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1.

INTRODUÇÃO

Segundo a Organização Mundial da Saúde (2017), o transtorno do espectro


autista (TEA) engloba uma série de condições caracterizadas por algum nível de
comprometimento no comportamento social, na comunicação e na linguagem, e por
uma gama estreita de interesses e atividades que são únicas para o indivíduo e
realizadas de forma repetitiva. Em dados de 2017, uma a cada 160 crianças no
mundo são portadoras de alguma condição que se enquadra no espectro autista.
Geralmente, as alterações no desenvolvimento se iniciam na infância e persistem na
adolescência e na fase adulta. Embora algumas pessoas com TEA evoluam rumo a
uma vida independente, outras têm graves incapacidades e limitações que requerem
cuidados e apoio ao longo de toda vida.
A Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS/OMS), afirma que a
necessidade destes indivíduos por tratamentos comportamentais, programas de
treinamento de habilidades para os pais e cuidadores entre outros métodos
psicossociais podem minimizar as dificuldades de comunicação e comportamento
social, e terem impacto positivo no bem-estar e qualidade de vida das pessoas com
TEA e seus cuidadores. Tais intervenções precisam ser acompanhadas por ações
mais amplas, tornando ambientes físicos, sociais e atitudinais mais acessíveis,
inclusivos e de apoio. ´
É notório em todo mundo que estas pessoas, seus familiares e cuidadores
estão frequentemente sujeitos à estigmatização, discriminação e violações de
direitos humanos, além de terem o acesso aos serviços e apoio inadequado. Cabe
ressaltar que portadores de TEA normalmente apresentam comorbidades como
epilepsia, depressão, ansiedade e transtorno de déficit de atenção e hiperatividade
(TDAH) e seu nível de funcionamento intelectual é extremamente variável, desde um
comprometimento profundo até altos níveis de funcionalidade.
A Carta dos direitos para as pessoas com autismo apresentada no 4º
Congresso Autism-Europe em Haia no dia 10 de maio de 1992 foi uma das principais
molas propulsoras para o engajamento da luta por garantias aos portadores de TEA
no mundo. No Brasil vale destacar a luta do pai Nilton Salvador, um dos precursores
na divulgação do autismo através de livros, artigos e palestras, e Paiva Jr, editor da
Revista Autismo, primeira revista em língua portuguesa sobre TEA (CAMINHA et al,
2016).
Nos últimos anos, a luta pela conscientização sobre os direitos da pessoa
portadora de um dos transtornos do espectro autista (TEA) ganhou mais visibilidade
o que culminou em muitas mudanças sociais, políticas e jurídicas. No ordenamento
jurídico brasileiro, os portadores de TEA já possuem direitos e garantias previstos
pela Lei 12.764, de 27 de dezembro de 2012. O que, infelizmente, não significa que
as pessoas com TEA estejam sendo atendidas adequadamente por políticas
públicas (e ou ações) efetivas.
A luta por esta regulamentação se baseou no fato de que as necessidades
específicas essenciais para o exercício pleno de seus direitos e garantias
constitucionais estavam sendo negadas ou ameaçadas em razão da falta de
informação sobre o assunto e de infraestrutura de modo geral. Neste contexto,
familiares destes portadores são obrigados a conviver com sérios problemas,
limitações e impedimentos devido a condição de suas crianças e/ou jovens pois o
portador de TEA por diversas vezes é “confundido” com indivíduo neurotípico (dito
normal) ou até mesmo equiparado com portadores de esquizofrenia ou outro
distúrbio psiquiátrico (CAMINHA et al, 2016).
A operacionalidade é um dos aspectos mais importante para efetivação dos
direitos e garantias fundamentais aos portadores de TEA e este quesito só se
materializa através de ações que permitam seu tratamento adequado como medidas
governamentais eficazes no suporte das dificuldades psicológicas, nutricionais,
físico-temporais, escolares, entre outros que assegurem qualidade de vida aos
mesmos e seus familiares, além de respeito às suas necessidades em locais
públicos.
O objetivo deste estudo é investigar os reflexos da Política Nacional de
Proteção dos Direitos da Pessoa com TEA no tocante a criação de políticas públicas
(e ou ações) efetivas para a garantia dos direitos previstos pela Lei 12.764/2012 e,
apontar as ineficácias operacionais no ordenamento jurídico brasileiro perante a
insuficiência de políticas especializados para auxiliar o tratamento do autista.
2. TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA

