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“Papéis Avulsos” é o terceiro livro de Machado de Assis e foi lançado em 1882.

Ao lado de
Memórias póstumas de Brás Cubas (1881), esta obra é um marco na carreira de Machado e
inaugura sua fase realista. O título da obra, que remete a uma casualidade na estrutura dos
contos ali reunidos, deixa transparecer a ironia típica de Machado: como estabelecer a ordem
em uma sociedade fundada em bases contraditórias e violentas? Porém, como o próprio autor
afirmou no prólogo “Advertência”, por mais que as histórias reunidas neste livro tenham certa
independência entre si e negam uma certa unidade, elas também estão unidas dentro de um
mesmo molde e seus temas são analógicos.
Em “Papéis Avulsos”, Machado de Assis utiliza de grande ironia e um pouco de pessimismo
para tratar a respeito da contradição entre ser e parecer, entre vida pública e vida
interior/íntima, entre a máscara e o desejo. Estes serão temas clássicos e fundamentais dos
contos de Machado dali em diante. Para tratar desses pares antagônicos, o autor irá fazer uso
de sua grande capacidade linguística para contrapor as reais intenções das personagens com o
que elas aparentam.
Trataremos aqui quatro dos principais contos presentes na obra, a saber: “O Alienista”, “Teoria
do medalhão”, “O segredo do bonzo” e “O Espelho”.
Comentário do professor
Comentário do prof. Ronnie Roberto Campos, do Colégio Adventista de Londrina:
“Papéis avulsos” está entre as primeiras publicações da fase madura de Machado de Assis, e já
apresenta muitas das características que o imortalizaram: o humor sutil, o pessimismo, o
ceticismo, a ironia fina e corrosiva e as denúncias implacáveis que revelam os mais perversos
segredos de uma sociedade maculada pela máscara da hipocrisia.
O texto de abertura, “O Alienista”, é um conto que se apresenta fora dos padrões que
caracterizam esse gênero – extenso e subdividido em capítulos – apontando os caminhos
inovadores pelos quais a estética machadiana pretende caminhar. Além desse, aí encontramos
diversos contos que se tornariam ícones desse gênero na literatura brasileira, como “A
sereníssima república”, “A teoria do Medalhão”, “O espelho”.
Pensando no vestibular, vale a pena focar na construção das personagens, principalmente no
que se refere aos aspectos morais e psicológicos. Outra boa ideia é buscar nos contos as
mesmas características que são exploradas nas questões sobre os romances realistas de
Machado de Assis: rompimento da tradicional sequência linear do enredo, as constantes
interferências do narrador (as célebres digressões), a multiplicidade e fragmentação dos
episódios, a metalinguagem, a troca de “favores”, o adultério, o egoísmo, as atitudes
motivadas pelo interesse, a mediocridade das pessoas e a exploração do homem pelo próprio
homem.
Sobre Machado de Assis
Joaquim Maria Machado de Assis nasceu em 21 de junho de 1839 na cidade do Rio de Janeiro.
Neto de escravos alforriados, foi criado em uma família pobre e não pode frequentar
regularmente a escola. Porém, devido a seu enorme interesse por literatura, conseguiu se
instruir por conta própria. Entre os seis e os quatorze anos, Machado de Assis perdeu sua irmã,
a mãe e o pai.
Aos 16 anos, Machado conseguiu um emprego como aprendiz em uma tipografia, vindo a
publicar seus primeiros versos no jornal “A Marmota”. Em 1860 passou a colaborar para o
“Diário do Rio de Janeiro” e é dessa década que datam quase todas suas comédias teatrais e
Crisálidas, um livro de poemas.
Em 1869 Machado de Assis casou-se com Carolina Augusta Xavier de Novais sem o
consentimento da família da moça, devido à má fama que Machado carregava. Porém, este
casamento mudou sua vida, uma vez que Carolina lhe apresentou à literatura portuguesa e
inglesa. Mais amadurecido literariamente, Machado publica na década de 1870 uma série de
romances, tais como A mão e a luva (1874) e Helena (1876), vindo a obter reconhecimento do
público e da crítica. Ainda na década de 1870, Machado iniciou sua carreira burocrática e em
1892 já ocupava o cargo de diretor geral do Ministério da Aviação. Através de sua carreira no
serviço público, Machado de Assis conseguiu sua estabilidade financeira.
A obra literária de Machado era marcadamente romântica, mas na década de 1880 ela sofre
uma grande mudança estilística e temática, vindo a inaugurar o Realismo no Brasil com a
publicação de Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881). A partir de então a ironia, o
pessimismo, o espírito crítico e uma profunda reflexão sobre a sociedade brasileira se tornarão
as principais características de suas obras. Em 1897, Machado funda a Academia Brasileira de
Letras, sendo seu primeiro presidente e ocupando a Cadeira Nº 23.
Em 1904, Machado perde a esposa após um casamento de 35 anos. A morte de Carolina
abalou profundamente o escritor, que passou a ficar isolado em casa e sua saúde foi piorando.
Dessa época datam seus últimos romances: Esaú (1904) e Jacó Memorial de Aires (1908).
Machado morreu em sua casa no Rio de Janeiro no dia 29 de setembro de 1908. Seu enterro
foi acompanhado por uma multidão e foi decretado luto oficial no Rio de Janeiro.
Seus principais romances são: “Ressurreição” (1872), “A mão e a luva” (1874), “Helena” (1876),
“Iaiá Garcia” (1878), “Memórias Póstumas de Brás Cubas” (1881), “Quincas Borba” (1891),
“Dom Casmurro” (1899), “Esaú e Jacó” (1904) e “Memorial de Aires” (1908). Além dessas
obras, Machado de Assis possui uma extensa bibliografia que abrange poemas, contos e peças
teatrais.

