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pensamento educacional:
apontamentos
Universidade Estadual do Centro-Oeste
Guarapuava - Irati - Paraná - Brasil
www.unicentro.br
Carlos Herold Junior
Ficha catalográfica
Catalogação na Publicação
Regiane de Souza Martins -CRB9/1372
Biblioteca Central Campus Guarapuava
Herold Junior, Carlos
H561e A educação física na história do pensamento
educacional: apontamentos / Carlos Herold Junior. – –
Guarapuava: UNICENTRO, 2008.
200 p.
Bibliografia
ISBN 978-85-7891-010-5
Ao analisarmos a história da Educação Física,
podemos ver que de forma freqüente os gregos são
tomados como ponto de partida. Isso é possível de ser
observado tanto no pensamento educacional moderno,
nos debates sobre a criação da disciplina escolar de
educação física no final do século XIX e início do século
XX, bem como na produção acadêmica hodierna sobre o
corpo e a educação.
Acompanhando o processo de desenvolvimento
da sociedade capitalista, percebemos que Rabelais,
Montaigne, Locke, Rousseau, todos eles, de uma
maneira ou de outra, utilizam os exemplos advindos
da Antigüidade, sobretudo a grega, para endossar a
necessidade de se defender a relevância de uma educação
do corpo que fosse considerada como a base de todo o
processo educativo. Resguardadas algumas diferenças
entre esses autores, principalmente, quando aceitam ou
refutam a rigidez espartana para com o cultivo da força e
das habilidades guerreiras, é unâmine o reconhecimento
30
do “equilíbrio” com que os gregos (principalmente
os atenienses) teriam educado os membros da sua
sociedade.
Verificando a questão no Brasil, no início do século
XX, notamos que Fernando de Azevedo (1915), em
sua Poesia do Corpo, também recorre de forma constante
à história da Antigüidade para verificar a urgência
de se entabular a Gimnástica Racional. Mesmo com o
autor fazendo uma abrangente retomada histórica que
abarca também a Índia e a China, é na Grécia que ele
vai se espelhar e mostrar o que poderia fazer a atenção à
educação corporal na escola.
Nas obras de Marrou (1975) e Jaeger (1995), a
profundidade com que analisam a educação na Grécia
condiciona a existência de capítulos específicos e de
referências espalhadas em toda obra sobre a relevância
do corpo e da sua educação para o entendimento desse
período da história educacional. Braustein e Pépin (1999),
ao analisarem O lugar do corpo na cultura ocidental, dedicam
um longo capítulo, perfazendo quase um terço da obra,
para a reflexão sobre a questão no pensamento grego.
O mesmo acontece com manuais, tais como os 31
de Cambi (1999) e Manacorda (2006), que sinalizam
como uma das especificidades da educação grega e um
dos traços que a manteria como de grande valor para as
análises contemporâneas, o fato de ela ter se detido de
forma meticulosa sobre a Educação Física.
Como resultado, observamos que, na produção
acadêmica sobre a educação física, na atualidade, há uma
quantidade importante de estudos que objetivam estudar
os gregos e sua educação corporal. Em um levantamento
preliminar, as dissertações de Da Mata (2000) e de Gnecco
(1999) trazem colaborações extremamente relevantes para
o aprofundamento dos estudos históricos sobre a Educação
Física. Em uma coletânea intitulada Corpo e História, Silva
(2001) e Carvalho (2001) dedicam-se a tematizar o corpo
“para os gregos, pelos gregos [...]” (CARVALHO, 2001,
p.163). Essa autora justifica essa intenção afirmando que
“Poucos, nas últimas décadas, e em particular na área de
Educação Física, foram formados lendo e usufruindo os
clássicos” (p.164). Se essa afirmação não pode ser negada,
não podemos esquecer, entretanto, que justamente essa
advertência endossa o fato de os gregos permearem uma
parte não negligenciável da reflexão sobre a educação
32
física. O chamado de Carvalho (2001) explicita isso.