2.1. Breve histórico

A associação Autismo e Realidade, formada em 2010 como uma associação


de pais e profissionais de saúde, nasceu com o propósito de difundir conhecimento
sobre os Transtornos do Espectro Autista (TEA) e combater preconceitos e auxiliar
na orientação de familiares, professores e cuidadores. Em 2015 foi incorporado à
Fundação José Luiz Egydio Setúbal, passando a fazer parte da estrutura do Instituto
PENSI, responsável por desenvolver programas de ensino e pesquisa em saúde
infantil (A&R, 2020). Esta associação mantém em sua página oficial um registro fiel
sobre os principais marcos históricos sobre o assunto dos TEA e foi utilizado como
base para construção da linha histórica que se segue.
O termo autismo foi concebido em 1908 pelo psiquiatra suíço Eugen Bleuler
com a intenção de pontuar o fenômeno de fuga da realidade relatada em pacientes
esquizofrênicos.
Em 1943, o psiquiatra Leo Kanner publicou a obra “Distúrbios Autísticos do
Contato Afetivo”, onde dissertou sobre 11 casos de crianças com “um isolamento
extremo desde o início da vida e um desejo obsessivo pela preservação das
mesmices”. Nesta obra foi feita a primeira veiculação do termo “autismo infantil
precoce”, cujos os sintomas já poderiam ser observados na primeira infância, e
incluíam maneirismos motores e formas não usuais na comunicação, como a
inversão de pronomes e ecolalia.
Em 1944, Hans Asperger destacou que esta condição ocorria
preferencialmente em meninos, e envolviam sintomas como falta de empatia, baixa
capacidade de fazer amizades, conversação unilateral, foco intenso e movimentos
descoordenados. Durante os anos 1950, houve muita divergência e discussão
acerca da natureza do autismo, e se popularizou a crença de que seria causado por
pais emocionalmente distantes, a hipótese da “mãe geladeira”, criada por Leo
Kanner.
Em 1952, a Associação Americana de Psiquiatria (APA) publicou a primeira
edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Doenças Mentais DSM-1, referência
mundial para pesquisadores e clínicos do segmento que contém as nomenclaturas e
os critérios diagnósticos dos transtornos mentais identificados. Nesta edição, o
autismo era incluído no subgrupo da esquizofrenia infantil.
Nos anos 1960, surgiram evidências de que o autismo seria um transtorno
cerebral presente desde a infância e que sua incidência não sofria impactos
associado a barreiras territoriais, questões socioeconômicas ou étnico-raciais, todos
estariam igualmente sujeitos.
Em 1965, Temple Grandin, diagnosticada com autismo, criou a “Máquina do
Abraço”, aparelho que simulava um abraço e acalmava pessoas com autismo. Sua
história emocionou e espantou o mundo. Ela se desenvolveu para uma vida
altamente funcional, sendo reconhecida como a mais bem-sucedida e célebre
profissional norte-americana com autismo. Suas conquistas apontaram para a
importância de desenvolver as potencialidades das crianças com autismo para uma
vida plena.
Em 1978, o psiquiatra Michael Rutter classificou o autismo como um distúrbio
do desenvolvimento cognitivo. Sua definição era baseada em quatro critérios: atraso
e desvio sociais; problemas de comunicação; comportamentos incomuns, como
movimentos estereotipados e maneirismos; e início antes dos 30 meses de idade.
Sua contribuição revolucionou a compreensão sobre o assunto.
Em 1980, a elaboração do DSM-3 foi motivada pela definição inovadora de
Michael Rutter e a profusão de pesquisas científicas sobre o autismo. Nesta edição,
o autismo foi reconhecido pela primeira vez como uma condição específica e
recebeu uma classificação própria, a dos Transtornos Invasivos do Desenvolvimento
(TID). Este termo refletia a multiplicidade de áreas do cérebro afetadas pelo autismo
e suas condições correlacionadas.
Em 1981, a psiquiatra Lorna Wing relacionou o conceito de autismo a um
espectro e cunhou o termo Síndrome de Asperger, em referência à Hans Asperger.
Seu trabalho fou um marco no tratamento do autismo e teve influência mundial.
Como pesquisadora e clínica, bem como mãe de uma criança autista, defendeu
melhores condições de vida e serviços para indivíduos com TEA e suas famílias.
Fundou a National Autistic Society, juntamente com Judith Gold, e o Centro Lorna
Wing.
Em 1988, o psicólogo Ivar Lovaas publicou um estudo sobre a análise do
comportamento e demonstrou os benefícios da terapia comportamental intensiva
com dezenove crianças autistas entre 4 e 5 anos que foram submetidas a 40 horas
de atendimento e, após dois anos, apresentaram aumento do QI médio em 20
pontos. Durante os anos seguintes a terapia comportamental e os ambientes de
aprendizagem controlados foram os principais tratamentos para o autismo e
condições relacionadas.
Todos estes conhecimentos e avanças nas pesquisas sobre o autismo foram
cruciais mais motivar familiares e amigos a se posicionarem de modo a informar e
dar visibilidade a questão da pessoa com autismo e pressionarem os governos a
tomarem medidas que garantissem melhores condições de vida e saúde passa estes
cidadãos. A partir deste movimento coletivo, vários acontecimentos vão culminar na
situação de proteção jurídico atual.
Em 1992, é apresentada no 4º Congresso Autism-Europe a “Carta para as
Pessoas com Autismo” um marco na luta pelos direitos da pessoa autista. A carta
preconizava que
“ As pessoas com autismo devem poder partilhar dos mesmos direitos e
privilégios de toda a população europeia na medida das suas possibilidades
e tomando em consideração os seus melhores interesses. Estes direitos
devem ser realçados, protegidos e postos em vigor por uma legislação
apropriada em cada estado. As declarações das Nações Unidas sobre os
Direitos do Deficiente Mental (1971) e sobre os Direitos das Pessoas
Deficientes (1975) tal como outras declarações relevantes sobre os Direitos
do Homem devem ser tomadas em consideração e, em particular, no que
diz respeito às pessoas com autismo [...]”

