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A Educação Física na história do

pensamento educacional:
apontamentos
Universidade Estadual do Centro-Oeste
Guarapuava - Irati - Paraná - Brasil
www.unicentro.br
Carlos Herold Junior

A Educação Física na história do


pensamento educacional:
apontamentos
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CENTRO-OESTE
UNICENTRO
Reitor: Vitor Hugo Zanette
Vice-Reitor: Aldo Nelson Bona
Editora UNICENTRO Conselho Editorial
Direção: Beatriz Anselmo Olinto Presidente: Marco Aurélio Romano
Assessoria Técnica: Carlos de Bortoli, Beatriz Anselmo Olinto
Oséias de Oliveira e Waldemar Feller Carlos Alberto Kühl
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Divisão de Revisão: Rosana Gonçalves Luciano Farinha Watzlawick
Seção de Revisão Lingüística: Níncia
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Correção: Níncia Cecília Ribas Borges
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Minieri, Andréa do Rio Alvares, Bruna Silva, Paulo Costa de Oliveira Filho
Eduardo Alexandre Santos de Oliveira Poliana Fabíula Cardozo
Diagramadora: Andréa do Rio Alvares Rosanna Rita Silva
Capa: Lucas Gomes Thimóteo Ruth Rieth Leonhardt
Impressão: Gráfica UNICENTRO
Direção: Lourival Gonschorowski

Ficha catalográfica
Catalogação na Publicação
Regiane de Souza Martins -CRB9/1372
Biblioteca Central Campus Guarapuava
Herold Junior, Carlos
H561e A educação física na história do pensamento
educacional: apontamentos / Carlos Herold Junior. – –
Guarapuava: UNICENTRO, 2008.
200 p.

Bibliografia
ISBN 978-85-7891-010-5

1. Educação Física. 2. Educação Física – História. 3.


Educação Física – Educação. 4. Educação Física –
Ensino Superior. 5. Educação Física – Capitalismo. I.
Título.
CDD 796.07

Copyright © 2008 Editora UNICENTRO


Sumário
9 Apresentação
27 Os projetos de educação do corpo nas
transformações da antigüidade grega
55 A Educação Física no pensamento educacional
moderno durante o contexto francês do século
XVIII

85 A Educação Física e os sistemas nacionais de


ensino

109 A Educação Física nas atas do Congresso de


Instrução do Rio de Janeiro (1884)

151 Corpo, Educação Física e o trabalho no


capitalismo industrial (1860-1920)
185 Referências
Apresentação

A aproximação entre educação física e os estudos
efetuados nos cursos de pós-graduação em Educação é
tributária de um imenso processo de questionamento e
revisão dos instrumentais teóricos vivenciados em cada
área que fez com que, a partir das décadas de 80 e 90,
um grande contingente de professores de educação física se
preocupasse com as dimensões sociológica, antropológica,
filosófica e histórica da sua atuação. Ao se aproximarem
dos teóricos da área de Educação, acompanharam a
inflexão feita por esses estudiosos em sua busca de verificar
os limites e as possibilidades educacionais numa sociedade
marcada por processos de desenvolvimento econômico e
social caracterizados pela desigualdade e pela combinação
dessa desigualdade em nível planetário.
O resultado mais visível desse processo foi a
profusão de obras e estudos que mostraram de forma
inequívoca as “determinações” advindas do capitalismo
e que teriam sido responsáveis por aquilo que se
criticava nas aulas de Educação Física nas escolas e pelos
12
problemas observados na formação desses profissionais:
discriminação, instrumentalização do corpo e das
diferentes práticas corporais, falta de criatividade do
professor, o apego à rotina, concepções mecanicistas
de corpo e educação, autoritarismo, desconexão entre
essas aulas e a realidade concreta de cada educando, o
desenvolvimento de valências físicas em detrimento de
características cognitivas e afetivas...
Esse resultado marcou e foi marcado pelos estudos
na área de história da educação que tematizaram as
práticas educativas em diferentes momentos da sociedade
brasileira. Tratou-se, então, de mostrar aquilo que, até
então, tinha sido feito, constituira-se em base de todo
um conjunto de práticas e pensamentos que deveriam
ser ultrapassados pela “análise crítica”. A tentativa foi
mostrar que a intenção em dar para a educação física uma
preocupação “legitimamente pedagógica” (BRACHT,
1992) pressupunha lutar contra a “herança” e séculos
de uma concepção de educação que, “cartesianamente”,
via o corpo como uma máquina para ser desenvolvida
para a satisfação de interesses da “classe dominante”. Os
diferentes olhares lançados na história da educação por
13
parte dos professores de Educação Física esforçavam-
se por mostrar as diferentes tentativas de construir
aquilo que, na atualidade, deveria ser ultrapassado. A
análise histórica, assim, servia como uma justificativa
das questões enfrentadas por professores e alunos no
momento em que escreviam suas análises. A história da
educação era utilizada como uma grande e amarga lição
dos limites indesejáveis experimentados cotidianamente
pelos professores de Educação Física.
Com as transformações sociais e culturais
observadas na década de 90 e início do século XXI, bem
como pelo desenvolvimento mais visível da pós-graduação
em Educação Física, observamos que o relacionamento
entre a Educação e a Educação Física, no que diz respeito
à análise histórica, passou por mudanças.
Em primeiro lugar, no âmbito cultural mais
amplo, o conjunto de concepções estéticas e filosóficas,
normalmente conhecidas como pós-modernistas, acabaram
imprimindo questionamentos na matriz de análise acima,
que primavam pela relação entre educação e as lutas pela
transformação/manutenção social. Como resultado, na
história da educação, por exemplo, passou-se a questionar
14
e a denominar as abordagens, até então, levadas a cabo
de “azevedianas”, mecanicistas e economicistas. A busca
por “novos objetos” e “novas abordagens” culminou na
proliferação de estudos que defendiam a necessidade de
se “reconstruir” o cotidiano e a “cultura escolar” (JÚLIA,
2001), primando pelas descontinuidades passíveis de
serem observadas em cada país, região, estado, cidade e
instituição escolar.
A preocupação com a história na área de Educação
Física passou a primar pelas questões de caráter
cultural, focando a memória sobre as diferentes práticas
esportivas, a construção de gênero nessas práticas, bem
como a necessidade de se estudar historicamente as
variadas práticas e estratégias de lazer nas diferentes
cidades do país.
Há que se ter claro que essas mudanças agregaram
questões de extrema relevância e que devem ser
consideradas. A advertência que pretendemos aportar,
entretanto, é a necessidade de reformular algumas das
“velhas” estratégias analíticas para que elas entabulem um
diálogo mais profícuo com essa mudança teórica assistida
na década de 90, colocando questões para colaborar nos
15
importantes questionamentos levados a cabo no seio
desse movimento. Não se trata de proceder de forma
conciliatória ou eclética. Mas não se trata, também,
de assumir um posicionamento ingênuo e maniqueísta
que simplesmente nega as “novidades” ou abandona as
matrizes de análises que até então tinham sido feitas,
vulgarmente vistas como “ultrapassadas”.
Observamos que atitudes simplórias e também
posicionamentos marcados pelo cuidado analítico
existem. Como um exemplo de posicionamento que
funda a idéia de ser necessário o abandono das matrizes
de análises até então existentes, temos o pensamento
de Baudrillard (1999, 2005). Foucault (2005), por sua
vez, demonstra o referido cuidado, quando, mesmo
criticando o materialismo histórico, não desconsidera que
a obra de Marx apresenta importantes esclarecimentos
sobre a questão do corpo na modernidade. Konder
(1998), por outro lado, reprova a atitude de marxistas
que desconsideram de forma unilateral as análises
desenvolvidas pelos pós-modernistas, observando a
necessidade de encarar esse movimento para entender
os rumos que a sociedade atual vem tomando e os
instrumentais com que ela se analisa. Entre as temáticas
16
desconsideradas pelos marxistas, afirma Konder (1998),
estão as questões concernentes ao corpo e a sua educação.
Isso também, pode ser observado em Wood (1999), ao
afirmar que os marxistas não deveriam desconsiderar as
temáticas analisadas pelos pós-modernistas, mas sim se
esforçarem por mostrar como essas temáticas poderiam
ser mais profundamente entendidas se tomassem como
suporte teórico o materialismo dialético.
Essas considerações são relevantes, pois as análises
contidas neste livro remetem diretamente para uma temática
que surge do fortalecimento do ideário pós-moderno: o
corpo e sua educação. Por outro lado, tentamos mostrar que
esse tema pode ser mais bem focalizado se tomarmos como
baliza analítica as diferentes formas históricas de trabalho.
Ou seja, se a grande justificativa do pós-modernismo em
entabular a análise dos processos formativos do corpo
é o fato de ele materializar a riqueza informalizável do
cotidiano e do específico, buscamos amarrar essa importante
constatação com as questões mais amplas da sociedade e que
tocam questões pertinentes à defesa da transformação ou da
permanência das diferentes organizações sociais na história,
utilizando-as como fundamento para realizar a análise
17
histórica do pensamento educacional sobre o corpo.
Além de fugir das armadilhas metodológicas, que
dizem respeito à forma como o debate atual em torno das
viabilidades e dos problemas do pós-modernismo e do
marxismo, objetivamos preencher outras lacunas.
Mesmo no momento em que a aproximação
entre educação física e educação se deu, não houve
a elaboração de estudos que se debruçassem sobre o
pensamento pedagógico moderno no âmbito da educação
corporal. Menções a esse pensamento são raras e quando
acontecem, desconsideram o longo processo de criação
e transformação do pensamento educacional liberal e
sua conseqüência mais importante: a pedagogização da
educação corporal no interior da escola pública do século
XIX na Europa e sua discussão no Brasil.
Não podemos deixar de considerar, também, os
citados debates acadêmicos que acontecem no interior
da história da educação e que, de forma freqüente,
assumem a análise do pensamento pedagógico como
algo a ser evitado ou como uma atitude que simboliza
um procedimento a ser ultrapassado, em nome dos já
mencionados “novos objetos” e das “novas abordagens”.

18 Concordamos com essa crítica quando ela dirige seu


foco ao procedimento de se encarar essas idéias de forma
evolutiva e cumulativa, além de ver nesse pensamento o
ponto do qual se irradiam as práticas pedagógicas de um
tempo. Nesse sentido, observamos que um procedimento
mais condizente com os desdobramentos na nova
história cultural, não é o abandono dos estudos dos
grandes pensadores da educação, mas sim, verificar
as mediações entre essas idéias e os diferentes sujeitos
e espaços escolares erigidos na história, analisando
proximidades, rupturas e as diferentes apropriações
desse pensamento nas diferentes realidades. Com isso,
não vemos oposição entre essa análise do pensamento
pedagógico sobre o corpo e as análises de Foucault
(2005) e Chartier (1990), por exemplo, mesmo que
neste trabalho optemos por assumir apenas o estudo
dos diferentes pensadores da educação quando eles
pensam sobre o corpo e sua educação.
Se na área de Educação Física é muito difícil
encontrar análises históricas que se inquietem com
o desenvolvimento do pensamento educacional,
sobretudo, com perspectivas ou de conjunto (reunindo
vários pensadores) ou de globalidade (acompanhando os
19
impasses da modernidade), observamos algo diferente na
área de educação. Nos manuais de história da educação ou
da pedagogia, encontramos de forma intensa a menção
à educação corporal e física, principalmente quando são
analisadas a Antigüidade Clássica e a Modernidade.
Entretanto, uma análise desses manuais evidencia a
necessidade de contemplar de maneira mais próxima o
desenvolvimento da história das idéias pedagógicas em
relação à educação do corpo. O que nos impulsiona a
sustentar essa necessidade, é o fato de as análises sobre
a temática apresentarem-se sem uma consideração mais
detida sobre o papel e os limites da educação do corpo nos
momentos analisados pelos manuais. Não que a leitura
dessas obras não seja importante, mas notamos que a
questão da educação do corpo e/ou da educação física
pode e precisa ser tratada de modo mais aprofundado.
Compreendemos que os limites e os objetivos dessas
obras impossibilitam qualquer aprofundamento. O que
nos preocupa e nos impulsiona na realização desta análise
é o fato de serem essas leituras as grandes formadoras
do entendimento que temos sobre a educação do corpo
na história do pensamento educacional.
20
Eby (1970), ao focalizar a educação na modernidade,
analisa a Educação Física em poucos momentos de sua
obra e se limita, apenas, a citar algumas informações
sem almejar uma reflexão mais aprofundada: 1) depois
de afirmar que a educação do corpo fora deixada de lado
na Idade Média, ele afirma a retomada dessa modalidade
educativa na arte cavalheiresca e no elogio das obras da
Antigüidade Clássica; 2) Ao analisar a obra de Ricardo
Mulcaster (1530-1611), na Inglaterra, evidencia que este
autor valorizava intensamente várias atividades físicas; 3)
Ao falar das idéias de Locke, Eby sumariza o primeiro
capítulo de Pensamentos sobre a educação, em um parágrafo;
4) Há, também, a afirmação da importância da Educação
física na obra de Basedow e as influências que ele recebera
de Rousseau.
Um ponto que merece ser destacado é que nas obras
que versam sobre a história da educação na Antigüidade,
a Educação Física recebe uma atenção maior, mesmo que
ainda limitada. Jaeger (1995), ao analisar a formação e
a importância da Paidéia, dedica-se, em dois capítulos,
a entender a importância da ginástica na República, de
Platão, e verificar o papel da Medicina na formação do
21
homem grego, respectivamente. Neles, Jaeger defende
que a Paidéia grega era, essencialmente, a busca do
desenvolvimento humano em sua plenitude corporal e
espiritual. Já Marrou (1975) vê com suspeição essa idéia,
afirmando que há uma passagem de uma cultura física e
guerreira, para uma intelectualização e para a vida política
da sociedade. Marrou (1975) adverte que o tão aclamado
desenvolvimento harmônico imputado à educação grega
só acontecera em um curto período de tempo em que a
moral guerreira e a política ainda coexistiam.
Manacorda (2006), ao analisar a história da
educação da antigüidade aos dias atuais, contempla
a Educação Física de forma a analisá-la em quase
todos os momentos da história, excetuado o início da
modernidade. O autor contempla a educação do corpo
no antigo Egito, na Grécia clássica, em Roma, na
educação guerreira dos povos bárbaros, a educação dos
cavaleiros e os desenvolvimentos da educação física e do
esporte no século XIX e início do XX. O que observamos
nas relevantes análises de Manacorda é, devido aos
limites que um manual necessariamente possui, a
falta de aprofundamento das questões, reduzidas que
22
foram aos processos descritivos das atividades e da
constatação alternada entre a criação, desaparecimento
e renascimento da educação corpo.
Cambi (1999) contempla a questão da educação
do corpo e da educação física escolar. O autor italiano
apresenta rápidas análises sobre a temática, citando 1) os
jogos agonísticos gregos, 2) a condenação da corporeidade
nas epístolas paulinas, 3) os modelos educativos em
oposição na alta Idade Média, 4) a importância do corpo
no processo de construção do Estado moderno, 5) o
controle corporal nas relações humanas estabelecidas na
vida cotidiana, 6) a importância da ginástica em Vittorino
de Feltre, 7) o pensamento de Locke e a ginástica, 8)
análise da obra de Rousseau, 9) a relevância da Educação
Física na pedagogia alemã século XIX, 10) a necessidade
dessa modalidade educativa na obra de Spencer, 11) a
justificativa dada pelos socialistas utópicos e marxistas
à educação física e 12) ao focalizar a importância da
educação do corpo na Alemanha nazista, expressa em
Mein Kampf.
A relevância dessas análises é indiscutível para o
entendimento das maneiras como os homens pensaram e 23
realizaram a educação do corpo na história. Entretanto,
queremos colaborar com esses estudos cruzando as
informações e conclusões que elas trazem com as
transformações no mundo de trabalho que ocorrem e que
ocorreram na história.
Ao pretender colaborar com o debate metodológico
mais amplo que tem lugar na área de Educação e
Educação Física, e, também ao intencionar contemplar
uma análise de conjunto do pensamento educacional
moderno sobre o corpo, acreditamos que estas reflexões
dirigem-se para a satisfação de um duplo interesse.
Primeiramente, justificamos a realização desta obra por
acreditarmos ser necessário, no âmbito da pesquisa sobre
a educação do corpo, concatenar idéias e análises que,
normalmente, vistas como antípodas, poderiam oferecer
mutuamente complementações enriquecedoras. Tal é o
caso da polarização entre os aspectos gerais e específicos,
entre os da coletividade e os da individualidade, entre
economia e cultura etc, que dirigem as opções teóricas
dos analistas. Assim, compomos este livro com a atenção
voltada para as inquietações dos pesquisadores nas duas
áreas, sentidas na hora de elaborar suas leituras sobre os
24
processos educacionais na história. Em segundo lugar,
evidenciamos o possível valor deste estudo pela lacuna
mencionada em análises que investigam os caminhos
percorridos pelo pensamento educacional referente
à educação do corpo. Com isso, acreditamos que o
conjunto dos textos é de grande interesse para os cursos
de formação de professores em geral e de Educação
Física em particular, por oferecer uma leitura e convidar
à realização de outras a todos aqueles que iniciam a
construção de uma reflexão histórica sobre os limites e
as possibilidades da Educação Física.
Os textos que compõem este livro foram elaborados
no decorrer dos últimos cinco anos e refletem a intenção
de refletir sobre as formas históricas de se pensar e fazer
a educação corporal das sociedades. É esse ponto que
une todos os capítulos do livro. Isoladamente, porém, os
capítulos focam temáticas históricas específicas, podendo
ser lidos de forma desvinculada dos demais. Dito de
outra forma, optamos por fazer apontamentos sobre a
Educação Física na história do pensamento educacional a
redigir um manual ou um texto que fosse desenvolvendo
uma única reflexão do “começo” ao “fim”, tal qual
25
encontramos em teses, dissertações e em manuais de
história da educação.
Os capítulos foram publicados, parcial ou
integralmente, em diferentes periódicos na área de
educação, em circulação no país. Agradecemos aos editores
da Revista Histedbr-Online, Analecta, UNICENTRO e
Publicatio, UEPG. Agradecemos, também, à Fundação
Araucária pelos recursos que possibilitaram a publicação
desta obra.
Os projetos de
educação do corpo
nas transformações da
antigüidade grega


Ao analisarmos a história da Educação Física,
podemos ver que de forma freqüente os gregos são
tomados como ponto de partida. Isso é possível de ser
observado tanto no pensamento educacional moderno,
nos debates sobre a criação da disciplina escolar de
educação física no final do século XIX e início do século
XX, bem como na produção acadêmica hodierna sobre o
corpo e a educação.
Acompanhando o processo de desenvolvimento
da sociedade capitalista, percebemos que Rabelais,
Montaigne, Locke, Rousseau, todos eles, de uma
maneira ou de outra, utilizam os exemplos advindos
da Antigüidade, sobretudo a grega, para endossar a
necessidade de se defender a relevância de uma educação
do corpo que fosse considerada como a base de todo o
processo educativo. Resguardadas algumas diferenças
entre esses autores, principalmente, quando aceitam ou
refutam a rigidez espartana para com o cultivo da força e
das habilidades guerreiras, é unâmine o reconhecimento
30
do “equilíbrio” com que os gregos (principalmente
os atenienses) teriam educado os membros da sua
sociedade.
Verificando a questão no Brasil, no início do século
XX, notamos que Fernando de Azevedo (1915), em
sua Poesia do Corpo, também recorre de forma constante
à história da Antigüidade para verificar a urgência
de se entabular a Gimnástica Racional. Mesmo com o
autor fazendo uma abrangente retomada histórica que
abarca também a Índia e a China, é na Grécia que ele
vai se espelhar e mostrar o que poderia fazer a atenção à
educação corporal na escola.
Nas obras de Marrou (1975) e Jaeger (1995), a
profundidade com que analisam a educação na Grécia
condiciona a existência de capítulos específicos e de
referências espalhadas em toda obra sobre a relevância
do corpo e da sua educação para o entendimento desse
período da história educacional. Braustein e Pépin (1999),
ao analisarem O lugar do corpo na cultura ocidental, dedicam
um longo capítulo, perfazendo quase um terço da obra,
para a reflexão sobre a questão no pensamento grego.
O mesmo acontece com manuais, tais como os 31
de Cambi (1999) e Manacorda (2006), que sinalizam
como uma das especificidades da educação grega e um
dos traços que a manteria como de grande valor para as
análises contemporâneas, o fato de ela ter se detido de
forma meticulosa sobre a Educação Física.
Como resultado, observamos que, na produção
acadêmica sobre a educação física, na atualidade, há uma
quantidade importante de estudos que objetivam estudar
os gregos e sua educação corporal. Em um levantamento
preliminar, as dissertações de Da Mata (2000) e de Gnecco
(1999) trazem colaborações extremamente relevantes para
o aprofundamento dos estudos históricos sobre a Educação
Física. Em uma coletânea intitulada Corpo e História, Silva
(2001) e Carvalho (2001) dedicam-se a tematizar o corpo
“para os gregos, pelos gregos [...]” (CARVALHO, 2001,
p.163). Essa autora justifica essa intenção afirmando que
“Poucos, nas últimas décadas, e em particular na área de
Educação Física, foram formados lendo e usufruindo os
clássicos” (p.164). Se essa afirmação não pode ser negada,
não podemos esquecer, entretanto, que justamente essa
advertência endossa o fato de os gregos permearem uma
parte não negligenciável da reflexão sobre a educação
32
física. O chamado de Carvalho (2001) explicita isso.
É, a partir dessa constatação, que pretendemos
colaborar com esse importante conjunto de análises,
endossando alguns posicionamentos com textos
normalmente deixados de lado pelos analistas da
Educação Física, assim como lançar as bases para que
algumas idéias sobre a educação física dos gregos e sua
apropriação pela modernidade e contemporaneidade
sejam problematizados. Para isso, fazendo dialogar autores
e textos escritos nos diferentes períodos da história grega
com estudiosos na área de história e filosofia da educação,
objetivamos reconstruir o processo pelo qual o pensamento
educacional grego focaliza o corpo pedagogicamente, em
consonância com as transformações históricas vivenciadas
por aqueles que pensaram a sociedade, o homem e sua
educação no interior de transformações históricas que
culminaram com construção da sociedade grega clássica.
Ao utilizarmos em um mesmo texto as obras
de Homero, Hesíodo, dos poetas Líricos Gregos, de
Aristófanes e Platão, reconhecemos o amplo recorte
temporal. Essa opção, entretanto, justificamos pela
especificidade que será buscada nesses autores: as diferen-
33
tes formas como o corpo e sua educação foram concebidos
nos diferentes momentos históricos da sociedade grega.