É, a partir dessa constatação, que pretendemos
colaborar com esse importante conjunto de análises,
endossando alguns posicionamentos com textos
normalmente deixados de lado pelos analistas da
Educação Física, assim como lançar as bases para que
algumas idéias sobre a educação física dos gregos e sua
apropriação pela modernidade e contemporaneidade
sejam problematizados. Para isso, fazendo dialogar autores
e textos escritos nos diferentes períodos da história grega
com estudiosos na área de história e filosofia da educação,
objetivamos reconstruir o processo pelo qual o pensamento
educacional grego focaliza o corpo pedagogicamente, em
consonância com as transformações históricas vivenciadas
por aqueles que pensaram a sociedade, o homem e sua
educação no interior de transformações históricas que
culminaram com construção da sociedade grega clássica.
Ao utilizarmos em um mesmo texto as obras
de Homero, Hesíodo, dos poetas Líricos Gregos, de
Aristófanes e Platão, reconhecemos o amplo recorte
temporal. Essa opção, entretanto, justificamos pela
especificidade que será buscada nesses autores: as diferen-
33
tes formas como o corpo e sua educação foram concebidos
nos diferentes momentos históricos da sociedade grega.
Apontamentos Finais
revolução
triunfo do capital
Apontamentos Finais
O trajeto de construção do capitalismo encontra
no contexto revolucionário francês o momento no
qual o pensamento liberal sobre educação cogita suas
preocupações como sendo contempladas pelo Estado a
toda sociedade.
Se em nenhum momento a validade da educação
física fora questionada, o mesmo não se pode dizer sobre
a validade de sua abrangência e sobre os responsáveis
sobre a sua execução. Rousseau, seguindo os exemplos
dados por Locke, é um exemplo claro do tempo em
82
que pensamento pedagógico moderno praticamente
desconsidera a validade desta modalidade estendida
universalmente. Para o pensador genebrino, a miséria
aproximava os homens da natureza, dispensando estes (e
os demais) de se preocuparem com a Educação Física.
Por outro lado, quando se tratou se consolidar
os rumos tomados pela revolução e evitar retrocessos,
os debates franceses sobre a educação e educação física
reconsideram essa idéia, pois a consolidação dos ideais
revolucionários passava pela necessidade de educar
o “novo homem” (BOTO, 1996), formando o novo
“corpo social”, educando, também corporalmente, cada
indivíduo.
As incertezas quanto aos caminhos a serem
trilhados pela sociedade fez com que os homens
chamassem para o Estado a responsabilidade de educar
o homem, conformando-o com os novos tempos, que
marchariam tendo como acicate o interesse individual.
Essas dúvidas foram as responsáveis por essa oscilação do
privado ao público no pensamento educacional moderno,
especificamente no que diz respeito à educação física. Sem
esquecer que essa “oscilação” sempre esteve caracterizada
83
pelos limites da época, expressa na consideração de que
o Estado deveria estar atento ao fato de que muitas
famílias dependiam das potencialidades corporais infantis
concretizadas e “desenvolvidas” na produção e não em
uma educação física sistematizada.
Com a vitória da burguesia, porém, os homens que
debateram a educação no período pós-revolucionário, já
certos sobre os rumos sociais a serem trilhados, puderam
seguramente rechaçar qualquer intervenção pública na
esfera educativa, deixando, entre outras coisas, a educação
física como preocupação educativa justa, porém a ser
realizada segundo as condições individuais. Constant
mostra isso de forma explícita quando trata de evidenciar
a diferença entre a liberdade dos antigos e dos modernos.
Para ele, a interferência do poder público em um assunto
tão privado, tal qual a educação (e neste caso a educação
física), seria um equívoco.
Há que se observar que a perspectiva de que a luta
travada pela burguesia havia sido encerrada e vencida
e que, dali em diante, era só acreditar no progresso
social oriundo do livre desenvolvimento das forças
individuais, começa a ser revista a partir do momento
84
que a primeira grande crise de superprodução capitalista
se instaura na Europa, com graves conseqüências sociais
e políticas. A organização do movimento operário e as
primeiras irrupções revolucionárias da classe trabalhadora
mostravam à burguesia que um novo processo de luta
estava começando. As idéias sobre a educação do corpo,
sugeridas no processo de luta pela ascensão e consolidação
da sociedade burguesa, são elucidativas dos novos
preceitos a elas incorporados, tendo em vista o processo
revolucionário que se abria e que possibilitou a criação
da escola pública de ensino obrigatório e as bases sobre
as quais foi criada, no interior dessa escola, a disciplina
Educação Física.
