relação com a natureza com sua carga colonial, porém
construindo, a partir dessa consciência, caminhos de diálogo, transforma-
ção intersubjetiva, construção coletiva e de outra sociedade.

AS SOLUÇÕES (ECO)ESSENCIALISTAS PARA A VIOLÊNCIA


DE GÊNERO E A BIODIVERSIDADE

Instituições internacionais, como o Banco Mundial, adaptam a pro-


posta de proteção dos comuns para os interesses de mercado, transforman-
do-os em propriedade privada ou espaços privativos, como as reservas e
unidades de conservação, expulsando aqueles cujo modo de vida estava
baseado naquele território e permitindo o acesso apenas de quem possa
pagar, por exemplo via turismo (FEDERICI, 2014). Nessa perspectiva,
reunida no conceito guarda chuva de economia verde, através de manejos
empresariais, os comuns se tornam recursos naturais e as práticas que se
MULHERES E CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS
| 97

encaixam na lógica da conservação serviços ecossistêmicos.


Serviços ecossistêmicos consistem em uma categoria econômica apro-
priada pelo direito a fim de permitir que o meio ambiente, compreendido
de forma fracionada, em partes físicas vivas ou não vivas (plantas, animais,
minerais, água, solo) e de processos (sequestro de carbono, polinização)
que constituem um ecossistema, possua um valor de troca independente
do trabalho empregue. Por sua vez, ecossistema é conceituado pela Con-
ferência sobre Diversidade Biológica enquanto um “complexo dinâmico
de comunidades vegetais, animais e meio inorgânico que interagem como
uma unidade funcional” (BRASIL, 1994). Quando se trata de serviços
ecossistêmicos atrelados à biodiversidade a categoria econômica utilizada
consiste em “pagamento por serviços ambientais” (PSA). Publicação resul-
tante da parceria do Banco Mundial com a Secretaria do Meio Ambiente
do Estado de São Paulo, conceitua o pagamento por serviços ambientais
da seguinte forma:

Pagamento por Serviços Ambientais - PSA é um instrumento baseado no


mercado para financiamento da conservação que considera os princípios
do usuário-pagador e provedor-recebedor, pelos quais aqueles que se bene-
ficiam dos serviços ambientais (como os usuários de água limpa) devem
pagar por eles, e aqueles que contribuem para a geração desses serviços
(como os usuários de terra a montante) devem ser compensados (SÃO
PAULO, 2013)

A perspectiva que fundamenta a economia verde não desconhece


a desigualdade de gênero. O Banco Mundial (BM) possui um Manual
sobre Género en Agricultura (2012), que resulta do esforço da institui-
ção em reparar o fato de que apesar de grande parte dos agricultores do
terceiro mundo consistir em mulheres, muitas políticas e projetos de
desenvolvimento continuam presumindo que os trabalhadores rurais são
majoritariamente homens. Em Uganda, exemplo ilustrativo da África
subsaariana, 75% dos produtores rurais são mulheres. Por outro lado,
os direitos de propriedade das terras ainda são de titulação dos homens
que constam como proprietários de 70 a 90% das terras disponíveis na
América Latina, sendo que a África subsaariana apresenta padrão similar
(BANCO MUNDIAL, 2012).
Do mesmo modo, o BM entende que as questões de gênero devem
ser tratadas desde a perspectiva do desenvolvimento. Primeiro, porque a
98 | GÊNERO E INJUSTIÇAS SOCIOAMBIENTAIS: MULHERES GUARDIÃS DA BIODIVERSIDADE?

dimensão de gênero é crucial por razões econômicas, já que dados demons-


tram que maior igualdade de gênero gera mais eficiência. Segundo, porque
a equidade na distribuição de recursos interfere nos resultados do desen-
volvimento, de forma que a disparidade de condições entre homens e
mulheres afeta a percepção dos resultados do crescimento. E, finalmente,
porque a igualdade de gênero é um direito humano fundamental que tem
valor em si mesmo (BANCO MUNDIAL, 2012). Fica claro, da leitura do
manual, que aquilo que a instituição entende por desenvolvimento é cresci-
mento econômico, o que nesses moldes significa produção de mercadorias.  
A leitura da instituição não enfrenta, portanto, as razões dessa desi-
gualdade entre os gêneros, apenas a constata como empecilho à produ-
tividade. Dessa forma, a proposta do BM se resume, de alguma forma, a
tornar esses trabalhos feitos por mulheres mercadorias, e assim, incluí-las
no mercado. Mesmo sendo mercadoria, e assim, trabalho pago, continua
sendo um trabalho pouco valorizado na divisão internacional do trabalho,
ou seja, um trabalho menor e cujo valor não é posto por quem produz,
mas pelo mercado. É o que se observa com a commodization, a tendência
do capitalismo atual de transformar bens primários em commodities, ou
seja, bens cujo preço é decidido pelo mercado, que bem longe de ter mão
invisível, é controlado por mãos visíveis daqueles que detém o poder na
geografia do capitalismo.
A lógica do pagamento por serviços ambientais é exatamente esta,
incluir no mercado trabalhos ou serviços (transformaram a natureza numa
empresa terceirizada!) antes não considerados mercadorias. Programas
voltados a serviços locais de água são a forma mais comum de progra-
mas de PSA no Brasil (SÃO PAULO, 2013). Não há programa a nível
federal (embora, a Agência Nacional de Águas use o conceito em um de
seus programas, o “Programa Produtor de Água”) nem marco legislativo
nacional, no entanto, muitos estados da federação contam com iniciativas
de programas de PSA, bem como municípios.
O Estado do Acre, pioneiro no Brasil, possui um marco legislativo
de PSA que é modelo internacional e considerado um dos programas
mais avançados do mundo. Trata-se do Sistema de Incentivos aos Serviços
Ambientais (Sisa), lei de 2010, decorrente da experiência do programa
estadual Manejo Florestal Sustentável (MFS) financiado pelo BM. O
Sisa está amparado em todo um aparato institucional,  para viabilizar os
MULHERES E CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS
| 99

projetos de Redd+ (Redução das Emissões por Desmatamento e Degrada-


ção florestal; aumento das reservas florestais de carbono; gestão sustentável
das florestas e conservação florestal) e de PSA. A implementação dessas
políticas tem trazido insegurança territorial e jurídica para os povos e
comunidades tradicionais afetados por elas. As denúncias desses povos e
comunidades levaram a missão da Plataforma DHESCA à região, resul-
tando no Relatório do Direito Humano ao Meio Ambiente da Plataforma
DHESCA, intitulado Economia Verde, Povos das Florestas e Territórios:
violações de direitos no Estado do Acre (2015).
O relatório demonstra que embora essas políticas levem em con-
sideração os povos e comunidades tradicionais, isto se faz apenas para
que ganhem legitimidade. Os povos e comunidades tradicionais não são
ouvidos, não participam das decisões e não tem informação suficiente.
Portanto, vivem uma situação de insegurança, temendo que suas práticas
tradicionais sejam proibidas, como a extração do látex, em razão da con-
servação. Além do que, como a maioria vive em situação de irregularidade
fundiária, sentem-se ameaçados pelo fato de suas terras ganharem valor
de mercado. Mais ainda, diante das exigências das políticas, que impedem
muitas de suas atividades extrativas, se consideram pouco remunerados
(DHESCA, 2015). A passagem do relatório que segue evidencia a lógica
de funcionamento desses instrumentos:

Ao tornar-se mercadoria, a natureza (e sua conservação), é, primeiro,


dividida em entidades separadas e dissolvida em produtos, eliminando as
suas complexidades e as relações sociais daqueles que com ela interagem;
posteriormente, ela é inserida na lógica do mercado, apresentado como o
melhor mecanismo para “cuidar” de uso dos serviços ambientais prestados
pela natureza. Central nesta lógica é o argumento da escassez ecológica
que oculta os problemas relacionados com a desigualdade no acesso, uso
e apropriação material e simbólica do meio ambiente (DHESCA, 2015).

O relatório aponta a especial vulnerabilidade de mulheres e crianças


diante dos conflitos socioambientais causados pelas políticas da economia
verde, desde a carência de assistência de saúde e para coibição da violên-
cia doméstica, passando pela ameaça a seus modos de vida e organização
comunitária, e pelo risco de aumento da violência sexual (DHESCA,
2015).
Embora não haja políticas de economia verde no Brasil voltadas
100 | GÊNERO E INJUSTIÇAS SOCIOAMBIENTAIS: MULHERES GUARDIÃS DA BIODIVERSIDADE?

especialmente para as mulheres, percebe-se maior engajamento de mulhe-


res nas pautas que envolvem a luta socioambiental. Exemplo disso, foi o
fato da Marcha Mundial de Mulheres (MMM), tradicional movimento
feminista, ter organizado protesto durante a Rio+20 em frente a sede do
Banco Nacional de Desenvolvimento proclamando “machismo e capi-
talismo não são sustentáveis” (ALVAREZ, 2014). Em artigo resultante
de reflexões do projeto “Mulheres e Biodiversidade: plantas medicinais,
conhecimento e aprendizagem coletiva no Sul do Brasil”, Marques, Brolese
e Benvengnú (2014) a partir da aproximação de movimentos sociais (MST,
MPA, MMC) atestam como o engajamento de mulheres rurais entorno
de suas práticas tradicionais, o manejo de plantas medicinais, as levaram
a se engajar em lutas globais.
Isto, em parte, está relacionado com a inclusão da variável de gênero
nas políticas públicas para o meio rural, bem como com a penetração
do feminismo nos movimentos sociais tradicionais, como os de luta pela
terra. De todo modo, o que se apreende dessa análise é que mesmo que seja
celebrável o fato de as mulheres estarem ganhando espaço e voz política,
inclusive desde a valorização de seu trabalho, antes invisível, pouco se
alterou na concepção e distribuição dos papéis de gênero. É possível, como
fazem as autoras e autor, relacionar esse fato à atribuição do cuidado como
papel feminino (MARQUES, BROLESE & BENVENGNU, 2014, s/p.):

Assim, o cuidado supera a esfera familiar e, depois, a comunitária para


alcançar responsabilidades com o global, são elas que deverão guardar as
sementes, cuidar do planeta e imprimir outro ritmo ao desenvolvimento.
No entanto, a organização social familiar pouco muda (ou muda vagaro-
samente), e as mulheres assumem novas frentes, representadas pela vida
pública, mas seguem ‘comprometidas’ com a vida doméstica. Esta ‘dupla
jornada’ parece estar sobrecarregando as mulheres rurais, incorporando-as
em uma lógica de restrição de tempo e maior individualismo.

Análise semelhante é feita por Isabelle Guérin (2005), ao analisar


os impactos para as mulheres rurais do Senegal das políticas de microcré-
dito. Embora a autora considere louváveis as políticas que atuam a partir
da consideração da exclusão bancária das mulheres e propondo serviços
financeiros específicos e adequados, ela problematiza essas políticas tanto
pela desconsideração da heterogeneidade da categoria “mulheres” e da
diversidade de atividades realizadas pelas mulheres. Bem como, “Passa-se
MULHERES E CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS
| 101

rapidamente de ajudar as mulheres a resolver coletivamente seus proble-


mas para responsabilizá-las ainda mais, e aumentar assim o peso de suas
obrigações” (GUÉRIN, 2005, p. 180).
É a partir destas constatações, na vivência dos movimentos populares
e nos estudos que registram o papel das mulheres rurais no contexto das
lutas socioambientais que pensamos ser necessária uma crítica radical a
estratégias e políticas públicas que reafirmam e essencializam a mulher no
papel de cuidadora, e assim, de guardiã da biodiversidade, grande salvadora
da natureza. Mais uma vez, sobrecarregada.  

MULHERES GUARDIÃS DA BIODIVERSIDADE? CONSIDE-


RAÇÕES FINAIS

A modernidade engendra-se na pretensão de uma dicotomia homem-


-cultura versus mulher-natureza, que legitima o desenvolvimento do modo
de produção hegemônico e reafirma a lógica de uma verdade única, repre-
sentada pela violência e dominação contra outras culturas e povos tradi-
cionais, bem como pela desvalorização e invisibilidade do trabalho das
mulheres. As esferas de trabalho produtivo e reprodutivo são relacionadas
e dependentes. A hierarquização e desigualdade na inserção das mulheres,
especialmente as racializadas, nas relações de trabalho é fundamental ao
atual mercado de trabalho.
Mediante o reconhecimento do trabalho mediatizado pelo dinheiro,
o trabalho concreto de povos tradicionais e das mulheres sobre a natu-
reza, os quais são o princípio protetor e gerador da biodiversidade, não
é reconhecido, tidos como não-trabalhos, e por isso, seus resultados são
expropriados como se fossem parte de uma natureza “sem valor”, supe-
rexplorados e desvalorizados, o que incentiva seu desaparecimento e o
incremento da perda da biodiversidade.
Pela teoria econômica tradicional a natureza não possui valor, pois
se reproduz de forma sistemática e não dependente de trabalho produtivo
e ainda que possa possuir renda isso só ocorre com sua transformação em
terra nua e posteriormente em propriedade fundiária (MARÉS, 2003).
Entretanto, a partir do giro ambientalista, desde a proposta do desen-
volvimento sustentável a proposta da economia verde se consubstanciou
através do pagamento por serviços ecossistêmicos.
102 | GÊNERO E INJUSTIÇAS SOCIOAMBIENTAIS: MULHERES GUARDIÃS DA BIODIVERSIDADE?

Os trabalhos realizados sobremaneira pelas mulheres rurais sinte-


tizam as relações da vida com o território, por isso os conflitos socioam-
bientais, por afetarem o acesso ou o desenvolvimento dos citados trabalhos
no território, impactam principalmente as mulheres. Com amparo nas
correntes da economia feminista de ruptura, importante é reconhecer o
papel dos trabalhos de manutenção da vida, mas, para além disso, colocá-lo
como uma categoria central de análise. A mera integração dos trabalhos
com a casa e a reprodução não garante que deixe de ser tratados como
secundários e como responsabilidade apenas das mulheres, mais do que
isso é necessário entender as desigualdades, visibilizar as sujeitas mulheres,
modificar método, teoria e as práticas econômicas (BARRAGÁN, LANG
& CHÁVEZ, 2016).
A sociedade humana e o mundo são permeados pelas disputas sobre
bens comuns, que evidenciam lutas por visões de mundo e civilizações,
expressas pelo conflito entre apropriação privada para dominação de terri-
tórios e a reprodução baseada na partilha de recursos (FEDERICI, 2014).
Nesse contexto, há disputa entre uma perspectiva que enxerga os comuns
enquanto uma tendência funcional ao mercado, um capital fictício ou
portador de juros, importante para a dinâmica de reprodução geral de
capital, e outra concepção que pretende estruturar os comuns como a base
de uma economia não capitalista.
Dizer que as mulheres são “guardiãs da biodiversidade” e incenti-
var essa realidade, por exemplo, mediante programas de pagamento por
serviços ambientais prestados por mulheres na conservação da biodi-
versidade, reafirma papéis de gênero historicamente constituídos pelo
modelo patriarcal sexista, impondo injustamente às mulheres trabalhos
e responsabilidades que deveriam ser de todos. Defende-se a premência
em escapar de soluções jurídico-políticas de cunho essencialista e ressaltar
que as injustiças colocam as mulheres não no papel de vítimas, mas de
resistência na construção de uma realidade que potencializa a vida.

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O AGRO NÃO É POP (NEM FEMINISTA): REFLEXÕES
SOBRE O GOLPE DE 2016, O AUMENTO DO
USO DE AGROTÓXICOS NO BRASIL E AS SUAS
CONSEQUÊNCIAS PARA A SAÚDE DAS MULHERES

AGRO IS NOT POP (NEITHER FEMINIST): REFLECTIONS


ON THE COUP OF 2016, THE INCREASE OF THE
USE OF AGROCHEMICALS IN BRAZIL AND THEIR
CONSEQUENCES FOR WOMEN’S HEALTH

Isabelle Maria Campos Vasconcelos Chehab1

INTRODUÇÃO

No dia 31 de agosto de 2016, a presidenta Dilma Rousseff, democra-


ticamente eleita por um número superior a 54 milhões de votos válidos,
foi afastada do seu cargo por intermédio de um processo de impeach-
ment carregado de intercorrências e nulidades jurídicas. A bancada do
agronegócio, sob a justificativa de combate à corrupção e de defesa das
instituições democráticas, desempenhou um papel fundamental para a
articulação do seu impedimento, fazendo campanha ostensiva e votando
majoritariamente em desfavor da presidenta.
Nos bastidores da pós-democracia, o que se constata, entretanto, é
que o impedimento da presidenta Dilma trouxe um fôlego novo ao agrone-
gócio, garantindo-lhe uma série de concessões e flexibilidades normativas
para as suas atividades, especialmente no que diz respeito à produção,
utilização, circulação e comercialização dos agrotóxicos no Brasil.
Objetivamente, nos últimos dois anos foram ampliados em, pelo
menos, 40% os deferimentos de registros de agrotóxicos, assim como abre-
viados os prazos para sua análise pelos órgãos competentes. Ademais, no
dia 10 de janeiro de 2019, o atual governo brasileiro, por seu Ministério
da Agricultura, permitiu que “quarenta novos produtos comerciais com

1 Pós-doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Direito Agrário da Universidade


Federal de Goiás (PPGDA/UFG). Bolsista PNPD/CAPES. Professora permanente do
PPGDA/UFG. Doutora e Mestra em Direito Constitucional pela Universidade de For-
taleza (UNIFOR). Advogada.
Contato: ivchehab@gmail.com
108 | ODEAGRO NÃO É POP (NEM FEMINISTA): REFLEXÕES SOBRE O GOLPE DE 2016, O AUMENTO DO USO
AGROTÓXICOS NO BRASIL E AS SUAS CONSEQUÊNCIAS PARA A SAÚDE DAS MULHERES

agrotóxicos receberam permissão para chegar ao mercado nos próximos


dias”, além do “(...) registro de 28 agrotóxicos e princípios ativos.” (GRI-
GORI, 2019, ONLINE) Nesse contexto, é importante mencionar que:
“Dos 28 produtos já publicados, um é considerado extremamente tóxico,
o Metomil, ingrediente ativo usado em agrotóxicos indicados para cultu-
ras como algodão, batata, soja, couve e milho. Além dele, quatro foram
classificados como altamente tóxicos. Quase todos são perigosos para
o meio ambiente, segundo a classificação oficial. Quatorze são ‘muito
perigosos’ ao meio ambiente, e 12, considerados ‘perigosos’. (GRIGORI,
2019, ONLINE)
Tais danos ganham uma proporção mais ampla quando dizem res-
peito à saúde das mulheres. Explica-se. Estudos recentes realizados pela
Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, e pela Fundação Oswaldo
Cruz (FIOCRUZ), no Brasil, demonstram que a exposição sistemática
aos agrotóxicos causa maiores prejuízos à saúde e, em última instância, às
próprias vidas das mulheres.
Diante desse quadro, a reflexão central que aqui se apresenta é: qual a
real dimensão das interconexões entre o golpe 2016, o aumento do uso de
agrotóxicos no Brasil e as suas consequências para a saúde das mulheres?
Com esse propósito, dividiu-se o texto de forma a contemplar os
seguintes objetivos específicos: na sua primeira parte, apresentou-se um
panorama histórico sobre os agrotóxicos no Brasil; na segunda, declina-
ram-se as normas nacionais e internacionais referentes – direta ou indi-
retamente - à matéria; e, finalmente, na terceira, analisaram-se algumas
das principais interconexões entre o golpe de 2016, o aumento do uso
de agrotóxicos no Brasil e suas consequências para a saúde das mulheres.
No que tange à metodologia, aclara-se que esta pesquisa será dotada
de caráter bibliográfico interdisciplinar, na medida em que, conjugado à
doutrina jurídica, serão permeadas a Geografia, Sociologia, História e
Economia. Também, registra-se o seu cunho documental, pela utilização de
relatórios, dossiês, normativas e dados estatísticos. Ainda, deve ser enten-
dida como pesquisa aplicada, considerando o seu intuito de colaborar,
por meio dos dados aqui reunidos, para a construção de uma sociedade
capaz de reconhecer a magnitude e a inalienabilidade da vida e da saúde
da pessoa humana, em especial da mulher. Ademais, trata-se de ensaio
eminentemente qualitativo, dada a sua perspectiva de buscar compreender
MULHERES E CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS
| 109

o contexto do objeto investigado. Ainda, ressalta-se que, para a consecu-


ção dos objetivos arrolados, pretende-se utilizar dados estatísticos colhi-
dos junto ao atual Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento
(MAPA), além de arquivos, relatórios e registros disponíveis nos sítios da
Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO), da Organização
das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) e da ONU
MULHERES, conforme será explicitado nas linhas seguintes.