1 - O elogio do corpo guerreiro em Homero: a

educação do corpo pela necessidade

Primeiramente, ao olharmos para a forma de


organização da sociedade nos tempos descritos por
Homero, vemos que os homens mantinham fortes vínculos
com sua família e com a terra da qual tiravam seu sustento
e onde enterravam seus antepassados. O conceito de
propriedade privada era incipiente, sendo a terra e o que
em cima dela estava de posse comum. Podemos ver isso
na Ilíada, quando Homero, insistentemente, ao referir-se
aos seus heróis, atribui o prestígio destes de acordo com a
paternidade conhecida.
O trabalho existia à medida em que era
possibilitado pelas características naturais do local onde
estava fixada a família. Essa dificuldade, inerente à difícil
situação geográfica grega, fazia da guerra, do saque e
da pilhagem atividades necessárias e, por isso, elogiadas
pelos homens. As narrativas homéricas corroboravam a
maior importância atribuída à prática guerreira do que
34
ao trabalho nas terras. Nesse sentido, diz Homero: “Para
eles todos, realmente, mais doce era, então, dar combates
do que voltar para a pátria querida nas côncavas naves”.
(p.181, verso 10, Canto XI.)
Ao contemplarmos a obra Homérica, podemos ver
que a exaltação do herói não chega a se caracterizar num
culto ao indivíduo que realiza proezas na guerra, mas sim
na exaltação da família beneficiada por este ou aquele ato
de heroísmo. Isso, longe de ser uma injustiça ao realizador
das proezas, é visto como absolutamente normal tanto
para a família quanto para o próprio guerreiro. Assim,
Aquiles, Agamêmnon, Nestor, são “corporificações” da
tribo ou da organização que representam. Neste ínterim,
o guerreiro só podia ser pensado em suas qualidades
de forma a atender completamente às necessidades
colocadas por tal prática. Ora, numa vida regida por
valores eminentemente coletivos, onde a vida e a morte
dependiam da força guerreira, podemos dizer que tanto as
qualidades psicológicas, quanto as necessidades corporais,
eram pensadas para atender a esses valores. No que diz
respeito à coragem e ao medo, o ímpeto para a luta, a
vontade para matar o adversário era ladeada pela crítica
voraz à fuga e ao medo de ser ferido em combate.
35
No que tange ao corpo, podemos sentir a forma
como ele era visto em dois momentos: primeiro, na
exaltação das qualidades físicas dos heróis que, ao
defenderem com destreza sua pátria, eram com orgulho
elogiadas pelos demais, e, também, na forma com que as
cenas de morte ou de dor eram narradas. No trecho abaixo,
Homero expressa ambos momentos na mesma passagem:

Pelas fileiras dos outros guerreiros prossegue


Agamêmnon, ora a vibrar a lança e espada, ora pedras
enormes jogando, enquanto o sangue manava, ainda
quente, da grande ferida. Mas, logo que esta secou,
quando o sangue não mais escorria, dores pungentes,
então, sobrevieram ao filho de Atreu. Tal como sofre
mulher em trabalho de parto, ao lhe enviarem as
filhas de Hera, as cruéis Ilitiias, seus dardos acerbos.
(HOMERO, s.d. , p.187, verso 264-270, CantoXI.)

Em um conjunto de relações em que a força,


velocidade e a coragem eram necessárias no dia a dia,
pensar em meios de conscientizar a respeito sobre esta
necessidade, não era um imperativo. A própria prática
dos homens se encarregava desta “pedagogia” do corpo,
bem como de sua centralidade. Dessa maneira, em uma
sociedade onde a vida dependia da força coletiva, onde
36
a força física era prerrogativa óbvia a qualquer homem,
ficava inviabilizada a necessidade da idéia de “preparar”
(treinar), ou pelo menos, demonstrar a importância de
formar o homem para a guerra, educando-o para tal.
Por outro lado, não podemos deixar de perceber
na Ilíada vestígios de que a organização social em questão
estava apresentando sinais claros de desgaste. Aliás, o cerne
da trama é a desavença entre Aquiles e Agamêmnon, em
que este repudia as duras acusações de Aquiles, delatando-o
como oportunista e como o maior beneficiado nas divisões
dos bens saqueados, em suma, acusando-o de egoísta ou de
considerar em primeiro lugar seu interesse individual. Apesar
de ainda se viver em um contexto amplamente guerreiro,
o germe da transformação social começava a se colocar.
Não somente em Agamêmnon, acusado de usurpar os seus
governados com o seu interesse individual, mas também
Aquiles, que reclama nesse momento os bens que não
recebera e que antes não os pedia, refletem o esfacelamento
de uma ordem social calcada na posse coletiva da terra. A
moral guerreira, bem como a força corporal dos homens que
antes eram inquestionáveis e absolutas, começam a entrar
em decadência. Agamêmnon, além de tudo, na acalorada
37
discussão com seu rival, diz: “Sempre encontraste prazer em
contendas, combates e lutas. Se de robusto te orgulhas, tua
força de um deus é presente”. ( p.47. verso 177-178, Canto
I). Esse prazer, que durante toda obra é expresso de forma
natural, “contraditoriamente”, é criticado por um dos mais
importantes personagens, logo no início da Ilíada.

2 - O questionamento ao corpo guerreiro pelo

sofrimento no trabalho e pela inteligência na política

Podemos também observar, só que de forma mais


clara, a transformação que se operava na sociedade antiga
na obra de Hesíodo. Principalmente em Os Trabalhos e os
Dias, ele expressa a passagem da valorização da guerra,
para a valorização do trabalho e dos valores coletivos,
ao nascimento do indivíduo. Sem dúvida que, tudo que
diz respeito ao corpo e sua educação, também, passa por
reformulações radicais.
Em primeiro lugar, Hesíodo começa por delinear
aquilo que será sua preocupação central: mostrar a nova
forma como os homens devem viver. Para isso, ele deixa
explícito como era a maneira antiga e como deveria
ser a nova. Se antes os homens lutavam e saqueavam
38
para sobreviver, no tempo e espaço de Hesíodo cada
homem deveria tirar do trabalho o seu sustento. No
que diz respeito a essa radical diferença entre o homem
hesiódico e o homem homérico, o próprio Hesíodo faz
uma distinção ao lançar mão da Lenda das Cinco Raças.
No caso do antigo homem guerreiro, Hesíodo o vê como
pertencente à Raça de Bronze. Em contraposição, assim
ele define a Raça de Ferro:

Antes não estivesse eu entre os homens da quinta raça,


mais cedo tivesse morrido ou nascido depois. Pois
agora é a raça de ferro e nunca durante o dia cessarão
de labutar e penar e nem à noite de se destruir; e
árduas angústias os deuses lhes darão. Entretanto a
esses males bens estarão misturados. (HESÍODO,
1991, p.35, verso 173-180)

Há de se notar que, apesar de colocar o trabalho


como a atividade responsável pela existência e não
mais a guerra, Hesíodo não o faz de forma a atribuir
à atividade laboral o prazer ou o amor. É a clareza de
que tal atividade vem como necessariamente diferente
da anterior, mas nem por isso, sem sofrimento.
Nessa nova ordem, em que o indivíduo deverá 39
cuidar de seus bens, os laços familiares se afrouxam. Antes
todos eram reunidos e, juntos lutavam, literalmente, pela
sobrevivência. Agora, a luta é entre indivíduos. Isso acarreta
mudanças radicais nos valores. O respeito à família era
incontestável. Agora, nas próprias palavras de Hesíodo:

Nem pai a filhos se assemelhará, nem filhos a pai; nem


hóspedes hospedeiro ou companheiro a companheiro,
e nem irmão a irmão caro, será como já havia sido:
vão desonrar os pais tão logo estes envelheçam e
vão censurá-los, com duras palavras insultando-
os.(HESÍODO, 1991, p.36-37, verso 182-186)

Além de romper com os laços de família, que


antes eram rigorosamente respeitados, entre os próprios
indivíduos, haverá, adverte o autor, males que irão trazer
muitos pesares. A facilidade de se pensar em todos como
se fossem um deixa de existir. Na nova circunstância, o
outro só existe à medida que o prejudica ou é prejudicado
em seus interesses.
Hesíodo diferentemente de Homero, fala do
presente; já lida com sua realidade em um “sentido
pedagógico”, ao afirmar valores que devem existir, mas
40
que não existem. Se na prática existe a cobiça, a inveja e o
egoísmo, Hesíodo trata de freá-los com a idéia de Justiça:

A Justiça escuta e o Excesso esquece de vez! Pois esta


lei aos homens o Cronida dispôs: que peixes, animais
e pássaros que voam devorem-se entre si, pois entre
eles justiça não há; aos homens deu a Justiça que é
de longe o bem maior; pois se alguém quiser as coisas
justas proclamar sabiamente, prosperidade lhe dá o
longevidente Zeus; mas quem deliberadamente jurar
com perjúrios e, mentindo, ofender a Justiça, comete
irreparável crime; deste, a estirpe no futuro se torna
obscura, mas do homem fiel ao juramento a estirpe
será melhor. (HESÍODO, 1991, p.43, verso 275-285)

Apesar de ser a Justiça aquela que deveria


imperar entre homens que, no novo contexto passam,
individualmente, a “lutarem” entre si, Hesíodo adverte
que “Mesmo ao irmão, sorrindo, impõe uma testemunha:
confiança e desconfiança os homens aniquilam por
igual.”(HESÍODO, 1991, p.43, verso 275-285)
Com isso, qual é a nova forma de se pensar o
corpo? Qual é a necessidade por ele satisfeita neste novo
momento? O que é que nasce e o que morre, em relação 41
ao corpo, com a nova forma de ser da sociedade? Jaeger
(1995) diz que em Hesíodo a idéia de direito aparece em
franca luta com o uso da força, o que faz o helenista,
sobre o conteúdo “formativo” do poema, concluir:

A educação e prudência na vida do povo não conhecem


nada de semelhante à formação da personalidade
total do homem, à harmonia do corpo e do espírito,
à destreza igual no uso das armas e das palavras,
nas canções e nos atos, tal como exigia o ideal
cavalheiresco. Em contrapartida, impõe-se uma ética
vigorosa e constante, que se conserva imutável através
dos séculos, na vida material dos camponeses e no
trabalho diário da sua profissão. Este código é mais
real e mais próximo da Terra, embora lhe falta uma
grande meta ideal. (JAEGER, 1995, p.90)

Ao se basear no trabalho, a nova sociedade que ia


surgindo, sustentada pelo direito que regrava as disputas
- antes resolvidas pelas qualidades do corpo, como
a força e a velocidade - inicia um processo de reflexão
sobre a relação entre a prática da vida cotidiana e a teoria
educacional. A idéia de justiça, de obediência à lei não se
desenvolvia por si: era necessária a reflexão sistematizada
42
sobre como “formar” o homem, que liberado dos laços
familiares, assumisse a existência política. O nascimento
da reflexão pedagógica grega, atinada com as contradições
e necessidades da pólis, resultou em dois discursos
pedagógicos sobre o corpo: aquele que valoriza o corpo
como fonte das realizações do espírito e aquele que vê
no cultivo do corpo o embotamento dessas qualidades.
De qualquer maneira, a centralidade das valências físicas,
ou a sua imediata utilidade, é secundarizada em relação
à palavra e à reflexão. Ou seja, em Homero a prática
social e a prática educativa coincidiam e, em ambas, o
corpo e suas forças eram vistas como pressupostos. A
educação do corpo, efetivada no dia-a-dia da sociedade
guerreira descrita por Homero, ou passa a ser executada
pela “pedagogia” para atingir a um fim que transcende à
força muscular, ou é rechaçada como sinal de um tempo
que não mais existia.
Nesse sentido, os poetas Líricos Gregos expressam
com segurança a malha de determinações e de valores
que agora são elogiados ou criticados e que tocam,
diretamente, a questão da educação corporal.
Ao vislumbrarmos os homens que viveram essas 43
mudanças, notamos que deixando de ser a guerra a
atividade principal, os valores guerreiros, já no período de
Arquíloco (687-652 a.C.), começam a serem criticados e
até zombados. Antes, um guerreiro tinha como algo de
maior valor seu escudo, seu elmo e suas armas, e agora,
nas palavras de Arquíloco:

Um dos Saios, nossos inimigos regozija-se agora com


meu escudo, arma impecável que sem querer deixei
ficar num matagal. No entanto, escapei à morte,
que é o fim de tudo. Quero lá saber deste escudo!
Comprarei outro melhor. Que é um escudo, afinal,
senão um pedaço de pele curtida, com uns adornos de
metal brilhante! (LÍRICOS GREGOS, 1956, s.p)

De um lado, temos o escárnio como o sinal de que


o valor guerreiro já não mais responde as necessidades
dos homens. De outro, temos o saudosismo de Tirteo
(Sec. VII), que insiste em lembrar o que fora esquecido,
ou seja, aquilo que não mais acontece “naturalmente”:

Assim, pois, oh jovens lutais unidos e não deis sinal de


fuga vergonhosa nem de medo; faze grande e forte no
peito vosso coração e não tenhais amor por vossas vidas
44
quando lutas com o inimigo. Não fujais abandonando
aos velhos, os de mais idade, caídos, cujos joelhos já
não são ágeis. É vergonhoso ver, caído na primeira fila
deitado no solo diante de jovens, um homem de mais
idade, de cabeça branca e barba branca, exalando no pó
sua alma generosa, com as ensangüentadas vergonhas
escondidas entre as mãos [...]. (LÍRICOS GREGOS,
1956, Op. Cit. p.4, verso 6)

A luta de Tirteo em fazer os homens lembrarem-


se daqueles valores coletivos e guerreiros, respondia a
uma necessidade: a saber, não mais aquela que é a fonte
das lembranças buscadas, mas sim a realidade regida pela
propriedade individual, em que aqueles valores (coragem,
respeito aos velhos, abdicação da vida própria), serviam
muito mais para conter os excessos citados por Hesíodo,
do que garantir a sobrevivência, como em Homero.
No que tange à forma como o corpo passa a ser
visto, Xenófanes (+-570 - +-470) vivendo já sob a égide
da nova maneira de organização, na qual o trabalho, a
palavra e a habilidade de fazer leis que regulam as práticas
individuais de cada homem são mais importantes, deixa
explícito que a antiga necessidade do corpo forte, ágil,
sendo ultrapassada, faz com que os homens vejam o que
45
antes era elogiado, como alvo de críticas:

Os vencedores das Olimpíadas, que recebem


distinções como sentar na primeira fila de um teatro,
homenagens da cidade, são contestados pelo poeta.
Diz ele [...] No entanto, esses vencedores são menos
dignos dessas honrarias que eu porque a minha
sabedoria é melhor do que a força dos homens e
dos cavalos. Porém, sobre isso há muitas opiniões
equivocadas. Não é justo preferir a força à verdadeira
sabedoria. Se há na cidade um bom pugilista ou
um bom atleta distinguido no Pentatlon, na luta
ou na corrida - que é a mais importante das provas
atléticas nas competições entre os homens - nem por
isso estará, por ele, melhor governada. Pouco prazer
pode dar a uma cidade um atleta que vença junto às
margens do rio de Pisa posto que isso não enriquece
os cofres da cidade. (LÍRICOS GREGOS, 1956,
p.15, verso 2)
Podemos, ainda, endossar a posição de Xenófanes,
com a seguinte passagem de Teógnis (610-520):“A
inteligência e a língua são um tesouro; porém são coisas
que poucos homens possuem e que tem dificuldades de
fazer bom uso de ambas.”(LÍRICOS GREGOS, 1956,
46
p.20, verso 1185)
Assim, esses posicionamentos são compreensíveis
ao considerarmos o pano de fundo histórico que dá as
razões para que tais idéias se realizem. A força e o altruísmo
eram as peças-chave para a garantia de sobrevivência.
Com os desenvolvimentos que culminariam na existência
política, são as habilidades no falar e no pensar - inerentes
as práticas do comércio e da política - que garantem a
realização dos interesses individuais. Estes, por sua vez,
se levados ao exagero, destruiriam as possibilidades de
viabilização de qualquer organização social, onde estes
interesses se realizam. Sobre isso, afirma Teógnis:

Quando os malvados se decidem a mostrar sua


insolência, corrompem o povo e dão sentenças a
favor dos injustos para buscar lucros e poder próprio.
Não esperes que essa cidade, ainda que esteja na
maior calma, permaneça tranqüila por muito tempo
uma vez que os malvados se agarram às vantagens
com prejuízo público. Disso nascem as lutas civis, as
matanças de cidadãos e dos tiranos [...]. (LÍRICOS
GREGOS, 1956, p.14, verso 44.)

Com o desenvolvimento da pólis e da democracia,


47
notamos que essas discussões sobre o valor educativo
ou prático do desenvolvimento do corpo ganham em
intensidade e sistematização. Podemos notar a existência
do debate entre o elogio e a crítica à educação física em
As Nuvens, de Aristófanes. Quando do diálogo entre os
raciocínios das duas formas educacionais em luta, ele faz
o “Raciocínio Justo”, crítico do intelectualismo sofístico,
afirmar:

Se fizer o que eu digo e atentar nesses conselhos,


terá sempre peito robusto, côres brilhantes, ombros largos,
língua curta, quadris grandes e membro pequeno. Mas se
praticar os hábitos de hoje, logo terá pele pálida ombros
estreitos, peito acanhado, língua grande, quadris pequenos,
membro comprido e longos decretos. E ele persuadirá você
a pensar que tudo que é vergonhoso é belo e o belo,
vergonhoso. (ARISTÓFANES, 1967, p.194) (Sem
grifos no original)
Fica evidente que a menção aos “hábitos de hoje”
diz respeito ao fortalecimento da política em relação à
guerra e à perda de importância da educação corporal
nessa ordem.

48 A oposição entre a “língua grande” do especialista em


discursos e os “ombros largos” do guerreiro como exemplos
de práticas educacionais diferenciadas assume grande
importância pelas nuances que recebe no pensamento de
Platão. Através de Sócrates, no Fédon, diz o autor de A
República:

[...] purificar a alma não é o mesmo, como diz a


antiga tradição, que separá-la do corpo e acostumá-la
a encerrar-se e recolher-se em si mesma, partindo de
todos os pontos do corpo, e viver, seja nesta vida, seja
na outra, sozinha e separada do corpo como liberta de
uma cadeia? (PLATÃO, 1996, p.129)

Isso, todavia, não deve levar à assunção de que


Platão desconsidera a educação do corpo como momento
importante de sua obra filosófica. A atenção dada ao
cuidado e à educação corporal n’A República endossa a
advertência, feita por Watanabe (1995):
Platão considera a existência humana sob um ponto
de vista pitagórico, isto é, como coexistência de alma
e corpo.[...] A tradição cristã fez dessas afirmações
uma teoria platônica da espiritualidade da alma,
desconhecendo a sofisticada encenação dos Diálogos.
Desse modo, exagerou-se o papel da recusa do corpo 49
em favor da alma no contexto da obra de Platão. Se o
corpo (em grego, soma) é considerado como o túmulo
(em grego, sema) da alma, é porque é preciso inverter
as perspectivas e pensar a morte como passagem para a
nova vida.[...] Sócrates reconhece que, pregada ao corpo
como que por meio de pregos e ferros, é por intermédio
do prazer e da dor que o corpo produz que alma exercita
sua memória [...]. (WATANABE, 1995, p.95-96)

Por outro lado, com o mesmo cuidado de


Watanabe (1995), Marrou (1975), por sua vez, não deixa
de dizer que:

[...] o lugar que Platão concede, em sua discussão, aos


aspectos propriamente espirituais da cultura, mostra
claramente ter já o papel da educação física passado para
segundo plano: lentamente, a cultura helênica se distancia
de suas origens cavalheirescas e evolui na direção de uma
cultura de letrados. (MARROU, 1975, p.118)
Essas observações colocam bases para entender
a necessidade de analisar a história da Educação Física
na Antigüidade de forma a contemplar a dinamicidade
do processo de formação e de superação de discursos
pedagógicos que ou assumiam o corpo como pressuposto,
50
ou o viam como irrelevante frente às novas configurações
sociais ou que, ainda, viam-no como importante
justamente pelo desenvolvimento da política e da filosofia
e o predomínio da inteligência que elas pressupõem.
Quando analisamos a educação grega, devemos levar
em conta, assim, a existência de projetos históricos e
pedagógicos conflitantes (enfim, de educações gregas)
em relação ao corpo e à sociedade. O mesmo deve ser dito
sobre as sociedades que se sucederam e que, de forma
inegável, determinaram as várias leituras que foram e
que são feitas da Antigüidade.