A Educação Física e os
sistemas nacionais de
ensino
O século XIX para a história da educação é de
extrema relevância. Afinal, é nele que os ideais educativos
debatidos no interior da Revolução Francesa são
efetivados nos sistemas nacionais de ensino. Obviamente,
concatenados com os novos desafios enfrentados pela
sociedade, sobretudo após 1848, esses ideais e a sua
concretização fizeram com que o pensamento pedagógico
passasse por reestruturações importantes para que fossem
atendidas às diretrizes postas pelo debate mais amplo.
Neste capítulo, em particular, dessas alterações no
pensamento pedagógico ocorridos nesse momento, as
questões relativas à educação física serão focalizadas.
A delimitação desse foco, contudo, não deve
secundarizar o fato de que o debate levado a cabo em
torno da criação da escola pública, assim como a expansão
das forças produtivas do capitalismo, foram fenômenos
que se estenderam pelo mundo. Aliás, tem-se como
pressuposto que é a resolução das contradições entre o
modo e as relações sociais de produção que relacionam,
88
e relacionaram no século XIX, as especificidades das
transformações culturais, sociais, econômicas e políticas
da sociedade brasileira, com os desafios enfrentados pelo
contexto europeu, principalmente aqueles que diziam
respeito aos limites do capital.
Tendo isso por base, verifica-se, também, que
“O século XIX é particularmente importante para o
entendimento da Educação Física [...]” (1994, p.9), afirma
Carmen Soares em Educação Física - raízes européias e Brasil.
Aliás, é tendo como pressuposto o imbricamento de ambos
os contextos que a obra acima constrói uma análise sobre a
história da Educação Física no século XIX, preocupando-
se com as “raízes européias” da disciplina no Brasil. Para
alcançar tal intento, a autora busca entender como o conjunto
de transformações da sociedade européia culminou em um
forte processo de higienização, determinando a influência do
pensamento médico sobre as questões relativas à educação
e ao controle do corpo. Elenca, para isso, as influências
das ciências biológicas e naturais no entendimento da
corporeidade humana de forma “desenraizada” da história,
o que, por sua vez, fez com que essa modalidade educativa,
concebida no sentido mais amplo, atendesse a interesses
89
estranhos à vontade de se construir uma sociedade mais
justa e efetivamente democrática.
Esses esclarecimentos são importantes à medida
que oferecem bases para diferenciar este trabalho das
relevantes análises desenvolvidas por Soares (1994).
Objetivando fazer um estudo comparativo entre o
pensamento educacional europeu e brasileiro no século
XIX, abarcando as questões referentes à Educação Física
no período de 1870 a 1915, este trabalho não busca
as “raízes” da disciplina no Brasil naquele pensamento,
mas sim analisa o fato de pensamentos pedagógicos
semelhantes defenderem questões afins servindo a
contextos particulares, porém intimamente relacionados.
Além disso, focalizará somente as questões pertinentes ao
esforço para se pensar a “pedagogização” das atividades
físicas, verificado no embate feito por professores e
políticos para se mostrar a viabilidade de se trabalhar
com a educação do corpo na nascente escola pública.
As questões referentes à educação do corpo que tiveram
lugar no bojo social, paralelas ao contexto escolar, não
serão desenvolvidas por se acreditar que elas já foram
tematizadas pela obra de Soares (1994). A preocupação
em se dirigir a análise para a questão especificamente
90
escolar também contempla uma questão que não está
totalmente ausente da referida obra, porém não é o seu
escopo, possibilitando, dessa maneira, um importante
espaço de análise que este capítulo pretende colaborar
no seu desenvolvimento.