CONTEXTO HISTÓRICO DOS AGROTÓXICOS NO BRASIL

Os agrotóxicos, também conhecidos como defensivos, pesticidas e


praguicidas, passaram a ter uma relevância consistente para a agricultura,
a partir da II Guerra Mundial. Sob a promessa de controle das pragas e
de redução da fome, os agrotóxicos, valendo-se das suas mais diversas
substâncias, formatos e fabricantes, se espraiaram ao redor do mundo,
com destaque para os Estados Unidos e para a Europa. No Brasil, o ciclo
inicial dos agrotóxicos se deu na década de 60, sob a onda da Revolução
Verde2, que, não por coincidência, se coadunou e ganhou fôlego com a
proposta de crescimento econômico excludente e concentrador de riquezas
da ditadura civil-militar, deflagrada a partir do golpe civil-militar de 31
de março de 1964.3
2 A Revolução Verde se deu, sobretudo, entre os anos 60 e 70, com o fim de aumentar a
produtividade agrícola, por meio de produtos químicos, favorecendo as grandes empresas
e países, em detrimento da agricultura familiar de pequena escala. (SACHS, 2005, p. 31)
3 “Perfectibilizado, em 31 de março de 1964, pela tropa do general Olympio Mourão
Filho, da 4ª. Região Militar, que seguiu rumo ao Rio de Janeiro, no que fora apoiado pelo
II Exército, representado pelo general Amaury Kruel, sem que fosse debelado por qualquer
reação assertiva do governo constituído de João Goulart, quem, sob a justificativa de evitar
“uma guerra civil” (REIS, 2014, p. 44), voou do Rio de Janeiro para Brasília; depois, para
o Rio Grande do Sul; e de lá, para o Uruguai. (FARIAS, 2009, p. 13). Já a Presidência foi
declarada vacante em 2 de abril de 1964, quando João Goulart, ainda estava no Brasil, o
que contrariou o procedimento previsto no art. 79, da Constituição de 1946, então em
vigor, mas que, por outra banda, colaborou decisivamente para a estabilização do golpe
civil-militar e para a ditadura que lhe sucedeu. Na sequência, “o novo governo foi reconhe-
cido pelo presidente norte-americano, Lyndon Johnson, poucas horas após os governistas
tomarem o poder”. (BRASIL, 2014, p. 97). Nesse contexto, resta inconteste a deflagração
de um golpe civil-militar no Brasil, e não de uma “revolução”, como buscaram designar os
militares. Primeiramente, porque as forças armadas atuaram em sentido contrário à sua
finalidade de resguardo aos poderes constituídos, em específico, contra um Presidente
legitimamente eleito. Em segundo lugar, devido ao fato da Presidência ter sido declarada
vacante em 2 de abril de 1964, quando o então Presidente João Goulart, ainda estava em
território nacional, ferindo, assim, a Constituição vigente. Ainda, porque não foi um
110 | ODEAGRO NÃO É POP (NEM FEMINISTA): REFLEXÕES SOBRE O GOLPE DE 2016, O AUMENTO DO USO
AGROTÓXICOS NO BRASIL E AS SUAS CONSEQUÊNCIAS PARA A SAÚDE DAS MULHERES

Nesses termos, é importante explicitar que a escolha para a introdu-


ção e, posteriormente, para a massificação dos agrotóxicos em território
brasileiro não foi apenas de matriz econômica, mas foi também política,
uma vez que tais produtos – direta ou indiretamente – poderiam colaborar
para a política ditatorial de homogeneização agrícola e controle instru-
mental dos movimentos e sujeitos do campo. No que concerne ao critério
da homogeneização, basta lembrar que os grandes espaços monocultores
se não foram criados neste período, de fato, seguem com o nosso modelo
de colonização por Portugal (GALEANO, 2014, p. 88-89), receberam
da ditadura um relevante incremento, inclusive financeiro, por meio dos
créditos rurais, explicitamente direcionados para tal objetivo. Já no que se
refere ao controle dos movimentos e sujeitos do campo, é curial mencionar
que um dos principais espaços de resistência à ditadura civil-militar foi
o ambiente rural, especialmente, por intermédio das Ligas Camponesas4
e dos seus militantes (BRASIL, 2014, p. 112), a exemplo de Francisco
Julião,5 já constante na primeira lista de políticos cassados pela junta
militar. Por semelhante modo, convém sublinhar que as Ligas não foi o
único movimento de resistência rural, tampouco o que exclusivamente
sofreu com as práticas e políticas repressivas da ditadura civil-militar. Por
movimento deflagrado pelo povo, mas instituído a partir das elites e para a manutenção
dos seus privilégios.” (CHEHAB, 2015, p. 28)
4 As Ligas Camponesas foi um dos movimentos mais atuantes no âmbito rural brasileiro.
Com duração breve, entre 1955 e 1964, alcançou em torno de 80 mil filiados. (MORAIS,
2006, p. 66-67) Desempenhou um papel importante na primeira resistência ao golpe de
1964, quando foi violentamente reprimida.
5 De acordo com o Relatório final da CNV (BRASIL, 2014, p. 117), “Francisco Julião,
advogado das Ligas Camponesas. Francisco Julião Arruda de Paula nasceu em 1915, filho de
uma família de latifundiários. Formou-se em Direito em 1939. A partir de 1940, começou
a defender os camponeses, sem cobrar pelos seus serviços de advogado. Quando pegou a
causa da Sociedade Agrícola de Plantadores e Pecuaristas de Pernambuco (SAPPP), no
engenho Galileia, em Vitória de Santo Antão, em 1955, acabara de se eleger para deputado
estadual pelo estado de Pernambuco, pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB). Envolveu-se
de tal forma na defesa dos direitos dos lavradores da Galileia que se tornou o líder das
Ligas Camponesas. Era tido pelos latifundiários como o ‘Anticristo’, a Besta do Apocalipse.
Em 1956, chegou a ser preso na sede da Liga pelo capitão Jesus Jardim de Sá, delegado
de polícia de Vitória de Santo Antão, mas foi logo solto por ter imunidade parlamentar.
Esteve à frente das marchas de camponeses em Recife, em 1957, no dia do trabalhador,
que reuniu cerca de 600 lavradores, bem como no I Congresso Estadual de Camponeses de
Pernambuco, em outra marcha com 3.000 foreiros pelas ruas da capital. Em 1958, Julião
foi reeleito pelo PSB, chegou a visitar Cuba, acompanhado do presidente Jânio Quadros,
em 1961, e a partir daí passou a adotar o slogan: ‘Reforma Agrária na lei ou na marra’. Foi
eleito para deputado federal por Pernambuco, em 1962, mas teve o mandato cassado por
ocasião do golpe civil-militar de 1964, sofreu perseguições, foi preso e libertado em 1965.”
MULHERES E CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS
| 111

sua vez, a política da ditadura civil-militar para com as comunidades cam-


pesinas foi, no mínimo, dúbia. Inicialmente, a proposta ditatorial foi de
extermínio, o que, em grande medida, se aperfeiçoou e estendeu geogra-
ficamente ao longo da sua existência de 21 anos, atingindo em torno de
1.196 camponeses, entre mortos e/ou desaparecidos pela repressão. (BRA-
SIL, 2014, p. 25). Por outra banda, a ditadura tentou angariar alguma
simpatia do campesinato ao estabelecer institutos, benefícios e normativas
com o suposto fulcro de promoção de direitos, a exemplo do crédito rural,
do benefício rural e do Estatuto da Terra (Lei n. 4.504/64). Para fins de
controle, os agrotóxicos eram oferecidos aos agricultores sob a rubrica
de “remédios”, que deveriam ser utilizados para o combate das pragas nas
plantações, mas que, em contrapartida, demandavam acompanhamento
técnico governamental e/ou externo, leia-se: monitoramento, cuja preten-
são não se limitava ao acesso e à verificação dos resultados agrícolas, mas
também daqueles que ali estavam, como se posicionavam politicamente
e com quem se aliavam.
Com o advento da redemocratização, acompanhou-se um movi-
mento temporariamente em sentido inverso, tendo em vista que a crise
econômica instalada no Brasil alcançava, também, os investimentos agrí-
colas, assim como, a partir de então, iniciava-se, mesmo que timidamente,
um processo de reconhecimento e de preservação do meio ambiente, que
se fez culminar com a promulgação da Constituição Federal de 1988,
notadamente por meio do caput do seu art. 225, o qual estabeleceu: “Todos
têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso
comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao
Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as
presentes e futuras gerações.” Ao que foi complementado, sobre a temática
em liça, pelo seu parágrafo 1º., inciso V, a saber: “§ 1º Para assegurar a
efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: V - controlar a pro-
dução, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias
que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente”
A despeito dos esforços envidados pelos ambientalistas, nacionais
e estrangeiros, inclusive, com o reforço da assinatura e da internalização
de tratados internacionais, acerca dos quais será discorrido no próximo
tópico, os anos 2000 são inaugurados com uma agressiva retomada dos
fabricantes de agrotóxicos em relação ao mercado latino, com ressalte para
112 | ODEAGRO NÃO É POP (NEM FEMINISTA): REFLEXÕES SOBRE O GOLPE DE 2016, O AUMENTO DO USO
AGROTÓXICOS NO BRASIL E AS SUAS CONSEQUÊNCIAS PARA A SAÚDE DAS MULHERES

o brasileiro. Entre as suas mais diversas justificativas, ali se apresentavam


antigas e novas ideias para a sua aquisição, que podem ser exemplificadas:
pela propaganda de combate à fome e à miséria nos países em desenvolvi-
mento do Sul; pela promessa de aumento quantitativo e exponencial da
produção agrícola monocultora; pela constante proposta de alavancar a
economia local para contornos mundiais e pelos potenciais lucros por
meio de produtos já presentes na nossa cultura brasileira, a partir da faci-
litação do uso dos agrotóxicos e da redução da mão de obra campesina.
Ou, dizendo de outro modo: ampliar os lucros por meio de uma nova e
maior exploração do trabalho – e da saúde - dos camponeses, agora, sob
a batuta dos agrotóxicos.
A partir de 2010, era notória a inclusão do tema agrotóxicos na
agenda política e econômica brasileira, assim como o consequente
aumento da sua liberação e do seu uso nas plantações de larga e média
escala. Objetivamente, no final de 2010, esse número já alcançava a ordem
de 104 substâncias agrotóxicas. Passados cinco anos, portanto, em 2015,
beneficiados por um controle governamental frágil e diminuto e por “(...)
políticas públicas manifestamente favoráveis à criação desse mercado con-
sumidor” (SOUZA, 2018, p. 55), os agrotóxicos tiveram um incremento
de mais de 30%, sendo liberadas 139 substâncias para uso, circulação e
comercialização. Atingiram, contudo, o seu ápice, em 2018, pós-golpe
da Presidenta Dilma Rousseff, quando 450 novas substâncias agrotóxi-
cas foram liberadas em solos brasileiros, trazendo um impacto ao meio
ambiente e à saúde pública e individual, até agora, não criteriosamente
dimensionados, uma vez que há um múltiplo contato e acesso a diversos
produtos químicos, em sua grande maioria, bastante tóxicos, os quais,
pela sua magnitude, podem engendrar prejuízos gradualmente letais aos
seres humanos.
Mais recentemente, a situação piorou, em proporções assustadoras,
com o advento do governo Bolsonaro, o qual, entre janeiro e maio de 2019,
fundado numa ampla desregulamentação e frente de apoio ao agronegócio,
facilitou a liberação de 169 agrotóxicos em território nacional, o que se
traduz, conforme dados do Greenpeace e da ABRASCO, no aumento de
922%, se comparados com os números registrados para o ano de 2010.
Ademais, deve ser salientado que desses 169 agrotóxicos já liberados pelo
atual governo federal, 48% são alta ou extremamente tóxicos, inclusive,
MULHERES E CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS
| 113

25% deles, em razão do intenso grau de toxicidade, não têm sua entrada
permitida na União Europeia.

DAS NORMATIVAS INTERNACIONAIS E NACIONAIS REFE-


RENTES À MATÉRIA

No plano internacional, uma gama de instrumentos normativos


reforça a defesa e a promoção do direito à saúde e à vida, podendo ser
enfatizados, entre outros, os dispositivos constantes da Declaração Univer-
sal de Direitos Humanos (DUDH), de 1948, reconhecida, nas palavras de
Fábio Konder Comparato (2008, p. 226), como “ (...) uma recomendação
que a Assembleia Geral das Nações Unidas faz aos seus membros (Carta
das Nações Unidas, artigo 10)”, a saber:

Art. 3º – Todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança


pessoal
[...]
Art. 25, 1 – Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de
assegurar-lhe, e a sua família, saúde e bem-estar, inclusive alimentação,
vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis.

Por sua vez, o intitulado Pacto Internacional sobre Direitos Civis e


Políticos (PIDCP), adotado, pela Assembleia Geral das Nações Unidas,
em 16 de dezembro de 1966, estabelece, entre outros direitos, que: “Art.
6º, 1 – “O direito à vida é inerente à pessoa humana. Esse direito deverá
ser protegido pela lei. Ninguém poderá ser arbitrariamente privado de sua
vida”, cujo inteiro teor se aplica diretamente ao ora exposto.
Já o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Cultu-
rais (PIDesc), adotado na mesma data que o PIDCP pela Assembleia Geral
das Nações Unidas, mas tendo por foco específico a defesa e a promoção
dos direitos de cunho econômico, social e cultural, determina que:

Artigo 11, 1 – Os Estados Partes do presente Pacto reconhecem o direito


de toda pessoa a um nível de vida adequando para si próprio e sua família,
inclusive à alimentação, vestimenta e moradia adequadas, assim como a uma
melhoria continua de suas condições de vida. Os Estados Partes tomarão
medidas apropriadas para assegurar a consecução desse direito, reconhe-
cendo, nesse sentido, a importância essencial da cooperação internacional
fundada no livre consentimento,
114 | ODEAGRO NÃO É POP (NEM FEMINISTA): REFLEXÕES SOBRE O GOLPE DE 2016, O AUMENTO DO USO
AGROTÓXICOS NO BRASIL E AS SUAS CONSEQUÊNCIAS PARA A SAÚDE DAS MULHERES

art. 12 – Os Estados Partes do presente Pacto reconhecem o direito de toda


pessoa de desfrutar o mais elevado nível possível de saúde física e mental.

Por seu turno, a Convenção Americana de Direitos Humanos, tam-


bém conhecida como Pacto de San José da Costa Rica, porque “aprovada
na Conferência de São José da Costa Rica em 22 de novembro de 1969,
(...) reproduz a maior parte das declarações de direitos constantes do Pacto
Internacional de Direitos Civis e Políticos de 1966” (COMPARATO,
2008, p. 367). A diferença fulcral entre ambos, entretanto, se dá em relação
à extensão da sua aplicabilidade, qual seja, para os países pertencentes à
Organização dos Estados Americanos (OEA). Especificamente em relação
à temática, assim dispõe:

Art. 4º. – Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito
deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção.
Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente.
[...]
Art. 26 – Os Estados Partes comprometem-se a adotar providências, tanto
no âmbito interno como mediante cooperação internacional, especialmente
econômica e técnica, a fim de conseguir progressivamente a plena efeti-
vidade dos direitos que decorrem das normas econômicas, sociais e sobre
educação, ciência e cultura, constantes da Carta da Organização dos Esta-
dos Americanos, reformada pelo Protocolo de Buenos Aires, na medida dos
recursos disponíveis, por via legislativa ou por outros meios apropriados.

Em particular, no que concerne às mulheres, merece ser declinada,


entre outros documentos internacionais, a Convenção sobre a Elimi-
nação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, adotada,
pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, na data de 18
de dezembro de 1979, com o objetivo de institucionalizar mecanismos
normativos na seara internacional para lidar e enfrentar a discriminação
cotidiana e estrutural contra a mulher. Dali depreende-se, para fins de
proteção do direito à saúde, o seguinte dispositivo: “Art. 11, f – “O direito
à proteção da saúde e à segurança nas condições de trabalho, inclusive a
salvaguarda da função de reprodução. ”
Outro documento de grande valia para a reafirmação e promoção do
direito das mulheres é a Declaração e Programa de Ação de Viena, ado-
tada em 1993, com o firme fundamento de, entre outros objetivos, “(...)
reafirmar a fé nos direitos humanos fundamentais, na dignidade e valor
MULHERES E CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS
| 115

da pessoa humana e nos direitos iguais de homens e mulheres das nações


grandes e pequenas” (ONU, 1993, ONLINE), dispondo no seu Art. 18
– “os direitos humanos das mulheres e das meninas são inalienáveis e
constituem parte integrante e indivisível dos direitos humanos universais”
e, em última instância, projetando sua paridade para o reconhecimento e
para a concretização dos direitos humanos.
Nessa mesma toada, convém mencionar a Convenção Interamericana
para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, adotada em
9 de junho de 1994, por ocasião do 24º. Período Ordinário de Sessões
da Assembleia Geral, na cidade brasileira de Belém, no estado do Pará,
tendo explicitado, de modo inequívoco que: “(...) a violência contra a
mulher constitui violação dos direitos humanos e liberdades fundamen-
tais e limita total ou parcialmente a observância, gozo e exercício de tais
direitos e liberdades.” (ONU, 1994, ONLINE) Acerca da temática em
análise, arrola, entre outros, os seguintes dispositivos:

Art. 4º- “Toda mulher tem direito ao reconhecimento, desfrute, exercício e


proteção de todos os direitos humanos e liberdades consagrados em todos
os instrumentos regionais e internacionais relativos aos direitos humanos.
Estes direitos abrangem, entre outros: a) direito a que se respeite sua vida;
b) direitos a que se respeite sua integridade física, mental e moral (...);

Ainda, é curial ressaltar o mérito da Declaração e Plataforma de Ação


da IV Conferência Mundial sobre a Mulher, de 1995, assinada em Beijing,
que estabeleceu, com riqueza de detalhes, sobre a proteção do direito das
mulheres, da sua saúde e do meio ambiente, senão vejamos:

Art. 17 - “ O reconhecimento explícito e a reafirmação do direito de todas


as mulheres de controlarem todos os aspectos de sua saúde em especial o
de sua própria fertilidade, é essencial ao seu empoderamento”
[...]
Art. 34. “A incessante degradação do meio ambiente, que afeta todos os
seres humanos, parece ter uma repercussão mais direta sobre as mulhe-
res. A saúde e as condições de vida das mulheres vêem-se ameaçadas pela
contaminação e pelos resíduos tóxicos, pelo desflorestamento em grande
escala, pela desertificação, pela seca e o esgotamento dos solos e dos recursos
litorâneos e marinhos, como indica a incidência cada vez maior, registrada
em mulheres e meninas, de problemas de saúde e falecimentos relacionados
com o meio ambiente. As mulheres que moram nas zonas rurais e indígenas,
cujas condições de vida e subsistência diária dependem diretamente de
116 | ODEAGRO NÃO É POP (NEM FEMINISTA): REFLEXÕES SOBRE O GOLPE DE 2016, O AUMENTO DO USO
AGROTÓXICOS NO BRASIL E AS SUAS CONSEQUÊNCIAS PARA A SAÚDE DAS MULHERES

ecossistemas sustentáveis, são as mais afetadas.”

Já no âmbito interno, não pode ser desconsiderado o principal ele-


mento norteador da Constituição Federal de 1988, qual seja, o princípio
da dignidade da pessoa humana, alçado, pelo constituinte originário, à
condição de vetor central para análise, interpretação e aplicação das normas
fundamentais, a saber:

Art. 1º. – A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel


dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado
Democrático de Direito e tem como fundamentos:
[...]
III - a dignidade da pessoa humana. (grifou-se)

Por semelhante modo, tem-se por significativo fruto da Constituição


Federal de 1988 a inclusão formal dos direitos sociais no catálogo dos
direitos fundamentais, que, em última instância, pode vir a concorrer
diretamente para sua apreciação e, consideradas as circunstâncias particu-
lares do caso, para sua prioritária aplicação, consoante explicitado abaixo:

Art. 6º - São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o


trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência
social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência
aos desamparados, na forma desta Constituição.
(grifou-se)

Igualmente, devem ser rememorados os objetivos firmados pelo


constituinte originário no que concerne ao meio ambiente, aliados às
atribuições estabelecidas ao Poder Público para a sua implementação,
senão vejamos:

Art. 225 - Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equili-


brado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida,
impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e
preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
[...]
V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas,
métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade
de vida e o meio ambiente; (grifou-se).
MULHERES E CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS
| 117

Ainda, na seara infraconstitucional, convém destacar, por sua cen-


tralidade à temática, a Lei n. 7.802, de 11 de julho de 1989, conhecida
como Lei dos Agrotóxicos, alterada pela Lei n. 9.974, de 6 de junho de
2000 e regulamentada pelo Decreto n. 4.074, de 4 de janeiro de 2002, por
meio da qual tem-se a definição de tais substâncias, em seu art. 2º., inciso
I, alínea a, como sendo: “os produtos e os agentes de processos físicos,
químicos ou biológicos, destinados ao uso nos setores de produção, no
armazenamento e beneficiamento de produtos agrícolas, nas pastagens,
na proteção de florestas, nativas ou implantadas, e de outros ecossistemas
(...).” Igualmente, esclarece que a suposta finalidade dos agrotóxicos é:
“(...) alterar a composição da flora ou da fauna, a fim de preservá-las da
ação danosa de seres vivos considerados nocivos”
Nesses termos, é primordial também sublinhar o Decreto n. 4.074,
de 4 de janeiro de 2002, da lavra do então presidente Fernando Henrique
Cardoso, o qual, conforme a sua própria ementa, tem por condão regula-
mentar a Lei no 7.802, de 11 de julho de 1989, no sentido de dispor sobre:

(...) pesquisa, a experimentação, a produção, a embalagem e rotulagem,


o transporte, o armazenamento, a comercialização, a propaganda comer-
cial, a utilização, a importação, a exportação, o destino final dos resíduos e
embalagens, o registro, a classificação, o controle, a inspeção e a fiscalização
de agrotóxicos, seus componentes e afins.

Ademais, coube ao mesmo texto normativo, do Decreto n.