Apontamentos Finais

Iniciamos este capítulo objetivando refletir


sobre a importância atribuída à “educação grega” por
parte dos estudiosos da Educação Física. Analisar o
desenvolvimento do pensamento educacional grego
tomando as transformações históricas da época homérica
à clássica, serviu para mostrar a multiplicidade de
projetos educacionais atinentes ou contrários à educação
do corpo. Antes, o homem altruísta, guerreiro e forte
estava diluído no interior da sociedade. Por outro
lado, no novo contexto que surgia, tratava-se de lidar
pedagogicamente com o corpo e formá-lo naqueles 51
valores, caso fosse visto o seu valor para embasar o
desenvolvimento das capacidades volitivas e intelectuais
necessárias para coesão política. Dito de outra maneira,
a força, a velocidade, a habilidade com as armas
[...] tratava-se de formá-las em condições especial
e “artificialmente” preparadas para que o homem
possuísse esses atributos, sem querer isso dizer que eles
fossem imediatamente ou “concretamente” úteis, como
foram durante na vitória sobre Tróia, por exemplo. Para
o sofista do “raciocínio injusto” de Aristófanes, isso
era perda de tempo. O governante-filófoso de Platão,
por sua vez, deveria ser formado nessa “pedagogia
do corpo” que, no fim, condicionaria a existência e o
desenvolvimento de sua capacidade de reflexão e ação.
Nesse sentido, as transformações no pensamento
educacional grego, com suas conseqüências específicas sobre
a questão do corpo, mostra a necessidade de buscarmos as
várias e complexas mediações entre as transformações da
sociedade e a maneira como ela pensa e executa (ou pela
vida cotidiana, ou pela pedagogia) a educação corporal.
Como conseqüência, Marrou (1975) chama atenção de
forma clara para essa necessidade ao colocar uma questão
no resultado mais constante dessa desconsideração ao se
52
analisar a educação física na Antigüidade:
Aqui, devo exorcizar um mito moderno, o de uma
síntese harmoniosa entre ‘a beleza da raça, a perfeição
suprema da arte e os mais altos vôos do pensamento
especulativo’que a civilização helênica teria podido
realizar plenamente. Esse ideal de um espírito
plenamente desabrochado num corpo soberbamente
desenvolvido, não é, sem dúvida imaginário; existiu,
pelo menos, no pensamento de Platão, quando ele
desenhava suas inesquecíveis figuras jovens; [...] Mas
é necessário considerar também que, se ele pôde realizar-se na
prática, só o pôde num instante fugidio de equilíbrio instável
entre duas tendências que evoluíam em sentido contrário, e
das quais somente uma pôde progredir, acarretando
a regressão da primeira, de início dominante.
(MARROU, 1975, p.75) (Sem grifos no original)

Partindo das apropriações cristãs da filosofia


grega, passando por Montaigne, Rabelais, Locke,
Rousseau, Rui Barbosa, Fernando de Azevedo; passando
também pela retomada dos Jogos Olímpicos em 1896
e sua elaboração nazista na década de 30, chegamos
aos esforços contemporâneos de se buscar, defender e
concretizar as potencialidades educacionais da Educação
53
Física. Em todas essas idéias e fatos, os variados formatos
e concepções sobre a educação do corpo ou foram muito
criticados ou defendidos, porém tendo, freqüentemente,
como anteparo a “educação grega”. Com as reflexões
feitas neste texto, pretendemos ter mostrado que essa
“educação grega”, além de ter sido multifacetada para
os próprios gregos, originou diferentes interpretações
fazendo com que a análise desse período histórico seja
dotada de grande vitalidade. Assim, esse reconhecimento,
longe de tirar o fascínio que atribuímos aos gregos, dá
ainda mais valor e atualidade para o seu estudo pelo fato
de historicizá-lo. Atualidade essa passível de ser vista
justamente no cuidado em se lançar mão desse período
histórico evitando anacronismos que, com o passar dos
anos, tornaram-se grandes chavões que dificultam tanto a
reflexão hodierna, quanto o entendimento da especifidade
dos limites e da perenidade das realizações educacionais
dos antigos gregos.
A Educação Física no
pensamento educacional
moderno durante o
contexto francês do
século XVIII
No pensamento educacional moderno, a
preocupação com o corpo era inseparável da existência
individual. A liberdade, conquistada na luta contra os
resquícios feudais, significava que cada indivíduo seria
responsável pela produção de sua própria vida. Significava,
também, que a possibilidade de uma existência cada vez
mais confortável dependia do esforço de cada um. Daí,
porque, o corpo ter sido alvo de cuidados, de prescrições
nutricionais, de usos de vestimentas e de exercícios
cuidadosamente selecionados.
Esses postulados conservaram sua validade na
literatura apesar do tempo. A eles foram apenas sendo
acrescentados os avanços da ciência e da tecnologia.
O que mudou ao longo da história é que, de pensada
inicialmente para a educação privada dos filhos das
famílias abastadas, a educação do corpo foi amplamente
divulgada e efetivada na escola pública do século XIX.
Mas essa mudança de uma educação física doméstica
para uma efetivada em um espaço público não se deu
58
de forma evolutiva. Foi preciso a existência de condições
históricas determinadas para que se instaurasse um longo
e acirrado debate sobre a extensão das práticas corporais
de uma forma universal.
Ao contemplar esse processo já efetivado, não se
pode perder de vista que o pensamento educacional liberal
transita da necessidade da educação do corpo como prática
privada e exclusiva de uma classe para, já no interior da
revolução, conjeturar, conceber e, com denodo, debater,
em alguns projetos educacionais, a educação do físico
oferecida a toda sociedade. Dessa maneira, o objetivo
deste capítulo é analisar a forma como o pensamento
liberal, no contexto francês pré e imediatamente pós-
revolucionário, elaborou, no interior das discussões mais
amplas sobre os rumos sociais, a necessidade de se educar
o corpo. Apoiando-se no estudo dos representantes mais
destacados do pensamento educacional desse momento,
procurar-se-á evidenciar como e porque a educação física,
antes pensada como modalidade educativa na e para a
vida privada, passou a ter sua utilidade pública passível
de ser regulada pelo Estado, veementemente discutida.

1 - A educação do corpo no limite entre o privado 59


e público

Tocqueville (1989), em O Antigo Regime e a


Revolução, ao dizer que a Revolução Francesa surpreendeu
a Europa, já que ninguém esperava por ela, “esqueceu-
se”, no entanto, de dizer que Rousseau (1992) a previra
quase trinta anos antes de sua erupção. No Emílio, diz o
pensador genebrino:

Confiais na ordem presente da sociedade sem pensar


que esta ordem está sujeita a revoluções inevitáveis
[...] Aproximamos do estado de crise e do século
das revoluções [...] tudo o que os homens fizeram os
homens podem destruir. (1992, p.213)

A originalidade de Rousseau, no entanto, não foi


“profetizar” a grande revolução que destruiria o antigo
regime, mas de antecipar a crítica à sociedade burguesa
que substituiria a sociedade feudal. Essa crítica o inclui
entre os filósofos iluministas, mas sua aversão à nova
sociedade o exclui literalmente desse movimento,
isolando-o dos filósofos, seus contemporâneos. A
Inglaterra, que ainda segundo Tocqueville (1989), havia
mudado gradativamente o espírito de suas instituições
60 sem precisar destruí-las, era o modelo de civilização dos
iluministas franceses. Mas não era o de Rousseau, devido
a sua defesa do interesse público. Para ele, a instauração
de qualquer sociedade que tem como princípio básico
o interesse individual, como a que se organizava na
Inglaterra de Locke para defender a propriedade privada,
não podia ser chamada de civilizada, pois nascia com a
sociabilidade entre os homens comprometida.
Emílio foi educado para ser o homem de Rousseau
em duas situações: ou viver um novo Contrato Social
(ROUSSEAU, 1983) (que ele próprio havia concebido sem
nenhuma certeza de iria realmente ser implementado),
ou escolher o país que mais se assemelhasse a ele, caso as
transformações resultassem no que era esperado pelos
iluministas. Nas duas situações, Emílio seria antes de
tudo cidadão, não como no passado, em que o indivíduo
não existia, mas como aquele que submete o interesse
individual ao interesse coletivo.
Em meio a um conjunto de instituições vistas
como doentias, que só faziam imputar aos homens vícios
e erros, Rousseau coloca a necessidade de existência de
outras, que fizessem o homem sair desse estado vicioso de
egoísmo, organizando o particular de acordo com o todo
61
e não o contrário, como queriam seus contemporâneos.
Desde a mais tenra idade, Emílio é educado de
modo a conhecer e desenvolver suas forças e capacidades,
que usaria para benefício próprio e também para os
outros. Homem que abre mão de tudo que é imediato,
pequeno e individual, agindo de acordo com os deveres
da sociedade como um todo. Nesse processo, a educação
do corpo assume uma posição de destaque, pois é com ela
que, na fase inicial de educação, a criança reconhece suas
habilidades, potencialidades e desenvolve todo o seu vigor
para contar sempre com um corpo pronto, saudável e em
condições de agir, seja na produção da existência, seja no
altruístico dever de defender, acima de tudo, a sociedade.
A importância da educação corporal é apontada
como a base sobre a qual erguer-se-ia toda a grandeza
moral e intelectual do indivíduo que, ao pensar na
coletividade, ganharia da sociedade dobrado o que
perderia se vivesse isolado como nos moldes naturais,
moldes esses que no entender de Rousseau eram,
infelizmente, não mais possíveis de serem vivenciados.
Essa importância é enfatizada pelo próprio autor ao
analisar a “educação primeira”: “Exercitai seu corpo, seus
62
órgãos, seus sentidos, suas forças, mas deixai sua alma
ociosa enquanto for possível” (1992, p.80). Além disso,
o filósofo relaciona de maneira relevante à educação do
corpo à maneira defendida pela antigüidade clássica ao
afirmar que:

Vós vos preocupais com a ver gastar seus primeiros


anos em não fazer nada. Como! Ser feliz será não
fazer nada? Não será nada pular, correr, brincar o dia
inteiro? Em toda a sua existência não andará mais
ocupada. Platão, em sua “República”, que acreditam
tão austera, só educa as crianças com festas, jogos,
canções, passatempos: parece que fez tudo ensinando-
lhes a se divertirem. E Sêneca diz, falando da antiga
juventude romana: estava sempre em pé e nada se lhe
ensinava que devesse aprender sentada. (1992, p.97)

Rousseau faz questão de deixar claro que a diferença


entre o que ele pensa e o que os demais pensaram reside
em questões mais gerais. A aversão que tinha o filósofo
pelos vícios advindos da sociedade distancia-o de maneira
muito intensa de Montaigne, pelo respeito que este autor
concede à liberdade do indivíduo que aprende o que for
útil para ele. Opõe-se, também, a Locke, que atribuía
63
maior peso às experiências, ao convívio, à possibilidade
de se formar o homem de negócios. O autor de Emílio
não quer formar nem o homem barroco de Montaigne,
nem o homem moldado pelo ambiente (individualista)
de Locke. Entretanto, os três são unânimes em afirmar a
educação do corpo, mesmo que desemboquem em perfis
humanos diferenciados. Rousseau tem consciência disso:

Todos os que refletiram acerca da maneira de viver dos


antigos atribuem aos exercícios de ginástica o vigor do
corpo e de alma que os distinguem mais sensivelmente
dos modernos. O modo pelo qual Montaigne corrobora
esse sentimento mostra que estava fortemente
compenetrado disso; volta ao assunto sem cessar e de
mil maneiras. Falando da educação de uma criança, diz
que, para fortalecer-lhe a alma, cumpre enrijecer-lhe
os músculos; acostumando-a ao trabalho, habituam-
na à dor: é preciso afazê-la à dureza dos exercícios, para
adestrá-la às asperezas das luxações, das cólicas e de
todos os males. O avisado Locke, o bom Rolim, o sábio
Fleury, o pedante Crouzas, tão diferentes entre si em tudo
o mais, concordam todos neste único ponto: exercitar muito
o corpo das crianças. É o mais judicioso de seus preceitos;
é o que é e será sempre mais negligenciado. Já falei
64 suficientemente de sua importância, e como a respeito
não é possível dar melhores razões nem regras mais sensatas
que as que se encontram no livro de Locke, contentar-me-ei
com recomendá-lo, depois de tomar a liberdade acrescentar
algumas observações às suas. (1992, p.123) (Sem grifos
no original)

A necessidade de fazer sua sociedade assumir uma


característica mais coletiva pode, a quem analisa a obra de
Rousseau sem o devido cuidado, levar a atribuí-lhe a base
do pensamento educacional que privilegiaria a educação
pública. Entretanto, a admiração de Rousseau por
Esparta e o fato do seu Contrato Social baseado no respeito
à “Vontade Geral”, não significam a ruptura do autor
com a linha mestra do pensamento educacional burguês.
Apesar de ser um filósofo extremamente contraditório
e criticar tanto a sociedade decadente do antigo regime
como os rumos “individualistas” que a sociedade francesa
já apresentava como tendência, Rousseau concebe a
educação como necessidade tão somente de quem tem
posses e de quem vai recebê-las. Nesse sentido, ele afirma
no Emílio que

O pobre não precisa de educação; é obrigatória a de


sua condição, não poderia ter outra. Ao contrário, a 65
educação que o rico recebe de sua condição é a que
menos lhe convém tanto para si mesmo quanto para a
sociedade. (1992, p.29)

Os pobres estão mais próximos da natureza boa


do homem. O sofrimento causado pela pobreza era
considerado corporalmente educativo.
A revolução antevista por Rousseau acontecera.
A burguesia francesa conseguiu enterrar os vestígios
políticos remanescentes da feudalidade. Com as vitórias e
os novos problemas enfrentados, a classe que fez renascer
a educação do corpo para formar o indivíduo talentoso e
cheio de forças, refez conceitos, analisou novas demandas
e seu pensamento educacional acompanha o processo
tortuoso e complicado de construção e consolidação da
ordem social.
2 - O debate sobre a educação física pública na

revolução

Durante a Revolução, o pensamento educacional


liberal passa por várias reformulações importantes. Longe
66 de serem somente intensos debates intestinos, pode-se
dizer que ele sofreu alterações quanto aos meios, fins e a
quem deveria ser dirigida à educação.
Constituintes e filósofos entregam-se a fervorosas
contendas sobre a educação responsável pela consolidação
da ordem deflagrada em 1789. A educação do corpo,
antes pensada para os nobres e potentários da nascente
burguesia, denominados por Locke de “homens de
negócios”, passa a ser conjeturada para toda a sociedade,
como dever do Estado.
Condorcet, no período constituinte da Revolução,
destacou-se como um dos mais fortes defensores
da “instrução pública”. Para ele, a revolução estaria
incompleta se a desigualdade entre os homens não fosse
legitimada pela diferença de talentos. Para essa legitimação
ter coerência com o projeto político alardeado no calor
revolucionário, acreditava Condorcet que era obrigação
do Estado dar a base sobre a qual estas diferenças seriam
construídas. Quanto a isso, afirma o próprio membro da
Constituinte, que começou a apresentar seu projeto em
20 de Abril de 1792:
A instrução pública é um dever da sociedade para
os cidadãos. Em vão se teria declarado que todos os
67
homens possuem o mesmo direito; em vão as leis
teriam respeitado o primeiro princípio da justiça
eterna, se a desigualdade quanto às faculdades morais
impedisse o maior número de homens de desfrutar de
seus direitos em toda a sua extensão [...] É impossível
que uma instrução de fato igualitária não proporcione
a superioridade daqueles que a natureza dotou de uma
complexão mais feliz. (CONDORCET apud BOTO,
1996, p.117)

Há que se notar que a crença de Condorcet na


instrução como fonte de transformação de uma estrutura
desigual ou, também, na viabilização de uma desigualdade
“legítima”, levava em conta os limites impostos pelo
nível de desenvolvimento dos meios de produção. No
seu projeto colocava como obrigatória a escola primária,
reconhecendo que as escolas secundárias ficariam para
os filhos daquelas famílias que pudessem abrir mão do
trabalho dos filhos. Para as famílias que não pudessem
ter seus filhos na escola, a educação do corpo dar-se-ia na
prática produtiva do campo ou das manufaturas.
Os esforços entabulados pela burguesia, ao
discutir os limites entre o público e o privado em relação
à educação, calcavam-se nas dúvidas trazidas pelo
68
desenrolar da Revolução e os caminhos por ela assumidos.
Tratava-se, diz Boto (1996), de se criar
uma pedagogia permanente (que) agiria no sentido de
imprimir no subjetivo daquela população [...] uma dada
idéia que delimitaria aqueles tempos revolucionários
como origem de um mundo completamente novo.
(p.162)

Até que ponto o Estado deveria ser responsável


pela educação do homem e até que ponto ela deveria
ser ministrada a toda sociedade foi a questão central no
interior da revolução. Nesse sentido, afirma Hunt (1991),
ao analisar a vida privada na Revolução Francesa:

Durante a Revolução, as fronteiras entre a vida pública


e a vida privada mostraram uma grande flutuação. A
coisa pública, o espírito público invadiram os domínios
habitualmente privados da vida. Não resta dúvida que
o desenvolvimento do espaço público e a politização da
vida cotidiana foram definitivamente responsáveis pela
redefinição mais clara do espaço privado no início do
século XIX. O domínio da vida pública, principalmente
entre 1789 e 1794, ampliou-se de maneira constante,
preparando o movimento romântico do fechamento
do indivíduo sobre si mesmo e da dedicação à família, 69
num espaço doméstico determinado com uma maior
precisão. (1991,p.21)

A contrapartida da organização política ao libertar


o indivíduo das amarras feudais, era a construção de uma
série de laços jurídicos e cívicos que permitiriam a cada um
viver satisfazendo seus interesses, construindo um mundo
novo. A nova moral, baseada no indivíduo, pressupunha
uma elaboração e um repensar da vida nas mais variadas
dimensões e até os últimos recônditos sociais. Nesse ínterim,
a educação veio a se configurar, no ideal revolucionário,
como um dos pontos de apoio sobre o qual se ergueria uma
sociedade baseada em indivíduos livres.
Se as lutas anteriores não fizeram a burguesia pensar
a educação para toda sociedade, agora, impulsionada pela
revolução, o debate dessa questão atinge seu auge, sobretudo
durante o jacobinismo. Foi nesse momento que o “público”
ganha muita força e todos os corpos passam a ser passíveis
de serem educados e enrijecidos por esse ideário:

[...] essa França Jacobina, onde a escola unificadora


constrói um modelo coerente e bastante rígido de
70 cidadania e civilidade, empertigando os corpos,
investindo contra os dialetos regionais, corrigindo
as pronúncias, impondo a todos, migrantes internos
ou externos, seu modelo de integração de eficácia
inquestionável - como ela parece autoconfiante! [...]
outras provas dessa diluição do privado diante do
público. (PERROT, 1991, p.19)

Nesse debate, as reflexões de Lepeletier são de


grande relevância. É com a leitura de Robespierre que
o projeto de Lepeletier é apresentado em 13 de julho de
1793. Esse projeto aprofundou algumas considerações
feitas por Condorcet, criticando-o em vários momentos.
Um dos primeiros pontos criticados por Lepeletier é a
viabilidade e a validade dos conhecimentos como fonte
de unidade cívica. Para isso, o autor do projeto antecipa
a discussão entre a importância da educação versus da
instrução. Para Lepeletier,
[...] antes desses degraus superiores, que são úteis
apenas para um pequeno número de homens, eu busco
uma instrução geral para todos, que convenha às
necessidades de todos, em uma palavra, uma educação
verdadeira e universalmente nacional. (apud BOTO,
1996, p.169) 71

Além dessa importante diferenciação, há que


situar esse projeto na sua historicidade. Lepeletier, assim
como Condorcet, propunha uma estrutura educativa que
objetivava entrar em cada lar, em cada família, formar
cada criança componente da nova sociedade. Entretanto,
os limites históricos inerentes às estruturas produtivas
faziam esses homens pensarem a infância de maneira a
diferenciar aqueles que tinham condições de crescer sem
trabalho, daqueles que não tinham essa possibilidade.
O limite dessa educação pensada para todos, Lepeletier
expressa-os da seguinte maneira:

Mas quanto à classe indigente, como será? Essa criança


pobre, você lhe oferece instrução; mas antes lhe falta
o pão. Seu pai trabalhador priva-se de uma porção
para lhe oferecer; mas é necessário que a criança
ganhe outra. Seu tempo é encarcerado no trabalho
porque no trabalho está a sua subsistência. Depois de
haver passado no campo uma jornada penosa, vocês
querem que, como penoso, ela se dirija a uma escola
distante talvez meia légua de seu domicílio? Em
vão, vocês estabeleceriam uma lei coercitiva contra o
72 pai; este não poderia prescindir do trabalho de uma
criança que, com oito, nove, ou dez anos, ganha já
qualquer coisa. Um pequeno número de horas por
semana é o máximo que ele pode sacrificar. Assim, o
estabelecimento de escolas tal como foi proposto seria,
para falar a verdade, um bem produtivo apenas para o
pequeno número de cidadãos, independentes em sua
vida material, livres das constrições das necessidades
(apud BOTO, 1996, p.170).