Para tanto, ele será dividido em três momentos:
no primeiro, o pensamento europeu sobre a inclusão da
Educação Física na escola pública será mostrado em seu
esforço de justificar a importância dessa disciplina para
a efetivação das ambições educativas da própria escola
pública; no segundo momento, a mesma análise será
feita no contexto brasileiro. Esses dois momentos serão
realizados tendo por base obras escritas no período por
professores e interessados na criação da disciplina escolar
de educação física; nas considerações finais, a unidade
histórica do processo será refeita objetivando mostrar
as formas como a concatenação entre o pensamento
europeu e brasileiro, sobre a necessidade de se colocar
a educação física na escola pública, em seus sucessos
e fracassos, só podem ser explicados à luz do processo
mundializador das contradições do capital.
No levantamento feito, não foi possível detectar a data correta da publicação
deste autor. Entretanto, dada freqüência com que esse autor citado pelos
seus contemporâneos, pode-se, com certeza, elencá-lo como formulador do
pensamento sobre a educação física no final do século XIX e início do XX.
renascentistas: educar o corpo e a alma. A diferença, no
entanto, se mostra na elevação dessa unidade entre corpo
e alma para além do temido e amoral intelectualismo e
dos exercícios corporais “materialistas” e individualistas,
baseados no atletismo gratuito.
98
Também Marx (1994a), ao analisar a legislação fabril
inglesa, chama atenção para a importância das atividades
corporais numa concepção de educação que comungasse
com os interesses da classe operária. Marx, no momento
em que estudava as idéias de Owen, afirma que “brotou
o germe da educação do futuro que conjugará o trabalho
produtivo de todos os meninos além de uma certa idade
com o ensino e a ginástica [...]” (1994, p.554) Para
Marx, as reivindicações da classe operária, que deveriam
culminar no internacionalismo revolucionário, não
podiam negligenciar esse ponto da pauta educativa.
Dessa maneira, resguardadas algumas diferenças
entre os autores analisados, pode-se observar que o mote
central do debate sobre a educação física no século XIX
na Europa é o fato de se buscar as bases educativas dessas
práticas, para que, então, já com caráter de disciplina escolar
oferecida a todos, ela pudesse influir na dissolução da crise
social: de forma conservadora ao enquadrar-se nos limites do
pensamento educacional liberal, mas também colaborando
com a subversão das relações sociais capitalistas, tal qual as
propostas de Marx ao colocar a educação física no bojo das
reivindicações educacionais do operariado. É essa discussão
99
que fundamenta as diferentes opções metodológicas com
as quais a Educação Física se materializaria no interior da
escola pública européia.
Para uma análise do caráter de funambulismo das atividades físicas, lamentando
a perda deste caráter pelas preconizadas idéias sobre a Educação Física, ver
BRUHNS, H. T. O corpo parceiro e o corpo adversário. Campinas: Papirus, 1993.
vibratil e poderosa se justaponha a uma compleição
inteiriça e resistente feita para as rudes batidas do
deserto: ou apparelhadas para as diuturnas lucubrações
do cerebro e embates repetidos da lucta pela vida?”
(1915, p.78) (Grafia original)
102
De acordo com Azevedo (1915), todos,
independentemente de classe social, devem ser educados
fisicamente. Se no seio da sociedade imperial houve
iniciativas na institucionalização da educação física,
grande parte delas comungou com uma instrução
física que não ia ao encontro das novas necessidades.
No novo projeto de sociedade, baseado nas trocas, nas
relações de competição de quem produz e vende mais,
deveria-se buscar uma educação pelo esforço, pela fadiga
enquanto meio educativo e não desvirtualizador da moral
ou da valorização de sentimentos egoístas prejudiciais ao
“engrandecimento social”: “Deve-se educar o esforço mas
não pelo esforço.” (1915, p.51)
A educação física sem a educação moral, segundo
Azevedo (1915), era interpretada como erro imperdoável.
Primando pelo “engrossamento do músculo” e relegando o
desenvolvimento moral para as “considerações cerebrinas”
da pedagogia, a “velha educação física” representava o
próprio atraso do Brasil.