4.074/2002, estender a definição firmada sobre os agrotóxicos e, conse-
quentemente, o seu eventual alcance, por intermédio do qual foi indicada
como:

Art. 1º. Para os efeitos deste Decreto, entende-se por:


[...]
IV - agrotóxicos e afins - produtos e agentes de processos físicos, químicos
ou biológicos, destinados ao uso nos setores de produção, no armazena-
mento e beneficiamento de produtos agrícolas, nas pastagens, na proteção
de florestas, nativas ou plantadas, e de outros ecossistemas e de ambientes
urbanos, hídricos e industriais, cuja finalidade seja alterar a composição
da flora ou da fauna, a fim de preservá-las da ação danosa de seres vivos
considerados nocivos, bem como as substâncias e produtos empregados
como desfolhantes, dessecantes, estimuladores e inibidores de crescimento;

Observa-se, portanto, que para cada uma das temáticas aqui


118 | ODEAGRO NÃO É POP (NEM FEMINISTA): REFLEXÕES SOBRE O GOLPE DE 2016, O AUMENTO DO USO
AGROTÓXICOS NO BRASIL E AS SUAS CONSEQUÊNCIAS PARA A SAÚDE DAS MULHERES

dissertadas e interconectadas, tem-se uma vasta quantidade de normativas


no plano nacional e internacional aptas a colaborar para a defesa, promo-
ção e controle do direito à saúde, à vida e ao meio ambiente equilibrado,
podendo funcionar como anteparos efetivos, a depender do seu manejo,
enquanto política pública, ato administrativo ou judicial, para prevenção
e repressão de eventuais danos – diretos e/ou indiretos - provocados pela
circulação e utilização dos agrotóxicos em território brasileiro.

DAS PRINCIPAIS INTERCONEXÕES ENTRE O GOLPE DE


2016, O AUMENTO DO USO DE AGROTÓXICOS NO BRASIL
E SUAS CONSEQUÊNCIAS PARA A SAÚDE DAS MULHERES

A presidenta Dilma Rousseff foi destituída por um golpe parlamen-


tar-judicial-midiático orquestrado a partir da sua própria eleição em outu-
bro de 2014, que culminou com o seu afastamento definitivo pelo Senado
Federal, em 31 de agosto de 2016. Tal golpe guardou estreitos vínculos
com os ditames da pós-democracia, representada pela centralidade da
lógica mercantil e pelo desapreço aos direitos humanos e à democracia
substancial. (CASARA, 2017, p. 23) Tendo sido as elites dirigentes nacio-
nais os principais atores, emboras que não exclusivos, para a defenestração
da presidenta Dilma. Contudo, como bem frisou Tarso Genro (2016, p.
390), para tal público, que, em sua grande maioria, fez uso de expedientes
controversos para o convencimento dos demais setores da população sobre
a necessidade do impeachment, pouco importou as “filigranas” jurídicas
referentes ao processo, mas, apenas, a retomada da “(...) hegemonia e o con-
trole político do Estado”, para a restauração dos seus privilégios históricos.
Nesse contexto, a bancada legislativa federal e o lobby do agronegócio
– nacional e estrangeiro – caminharam de mãos dadas com os intentos
das elites dirigentes, dos grandes rentistas estrangeiros e das transnacionais
monopolizadoras de grãos, como a Bunge, Monsanto, Cargill, Dreyfys e
ADM (PERICÁS, 2016, p. 101), conseguindo mobilizar em torno de si
muitos dos que queriam a destituição da presidenta eleita, e, consequen-
temente, canalizar e promover meios do campo político e econômico
para tal expediente.
Com o advento do golpe, o ambiente se tornou deveras propício
para o agronegócio, o que lhe facilitou o diálogo com o novo governo e a
MULHERES E CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS
| 119

submissão de um pretenso projeto de desenvolvimento ao então presidente


Temer, com a seguinte roupagem:

(...) Os ruralistas, através do Instituto Pensar Agropecuária e da Frente


Parlamentar Agropecuária, apresentaram o documento Pauta positiva biê-
nio 2016-2017, com medidas visando a ‘retomada do desenvolvimento
econômico’ e que passam ‘ pela garantia da ordem pública e da segurança
jurídica’ e pela ‘melhoria do ambiente de negócios’! Vale dizer que os ter-
mos ‘ trabalhadores rurais’, ‘ reforma agrária’ e ‘ movimentos sociais’ não
são citados na proposta.

Verifica-se, pois, que a intitulada Pauta positiva trouxe consigo não,


apenas, uma tendência de retrocesso, no panorama dos conflitos agrá-
rios, mas sinalizou claramente acerca do seu principal objetivo para com
os sujeitos rurais e comunidades tradicionais, a saber: promover a sua
invisibilização. Tal afirmativa resta inconteste ao se observar o silêncio
ensurdecedor sobre essa temática por todo o documento, como também
no que tange às demais propostas que serão ventiladas pelo agronegócio e
consentidas pelos governos Temer e Bolsonaro, com destaque para a valori-
zação da monocultura exportadora em detrimento da agricultura familiar,
até a presente data, a grande responsável pelo abastecimento nacional6 .
Especificamente em relação aos agrotóxicos, merece ser dito que,
consoante o sítio oficial do atual Ministério da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento (MAPA), tem-se por definição: “também são considerados
agrotóxicos as substâncias e produtos empregados como desfolhantes,
dessecantes, estimuladores e inibidores de crescimento.” Ou seja, o próprio
MAPA reconhece que os agrotóxicos provocam uma série de mutações
aos organismos em geral e ao meio ambiente, sobretudo se utilizados em
larga escala e indiscriminadamente, tal qual ocorre no Brasil.
Em termos práticos, de acordo com pesquisa levada a cabo pela Asso-
ciação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO), que deu ensejo ao Dos-
siê Científico e Técnico contra o Projeto da Lei do Veneno n. 6.299/2002
(2018, p.39), “(...) o Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos e, em
dez anos, o mercado brasileiro de agrotóxicos cresceu 190%. ” Estima-se,
portanto, que o consumo – direto ou indireto – de agrotóxicos no Brasil
alberga algo em torno de 20% da média mundial, ou seja, de maneira mais
6 De acordo com dados do IBGE, a agricultura familiar brasileira produz, pelo menos,
70% do feijão nacional; 87% da mandioca; 60% da produção do leite e 59% dos suínos.
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AGROTÓXICOS NO BRASIL E AS SUAS CONSEQUÊNCIAS PARA A SAÚDE DAS MULHERES

clara: “o Brasil consome 20% de todo o agrotóxico comercializado no


mundo”. (BOMBARDI, 2017, p. 35) Como consequência dessa exposição
aos agrotóxicos, o mencionado Dossiê Científico e Técnico da ABRASCO
(2018, p. 39) aponta como possíveis prejuízos à saúde: “intoxicações crô-
nicas, caracterizadas por infertilidade, impotência, abortos, malformações,
neurotoxicidade, manifestada através de distúrbios cognitivos e compor-
tamentais e quadros de neuropatia e desregulação hormonal, ocorrendo
também em adolescentes (...).” (ABRASCO, 2018, p. 39)
Nessa senda, se observados os efeitos dos agrotóxicos, a partir do
viés da saúde das mulheres, verifica-se um verdadeiro problema de saúde
pública no Brasil, uma vez que são elas que têm maior propensão à infer-
tilidade e desregulação hormonal. São as mulheres, também, as únicas
submetidas aos eventuais abortos e aos cânceres da mama, do útero e do
ovário provocados pela exposição massificada e/ou múltipla aos agrotóxi-
cos, conforme pesquisa da Endocrine Society. Igualmente, são as mulheres
quem geralmente sofrem os maiores danos -simbólicos e afetivos- relacio-
nados às malformações e intoxicações crônicas dos seus filhos bebês e/ou
em idade infantil. Ainda, são as mulheres quem têm as maiores possibili-
dades de intoxicação cruzada por agrotóxicos, tendo em vista que, se forem
trabalhadoras rurais, podem ser objeto de exposição direta e, na sequência,
via de regra, sendo as principais responsáveis pelas atividades domésticas,
podem ser alvo de exposição indireta, por intermédio das atividades de
limpeza e lavagem de resíduos de agrotóxicos no ambiente familiar. Por
derradeiro, são as mulheres que, normalmente, gozam de um menor acesso
a políticas públicas especializadas e de uma assistência médica precária
para as suas demandas mais comezinhas relacionadas à saúde, insuficientes,
inclusive, para, no mais das vezes, informar, prevenir e/ou tratar doenças
advindas da massificação, exposição, utilização e circulação de agrotóxicos.
Finalmente, são as mulheres quem têm as menores oportunidades de enga-
jamento nos movimentos sociais e grupos de controle social, convivência e
esclarecimentos em geral, devido, sobretudo, às suas exaustivas e múltiplas
jornadas domésticas e, se for o caso, profissionais, além das persistentes
teias misóginas e dinâmicas excludentes na/da sociedade- seja no contexto
urbano ou rural.
Como se não bastasse, estudos recentes da Federação Internacio-
nal de Ginecologia e Obstetrícia dão conta que: “ A ampla exposição a
MULHERES E CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS
| 121

produtos químicos tóxicos ambientais ameaça a reprodução humana sau-


dável”. Dito de outro modo: se não houver uma mudança severa nas nor-
mativas permissivas que embalam a exposição e a circulação de agrotóxicos
no território nacional, corre-se o risco efetivo das próximas gerações de
mães e filhos terem a sua saúde – física e psicossocial - diretamente afetada,
inclusive, com a possibilidade real de prejuízo à sobrevivência humana,
a começar, por questões óbvias, pela extirpação das vidas de mulheres.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considerando todos os argumentos trazidos à baila no curso do


presente, pode ser concluído que os agrotóxicos são substâncias que
demandam cuidados específicos para a sua manipulação, uso, circulação
e comercialização, os quais, em regra, têm sido desobedecidos, de maneira
sistemática, histórica e progressiva, pelos governos brasileiros.
Não pode ser olvidado acerca do agravamento das circunstâncias
quanto à franca massificação, parca regulamentação e crescente omissão
do governo para com o uso de agrotóxicos, principalmente, a partir do
golpe de 2016, quando grupos e governantes relacionados ao agronegócio
e aos rentistas em geral retomaram ao poder central brasileiro, o que gerou
mais vulnerabilidade para àqueles que – direta ou indiretamente – são
impactados com a sua exposição, notadamente para a saúde e, em última
instância, para a própria vida das mulheres.
Ainda, sobre as mulheres, convém esclarecer que os danos contra
si são mais severos, em razão da vinculação direta da alta toxicidade de
algumas substâncias agrotóxicas com a propagação de doenças específicas
em face do público feminino, a exemplo de diversos tipos de câncer, como
de útero, ovário e mama, além de casos crescentes na literatura médica e
nas amostragens de institutos de pesquisas, nacionais e estrangeiros, acerca
da infertilidade e desregulação hormonal.
Nesses termos, conclui-se como essencial a organização de movimen-
tos de controle social em face das mais diversas esferas de governo, para
fins de monitoramento do uso, circulação e exposição dos agrotóxicos
no Brasil, especialmente em relação às mulheres, como forma de romper
com o ciclo vicioso de doenças e demais prejuízos que lhes foram impostos
por essas substâncias agrotóxicas e, simultaneamente, refletir sobre novos
122 | ODEAGRO NÃO É POP (NEM FEMINISTA): REFLEXÕES SOBRE O GOLPE DE 2016, O AUMENTO DO USO
AGROTÓXICOS NO BRASIL E AS SUAS CONSEQUÊNCIAS PARA A SAÚDE DAS MULHERES

modelos de desenvolvimento que inspire vida – e não morte – para os


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a importação, a exportação, o destino final dos resíduos e embalagens, o
registro, a classificação, o controle, a inspeção e a fiscalização de agrotóxi-
cos, seus componentes e afins, e dá outras providências. Disponível em:
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O CONCEITO DE ECOFEMINISMO COMO SUBSÍDIO
PARA A FORMAÇÃO DE UMA COOPERATIVA DE
MULHERES RURAIS EM SÃO JOSÉ DOS PINHAIS:
UMA PROPOSTA DE POLÍTICA PÚBLICA

THE CONCEPT OF ECOFEMINISM AS GROUNDS


TO THE FORMATION OF A WORKER-OWNED
RURAL WOMEN COMMUNITY IN SÃO JOSÉ DOS
PINHAIS: A PUBLIC POLICY PROPOSAL

Bruna Dos Santos Furtado1

INTRODUÇÃO

Atualmente o consumismo vem assumindo um papel muito pecu-


liar na nossa sociedade, principalmente no ocidente, onde o índice de
consumo é crescente. A justificativa mais usada para esse problema é o
fato de que somos aquilo que temos e isso influencia fortemente no nosso
comportamento e no nível de aceitação que recebemos na sociedade. Mas,
vem crescendo de maneira brusca os movimentos anticonsumismo, que
apresentam “novas” formas de se consumir, ficou popularmente conhecido
como consumo ecológico, consciente, verde, ético e político.
Esses movimentos conhecidos por diferentes nomenclaturas têm
objetivos simples e claros que são de suma importância: a preocupação
com as ações do indivíduo de consumo e papel do mesmo na proteção
socioambiental. Logo, consumir de forma consciente e sustentável faz-se
necessário para a preservação do meio em que vivemos. Deste modo, neces-
sita-se assumir uma posição frente a sociedade. E ainda, com a crescente
onda do ‘ecologês’ dentro das relações de consumo e a forma com que nos
relacionamos, nos chama a pensar em políticas públicas sustentáveis, um
novo paradigma na visão humanística.
Nesta linha de raciocínio, pretende-se afunilar e explanar sobre o
município de São José dos Pinhais, cujo maior parte do território é deno-
minado como área rural, setenta por cento, contando com seis colônias.

1 Graduanda em direito pela Faculdade da Indústria – IEL.


Contato: brunafurtado2012@gmail.com
126 | OMULHERES
CONCEITO DE ECOFEMINISMO COMO SUBSÍDIO PARA A FORMAÇÃO DE UMA COOPERATIVA DE
RURAIS EM SÃO JOSÉ DOS PINHAIS: UMA PROPOSTA DE POLÍTICA PÚBLICA

As colônias são-joseenses são de formações distintas, mas, contudo, ainda


configuram como populações tradicionais, que possuem um conhecimento
tradicional associado sobre seu território, bem como o exploram de forma
sustentável e ainda preservam suas tradições culturais.
Restringindo o enfoque da pesquisa, nos deparamos com as mulheres
campestres são-joseense, nosso ponto central. Será por meio da análise
da situação social dessas que se pretende, com embasamento no direito
ambiental e no ecofeminismo, a sugestão de criação de política pública.
Esta visaria valorizar o conhecimento tradicional associada do referido
grupo, produzindo sua emancipação e igualdade de gênero. Assim, alme-
jar-se-ia, preservar sua ligação com a terra, ou seja, natura e cultura. A
proposta culminaria na criação de uma cooperativa ecofeminista, na qual
seria respeitado o tripé da sustentabilidade e estimulada uma conexão
entre as colônias.
E por fim, a hipótese incentivaria uma ideia de consumo e lazer
consciente, fazendo com que o ecoturismo seja mais presente no muni-
cípio e criando uma espécie de corredor de conservação ambiental entre
as colônias. Visto que, se ampliarmos nossos sentidos, a comarca de São
José dos Pinhais está localizada em área estratégica, pois está rodeado por
unidades de conservação ambiental, com destaque para o Parque Nacional
da Guaricana, e também pela Mata Atlântica e a Costa Paranaense.
A metodologia que será adotada no projeto, não se trata de produzir
ciência se abstendo do meio social, mas em conjunto com a proposta da
problemática versando com as demais ciências, logo produzindo uma visão
menos obtusa do nosso objeto de conhecimento.
Neste sentido, cabe uma prática jurídica engajada e preenchida de
ideologia, uma vez que a iniciativa de realizar ciência no meio jurídico
está amplamente ligada com os fenômenos de poder instituído, as normas
estatais, mandamentos de ordem e repressão em relação a uma determinada
conduta do meio social. Nesta lógica, o instrumento que se utiliza para
realizar a pesquisa jurídica teórica, vai exigir neste projeto, uma análise de
meios e fins, levando em consideração um engajamento crítico-social. A
qual se estende a tentativa de solução de conflitos formais, jurídico-nor-
mativos e materiais, assim levando em conta o socioinstitucional.
Por este ângulo, não há como produzir ciência jurídica se abstendo
de sentimentos humanos sociais, em relação aos valores. Apesar de, um
MULHERES E CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS
| 127

sentimento positivista, na perspectiva da teoria pura kelsiana, o direito se


coloca como uma análise a-valorativa, como um mecanismo de esquema-
tização lógico-hierárquico, que são derivadas de uma norma fundamental,
não se preocupando com as fundamentações sociais e antropológicas do
direito.
Contudo, no presente artigo, escolheu-se pelo respaldo em estudos
que enquadram uma análise das realidades concretas, pois o objeto em
recorte demanda tal ação. Dessa forma, utiliza-se de um estudo com a
realidade imediata, ou seja, com o auxílio das investigações dogmáticas,
histórico-literária e filosófica. Em termos técnicos estende-se, a seguir, uma
tentativa de investigações teóricas, conceituais e normativas, operando
em técnicas históricas e levantamento de dados normativos, ou melhor,
da própria legislação – o direito positivo e revisão literário-doutrinária
(BITTAR, 2012, p. 248-9).
Posto isto, a perspectiva metodológica que iremos adotar, parte-se de
um mister entre a linha pesquisa zetética e dogmática. O uso da primeira
se sustenta por se tratar de uma linha na qual se pretende despertar uma
consciência histórica, social, filosófica e cultural das práticas jurídicas.
Assim, nos leva a estudar acerca do direito ambiental intercalando com
reflexões axiológicas dos conteúdos da lei. Busca-se, ainda, por meio de
uma linha zetética, estabelecer críticas sociais e filosóficas correlacionando
com a antropologia jurídica (BITTAR, 2012, p. 249).
Na linha dogmática do direito, este trabalho lança-se no objetivo
de expor pormenorizada uma veia teórica dos textos legislativos, ou seja,
apresenta-se também a necessidade da exposição das normas positivadas.
Logo, anuncia-se, também, o método tradicional de exposição sistemática
do direito, histórico da própria legislação e as contribuições doutrinárias.
A pergunta central ao problema, nesse sentido, é a seguinte: Como o
ecofeminismo pode auxiliar na criação de uma rede de proteção ecológica
para as mulheres rurais de São José dos Pinhais, e seria possível idealizar
nesta comarca, com o auxílio das mulheres rurais, uma espécie de corredor
de unidade de conservação interligado por uma cooperativa?
Neste plano e desenvolvimento ético, no qual a sociedade vem se
preocupando com as questões ambientais, estudos relacionados com o
homem e natureza vêm tomando maiores proporções. O conceito de eco-
feminismo é um conceito emergente que cada vez mais está ganhando
128 | OMULHERES
CONCEITO DE ECOFEMINISMO COMO SUBSÍDIO PARA A FORMAÇÃO DE UMA COOPERATIVA DE
RURAIS EM SÃO JOSÉ DOS PINHAIS: UMA PROPOSTA DE POLÍTICA PÚBLICA

espaço no meio acadêmico, sendo lógico que nesse contexto arquitetemos


com suas bases a fim de dar subsídio a criação de uma política pública
cooperativista, que visa o desenvolvimento sustentável, preservação do
conhecimento tradicional, a emancipação e o empoderamento das mulhe-
res pastoris são-joseenses.

CONCEITO DE ECOFEMINISMO

Previamente, antes de centralizar nossa pesquisa no conceito de


ecofeminismo, recorremos a Capra em seu livro titulado A Teia da Vida
(1996), o qual trata da mudança de paradigma frente ao pensamento uni-
versal ocidental, saindo do campo da ciência. Capra apresenta um novo
paradigma, denominado como uma visão de mundo holística, entendendo
que esse mundo não pode ser concebido em partes separadas, mas sim
integrado. Outra forma de tratarmos esse ‘novo’ paradigma é denominá-lo
como uma visão ecológica, sendo que a palavra em si, deve vir carregada
em todo seu sentido (CAPRA, 1996, p. 17-6).
Neste sentido, antecipando a visão ecológica, introduzimos a crítica
de Vilmar Berna (2012) antes de explanarmos a visão de Capra (1996).
Quanto à linguagem que se emprega quando tratamos de ecologia, prin-
cipalmente acerca da sustentabilidade e seu tripé “capenga”, para Berna:
o Brasil não consegue equilibrar esse tripé, mas principalmente porque a
população não se envolve e nem se preocupa com essas questões ambien-
tais. O principal problema é a de informações sobre essas questões em uma
linguagem que atenda todas as camadas, que seria traduzir o ‘ecologês’.
Nas palavras do escritor:

Não conseguiremos sair de uma situação onde o meio ambiente é tra-


tado com pouco caso para outra em que o meio ambiente, a economia
e o social sejam vistos equilibradamente, sem que consigamos chegar à
maioria. As questões da sustentabilidade ainda não são assunto de mesa de
bar, de pagodes, ou de bate-papo na esquina – e deveriam ser. E este é um
grande desafio para jornalistas, educadores, artistas e todos que lidam com
o público e multiplicam opinião. Falar uma linguagem que seja percebida
por todos, traduzir o ecologês para as carências de nossa sociedade, falar
para segmentos da opinião pública que muitas vezes não compreendem
como um mico-leão-dourado, uma baleia, ou uma floresta podem merecer
mais atenção e recursos que um ser humano que sobrevive dos restos que
consegue achar no lixo (BERNA, 2012).
MULHERES E CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS
| 129

Na sociedade moderna obtemos grande acesso à informação, mas,


em contrapartida, quando se trata de meio ambiente e sustentabilidade,
de acordo com Berna (2012), as informações que nos chegam são aquelas
que estigmatizam o meio ambiente como sendo um assunto de “planti-
nhas” e “bichinhos”, que, em suma, são bonitinhos e que possuem alguma
importância – mas, quando relacionados à técnica ou ao desenvolvimento
de tecnologias, serão menos prioritários, por que a sociedade considera o
‘progresso’ humano como majoritário.
Desta forma, pensar em ecologia é reconhecer de forma profunda e
independente os fenômenos que os indivíduos estão introduzidos no seio
nos processos ‘cíclicos’ da natura. Quanto à termologia, Capra (1996)
estabelece que as palavras ‘holístico’ e ‘ecológico’ diferem, pois, no pri-
meiro caso compreender holisticamente, significa compreender o todo,
em concordância com as partes – interdependentes (CAPRA, 1996, p.
17). E, quanto a visão ecológica:

Uma visão ecológica da bicicleta inclui isso, mas acrescenta-lhe a percepção


de como a bicicleta está encaixada no seu ambiente natural e social — de
onde vêm as matérias-primas que entram nela, como foi fabricada, como seu
uso afeta o meio ambiente natural e a comunidade pela qual ela é usada, e
assim por diante. Essa distinção entre “holístico” e “ecológico” é ainda mais
importante quando falamos sobre sistemas vivos, para os quais as conexões
com o meio ambiente são muito mais vitais (CAPRA, 1996, p. 17).