Diferentemente do pensamento educacional


moderno nos albores da sociedade capitalista, Lepeletier
dimensiona de maneira interessante, devido às lutas
enfrentadas pela burguesia francesa no final do século
XVIII, o papel dos antigos. Do grande elogio a eles
feito por Montaigne, Rabelais, Locke e Rousseau, passa-
se, no novo momento, a reconsiderar essa importância
sem, no entanto, negar o papel dos exemplos vindos da
antigüidade clássica. Essa admiração, com reservas, é
expressa da seguinte maneira:
Prolongar a instituição pública até o fim da
adolescência é um belo sonho; algumas vezes nós o
imaginamos deliciosamente com Platão; por vezes
nós o lemos com entusiasmo, realizado nos fastos da
Lacedônia; algumas vezes nós reencontramos na sua
insípida caricatura nos colégios; mas Platão só formava 73
filósofos, Licurgo só fazia soldados, nossos professores
só formam estudantes; a República francesa, cujo
esplendor consiste no comércio e na agricultura, tem
necessidade de fazer homens para todos ofícios: então
não será mais nas escolas que eles serão encerrados,
mas nos diversos “ateliers”, qualquer outra idéia é uma
quimera que, sob a enganosa aparência da perfeição,
paralisaria os braços necessários, exterminaria a indústria,
reduziria o corpo social e em pouco tempo engendraria
sua dissolução. (apud BOTO, 1996, p.172). (Sem
grifos no original)

Em que consiste, então, a importância dos exemplos


tirados das antigas Grécia e Roma? Para Boto (1996), essa
relevância é configurada da seguinte maneira:

[...] da república dos filósofos com Platão até o


modelo espartano de formação de subjetividades para
o serviço integral da pátria, o homem novo da cidade
nova mapeada pela recém-fundada República francesa
teria as feições do coletivo. É por isso também que a
Matriz do aperfeiçoamento individual tão cara ao espírito
da Ilustração será aqui substituída pelo interesse público,
em nome do qual todos os sacrifícios seriam, por si,
legítimos. (p.173)
74
No interior da Revolução, nota-se que os referenciais
com os quais a burguesia pensa a educação da sociedade
flutuam entre do privado para o público. O auge desta
mudança, atestada pelo jacobinismo, manifesta-se de
maneira forte na educação do corpo. O ponto de mudança,
como já afirmava Rousseau, não é o valor da atividade em
si, mas o que ela pretende formar. Para Lepeletier, assim
como Locke, Montaigne, Rabelais, o corpo tem uma
importância muito grande, só que para atingir finalidades
diferentes. Para estes, o culto ao corpo e sua educação vêm
no sentido de instrumentalizar o indivíduo que busca sua
riqueza e sucesso, com saúde, força e beleza. Para aquele,
trata-se de educar o “corpo social” de uma organização
jurídica baseado na igualdade de direitos políticos na
forma defendida por Robespierre. Essa educação do corpo,
oferecida ao maior número possível de pessoas, é colocada
da seguinte maneira por Lepeletier:
Continuamente pelas mãos e sob os olhos de uma ativa
vigilância, cada hora será reservada, quer para o repouso,
quer para a refeição, o trabalho, o exercício, o descanso;
todo o regime de vida será invariavelmente regrado;
os desafios graduais e sucessivos serão determinados;
os gêneros de trabalhos corporais serão designados; os 75
exercícios de ginástica serão indicados, um regulamento
salutar e uniforme prescreverá todos esses detalhes e
uma execução constante e fácil lhes assegurará os êxitos.
(apud BOTO, p.175)

Essa necessidade defendida por Lepeletier do


Estado tutelar a educação do corpo da sociedade, não
era unanimidade. Vários críticos, no interior da própria
Revolução, negavam fazer essa passagem das preocupações
educativas do âmbito privado ao público. Nesse sentido,
um discurso pronunciado em 30 de julho de 1793, por
Grégoire, é explícito por representar a resistência da
burguesia em fazer essa alteração fundamental em suas
considerações sobre a educação e, conjuntamente, sobre
a educação do corpo:

Passo a examinar os efeitos morais que resultam da


educação comum e principiarei perguntando-lhes qual
é o processo mais de acordo com a natureza: aquele de
deixar as crianças no seio de suas famílias ou, o outro
e lhes fazer morar em casas comunitárias. A resposta
não deixa dúvidas; a segunda possibilidade é artificial.
A natureza é mais sábia do que nós; estejamos certos
que, ao nos afastarmos de suas inspirações, nos
76 distanciaremos da felicidade. Ora, pretendo provar
que o sistema de subtrair as crianças das famílias para
concentrá-las permanentemente em casa de educação
comum é contrário à felicidade e à moralidade de pais
e filhos. Entrem na cidade em uma casa sem crianças,
é uma espécie de deserto. Vocês nunca observaram
que as crianças são habitualmente um elo de amizade
entre o marido e mulher? (apud BOTO, p.184)

Essa idéia, que via na intervenção pública uma


ameaça ao espaço privado, seria colocada em prática
após o encerramento do ciclo revolucionário. A sociedade
burguesa, vitoriosa em sua luta contra a feudalidade,
oscilou entre pensar a educação do corpo como pública
para catalisar sua vitória como um fator realmente
importante desse processo. Mas assim que os velhos
empecilhos foram varridos, a consideração da educação e
sua preocupação com o corpo foram, novamente, passadas
para a esfera privada.
3 - Pujança social pela educação do indivíduo: o

triunfo do capital

Foi durante seu triunfo, breve e temporário na


expressão de Hobsbawn (1988), que a sociedade burguesa
conseguiu representar-se a si mesma por aquilo que já era, 77
mas não pelo que viria a ser. Mais precisamente no período
compreendido entre a Revolução e meados do século XIX
realizou esse feito livrando-se tanto dos vestígios feudais
como os do mundo antigo, que lhe ombreara na difícil
tarefa de criar uma nova civilização, mas com o qual não
poderia mais ser confundida.
Essa luta contra a presença dos antigos nos rumos
sociais e, especificamente, educacionais teve como uma
das expressões representativas desse período o escritor e
publicista francês Benjamin Constant (1767-1830).
Em um discurso pronunciado no Ateneu Real de
Paris, em 1819, ele fornece interessantes bases para que
se possa verificar a postura da sociedade em relação às
influências da antigüidade nos rumos a serem tomados.
Objetivando discutir o conceito de liberdade, analisa o tipo
de liberdade necessária para a consecução das necessidades
de sua época, contrapondo-as às necessidades dos antigos
que, por isso mesmo, possuíam um outro conceito sobre
“ser livre”. Para o autor, é a diferença entre as formas
de cada sociedade - as antigas e as contemporâneas
- cuidar dos seus interesses - a guerra e o comércio,
78
respectivamente - que condiciona, lá, o apego à liberdade
coletiva de deliberar em praça pública com total sujeição
da vida privada e, na sociedade francesa do século XIX,
a valorização da liberdade individual para fazer e desfazer
de suas posses.
Na prática social, agora livre dos entraves feudais
varridos pela fúria revolucionária, o homem tem a sua
conduta totalmente delineada. Da incerteza dos primeiros
tempos do capitalismo à França pós-revolucionária, a
burguesia já tinha condições de saber o que caracterizava
a sua prática, podendo, assim, fazer com que as restrições
à sua liberdade de iniciativa, grandemente instaladas
pelo traslado das instituições e modelos da antigüidade,
fossem extirpadas para dar vazão, definitivamente, às
atitudes típicas de uma sociedade capitalista. É essa luta
por deixar a nova forma dos homens organizarem a sua
existência que Constant (1994) expressa.
No que diz respeito à educação, pode-se observar
que, a partir do momento em que a sociedade burguesa
venceu todos os obstáculos do passado feudal e, por
isso, conseguiu definir o conceito de homem e a atitude
humana socialmente necessários, os antigos perderam 79
o seu valor. Se antes, os exemplos de coragem, saúde,
beleza, sapiência enchiam os olhos dos arautos da nova
sociedade, agora Constant passa a observar nessas
idéias características que nada tinham a ver com a
liberdade do indivíduo de usar as suas posses, piorado
pela consideração de que lá, na antigüidade, o Estado
“interferia” na educação dos seus jovens. Constant não
podia concordar com essa intromissão política na vida
privada de cada família, de cada indivíduo, no momento
em que a burguesia encontrou o terreno limpo para a
prática capitalista:

O que nos dizem sobre a necessidade de permitir que o


governo se apodere das gerações nascentes para moldá-
las a seu bel prazer e em quais citações eruditas fica
apoiada essa teoria? Os persas, os egípcios, a Grécia, a
Gália e a Itália vêm alternadamente figurar em nosso
olhar! Senhores, não somos nem persas submetidos a
um déspota, nem egípcios subjugados por sacerdotes,
nem gauleses podendo ser sacrificados por seus druidas,
nem enfim gregos e romanos cuja a participação na
autoridade consolava da sujeição privada. Nós somos
modernos, que queremos gozar, cada um, de nossos
80 direitos; desenvolver, cada um, nossas faculdades como
bem nos parece, sem prejudicar o outro; velar sobre o
desenvolvimento dessas faculdades nas crianças que a
natureza confia à nossa afeição, tanto mais esclarecida
quanto mais viva é, e não tendo necessidade da
autoridade senão para dela reter os meios gerais de
instrução que pode reunir; como os viajantes aceitam
dela os grandes caminhos, sem estarem dirigidos por
ela na rota que querem seguir. (1994, p.24)

Por fim, para ele, as novas necessidades permitem


ao Estado, e de tudo que dele possa vir, a educação, por
exemplo, somente o fomentar de alguns “caminhos”,
deixando as “rotas” a serem escolhidas a encargo de
cada indivíduo. No momento em que a burguesia tem
a hegemonia de suas relações produtivas, nada é mais
importante para o fomento de atitudes produtivas do
que a própria prática produtiva. O esforço educativo de
Rabelais, Montaigne e Locke, tornam-se “pleonasmos”
históricos de uma prática social que, por si só, estimula
o que estes pensadores lutaram tanto para fazer nascer:
a iniciativa estimulada pelo progresso individual,
construindo a pujança da sociedade. Nesse sentido, tendo
por base as novas necessidades, a burguesia só poderia ver
81
naquilo que a Renascença resgatou dos gregos e romanos
antigos não mais inspiração, mas sim intromissão e
empecilhos à iniciativa pessoal, materializada, entre
outras coisas, no desrespeito advindo da “ousadia” de
se propor uma educação do Estado, em detrimento
da educação doméstica fornecida pela família a seus
descendentes. No que diz respeito à educação física,
seriam, então, as condições domésticas que decidiriam
sobre as possibilidades e os meios de se buscar os corolários
dessa modalidade educativa.

Apontamentos Finais
O trajeto de construção do capitalismo encontra
no contexto revolucionário francês o momento no
qual o pensamento liberal sobre educação cogita suas
preocupações como sendo contempladas pelo Estado a
toda sociedade.
Se em nenhum momento a validade da educação
física fora questionada, o mesmo não se pode dizer sobre
a validade de sua abrangência e sobre os responsáveis
sobre a sua execução. Rousseau, seguindo os exemplos
dados por Locke, é um exemplo claro do tempo em
82
que pensamento pedagógico moderno praticamente
desconsidera a validade desta modalidade estendida
universalmente. Para o pensador genebrino, a miséria
aproximava os homens da natureza, dispensando estes (e
os demais) de se preocuparem com a Educação Física.
Por outro lado, quando se tratou se consolidar
os rumos tomados pela revolução e evitar retrocessos,
os debates franceses sobre a educação e educação física
reconsideram essa idéia, pois a consolidação dos ideais
revolucionários passava pela necessidade de educar
o “novo homem” (BOTO, 1996), formando o novo
“corpo social”, educando, também corporalmente, cada
indivíduo.
As incertezas quanto aos caminhos a serem
trilhados pela sociedade fez com que os homens
chamassem para o Estado a responsabilidade de educar
o homem, conformando-o com os novos tempos, que
marchariam tendo como acicate o interesse individual.
Essas dúvidas foram as responsáveis por essa oscilação do
privado ao público no pensamento educacional moderno,
especificamente no que diz respeito à educação física. Sem
esquecer que essa “oscilação” sempre esteve caracterizada
83
pelos limites da época, expressa na consideração de que
o Estado deveria estar atento ao fato de que muitas
famílias dependiam das potencialidades corporais infantis
concretizadas e “desenvolvidas” na produção e não em
uma educação física sistematizada.
Com a vitória da burguesia, porém, os homens que
debateram a educação no período pós-revolucionário, já
certos sobre os rumos sociais a serem trilhados, puderam
seguramente rechaçar qualquer intervenção pública na
esfera educativa, deixando, entre outras coisas, a educação
física como preocupação educativa justa, porém a ser
realizada segundo as condições individuais. Constant
mostra isso de forma explícita quando trata de evidenciar
a diferença entre a liberdade dos antigos e dos modernos.
Para ele, a interferência do poder público em um assunto
tão privado, tal qual a educação (e neste caso a educação
física), seria um equívoco.
Há que se observar que a perspectiva de que a luta
travada pela burguesia havia sido encerrada e vencida
e que, dali em diante, era só acreditar no progresso
social oriundo do livre desenvolvimento das forças
individuais, começa a ser revista a partir do momento
84
que a primeira grande crise de superprodução capitalista
se instaura na Europa, com graves conseqüências sociais
e políticas. A organização do movimento operário e as
primeiras irrupções revolucionárias da classe trabalhadora
mostravam à burguesia que um novo processo de luta
estava começando. As idéias sobre a educação do corpo,
sugeridas no processo de luta pela ascensão e consolidação
da sociedade burguesa, são elucidativas dos novos
preceitos a elas incorporados, tendo em vista o processo
revolucionário que se abria e que possibilitou a criação
da escola pública de ensino obrigatório e as bases sobre
as quais foi criada, no interior dessa escola, a disciplina
Educação Física.
A Educação Física e os
sistemas nacionais de
ensino
O século XIX para a história da educação é de
extrema relevância. Afinal, é nele que os ideais educativos
debatidos no interior da Revolução Francesa são
efetivados nos sistemas nacionais de ensino. Obviamente,
concatenados com os novos desafios enfrentados pela
sociedade, sobretudo após 1848, esses ideais e a sua
concretização fizeram com que o pensamento pedagógico
passasse por reestruturações importantes para que fossem
atendidas às diretrizes postas pelo debate mais amplo.
Neste capítulo, em particular, dessas alterações no
pensamento pedagógico ocorridos nesse momento, as
questões relativas à educação física serão focalizadas.
A delimitação desse foco, contudo, não deve
secundarizar o fato de que o debate levado a cabo em
torno da criação da escola pública, assim como a expansão
das forças produtivas do capitalismo, foram fenômenos
que se estenderam pelo mundo. Aliás, tem-se como
pressuposto que é a resolução das contradições entre o
modo e as relações sociais de produção que relacionam,
88
e relacionaram no século XIX, as especificidades das
transformações culturais, sociais, econômicas e políticas
da sociedade brasileira, com os desafios enfrentados pelo
contexto europeu, principalmente aqueles que diziam
respeito aos limites do capital.
Tendo isso por base, verifica-se, também, que
“O século XIX é particularmente importante para o
entendimento da Educação Física [...]” (1994, p.9), afirma
Carmen Soares em Educação Física - raízes européias e Brasil.
Aliás, é tendo como pressuposto o imbricamento de ambos
os contextos que a obra acima constrói uma análise sobre a
história da Educação Física no século XIX, preocupando-
se com as “raízes européias” da disciplina no Brasil. Para
alcançar tal intento, a autora busca entender como o conjunto
de transformações da sociedade européia culminou em um
forte processo de higienização, determinando a influência do
pensamento médico sobre as questões relativas à educação
e ao controle do corpo. Elenca, para isso, as influências
das ciências biológicas e naturais no entendimento da
corporeidade humana de forma “desenraizada” da história,
o que, por sua vez, fez com que essa modalidade educativa,
concebida no sentido mais amplo, atendesse a interesses
89
estranhos à vontade de se construir uma sociedade mais
justa e efetivamente democrática.
Esses esclarecimentos são importantes à medida
que oferecem bases para diferenciar este trabalho das
relevantes análises desenvolvidas por Soares (1994).
Objetivando fazer um estudo comparativo entre o
pensamento educacional europeu e brasileiro no século
XIX, abarcando as questões referentes à Educação Física
no período de 1870 a 1915, este trabalho não busca
as “raízes” da disciplina no Brasil naquele pensamento,
mas sim analisa o fato de pensamentos pedagógicos
semelhantes defenderem questões afins servindo a
contextos particulares, porém intimamente relacionados.
Além disso, focalizará somente as questões pertinentes ao
esforço para se pensar a “pedagogização” das atividades
físicas, verificado no embate feito por professores e
políticos para se mostrar a viabilidade de se trabalhar
com a educação do corpo na nascente escola pública.
As questões referentes à educação do corpo que tiveram
lugar no bojo social, paralelas ao contexto escolar, não
serão desenvolvidas por se acreditar que elas já foram
tematizadas pela obra de Soares (1994). A preocupação
em se dirigir a análise para a questão especificamente
90
escolar também contempla uma questão que não está
totalmente ausente da referida obra, porém não é o seu
escopo, possibilitando, dessa maneira, um importante
espaço de análise que este capítulo pretende colaborar
no seu desenvolvimento.
Para tanto, ele será dividido em três momentos:
no primeiro, o pensamento europeu sobre a inclusão da
Educação Física na escola pública será mostrado em seu
esforço de justificar a importância dessa disciplina para
a efetivação das ambições educativas da própria escola
pública; no segundo momento, a mesma análise será
feita no contexto brasileiro. Esses dois momentos serão
realizados tendo por base obras escritas no período por
professores e interessados na criação da disciplina escolar
de educação física; nas considerações finais, a unidade
histórica do processo será refeita objetivando mostrar
as formas como a concatenação entre o pensamento
europeu e brasileiro, sobre a necessidade de se colocar
a educação física na escola pública, em seus sucessos
e fracassos, só podem ser explicados à luz do processo
mundializador das contradições do capital.

1 - Pensamento educacional e educação física


na europa 91

Na escola pública, a educação corporal, retomada


desde o Renascimento, converte-se em disciplina
obrigatória, revestida da mesma moralidade que as
demais. Se a escola era defendida como o local responsável
por fomentar os valores sociais, indispensáveis ao
restabelecimento da ordem perdida na crise, a educação do
corpo deveria adequar-se a esse projeto. Esse esforço pode
ser observado em todos os educadores que focalizaram
sua atenção sobre tal problemática. A instituição da
Educação Física como disciplina de ensino obrigatório vem
carregada de um forte componente moral. Mais do que
desenvolver as forças individuais necessárias à luta pela
vida, que se trava nas relações de troca entre indivíduos
livres, ela se preocupa em disciplinar esses embates.
O levantamento das idéias produzidas sobre
a Educação Física na Europa, no final do século XIX,
demonstra que elas passam pela crítica dos procedimentos
desenvolvidos até então, pois estes estavam eivados de
“imperfeições” como a vaidade e o egoísmo, advindos
de um atletismo tido como desmensurado. Esses
procedimentos deveriam ser substituídos por exercícios
corporais feitos “corretamente”, tendo em vista seu
92
caráter moralizador.
A Alemanha e a França destacaram-se como
modelos para os países em processo de criação de seus
sistemas nacionais de ensino, sobretudo o sistema
alemão, tido como responsável pelo desenvolvimento
econômico e pela vitória militar sobre a França em
1871. Biewend (1862), em German System of Gymnastics,
destaca os princípios básicos da escola, inspirando-se no
sistema alemão, porém com algumas ressalvas em relação
à disciplina Educação Física. O que mais lhe chamou
atenção nos métodos educativos da Alemanha foi a
capacidade de construir um sistema nacional de ensino
que privilegiasse o indivíduo em todas as suas dimensões.
Apesar da tradição alemã nos exercícios com aparelhos,
que em nada favoreceram o culto de valores mais elevados,
o autor vê com bons olhos o exemplo germânico, desde
que tivesse sanado os vícios individualistas que ainda
restavam na sua educação corporal.
A interligação entre vontade e exercícios físicos
faz com que o exercício pelo exercício e o exagero do
atletismo sejam criticados. Neste sentido, o autor, que
é americano, mas pensa as questões da educação física
com os olhos voltados para Europa, afirma que é preciso
93
reconhecer a verdadeira coragem a ser estimulada pelos
exercícios corporais: “Não apenas o corpo, mas a mente
também, é feita jovem pelo exercício ginástico. Pelo
exercício físico regular [...] nós criamos uma firmeza de
caráter” (1862, p.7).
Essas idéias, apesar de expressarem o pensamento
educacional da época, encontraram oposição. Mesmo com
a forte argumentação em favor da criação da disciplina
Educação Física, para permitir a entrada das atividades
corporais na escola, suas idéias não foram aceitas, e o
educador acaba sendo acusado daquilo que denuncia e
assim se defende:
Por outro lado, nós achamos estranho que o Senhor
Rothestein acusasse-nos de uma abstração anti-natural,
dividindo o ser humano, que, ao seus olhos, forma
uma indissociável unidade, em metades (Biewend,
1862, p.4).
Dox (1884) descreve as funções de uma “ginástica
racional”. Contrariamente a Biewend, que enfrentou
uma luta mais encruada para ver o reconhecimento da
disciplina Educação Física no seio escolar, Dox vê com
satisfação o encaminhamento dado pelas autoridades
94
francesas e pela sociedade como um todo:
As autoridades governamentais e comunais
compreenderam que um interesse nacional da mais
alta importância comanda nosso país, feliz e próspero,
de fazer grandes sacrifícios pela educação física de suas
crianças (DOX, 1884, p.2).

O culto “exagerado” ao corpo, às qualidades


físicas, à complexidade de movimentos e às acrobacias
não deveriam fazer parte da rotina escolar. Para que
essas práticas ganhassem o estatuto de “escolares”
ou “educativas”, deveria-se zelar pela busca da
simplicidade e da naturalidade dos movimentos: “Para
que a ginástica pudesse entrar na escola, as façanhas, as
formas complicadas e as aplicações artísticas deveriam
desaparecer e dar lugar à simplicidade e ao natural” (1884,
p.25). Apesar de ser a escola o espaço que remediaria os
excessos do individualismo existentes na prática social,
Dox vai mais longe ao acreditar que eles devessem ser
excluídos também do lado de fora dos muros escolares:
“Esta exclusão, absolutamente necessária na escola, não é
menos desejável nas sociedades (1884, p.36).”
Angelo Mosso (1904), professor italiano, foi uma 95
das maiores expressões na defesa da educação física na
Europa durante o período estudado. Nessa época já
havia estabelecimentos ou ginásios em que a prática de
exercícios corporais eram realizados. Como a questão
não era somente alardear a prática desses exercícios,
mas enfatizar seus aspectos “educativos” , o autor ao
mesmo tempo que critica a maneira a qual a juventude
se entregava a esta prática, mostra que ela poderia ser
conduzida para um fim superior do qual toda a sociedade
se beneficiaria. É o que ele expressa quando afirma: “A
harmonia nas formas, o amor da disciplina que faz uma
nação poderosa, a habilidade nas armas para a guerra, [...]
nobres fins que se proporiam à educação (1904, p.10).”
O desenvolvimento descomunal da força, velocidade
e resistência não se coadunava com as finalidades propostas
à Educação Física na escola pública. Se a “nova escola”
combatia o desenvolvimento exclusivo do intelecto, a “nova
educação física” combatia o desenvolvimento exclusivo dos
músculos. Para isso, ela deveria refutar toda e qualquer
manifestação do “nefasto” atletismo.
Se a desconsideração pelo corpo, normalmente
96 imputada aos medievos não mais acontecia, era necessário,
agora, fazer com que o culto ao indivíduo, fortalecido na
época renascentista, fosse repensado. Cada um deveria se
ver como parte de uma sociedade na qual tem direitos,
mas sobretudo deveres. Se no momento em que as
estruturas feudais se rompiam, aliviando seu peso sobre
os homens, havia a exaltação do livre jogo das forças
individuais na luta pela vida, na virada do século XIX ao
século XX, Mosso (1904) ambicionava que essas forças
fossem exercidas e “exercitadas” na escola para corrigir os
efeitos de um individualismo desagregador das sociedades
do século XIX.
Apesar do autor italiano estar em sintonia com o
pensamento educacional corrente na Europa do final do
século XIX, difere em algumas considerações operacionais,
porém de extrema importância dentro do debate sobre
o papel do Estado na educação. Mesmo admirando a
Alemanha pelo papel educativo da Educação Física, que
lá enfrentara uma batalha dura contra o atletismo do
“Turnen”, o autor se opõe a uma outra questão polêmica
do século XIX, que diz respeito a tutela do Estado sobre
a educação, mais especificamente, à implantação dessa
disciplina. Ao justificar esse ponto de vista, não vacila
97
em deixar de lado os sucessos educativos da Alemanha
em afeiçoar-se às também bem sucedidas estruturas
educacionais inglesa e norte-americana, mais liberais.
Segundo esse autor, a regulamentação pelo Estado fere as
diferenças individuais e regionais. Escrevendo na Itália,
o autor é tributário das dificuldades inerentes daquele
país em construir uma unidade nacional que, para ele,
só poderá ser efetivada pela educação que considerasse a
disciplina Educação Física.
Schereber (s.d.), em Educação Doméstica, Médica
e Hygienica, lutou em prol da instituição da disciplina e
suas idéias foram amplamente divulgadas no Brasil. A
questão central que ele debate não é diferente daquela dos


No levantamento feito, não foi possível detectar a data correta da publicação
deste autor. Entretanto, dada freqüência com que esse autor citado pelos
seus contemporâneos, pode-se, com certeza, elencá-lo como formulador do
pensamento sobre a educação física no final do século XIX e início do XX.
renascentistas: educar o corpo e a alma. A diferença, no
entanto, se mostra na elevação dessa unidade entre corpo
e alma para além do temido e amoral intelectualismo e
dos exercícios corporais “materialistas” e individualistas,
baseados no atletismo gratuito.
98
Também Marx (1994a), ao analisar a legislação fabril
inglesa, chama atenção para a importância das atividades
corporais numa concepção de educação que comungasse
com os interesses da classe operária. Marx, no momento
em que estudava as idéias de Owen, afirma que “brotou
o germe da educação do futuro que conjugará o trabalho
produtivo de todos os meninos além de uma certa idade
com o ensino e a ginástica [...]” (1994, p.554) Para
Marx, as reivindicações da classe operária, que deveriam
culminar no internacionalismo revolucionário, não
podiam negligenciar esse ponto da pauta educativa.
Dessa maneira, resguardadas algumas diferenças
entre os autores analisados, pode-se observar que o mote
central do debate sobre a educação física no século XIX
na Europa é o fato de se buscar as bases educativas dessas
práticas, para que, então, já com caráter de disciplina escolar
oferecida a todos, ela pudesse influir na dissolução da crise
social: de forma conservadora ao enquadrar-se nos limites do
pensamento educacional liberal, mas também colaborando
com a subversão das relações sociais capitalistas, tal qual as
propostas de Marx ao colocar a educação física no bojo das
reivindicações educacionais do operariado. É essa discussão
99
que fundamenta as diferentes opções metodológicas com
as quais a Educação Física se materializaria no interior da
escola pública européia.