Introdução
15 de julho de 1955 Aniversário de minha filha Vera Eunice. Eu pretendia comprar um par de
sapatos para ela. Mas o custo dos gêneros alimentícios nos impede a realização de nossos
desejos. Atualmente somos escravos do custo de vida. Eu achei um par de calçados no lixo,
lavei e remendei para ela calçar. (JESUS, Carolina Maria de)
Carolina Maria de Jesus¹ (1914–1977) é a autora do best-seller Quarto de Despejo, publicado
pela primeira vez em 1960 e traduzido para 13 idiomas. Migrante de Sacramento (MG) e mãe
solteira de três filhos, foi moradora da primeira grande favela de São Paulo, Canindé, e
catadora de lixo por muitos anos. A obra é uma edição de seus diários², onde conta sua
realidade — e de tantos outros favelados — na década de 50 no Brasil: a fome, a miséria, a
violência, a dificuldade de acesso à saúde, educação e saneamento básico, as falsas esperanças
dadas por políticos a cada eleição. Neste trabalho, abordaremos a publicação dos textos da
autora em jornais e revistas de grande circulação na época. Analisaremos também como a
biografia de uma catadora de lixo rompeu com os paradigmas da época e deu espaço de fala a
quem não tinha nenhum.

Quarto de Despejo foi publicado no dia 19 de agosto de 1960 e nos três primeiros dias foram
vendidos mais de dez mil exemplares. Em outubro daquele ano, foi o livro mais vendido no
Brasil, conforme divulgado pela revista O Cruzeiro. Companheiros de Carolina em vendas,
respectivamente: Bertrand Russel, Marechal Montgomery (3º lugar), Graham Greene (4º lugar)
e Jean-Paul Sartre (5º lugar). O sucesso do livro e o interesse dos leitores nesta obra serão
discutidos no próximo tópico. Vale destacar também que obras de autores já consagrados
lançadas na mesma época, como Gabriela Cravo e Canela de Jorge Amado, não alcançaram o
mesmo número de vendas imediato que o diário de Carolina. Naquela época, o momento
literário e histórico estava muito forte em críticas sociais. O Quarto de Despejo foi um sucesso
absoluto na época — e não só no Brasil. Em cinco anos, alcançou mais de 40 países, como
Estados Unidos, Rússia, Inglaterra, França e Alemanha.

O livro foi organizado e revisado pelo jornalista Audálio Dantas. Ele quem descobriu Carolina e
seus diários enquanto fazia uma matéria sobre a Favela do Canindé para a Folha. Publicou na
Folha da Noite, em 9 de maio de 1958, a primeira reportagem sobre a escritora3 : “O drama da
favela escrito por uma favelada: Carolina Maria de Jesus faz um retrato sem retoque do
mundo sórdido em que vive”. Com trechos de seus diários, apresentou a escritora ao público.
A imprensa
É apanhadora de papel, passa fome com os filhos pequenos, mora num barracão infecto, mas
sabe “ver” além da lama do terreiro e do zinco da favela (DANTAS, 1958)
Na década de 50, Audálio Dantas quis fazer uma matéria sobre o modo de vida na Favela do
Canindé — lá conheceu Carolina e escreveu a reportagem para a Folha da Noite. Quatro fotos
acompanham o texto: em uma, ela está andando pela favela; em outra, no fogão, rodeada
pelos três filhos; e nas outras duas está sentada com livro e caderno nas mãos. O jornalista
descreve Carolina como mulher, mãe, favelada e escritora, mas a ênfase está na escrita sobre
o cotidiano da favela. Dantas publicou também quinze trechos dos diários, que retratavam,
principalmente, a fome e a violência.