O sentido em que o termo ‘ecológico’ pode ser associado a uma


ecologia social e ao ecofeminismo. Ou seja, além da ecologia profunda,
urgiram as duas vertentes supracitadas, com seus ideais imanados do pen-
samento filosófico, e, ainda de acordo com Capra (1996, p. 18), estas
três perspectivas independentes em si2, abordam aspectos importantes
do paradigma ecológico.
Quanto à ecologia social, podemos destacar que seu objetivo, de
acordo com Capra (1996, p.18), “[...] é o reconhecimento de que a natu-
reza fundamentalmente antiecológica e de muitas de nossas estruturas
sociais e econômicas está arraigada [...]”, nomeada como “sistema domi-
nador” de organização social. Posto isto, a história do capitalismo e da

2 E ainda, Capra (1996, p. 18) alui que as três visões não devem competir entre si, mas se
complementarem, logo criando uma visão ecológica coerente. No sentido de guarnecer
um suporte filosófico e espiritual ao ideal ecológico e ativismo ambientalista.
130 | OMULHERES
CONCEITO DE ECOFEMINISMO COMO SUBSÍDIO PARA A FORMAÇÃO DE UMA COOPERATIVA DE
RURAIS EM SÃO JOSÉ DOS PINHAIS: UMA PROPOSTA DE POLÍTICA PÚBLICA

humanidade ocidental é um grande exemplo de dominação e exploração


e antiecológica. Neste sentido, para o autor (1996, p. 18):

O ecofeminismo poderia ser encarado como uma escola especial de ecologia


social, uma vez que também ele aborda a dinâmica básica de dominação
social dentro do contexto do patriarcado. Entretanto, sua análise cultural
das muitas facetas do patriarcado e das ligações entre feminismo e ecologia
vai muito além do arcabouço da ecologia social.

O conceito de ecofeminismo tem sua gênese com a reflexão da filó-


sofa e economista Karen J. Warren, que começou a repensar nas bases
ideológicas e estruturais da opressão, ou seja, que determinados pressu-
postos de dominação dão forma e refletem de como o mundo é na prática.
Logo, se posiciona, para repensar no feminismo através da ótica lógica da
dominação, identificando as mulheres para sua emancipação, assim reco-
nhecendo também, a existência e a necessidade da abolição da dominação
(ROSENDO, 2006, p. 100).
Não se distanciando do movimento feminista ‘tradicional’, o eco-
feminismo tem em suas pautas que a partir da libertação das mulheres,
colocando em cheque outras opressões e preconceitos, para produzir
uma emancipação mais efetiva e plena. Logo, conforme explana Rosendo
(2006), o movimento feminista não é único, no sentido de ser uma voz
uníssona, mas sim múltiplas vozes; e o mesmo acontece com o ecofemi-
nismo. À vista disso, o conceito aqui tratado explora inúmeras vertentes.
Em suma, o movimento surge como ação de políticas nas quais as mulheres
tomaram diligências e começaram a se expressar por meio dos movimen-
tos como literatura, ciência, tecnologia, atuação em organizações não
governamentais e etc.
A propositura do conceito é reestabelecer a interconexão entre vida,
natureza e ambiente de acordo com a interpretação das mulheres e sua
capacidade reprodutiva. E ainda, se fez de suma importância, pois examina
a opressão social existente frente às mulheres, e igualmente, a exploração
desenfreada da natureza como duas fisionomias do controle machista e
patriarcal (ROSENDO, 2006, p. 102). Posto isso,

O termo “feminismo ecológico” (ecológica feminisme) foi cunhado por


Françoise d’Eaubonne, na década de 1970, dando início a um movi-
mento político com o intuito de chamar a atenção das mulheres para o
MULHERES E CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS
| 131

seu potencial na promoção de uma revolução ecológica. Atualmente, há


diversas correntes ecofeministas, que podem (ou não) se relacionar com
outras vertentes feministas (liberal, marxista etc.). Gênero é utilizado pelas
ecofeministas como uma categoria de análise a partir da qual se questionam
os sistemas de dominação de diferentes grupos. Sobre o termo, Joan Scott
explica que sua utilização pelas feministas americanas “indicava uma rejei-
ção do determinismo biológico implícito no uso de termos como ‘sexo’ ou
‘diferença sexual’” e “enfatizava igualmente o aspecto relacional das defini-
ções normativas da feminilidade.” Nesse sentido, buscava-se mostrar que as
distinções baseadas no sexo são fundamentalmente sociais (ROSENDO,
2006, p. 104).

O pensamento ecofeminista de 1970 surgiu junto a diversos outros


movimentos, como por exemplo, antimilitaristas e pacifistas da década
de 60, que foram o embrião dos movimentos ambientalistas atuais. O
movimento possui em sua essência a utopia, contudo se desenvolve con-
cretamente por meio de determinadas ações:

[...] lutando pela superação da dominação patriarcal nas relações entre os


gêneros; procurando por tecnologias que não agridam o meio ambiente;
possuindo ideais de democracia direta, descentralização e o fim das hie-
rarquias; e apoiando economias de subsistência rural como modelo de
desenvolvimento (SOUZA, 2007, p. 5).

O ecofeminismo, em sua essência, é uma interconexão entre a domi-


nação da natureza pelos homens, e ainda a sobre a submissão feminina
frente ao patriarcado ocidental. Logo, o movimento coloca em cheque
a degradação ambiental especialmente em como esta pode atingir prin-
cipalmente as mulheres, em relação ao simbolismo que envolve como a
mulher interage com a sociedade, isto é, com as divisões de trabalho e
distribuição do poder.
Neste sentido, retornamos a ideia demonstrada por Capra (1996),
na qual as ecofeministas enxergam que a dominação patriarcal como uma
espécie de padrão que se apresenta também em outras formas de domina-
ção e exploração, podendo ser essas hierárquica, capitalista, militarista e
industrialista. Ou seja, o ecofeminismo tenta demonstrar que a exploração
da natureza está intimamente ligada com a exploração feminina, visto que
ao longo da história ficou evidente a ligação da mulher com a natura. É
indubitável que existe uma relação entre a mulher e o meio ambiente, uma
espécie de parentesco natural, defendido por Capra.
132 | OMULHERES
CONCEITO DE ECOFEMINISMO COMO SUBSÍDIO PARA A FORMAÇÃO DE UMA COOPERATIVA DE
RURAIS EM SÃO JOSÉ DOS PINHAIS: UMA PROPOSTA DE POLÍTICA PÚBLICA

Por este ângulo, acreditamos que o movimento ecofeminista coloca


a mulher em destaque como principal fonte de uma nova visão holística
sobre o mundo, na qual se preocupa com a realidade imediata e futura,
ou seja, possui uma visão ecológica sobre o mundo.

DO ECOFEMINISMO SOCIOAMBIENTAL

A autora Rosangela Angelim, em seu estudo científico Perspecti-


vas para implementação do Socioambientalismo – Volume II deu como
uma das primeiras representações divinas, Gaia, a mãe-terra. É de onde
partimos para relacionar a mulher e o meio ambiente, a fim de um universo
sustentável.
Religiões pagãs, como a celta e viking foram pioneiras em relação à
natura, de redescoberta feminina por meio do envolvimento com a mãe-
-terra, em que ambas possuem o poder da fertilidade. Como citado pela
autora, com o cristianismo, a sociedade ocidental afastou-se das origens
pagãs e perdeu o contato com a natureza, afastando-a da “mãe-terra”
(ANGELI, 2014, p. 1573).
Dadas as referências supracitadas, obtemos uma base do interesse das
mulheres junto ao progresso sustentável, visto que possuem maior ligação
com a imemorial “mãe-terra”. Desta forma, buscam a justiça ambiental,
neste contexto destacamos as lutas por direitos civis da população negra
nos EUA, na década de 1960. A sociedade de classe baixa observou que as
indústrias haviam deixados resíduos químicos, tóxicos, gerando protestos
da população a fim da construção de um novo campo, o qual foi denomi-
nado justiça ambiental (ARANTES; GUEDES, 2010, p. 50).
Como dito no livro Mulheres, Trabalho e Justiça Socioambiental de
Arantes e Guedes (2010, p. 50),

O auxílio do movimento ecofeminista traduz-se na justiça socioambiental,


que busca defender os direitos de todos os cidadãos ao meio ambiente
sustentável, incentivando sua participação nas decisões políticas.

Também podemos citar:

A ideia de Justiça Socioambiental trás inserido o movimento Ecofeminista.


Esse conceito prevê a inclusão do cidadão (independente de sexo, raça,
MULHERES E CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS
| 133

renda, etc.) integralmente ligado ao processo de decisão sobre o acesso


e uso dado aos recursos naturais, de forma a garantir proteção equânime
em relação aos potenciais danos ambientais e à saúde que as atividades
propostas para serem implementadas em seus territórios possam causar
[...] (TEIXEIRA, 2015).

Arantes e Guedes (2010) afirmam que a sustentabilidade somente


será devidamente cumprida quando todas as classes sociais tiverem par-
ticipação efetiva na distribuição dos recursos naturais. No Brasil, assim
como ocorrido nos EUA, foram criados movimentos em busca da Justiça
Ambiental, decorrentes em maior parte da classe baixa, como nas favelas,
onde são mais afetados por tal injustiça, já que sujeita a diversos problemas
ambientais.

Este interesse do Ecofeminismo nas favelas justifica-se em função de 51,2%


dos moradores de favelas, no Brasil, serem mulheres. Destas, 70% são mães
e 44% delas chefiam seus lares (TEXEIRA, 2015).

A reivindicação feminista a fim da equidade e sustentabilidade tem


se formado em diversas frentes acadêmicas e populares que visam formar
e fomentar centros de discussões, conselhos e organizações não-governa-
mentais. Fazem-se, desse modo, críticas contundentes ao sistema capita-
lista, por considerá-lo meios para se obter vantagem no lugar de dar-lhes
importância no tocante à manutenção da vida.
Conforme tentou-se demonstrar nesta breve explanação, vimos que a
necessidade da intersecção ecofeminista, no atual momento eminente, em
busca da Justiça Ambiental, com a construção primeiramente de um ciclo
de conhecimento e aplicabilidade, solidariamente de todos, analisando
anseios e preceitos básicos.
Destarte, concluímos que nas pequenas comunidades, os danos cau-
sados pelo irrefreável consumo em busca do desenvolvimento, são maiores,
visto sua fragilidade social. Logo para mudar este cenário, necessitamos
não apenas de alguns, mas de todas as pessoas, de todas as classes sociais,
a fim de um desenvolvimento realmente sustentável.

DA LEGALIDADE E CORREDOR SOCIOAMBIENTAL

Por volta dos anos de 1990, a legislação cuidava separadamente dos


134 | OMULHERES
CONCEITO DE ECOFEMINISMO COMO SUBSÍDIO PARA A FORMAÇÃO DE UMA COOPERATIVA DE
RURAIS EM SÃO JOSÉ DOS PINHAIS: UMA PROPOSTA DE POLÍTICA PÚBLICA

bens ambientais de forma não relacionada. Entretanto, obteve-se alguns


avanços nesse quesito, como por exemplo, a aprovação da Lei de Crimes
Ambientais, também chamada de Lei da Natureza (Lei nº 9.605 de 13 de
fevereiro de 1998), que permitiu o uso de mecanismos de punições aos
infratores do meio ambiente. De acordo com esta lei, os crimes ambientais
são classificados em seis tipos diversificados: crimes contra a fauna; contra
a flora; poluição e outros crimes ambientais; crimes contra o ordenamento
urbano e o patrimônio cultural; crimes contra a administração ambiental
e infrações administrativas, mormente no artigo 225 da Constituição
Federal de 1988.
No parágrafo primeiro do citado artigo, são estabelecidas diver-
sas obrigações ao Poder Público para que seja assegurado a efetividade e
concretização desse direito, como por exemplo, em seu inciso primeiro,
preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo
ecológico das espécies e ecossistemas, ou em seu inciso quinto, sobre con-
trolar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos
e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o
meio ambiente, ou ainda, em seu inciso sétimo, em relação a proteção
da fauna e da flora, proibindo as práticas que coloquem em risco suas
funções ecológicas, provoquem a extinção de espécies ou submetam os
animais a crueldade.
Ainda, o parágrafo quarto do artigo 225 da Constituição define a
Mata Atlântica, a Floresta Amazônica brasileira, a Serra do Mar, a Zona
Costeira e o Pantanal Mato-Grossense como patrimônios nacionais, clas-
sificando que a utilização deles deverá estar dentro das condições que
assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive em relação ao uso
dos recursos naturais.
A preocupação em relação ao meio ambiente saudável e desenvolvi-
mento sustentável tem aumentado no decorrer dos anos, sendo impossível
não relacionar a destruição e poluição ao meio ambiente com as catástrofes
naturais cada vez mais presentes. O resultado disso é o risco a vida no
planeta, principalmente dos mais vulneráveis, ou seja, a vida das crianças,
dos idosos e das mulheres (ANGELI, 2006).
Um dos fatores principais que contribuem para a destruição ambien-
tal é o próprio capitalismo, que se concentra na exploração de recursos
naturais. Como já afirmava Engels: “não devemos vangloriar-nos demais
MULHERES E CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS
| 135

com as vitórias humanas sobre a natureza, pois para cada uma destas vitó-
rias, a natureza vinga-se às nossas custas” (ENGELS, 1972, p. 30).
Diante desta crise ambiental mundial e da consciência de que o
planeta precisa ser preservado para garantir a sobrevivência das espécies,
incluindo a própria raça humana, aconteceu um despertar de valores ecoló-
gicos. Isso remonta a valores considerados como femininos na sociedade: o
cuidado e a solidariedade. A justificativa de que as mulheres estão mais pró-
ximas da natureza do que os homens trazem à luz o risco da interpretação
de que elas estão em uma posição agenciadora onde a cultura está vinculada
a esfera masculina, enquanto por outro lado, a natureza descontrolada, à
esfera feminina. Dessa forma, as características das mulheres poderiam
ser utilizadas como argumento para serem consideradas inferiores aos
homens, caindo num nível inferior da hierarquia entre natureza e cultura
(RUETHER, 1993, p. 66).
Nesse sentido, ao analisar a exploração e a submissão das mulheres,
há uma importância fundamental de serem expostas a crítica e a superação
da hierarquia criada dos seres humanos sobre a natureza. Para Eisler, até a
natureza parece estar se rebelando contra o patriarcado, como por exemplo,
com a erosão, chuva ácida, escassez de recursos e poluição ambiental, mas
não sendo uma rebelião que tem como antagonista a tecnologia, mas sim o
uso destrutivo e abusivo da tecnologia pela sociedade de dominação, onde
os homens possuem a necessidade constante e incessante de conquistar,
seja a natureza, as mulheres ou os outros homens (EISLER, 2007, p. 243).
Retornando às medidas protetivas do meio ambiente na legis-
lação brasileira, há os corredores ecológicos, regulamentados pela Lei
9.985/2000, que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação,
e seu Decreto 4.340/2002, que possuem como objetivo amenizar os efeitos
da fragmentação dos ecossistemas, promovendo a ligação entre diferentes
áreas, visando proporcionar o deslocamento de animais, a dispersão de
sementes e o aumento da cobertura vegetal. São, assim, uma estratégia
para apaziguar os impactos das atividades humanas sob o meio ambiente
e uma busca ao ordenamento da ocupação humana para a manutenção
das funções ecológicas no mesmo território, de acordo com o Ministério
do Meio Ambiente.
Ainda, na Lei 9.985/2000, mormente o artigo 5º inciso XII, é carac-
terizado como um dos objetivos do Sistema Nacional de Unidades de
136 | OMULHERES
CONCEITO DE ECOFEMINISMO COMO SUBSÍDIO PARA A FORMAÇÃO DE UMA COOPERATIVA DE
RURAIS EM SÃO JOSÉ DOS PINHAIS: UMA PROPOSTA DE POLÍTICA PÚBLICA

Conservação da Natureza (SNUC) proteger grandes áreas por meio de


um conjunto integrado de unidades de conservação de diversas categorias,
sejam próximas ou contíguas, e suas respectivas zonas de amortecimento e
corredores ecológicos, agregando as diferentes atividades de preservação
da natureza, restauração e recuperação dos ecossistemas e uso sustentável
dos recursos naturais.
Enquanto isso, o Plano de Manejo da Reserva de Desenvolvimento
Sustentável define as zonas de proteção integral, de uso sustentável e de
amortecimento e corredores ecológicos, sendo aprovado pelo Conselho
Deliberativo da unidade, previsto no artigo 20 § 6º da mesma Lei. E o
artigo 25 traz que todas as unidades, exceto Área de Proteção Ambiental
e Reserva Particular de conservação devem possuir uma zona de amorte-
cimento e, se conveniente, corredores ecológicos.
Há também na lei acerca da responsabilidade sob o Plano de Manejo
em relação a abranger a área da unidade de conservação, seus corredores
ecológicos e sua zona de amortecimento, integrando medidas que possuam
o objetivo de promover sua associação à vida econômica e social das comu-
nidades vizinhas, em conformidade com o artigo 27 parágrafo primeiro.
Todavia, existem alguns efeitos negativos potenciais interligados
aos corredores ecológicos, sendo alguns deles à deriva da comunidade,
facilitação de movimento para espécies invasoras, impactos genéticos,
impactos demográficos e até mesmo os impactos econômicos na implanta-
ção de corredores ecológicos (HILTY; LIDICKER; MERENLENDER,
2006, p. 325). Entretanto, diversos destes efeitos negativos são previstos
principalmente em elementos da paisagem que não foram criados para
servirem como corredores ecológicos, como por exemplo, quebra-ventos,
cercas vivas e outras diferentes construções humanas.
Estes elementos da paisagem apresentam benefícios referentes a
sua estética paisagística e, em algumas circunstâncias, podem até estar
trabalhando como corredores ecológicos; porém, não são regularmente
corredores ecológicos. Torna-se fundamental reconhecer que, para uma
espécie, o que é necessário como um corredor ecológico pode acabar não
sendo para outra, podendo se tornar até mesmo uma barreira. Ao facilitar
a movimentação de uma determinada espécie, o corredor pode iniciar uma
série de efeitos negativos sobre a outra, como em uma relação de presa
e predador (HILTY; LIDICKER; MERENLENDER, 2006, p. 325).
MULHERES E CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS
| 137

ACERCA DO TERRITÓRIO

Aproximadamente 70% do território da Comarca de São José dos


Pinhais é determinado como área rural. Podemos destacar que o territó-
rio tem em sua base a produção agropecuária, cultivo familiar, cultivo e
plantação de hortaliças, cujos destaques são: repolho, couve-flor, beter-
raba, alface, brócolis, banana e morango. E, ainda, conforme observamos
quando visitamos as colônias são-joseenses, na maioria das residências
podíamos encontrar ao lado uma plantação de hortaliças. Percebemos,
assim, que a plantação tem cunho familiar, pois os moradores sempre
repetiam frases como “a vida toda trabalhando na roça, desde pequeno
com pai e com mãe”.
Por este ângulo, precisamos que a agricultura, familiar ou não, nesta
região possui enorme significado, pois significa família, cultural e existên-
cia. Ademais, a produção que é escoada principalmente para a Central de
Abastecimento do Paraná S.A. (CEASA), e que também, vai direto para
as grandes redes de varejo e também para pequenos comerciantes que aca-
bam buscando esses produtos direto na fonte, na Secretaria Municipal de
Agricultura e Abastecimento (SEMAG) existem atualmente cadastradas
1.697 famílias .
A extensão rural com a urbana a área rural de São José dos Pinhais
- PR sempre foi maior, posto isto reafirmamos que São José dos pinhais é
o maior responsável por grande parte de agricultura do Paraná. Mesmo
que, concomitantemente, o município venha sofrendo grande avanço nas
questões de industrialização, avanços tecnológicos e em relação a técnica,
obtiveram-se também avanços na questão da agropecuária. É possível,
com isso, avaliar que houve um grande impacto na vida dos moradores da
cidade, pois com a industrialização desde 1996 , com a criação do Parque
Industrial na região da Roseira e Roça Velha
Ainda acerca da territorialidade de São José dos Pinhais, podemos
destacar que o município possui um território privilegiada nas questões
ambientais, visto que seus vizinhos são Morretes e Guaratuba. Por este
motivo, é explicitado no art. 8° e 9° da lei complementar municipal de
n° 100/15, que versa acerca da sustentabilidade, que os meios devem ser
distribuídos de forma igualitária no que se refere aos recursos naturais,
sociais e culturais. Ressalta a lei que o patrimônio ambiental é elemento de
138 | OMULHERES
CONCEITO DE ECOFEMINISMO COMO SUBSÍDIO PARA A FORMAÇÃO DE UMA COOPERATIVA DE
RURAIS EM SÃO JOSÉ DOS PINHAIS: UMA PROPOSTA DE POLÍTICA PÚBLICA

uso comum, e por fim, que cabe ao município zelar e promover a sustenta-
bilidade. E no artigo 14° da mesma lei complementar, demanda diretrizes
gerais a respeito do desenvolvimento territorial e ambiental que versem
sobre a distribuição e ocupação do solo de forma harmônica, ou seja, de
forma equilibrada e sustentável . E, nos incisos II e II da Lei complementar
Municipal n. 100/15,

II - Planejar a distribuição espacial da população e das atividades econô-


micas de modo a evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano e
seus efeitos negativos sobre o meio ambiente, a mobilidade e a qualidade
de vida urbana;
III - definir um modelo de ordenamento territorial que integre uso do solo,
sistema viário e transportes e facilite a diversidade de usos e atividades, res-
peitando áreas de manancial e de interesse ambiental como remanescentes
florestais, várzeas e áreas úmidas ;

Neste sentido, a cidade, em seu planejamento, se compromete em


proteger efetivamente as paisagens, os bens comuns e de valor histórico
do município, bem como, a proteção dos recursos naturais e mananciais
hídricos superficiais e subterrâneos de abastecimento de água, localizados
na região rural. Isso visa impulsionar e viabilizar a utilização e manutenção
do território rural de forma sustentável, garantido às próximas gerações os
mesmos recursos, seguindo a linha das já consagradas e muito repetidas
concepções de desenvolvimento sustentável. Abarcando e mesmo seguindo
essas premissas legais, a ideia de uma cooperativa ecofeminista viabiliza
uma proteção local e ainda fomenta a ideia de corredor socioambiental.
Logo, de tal forma, a criação efetiva da cooperativa como meio de
proteção da cultura e território regional da comarca são-joseense. Ela
poderá garantir, de forma subjetiva a função socioambiental da terra,
mas com capacidade de se objetivar a preservação das áreas de interesse
ambiental e o aumento da cobertura vegetal. Nesta acepção, poder-se-
-ia salvaguardar o território rural dos impactos negativos dos avanços da
técnica e da área urbana. Seria possível, ainda, incentivar, por meio do
ecoturismo, maior visibilidade ao local. Protegendo, garantindo maior
transparência e publicidade para os procedimentos de manejo e planeja-
mento político econômico. Como por exemplo, uma maior fiscalização das
licenças ambientais, tanto pelos órgãos competentes como pelos cidadãos
que frequentaram o corredor.
MULHERES E CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS
| 139

DA COOPERATIVA

O cooperativismo é dotado por uma série de princípios universais,


que se compuseram por meio da experiência. Desse modo, os princípios
cooperativistas foram elencados e formandos conforme o passar do tempo,
como Paul Singer (2002, p. 39-40) expõe:

Adotaram uma série de princípios, que seriam depois imortalizados como


os princípios universais do cooperativismo: 1°) que nas decisões a serem
tomadas cada membro teria direito a um voto, independentemente de
quanto investiu na cooperativa; 2°) o número de membros da coopera-
tiva era aberto, sendo em princípio aceito quem desejasse aderir. Por isso
este princípio é conhecido como o da “porta aberta”; 3° ) sobre capital
emprestado a cooperativa pagaria uma taxa de juros fixa; 4° ) as sobras
seriam divididas entre os membros em proporção às compras de cada um
na cooperativa; 5° ) as vendas feitas pela cooperativa seriam sempre feitas
à vista; 6° ) os produtos vendidos pela cooperativa seriam sempre puros
(isto é, não adulterados); 7° ) a cooperativa se empenharia na educação
cooperativa; 8° ) a cooperativa manter-se-ia sempre neutra em questões
religiosas e políticas.