2 - O pensamento pedagógico, a escola pública e a


disciplina de Educação Física no Brasil

Essa questão mais ampla também foi sentida no


debate pela instituição da Educação Física no Brasil. A
dimensão corporal da educação deveria ser adjetivada
como educação física, diferente das práticas corporais
arraigadas que, afeitas ao individualismo e ao sensualismo,
eram concebidas como instrução física.
Dirigida pelo e para o interesse público, a Educação
Física no Brasil, assim como na Europa, deveria unir o
povo brasileiro em torno da idéia de pátria, para que todos
se dispusessem a trabalhar com energia para o progresso
do país, integrando-o no cenário mundial. Revestida
dessa nova finalidade, a discussão prossegue no sentido de
diferenciar atividades que são educativas das que não o são.
Certo estava, somente, que qualquer prática que inibisse o
desenvolvimento correto da iniciativa individual - livre do
individualismo - estava condenada.
100
O cerne metodológico que expressa essa
preocupação é o equilíbrio entre instruir e educar. Na
prática, essa questão significa a superação do exercício
pelo exercício, da força pela força, da habilidade pela
habilidade, para se alcançar fins “mais elevados”. Assim
como a instrução pela instrução era criticada pela sua
incapacidade moralizadora, o desenvolvimento dos
músculos pelos músculos não era considerado educativo.
Com relação a esse aspecto, Fernando de Azevedo
(1915) observa que nos clubes, associações e em algumas
escolas, os exercícios do corpo eram totalmente voltados
para o treinamento e desenvolvimento de capacidades
acrobáticas. Advindos dos precursores da ginástica alemã,
os exercícios sobre os aparelhos não podiam entrar na
futura escola pública. Afinal, onde estava o seu aspecto
educativo? Desde a instauração desse método no Brasil,
argumenta o autor, nada de proveitoso se colheu. Pelo
contrário, além de alimentar o preconceito em relação
aos exercícios corporais, produziu um “bando de jovens”
voltados para a vaidade de sua força, conquistada em
prejuízo dos atributos intelectuais e morais e, portanto,
sem utilidade social: “É preciso, pois, no ensino dar
de mão à rotina. Longe das escolas o funambulismo.
101
Só assim é que ‘abrir escolas seria fechar hospitaes.’ ”
(1915, p.75) (Grafia original)
A crítica aos exageros do desenvolvimento
muscular por ele mesmo e ao funambulismo é ponto
passível em todos os educadores que pensaram a Educação
Física escolar nesse momento de transição da sociedade
brasileira. Qualificada como “educativa”, a educação
física integraria o conjunto das disciplinas da nova escola
a ser aberta a todos os brasileiros.
Sob a denominação de “Ginástica Racional”,
Azevedo reproduz, também, o que ainda se esperava da
“nova educação física”.

O desenvolvimento concomitante dos músculos e


do cérebro deveria contribuir para “que a innervação


Para uma análise do caráter de funambulismo das atividades físicas, lamentando
a perda deste caráter pelas preconizadas idéias sobre a Educação Física, ver
BRUHNS, H. T. O corpo parceiro e o corpo adversário. Campinas: Papirus, 1993.
vibratil e poderosa se justaponha a uma compleição
inteiriça e resistente feita para as rudes batidas do
deserto: ou apparelhadas para as diuturnas lucubrações
do cerebro e embates repetidos da lucta pela vida?”
(1915, p.78) (Grafia original)
102
De acordo com Azevedo (1915), todos,
independentemente de classe social, devem ser educados
fisicamente. Se no seio da sociedade imperial houve
iniciativas na institucionalização da educação física,
grande parte delas comungou com uma instrução
física que não ia ao encontro das novas necessidades.
No novo projeto de sociedade, baseado nas trocas, nas
relações de competição de quem produz e vende mais,
deveria-se buscar uma educação pelo esforço, pela fadiga
enquanto meio educativo e não desvirtualizador da moral
ou da valorização de sentimentos egoístas prejudiciais ao
“engrandecimento social”: “Deve-se educar o esforço mas
não pelo esforço.” (1915, p.51)
A educação física sem a educação moral, segundo
Azevedo (1915), era interpretada como erro imperdoável.
Primando pelo “engrossamento do músculo” e relegando o
desenvolvimento moral para as “considerações cerebrinas”
da pedagogia, a “velha educação física” representava o
próprio atraso do Brasil.
Esse atraso, também, era reputado ao exército, que
era considerado o foco de maior resistência aos “progressos
da pedagogia moderna”. Responsável pela aplicação de 103
exercícios físicos voltados para o mero desenvolvimento
muscular em suas escolas, essa instituição foi uma das
principais propagadoras dessas formas de atividades
na sociedade brasileira. Esses exercícios, sem nenhum
compromisso educativo com a “integralidade” do
homem, deveriam ser esquecidos em nome de outros, que
respeitassem o indivíduo, que o educassem integralmente,
que fossem racionais, científicos e que aproximassem
a educação física da educação moral. A pedagogia do
exército, segundo Azevedo (1915), era contrária à nova
pedagogia. Trinta anos antes, Rui Barbosa, que rechaçara
a crítica ao “materialismo” das idéias educacionais, dava
aos exercícios militares um sentido diferente. No lugar
de formar contingentes para o combate bélico, dava-
lhes um caráter formativo mais amplo de civismo. A
nova pedagogia, ao lançar mão dos exercícios militares,
tinha em vista a formação cívica, mas não desprezava
a atmosfera belicosa que reinava entre as nações de
expansão imperialista e que obrigava as demais a uma
atitude defensiva.
Por outro lado, os apelos à “nova educação
física”, fartos e qualitativamente embasados no que
havia de mais “moderno” no período em questão, não
104
encontrou a ressonância necessária no cotidiano escolar.
A forma como Rui Barbosa entregou-se ao debate,
fundamentando-se em um minucioso estudo das
legislações européias, fez com que ele defendesse suas
idéias como um vencedor inevitável:

Felizmente, a causa da educação física está ganha, e a


rotina pouco poderia retardar o seu triunfo em toda
parte. Todas as competências superiores em matéria
de educação e todas as legislações modelos do ensino
pronunciam-se a uma voz em seu favor. (1946, p.74)

Entretanto, em sua luta para fazer a sociedade


de seu tempo assumir rumos condizentes com as novas
necessidades, indignou-se por não ter seu projeto bem
recebido:

[...] todo o mundo civilizado, podemo-lo dizer,


impõe hoje como necessidade vital, na organização
da escola, a ginástica, ampliada aos dois sexos. A
comissão, portanto, não tinha que vacilar em lhe
reconhecer o que, pelas mais rigorosas das exigências
racionais, toca a esse ramo do ensino. (1946, p.90)

Com isso, verifica-se que somente após condições


históricas mais favoráveis, dependentes do complexo 105
relacionamento entre as especificidades do capitalismo
brasileiro e a totalidade desse modo de produção, é que a
força necessária para a realização dessa disciplina escolar
e a importância educativa das atividades corporais
racional e educativamente oferecida para todos, seriam
concretamente reconhecidas.

Apontamentos Finais

Pensar a relação entre o pensamento educacional


europeu e o brasileiro no século XIX é uma oportunidade
valiosa para se verificar a forma complexa com que as
análises em Educação Física devem buscar o imbricamento
dessa modalidade educativa com as necessidades e os
limites do capitalismo.
Este trabalho buscou colaborar nesse processo ao
verificar que tanto a Europa, quanto o Brasil estavam
empenhados em mostrar a validade social das atividades
físicas para a solvência de crises mais amplas, que atingiam
os contextos diferenciadamente, porém com uma inegável
e mútua influência.
No que diz respeito ao pensamento educacional
106 sobre a educação física no século XIX, as duas realidades
focadas neste capítulo buscavam evidenciar a necessidade
de se “pedagogizar” as atividades corporais, livrando-as
das influências socialmente deletérias do atletismo, do
funambulismo e, também, da própria aversão a “qualquer”
esforço físico. Essas questões específicas da Educação
Física, levadas a cabo no interior dos debates educacionais
sobre a criação da escola pública, evidenciam o inescapável
relacionamento entre a educação do corpo e suas atividades
com os debates que diziam respeito à conservação ou à
transformação da sociedade, mediados pela discussão em
torno da criação escola pública. No caso europeu, a luta
entre trabalho e capital, fez com que ambos defendessem
a inclusão da Educação Física na escola, desde que as
atividades fossem livres de qualquer “ranço” individualista
que, no fim, mais prejudicavam a consecução dos objetivos
a elas propostos. No Brasil, os dilemas evidenciados pelas
transformações no século XIX e a forma como eles foram
sendo enfrentados, também colocou a Educação Física
escolar na ordem do dia.
A análise mostrou, todavia, que o “desânimo”
dos defensores brasileiros dessa causa era claro, restando
a esses professores a incompreensão sobre o fato de
107
idéias tão “racionais” não encontrarem ressonância. A
Educação Física escolar no Brasil era defendida de forma
clara e atinada com o que havia de mais moderno no que
tange ao pensamento educacional. Apesar de enfrentar
praticamente os mesmos argumentos educacionais
contrários, por exemplo, que não impediram franceses e
alemães de criar a disciplina em seus sistemas nacionais
de ensino, a realidade brasileira “esperou” os anos 30
para começar a concretizar tanto a sua educação pública,
como, no interior dela, a prática “pedagógica” de
atividades físicas. Isso evidencia que em nível mundial, os
impasses em torno ou dos limites ou das possibilidades do
capitalismo, tocam diferenciadamente o mundo escolar.
É no entendimento desses impasses que a capacidade de
se realizar as reformas nas estruturas educacionais deve
ser buscada, possibilitando, por sua vez, a apreensão
da capacidade dessas alterações influírem, ou não, nos
rumos sociais.
A Educação Física nas atas
do Congresso de
Instrução do
Rio de Janeiro (1884)
O século XIX é o momento em que as idéias de
pensadores como Montaigne (1984), Locke (1986) e
Rousseau (1992), que primavam sobre a necessidade de
bem educar fisicamente para o sucesso da educação moral e
intelectual, começaram a ser alvos de preocupação pública e
tornaram-se traços inseparáveis dos debates sobre a criação
dos Sistemas Nacionais de Ensino. Fernando de Azevedo,
em 1915, afirmava que o Renascimento Cultural tinha sido
um fenômeno fora de hora. Dito de outro modo seriam as
últimas décadas do século XIX e as primeiras do século
XX que veriam as idéias dos filósofos da modernidade
terem um resultado efetivo.
O testemunho de Fernando de Azevedo é
indicativo que o Brasil também fez parte desses debates
e constatações. Tanto a criação da escola pública quanto
a criação da disciplina escolar de Educação Física foram
temáticas sempre recorrentes e mutuamente dependentes.
Um outro sinal relevante que evidencia a forma
112 intensa como a educação passou a ser alvo de debates
e análises, foi a existência de congressos, seminários e
exposições sobre a problemática educativa que começaram
a ter lugar na segunda metade do século XIX. Bastos
(2006), ao analisar esse contexto e esses eventos, afirma que

A segunda metade do século XIX, no Brasil, foi


profícua na realização de eventos para promover
a educação. Pretendendo integrar-se às nações
desenvolvidas, o Estado brasileiro faz da educação um
grande espetáculo [...]. (BASTOS, 2006, p.116)

Apontando motivos também referentes ao


incremento do mercado editorial (p.117), Bastos (2006) vê
uma “espetacularização” da questão educativa a partir da
segunda metade do século XIX, justamente pelo número
de eventos e iniciativas de se debater publicamente
a questão educativa. Se a tese da “educação como
espetáculo” no século XIX merece maiores discussões,
não há como negar, porém, que as conferências e os
congressos representam um repositório extremamente
rico para o estudo da história da educação no Brasil.
Nesse sentido, nos colocamos em total concordância
com Bastos, quando ela afirma:

Essas conferências são um valioso registro das idéias 113


que agitaram o ambiente intelectual brasileiro após
1870. Expressam um amplo debate travado sobre as
questões educacionais: método de ensino, matérias de
ensino, co-educação, educação das mulheres, educação
e trabalho, escolas mistas, ensino primário, ensino
secundário, escola normal, universidade gratuidade
e obrigatoriedade do ensino, liberdade de ensino,
magistério etc. (2006, p.118)

Para se ter uma idéia da amplitude das inquietações,


além de preceitos fundamentais sobre a educação pública
que serão analisados neste trabalho, encontramos também
reformulações específicas que deveriam abarcar todos os
aspectos da educação, dentre elas a estrutura física dos
prédios escolares:

O edificio deve comprehender: o vestibulo, a secretaria,


o vestiario, salas de trabalho, pateo coberto para os
exercicios physicos, refeitorio, dormitorio, latrinas
para os educandos e para as professoras. (LEAL apud
ACTAS, 1884, p.7)

Neste estudo, particularmente, nos ocuparemos


das idéias sobre a educação física nas Actas e Pareceres do
114 Congresso de Instrucção no Rio de Janeiro (1884). O congresso,
inicialmente marcado para 1883, acabou não acontecendo,
como mostra Bastos (2006), pela justificativa da falta de
recursos. Entretanto, os pareceres e as atas enviados para
o evento foram publicados em 1884.
Dessa maneira, o objetivo deste trabalho é
analisar a forma como a questão da educação física fora
vista nos pareceres reunidos e que seriam debatidos no
evento. Para tanto, dividimos o texto em dois momentos:
no primeiro, abordaremos os debates educacionais que
tocam a educação física em nível mundial na segunda
metade do século XIX para, na segunda parte, descrever
e analisar as idéias sobre a educação física que estão
presentes nos documentos redigidos por aqueles que
participariam do referido evento. Para apresentação dessas
idéias, utilizaremos, ao mesmo tempo, um procedimento
descritivo e um analítico. Justificamos ladear a análise
com a descrição, pois acreditamos que as idéias contidas
nesses pareceres expressam de forma importante o tom
das discussões sobre a disciplina no final do século, o que
justificaria uma maior atenção por parte dos estudiosos da
história da educação e da educação física em relação a elas.

1 - A educação física na crise do capital: da 115


instrução para a educação física

Uma das conseqüências educacionais da crise do


capitalismo nos século XIX é o surgimento do debate
e da criação dos Sistemas Nacionais de Ensino (LEONEL,
1994). A exposição cabal das contradições do capitalismo
fez com que o pensamento educacional moderno, farto
em recomendações sobre o bem educar, tivesse seus
fins reestruturados. Se Montaigne, Locke e Rousseau
elaboraram suas análises educacionais para nobres e
proprietários, os analistas do século XIX se debruçaram
sobre a educação popular.
As idéias sobre a educação física acompanharam o
sentido assumido pelos debates educativos de forma mais
geral. Verificamos que o debate sobre a criação da disciplina
escolar de Educação Física veio como uma componente de
grande relevância para a formação do cidadão (HEROLD
JR, 2004).
Nesse sentido, as idéias educacionais erigidas
na modernidade só seriam contempladas no interior
116 da nascente escola pública se elas colaborassem
com a finalidade precípua de construir as bases para
a conservação das relações sociais, abaladas pela
contestação revolucionária da classe trabalhadora. O
parâmetro dessas discussões era o arcabouço intelectual
do positivismo que, ao diagnosticar o surgimento do
estágio positivo no capitalismo do século XIX, atribuiu a
origem dos problemas à incapacidade individual de viver
em sociedade, propondo a educação como solução para
as crises.
Abundam nos estudos sobre a Educação Física
desse momento, as justificativas mais variadas que
criticam as práticas até então feitas. Elas eram vistas
como fonte de vícios e exageros funambulescos, militares
e atléticos. No lugar dessas atividades, os educadores
propunham que as atividades corporais, para terem seu
lugar na escola, deveriam ser “educativas”, entendendo
eles, com isso, a capacidade dessas atividades em formar os
cidadãos responsáveis para usufruírem e protegerem uma
sociedade que atingira seu “estágio positivo”. Um dos
exemplos desse tipo de consideração é encontrado em Dox
(1884), quando diz que a educação física “[...] inculca os
princípios de ordem, inspira nobres sentimentos e ensina
117
a servir a humanidade em serviço da pátria” (p.2).
Na realidade brasileira, os impactos das crises do
capitalismo na Europa se fizeram sentir intensamente não
só nas reestruturações políticas, econômicas e sociais, mas
no acirramento dos debates sobre a questão educativa.
Mesmo com os discursos inflamados sobre a relevância
da educação na recuperação do “atraso” brasileiro e na
construção de um país livre de uma história marcada pela
colonização, pelo trabalho escravo e pela instabilidade
política, Cury (1996) mostra que aqueles que defendiam
a presença do Estado na garantia de uma estrutura
educacional que, nas palavras de Veríssimo (1985),
construísse uma “nação gigante”, foram derrotados.
A falta de força das idéias sobre o papel do Estado
na condução da educação brasileira pode ser percebida nos
debates sobre a criação da disciplina de Educação Física
no país. Da mesma forma como ocorrera com a escola
pública de forma geral, mesmo a concordância sobre a
relevância dessa modalidade educativa não resultara em
medidas concretas para sua efetivação. Se assumirmos a
criação dos Sistemas Nacionais de Ensino e o surgimento
da disciplina de Educação Física como fatos interligados,
118
entenderemos que tal como na Europa, o caráter educativo
das atividades corporais só seria reconhecido quando a
escola pública fosse criada.
É nesse contexto de fervilhamento e, ao mesmo
tempo, de reconhecimento das suas limitações perante
uma sociedade “atrasada”, que foram redigidos os
pareceres do Congresso de Instrução. Os temas que seriam
abordados no evento tocavam a quase universalidade
de questões suscitadas pelas investigações educacionais
em nível mundial. O tom dos pareceres é indicativo da
relevância depositada na educação para o contorno dos
problemas e incertezas de uma sociedade que se via em
transição. Uma das conseqüências diretas dessa crença na
educação como panacéia das mazelas sociais foi pensá-la
como pública e obrigatória. A obrigatoriedade da educação
foi reconhecida pelos educadores participantes do
congresso como um dos pilares das sociedades industriais
modernas. A educação, esparramada até o maior grau
e ao maior número de pessoas, seria a responsável para
fomentar o espírito de pátria, aumentando a força dos
“braços” e das idéias morais. Nessa empreitada, Silvio
Romero (1884) toma como exemplo a Prússia, que, no
119
seu entendimento, mostrava ao mundo uma sociedade
pujante, tendo superado pela educação as limitações
impostas pela falta de unidade nacional e pela estrutura
econômica basicamente feudal:

O principio da obrigatoriedade do ensino é uma das


conquistas mais esplendidas da civilização moderna.
[...] As nações modernas, com a descoberta e
desbravamento de regiões inteiras desconhecidas, com
a função de patrias novas, com o augmento pasmoso da
população, com a decrepitude das velhas organizações
militares, com o advento das industrias, viram surgir
um grande numero de problemas urgentes, inilludiveis
e comprehenderam que na luta pela existencia os seus
concidadãos não teriam de então em diante a contar
só com o braço; seria necessario contar antes e acima
de tudo com a idéia. D’ahi a alta conta em que foi tida
a instrucção; d’ahi como arma de aperfeiçoamenio
e de luta progressiva para as classes populares - a
obrigatoriedade do ensino elementar. - A nação illustre
que se póde considerar o grande exemplo em materia
de educação intellectual, a Prussia - é a grande mestra
do ensino obrigatório. (apud ACTAS, 1884, p.1)

Discutiam-se os meios, as formas, as justificativas,


120 as necessidades, enfim, tudo vinha no sentido de negar a
prática e a ineficiência da educação de então, em favor
de uma nova educação pautada por princípios diferentes
e, principalmente, acessível a toda população. As formas
pelas quais esse ideal seria concretizado eram iguais a dos
países desenvolvidos:

Os meios praticos de tornar effectiva a obrigatoriedade


do ensino são de tres ordens: a sua gratuidade aos pobres,
a diffusão de escolas por todo o paiz, especialmente nos
centros mais populosos, e a imposição de penas aos
pais, tutores, protectores, etc, que não mandarem á
escola seus filhos, pupilos, protegidos, etc. (ROMERO
apud ACTAS, 1884, p.2)


As reflexões dos autores serão citadas com o número da página do texto de cada
autor e serão referenciadas como nome do autor apud ACTAS. A localização
dos autores nas Atas e Pareceres do Congresso de Instrução do Rio de Janeiro
(1884) não apresenta qualquer problema. O material utilizado para a pesquisa
encontra-se micro-filmado na Pós-graduação em Educação da Universidade
Estadual de Maringá.
2 - Corpo e educação nos pareceres do Congresso
de Instrução

A Educação Física foi largamente analisada nos


pareceres do Congresso de Instrução. Para dar conta da
amplitude de idéias contidas nos pareceres e que versaram 121
especificamente sobre o corpo e sua educação, dividiremos o
conteúdo em cinco temáticas que, no nosso entendimento
foram as mais recorrentes nas reflexões dos pareceristas.