A esta introdução se seguia uma lista dos direitos que deveriam ser
assegurados à pessoa autista. Esta carta foi adoptada sob forma de Declaração
escrita pelo Parlamento Europeu em 9 de Maio de 1996.
Em 2007, a ONU instituiu o dia 2 de abril como o Dia Mundial da
Conscientização do Autismo com a intenção de trazer à tona a relevância da questão
do autismo e promover a divulgação para comunidade em geral de informações
sobre o transtorno, que afeta cerca de 70 milhões de pessoas em todo o mundo,
segundo a OMS. Em 2018, esta data entrou no calendário oficial brasileiro como Dia
Nacional de Conscientização sobre o Autismo.
Em 2012, é promulgada a Lei Berenice Piana (12.764/12), que instituiu a
Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro
Autista. Este marco legal prevê a garantia de acesso a diagnóstico precoce,
tratamento, terapias e medicamento pelo Sistema Único de Saúde; à educação e à
proteção social; ao trabalho e a serviços que propiciem a igualdade de
oportunidades aos portadores de TEA.
Em 2013, O DSM-5 englobou todas as subcategorias do autismo em um
único diagnóstico: o Transtorno do Espectro Autista (TEA) com diferentes níveis de
gravidade. Em 2014, o maior estudo já realizado sobre as causas do autismo revelou
que os fatores ambientais, como as condições do parto, infecções sofridas pela mãe
e o uso de drogas antes e durante a gravidez, são tão importantes quanto a genética
para o desenvolvimento do transtorno.
Em 2015, a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (13.145/15)
criou o Estatuto da Pessoa com Deficiência, que ampliou a proteção aos portadores
de TEA ao enquadrá-los à classificação de pessoa com deficiência como “aquela
que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou
sensorial”. O Estatuto é um símbolo importante na defesa da igualdade de direitos
dos deficientes, do combate à discriminação e da regulamentação da acessibilidade
e do atendimento prioritário (A&R, 2020).

2.2 - Conceito

O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5) (APA,


2014), designa o TEA como um transtorno do neurodesenvolvimento segundo a
descrição:
“O transtorno do espectro autista caracteriza-se por déficits persistentes na
comunicação social e na interação social em múltiplos contextos, incluindo
déficits na reciprocidade social, em comportamentos não verbais de
comunicação usados para interação social e em habilidades para
desenvolver, manter e compreender relacionamentos. Além dos déficits na
comunicação social, o diagnóstico do transtorno do espectro autista requer
a presença de padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses
ou atividades.” (APA, 2014, p. 31).