Vale ressaltar que o cooperativismo não pode ser tratado como uma
ciência exata, mas sim, como uma prática social, que depende e se ancora
em outras ciências para ir se aprimorando. Assim, por meio das teorias
e dos princípios desenvolvidos e aprimorados, com o auxílio de pesqui-
sas cientificas para melhor compreensão dos efeitos e ações que podem
se desenvolver dentro das cooperativas, pode-se buscar a otimização.
‘Segundo a Lei 12.690/2012, cooperativa de trabalho é uma sociedade
constituída por trabalhadores para o exercício de suas atividades, com pro-
veito comum, autonomia e autogestão, cujo objetivo é obter melhor qua-
lificação, renda, situação socioeconômica e condições gerais de trabalho.
Ou seja, as cooperativas de trabalho surgem da vontade de profissionais
autônomos que se unem para conseguir melhores condições de trabalho,
e, em geral, são formadas por profissionais de um mesmo ramo que se
propõem a realizar em comum suas atividades profissionais.

Art. 2º. Considera-se Cooperativa de Trabalho a sociedade constituída


por trabalhadores para o exercício de suas atividades laborativas ou pro-
fissionais com proveito comum, autonomia e autogestão para obterem
melhor qualificação, renda, situação socioeconômica e condições gerais
140 | OMULHERES
CONCEITO DE ECOFEMINISMO COMO SUBSÍDIO PARA A FORMAÇÃO DE UMA COOPERATIVA DE
RURAIS EM SÃO JOSÉ DOS PINHAIS: UMA PROPOSTA DE POLÍTICA PÚBLICA

de trabalho. (Grifo nosso).

As cooperativas de trabalho têm como diretriz primordial os oito


princípios do cooperativismo elencados por Singer (2002), enquanto na
legislação brasileiras são elencados sete princípios3. Estes são: a adesão
livre e voluntária, gestão democrática, participação econômica dos coo-
perados, autonomia e independência, educação, formação e informação
e interesse pela comunidade. Neste sentido, ressaltamos que, para o bom
funcionamento de uma cooperativa, faz-se necessário que os membros
tenham autonomia e autogestão. Posto isto, é necessário observar que,
para idealização do projeto, o interesse da formação da cooperativa deve
partir das mulheres.
No Programa Nacional de Fomento à Cooperativa de Trabalho
(2012), são classificadas 13 espécies de cooperativismo. Além disso, de
acordo com a Lei 12.690/2012, as cooperativas de trabalho têm como
preceitos próprios a preservação dos direitos sociais, do valor social do
trabalho e da livre iniciativa; a não precarização do trabalho; respeito às
decisões da assembleia. Observando o conteúdo disposto no instituto
supracitado, a participação na gestão deve se dar em todos os níveis de
decisão, como previsto em lei e no estatuto social.
Quanto à espécie de cooperativismo que, de certa forma, se aproxima
do modelo que almejamos criar, é o cooperativismo de trabalho, compra
e venda, produção e consumo, em uma tentativa de se estabelecer uma
combinação entre os sistemas, assim concebendo um modelo que melhor
se adapte às mulheres campestres. Nesta lógica, destacamos a fala de Reis-
dorfer (2014) quanto ao segmento agropecuário:

É um segmento constituído por cooperativa de qualquer cultura ou


criação rural. É o mais conhecido pela sociedade brasileira, participando
significativamente da organização e do desenvolvimento da agricultura,
bem como das exportações, com expressiva representação na balança
comercial e, ao mesmo tempo, abastece o mercado interno de produtos

3 Art. 3o  A Cooperativa de Trabalho rege-se pelos seguintes princípios e valores: I - adesão
voluntária e livre; II - gestão democrática; III - participação econômica dos membros; IV
- autonomia e independência; V - educação, formação e informação; VI - intercoopera-
ção; VII - interesse pela comunidade; VIII - preservação dos direitos sociais, do valor social
do trabalho e da livre iniciativa; IX - não precarização do trabalho; X - respeito às decisões
de assembleia, observado o disposto nesta Lei; XI - participação na gestão em todos os
níveis de decisão de acordo com o previsto em lei e no Estatuto Social.
MULHERES E CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS
| 141

alimentícios. Este sistema oferece a prestação de vasto leque de serviços,


desde assistência técnica, armazenagem, industrialização e comercialização
dos produtos, até a assistência social e educacional aos cooperados. As
cooperativas agropecuárias no Brasil são o segmento economica-
mente mais forte do cooperativismo (REISDORFER, 2014, p. 53).

Neste sentido, o cooperativismo trabalhista, o trabalho e a gestão se


realizam conjuntamente, sem as limitações próprias do trabalho individual
e exclusivamente sob as regras do trabalho assalariado dependente. Então,
em uma cooperativa de trabalho, todos os profissionais cooperados têm
os mesmos direitos e deveres, por consequência, os mesmos poderes e os
mesmos benefícios. Conforme destaca o autor (2014, p. 55),

As cooperativas deste segmento são constituídas por pessoas ligadas a uma


determinada ocupação profissional, com a finalidade de melhorar a remu-
neração e as condições de trabalho, de forma autônoma. É um segmento
extremamente abrangente, pois os integrantes de qualquer profissão podem
organizar-se em cooperativas de trabalho.

Quanto às cooperativas de compra e venda, são basicamente asso-


ciações de pequenos e médios produtores que procuram ganhos de escala
perante suas compras e vendas. Em um ambiente capitalista, no qual se
almeja o progresso visando o lucro, não se preocupando com o sujeito e
com a natureza, as empresas capitalistas se instalam como ‘cartéis’ que
controlam o mercado. Como oposição a essa totalização, a cooperativa
“iguala aos pequenos agricultores ou varejistas aos grandes. E ela pode
ampliar a vantagem que proporciona ao menos um dado e indústrias de
processamento de seus produtores” (SINGER, 2002, p. 84).
As cooperativas de produção podem ser formadas por trabalhadores
de categorias diversas, mas todos envolvidos na produção, visando produzir
bens ou serviços a serem vendidos nos mercados. Os princípios que regem
este segmento são os que garantem democracia e igualdade. Podemos
argumentar que a cooperativa supracitada é um protótipo de empresa
solidária, pois foca nos produtores, sem estar voltada meramente para o
capital. Em virtude disso, há poucas cooperativas neste modelo, pois o
capital é secundário e o incentivo por parte do Estado fica concentrado
em cooperativas de compra e venda de crédito (SINGER, 2014, p. 89).
Os modelos de cooperativas expostas neste projeto tinham como
142 | OMULHERES
CONCEITO DE ECOFEMINISMO COMO SUBSÍDIO PARA A FORMAÇÃO DE UMA COOPERATIVA DE
RURAIS EM SÃO JOSÉ DOS PINHAIS: UMA PROPOSTA DE POLÍTICA PÚBLICA

objetivo produzir base teórica para a criação da cooperativa de mulheres


campestres são-joseenses4. Evidenciamos, ainda, quanto ao segmento de
turismo e lazer, um aspecto que cresce relativamente no cenário brasi-
leiro, pois, como bem se sabe, o Brasil tem um enorme potencial para o
segmento do turismo, e, sendo assim, os estados vêm organizando suas
comunidades para tal potencial. Por fim, independente da área de atuação,
o modelo sugerido de cooperativa deve seguir as normas legais já expostas
neste tópico.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Optou-se neste projeto por desenvolver duas formas conclusão,


sendo que a primeira se apresenta de maneira teórica e subjetiva, em uma
tentativa de levantar considerações finais acerca de um tema de grande
complexidade, recente e espinhoso. No segundo tópico, elaboramos
considerações presente-se de maneira objetiva relatar nossa experiência
e expectativas com a criação da cooperativa, bem como as mulheres que
concordaram em formá-la.

CONSIDERAÇÕES FINAIS TÉORICAS

Tentou-se demonstrar como seria possível viabilizar um projeto no


município de São José dos Pinhais, o qual procura-se voltar para criação de
uma cooperativa campestre essencialmente feminina. Neste sentido, pro-
curou-se especificar o conceito de ecofeminismo, e como esse movimento
moderno auxiliaria a reconexão e emancipação da mulher por meio e com
a natura. Logo, por meio de uma política pública, a cooperativa subsidiada
pelos princípios ecofeministas poderá ajudar a empoderar as mulheres e
amparar a igualdade de gênero. Em conversa informal com a comissão de
meio ambiente da Ordem dos Advogados de São José dos Pinhais, apesar
da conexão das mulheres com a agricultura ou produtos manufaturados
da região, são os homens que acabam sendo os representantes de negócios
e os políticos.
4 Vale ressaltar que no município existem as seguintes cooperativas relacionadas com a
temática: cooperativa de crédito rural da lapa, Clac, Sicredi, Viva Saúde Cooperativa de
Profissionais Na Área Da Saúde, Cooperativa dos Produtores de Morangos do Paraná e
Cooperativa dos Produtores Coelho do Estado do Paraná.
MULHERES E CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS
| 143

Com o movimento ecofeminista, colocamos a mulher e a natureza


na mesma esfera, considerando serem essas as que mais sofrem com o capi-
talismo e o machismo desenfreado. Logo, o movimento tenta romper com
esta dominação do feminino por intermédio da natura, e, assim, a mulher
campestre são-joseense seria capaz de transformar, conhecer, preservar e
modificar de forma sustentável o meio ambiente em que convive. Com o
ecofeminismo, as mulheres campestres poderão repassar seus conhecimen-
tos e técnicas, e, como grandes poetisas do meio ambiente, transformar e
conservar. Como belamente escreve Elza Soares, “Deus é Mãe/ E todas as
ciências femininas/ A poesia, as rimas/ Querem o seu colo de madona/
[...] Ser pedra bruta nesse seu colar de braços/ Amacia dureza dos fatos5”.
Neste sentido, destacamos a importância do ecofeminismo como
conceito base para criação da cooperativa, pois a conexão com a natura
pode angariar para essas mulheres maior poder de fala sobre seus conhe-
cimentos tradicionais associados, bem como sua emancipação psíquica e
econômica. Por intermédio da ressignificação do seu trabalho, não traba-
lhariam apenas com o aspecto trabalho-capital, mas com o direito funda-
mental ao trabalho. Ou seja, envolveria toda a psicodinâmica do trabalho,
emancipando seu corpo e seu eu político e social.
Sendo assim, seria possível principalmente ressignificar seu modo de
enxergar o trabalho, desenvolvendo, assim, novas possibilidades, recriando
e criando técnicas e aprendizados do saber-viver em conjunto. Assim,
havendo o reconhecimento da experiência coletiva do trabalho produ-
tivo e/ou reprodutivo, levando em conta cada subjetividade pessoas das
mulheres rurais, colocando a cooperativa e o trabalho quando elencados
com o ecofeminismo como mediador da saúde mental. Podemos ganhar,
como bem explicitado por Wandelli (2012, p. 65-68) em termos de autor-
realização, emancipação, construção e ‘restauração’ de identidade, saúde
mental, psíquica, social, moral e política.
Logo, por intermédio dessa ressignificação e trabalho-vivo, a for-
mação da cooperativa poderia culminar em outra estratégia, dados a ter-
ritoriedade do município e seu planejamento, que deseja elaborar um
plano de fiscalização e monitoramento ambiental, bem como avanço de
técnicas sustentáveis e plano municipal de preservação e recuperação da

5 Cf. Disponível em: <https://www.letras.mus.br/elza-soares/deus-ha-de-ser/> acesso


em 31/10/2018.
144 | OMULHERES
CONCEITO DE ECOFEMINISMO COMO SUBSÍDIO PARA A FORMAÇÃO DE UMA COOPERATIVA DE
RURAIS EM SÃO JOSÉ DOS PINHAIS: UMA PROPOSTA DE POLÍTICA PÚBLICA

mata atlântica. Por consequência, a criação do corredor de biodiversidade


como estratégia de conservação em escala de ecossistemas em harmonia
com as atividades humanos será capaz de integrar as unidades de conser-
vação, estendendo-se como espécie de ponte físico-biótica.
Ainda, com o conhecimento e emancipação das mulheres rurais,
coligadas pelo ecofeminismo com a natureza, poderíamos fomentar o
ecoturismo na região de maneira sustentável e, por meio do corredor de
biodiversidade, garantir por meio do mosaico que as unidades de conver-
sação próximas sejam fortalecidas e protegidas, não apenas sendo ilhas de
vegetação, mas havendo integração com o todo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS PRÁTICAS

Quanto à problemática exposta em sua prática, podemos observar


ao delongo uma consequência de erros que posteriormente, poderão auxi-
liar para a efetivação do projeto ou criação da cooperativa. Em primeiro
momento, percebeu-se que a delimitação do território poderia, de certa
forma, se limitar a uma colônia em específico, pois a abrangência total
do território rural da comarca de São José dos Pinhais se tornou inviável
dado sua extensão.
Nesta perspectiva, ressaltamos que, além da delimitação mais pre-
cisa do território, será necessário que se tenha no projeto um agente que
domine a região, ou seja, um sujeito familiarizado ou que resida na mesma.
Foi observado que o contato com as mulheres campestres foi extrema-
mente laborioso, no sentido que: as mulheres das colônias são mais reclu-
sas, possuem certa dificuldade de estabelecer conversas delongadas com
pessoas que não conhecem, apresentaram também não querer modificar a
sua situação, pois, de acordo com elas, estão há muito tempo nessa mesma
vida.
Notamos ainda, na pesquisa prática que as mulheres campestres de
São José dos Pinhais carregam em si a herança do tempo da “roça”. Posto
isto, essas mulheres fazem diversos serviços ao mesmo tempo, plantam,
colhem, cidadão das vendas, da casa e dentre outras. Observamos que
todas possuem um grande carinho por sua descendência e contato com
meio ambiente, mostrando grandes aprendizes da natureza.
Contudo, foi demonstrado na prática que região rural da comarca
MULHERES E CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS
| 145

é uma região bastante afortunada, e, como o nosso contato foi bastante


restrito, não há como saber se as mulheres possuem interesse de formarem
uma cooperativa. Vale ressaltar que, após conversa com a Associação do
Caminho do Vinho, comissão de meio ambiente da OAB- São José dos
Pinhais e sindicato dos trabalhadores rurais, percebemos que as mulhe-
res não têm representação massiva nestas organizações, sendo sempre
o homem que está associado aquele que se apresenta para dialogar nas
reuniões.
E, ainda, sentiu-se a necessidade de versar com outras áreas do saber,
quanto a pesquisa prática; ou seja, além de uma representante da região,
seria necessário, outros profissionais. Como, biólogas, geografas, filósofas
dentre outras.
Por fim, conversando com a Secretária do Trabalho do Munícipio,
conhecemos o projeto de economia solidaria, no qual mulheres se inscre-
vem a fim de comercializar seus produtos uma vez por mês em um espaço
cedido pela prefeitura. Ao dialogarmos com algumas destas mulheres,
percebendo a importância da junção delas neste projeto, nos pareceu que
aquelas ligadas ao projeto da economia solidária teriam maior interesse
na formação da cooperativa. Logo, decidimos que seria viável o ingresso
destas mulheres na cooperativa, pois, apesar de não residirem área rural,
possuem um elo com a natureza, visto que não trabalham com uma técnica
exagerada e ainda, seus produtos são manufaturados e sustentáveis.
Segue a lista de mulheres, com apenas as iniciais de seus nomes que
angariamos ao projeto e que teriam interesse na formação e no diálogo
da criação da cooperativa:

Nome Região Atividade


São José dos Pinhais Produção de derivados de milho.
G.A Feira do abastecimento

E. G Colônia Murici Hortifrútis e doces/geleias


JRB Economia Solidária Costura
JLV Colônia Malhada Produção e colheita
Colônia Cachoeira Orquídeas
MLFN
146 | OMULHERES
CONCEITO DE ECOFEMINISMO COMO SUBSÍDIO PARA A FORMAÇÃO DE UMA COOPERATIVA DE
RURAIS EM SÃO JOSÉ DOS PINHAIS: UMA PROPOSTA DE POLÍTICA PÚBLICA

Colônia Cachoeira Agricultora


EMNS

R Economia Solidária Artesã – Brinquedos e decoração


M Economia Solidária Artesã - tecidos
M2 Economia Solidária Artesã- costura e kigurumis
Tabela 1: Nível de concordância dos entrevistados quanto à pre-
sença de cada indicador do ecofeminismo na comunidade

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O CRÉDITO INSTALAÇÃO NA MODALIDADE
FOMENTO MULHER E A INVISIBILIDADE
DAS ASSENTADAS NO CAMPO

THE CREDIT INSTALLATION IN THE FEMALE


PROMOTION MODE AND THE INVISIBILITY
OF THE SEATS IN THE FIELD

Vanessa Pereira Tannous1


Elenice Silverio de Souza2
André Felipe Soares de Arruda3

INTRODUÇÃO

A questão agrária reproduz o capitalismo, concentrando a riqueza


nas mãos de poucos e dissemina a pobreza e a miséria, através da distri-
buição de terras de forma desigual e indiscriminada. A desigualdade é
um grave problema no Brasil e para que haja a sua solução é necessária a
transformação das bases estruturais. A falta de igualdade tem inúmeras
origens e traz consequências negativas para a garantia de direitos e desen-
volvimento sustentável.
Com o capitalismo e o processo de industrialização o trabalhador
rural foi atraído pelos grandes centros e, desprovido de qualificação, se
submeteu aos trabalhos nas indústrias e a péssima qualidade de vida em
subúrbios/favelas das cidades. Nesse contexto, surgem no meio rural
várias lutas, conflitos e categorias que se estabelecem, entre o Estado e os
movimentos sociais, agronegócio e agricultura familiar, latifundiários e
camponeses, questões de gênero, entre outros.
Entre as causas da desigualdade está a concentração de terra ligada ao
êxodo rural mencionado anteriormente a apropriação de recursos naturais
e bens comuns, a destruição do meio ambiente e a formação da poderosa

1 Aluna Especial do Mestrado em Direito Agrário da Universidade Federal de Goiás.


Contato: tannousvanessa@gmail.com
2 Aluna Especial do Mestrado em Direito Agrário da Universidade Federal de Goiás.
Contato: ele_silverio06@hotmail.com
3 Docente do Mestrado em Direito Agrário da Universidade Federal de Goiás.
Contato: andrefsarruda@ig.com.br
150 | OASSENTADAS
CREDITO INSTALAÇÃO NA MODALIDADE FOMENTO MULHER E A INVISIBILIDADE DAS
NO CAMPO

elite detentora do modelo agrícola de latifúndio e monocultivo destinado


à exportação e não a produção e distribuição interna de alimentos.
Importante lembrar que a reforma agrária defende um modelo eco-
nômico e social firmado no uso consciente da terra com a finalidade de
subsistência. Os assentamentos são essenciais para que essa política possa
se concretizar, já que são criados a partir da desapropriação de latifúndio
improdutivo e emissão de posse da terra pelo Instituto Nacional de Colo-
nização e Reforma Agrária (INCRA), órgão responsável pela formulação
e execução da política fundiária nacional, quando transfere a terra aos
trabalhadores rurais, para que a tornem produtiva. O modo de produção
dos assentamentos da reforma agrária é baseado na economia solidária e
o grupo é dividido em setores para atender as demandas da comunidade,
como educação, saúde, cultura e produção.
Os assentamentos resultantes dos programas de reforma agrária
representam uma evolução, pois geram emprego, renda e modelo de desen-
volvimento agrícola mais equitativo. O enfoque desse trabalho é a divisão
das atividades desenvolvidas pelas assentadas e pelos assentados, baseada
na questão de gênero e o papel ocupado pelas mulheres no campo e suas
jornadas duplas, já que continuam exercendo as atividades domésticas e
cuidando dos filhos e da família. As mulheres vão rompendo as barreiras
do mercado de trabalho e chegando a cargos profissionais que antes per-
tenciam apenas ao público masculino, como agricultoras, executivas e
empreendedoras.
No geral, a participação delas mostra-se subestimada quanto às
atividades relacionadas à agricultura, que normalmente são lideradas e
exercidas por grupos masculinos. Conforme Aro e Ferrante:

As pesquisas qualitativas desenvolvidas pelo NUPEDOR têm mostrado


que o trabalho das mulheres é voltado à satisfação das necessidades fami-
liares. Essa participação tem favorecido a diversificação agrícola e outras
práticas agroecológicas na terra, como consorciamentos, adubação orgâ-
nica, integração animal/vegetal, rotação de pastagens, dentre outras, que
ocupam pequenos espaços(...). As mulheres também são detentoras e guar-
diãs de valores culturais e sociais do grupo, como os conhecimentos sobre
ervas medicinais, cultivo e administração de remédios caseiros e orações
para proteção da família e do homem, ou seja, uma outra dimensão consi-
derada invisível. (ARO e FERRANTE, 2013, p.201)
MULHERES E CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS
| 151

Portanto, ainda no campo, as mulheres exercem inúmeras funções


que não são reconhecidas, sendo responsáveis pela alimentação, moradia,
cuidado com os animais e ainda, sem remuneração, ou seja, atividades
consideradas de autoconsumo, mas que são essenciais para a sobrevivência
de toda a família.
Diante disso, será feita uma análise da divisão sexual do trabalho no
âmbito rural, mais precisamente nos assentamentos, através de trabalhos
e pesquisas já realizadas, nos quais famílias foram investigadas, com foco
nos lugares ocupados pelas mulheres e suas funções, os movimentos sociais
que auxiliam em sua trajetória e diminuem a invisibilidade e as políticas
públicas implementadas, ressaltando a importância e a necessidade de
reconhecê-las como sujeitos de direito.