2.1 - A obrigatoriedade da Educação Física

José Manoel Garcia defende a Educação Física,


colocando-a em igual importância com a educação
intelectual e moral, afirmando, também, que para a
realização deste tipo de educação integral, deveria ser
considerada a responsabilidade do “governo” que, até
aquele momento, sobre a égide do império, era visto como
omisso e responsável pelos números que atestavam a não
disseminação dessa modalidade educativa no país. Isso
mostra o quanto a idéia de educação pública, obrigatória,
gratuita e integral, rondava a cabeça dos educadores da
época, que clamavam para a sua realização:
Educar os sentidos e a razão, e inculcar ás massas
populares noções exactas e precisas a respeito do
mundo material que as cerca e de mundo moral em que
vivem, tal deve ser o fim de todo o systema racional
de ensino primario, cujos effeitos sobre a saude, sobre
122 a intelligencia e sobre o coração não podem deixar
de merecer o mais serio cuidado do governo, a quem
incumbe regulal-o e distribuil-o. (GARCIA apud
ACTAS, 1884, p.6)

João Pedro Aquino chega a nomear a Educação


Física como a questão das questões:

De todas as questões de pedagogia moderna, aquella


que mais interesse e solicitude deve merecer da parte das
familias brazileiras, e sobretudo do governo imperial, é
sem duvida alguma a Educação Physica. (apud ACTAS,
1884, p.1)

2.2 - A importância da Educação Física

Outro participante cujas considerações versaram


sobre a Educação Física, foi Januário dos Santos Sabino.
Sem aprofundar questões metodológicas, tratou de
colocar a importância da Educação Física como capaz
de desenvolver um grande número de qualidades físicas,
morais e intelectuais:

Mas a aquisição de taes qualidades não está dependente


do ensino de disciplina alguma, e sim de exercicios
apropriados a desenvolver gradualmente os orgãos do 123
corpo, e de cuidados incessantes destinado a manter
nelles a maior regularidade. Cumpre, pois, empregar
os exercicios gymnasticos e os cuidados hygienicos,
unicos meios capazes de obtel-as. (SABINO apud
ACTAS, 1884, p.2)

Sabino também elaborou um conjunto de


conhecimentos e práticas que deveriam ser trabalhadas
nas três modalidades de educação: moral, intelectual e
física, sempre frisando a interdependência entre elas:

No entanto, já porque algumas das disciplinas são


a base para a acquisição de novas, como a leitura
e a escripta, já porque outras apenas devem ser
principiadas nesta escola, como a historia e geographia,
nos parece que deverão constituir o ensino elementar
as seguintes que vão distribuidas pelos tres ramos
de educacão: Educação moral: Deveres dos homens.
Educação intellectual: leitura, escripta, elementos da
lingua nacional, noções essenciaes de cousas, principios
elementares de arithmetica, desenho linear, historia e
geographia do Brazil. Educação physica: Exercicios
gymnasticos, canto, trabalhos manuaes, cuidados
higienicos. (SABINO apud ACTAS, p.4-5)
124
A educação física não deveria se fixar somente nos
cuidados higiênicos. Estes fariam parte das preocupações
que, entretanto, eram mais largas e eram relacionadas
com as funções da escola como um todo:

A insufficiencia do programma adoptado em nossas


escolas, a inefficacia dos methodos nellas seguidos,
são questões que por evidentes não precisam ser
mais discutidas. Escolas que abandonam a educação
physica, limitando--a a cuidados hygienicos; escolas
que em sua organização não attendem nem ao numero
nem a idade dos alumnos; escolas que não facultam ao
professor os meios necessarios ao emprego de methodos
mais racionaes, não podem preencher os altos fins a
que se destinam. (SABINO apud ACTAS, 1884, p.1)

Já, Aquino, sobre a integração entre a Educação


Física e a educação mais geral, afirma que:
Baseada na physiologia e na hygiene, intimamente
ligada com a educação moral e intellectual, ella offerece
uma serie tão grande de assumptos importantes, que
é muito difficil, senão impossivel, tratar de todos elles
minuciosamente em um simples parecer, como este,
que tenho a honra de apresentar. (AQUINO apud 125
ACTAS, 1884, s.p.)

Para Antonio Estevam da Costa e Cunha, a


necessidade da consideração entre o físico e o psíquico
como fenômenos intimamente ligados é uma afirmação
que não merecia discussão, tal era a clareza com que
ela se manifestava em todos os fenômenos sociais. É
a assunção da impossibilidade de se desenvolver um
domínio sem atingir o outro, de se prejudicar um sem
prejudicar também o outro, enfim, é a íntima relação que,
para o sucesso educativo, deveria ser buscada, realizada
e utilizada na construção de um homem educado física,
intelectual e moralmente:

Os dous ramos geraes da educação, o physico e psychico,


são entre si tão concatenados que nenhuma educação
será completa e irracional sem o cultivo parallelo e
simultaneo de ambos; entretanto, considerando-se
que não ha intelligencia lucida nem vontade firme sem
ter por base a sanidade do corpo, concebe-se logo que
a educação physica é o esteio em que se firma a outra,
e conseguintemente o elemento primordial de toda a
educação. (CUNHA apud ACTAS, 1884, s. p.)
126
Contrariamente àqueles que trabalhavam com a
instrução do físico nos colégios guiados pelo culto à força
e ao pragmatismo imediato da educação militarizada,
Cunha encaminha uma proposta que se coadunava
com as finalidades da nova escola. Mantendo suas
particularidades metodológicas, a Educação Física se
pautaria pela educação da vontade em favor do trabalho,
do civismo e do progresso:
É tambem grande elemento moral, porque a
sensibilidade dos nervos opéra immensamente sobre
os costumes; é um poderoso elemento de civilizaçao,
porque só com o cerebro tranquilo se podem
desempenhar convenientemente os innumeros encargos
sociaes; é, finalmente, o elemento fundamental da
educação infantil, adolescente e madura, porque o
cerebro debilitado enfraquece a memoria, o gosto de
aprender o amor ao trabalho, e vai traçando paralella
á vida uma linha melancolica do abatimento moral.
(CUNHA apud ACTAS, 1884, p.4)

Nessa importante missão educativa, e Educação


Física teria um papel primordial atestado pela natureza
do ser humano que, a priori, passou a ser vista como de 127
total interação entre as dimensões físicas e psíquicas.
É baseada nessa natureza que a Educação Física teria
condições de se tornar peça chave no processo educativo,
ao contrário do que vinha acontecendo. É a consideração
da natureza como forma de redimir ou os equívocos da
educação física, ou a sua total inexistência e inutilidade
no século XIX:
Formar um são temperamento na puericia,
augmentar-lhe as forças, favorecer-lhe o crescimento,
desenvolver-lhe a destreza e agilidade, endurecel-
a até certo ponto contra a fadiga, as intemperies, a
privação momentanea das primeiras necessidades da
vida, habitual-a ao exercicio e ao trabalho, - taes são
os fins da educação physica. (CUNHA apud ACTAS,
1884, p.1)

Essas afirmações endossavam de maneira inegável


que tanto o corpo quanto o intelecto e a moral deveriam
ser educados pari passu, influenciando-se mutuamente
para construir um homem diferente do homem com a
“cabeça cheia” de conhecimentos inúteis para a prática
social e com o corpo doente e obliterador das forças
volitivas. Já não era possível negar, reflete Cunha, que
128
Assim como o nosso ser incorporeo não póde
permanecer sem pensar, assim o nosso ser material
não póde passar sem mover-se, e este facto, que
muito verdadeiro para os homens, sobe de ponto e de
importancia, tratando-se da meninice. (s.p.)

Esta contemplação das relações entre o físico


e o psíquico, além de trazer inegáveis benefícios à
funcionalidade educativa, vinha também como fonte
explicativa do próprio caos da corrente educação. No dia-
a-dia dos colégios, professores que submetiam seus alunos
a um regime totalmente “antinatural” e “anti-educativo”,
sofriam de maneira considerável a conseqüência destes
procedimentos. A indisciplina, a imoralidade, o ambiente
de guerra que predominava nesses colégios, antes de serem
fatos oriundos da própria estrutura do aluno, eram agora
vistos pelos novos educadores, como um sinal inegável
de que a velha educação não satisfazia as necessidades de
quem freqüentava suas escolas. Ora, mesmo com a ciência
já afirmando que o corpo deveria entrar e ocupar um lugar
proeminente na educação, os professores presos a antigas
noções, faziam seus pupilos ficarem imóveis por longos
períodos em suas cadeiras, fora de qualquer padrão que
129
atendesse à necessidade de corpos em desenvolvimento.
Esse conjunto de fatores práticos, só poderia resultar em
uma escola que, no entender de vários dos pareceristas,
nada ensinava, que não educava e que tornava o corpo
doente e sem utilidade, fazendo com que os alunos
criassem, para sua defesa, formas de se movimentar e
fugir dessas instruções e, conseqüentemente, fazendo
com que os professores os punissem de forma severa:

A tendencia que esta tem para oppor-se á quietação,


é uma força latente que a natureza faz actuar em seu
organismo com o fim de auxiliar o desentorpecimento,
o desembaraço, o crescimento harmonico e simultaneo
de todas as suas faculdades physicas e não physicas, e a
natureza não consente que se infrinjam impunemente
suas leis. Si quizermos sopear aquella força,
condemnando a puericia á immobiliadade, a natureza
vinga-se, vinga-se também a meninada. (CUNHA
apud ACTAS, 1884, s.p.)
Por conta disso, a tão freqüente prática de
castigos corporais era, ao mesmo tempo, uma causa e um
resultado daquilo que Fernando de Azevedo, em 1915,
chamou de “considerações cerebrinas da pedagogia”. Isso
já não tinha passado despercebido pelos pareceristas do
130
Congresso de Instrucção, tal é o caso de Leal, ao afirmar que:

Longe, para bem longe das conquistas do ensino a


idéa dos castigos corporaes, só proprios do instincto
maligno de brutos disfarçados em pedagogos. Homens
desnaturados, escravos da materia e indignos de qualquer
posição social, [...] applaudem a efficacia do emprego da
força onde só devem influir a razão e a prudencia. Que
anachronico e barbaro expediente em pura perda! Que
esforço contraproducente! Querer penetrar n’alma,
arrancar-lhe ou incutir-lhe uma idéa, movel-a para o
bem, como quem excava terras, extrahe dentes ou fustiga
quadrúpedes! (LEAL apud ACTAS, 1884, p.7)

2.3 - A nova metodologia da educação física e as

críticas as antigas formas de educação corporal

Joaquim Menezes de Vieira coloca de maneira


muito contundente que a substituição da “ginástica
normal” pelos “jogos livres”, longe de ser uma mera
substituição de uma atividade por outra, tem um sentido
muito mais profundo por expressar a nova pedagogia
em relação aos fins da educação. Uma “simples” decisão
como a escolha entre um jogo ou uma ginástica era
131
reveladora de preocupações de grande importância
para com as forças físicas, morais e intelectuais dos
homens para uma sociedade em processo de profundas
transformações. A preocupação de Vieira com a falta
de ânimo, a indolência e apatia da população escolar, é
esclarecedora da preocupação mais geral da sociedade
brasileira com o trabalho, que era discutido e passava a
ser visto como dependente da vontade e da disposição de
cada indivíduo:

É dolorosissimo o quadro, que apresenta a nossa


população escolar: um batalhão de crianças decrepitas,
caminhando certeiro ao encontro da fatal tubercolose.
Que differença entre as nossas crianças cacheticas ou
nevropathicas e as rosas baies da Inglaterra! É o nosso
clima [...] Não, que entre nós vivem inglezinhos tão
vivos e robustos como lá. É a hygiene, são os exercicios
religiosamente executados pelos inglezes e adaptados a
todas as edades e profissões. Desde o jardim de crianças
até a universidade, nos salões mais aristocraticos, cada
dia, cada estação tem o seu passatempo physico especial.
A gymnastica entre nós ainda é considerada materia
facultativa, uma cousa de luxo, que apenas figura nos
programmas dos estabelecimentos officiaes do ensino
132 secundario. Si o governo, em sua sabedoria, rebaixando
deste modo a gymnastica, nenhuma influencia tivesse
sobre os estabelecimentos particulares, nada teriamos
a dizer e esperariamos que mais tarde viesse, como já
tem vindo, fazendo-nos o seu poenitet.Mas o governo
nenhuma importancia lhe dando, induz muitos pais
em erro gravissimo. (VIEIRA apud ACTAS 1884, p.5)

Evidenciando o caráter de crítica dirigida aos


procedimentos até então adotados nos colégios em relação à
Educação Física que, além dos aspectos morais e intelectuais
já apontados, também em nada contribuía para a saúde dos
alunos, Leal ressaltou as características a serem afastadas e os
novos procedimentos para que a Educação Física tivesse seu
acesso na escola, garantindo na prática nacional, aquilo que
cientistas e educadores do momento já haviam provado na
teoria e prática de outros países:

Reclamo para nossas escolas a gymnastica obrigatoria,


feita nos intervallos do estudo, e nem ha por que
contestar sua utilidade e necessidade hygienica.
Não quero essa gymnastica de saltos forçados, esse
acrobatismo no trapezio; mas a gymnastica elementar
e racional, constando de exercicios physiologicamente
bem dirigidos, pondo em movimentos todos os grupos
dos musculos do corpo, conforme o methodo salutar de 133
Spiess-Neggeler, e que nossos professores aprenderão
por si mesmos, ou com explicações mui summarias.
(LEAL, 1884, p.5)

A crítica aos exageros do desenvolvimento do


músculo por ele mesmo e ao funambulismo eram pontos
passíveis em todos os educadores que pensaram a educação
física no interior do Congresso de Instrução. Podemos observar
que, por trás dessas críticas metodológicas, estava a
superação de toda uma formação de organização social que
já não mais atendia às necessidades de reprodução social.
No que diz respeito à Educação Física, o remédio para
este estado seria a racionalidade, um método “científico”
e o adjetivo de educativa, para que ela deixasse de ser
encarada como um mero exercício desenvolvedor de
músculos e obliterador da moral, do intelecto e da saúde,
entendida esta como um estado harmônico do organismo
e não a formação de um homem cujo único atributo seria
a força física:
Uma hora, meia hora que seja em cada dia, dessa
gymnastica physiologica, aproveita muito mais do que
tres horas de carreiras, de pulos, de lutas de braço, sem
134
direcção e sem methodo. Ella combate poderosamente
a influencia malefica das más attitudes, da posição
assentada por muito tempo, e previne as enfermidades
que della resultam. (LEAL apud ACTAS, 1884, p.5)

Na base metodológica que concretizaria esse tipo de


Educação Física, apoiada pela razão e coadunada à educação
moral e intelectual, estariam outras atividades, diferentes
das que tinham sido desenvolvidas nos colégios até então,
tais como:
conversas moraes e instructivas, jogos, brinquedos,
canticos, exercicios manuaes de construcção, de
modelação, de recorte, de picado, de trançado, de
desenho [...]. (LEAL apud ACTAS, 1884, p.3)

Aquino colaborou com a atribuição de valor


educativo às atividades do corpo evidenciando que deveria
ser rechaçada a ginástica alemã. Segundo seu ponto de
vista, diferentemente do de Silvio Romero, a Alemanha,
apesar de construir seus instrumentos para imitar situações
naturais, acabou por enveredar em um exagerado culto à
performance, pedagogicamente inviável para atender às
novas exigências da Educação Física. Assim ele pondera:
135
A gymnastica com apparelhos fixos, taes como barra
fixa, barras parallelas, mastros, trapezios e argolas,
está hoje condemnada por quasi todos os educadores
modernos, como servindo mais para acrobacia do
que para pedagogia. Outros exercicios de não menos
utilidade são: a natação, a equitação, a esgrima e a
remação; os quaes não podem ser aqui descriptos por
falta de tempo. (AQUINO, apud ACTAS, 1884, p.5)

Nesse momento, quando as preocupações com a


individualização do ensino se acirraram, Garcia aponta
que a educação física, por estar inserida neste movimento
pedagógico, deveria buscar também esta caracterização
individualizante. Por outro lado, as dificuldades práticas
de tempo e espaço, colocavam limitações para que isso se
efetivasse. Era para isso que o responsável pelas sessões
de ginástica deveria ter um olhar acurado, pois, por
ser necessário desenvolver as aulas em grupos, deveria
organizá-los de maneira que fossem agrupados alunos
de igual condição fisiológica para que coletivamente
a utilidade individual da ginástica se realizasse. Esse
ponto é uma forte manifestação de luta contra as velhas
concepções que, ao se afeiçoarem aos antigos exageros,
136
não consideravam a individualidade do aluno e passavam
por cima de qualquer análise que possibilitasse uma
atuação educativa. Quanto a isso complementa o autor:

No ensino da gymnastica, em que o methodo póde ser


collectivo ou individual, o pouco tempo e o numero
de alumnos obrigam o professor áquelle. Compete-
lhe esforçar-se por evitar os excessos, de que podem
sobrevir grandes inconvenientes. Assim, sendo muitos
os discipulos, deverá dividil-os em classes, segundo
suas idades, forças e temperamentos, e designar a
cada uma o aparelho e os exercicios convenientes,
vigiando que ninguem faça mais do que as forças lhe
permitirem. A seu prudente arbitrio fica a ordem desses
exercicios, porquanto os disciplinares e elementares,
os passos rithmicos, as marchas, os jogos e sobretudo
o uso do portico e seus apparelhos, excepto para o sexo
feminino, dependem do desenvolvimento e do estado
de saude de cada alumno. (GARCIA apud ACTAS,
1884, p.7)
Sendo a natureza uma fonte de grande inspiração
para a busca de procedimentos metodológicos, deveria
se ver nas atividades feitas pelas crianças aquelas que
poderiam ser úteis enquanto instrumentos educativos.
No caso da Educação Física, não deveria a escola ver nas
137
brincadeiras infantis, um mero passatempo. Dentro do
contexto educativo, as brincadeiras serviriam de um rico
meio para o professor colocar em atividades as forças
intelectuais e morais dos alunos, em que estes, ao mesmo
tempo, o fariam com prazer e satisfação, construindo
uma série de qualidades que, de acordo com os velhos
preconceitos, só seriam passíveis de serem feitos na base
da carrranca, dos castigos e da memória. Quanto a isso,
Cunha afirma:

As brincadeiras dos meninos, diz um (Dumonchel),


são uma gymnastica natural, que prefiro, quanto ao
desenvolvimento physico e á saude da infancia, a todos
os processos gymnasticos possiveis. Ha na liberdade
do folguedo uma liberdade acção que faz com os
meninos exerçam seus musculos de todos os modos e
desenvolvam tambem por todas as maneiras os orgãos
locomotores. (CUNHA apud ACTAS, 1884, p.13)
Essa consideração da natureza como fonte de
justificativas e procedimentos para a Educação Física,
redundava, em alguns pareceristas, na retomada do
pensamento de Rousseau. Aquino raciocina que a
diferença entre o homem selvagem de Rousseau e o
138
homem moderno era que este não teria mais o contato
íntimo que aquele tinha com a natureza. Por isso, aquele
era fisicamente mais apto. Entretanto, socialmente o
homem moderno criou forças que o tornavam capaz
de vencer qualquer batalha com o homem selvagem,
não devido a sua força física, mas sim aos instrumentos
criados pela inteligência. Outro diferenciador seria o
fato de o homem nascido com a modernidade ter tido
a necessidade de criar uma estrutura moral e intelectual
que o possibilitasse vencer as “lutas” entre competências
pela vida. Dessa maneira, a Educação Física seria um meio
de recriar uma situação que não era mais hegemônica: o
uso da força, para que esta atuasse na solidificação das
necessidades que realmente eram necessárias para o sucesso
do homem do século XIX: a inteligência e o regramento
moral. Todavia, quanto à relação entre homem selvagem,
homem moderno e educação física, afirma Aquino:
A maior prova desta verdade está em que o homem
selvagem é physicamente mais apto do que o homem
civilisado.E, si nas lutas contra os civilisados nem
sempre vencem os selvagens, é por que estes não
possuem armas de guerra iguaes aos daquelles;
e tambem porque os selvagens não têm aquella 139
moralidade e instrucção que, revestindo a consciencia
do homem de uma certa superioridade, olhe dá ao
mesmo tempo toda a coragem de que elle necessita
para resistir aos perigos. (AQUINO apud ACTAS,
1884, s.p.)

2.4 - A Educação Física da infância

Como conseqüência dessa retomada das idéias


educacionais de Rousseau, notamos que os pareceres do
Congresso de Instrução (1884) permitem visualizar a direção
das reformas educacionais, que deveriam ser iniciadas
pelas preocupações concernentes à educação infantil. Das
vinte e nove questões propostas, é a oitava questão do leque
proposto, que versava sobre “A educação physica nos jardins
da infância, nas escolas primárias e collégios (p.5)”, em que
essa consideração aparece de forma clara. As novas idéias
sobre a educação física, juntamente com as críticas mais
veementes aos antigos processos adotados foram abordadas
de diferentes ângulos. Vieira, por exemplo, centrou suas
reflexões em torno da educação da infância, dando o tom do
novo discurso que se tornaria hegemônico:

140 Para que o jardim de infancia constitua a base da escola


primaria e proveja a insufficiencia material e espiritual
das familias, cumpre que organize-se conforme o
methodo de Fröebel; cultive racionalmente as forças
physicas, intellectuaes e moraes. (apud ACTAS,
1884, p.3)

Joaquim Teixeira de Macedo, além de primar


pelo aspecto formativo da educação física em sua relação
para a formação do temperamento da criança, colocou-
a como responsável pelo desenvolvimento de qualidades
necessárias para o aprendizado intelectual a ser conseguido
nas séries subseqüentes do ensino:

A educação physica, diz um notavel escriptor, tem


um duplo fim: por um lado fortificar o corpo, formar
o temperamento da criança, collocal-a em condições
hygienicas favoravel ao seu desenvolvimento; e por outro
fazel-a adquirir desde logo agilidade, destresa da mão,
promptidão e segurança de movimentos: qualidades que
precisas para todos, são mais particularmente necessarias
aos alumnos das escolas primarias que em sua maioria
se destinam a profissões manuaes. (MACEDO apud
ACTAS, 1884, s.p.)