Os desvios na interação e comunicação social são entendidos como


dificuldades e/ou impedimentos da função comunicativa. Os prejuízos da interação e
comunicação social se caracterizam qualitativamente como dificuldades em: em
iniciar e/ou manter diálogo com os pares e compartilhar interesses; expressar
comportamentos não-verbais como contato visual, expressão facial e gestuais;
dificuldade em ajustar seu comportamento a contextos sociais diversos; manifestar
reciprocidade social ou emocional; em compreender brincadeira simbólica e
abstração (APA, 2014).
Os desvios motores de comportamento são definidos por: uso de objetos ou
fala repetitiva; insistência e apego a padrões, interesses peculiares; inflexibilidade
persistente à quebra de rotina e/ou rituais; estereotipias motoras; hiper ou
hiporreatividade a estímulos sensoriais. Todas ou algumas destas características
devem aparecer precocemente ao desenvolvimento da criança.
Não sendo um transtorno degenerativo, é comum que a aprendizagem e as
compensações individuais permaneçam ao longo da vida. Os sintomas são mais
evidentes na primeira infância e nos primeiros anos da vida escolar, onde costuma
ocorrer o diagnóstico. Já foi comprovado que as limitações e dificuldades podem ser
amenizadas através de intervenção terapêutica ou compensação pessoal, entretanto
não existem evidência que possam ser revertidas e geralmente permanecem em
algum nível ainda suficiente para causar prejuízos em áreas importantes na vida do
indivíduo. Ainda de acordo com o DSM-5, o TEA apresenta-se em três níveis de
gravidade, conforme o Quadro 1.

Quadro 1: Níveis de gravidade do Transtorno do Espectro Autista

Nível 2 Nível 3
Nível 1
(requer apoio (requer apoio muito
(requer apoio)
substancial) substancial)
Déficit grave na
Déficit na comunicação Déficit grave na comunicação
comunicação verbal e não
social, prejuízos nas verbal e não verbal, prejuízos
verbal, prejuízos notáveis e
interações; baixo interesse graves e grandes limitações
limitações de interações
por interações sociais de interações sociais
sociais
Comportamento inflexível;
Comportamento inflexível;
Comportamento inflexível, extrema dificuldade com
dificuldade com mudanças;
dificuldade de troca de mudanças; comportamentos
comportamentos restritos
atividade, dificuldades na restritos e/ou repetitivos;
e/ou repetitivos; interferência
independência acentuada interferência no
na funcionalidade
funcionalidade
Fonte: Adaptado APA (2014, p.52)

Conhecer o transtorno, entender que faz parte um amplo espectro de


características e que pode se apresentar em diferentes níveis é de grande relevância
para o agente do direito que pretende atuar nesta matéria. Uma vez que é
imprescindível entender as necessidades de uma pessoa com TEA para atuar de
forma efetiva na aplicação da lei.
3. LEGISLAÇÃO ESPECÍFICA PARA TEA