HISTÓRICO DA INVISIBILIDADE FEMININA NO MEIO


RURAL

De acordo com Aro e Ferrante (2013, p.204) as áreas produtivas


do território brasileiro, em grande parte, são ocupadas pelos grandes e
médios produtores rurais com suporte tecnológico desenvolvido, onde
predominam os plantios de commodities agrícolas. A produção é voltada
para a exportação e não há a preocupação com programas de segurança
alimentar interna e o fornecimento de produtos naturais, pois estas são
políticas voltadas para o pequeno produtor e os assentamentos.
Observou-se que as assentadas subestimam suas jornadas de traba-
lho, já que as horas empenhadas cuidando da casa, dos filhos, auxiliando
na horta e com os animais, não são computadas como tal, além de serem
atividades consideradas de autoconsumo, reafirmando a invisibilidade no
âmbito agropecuário. Isso acontece também, pelo fato delas trabalharem
sem remuneração, pois se acredita que tais atividades não possuem ren-
dimentos quantificáveis monetariamente, não usufruindo do status de
trabalhadoras, ficando a atividade agropecuária em segundo plano.
Conforme Paulilo (1994, p.4):

Outra denominação utilizada para caracterizar o trabalho no meio rural é


classificá-lo como trabalho “leve” ou “pesado”, sendo considerado trabalho
“pesado” o realizado nas atividades de limpeza do mato e na criação do
gado, “o pesado” está direcionado ao masculino, principalmente roçar e
152 | OASSENTADAS
CREDITO INSTALAÇÃO NA MODALIDADE FOMENTO MULHER E A INVISIBILIDADE DAS
NO CAMPO

cavar a terra. “Roçar significa derrubar o mato grosso, inclusive árvores e


machado a foice”. Trabalho “leve” é feminino, é plantar, arrancar o mato
miúdo, e adubar. (apud D’ÁVILA, 2016, p.18)

Porém, é necessário reconhecer o ser mãe, considerando todas as suas


condições biológicas e fisiológicas, o cuidado com a casa e o gerenciamento
da alimentação familiar, que propicia a segurança alimentar muitas vezes
desde o plantio até as refeições. Tais fatores não devem ser justificativa para
a discriminação, mas sim impulso para o reconhecimento dessas práticas
essenciais à sobrevivência e bem estar de todos.
A segurança alimentar mencionada esta atrelada ao acesso de todos
a alimentos saudáveis, sem agentes químicos, valores e quantidades nutri-
cionais equivalentes, diversidade de produtos e controle do balanceamento
nutricional, conforme os trabalhos dos quintais dos assentamentos têm
se mostrado (ARO E FERRANTE, 2013)
As atividades secundárias no agronegócio, como plantio, colheita e
cuidado com pequenos animais para o autoconsumo familiar, são consi-
deradas como ajuda. O estereótipo destas atividades como ação iminen-
temente femininas, e os papeis sociais das mulheres, construídos cultural-
mente, estão consolidados e precisam de uma desconstrução. Nos trabalhos
analisados, os homens baseados na sociedade patriarcal desconsideram ou
omitem o serviço das mulheres nas cadeias produtivas.
Uma informação dada por Ferrante e Duval (2009), demonstra a
invisibilidade das mulheres em um assentamento na cidade de Araraquara/
SP, por exemplo: “No assentamento Monte Alegre, as mulheres são, em
17,5% dos casos, titulares dos lotes, tendo, neste caso, em média, 58 anos
de idade. O número de mulheres que acessaram o Pronaf é mínimo.” (apud
ARO; FERRANTE, 2009, p.206)
A história de Dona Maria, do assentamento Monte Alegre serve de
exemplo e foi contada por Aro e Ferrante:

Titular do lote, viúva por duas vezes, hoje está dividindo o lote com um
novo marido, também assentado. O seu lote está com os filhos, mas D.
Maria está pensando em se separar do marido para voltar ao seu lote, pois
o ITESP a tem pressionado devido a sua saída por caracterizar abandono
da propriedade e teme em passar o lote para um dos filhos, pois sabe que
correrá risco que eles venham colocar os demais para fora. (ARO E FER-
RANTE, 2013, p.216).
MULHERES E CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS
| 153

Assim, a divisão dos trabalhos exercidos por homens e mulheres


existe devido à construção histórica que originou uma sociedade patriarcal
e machista, em que se atribui ao homem o papel de provedor das neces-
sidades familiares, sem levar em consideração o papel desenvolvido pelo
sexo feminino. É necessário enxergar ambas as partes como unidades pro-
dutivas e de consumo, como sujeitos de direito, que se esforçam para a
manutenção da família.

RECONHECIMENTO DA SITUAÇÃO DE DESIGUALDADE


PELAS MULHERES E OS MOVIMENTOS SOCIAIS RURAIS

A Constituição Federal de 1988 dispõe que “o título de domínio e


concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos,
independente do estado civil”. (BRASIL, 1988). Ocorre que este disposi-
tivo tem sido pouco aplicado na prática, como veremos a seguir.
O empoderamento das mulheres quanto à questão de gênero, por
meio de capacitações e ferramentas, auxilia no alcance de suas autonomias.
A importância da distribuição de terra às mulheres, conforme as pesquisas
realizadas, passou a ocorrer nas décadas de 1970 e 1980. Surgiu a necessi-
dade de as mulheres serem proprietárias da terra, por possuírem capacidade
de beneficiar diretamente a família, diferentemente dos homens que por
vezes utilizam a renda para fins estritamente particulares, como bebidas
e fumo. A propriedade da terra em nome delas também lhes dá maior
segurança quando elas estão em situação de conflitos com os homens.
O processo de empoderamento deve começar pelas próprias mulhe-
res. A participação deve ocorrer no processo produtivo, na administra-
ção dos bens e da renda, na manutenção da família, que são atividades
fundamentais para o engajamento na tomada de decisões, aumentando
a democracia participativa nos assentamentos, o acesso à informação, a
cursos de capacitação e a um melhor desenvolvimento social e cultural,
transformando a realidade patriarcal.
Existem diferenças na evolução e constituição da autonomia das
mulheres nas várias regiões do Brasil. No Nordeste há um alto índice de
participação das assentadas na reforma agrária, já no Sul o índice é baixo.
Isso se deve a diferença de estrutura familiar e ao alto grau de pobreza no
Nordeste, que gerou o elevado índice de migração masculina, propiciando
154 | OASSENTADAS
CREDITO INSTALAÇÃO NA MODALIDADE FOMENTO MULHER E A INVISIBILIDADE DAS
NO CAMPO

as chefias femininas em busca de sobrevivência, além de possuírem mais


autonomia e auto-estima do que no Sul, onde está enraizada a migração
de famílias alemãs e italianas, extremamente machistas. (DEERE, 2002)
Na comunidade Monte Alegre o resultado encontrado foi o surgi-
mento da AMA (Associação de Mulheres Assentadas) que produzem pães.
Primeiramente, começaram a produzir na cozinha da escola do assenta-
mento, com equipamentos próprios e matérias primas compradas fora,
posteriormente, foram beneficiadas com equipamentos para a construção
de uma padaria industrial. Essa história destaca o início da independência,
grande conquista para romper a invisibilidade feminina.

Na padaria foram feitas análises dos produtos e montadas tabelas nutri-


cionais, balanceamento e melhoramento de receitas e procedimentos para
se obter um rótulo para facilitar a comercialização desses produtos. Essa
atividade foi desenvolvida em conjunto com a coordenação dos cursos
de Nutrição e de Propaganda e Marketing da UNIARA. (ARO E FER-
RANTE, 2013, p.208).

Alguns cursos foram articulados para as mulheres, oferecidos pela


Secretaria Municipal de Agricultura de São Carlos, para somar as produ-
ções já realizadas. “O primeiro deles, Técnicas de Desidratação de Frutas,
Hortaliças, Ervas, foi realizado em 21/08/2010 e o curso Produção de
Biscoitos e Barras de Cereais, que foi no dia 28/08/2010.” (ARO E FER-
RANTE, 2013, p.209)
Na região de Araraquara, conforme o trabalho analisado, as mulhe-
res têm sido pioneiras na agroindústria, principalmente na produção de
alimentos, como forma de garantir a segurança alimentar e nutricional
de sua família, além da rentabilidade e independência que tais atividades
trazem para suas vidas.
Em outra região do país, onde se encontram o assentamento Mata
Verde e Timbó, há o Programa Territórios da Cidadania, que está engajado
em prol de políticas públicas para mulheres rurais, como:

Organização produtiva, crédito, ATER, comercialização e Programa de


Documentação da Trabalhadora Rural, assim a estratégia de construção
políticas para mulheres rurais envolve a integração do acesso à cidadania,
promoção da autonomia econômica e participação social. (D’ÁVILA,
2016, p.53)
MULHERES E CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS
| 155

Conforme relatado no trabalho pesquisado:

Apesar da invisilibidade do trabalho feminino no meio rural é impossível


não perceber a força feminina no projeto de assentamento Mata Verde
com sua permante contribuição de conciliação do espaço doméstico com
o cultivo nos quintais e criação de galinhas e apoio as atividades exercidas
pelos homens. (D’ÁVILA, 2016, p.79)

Com a análise dos trabalhos acessados, é possível observar que a


inclusão das assentadas em todas as fases do processo produtivo aumen-
tou, até mesmo como titulares de lote, deixando de pertencer apenas à
categoria de esposas e mães, propiciando a participação direta das mesmas
a programas de inclusão produtiva e destinatárias de benefícios sociais,
como Minha Casa Minha Vida, Bolsa Família, entre outros.
Em alguns assentamentos, conforme D’ávila (2016, p. 79), as ações
femininas são mais marcantes, em outros, são mais ofuscadas, porém, não
deixam de ter a sua importância e contribuição econômica e social, até
porque o trabalho doméstico, que as sobrecarregam, impede que reali-
zem outras tarefas produtivas, principalmente quando possuem crianças
pequenas, o que impossibilita que elas se afastem de seus quintais. Quanto
a isso, será necessário o surgimento de novos arranjos familiares, onde a
responsabilidades domésticas e agropecuárias sejam divididas de forma
igualitária para ambos os gêneros.
Portanto, a percepção das questões de gênero no âmbito rural, prin-
cipalmente pelas próprias assentadas, é essencial para o processo de empo-
deramento destas mulheres, para que as lutas em busca de visibilidade
sejam colocadas em prática. Essa mudança também propiciou o acesso
aos programas de crédito por meio das políticas públicas destinadas a elas.

CRÉDITO FOMENTO MULHER

O crédito fomento mulher é uma política pública fruto da necessi-


dade existente na sociedade brasileira, especificamente no meio rural, de
implementar o fortalecimento da população feminina que vive no campo.
Como já abordado no presente trabalho, as mulheres do campo
enfrentam um contexto de desigualdade, que as submete a um papel secun-
dário em todos os espaços sociais e principalmente no cenário rural. Muitas
156 | OASSENTADAS
CREDITO INSTALAÇÃO NA MODALIDADE FOMENTO MULHER E A INVISIBILIDADE DAS
NO CAMPO

vezes as mulheres que ocupam este território não são enxergadas como
sujeitos produtivos, tampouco como sujeito de direito. Muito pouco se
reconhece acerca do trabalho realizado pelas mulheres no campo.
Apesar dessa invisibilidade que por séculos martiriza as mulheres que
vivem no campo é forçoso reconhecer que o papel desempenhado por elas
é de suma importância para o desenvolvimento das atividades agrárias e,
por consequência, para o desenvolvimento do país. As mulheres desem-
penham diversas atividades no contexto da agricultura familiar e desta
forma contribuem intensamente para a melhoria da renda das famílias
que vivem no campo. Assim, elas conseguem elevar o seu padrão de vida
e a sua dignidade, bem como contribuir para a melhores condições das
pessoas com que coabitam.
Além dessa vertente, acima mencionada, o trabalho desempenhado
pelas mulheres no meio rural deve ser reconhecido e devidamente valori-
zado também pelo que representa no âmbito da produtividade. O abaste-
cimento do mercado interno de alimentos também passa pelas mãos das
mulheres trabalhadoras do campo. As mulheres do século XX e XXI não
se dedica mais, com exclusividade, aos trabalhos domésticos. Ao contrário,
elas vão ao mercado de trabalho nos centros urbanos, e no meio rural elas
dividem com o homem, os cuidados com a terra, o plantio e a colheita,
bem como o manejo dos animais, sejam eles de pequeno ou grande porte.
Apesar dessa realidade de semelhança no enfrentamento trabalho
rural por homes e mulheres, do ponto de vista do investimento e do reco-
nhecimento não é possível falar em muitos avanços. Ainda são tímidas as
iniciativas voltadas ao reconhecimento e ao fortalecimento do trabalho
desempenhado pelas trabalhadoras do campo. Ainda existe um legado de
preconceito e de depreciação da figura feminina, que impede o reconhe-
cimento do seu trabalho e o acesso a bens historicamente destinados aos
homens. (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 2016)
Neste contexto de invisibilidade e preconceito em relação ao papel
desempenhado pelas mulheres do campo, surgiu a necessidade de imple-
mentação de políticas públicas que diminuísse essa desigualdade e modifi-
casse esse quadro de invisibilidade. Como ressaltado, é um pequeno avanço
diante do contexto ora apresentado.
É neste cenário que surge o Crédito Instalação, destinado aos
beneficiários do Programa Nacional de Reforma Agrária (PNRA). Este
MULHERES E CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS
| 157

programa é a materialização de uma política pública que busca auxiliar no


efetivo acesso à terra. Pois, receber a posse da terra é uma etapa de grande
importância, porém, é necessário que os assentados tenham condições
financeiras e técnicas de manusear adequadamente a terra ao ponto de
torná-la produtiva. (INCRA, 2019)
Assim, é preciso que o Estado atue, por meio de políticas públicas,
fomentando a efetivação da posse concedida aos assentados. A partir desta
visão, a criação do programa de financiamento Crédito Instalação assume
importante papel, na medida em que contribui para a efetivação do pro-
grama de Reforma Agrária e para a valorização e estimulação do trabalho
realizado pelos pequenos produtores assentados.
O programa de financiamento em questão possui diversas modali-
dades de destinação do crédito, dentre essas, foi instituída a modalidade
Fomento Mulher. Ainda que de forma tardia e tímida, o legislador bra-
sileiro começou a reconhecer a presença e a importância da mulher no
campo. Desta forma, o Decreto 9.424/2018, que regulamenta o mencio-
nado programa de financiamento, prevê o crédito de instalação na modali-
dade Fomento Mulher, que é destinado a implantação de projeto produtivo
sob responsabilidade da mulher titular do lote. O valor concedido é de até
R$ 5.000,00 (cinco mil) reais, em operação única, por família assentada.
(BRASIL, 2018)
Nos termos do referido decreto, a competência para gestão opera-
cional da concessão dos créditos de instalação é do Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária - INCRA. A concessão dos créditos deve
ser feita por instituição financeira federal contratada pelo INCRA, para
essa finalidade. Por fim, o beneficiário deverá formalizar contrato indivi-
dualmente com a instituição financeira para ter acesso ao referido crédito.
Na modalidade fomento mulher, a titular de lote de terra oriundo
de reforma agrária deverá, cumulativamente, ter seus dados atualizados
junto ao Incra; não ter recebido anteriormente o crédito instalação na
modalidade apoio mulher, previsto no inciso VI do § 1º do art. 3º da na
lei 13.001/2014; ser atendida por serviço de Ater conforme definido no
inciso I do caput do art. 2º da Lei nº 12.188, de 2010 , responsável por
apresentar projeto de estruturação da unidade produtiva, ou outro profis-
sional habilitado, que poderá ser servidor do Incra, de suas prestadoras de
assistência técnica ou de órgãos da administração pública federal, estadual,
158 | OASSENTADAS
CREDITO INSTALAÇÃO NA MODALIDADE FOMENTO MULHER E A INVISIBILIDADE DAS
NO CAMPO

distrital e municipal que estabeleçam acordo de cooperação, convênio ou


outro instrumento congênere, conforme disciplinado pelo Incra; e, por
fim, estar inscrita no CadÚnico. (BRASIL, 2018)
No que tange à forma de financiamento, aos créditos de instalação
será aplicada taxa de juros de cinco décimos por cento ao ano, a partir
da data da sua concessão, bem como, no caso da modalidade fomento
mulher, observadas as peculiaridades, previstas no artigo 10, inciso II, do
decreto 9.424/2018:

II - para as modalidades fomento e fomento mulher:


a) reembolso - em parcela única, com vencimento no prazo de um ano,
contado da data de liberação do crédito de instalação; e
b) rebate para liquidação - oitenta por cento sobre o saldo devedor atuali-
zado na forma prevista no caput para as liquidações efetuadas até o prazo
de vencimento ou outro prazo estabelecido em ato do dirigente máximo
do Incra, caso o pagamento não seja efetuado até a data de vencimento por
situação não imputável aos beneficiários;

O artigo 13 do mencionado diploma normativo prevê, ainda, algu-


mas exigências para que a beneficiária opte pelas modalidades de crédito
de instalação nele previstos, inclusive na modalidade fomento mulher.
Assim, é necessário que a beneficiária firme contrato de concessão de uso,
concessão de direito real de uso ou, título de domínio. (BRASIL, 2018)
Preenchidos os requisitos legais, a beneficiária terá acesso ao crédito
previsto no decreto e por meio dele poderá dar maior efetividade ao seu
direito de acesso à terra. Assim, terá condições de financiar a atividade
produtiva, além de ter acesso às técnicas necessárias ao desempenho de
uma atividade que levará a bons índices de produtividade, bem como a
produtos de qualidade.
Ao instituir a política pública que cria o crédito de instalação na
modalidade fomento mulher, o Poder Público possibilita também a efeti-
vação do princípio da função social da propriedade, pois garante às mulhe-
res do campo mecanismos e recursos para exercer a atividade agrária, por
meio de acesso a insumos e técnicas produtivas. Neste contexto, além de
beneficiar as mulheres camponesas, se dará cumprimento ao mandamento
constitucional, que dispõe em seu artigo 186, que a propriedade rural cum-
prirá a sua função social, quando atender ao requsitito do aproveitamento
racional e adequado, aliado, simultameamente, aos demais requisitos ali
MULHERES E CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS
| 159

previstos. (BRASIL, 1988)


Para além disso, essas mulheres que antes estavam imersas na invisibi-
lidade, agora são vistas como sujeitos de direito, aptos e dignos da atenção
do Estado e do acesso aos meios necessário a sua sobrevivência digna no
campo. A mulher agora pode ser compreendida como sujeito produtivo
que efetivamente contribui com a produção dos alimentos que abastecem
o mercado de consumo interno.
Muito mais que uma linha de crédito, este programa traz digni-
dade a mulher do campo, pois por meio dele, um número considerável
de mulheres já acessou recursos que possibilitaram o incremento de sua
renda e o desenvolvimento de suas atividades agrárias. Não se trata apenas
de financiamento, mas principalmente de uma conquista alcançada na
luta pela igualdade de gênero no campo. Trata-se de mais um passo dado,
rumo a um futuro onde não seja mais necessárias políticas públicas para
igualar gêneros, mas apenas para o avanço da sociedade como um todo, já
que acredita-se na superação das barreiras relacionadas às peculiaridades
de gênero, raça e demais características de cada ser humano.