2.5 - A educação física das mulheres


141
Os pareceres também contemplaram a educação
física das mulheres. Para Cunha, o ponto crucial da luta
das novas necessidades educativas era a educação física
feminina. Ela deveria ser capaz de acelerar e realizar a
construção de uma raça mais forte física e moralmente.
Para isso, a escola, grande fonte dos preconceitos de
aversão em relação aos exercícios físicos por parte das
mulheres, deveria mudar esses conceitos, e ver na mulher
aquela responsável pela educação doméstica dos futuros
brasileiros, que com mães já educadas fisicamente, teriam
já em casa os cuidados de uma “educadora” que desde cedo
devotaria forte respeito e cuidado com a educação física


Além da defesa da educação física da criança e da mulher, também encontramos
nos pareceres reflexões sobre a educação física do cego. Um dos pareceristas que o
faz é Feliciano Pinheiro de Bittencourt, ao afirmar que “Assim pois, si a educação
moral e intellectual devem merecer todo o cuidado todo o zelo, não seja desprezada
a educação physica do cego, que traz como consequencia a transformação do seu
organismo e o melhoramento da sua saude” ( apud ACTAS, 1884, p.4).
de suas crianças. Interessante notar que neste processo de
discussão, o autor leva a questão educativa até as últimas
conseqüências, estendendo-a a todas instâncias sociais,
partindo da escola, para chegar a sociedade e vice-versa.
Afirma Cunha, quanto à educação das mulheres:
142
É da mulher brazileira, ó meus compatriotas, que
ha de provir ou a nossa força ou a nossa eterna
fraqueza. Para oppôr uma barrera a esta, só ha o meio
da educação da mulher infante; organizemos, pois,
quanto antes, o programma de educacão e exijamos o
estricto cumprimento delas. (CUNHA apud ACTAS,
1884, p.18)

Contrapõem, ainda o autor, alguns dos preconceitos


mais correntes em sua época:

Os exercicios physicos, a gymnastica especial e simples


não prejudicam o decoro, a pudicia, o recato da menina,
como muita gente suppõe, antes aumentam-lhe o
donaire e a gentileza, dando-lhe graça, saude e vigor.
(CUNHA apud ACTAS, 1884, p.18)

Finalmente, na citação abaixo, ele resume de forma


contundente, todas suas considerações sobre Educação
Física, sobre a necessidade desta, sobre os preconceitos e
sobre a importância de sua aplicação para a mulher:

A reforma de ensino em nossa terra deve começar por


prestar-se a maior attenção á educação da mulher,
porque é meio caminho andado para se conseguir a
143
do homem, e porque é incalculavel a serie de males de
ordem phisica e moral que resulta para a sociedade,
para a familia e para a propria mulher da falta desta
educação. (CUNHA apud ACTAS, 1884, p.18)

2.6 – Críticas à resistência sofrida pelas novas idéias

sobre a importância da Educação Física

O fato de serem variados os argumentos a favor


da Educação Física e de eles surgirem como resultados
dos avanços pedagógicos e “científicos” da época, não
implicou uma confiança inquebrantável por parte dos
analistas que participariam do congresso. Em vários
deles havia, mesclada à clareza e à inquestionabilidade
de suas idéias, a sensação de que defendiam algo que
ainda demoraria muito para ser aceito e concretizado
pela sociedade brasileira. As novas idéias, no entender de
Antonio Costa e Cunha (1884), encontravam resistência
no arraigado preconceito advindo de uma sociedade
acostumada com o trabalho escravo e sem iniciativa. A
resistência de amplos setores da sociedade, sobretudo, dos
que eram favorecidos com as dificuldades das reformas,
deixou um rastro de pessimismo nos defensores das novas
idéias:
144
E si alguem clama em favor della, é o mesmo que
prégar no deserto, perde seu tempo e seu latim; e si
algum estadista patriota intenta dar-lhe o impulso e
direcção, surge-lhe pela frente a rhetorica tribunicia
com as suas phantasmagorias, salteam-n’o os
interesses desencontrados e os demais obices que se
levantam nesta terra contra tudo que útil, bom ou
grande, até que aquelle cidadão fatigado, enfastiado,
desgostoso ou ceda ou retroceda. (CUNHA apud
ACTAS, 1884, p.2)

Qualificada como “educativa”, a Educação Física


integraria o conjunto das disciplinas da nova escola a ser
aberta a todos os brasileiros. Entretanto, como diz Cunha,
apesar de serem idéias já correntes e fáceis de serem aceitas,
a reforma no sistema educacional de qualidade educativa,
e não apenas instrutiva, parecia um sonho distante:

Sem embargo disto, porém, e apezar de tão intuitivas


serem estas verdades, a educação physica (ou melhor,
toda a educação) tem sido sempre para nós objecto
de grande indifferença e não menor incuria. Fallamos
muito de instrucção publica, e esta, boa ou soffrivel,
certo já a possuimos; mas, de educação publica, que
é muito mais necessaria do que aquella, e o unico
elemento capaz de formar o caracter de uma nação, 145
dessa não temos noticia. (CUNHA apud ACTAS,
1884, p.2)

Atento para as especificidades brasileiras, Joaquim


Teixeira de Macedo, via grande importância nos teóricos
da educação que floresceram no século XIX. Entretanto,
apesar das idéias, Macedo notava que a prática pedagógica
não as realizava, preocupando-o e fazendo-o pensar em
formas de utilizar tais idéias indiscutivelmente nobres,
mas que, se mal compreendidas, ou ecoavam no vazio,
ou tornar-se-iam em mais uma fonte legitimadora dos
preconceitos, dos equívocos e dos já citados exageros da
educação física, em especial:

Antes de adaptar ás circunstancias do nosso paiz


o systema de Froebel, é necessario conhecer bem a
historia da pedagogia desde Comenius até a época
actual; cumpre saber que elle sahiu de anteriores
systemas, e como sahiu, não se tornando possivel a sua
applicação senão pelos esforços successivos de homens
universalmente venerados, como o mesmo Comenius,
Rousseau, Basedow, Pestalozzim J. Paulo Richter e
Fichte. É uma historia que até a propria instituidora
ou directora de cada estabelecimento deve aprender,
146 porque, dizem os especialistas de primeira plaina, só
assim poderá ella presidir ao desenvolvimento physico
e moral das crianças confiadas aos seus cuidaddos, e
terá consciencia clara do que vai fazer. (MACEDO
apud ACTAS, 1884, p.7)

Apontamentos Finais

As idéias apresentadas e as reflexões entabuladas


neste trabalho tiveram como um de seus objetivos mostrar
a relevância das idéias contidas nas Atas e Pareceres do
Congresso de Instrução do Rio de Janeiro. Para isso, buscamos
apoio nas idéias de Bastos (2006), quando ela afirma:

As idéias que circularam no Brasil, através das


conferências pedagógicas, das conferências populares,
do Congresso de Instrução, da exposição pedagógica e
escolar, do museu escolar e pedagógico, dos impressos,
faziam parte de um movimento internacional, no
qual a elite intelectual brasileira procurava integrar-
se e vivenciá-lo na sua realidade social. Ao mesmo
tempo que participavam do Estado, favorecendo a
sua manutenção, esses intelectuais preconizavam
transformações nas estruturas sociais, na perspectiva
de que a educação equivalia a “progresso”. (BASTOS,
2006, p.130) 147

A importância dessa constatação, que também


ficou evidenciada na análise que fizemos sobre a
questão da educação física, não secundariza, por
outro lado, o fato de elas terem enfrentado extremas
dificuldades para sua realização na sociedade brasileira
do século XIX. A falta dos recursos que financiaram
o evento, que por si só já problematiza a tese da
“espetacularização da educação” por parte do governo
que Bastos (2006) propõe, não deve, porém, ser vista
como um mero problema administrativo ou burocrático:
Schelbauer (1997) mostra que a distância entre as idéias
pedagógicas e a sua realização é passível de ser entendida
na concatenação entre o geral e o específico das lutas
pedagógicas e históricas, impossibilitando que conceitos
e reformas, das quais ninguém duvidava a importância,
encontrassem espaços e “recursos” para sua realização.
O mesmo pode ser dito das idéias que circularam
nas Atas e Pareceres do Congresso e que versaram sobre
a Educação Física. A importância da Educação Física,
a constatação de sua relação com as outras esferas
educativas, a defesa de uma nova concepção metodológica
148
mais racional e individualizada, a sua necessidade para a
criança e a mulher, não foram suficientes para vencer as
resistências práticas contra sua implementação.
Isso pode ser visto como um problema que não só o
Congresso discutiria, mas que já tomava conta da sociedade
e que continuaria a incomodar teóricos e políticos.
Mesmo com Fernando de Azevedo (1915) assumindo que
chegara a hora de um real despertar sobre a Educação
Física; mesmo com Rui Barbosa (1946) tomando como
certa e inquestionável as idéias sobre a relevância da
Educação Física, encontramos nos dois autores constantes
lamentos sobre o fato dessas reflexões não encontrarem na
sociedade brasileira o eco esperado. Ao analisarmos essas
questões como esforços para a modernização da sociedade
brasileira no século XIX, podemos afirmar:

Segundo Rui Barbosa, “a ginástica, em quase todos


os países, estende-se a ambos os sexos; e, em muitos,
obrigatoriamente para um e para o outro”. Tratava-
se, pois de uma lógica clara e simples: fazer o que
o mundo inteiro estava fazendo sem perder tempo
com discussões. Entretanto, a história não tem a
mesma “exatidão” da lógica matemática e a sociedade
brasileira teria que esperar pelos acontecimentos das 149
décadas seguintes para reconhecer essas “verdades”
que primavam sobre o caráter socialmente “educativo”
das atividades físicas oferecidas a toda sociedade sob a
tutela do Estado. (HEROLD JR, 2005, p.253)

Acreditamos, assim, que a relevância dos


pareceres sobre a Educação Física, contidos nos anais
do Congresso de Instrução do Rio de Janeiro, deve ser
vista como uma manifestação da complexidade que o
analista deve considerar ao estudar historicamente as
idéias educacionais. Se história da educação não é feita
somente de grandes pensadores, há que se ter claro que
a análise dos limites e dos fracassos de idéias “das quais
ninguém discorda”, constitui-se em um grande campo
de estudos para enriquecermos o entendimento histórico
das estruturas, dos atores e do cotidiano escolar em um
determinado momento. Com este estudo, pretendemos
mostrar que esse é o caso da Educação Física, apesar
de ela só ter tido seu processo de efetivação iniciado a
partir da década de 30, mesmo com o grande conjunto
de eminentes políticos, juristas e educadores que já a
defendiam no final do século XIX.

150
Corpo, Educação
Física e o trabalho no
capitalismo industrial
(1860-1920)


O esforço de se estabelecer as mediações entre as
transformações no mundo do trabalho e as instituições e
práticas educativas na história deve considerar o fato de
que a categoria trabalho, nos últimos anos, vem sofrendo as
mais variadas críticas quanto ao seu potencial heurístico.
Os teóricos defensores do “fim do trabalho”
e, conseqüentemente, de sua não-centralidade veem
sua utilização nas diferentes áreas do conhecimento
como um resquício de procedimentos ultrapassados,
economicistas e teleológicos. Conseqüentemente, as
práticas culturais, sociais, artísticas, bem como o campo
das idéias, passam a ser estudados desenraizados de
qualquer forma de objetividade, sendo assumidos como
construções discursivas, passíveis de serem construídas
e desconstruídas pela infinita capacidade de leitura do
“texto social”.
Nas mais variadas áreas do conhecimento, esse
fenômeno tem sua presença marcante, passível de ser visto
pelo surgimento de “novos” procedimentos metodológicos e
154
de objetos de estudo. Observamos que um dos tópicos que
começam a ser discutidos fortemente a partir das décadas
de 80 e 90, no esteio do debate metodológico acima, é
a questão do corpo e da sua educação. Na sociologia,
na antropologia, na filosofia e na história multiplicam-
se estudos sobre essa temática. Eagleton (1993) diz
que os estudos do corpo combinam com a desconfiança
pós-moderna em relação às metanarrativas, resultando
disso um apego à subjetividade e às idiossincrasias.
O interessante é observar que, ao mesmo tempo
em que o corpo é absorvido como temática recorrente nas
mais variadas áreas, há no interior do mesmo processo e
das mesmas concepções um conjunto de idéias, atinadas
às apologias da “sociedade do conhecimento” que veem
na materialidade corporal o grande empecilho para a
circulação da informação e da inteligência. O corpo, nesse
sentido, dissolver-se-ia ou em bits ou em genes.
Disso tudo, um dos resultados constatáveis é
que a questão da corporeidade e da educação deixam de
ser estudadas pelas mudanças no mundo do trabalho,
vistas demasiadamente distantes uma da outra, ou como
desnecessárias em um momento em que o trabalho teria
155
se tornado inteligente, e o corpo ou uma dificuldade
frente à virtualidade e à velocidade da informação, ou
um assunto a ser estudado somente nas dimensões da
cultura, da arte e da psicologia. O número de limites
dessas afirmações deve colocar para os interessados nas
questões do corpo, da educação e do trabalho, condições
para que essa relação seja problematizada, evidenciando
o potencial explicativo mútuo que o corpo, educação e
trabalho possuem entre si, dissipando as análises que
ideologicamente enxergam nos atuais reordenamentos
do capital um processo de humanização do capital.
Não negamos que na atualidade a pesquisa da
relação entre corpo, trabalho e educação adquire nuances
e características que dificultam sua apreensão crítica e
cuidadosa. Entretanto, é justamente essa dificuldade
que evidencia que essas relações são prementes de serem
abordadas, importância esta justificada, inclusive, pela
sua visibilidade menor, se comparada a outros momentos
da história.
Neste capítulo, queremos chamar a atenção para
essa importância do trabalho oferecendo um anteparo
analítico à questão, que surge na atualidade pelos
156
detratores dos estudos sobre as transformações nas
práticas produtivas e do numeroso grupo de apologetas da
“sociedade do conhecimento” de um lado, e de estudiosos
que veem no corpo o referencial para se compreender
as questões que afligem a sociedade e a construção de
subjetividades, de outro. Com isso, o objetivo deste estudo
é analisar a relação entre corpo, trabalho e educação no
limiar entre o século XIX e XX, levantando possibilidades
e advertências sobre as mediações existentes entre as
transformações no capitalismo e as questões debatidas
na esfera educativa concernentes à educação corporal e à
educação física.
Para tanto, dividiremos o capítulo em três partes:
na primeira exporemos os cuidados no trato com a
categoria trabalho que a possibilita ser utilizada como
uma ferramenta para os estudos históricos sobre a relação
entre corpo, trabalho e educação. Na segunda parte,
verificaremos como as temáticas do corpo e trabalho se
relacionam nas últimas décadas do século XIX e nas
primeiras do século XX; na terceira, tendo por base as
análises precedentes, mostraremos a viabilidade e os
cuidados da utilização das transformações do mundo
do trabalho para estudar as questões concernentes
157
à Educação Física, enfatizando as proximidades, os
distanciamentos e as mediações necessárias entre as crises
e reordenamentos do modo de produção capitalista e as
idéias educacionais sobre a educação física, enfatizando
a necessidade se evitar tanto uma análise mecânica e
economicista, bem como contornar as tão recorrentes
análises que enxergam as práticas educacionais como
desenraizadas das transformações nas práticas produtivas
e das discussões sobre o mundo do trabalho. Para isso,
utilizaremos obras que, redigidas no momento em estudo,
pensaram a Educação Física no interior das problemáticas
que afligiram o contexto em que foram produzidas.

1 - A relevância da categoria trabalho para a

história da educação física

De uma maneira geral, na história, nas ciências


humanas e na filosofia, existe uma tendência muito presente
em se levantar os limites das bases metodológicas do
materialismo histórico para a produção e a reflexão sobre o
conhecimento. A positividade desse posicionamento crítico
em relação à forma como as idéias de Marx foram utilizadas,
é evidenciar a limitação de determinadas abordagens
158
que, ao apropriarem-se de forma descontextualizada da
relação entre infra e superestrutura, acabaram incorrendo
em posturas que Marx e Engels já criticavam em Hegel,
Feuerbach, Proudhon e Dühring.
Kosik (1970) adverte que a abordagem
materialista das questões que surgem na sociedade deve
considerar a totalidade de produção da existência social
como produção não somente como um “fator econômico”,
mas sim como o conjunto de relações sociais estabelecidas
pelos homens para a produção da existência social. Nisso,
a materialidade envolve não somente os cálculos dos
economistas, mas as mediações estabelecidas entre essa
produção e as produções humanas nas esferas políticas,
sociais, educacionais, artísticas e filosóficas. Ou seja,
em vários momentos da obra de Marx, mostra Vasquez
(1990), o materialismo histórico não se apresenta como
método que deduz uma obra artística, por exemplo,
automaticamente das transformações que ocorrem na
fábrica, mas sim como procedimento que as enxerga em
suas múltiplas mediações, reconhecendo sua ocorrência
em espaços e tempos diferenciados, em um processo só
possível de ser determinado levando-se em conta tanto
159
as especificidades de um contexto, quanto a generalidade
do movimento do capital.
Nesse sentido, o desenvolvimento das reflexões
de Lukács (1979, 2004), sobre a centralidade da
categoria trabalho é fundamental para os objetivos deste
estudo. Na sua Ontologia, o filósofo húngaro oferece uma
reflexão em que trabalho é colocado como ponto fulcral
da reflexão histórica e sociológica, sem, por sua vez,
incorrer nas limitações e simplificações que os críticos
enxergam em Marx, mas que competem muito mais
às apreensões mecânicas e economicistas já repudiadas
pelo autor de O Capital.
Lukács mostra que é pelo trabalho que se processa
o salto da natureza para a sociedade, pois é pelo trabalho
que vários elementos dispersos se reúnem, libertando o
homem de forma relativa das imposições e dos ritmos
naturais. Quando o homem, a partir de suas condições
concretas (que dizem respeito às suas capacidades e
ao meio em que encontra) tem condições de idear sua
atividade, inicia-se, então, um processo extremamente
complexo de imbricamento entre natureza e cultura,
culminando nas mais variadas sociedades humanas.
No interior dessa diversidade, adverte também
160
Lukács, é que se formam organizações sociais que,
devido às suas especificidades, conseguem enxergar
ou atribuir ao trabalho maior ou menor importância
sobre o conjunto social. Assim, mesmo estando sempre
o trabalho como o elemento deflagrador e sustentador
das sociedades em toda a história, não podemos buscar
nele, automática e inadvertidamente, as explicações
para a enormidade de manifestações humanas ligadas à
cultura e às representações. Para isso, há que se atentar
para a necessidade de estudar as devidas mediações
que proporcionem transparência em cada ato, em
cada pensamento e em cada manifestação cultural dos
indivíduos e grupos, bem como ao fato de eles viverem
em uma sociedade que luta pela ou contra transformação
nas formas de trabalho.
No interior dessas reflexões, é preciso atentar para
a diferença, já exposta por Marx, entre trabalho concreto e
trabalho abstrato. Também explorada por Lukács (1979,
2004) e por Kosik (1970), essa diferenciação é relevante,
pois coloca a possibilidade de utilizarmos o trabalho
como ponto de partida para a criação e desenvolvimento
da sociedade e das capacidades humanas na história
(trabalho concreto), ao mesmo tempo em que cria
161
condições para que não esqueçamos que em cada modo
de produção, o trabalho está subsumido às exigências
históricas da classe que detém o controle dos meios do
processo produtivo. No caso da sociedade capitalista, a
divisão da sociedade em classes implica o atrelamento
inescapável do relacionamento entre homem e natureza
pelo trabalho, às exigências da produção de mais-valia,
tornando-se trabalho abstrato.
No que tange à história da educação do corpo
e suas relações com as transformações no mundo do
trabalho, a centralidade do trabalho concebida por Marx
e desenvolvida por Lukács, colocam como base a própria
existência e a necessidade da temática.
Na atualidade, os analistas, ao conceberem as
relações entre corpo, trabalho e educação baseados em um
entendimento limitado do mundo do trabalho, acabam
por sucumbir às mistificações que giram em torno do
epíteto “sociedade do conhecimento”, concluindo, assim
que a análise do trabalho, hoje, demandaria uma atenção
mais próxima das questões pertinentes à inteligência
e não ao corpo e a sua educação. Essa assunção acaba
por silenciar a investigação da questão historicamente.
162
(HEROLD JR, 2006)
Uma análise em alguns trabalhos na área de Trabalho
e Educação (OLIVEIRA, 2003; PINTO, 1991) e na área de
Educação Física (BRACHT, 1992; NOZAKI, 1999; SILVA,
1996) evidencia um entendimento da relação entre corpo e
trabalho baseado na dicotomia entre corpo e inteligência:
o trabalho que demanda processos de tomada de decisão,
é visto como o trabalho inteligente e descorporificado; e o
trabalho que possui demanda energética e de movimentos
é corporal, destituído de cognição. Para os analistas
preocupados com a questão da educação do corpo, esse tipo
de observação redunda na recusa peremptória da utilização
do trabalho como ponto de partida e chegada das questões
educativas, afinal, hoje, o trabalho dispensaria o corpo. Além
disso, vale observar, esses estudiosos dão a entender que a
relação só valeria a pena ser estudada no passado (BRACHT,
1992). Entretanto, uma concepção limitada das relações
entre corpo e trabalho na atualidade, inviabiliza também
uma compreensão crítica e cuidadosa da história.
Em termos historiográficos, o resultado mais
visível desse limite da análise histórica proporcionado
pelos problemas na consideração das questões hodiernas
163
que envolvem o trabalho é a idéia de que a educação física
e corporal foram sempre pensadas nos momentos em que
as práticas produtivas exigiam mais a força e a resistência
do trabalhador. A visão de que a educação física “formava
a mão-de-obra” pelas suas atividades é o resultado, assim,
de um determinado entendimento do mundo do trabalho
baseado em fundamentos mecanicistas e economicistas
que, por sua vez, sustentam a recorrente afirmação de que
o mundo do trabalho, hoje, não oferece nem respostas e
nem questões.
De uma forma geral, há o entendimento de que
as relações entre corpo, educação e trabalho na história
se dão de forma a endossar uma pressão unilateral das
atividades de trabalho sobre o mundo da educação. Assim,
as importantes análises de Soares (1994) e Castellani
Filho (1988) defendem que a relação entre Educação
Física e capitalismo na história, dá-se pelo atrelamento da
disciplina às necessidades de formação de mão-de-obra, em
um processo em as questões metodológicas acompanham
linearmente os avanços técnicos do mundo produtivo. Uma
conseqüência desse entendimento limitado sobre as relações
entre corpo, trabalho e educação, pode ser visualizada
em Gleyse (1995), que por estudar as transformações do
164 trabalho limitadamente, afirma uma “cognomorfose” nas
práticas produtivas, observando o mesmo resultado nos
estudos em Educação Física pelo fato de elas defenderem
uma abordagem psicologizante ou cognitivista do corpo.
Para problematizarmos essas afirmações,
evidenciaremos que mesmo a proximidade entre as
questões do corpo, da educação e do trabalho no final do
século XIX e início do século XX deve ser analisada com
cuidado para evitar conclusões sobre a história da referida
relação que forneçam bases para as críticas à centralidade
do trabalho tanto no passado, quando na atualidade.