3.1. Histórico Legal

.Deve-se atentar para a perspectiva constitucional de garantia de direitos


fundamentais de forma igualitária e a necessidade de efetividade material destes
direitos. Neste contexto, se embasa a questão que levou a promulgação da Lei
12.764/12 e a Lei 13.145/15 ambas criadas de modo a regulamentar dispositivos
legais que assegurassem os direitos e garantias constitucionais aos portadores de
TEA e de Deficiência de forma geral.
Este capítulo vai enfocar justamente os principais aspectos constitucionais
referentes aos direitos sociais e seu exercício, em especial por pessoas em condição
de vulnerabilidade do TEA, que de algum modo se configuraram como demandas
que levaram a posterior criação das leis supracitadas com vistas a permitir o pleno
acesso a bens jurídicos pelos portadores de TEA.
É a Constituição Federal de 1988 que inaugura, no Brasil contemporâneo, o
compromisso do Poder Público com o bem-estar e a dignidade das pessoas
portadoras de necessidades especiais. É imprescindível nos determos na análise da
Carta Magna para compreender não só os elementos inaugurados por ela, mas
também os desenvolvimentos legais e institucionais posteriores.
Toda a arquitetura institucional e legal de proteção aos direitos das pessoas
portadoras de necessidades especiais presentes no ordenamento jurídico nacional
deriva, em última análise, do princípio da dignidade humana e do princípio da
igualdade, afirmados na Constituição.
A Constituição Federal de 1988 tem como princípio maior a dignidade da
pessoa humana em todas as suas acepções (BRASIL, 1988). Este fundamento não
prevê qualquer tipo de restrição a esta norma, o que resulta na obrigação de que
sejam fornecidas indiscriminadamente as condições de exercício de dignidade.
A dignidade da pessoa humana não é de fácil conceituação, devido ao seu
caráter abstrato. Segundo a doutrina, pode ser definida como:
“A qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor
do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade,
implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais
que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho
degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições
existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover
sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e
da vida em comunhão com os demais seres humanos.” (SARLET, 2004, p.
61)
A condição de dignidade da pessoa humana deve ser constantemente
acessada nos casos de atuação estatal no que se refere à materialização da
normativa constitucional. Por intermédio da adoção de políticas públicas de inclusão,
promoção do absenteísmo estatal na esfera particular, e outras ações, o Estado
deve ser protagonista na criação e manutenção dos meios de exercício pleno da
dignidade de todos os cidadãos; nenhuma falta de cobertura deve ser admitida,
muito menos aos portadores de TEA.
O princípio da dignidade humana constitui a base normativa de todo o
ordenamento jurídico. Isso implica reconhecer não só sua dimensão negativa, mas
também, na lição de SARLET (2018, p.), a sua dimensão positiva:
Além disso, há que destacar o que se convencionou designar de dupla
dimensão negativa (defensiva) e positiva (prestacional) da dignidade da
pessoa humana, que atua simultaneamente como limite e tarefa dos
poderes estatais e da comunidade em geral, de todos e de cada um. Como
limite, a dignidade implica não apenas que a pessoa não pode ser reduzida
à condição de mero objeto da ação própria e de terceiros, como também o
fato de que a dignidade gera direitos fundamentais (negativos) contra atos
que a violem ou a exponham a graves ameaças, sejam tais atos oriundos do
Estado, sejam provenientes de atores privados. Como tarefa, a dignidade
implica deveres vinculativos de tutela por parte dos órgãos estatais, com o
objetivo de proteger a dignidade de todos, assegurando-lhe, também por
meio de medidas positivas (prestações), o devido respeito e promoção,
assim como decorrem deveres fundamentais (inclusive de tutela) por parte
de outras pessoas […].
A dimensão positiva do princípio da dignidade humana, na medida em que
estabelece deveres de tutela ao Estado, legitima os mecanismos institucionais de
proteção das pessoas portadoras de necessidades especiais. Também o princípio da
igualdade (Art. 5º, caput) mostra-se de suma importância para compreensão do
nosso objeto.
Se antigamente o tradicional princípio da igualdade limitava-se a consagrar a
igualdade formal entre os cidadãos em relação ao Estado, hoje se reconhece que a
realização da igualdade formal deve ser mediada pela consideração das
desigualdades materiais, conforme ensina MARTINS (2018):
Mas a outorga constitucional do direito em tela não se limita ao sentido
formal da igualdade. Com efeito, a lei que em si atingir direitos fundamentais
deverá ser compatível com o parâmetro normativo constitucional. Para
tanto, poderá e, em alguns contextos, até deverá realizar distinções, quando
elas forem necessárias à proteção do direito fundamental à igualdade
material. É o que decorre do vínculo do legislador a todos os direitos
fundamentais, entre os quais a própria garantia da inviolabilidade do direito
à igualdade (Art. 5º, caput, 2º subperíodo CF)
Outras duas inovações trazidas pela Constituição Federal, ainda que não se
limitem, pela sua própria natureza, a questão da inclusão das pessoas portadoras de
necessidades especiais, terão importância fundamental para a questão que
abordamos neste trabalho: tratam-se dos direitos à saúde e à educação.
É precisamente porque constitui dever do Estado garantir a educação e a
saúde que a criação e efetivação dos direitos dos portadores de necessidades
especiais torna-se um imperativo. Isso porque a realização material da
universalidade passa, necessariamente, pela integração das particularidades, ou
seja, justamente para garantir o acesso universal a educação e a saúde é que o
Poder Público deve promover políticas públicas específicas que atendam as