ESTATÍSTICAS/PERCENTUAIS SOBRE MULHRES NO


CAMPO

Para compreendermos a relevância do Programa de Instalação, na


modalidade fomento mulher, é preciso ter em mente os números que
expressam a real presença feminina na sociedade e no campo e também
outros indicadores que expressam o histórico de invisibilidade e discrimi-
nação das mulheres perpetrados ao longo da história.
De acordo com dados do censo agropecuário 2006/IBGE, disponi-
bilizados no site do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), a
desigualdade fundiária no Brasil também reforça a desigualdade de gênero.
A pesquisa constatou que são os homens que controlam a maior parte dos
estabelecimentos rurais e estão à frente dos imóveis com maior área: eles
possuem 87,32% de todos estabelecimentos, que representam 94,5% de
todas as áreas rurais brasileiras.(OXFAM BRASIL, 2016)
Na vertente diametralmente oposta, encontram-se as mulheres que
representam quase o dobro do número de produtores rurais sem posse da
terra, quando comparadas aos homens. Os dados demonstram que 4,5%
160 | OASSENTADAS
CREDITO INSTALAÇÃO NA MODALIDADE FOMENTO MULHER E A INVISIBILIDADE DAS
NO CAMPO

dos homens produtores rurais não possuem terra e para as mulheres este
percentual é de 8,1%. (OXFAM BRASIL, 2016)
No que se refere ao tamanho médio das propriedades, verifica-se,
mais uma vez, níveis alarmantes de desigualdade, na medida em que o
tamanho médio das propriedades tituladas por homens é mais que o dobro
das propriedades tituladas por mulheres. Traduzindo estas informações em
números, chega-se ao tamanho médio de 84,2 hectares para propriedades
de homens, e apenas 33,1 hectares para propriedades cujas mulheres sejam
suas titulares. (OXFAM BRASIL, 2016)
Em relação ao acesso à orientação técnica, as mulheres mais uma
vez sofrem um desprestígio em relação aos homens. A falta de acesso a
orientação técnica chega a 76,5% para homens, mas para mulheres atinge
o patamar de 87,3%. Portanto, além de enfrentar problemas de acesso à
terra, a mulher do campo ainda padece com a precariedade das técnicas
utilizadas no desempenho das atividades agrárias e encontra maior resistên-
cia quando da necessidade de auxílio técnico. (OXFAM BRASIL, 2016)
Essa desigualdade expressa o histórico papel secundário atribuído
à mulher ao longo do tempo. Pela análise da história é possível perceber
que as mulheres sempre ocuparam lugares menos privilegiados em relação
aos homens e, mesmo quando ocuparam os mesmos lugares ou postos de
trabalho, não tiveram o devido reconhecimento.
Para exemplificar o que se expõe, dados do IBGE demonstram que
mulheres que desempenham as mesmas funções que os homens, percebem
uma remuneração 23,5% inferior a remuneração percebida pelo homem.
Esse dado fica ainda pior quando se soma à questão de gênero a questão
étnico/racial, ou seja, mulheres negras, são piores remuneradas quando
comparadas a homens e também à mulheres brancas. (IPEA, 2019)
Outros indicadores acentuam ainda mais o histórico de desigualdade.
A educação, por exemplo, é outra vertente importante que demonstra esse
fato, pois as mulheres que vivem no campo estudam menos que as mulhe-
res que vivem nas cidades, e isso é determinante para a perpetração dessa
abismo existente entre homens e mulheres, e entre habitantes urbanos e
rurais. (IPEA, 2015)
A distribuição da renda entre o sexo masculino e o feminino também
demonstram a desigualdade. De acordo com pesquisa desenvolvida pelo
Instituto de pesquisa Econômica Aplicadas - IPEA, a renda das mulheres
MULHERES E CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS
| 161

corresponde a 64% da renda de um homem, evidenciando assim, que existe


um quadro crônico de desigualdade, pobreza, e má distribuição de renda,
fundada em questões de gênero. (IPEA, 2015)
Os dados estatísticos, ora apresentados, demonstram que existe uma
acentuada desigualdade de gênero no Brasil. Especificamente no campo, a
desigualdade traz prejuízos para o desenvolvimento da agricultura familiar,
já que as mulheres correspondem a um percentual significativo dos habi-
tantes e trabalhadoras deste espaço. É diante deste cenário que se apresenta
a necessidade de expansão das políticas públicas voltadas para o acesso à
terra e também dos recursos financeiros e técnicos que contribuem para
um ambiente de igualdade, de justiça social e de melhor produtividade.
É preciso reconhecer que a desigualdade existe e que estes números,
muitas vezes não expressam a verdadeira dimensão do abismo existente,
tendo em vista que as dimensões continentais do Brasil, muitas vezes aca-
bam por ocultar as vitimas da desigualdade que se encontram nos rincões
do país.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O trabalho ora realizado trouxe a lume questões relativas à desigual-


dade de gênero que atinge todos os espaços sociais e chega também ao
campo. Importante ressaltar que o histórico de preconceito e invisibilidade
sofrido pela mulher do campo é reflexo de um comportamento machista
perpetrado ao longo da nossa história.
Na medida em que a desigualdade se propaga, surge a necessidade
da intervenção do Estado por meio de políticas públicas que, paulatina-
mente, tendem a minimizar os problemas enfrentados pelas mulheres
no seu cotidiano de trabalho. Nessa perspectiva, a criação de segmentos
voltados para mulheres, no bojo dessas políticas públicas voltadas para o
acesso à terra, se apresenta como medida salutar ao pleno desenvolvimento
da agricultura familiar e também para a diminuição da desigualdade de
gênero e da desigualdade social como um todo.
Neste contexto, o programa que instituiu o Credito de Instalação
na modalidade Fomento Mulher, traduz o atendimento de uma demanda
a muito tempo existente e que finalmente encontra amparo estatal. A
instituição de uma linha de financiamento voltado para a mulher, é um
162 | OASSENTADAS
CREDITO INSTALAÇÃO NA MODALIDADE FOMENTO MULHER E A INVISIBILIDADE DAS
NO CAMPO

trabalho ainda tímido diante da grande necessidade de políticas públicas


que atuem no campo da eliminação das desigualdades.
No curso deste trabalho ficou evidente que, em que pese a nobre
intenção do legislador, na prática o referido programa enfrentou diversos
problemas relativos a sua efetivação. O crédito oferecido nem sempre é
suficiente para o suprimento das necessidades existentes no campo, e por
este motivo, muitas vezes não consegue afastar as dificuldades enfrentadas
por essas mulheres.
Além disso, a falta da assistência técnica qualificada continua a ser um
fator limitante do pleno desenvolvimento das mulheres no desempenho da
atividade rural, impedindo que alcancem sua autonomia e emancipação.
A melhoria da produtividade e da qualidade dos alimentos e produtos
advindos das atividades desenvolvidas pelas mulheres, também ficam com-
prometidas pela falta de assistência.
Importante ressaltar que o programa não chega a todas as mulheres
que dele necessitam, pois encontra limitações de ordem orçamentárias
que impedem que um número expressivo de mulheres tenham acesso ao
referido crédito.
Apesar de todos os problemas apresentados, referentes à baixa efeti-
vidade e ao número limitado de mulheres que têm acesso ao programa, é
forçoso reconhecer que se trata de medida que realmente impacta a vida
das mulheres por ele beneficiadas. O crédito oferecido permite a efeti-
vação da posse pelas mulheres assentadas em terras oriundas de reforma
agrária e capacita as mesmas para lidar com as atividades agrárias perti-
nentes ao seu espaço.
Medidas como estas são capazes de aumentar a produtividade e a
renda dessas pequenas produtoras, trazendo dignidade e melhores con-
dições de vida a mulheres que historicamente são marcadas pela invisibi-
lidade e desprezo social. Além disso, tais medidas atuam no aumento da
produtividade e no desenvolvimento da atividade agrária como um todo.
Portanto, se faz necessário que, diante dos dados apresentados,
o Credito Instalação, na modalidade fomento mulher, seja ampliado e
melhorado quando da sua efetivação. É preciso atender um número de
mulheres compatível com a real demanda existente na sociedade brasileira,
é necessário reconhecer a importância da mulher que vive e trabalha no
campo.
MULHERES E CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS
| 163

Nessa perspectiva, deve-se buscar a cooperação entre Estado, a socie-


dade e organismos internacionais, como a Organização das Nações Unidas
- ONU, na busca pela eliminação da desigualdade. Neste contexto pode
ser citado o Objetivo 2, da Agenda 2030, da ONU, que tem como uma
das metas a serem atingidas, o crescimento da produtividade agrícola e da
renda dos pequenos produtores de alimentos, particularmente das mulhe-
res, inclusive por meio de acesso seguro e igual à terra, outros recursos
produtivos e insumos, conhecimento, serviços financeiros, mercados e
oportunidades de agregação de valor e de emprego não agrícola. (ONU,
2015)
Desta forma, é importante ressaltar que as políticas publicas de eli-
minação das desigualdades não devem ser compreendidas como políticas
de governo, compatíveis com ideologias políticas. Ao contrário, devem
ser vistas como medidas a serem concretizadas independentemente da
ideologia de governo, pois são urgentes e necessárias à diminuição da desi-
gualdade que se faz muito presente na sociedade brasileira.

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protagonismo. Dissertação (Mestrado) - Curso de Pós-Graduação em
Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente, Centro Universitário de
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http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2018/Decreto/
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rev. ampl. e atual. - Salvador: JusPODIVM, 2016.

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nindo a participação da mulher no processo produtivo familiar. Um
164 | OASSENTADAS
CREDITO INSTALAÇÃO NA MODALIDADE FOMENTO MULHER E A INVISIBILIDADE DAS
NO CAMPO

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2016. Dissertação (Mestrado em Estudos Políticas Públicas) - Curso de
Pós-Graduação em Estudos Urbanos e Regionais, Universidade Federal
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Desenvolvimento Sustentável 5: Alcançar a igualdade de gênero e
empoderar todas as mulheres e meninas. Organização das Nações
Unidas, 2016. Disponível em: https://nacoesunidas.org/wp-content/
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O ECOFEMINISMO COMO INSTRUMENTO DE
DESCONSTRUÇÃO DO PATRIARCADO PARA UMA
MAIOR REPRESENTATIVIDADE FEMININA

EL ECOFEMINISMO COMO INSTRUMENTO DE


DESCONSTRUCCIÓN DE LA PATRIARQUÍA PARA
UNA MAYOR REPRESENTACIÓN FEMENINA

Daiana Allessi Nicoletti Alves1


Wanessa Assunção Ramos2

INTRODUÇÃO

A Constituição Federal brasileira prevê, principalmente em seus


artigos 3º e 5º, a igualdade formal entre homens e mulheres, contudo,
diante de construções sociais de uma sociedade patriarcal e machista, a
igualdade material ainda encontra diferentes obstáculos para sua plenitude,
estando em constante construção. Dentre os diferentes óbices, tratar-se-á
da dificuldade de acesso de pessoas do gênero feminino aos espaços de
liderança e poder, onde normalmente ocorrem a tomada de decisões, que é
uma das metas estabelecidas pela Organização das Nações Unidas (ONU)
em seus Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.
Neste prisma, o ecofeminismo como um desdobramento do femi-
nismo e da necessidade de busca por espaços e igualdade, contribui rica-
mente para a visibilidade e empoderamento das mulheres, notadamente no
cenário da representatividade social e política, para enquanto movimento
social, lutar contra a desigualdade de gênero como um entrave democrático
a ser urgentemente sanado.
O importante papel que as mulheres desempenham dentro do
contexto do desenvolvimento sustentável, justifica a luta feminina contra
o patriarcado e da mesma forma que a natureza e seus recursos, foram

1 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos e Políticas Públicas


da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR).
Contato: daianaallessi@hotmail.com
2 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos e Políticas Públicas
da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR).
Contato: wanessaaramos@gmail.com
166 | OMAIOR
ECOFEMINISMO COMO INSTRUMENTO DE DESCONSTRUÇÃO DO PATRIARCADO PARA UMA
REPRESENTATIVIDADE FEMININA

e continuam sendo objeto de dominação e exploração masculina com


objetivo de garantir valor, o ecofeminismo incorpora a visão da mulher
nas discussões acerca da problemática ambiental e difunde o conceito
de valorar o que era e ainda permanece economicamente irrelevante, tal
como cultura local, vida e natureza equilibrada, combatendo o capitalismo
desenfreado e tentando cadenciar a marcha do desenvolvimento com a luta
feminina por espaço, independência e autonomia, sobretudo, alimentar.
Com esta linha de desenvolvimento, a indiana Vandana Shiva teve
importante contribuição para o ecofeminismo a nível mundial, tendo
influenciado, com sua filosofia, diversos movimentos femininos e no Bra-
sil, por seu caráter de representatividade e força nacional, traçamos uma
paralelo da luta das mulheres do campo, que participam do movimento
social a Marcha das Margaridas.
Desta forma, o presente artigo tem como tema a representativi-
dade feminina em diferentes contextos, como por exemplo, sociológico,
ambiental e econômico e para que se possa atingir esse objetivo geral,
tem-se como objetivos específicos: (i) descrever acerca da desigualdade de
gênero nos espaços de tomada de decisão e representatividade, (ii) abordar
a necessidade da liderança feminina na sociedade e em âmbito político e
(iii) realizar um estudo comparado entre a situação brasileira no tocante
a representatividade feminina em pautas de ativismo ambiental traçando
um paralelo com movimentos de engajamento internacional no que
tange ao pioneirismo do protagonismo feminino na luta e defesa de um
meio ambiente sadio e sustentável, em especial da ecofeminista Vandana
Shiva. Utilizou-se como metodologia uma pesquisa teórica, exploratória
e qualitativa.

A DESIGUALDADE ENTRE OS GÊNEROS FEMININO E


MASCULINO

Nas eleições brasileiras do ano de 2018, o eleitorado era composto


por 52,5% de pessoas do gênero feminino (TSE, 2018.). Em que pese a
maioria feminina nas urnas, na atual Legislatura, na Assembleia Legis-
lativa do Estado do Paraná encontra-se somente cinco mulheres entre
os cinquenta e sete deputados estaduais (ALEP, 2019) e na Câmara de
Vereadores do município de Curitiba de trinta e oito vereadores da atual
MULHERES E CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS
| 167

legislatura, somente oito são mulheres (CMC, 2019). Ainda, na Câmara


dos Deputados, que envolvem os parlamentares em esfera federal, as
mulheres ocupam somente 15% das cadeiras com 77 deputadas federais
(Câmara dos Deputados, 2019). No mês de dezembro de 2017 somente
duas mulheres ocupavam cargos de ministro de Estado, representando
apenas 7,1% (IBGE, 2018). Ademais, no ano de 2016, menos de 40% dos
cargos gerenciais eram ocupados por mulheres (IBGE, 2018).
Com esses dados, o Brasil encontra-se na 79ª posição (de 144 países)
no Global Gender Gap Report, que avalia a desigualdade entre homens e
mulheres com relação a participação política, participação econômica e
o acesso à educação (PAES, 2017). E está na posição 132ª de 193 países
no ranking elaborado pela Inter-Parliamentary Union que mensura a ocu-
pação de cadeiras parlamentares pelas mulheres (IPU, 2019). Com esses
parâmetros, chega-se a conclusão que a igualdade entre homens e mulheres
seria atingida, no Brasil, na Câmara dos Deputados somente em 2160 e
no Senado Federal em 2096 (Carta Capital, 2017).
Ou seja, em que pese a previsão da igualdade formal entre homens e
mulheres, prevista na Constituição Federal3, nos tratados internacionais,
como a Convenção Interamericana Sobre a Concessão de Direitos Civis
à Mulher, a Convenção Sobre os Direitos Políticos da Mulher, a Con-
venção Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra
a Mulher (CEDAW) e a Convenção Para Prevenir, Punir e Erradicar a
Violência Contra a Mulher (Convenção Belém do Pará) e nas legislações
infraconstitucionais (BONATTO, 2018), a igualdade material, ou seja,
aquela “correspondente ao ideal de justiça enquanto reconhecimento de
identidades (igualdade orientada pelos critérios de gênero, orientação
sexual, idade, raça, etnia e demais critérios)” (PIOVESAN; FACHIN,
2018) não foi plenamente atingida, sendo um projeto em construção
(WEBER, 2018).
A diferença é inerente à diversidade humana. Sabe-se que homens
e mulheres são constituídos biologicamente de forma diversa. Já a
3 Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: IV -
promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer
outras formas de discriminação. Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de
qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos
termos seguintes: I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos
desta Constituição.
168 | OMAIOR
ECOFEMINISMO COMO INSTRUMENTO DE DESCONSTRUÇÃO DO PATRIARCADO PARA UMA
REPRESENTATIVIDADE FEMININA

desigualdade está associada ao tratamento, ou seja, em que pese homens


e mulheres sejam diferentes, não deve haver diferenciação de tratamento
entre ambos somente por uma questão de gênero (BARROS, 2005), tendo
em vista que ambos são semelhantes em sua humanidade, na sua capacidade
intelectual e no potencial de contribuição para sociedade (MIGUEL,
2014). Conclui-se que a desigualdade é uma construção social (BEAU-
VOIR), não sendo uma diferença intrínseca, mas estrutural (MIGUEL,
2012).
Essa desigualdade não está adstrita somente ao ambiente público e
perpetua seus efeitos em uma extensa gama de frutos (BIROLI; MIGUEL,
2014, p. 8). Ela possui diversos fatores de contribuição, mas acredita-se
que um dos principais é a determinação social do papel da mulher no
ambiente privado. Explica-se.
A sociedade, especificadamente a brasileira, definiu como sendo
de atribuição da mulher a vida doméstica, ou seja, o cuidado com a casa,
marido e filhos (MIGUEL, 2014). Consequentemente, tendo essa como
a sua atividade primária, devendo realiza-la de maneira satisfatória, não
haveria tempo ou interesse pela participação na vida pública, que fica-
ria destinada exclusivamente aos homens. Aquilo que foge a esse padrão
estabelecido é considerado anormal, estranho (BIROLI, 2014). Nega-se,
portanto, a condição de cidadã e de poder da mulher (ARAÚJO, 2012).
BOURDIEU (2002) afirma:

A ordem social funciona como uma imensa máquina simbólica que tende
a ratificar a dominação masculina sobre a qual se alicerça: é a divisão social
do trabalho, distribuição bastante estrita das atividades atribuídas a cada
um dos dois eixos, de seu local, seu momento, seus instrumentos; é a estru-
tura do espaço, pondo o lugar se assembleia ou de mercado, reservados ao
homens, e a casa, reservada às mulheres (...).

Desta forma, com a exclusão e marginalização de grupos sociais


subalternizados, incluindo as mulheres (BIROLI, 2018, p. 172-173), elas seriam
subordinadas à representatividade masculina na política (KRITSCH ,
2012). Hobbes afirma que essa subordinação se inicia no momento em que
a mulher dá luz e fica responsável pela segurança de seu filho e em troca
da segurança que é oferecida pelo sexo masculino ‘aceita’ essa submissão
(MIGUEL, 2012).
MULHERES E CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS
| 169

Essa desigualdade e subordinação limita a atuação das mulheres.


Nas palavras de BIROLI,

“Embora as hierarquias de classe e raça incidam na definição de quem


tem acesso aos espaços de poder, a divisão sexual do trabalho e as formas
da construção do feminino a ela relacionadas fazem com que as mulheres
tenham chances relativamente menores do que os homens de ocupar posi-
ções na política institucional e de dar expressão política, no debate público,
a perspectivas, necessidades e interesses relacionados à sua posição social.
Tem, com isso, menores possibilidades também de influenciar as decisões e
a produção das normas que as afetam diretamente.” (BIROLI, 2018, p. 24)

Mas o panorama social tende a se modificar. Em pesquisa realizada


pelo Instituto DataSenado, 83% dos entrevistados concordaram que
homens e mulheres têm as mesmas aptidões para exercer cargos eletivos
(DataSenado, 2016) e as propostas para equiparação da representatividade
de gênero, como listas de candidatos, punição pelo descumprimento de
cotas mínimas ou reserva de um terço dos cargos do Senado, também
foram bem acolhidas pelos entrevistados (DataSenado, 2014). Ainda,
81% da população entende que a presença de mulheres na política e em
outros espaços de poder e decisão aprimora a política em si e os demais
espaços (IBOPE; ONU Mulheres, 2018). Assim, passa-se a elucidar a
importância da representatividade feminina, na sociedade, especialmente
nos espaços de poder.