Esse atraso, também, era reputado ao exército, que
era considerado o foco de maior resistência aos “progressos
da pedagogia moderna”. Responsável pela aplicação de 103
exercícios físicos voltados para o mero desenvolvimento
muscular em suas escolas, essa instituição foi uma das
principais propagadoras dessas formas de atividades
na sociedade brasileira. Esses exercícios, sem nenhum
compromisso educativo com a “integralidade” do
homem, deveriam ser esquecidos em nome de outros, que
respeitassem o indivíduo, que o educassem integralmente,
que fossem racionais, científicos e que aproximassem
a educação física da educação moral. A pedagogia do
exército, segundo Azevedo (1915), era contrária à nova
pedagogia. Trinta anos antes, Rui Barbosa, que rechaçara
a crítica ao “materialismo” das idéias educacionais, dava
aos exercícios militares um sentido diferente. No lugar
de formar contingentes para o combate bélico, dava-
lhes um caráter formativo mais amplo de civismo. A
nova pedagogia, ao lançar mão dos exercícios militares,
tinha em vista a formação cívica, mas não desprezava
a atmosfera belicosa que reinava entre as nações de
expansão imperialista e que obrigava as demais a uma
atitude defensiva.
Por outro lado, os apelos à “nova educação
física”, fartos e qualitativamente embasados no que
havia de mais “moderno” no período em questão, não
104
encontrou a ressonância necessária no cotidiano escolar.
A forma como Rui Barbosa entregou-se ao debate,
fundamentando-se em um minucioso estudo das
legislações européias, fez com que ele defendesse suas
idéias como um vencedor inevitável:
Apontamentos Finais
As reflexões dos autores serão citadas com o número da página do texto de cada
autor e serão referenciadas como nome do autor apud ACTAS. A localização
dos autores nas Atas e Pareceres do Congresso de Instrução do Rio de Janeiro
(1884) não apresenta qualquer problema. O material utilizado para a pesquisa
encontra-se micro-filmado na Pós-graduação em Educação da Universidade
Estadual de Maringá.
2 - Corpo e educação nos pareceres do Congresso
de Instrução
Além da defesa da educação física da criança e da mulher, também encontramos
nos pareceres reflexões sobre a educação física do cego. Um dos pareceristas que o
faz é Feliciano Pinheiro de Bittencourt, ao afirmar que “Assim pois, si a educação
moral e intellectual devem merecer todo o cuidado todo o zelo, não seja desprezada
a educação physica do cego, que traz como consequencia a transformação do seu
organismo e o melhoramento da sua saude” ( apud ACTAS, 1884, p.4).
de suas crianças. Interessante notar que neste processo de
discussão, o autor leva a questão educativa até as últimas
conseqüências, estendendo-a a todas instâncias sociais,
partindo da escola, para chegar a sociedade e vice-versa.
Afirma Cunha, quanto à educação das mulheres:
142
É da mulher brazileira, ó meus compatriotas, que
ha de provir ou a nossa força ou a nossa eterna
fraqueza. Para oppôr uma barrera a esta, só ha o meio
da educação da mulher infante; organizemos, pois,
quanto antes, o programma de educacão e exijamos o
estricto cumprimento delas. (CUNHA apud ACTAS,
1884, p.18)
Apontamentos Finais
150
Corpo, Educação
Física e o trabalho no
capitalismo industrial
(1860-1920)
O esforço de se estabelecer as mediações entre as
transformações no mundo do trabalho e as instituições e
práticas educativas na história deve considerar o fato de
que a categoria trabalho, nos últimos anos, vem sofrendo as
mais variadas críticas quanto ao seu potencial heurístico.
Os teóricos defensores do “fim do trabalho”
e, conseqüentemente, de sua não-centralidade veem
sua utilização nas diferentes áreas do conhecimento
como um resquício de procedimentos ultrapassados,
economicistas e teleológicos. Conseqüentemente, as
práticas culturais, sociais, artísticas, bem como o campo
das idéias, passam a ser estudados desenraizados de
qualquer forma de objetividade, sendo assumidos como
construções discursivas, passíveis de serem construídas
e desconstruídas pela infinita capacidade de leitura do
“texto social”.