Biografia é bem o termo para o que Carolina Maria de Jesus faz em relação à favela em que
vive. Com sua caligrafia nervosa, ela conta coisas que nenhum escritor do mundo seria capaz
de contar com tanta propriedade; traça um retrato sem retoques da favela. (DANTAS, 1958)
A reportagem despertou o interesse dos leitores, que se mostravam curiosos para conhecer
uma realidade distante. Era diferente de uma notícia escrita por um jornalista; o que Carolina
escrevia era muito mais real e cativou o público.

A segunda reportagem de Dantas foi publicada em 20 de junho de 1959, na Revista O Cruzeiro.


Nela, ele projeta autenticidade na figura de Carolina, destacando a apresentação da miséria
sem a intermediação de um jornalista. Dez registros diários são transcritos, respeitando os
originais e mantendo palavras incorretas e erros gramaticais. Entre esta reportagem e o
lançamento do livro, as notícias dos periódicos continuaram despertando a curiosidade dos
leitores — quase como uma isca publicitária.

A repercussão do lançamento de Quarto de Despejo confirma que as reportagens cumpriram


bem o papel de preparar o público para o novo. Antes das reportagens, Carolina havia levado
seus diários para várias editoras e ouviu um “não” de todas elas. Depois delas, editoras se
interessaram e foi possível publicá-los. O êxito inicial deve-se também ao momento histórico
que o país vivia e ao aumento do interesse da população no que acontece ao seu redor.

Foram batidos todos os recordes de vendas de livros em tardes de autógrafos na festa do


lançamento da obra de Maria Carolina de Jesus (sic). Pela primeira vez, uma livraria foi
invadida pelo povo (…) para obter o autógrafo de Carolina. A escritora autografou mais livros
do que os três recordistas anteriores: Alzira Vargas, Carlos Lacerda e Jorge Amado (Folha da
Manhã, 20 ago. 1960)
Após a publicação, a imprensa continuou a divulgar o livro, colocando inclusive as notícias
sobre ele em posição de destaque, e foi batido o recorde de exemplares vendidos — mais de
100 mil em um ano. O sucesso foi tanto que Carolina ganhou espaço nos jornais e revistas mais
importantes do mundo, como Time, Life e Le Monde.

Contexto histórico
E assim no dia 13 de maio de 1958 eu lutava contra a escravatura atual: a fome! (JESUS,
Carolina Maria de)
O sucesso de “Quarto de despejo” é atribuído não apenas pelo conteúdo chocante e realista
de suas páginas; foi também uma somatória do contexto da época, favorável ao debate sobre
problemas sociais, políticos e econômicos, e a preparação prévia do público, abordada no
tópico anterior.

A segunda metade da década de 1950 no Brasil foi marcada pelo início do desenvolvimentismo
de Juscelino Kubitscheck. O seu governo, que durou de 1956 a 1961, sucedeu um período de
grande instabilidade, com o Estado Novo e o suicídio de Getúlio Vargas, e inspirava esperança
na população. A política econômica de JK, cujo slogan era “50 anos em 5”, se baseou no
incentivo à indústria através do modelo de substituição de importações, dando espaço para o
capital estrangeiro no país. Nesse contexto, aqueles que moravam no campo se sentiram
atraídos pelo sonho de prosperidade na cidade grande, o qual não se realizava na realidade.
Tal movimento levou os espaços urbanos a abrigarem uma quantidade cada vez maior de
miseráveis, crescendo, portanto, o número de favelas. E essas questões passaram a ocupar
posição central no debate político da época.

O que o senhor Juscelino tem de aproveitável é a voz. Parece um sabiá e a sua voz é agradável
aos ouvidos. (…) Cuidado, sabiá, para não perder essa gaiola, porque os gatos quando estão
com fome contempla as aves nas gaiolas. E os favelados são os gatos. Tem fome. (JESUS,
Carolina Maria de)
O cenário cultural também tornou propício o impacto dos escritos de Carolina de Jesus. A
classe artística procurava renovar as temáticas abordadas na música, no teatro e no cinema,
explorando questões e linguagens mais nacionais, saindo da linha tradicional e estrangeira.
Quarto de despejo inclusive foi transformado em peça ainda no ano de seu lançamento, pelo
dramaturgo Amir Haddad, que contratou atores negros de favela para os seus personagens

Foi sob essas circunstâncias que o jornalismo investigativo surgiu no Brasil, se utilizando de
uma linguagem nova, próxima da literatura, e buscando dar voz aos personagens da
metrópole. Os escritos de Carolina, entretanto, marcavam uma transformação no
protagonismo das histórias tradicionais, usualmente ocupado por homens brancos e
aristocratas. A resposta do público foi extremamente positiva: o livro bateu recordes de venda
em tardes de autógrafo(4) e a primeira tiragem esgotou em uma semana(5).

A trajetória de vida de Carolina oferecia o exemplo mais concreto das consequências visíveis
dos equívocos da política desenvolvimentista

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