particularidades dos cidadãos e corrijam as desigualdades fáticas que perpassam a
sociedade. É dessa forma, aliás, que se traduz programaticamente o princípio da
igualdade em sua dimensão material.
Focando no caso da educação, além de atribuir, no Art. 205º, caput, a garantia
da educação como um dever do Estado, a Constituição Federal também institui (Art.
206º, I) como um dos princípios da educação nacional a igualdade de condições
para o acesso e permanência na escola. Isso implicará, como já afirmamos, no
dever do Estado de efetivar a igualdade material no âmbito do ensino nacional,
especialmente nas condições de acesso e de permanência na escola, conforme
afirma MALISKA (2018, p.):
Assim, o acesso e a permanência na escola devem ser vistos sob a
perspectiva das diferenças, e isso significa, por exemplo, que o acesso
de pessoas com deficiência física aos prédios deve ser garantido
mediante rampas de acesso, que o indígena tem o direito de utilizar-se
da sua língua materna e dos seus processos próprios de aprendizagem
no ensino fundamental, que a identificação de elementos de
discriminação que acabam por impedir o acesso e a permanência de
grupos da sociedade na Universidade, merecem tratamento diferenciado,
enfim, que sem desprestigiar o tratamento isonômico, os elementos de
caráter não pessoal que possuem fundamento constitucional, aqui o
direito à diferença e o direito ao pluralismo, também devem ser levados
em conta.
Essas conclusões normativas implícitas, que decorrem da própria
hermenêutica constitucional, seriam suficientes para demonstrar os deveres do
Estado em relação aos portadores de necessidades especiais. Sem embargo, a
Carta Magna tornou explícito, no Art. 208º, III, o dever do Estado em garantir
atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência.
É importante salientar que o fato de que a Carta Magna fale em dever do
Estado de garantir atendimento educacional especializado não significa que apenas
as instituições públicas de ensino é se sujeitam aos comandos constitucionais. Essa
interpretação equivocada, mas que atendia aos interesses do lobby das instituições
privadas de ensino, foi trazida pela CONFENEN (Confederação Nacional dos
Estabelecimentos de Ensino) na ADI 5357, que requeria a declaração de
inconstitucionalidade dos Arts. 28º, § 1º, e 30º, caput, da Lei nº 13.146/2015, a Lei
Brasileira de Inclusão.
Em que pese os esforços do lobby do ensino privado, a tese inescrupulosa
restou reprimida pelo plenário do Supremo Tribunal Federal, com um único voto
divergente. Merecem destaques as palavras do Rel. Min. Edson Fachin:
[…] A Lei nº 13.146/2015 parece justamente assumir esse compromisso
ético de acolhimento quando exige que não apenas as escolas públicas,
mas também as particulares deverão pautar sua atuação educacional a
partir de todas as facetas e potencialidades que o direito fundamental à
educação possui e que são densificadas em seu Capítulo IV. Ressalte-se
que, não obstante o serviço público de educação ser livre à iniciativa
privada, ou seja, independentemente de concessão ou permissão, isso não
significa que os agentes econômicos que o prestam o possam fazê-lo
ilimitadamente ou sem responsabilidade. […] Não se pode, assim, pretender
entravar a normatividade constitucional sobre o tema com base em leitura
dos direitos fundamentais que os convolem em sua negação. (ADI 5357
MC-Ref, Relator(a): EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em
09/06/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-240 DIVULG 10-11-2016
PUBLIC 11-11-2016)
Além desses avanços, a Carta Magna também trouxe outros mecanismos
institucionais específicos de proteção às pessoas com deficiência. Entre eles
destacam-se a proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios
de admissão do trabalhador portador de deficiência (Art. 7º, XXXI); as garantias no
âmbito da assistência social (Art. 203º, IV e V) e a garantia à reserva de vagas para
cargos públicos (Art. 37º, VIII).
Posteriormente, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 65 de
2010, foi garantida ainda a criação de programas de prevenção e atendimento
especializado para as pessoas portadoras de deficiência física, sensorial ou mental,
bem como de integração social do adolescente e do jovem portador de deficiência,
mediante o treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso
aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de obstáculos arquitetônicos e de
todas as formas de discriminação (Art. 227º, II).
No que diz respeito a organização político-administrativa do Estado na
distribuição de competências quanto aos portadores de necessidades especiais, a
Carta Magna deixou explícita a competência comum da União, do Estado, do Distrito
Federal e do Município para cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e da
garantia das pessoas portadoras de deficiência (Art. 23º, II), bem como a
competência concorrente para legislar visando a proteção e a integração do portador
de deficiência (Art. 24º, XIV).
Ao mesmo tempo em que permite a possibilidade de que todos os entes
federativos legislem sobre a questão, preenchendo as lacunas existentes no âmbito
da lei federal. Além disso, considerando que a influência dos grupos empresariais
resistentes às políticas de inclusão é significativamente maior nos âmbitos regionais
e locais, a primazia da lei federal acaba por proteger os avanços obtidos e reprimir
as incursões reacionárias em âmbito estadual e municipal.
A partir da Constituição Federal de 1988 e com base nesses
desenvolvimentos que analisamos acima, o país testemunhou a criação de diversas
leis infraconstitucionais que regulam e concretizam os dispositivos constitucionais.
Na medida em que a análise detida de cada uma dessas leis escapa dos limites
deste trabalho, listamos e sintetizamos no quadro 2 abaixo estão descritos os
principais avanços legislativos observados nos últimos 30 anos:

Quadro 2: Principais avanços legislativos

Dispõe sobre o apoio às pessoas portadoras de deficiência, sua


integração social, sobre a Coordenadoria Nacional para Integração da
Lei nº 7.853/1989 Pessoa Portadora de Deficiência, institui a tutela jurisdicional de
interesses coletivos ou difusos dessas pessoas, disciplina a atuação do
Ministério Público, define crimes, e dá outras providências.
Estabelece o Estatuto da Criança e do Adolescente, que reafirma em
Lei nº 8.069/1990 seu Art. 54, inciso III, o atendimento educacional especializado aos
portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino.
Dispõe sobre a organização da Assistência Social e institui o benefício
de prestação continuada, que é a garantia de um salário-mínimo mensal
Lei nº 8.742/1993 à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou
mais que comprovem não possuir meios de prover a própria
manutenção nem de tê-la provida por sua família.
Concede passe livre às pessoas portadoras de deficiência no sistema
Lei nº 8.899/1994 de transporte coletivo interestadual.
Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional e trata, no
Lei nº 9.394/1996 Capítulo V, da educação especial.
Dispõe sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora
Decreto nº de Deficiência, que compreende o conjunto de orientações normativas
3.298/1999 que objetivam assegurar o pleno exercício dos direitos individuais e
sociais das pessoas portadoras de deficiência.
Estabelece a prioridade de atendimento aos portadores de
Lei nº 10.048/2000 necessidades especiais, entre outros grupos.
Estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da
Lei nº 10.098/2000 acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com
mobilidade reduzida.
Estabelece o Estatuto do Idoso, que garante em seu Art 15 § 4 o
Lei nº 10.741/2003 atendimento especializado pelo Sistema Único de Saúde ao idoso
portador de deficiência.
Promulga a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas
Lei nº 6.949/2009 com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova York,
em 30 de março de 2007.
Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto
Lei nº 13.146/2015 da Pessoa com Deficiência).
Fonte: Autor, 2020.

A despeito de todos esses avanços consideráveis em relação as pessoas


deficientes em geral, durante muito tempo houve uma lacuna em relação as pessoas
com transtorno do espectro autista. O obstáculo enfrentado por essas pessoas era
duplo: primeiro, não se reconhecia o transtorno do espectro autista como uma
deficiência; segundo, as demandas específicas dos autistas no âmbito educacional
não eram atendidas por nenhuma dessas leis, por mais avançadas que fossem.
Essa situação foi superada, ao menos formalmente, através da Lei nº 12.764/12, a
qual nos deteremos melhor a seguir.