2 - As transformações e as discussões em torno do

trabalho e seus impactos no entendimento sobre a

corporeidade

Rabinbach (1992), ao analisar o surgimento e o


desenvolvimento do taylorismo nos EUA e das ciências
do trabalho na Europa, conclui pela presença do “human-
motor” como baliza de análise das questões concernentes
às exigências feitas pelo trabalho industrial ao operário.
Central para a investigação do “human motor” foi a
preocupação que os analistas tiveram em relação do corpo
do trabalhador.
165
Interessante observar que a base desse processo
que atrelou trabalho e corpo no século XIX foi, além
das transformações do capitalismo e a iminência dos
questionamentos feitos pelo movimento operário, o
desenvolvimento das pesquisas de Helmholtz que
possibilitou entender que o “trabalho” está ligado à
transformação de energia que ocorre em toda natureza,
desde uma célula, passando pelo corpo humano,
chegando ao movimento dos astros.
A luta de classes que explicitava as contradições do
capital manifestava-se, de um lado, na tentativa de Taylor
em ampliar, cada vez mais, os processos exploratórios da
gerência que primavam pela vigilância da correção e da
velocidade na execução das atividades, e de outro, dos
estudos baseados nas ciências do trabalho européias, que
ao encontrarem um padrão “científico” para a análise
do trabalho, esforçava-se por encontrar um ponto de
aproveitamento do trabalho corporal que fosse “racional”,
além do qual, assim como aquém, acarretaria um mau-uso
por excesso ou falta da mão-de-obra operária. Rabinbach
(1992), nesse sentido, afirma:

Até o final de 1910 a ciência do trabalho convenceu-se


166 de que nem o capital nem o trabalho poderiam perceber,
precisamente, que o gasto de energia transcendia a
ideologia. Se o capital tinha de ser ensinado a não ver
o trabalho como inimigo da produtividade e do lucro,
o trabalho devia ser ensinado que o trabalho do corpo
poderia se conformar mais às leis da energia e menos
aos imperativos da política. (RABINBACH, 1992,
p.236)

A tentativa dos investigadores da ciência do


trabalho era buscar uma abordagem que resolvesse a luta
de classes que no final do século XIX e início do século
XX apresentava-se em toda sua clareza. Para tanto, esses
analistas enxergaram o corpo trabalhador como o centro
das investigações que permitiriam, depois de desvendadas
suas leis, uma exploração “correta” que possibilitasse pedir
ao corpo o que ele poderia “naturalmente” providenciar,
contornando as justificativas pela falta de empenho nas
rotinas trabalho.
Uma conseqüência dessa maneira de encarar o
trabalho colocando o corpo do trabalhador como o pilar
das reflexões, foi a crítica feita pelos cientistas do trabalho
ao fato de se querer exaltar os trabalhadores com discursos
de base moral. Procedimento recorrente a ser ultrapassado,
167
ele acabava por secundarizar o lado científico do trabalho
baseado no “human motor”. Para Marey, Lahy e Mosso, a
partir do momento em que se elaborasse um panorama
explicativo amplo do funcionamento corporal no trabalho,
ele aconteceria naturalmente, sem sofrimento por parte
do trabalhador, acalmando, assim, a fúria revolucionária
que girava em torno de questões como redução do tempo
de trabalho, legislação contra acidentes, aumentos de
salários etc.
Por mais que essa visão estivesse enraizada nas
lutas e no contexto social e político do século XIX e
início do XX, fica claro o fato de ela mostrar e esconder
a realidade que analisava. A eclosão da primeira
grande guerra evidenciou, contrariamente aos “dados
científicos” dos estudiosos, que o corpo humano poderia
ser explorado de forma nunca antes imaginada para
fins que nada tinham de “naturais”. Por conta disso,
entre as precauções da ciência do trabalho européia
e as fórmulas de exploração maximizada de Taylor, a
prática produtiva capitalista, historicamente, privilegiou
a segunda, sem querer isso dizer que as pesquisas dos
especialistas deixassem de existir e que, academicamente,
168
sempre enfatizaram o caráter limitado, equivocado e
“ultrapassado” das idéias e práticas de Taylor. Entretanto,
a “prática” capitalista construída nas bases da aplicação
da ciência no desenvolvimento das forças produtivas,
recusou os pressupostos das ciências que advogavam uma
“exploração racional”, e adotou o cronômetro taylorista
como o que havia de mais “avançado”.
Na tensão entre tayloristas e cientistas europeus
o que estava em discussão era a centralidade do corpo
e do trabalho para a reflexão das questões pertinentes
à solução dos conflitos sociais que aconteciam. Esta
centralidade, entretanto, não significa que as questões
educativas foram impactadas de forma direta e sem
mediações. O debate em torno das possibilidades
exploratórias do trabalho em relação ao corpo e o limites
naturais deste em relação a esta exploração evidencia que
as nuances do processo devem ser respeitadas para captar
as particularidades dos debates em torno da relevância
da educação do corpo que, no contexto do século XIX
e início do século XX, aconteceram tendo por centro a
criação dos Sistemas Nacionais de Ensino e, dentro deles, da
disciplina de Educação Física.
O caráter universal desse debate pode ser visualizado
169
nas conseqüências que o desenvolvimento do industrialismo
e a crise do capital no século XIX tiveram em outros países,
como o Brasil. É esse caráter universalista do capital que
proporcionou também que os debates educacionais em torno
da educação do corpo e da disciplina escolar de Educação
Física também acontecem de forma semelhante na Europa
e no Brasil. A clareza da presença e das características desse
debate é fundamental para que possamos colocar algumas
condições para concatenar a universalidade do debate, as
especificidades educacionais e históricas de cada realidade
e suas relações com as transformações mais avançadas na
forma de produção da sociedade.

3 - Trabalho e educação: as mediações entre as

práticas produtivas e as discussões sobre a educação

física no século XIX

A investigação dos debates sobre a criação dos


Sistemas Nacionais de Ensino no século XIX e nas primeiras
décadas do século XIX é de extrema relevância para
problematizarmos esse tipo de entendimento que tem
como ponto de partida e chegada a simplificação e a
desvalorização do mundo do trabalho para se pensar as
questões educativas pertinentes ao corpo.
170
A questão da prática da educação corporal na
nascente escola pública fora um ponto debatido de
maneira universal, tocando Europa, Estados Unidos,
Japão, Brasil, entre outros. Se não podemos negar que a
questão da educação do corpo já vinha sendo largamente
debatida, é o século XIX e as primeiras décadas do
século XX que fazem desse debate um ponto fulcral
nas questões educacionais. Ilustrativo dessa relevância é
Azevedo (1915), que, ao comparar o seu momento e a
Renascença, afirma:

Nem Muller errava, quando, referindo-se à educação


physica em plena civilização européa affirmava há
alguns anoos que a humanidade em geral ainda não
conseguiu acabar de vez com os preconceitos da edade
medieval. Sob este ponto de vista, accrescenta elle no
seu estylo pittoresco, “a renascença póde ser comparada
a um accordar fora de horas; o doemnte despertou cêdo
de mais, e depois de se espreguiçar tornou a deitar-se e
a adormecer para o outro lado. O somno durou até aos
primeiros annos do sec. XIX, época em que começa a
acordar d’este profundo lethargo, graças a energia e
ao trabalho de homens como Basedow, Jan, Nactigall,
Ling e tantos outros que lhe seguiram o exemplo.
(AZEVEDO, 1915, p.138) 171

O mesmo entendimento possui Veríssimo,


quando diz:

Entre nós, quando se fala em educação física quase se


subentendem os exercícios ginásticos e, principalmente,
os chamados acrobáticos. Não é esta a verdadeira e
utilíssima compreensão dessa forma de educação que,
não obstante preconizada desde Montaigne, Locke, J.J.
Rousseau, Hufeland e Fröebel, apenas agora começa
a sair do domínio da especulação para o da prática.
Como deixa manifesto a citada passagem de Spencer, a
educação física não se limita apenas, como vulgarmente
se supõe, aos exercícios físicos, mas abrange a Higiene, e
considerada esta, segunda a excelente definição de Littré
e Robi, como o conjunto de “regras a seguir na escolha
dos meios convenientes para entreter a ação normal dos
órgãos nas diversas idades, constituições, condições da
vida e profissões. (VERÍSSIMO, 1985, p.82)
O surgimento da problemática em torno da
Educação Física fez com que a reformulação de seus
métodos e a adequação em relação aos novos fins, fossem
questões debatidas em vários países. O interessante
a observar é que a educação do corpo na escola fora
172
tematizada sempre tendo em vista os fins educativos que
buscavam cimentar o conjunto de atitudes necessárias
para a manutenção das relações sociais, secundarizando
os resultados a serem obtidos em termos motores e
fisiológicos. Esses nada mais eram do que meios para se
atingir a um fim maior. Sobre isso, expressa Dox:

As autoridades governamentais e comunais


compreenderam que um interesse nacional da mais
alta importância comanda nosso país, feliz e próspero,
de fazer grandes sacrifícios pela educação física de suas
crianças.[...] ela inculca os princípios de ordem, inspira
nobres sentimentos e aprende a servir a humanidade
em serviço da pátria. (DOX, 1884, p.2)

Base para essa defesa em prol da Educação Física é


o diagnóstico dos envolvidos na questão no momento de
crise da sociedade, que era vista como a manifestação de
um rebaixamento do nível moral. Biewend, nesse sentido
diz que:
Grande e séria é a necessidade de forte ajuda; apenas
vigorosas e decididas medidas podem prevenir a
moralidade jovem, exposta como está, por todos os
lados por contradições e disputas em todos setores
da vida, a muitas desastrosas vacilações e enganosas
aberrações. (BIEWEND, 1862, s.p.) 173

A importância da Educação Física e a sua relação


com as questões pertinentes ao desenvolvimento moral e
intelectual demandadas pelas crises do capital no século
XIX parte do diagnóstico concernente as mudanças
da sociedade. Um dos passos mais interessantes dessa
reflexão é a constatação de a educação do corpo se faz
cada vez mais necessária justamente no momento em a
que “cultura do espírito” é mais presente, se comparada
com o passado. É o que afirma Schreber:

A elevação gradual, embora vagarosa, do nivel da


cultura do espirito reclama tambem, como condição
fundamental do bom resultado dos seus progressos
ulteriores, um gráu de cultura corporal muito mais
elevado, e consequentemente harmonico e equivalente
ao gráu de cultura do espirito. É evidente que, para
que as flores e os fructos da arvore da vida do espirito
possam adquirir força e vigor, é necessário que as
raizes, de que brotam, se achem sempre em um estado
de desenvolvimento regular e de conveniente energia.
(SCHEREBER, s.d., p.11, grafia original)

No mesmo sentido vai Fernando de Azevedo


174 (1915) que, ao justificar a importância da “ginástica
racional”, defende:
[...] exactamente por causa da mutação de nossas
tendencias sociaes, e da proeminência actual
do cérebro na realização do fim individual e
collectivo, a importância destes exercicios subiu de
ponto, tornando-se uma necessidade palpitante e
indeclinável. (p.32)

O autor de Cultura Brasileira explora de forma


ainda mais próxima essa questão e, após constatar o
enciclopedismo e a “generalização do regimen sedentario”
(p.34), assim como ao analisar sua realidade comparando-a
com a dos gregos e a importância que davam às atividades
do corpo, afirma:

Não nos illudamos. A lucta persiste ainda, não sob


o ponto de vista internacional, não a lucta pelas
armas, mas a incruenta lucta inter-individual, a lucta
dos espíritos e das competências, sem treguas nem
quartel e que é hoje a fórma por excelência da acção;
e o cérebro precisa mais do músculo do que o próprio
braço incumbido de um grande esforço. (AZEVEDO,
1915, p.34)

A clareza com que essas idéias eram defendidas


175
dão a entender que a “causa da educação física”(Barbosa
1946) era um consenso. Rabinbach (1992) observa que
mesmo na Europa a questão era alvo de debates, apesar
dos avanços das ciências fisiológicas que mostram que as
atividades do corpo não eram:
[…] distribuição desorganizada e difusa de exaustão e dor,
mas um rigoroso e uniforme conjunto de atividades baseadas
no emprego calculado e repetido de energia física. Como
Lagrange sucintamente coloca, “o que é higiênico no exercício
não é o esforço, mas o trabalho.”. (RABINBACH, 1992,
p.224)

No Brasil, a questão apresenta ares ainda mais


interessantes, afinal, se na Europa o debate educacional
em torno da Escola Pública e da disciplina escolar de
Educação Física tinha apresentado resultados palpáveis
apesar da celeuma, aqui, a clareza e a obviedade das
idéias não foram suficientes para fazer com que nem a
escola pública e, muito menos a Educação Física, fizessem
parte da realidade educacional. Para exemplificar, temos
Rui Barbosa que afirma:

Felizmente, a causa da educação física está ganha, e a


176 rotina pouco poderia retardar o seu triunfo em toda
parte. Todas as competências superiores em matéria
de educação e todas as legislações modelos do ensino
pronunciam-se a uma voz em seu favor (1946, p.74).

Entretanto, o jurista também reconhece a necessidade


de defender as idéias em favor da Educação Física contra a
pecha de materialismo e, mais a frente, lamenta:

todo o mundo civilizado, podemo-lo dizer, impõe


hoje como necessidade vital, na organização da
escola, a ginástica, ampliada aos dois sexos. A
comissão, portanto, não tinha que vacilar em lhe
reconhecer o que, pelas mais rigorosas das exigências
racionais, toca a esse ramo do ensino .(1946, p.90)

Assim, o que temos é a importância da Educação


Física sendo defendida como evidente tanto na Europa
quanto no Brasil, importância essa sempre justificada
não pela aplicação “concreta” da resistência, da força e da
velocidade em situações específicas, como as de trabalho.
Os autores deixam claro que a Educação Física se justifica
para o fomento de características que não dizem respeito
ao “corpo”, ao fisiológico, mas sim pelo caráter “educativo”
que as atividades corporais possam ter. Além disso, mesmo
com essa importância, vemos que essas idéias sofreram
177
resistências, tanto na Europa do capitalismo industrial
e questionado pelo movimento operário, assim como no
Brasil que lutava para se viabilizar no contexto da crise do
escravismo e na premência de instaurar o “trabalho livre”.
Frente a peculiaridades tão diversas e às vezes
opostas, acreditamos poder levantar algumas bases
para podermos defender a importância da categoria
trabalho na construção de um entendimento da história
da Educação Física no século XIX e início do XX que
dê conta de concatenar as distâncias e as proximidades
entre os discursos e as práticas educacionais, assim como
os debates em torno da questão da educação corpo.
Para isso, é preciso ter claro, então, que historio-
graficamente, a consideração descuidada da categoria
trabalho apresenta um resultado interessante: negar a
existência da relação entre corpo, educação e trabalho
na atualidade, implica assumir essa relação de maneira
simplista e linearmente na história, tal qual fazem
Castellani Filho (1988) Soares (1994) e Gleyse (1995),
quando enxergam paralelismos entre a fábrica e a escola.
Por outro lado, ao assumirmos a categoria trabalho
nas acepções de Marx (1994a) e Lukács (1979, 2004),
observamos que entre a fábrica e as práticas educacionais
178
sempre há relação, havendo a necessidade de se construir
mediações específicas de cada momento. Tendo por base
esse referencial, observamos que no século XIX e início
do XX, a relação entre corpo, trabalho e educação se
dava de forma importante, porém ricamente mediada
em que os discursos sobre o trabalho e sobre a educação
se interpenetram, se influenciam, mas, mesmo assim,
apresentam especificidades e às vezes oposições: o apelo
à moralização da Educação Física em um momento em
que o corpo era visto como “naturalmente” gerador de
energia e trabalho, bem como o fato da “inquestionável”
Educação Física sofrer oposições na Europa e ser “recusada”
pela sociedade brasileira, apesar da força e da coerência
de seus defensores. Com isso, a educação do corpo está
relacionada ao trabalho, sem querer isso dizer que ela
formava diretamente para as atividades produtivas: na
Europa, ela formava para a vida em sociedade em que o
trabalho humano é explorado para a produção de mais-
valia, sendo essa característica a base para entendermos
o fato das estruturas legais brasileiras contemplarem de
forma efetiva essa modalidade educativa somente a partir
da década de 30.

Concluindo e endossando as possibilidades para a 179


utilização da categoria trabalho para a história

da educação física

A complexificação do entendimento que se tem


da categoria trabalho é uma atitude fundamental para
fomentar mais estudos sobre a questão do corpo e da sua
educação, tanto na atualidade quanto na história. A falta de
um entendimento mais acurado sobre os relacionamentos
e as mediações entre as transformações nas formas de
trabalho e as discussões sobre a corporeidade, impede a
busca dessas relações na história, da mesma maneira que
a busca desse relacionamento na história, sem considerar
criticamente o papel do trabalho na construção da
sociedade e sua instrumentalização diferenciada em cada
modo de produção na história, inviabiliza que na atualidade
os estudos sobre o corpo vejam no trabalho um ponto
deflagrador de pesquisas e questionamentos.
Partindo, então, do entendimento que Marx
e Lukács apresentam sobre a dialética entre trabalho
concreto e trabalho abstrato, constatamos que esse
entendimento não está presente de forma ampla nos
analistas hodiernos do mundo do trabalho, que acabam
180
por decretar o “fim dos empregos”, o “adeus ao trabalho”
e o surgimento da “sociedade do conhecimento”,
em momento que o corpo, na análise de Gil (1997),
”tornou-se o significante despótico que resolverá tudo,
desde o declínio da cultura ocidental, até aos menores
conflitos intra-individuais” (p.14). Isso sem esquecer
a visão da corporeidade como algo a ser superado por
passar ela a ser vista como “demasiadamente real” para
a circulação virtual da informação (SIBÍLIA 2002).
As mesmas observações podem ser vistas quando
a relação entre corpo, trabalho e educação é estabelecida
na história. Por conta disso, nos debruçamos sobre esse
relacionamento no final do século XIX e início do XX
para verificar a necessidade de proceder de maneira a
conquistar um duplo objetivo: a) evidenciar que as relações
entre corpo, trabalho e educação possuem mediações
complexas no período em foco; e b) explicitar que essa
análise histórica só pode ser feita a partir do momento
em que um entendimento hodierno mais crítico das
transformações hodiernas do trabalho se dê.
Podemos defender que as relações entre corpo,
trabalho e educação no período analisado, apesar de 181
serem mais facilmente visualizadas se comparadas
com as da atualidade, não devem ser vistas de forma a
buscar um paralelismo entre questões concernentes ao
trabalho e à Educação Física. Rabinbach (1992) mostra
que o corpo assumiu uma importância central nos
debates sobre o trabalho entre as análises de Taylor e
dos cientistas Europeus. A mesma importância do corpo
e de sua educação podemos encontrar nas discussões
educacionais. Entretanto, se os estudiosos do trabalho
buscavam afastar as análises do trabalho das questões
morais, enxergando o corpo como human motor, passível
de ser “corretamente” explorado de forma a inviabilizar
qualquer conflito social, vimos, por outro lado, que os
debates educativos sobre o corpo sempre se justificaram
pelo “caráter educativo” das atividades.
O pensamento educacional sobre a educação
física, em nenhum dos autores analisados, concebeu
a Educação Física e suas atividades com objetivos
instrucionais, pragmáticos, voltados para a aplicação
direta ou ao trabalho, ou à guerra. Na realidade, eles
constatavam que era justamente a falta de necessidade
do envolvimento corporal para a manutenção da vida
182
cotidiana que clamava uma educação corporal, só
possível de nomeada de “educação”, pelo fato dela fazer
ecoar em todas dimensões dos educandos seus resultados
morais e intelectuais.
Rabinbach (1992) evidencia que a questão do
trabalho e da boa utilização do human motor passava
longe da exortação moral ao trabalho, sendo muito mais
um fruto do cálculo científico dos responsáveis pelo
planejamento das rotinas produtivas.
O interessante é que os rumos assumidos pelo
capitalismo abriram mão dessas análises e forneceram bases
para se pensar a educação e a educação corporal de forma
diferenciada: a eclosão da primeira guerra, mostrou que os
“cálculos científicos” não tinham muita utilidade desde que o
contingente de trabalhadores fosse grande, podendo serem
eles utilizados até o fim de suas forças. No Brasil, a vinda da
mão-de-obra imigrante (SCHELBAUER, 1998) fez com
que as idéias amplamente defendidas sobre a importância
da educação física fossem abandonadas. Azevedo (1915),
que atribuiu ao Renascimento, um despertar antecipado
em relação à educação física, teve que constatar que, pelo
menos no Brasil, a temática da Educação Física nas escolas,
183
voltaria a adormecer.
Com isso, esperamos evidenciar que as relações
entre corpo, educação e as transformações no mundo
do trabalho deve evitar tanto a negligência quanto as
abordagens que a analisam de forma simplificada. No
que diz respeito ao século XIX e às primeiras décadas do
XX, a conjugação de idéias semelhantes em contextos
diferentes, além do fato de se ter uma forma de trabalho
que estimula determinados posicionamentos teóricos para
negá-los na prática, mostra que as transformações no
mundo do trabalho podem se configurar em um campo
de análise historiográfica extremamente engrandecedora,
que poderia contribuir para a problematização, também,
dos limites com que essas transformações são analisadas na
atualidade.
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