A NECESSIDADE DA REPRESENTATIVIDADE FEMININA


NA SOCIEDADE

Como já demonstrado, realmente há uma desigualdade de repre-


sentatividade entre os gêneros e isso deve ser alterado. GROSS (2013, p.
313-314) afirma que se deve ir além da igualdade, deve-se efetivar uma
política de autonomia. Acredita-se que uma das maneiras de tornar isso
possível é através do empoderamento feminino, ou seja, “criar as condições
para participar e/ou disputar espaços de poder e de decisão” (ARAÚJO,
2012). Esse aspecto, inclusive, é uma das metas globais do Objetivos de
Desenvolvimento Sustentável (ODS) 5 – Igualdade de Gênero da ONU.
No Brasil, as políticas para mulheres ainda são desenvolvidas pelos
homens (BIROLI; MIGUEL, 2014, p. 12-13), os quais não possuem a
170 | OMAIOR
ECOFEMINISMO COMO INSTRUMENTO DE DESCONSTRUÇÃO DO PATRIARCADO PARA UMA
REPRESENTATIVIDADE FEMININA

capacidade de apreciar as nuances do “ser” feminino, considerando que


não enfrentam os mesmos problemas.
A igualdade entre os gêneros é essencial para o pleno desenvolvi-
mento da democracia, isso porque àqueles que possuem acesso aos espaços
de poder possuem influência para o desenvolvimento de políticas para o
cumprimento de seus interesses. Como as mulheres não são devidamente
representadas, não possuem o lobby necessário para tal fato (BIROLI,
2018, p. 46). Considera-se líder aquele que exerce “influência no compor-
tamento dos demais indivíduos de um grupo” (CARREIRA, 2001, p. 19).
Logicamente que as mulheres não estão completamente desamparadas,
considerando o percentual de representatividade, mas o caminho que
devem percorrer é mais árduo (BIROLI, 2018, p. 50). Nas palavras de
MIGUEL (2012):

Elas precisam estar presentes nos foros deliberativos e decisórios para que a
perspectiva social que incorporam se faça ouvir e participe da construção de
projetos coletivos - que, aliás, contempla a própria redefinição dos interesses
dos envolvidos - que ocorre em tais foros.

Como afirmado anteriormente, não basta a igualdade entre os sexos


com relação a representatividade nos espaços de poder, deve haver uma
igualdade de tratamento nas atividades desenvolvidas, ou seja, não deve
haver diferenciação entre as expressões de homens e mulheres4, ou seja,
não deve haver a aplicação dos princípios da separação (certas atividades
são de homens e outras são de mulheres) e da hierarquização (as atividades
masculinas “valem” mais do que as femininas” (KERGOAT, 2009).

O ECOFEMINISMO E AS MULHERES

A despeito da cultura patriarcal (FLORES; TREVIZAN, 2015) exis-


tente, que teve suas origens na filosofia da Grécia antiga com sua tradição
racionalista, que historicamente condicionou a mulher como ser inferior
e submisso aos homens, seja nas esferas social, pessoal e principalmente

4 Vide: MIGUEL, Luis Felipe. A IGUALDADE E A DIFERENÇA. In: BIROLI, Flavia;


MIGUEL, Luis Felipe. Feminismo e política: uma introdução. 1 ed. São Paulo: Boitempo,
2014, p. 65. / MIGUEL, Luis Felipe. GÊNERO E REPRESENTAÇÃO POLÍTICA.
In: BIROLI, Flavia; MIGUEL, Luis Felipe. Feminismo e política: uma introdução. 1 ed.
São Paulo: Boitempo, 2014, p. 104.
MULHERES E CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS
| 171

política, fez-se necessário que o gênero feminino ao longo da história,


buscasse incessantemente reafirmar sua condição de igual capacidade e
independência no meio em que vive, por meio das lutas dos movimentos
sociais em prol da paridade e respeito.
Com os movimentos feministas das últimas décadas, cuja luta e
ativismo romperam diversas barreiras sociais que confinavam o gênero
feminino ao privado e tolhiam direitos humanos, tais como, o direito
de votar e liderar, surge em 1974, o termo ecofeminismo, utilizado por
Françoise d’Eaubonne, em sua obra “Le Feminism ou la Mort” (Feminismo
ou a Morte), com a simbologia acerca da capacidade das mulheres efetiva-
rem uma revolução ecológica, de modo a inaugurar uma nova estrutura
relacional de gênero entre os sexos, compreendida a binariedade homem
versus mulher, a humanidade e o meio ambiente. Cumpre salientar que
neste mesmo período, o Movimento Chipko5, na Índia, utilizou-se das
mesmas éticas, tendo a mulher como protagonista na resistência pacífica
em prol da preservação das florestas locais.
Ainda, podemos conceituar ecofeminismo (DI CIOMO, 1999)
como um movimento que recomenda a adoção de uma perspectiva eco-
logista como referência para a teoria e prática feminina e designa um con-
junto de propostas para a solução dos problemas ecológicos, levando em
consideração a visão feminina.
Umas das mais importantes téoricas do ecofeminismo, Karen Warren
(1994), considera importante reconhecermos como fundamento do movi-
mento o fato de que existem vínculos importantes entre a opressão das
mulheres e a da natureza, cuja compreensão e avaliação é tarefa indispen-
sável de toda tentativa de compreensão adequada da relação subserviente,
tanto do ser feminino quanto da natureza.
Devido à destinação do espaço privado, dos cuidados, do lar, a figura
feminina sempre foi associada ao maternal, ao cuidado e a partir daí sempre
esteve associada à própria natureza, como provedora da vida, tal qual a terra

5 Em 1974, a indiana Gaura Devi liderou um grupo de 27 mulheres que, inspiradas pelo
pacifismo nacionalista de Mahatma Gandhi, abraçaram as árvores de sua vila no norte da
Índia e após quatro dias de resistência conseguiram impedir a derrubada das árvores pelos
madeireiros. Este foi um marco do Movimento Chipko, que ganhou força, protegeu as
áreas florestais na Índia da exploração predatória e culminou em 1980 com o banimento
do corte de árvores no estado de Uttar Pradesh por 15 anos. Disponível em: https://www.
akatu.org.br/noticia/valores-femininos-devem-nos-guiar-rumo-a-sociedade-do-bem-es-
tar/, acesso em 27 de maio de 2019.
172 | OMAIOR
ECOFEMINISMO COMO INSTRUMENTO DE DESCONSTRUÇÃO DO PATRIARCADO PARA UMA
REPRESENTATIVIDADE FEMININA

e seus ecossistemas. E em virtude da cultura secular, de cunho patriarcal,


tanto a natureza quanto as mulheres vem sendo tratadas com desrespeito,
com propósito de exploração predatória para a obtenção de benefícios
unilaterais, ao passo que recai sobre o feminino mulher e natureza, a res-
ponsabilidade pela preservação e continuação da espécie.
Assim, como nosso planeta, a mulher vem sendo tratada com des-
respeito, explorada predatoriamente, ao mesmo tempo em que recai sobre
ela, a responsabilidade da preservação e continuidade da espécie.
O movimento pela libertação empreendido pelo ecofeminismo,
como uma extensão do feminismo paritário, passou a ser uma bandeira
de luta, principalmente para as mulheres das regiões mais pobres e opres-
sivas do planeta. Tal movimento fez surgir projetos e líderes femininas
em prol da causa da proteção e preservação da natureza, articulada com
a luta pela igualdade de direitos e de responsabilidades entre mulheres e
homens, a chamada paridade entre gêneros.
A luta pela sustentabilidade ambiental empreendida
pelas mulheres, busca colocar fim à cultura patriarcal, de submissão frente
ao homem e às instituições políticas, para que se estabeleça o equilíbrio e
relação de parceria, de igualdade e melhoria de condições de vida, efeti-
vando o direito humano à vida digna que é universal.
A defesa da natureza e o desenvolvimento de uma vida sustentável é
o meio que muitas mulheres estão encontrando para não apenas melhorar
as condições de vida de sua família e da sua comunidade mas, também,
mostrar sua capacidade, competência, força e coragem para obter lide-
rança e conquistas em sociedades opressoras, discriminadoras e violentas
onde vivem.

FILOSOFIA ECOFEMINISTA

A filosofia ecofeminista busca o equilíbrio entre o homem e a natu-


reza e por consequência o respeito aos recursos naturais e à diferença,
notadamente em razão do ser feminino e de sua subjugação injusta pelo
homem.
As propostas de sustentabilidade feministas podem ser sintetizadas,
conforme visão de Yayo Herrero (2007), como a oposição a um desen-
volvimento de maximização de benefícios monetários em detrimento da
MULHERES E CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS
| 173

saúde da humanidade, a valorização dos saberes e trabalhos femininos para


a subsistência, concentração na organização econômica e política da vida
e do trabalho das mulheres que apresente alternativas à crise ecológica e
melhoria das condições de vida das mulheres e dos pobres e a busca da
autossuficiência por meio da auto-organização equilibrada. Tais propostas
são contempladas por duas frentes da filosofia ecofeminista, qual seja, a
espiritualista e a construtivista.
A despeito da existência da corrente clássica, que naturaliza o com-
portamento predatório e bélico do homem, os preceitos da linha espi-
ritualista são fundamentados nos princípios religiosos de Ghandi e da
Teologia da Libertação a qual se filia Vandana Shiva6, argumenta que o
desenvolvimento tem gerado um processo de violência contra a mulher e
o meio ambiente, e propaga a necessidade de luta contra a dominação, o
sexismo, o racismo, o elitismo e o antropocentrismo, atribuindo à mulher
uma tendência protetora da natureza (ANGELIN, 2015).
Já a tendência construtivista, embora não se identifique totalmente
com as duas primeiras, compartilha com elas ideias antirracistas, antiantro-
pocêntricas e anti-imperialistas, negando, porém, como diferença basilar,
a relação da mulher com a natureza como uma característica intrínseca do
sexo feminino, mas sim da responsabilidade de gênero resultante da divisão
social do trabalho, da distribuição do poder e da propriedade.
Desta feita, a luz do ecofeminismo necessária a mobilização social
para a defesa da vida autônoma, sem desigualdade, sem viés biológico a
justificar segregação e com respeito aos ecossistemas que mantém a vida
no planeta e propiciam a continuação da vida em sociedade, que mesmo
que capitalista, deve ter em mente a finitude dos recurso e a dependência
que todos os países, em maior ou menor escala, tem em relação à natureza,
para a continuação da vida digna.
O ecofeminismo situa a mulher como um “sujeito ecológico”

6 A indiana Vandana Shiva é uma importante personalidade mundial. Física nuclear,


ecoativista e feminista, nasceu em Dehradun, na Índia, em 5 de novembro de 1952. Desde
a década de 1970, sua luta já chamava a atenção, tendo sido reconhecida por fazer parte
do Movimento das Mulheres de Chipko. Também considerada a inimiga número um dos
transgênicos, combate as grandes corporações que controlam toda uma cadeia produtiva de
alimentos no mundo, como a Nestlé, Cargil, Monsanto, Pepsico e Walmart. Atualmente,
luta pela preservação das florestas indianas e pela proteção às sementes, que, segundo
Shiva, são patrimônios da humanidade. Disponível em https://www.greenme.com.br/
informar-se/ambiente/964-voce-conhece-vandana-shiva, acesso em 27 de maio de 2019.
174 | OMAIOR
ECOFEMINISMO COMO INSTRUMENTO DE DESCONSTRUÇÃO DO PATRIARCADO PARA UMA
REPRESENTATIVIDADE FEMININA

(ULLOA, 2011) de modo a constituir as relações de gênero como um


dos pilares da sustentabilidade, sendo instrumento de suma importância
para a desconstrução de preconceitos e condutas lesivas à vida.

A MARCHA DAS MARGARIDAS E A BUSCA PELA PARIDADE


DE GÊNEROS E MEIO AMBIENTE SUSTENTÁVEL

A conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sus-


tentável, chamada de Rio+207, foi realizada no Brasil no ano de 2012 e
colocou desafios novos para o feminismo brasileiro externando as preocu-
pações e discordâncias que os movimentos sociais ecofeministas nacionais
e internacionais tem em relação ao modelo imposto pelo capitalismo como
civilizatório e gerador de riquezas e progresso que crescentemente destrói
os recursos naturais e meios de subsistência sustentável.
A Eco928, que antecedeu a Rio+20, rechaçou as teorias ecofeminis-
tas, posto que traziam uma perspectiva de valorização do papel das mulhe-
res em relação aos cuidados da terra, das águas, das sementes, fazendo um
necessário elo de aproximação entre o feminino e o pensamento ecologista.
As teorias femininas ecológicas, notadamente de cunho espiritualista,
tendo como expoente filosófico Vandana Shiva, na época da Eco92, foram
em geral rejeitadas e tachadas de essencialistas, o que acabou cristalizando
o debate e aumentando o seu rechaço sem um aprofundamento crítico das
argumentações (RODRIGUEZ, 1992).
Porém, com advento do século XXI, e os visíveis impactos que as
mudanças climáticas causaram no meio ambiente, aliado à finitude dos

7 A Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, foi


realizada de 13 a 22 de junho de 2012, na cidade do Rio de Janeiro. A Rio+20 foi assim
conhecida porque marcou os vinte anos de realização da Conferência das Nações Unidas
sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio-92) e contribuiu para definir a agenda do
desenvolvimento sustentável para as próximas décadas. Disponível em: http://www.rio20.
gov.br/sobre_a_rio_mais_20.html, acesso em 27 de maio de 2019.
8 Na reunião que ficou conhecida como Rio-92, Eco-92 ou Cúpula da Terra, que acon-
teceu no mês de junho de 1992, no Rio de Janeiro, Brasil, foi realizada 20 anos depois da
primeira conferência do tipo em Estocolmo, Suécia, os países reconheceram o conceito
de desenvolvimento sustentável e começaram a moldar ações com o objetivo de proteger
o meio ambiente. Desde então, estão sendo discutidas propostas para que o progresso se
dê em harmonia com a natureza, garantindo a qualidade de vida tanto para a geração atual
quanto para as futuras no planeta. Disponível em: http://www.senado.gov.br/noticias/
Jornal/emdiscussao/rio20/a-rio20/conferencia-rio-92-sobre-o-meio-ambiente-do-plane-
ta-desenvolvimento-sustentavel-dos-paises.aspx, acesso em 27 de maio de 2019.
MULHERES E CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS
| 175

recursos e à crescente depredação da natureza, com a contaminação das


águas, solos, avanço incontido da transgenia entre outros processos des-
trutivos, colocaram em pauta a necessidade de promover efetiva interação
crítica entre o feminismo e a natureza, atualizando conceitos no combate
ao atual modelo capitalista de crescimento indefinido.
Ecofeministas ou não, as mulheres têm tomado a frente na defesa
da preservação do meio ambiente, por meio da crescente ascensão às lide-
ranças políticas, em órgãos governamentais ou não, em seu bairro, ou
comunidade. A sensibilidade feminina, aliada à sua força natural, tem
sido fator determinante no empoderamento ecofeminista, com destaque
para várias líderes mundo afora que buscam em esforço conjunto, deter
os prejuízos aos direitos humanos que todos temos de viver em um meio
ambiente sadio e equilibrado que crescentemente o capitalismo desen-
freado tem destruído.
Nesta visão de um ambiente socioambiental pleno e democrático,
A ecoativista Vandana Shiva difunde o pensamento que todos somos
participantes e integrantes da natureza e com ela devemos coexistir em
equilíbrio, e não usar os recursos naturais como exploradores, como se o
meio ambiente fosse um mero instrumento a disposição da humanidade,
algo “inerte, passivo, separável, fragmentado e inferior, a ser explorado”
(SHIVA, 1991), e nessa visão resta clara a exaltação ao empoderamento
feminino, a importância da participação sócio política e do ativismo
ecológico.
É imperioso que se combata a aquilo que o patriarcado capitalista
criou ao reproduzir uma confusão ao inconsciente social de que “apre-
senta as atividades de destruição como produtivas e as femininas como
inatividade” (SHIVA, 2016).
E com este pensamento, disseminam-se no Brasil diversos movimen-
tos sociais de proteção à natureza, como doutrina essencialmente femi-
nista, de combate ao patriarcado social, econômico e político, de modo que
sejam rompidas as amarras de exploração que prendem as mulheres de con-
quistar sua autonomia dentro de um mundo mais equânime e sustentável.
Os movimentos feministas brasileiros, com grande concentração de
mulheres organizadas em diversas lutas territoriais de resistência, opuse-
ram-se e opõem ao uso indiscriminado de agrotóxicos e sementes transgê-
nicas, à privatização e contaminação da água, aos cultivos de monoculturas
176 | OMAIOR
ECOFEMINISMO COMO INSTRUMENTO DE DESCONSTRUÇÃO DO PATRIARCADO PARA UMA
REPRESENTATIVIDADE FEMININA

que impactam diretamente na sobrevivência comunitária digna de suas


famílias. Neste sentido, “visibilizar e dar o rosto humano, familiar e comu-
nitário às consequências da atuação das mineradoras, do uso dos agrotó-
xicos, da contaminação e dificuldade de acesso a água, entre outras, tem
sido preocupação das mulheres.” (RODRIGUEZ, 1992).
Como ativista indiana, Vandana Shiva desenvolveu teorias do cui-
dado com a terra e com as sementes, que influenciaram mundialmente
os conceitos do ecofeminismo. Sua principal bandeira é a soberania do
cultivo da terra e das sementes, como força motriz da vida sustentável.
No Brasil, como exemplo do ativismo feminino, podemos citar a
Marcha das Margaridas (Observatório Marcha das Margaridas), como a
união de mulheres do campo e da floresta, que desde o ano 2000 reivindica
o espaço feminino na sociedade, lutando para fortalecer a organização e
mobilização sindical feminista, para reafirmar o protagonismo feminino
na luta pela sustentabilidade, criticar o modelo hegemônico atual, apresen-
tando proposições sob a ótica feminista, democratizar os espaços políticos,
superando desigualdades binárias com vista ao enfrentamento e à garantia
do direito humano à alimentação adequada e soberania alimentar, denun-
ciar e protestar contra todas as formas de violência contra as mulheres,
propor e negociar politicas públicas para as mulheres do campo, floresta
e águas, entre muitas outras.
A Marcha das Margaridas é um movimento social de mulheres, tra-
balhadoras rurais que coletivamente organizaram-se, conjuntamente com
trabalhadoras urbanas pela busca de direitos inerentes ao “ser feminino”,
lutando por paridade em postos de decisão, políticos ou não, e com isso,
buscando o domínio sobre suas vidas e a manutenção de sua sobrevivência
e de suas famílias por meio das culturas de subsistência, agricultura fami-
liar e meios de produção sustentáveis, que respeitem o meio ambiente e
garantam sustentabilidade.
Desde sua primeira marcha em 2000, os eixos de luta permanecem
firmes, com o propósito de mudança social e respeito ecológico aliado à
busca pela igualdade entre os gêneros.
Oportuno citar os motivos que unem e mantem as margaridas,
mulheres integrantes do movimento, unidas por mudança:

Por isso, estamos denunciando o modelo de desenvolvimento excludente;


que condiciona as trabalhadoras rurais a uma vida de empobrecimento,
MULHERES E CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS
| 177

discriminação, violência e exclusão social. Estamos marchando, sobretudo,


para reivindicar políticas de desenvolvimento rural que atendam às nossas
necessidades específicas, respeitem nossos direitos e promovam a igualdade
entre mulheres e homens no campo. Estamos marchando para fortalecer
a construção e implementação de um Projeto Alternativo de Desenvolvi-
mento Rural Sustentável que se baseia nos princípios da justiça, partici-
pação social, igualdade, preservação ambiental e respeito à diversidade.”
(Observatório Marcha das Margaridas).

A Marcha das Margaridas, ao se localizar no contexto dos novos


movimentos sociais do campo, como ação coletiva de mulheres, influi na
conformação dos novos formatos de organizações da sociedade civil, como
atores sociais de mudança e fomentadores de políticas públicas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir das pesquisas realizadas, pode-se concluir que a desigualdade


de gênero está fortemente presente nos ambientes sociais, seja nos espaços
públicos ou privados. Acredita-se que essa desigualdade é motivada por
fatores históricos que determinaram a exclusão e subordinação da mulher
na política, como a assunção da normalidade do feminino somente no
ambiente privado.
Para se alterar essa realidade é necessário o empoderamento feminino,
ou seja, a criação de oportunidades igualitárias para acesso e participação
nos espaços de poder, onde ocorre a tomada de decisões. Acredita-se que
deve haver uma mudança de mentalidade cultural para que esse caminho
seja permanentemente protegido, mas enquanto estamos nesse processo,
o Estado deve garantir os meios para que a igualdade plena seja satisfeita,
nos termos da legislação constitucional e dos tratados internacionais.
O feminismo no Brasil ainda tem um longo caminho a ser trilhado.
A mobilização social é ator social fundamental para o processo de cons-
cientização popular e criação e efetividade de políticas públicas voltadas
à agenda feminina e a paridade entre os gêneros.
A Marcha das Margaridas é um movimento ecofeminista que empo-
dera e dá visibilidade ao ser feminino, a nível nacional, inclusive, garan-
tindo visibilidade em espaços públicos, notadamente em âmbito político,
espaço este que ainda permanece dominado pelos homens e que precisa
ser ocupado pelas mulheres para que, com igualdade e consciência, os
178 | OMAIOR
ECOFEMINISMO COMO INSTRUMENTO DE DESCONSTRUÇÃO DO PATRIARCADO PARA UMA
REPRESENTATIVIDADE FEMININA

gêneros possam coexistir, liderar e juntos garantir um ecossistema sadio


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WEBER, Rosa. Prefácio. In: SILVA, Christine Oliveira Peter da, et al.
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Publicação elaborada pela editora do
Centro de Pesquisa e Extensão em Direito Socioambiental
Curitiba - Paraná - Brasil
www.direitosocioambiental.org

Preparação de texto
Amanda Ferraz da Silveira
Ipuvaíva - Editora & Laboratório de Textos
www.ipuvaíva.com.br

Capa, editoração e projeto gráfico


Manuel Caleiro
Aranduká Editora
www.aranduka.com.br

Vetor de capa
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Os textos conferem com os originais, sob responsabilidade dos/as autores/as.


Observado o padrão ortográfico, sistema de citações e referências originais.

Foi realizado o depósito legal obrigatório


Lei 10.994, de 14 de dezembro de 2004

Formato 14,5x20cm
Fonte Garamond Premier Pro
Impressão descentralizada, sob demanda
Recomenda-se papel Pólen 90g/m2 (miolo)

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