Nas mais variadas áreas do conhecimento, esse
fenômeno tem sua presença marcante, passível de ser visto
pelo surgimento de “novos” procedimentos metodológicos e
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de objetos de estudo. Observamos que um dos tópicos que
começam a ser discutidos fortemente a partir das décadas
de 80 e 90, no esteio do debate metodológico acima, é
a questão do corpo e da sua educação. Na sociologia,
na antropologia, na filosofia e na história multiplicam-
se estudos sobre essa temática. Eagleton (1993) diz
que os estudos do corpo combinam com a desconfiança
pós-moderna em relação às metanarrativas, resultando
disso um apego à subjetividade e às idiossincrasias.
O interessante é observar que, ao mesmo tempo
em que o corpo é absorvido como temática recorrente nas
mais variadas áreas, há no interior do mesmo processo e
das mesmas concepções um conjunto de idéias, atinadas
às apologias da “sociedade do conhecimento” que veem
na materialidade corporal o grande empecilho para a
circulação da informação e da inteligência. O corpo, nesse
sentido, dissolver-se-ia ou em bits ou em genes.
Disso tudo, um dos resultados constatáveis é
que a questão da corporeidade e da educação deixam de
ser estudadas pelas mudanças no mundo do trabalho,
vistas demasiadamente distantes uma da outra, ou como
desnecessárias em um momento em que o trabalho teria
155
se tornado inteligente, e o corpo ou uma dificuldade
frente à virtualidade e à velocidade da informação, ou
um assunto a ser estudado somente nas dimensões da
cultura, da arte e da psicologia. O número de limites
dessas afirmações deve colocar para os interessados nas
questões do corpo, da educação e do trabalho, condições
para que essa relação seja problematizada, evidenciando
o potencial explicativo mútuo que o corpo, educação e
trabalho possuem entre si, dissipando as análises que
ideologicamente enxergam nos atuais reordenamentos
do capital um processo de humanização do capital.
Não negamos que na atualidade a pesquisa da
relação entre corpo, trabalho e educação adquire nuances
e características que dificultam sua apreensão crítica e
cuidadosa. Entretanto, é justamente essa dificuldade
que evidencia que essas relações são prementes de serem
abordadas, importância esta justificada, inclusive, pela
sua visibilidade menor, se comparada a outros momentos
da história.
Neste capítulo, queremos chamar a atenção para
essa importância do trabalho oferecendo um anteparo
analítico à questão, que surge na atualidade pelos
156
detratores dos estudos sobre as transformações nas
práticas produtivas e do numeroso grupo de apologetas da
“sociedade do conhecimento” de um lado, e de estudiosos
que veem no corpo o referencial para se compreender
as questões que afligem a sociedade e a construção de
subjetividades, de outro. Com isso, o objetivo deste estudo
é analisar a relação entre corpo, trabalho e educação no
limiar entre o século XIX e XX, levantando possibilidades
e advertências sobre as mediações existentes entre as
transformações no capitalismo e as questões debatidas
na esfera educativa concernentes à educação corporal e à
educação física.
Para tanto, dividiremos o capítulo em três partes:
na primeira exporemos os cuidados no trato com a
categoria trabalho que a possibilita ser utilizada como
uma ferramenta para os estudos históricos sobre a relação
entre corpo, trabalho e educação. Na segunda parte,
verificaremos como as temáticas do corpo e trabalho se
relacionam nas últimas décadas do século XIX e nas
primeiras do século XX; na terceira, tendo por base as
análises precedentes, mostraremos a viabilidade e os
cuidados da utilização das transformações do mundo
do trabalho para estudar as questões concernentes
157
à Educação Física, enfatizando as proximidades, os
distanciamentos e as mediações necessárias entre as crises
e reordenamentos do modo de produção capitalista e as
idéias educacionais sobre a educação física, enfatizando
a necessidade se evitar tanto uma análise mecânica e
economicista, bem como contornar as tão recorrentes
análises que enxergam as práticas educacionais como
desenraizadas das transformações nas práticas produtivas
e das discussões sobre o mundo do trabalho. Para isso,
utilizaremos obras que, redigidas no momento em estudo,
pensaram a Educação Física no interior das problemáticas
que afligiram o contexto em que foram produzidas.
corporeidade
da educação física
Projeto Gráfico
Diagramação Editora UNICENTRO
Editoração
Formato 130mmX190mm
Mancha 90mmX140mm
Impressão
Gráfica UNICENTRO
Acabamento