3.2. Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com TEA

Seja pelo atraso científico do país na área ou mesmo pela ignorância que
perpassa as questões das deficiências de todo tipo, o autismo não era considerado
uma deficiência no sentido legal do termo, de modo que o acesso dessas pessoas
aos direitos e garantias legais que analisamos no capítulo anterior era obstaculizado.
Essa situação, aliás, não é um problema que atingia apenas aos autistas, mas
a muitos outros grupos da sociedade que enfrentam algum tipo de deficiência. A
aferição e reconhecimento médico de algum tipo de deficiência ou transtorno do
desenvolvimento não implica, muitas vezes, no enquadramento legal do termo
deficiente.
A consequência disso é a frequente judicialização da questão, uma vez que
não raramente a administração pública se esquiva de sua responsabilidade com
base nessas lacunas e omissões. E, na medida em que o acesso à justiça também é
dificultado pelas desigualdades materiais e sociais, essas pessoas acabavam – e
acabam – impossibilitadas de acessarem os seus direitos mesmo diante da rica
legislação que analisamos.
Foi em razão dessas circunstâncias que as associações passaram a lutar por
avanços legislativos, no sentido do reconhecimento legal do autismo como uma
deficiência e pelo atendimento das suas demandas específicas. O processo de luta
culminou na Lei nº 12.764/12, que instituiu a Política Nacional de Proteção dos
Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, onde logo no Art. 1º, § 2,
tratou o legislador de considerar o autismo como deficiência: “A pessoa com
transtorno do espectro autista é considerada pessoa com deficiência, para todos os
efeitos legais”.
Uma grande inovação da lei é a garantia do direito a acompanhante
especializado nas salas de aula. A importância desse artigo se deve ao fato de que
ele atende a uma demanda específica do aluno autista, não contemplada pela
legislação anterior.
Conforme vimos, o atendimento educacional especializado é um direito
garantido no Art. 208º, III, do texto constitucional. Para regulamentar o dispositivo
constitucional, o Poder Executivo editou o Decreto Nº 7.611, de 17 de novembro de
2011. Essa é, até o momento, principal base legislativa que organiza a educação
especial e o atendimento educacional especializado.
Em síntese, pode-se dizer que o Decreto Nº 7.611 ofereceu diretrizes para o
atendimento educacional especializado, complementando o dispositivo constitucional
supracitado. Exemplo claro disso é o seu Art. 2º, caput:
Art. 2º A educação especial deve garantir os serviços de apoio especializado
voltado a eliminar as barreiras que possam obstruir o processo de
escolarização de estudantes com deficiência, transtornos globais do
desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação.
O caráter genérico do Decreto se explica tanto pela dificuldade em regular a
um só tempo as especificidades dos portadores de deficiência e transtornos de
desenvolvimento, quanto pelo fato de que as instituições de ensino no país não são
vinculadas a um único ente federativo. Se essa generalidade, ao responder a essas
circunstâncias, tem um lado positivo, a falta de detalhes naturalmente cria lacunas
que são aproveitadas pelas instituições de ensino, públicas e privadas, com o
objetivo de se esquivarem de sua responsabilidade.
A Lei nº 12.764/12 pode ser considerada um avanço justamente porque, além
de garantir um vasto rol de direitos específicos ao autista, também é taxativa ao
tratar do tipo de atendimento especial ao qual tem direito o aluno autista, assim:
Art. 3º São direitos da pessoa com transtorno do espectro autista: […]
Parágrafo único. Em casos de comprovada necessidade, a pessoa com
transtorno do espectro autista incluída nas classes comuns de ensino
regular, nos termos do inciso IV do art. 2º, terá direito a acompanhante
especializado.
O acompanhante especializado é fundamental para a integração e
desenvolvimento do portador de transtorno do espectro autista nos casos mais
graves, dada as formas com que o transtorno se expressa, em especial o
comprometimento no comportamento social, na comunicação e na linguagem.
No Brasil, o método de psicologia aplicada mais utilizada no tratamento e
cuidado do portador de transtorno do espectro autista é o ABA (da sigla inglesa
applied behaviour analysis), que consiste na elicitação e reforço sistemático dos
comportamentos sociais, o que requer o acompanhamento intensivo do aluno ou
aluna nas diversas situações escolares. Desnecessário dizer que não há
possibilidade de que tal acompanhamento seja feito pelo professor regular, de modo
que a presença extra um profissional especializado é essencial.
Em que pese o avanço do legislador ao tratar da questão do acompanhante
especializado, a eficácia social da norma encontra todo tipo de resistência, seja de
instituições de ensino privadas ou públicas. Assim, não são raros os casos em que é
necessário buscar o socorro do Poder Judiciário para fazer valer os direitos dos
portadores de transtorno do espectro autista:
AGRAVO DE INSTRUMENTO - MENOR PORTADOR DE TRANSTORNO
DO ESPECTRO AUTISTA - INCLUSÃO NA REDE REGULAR DE ENSINO -
DEVER CONSTITUCIONAL - ACOMPANHAMENTO POR PROFISSIONAL
ESPECIALIZADO - MEDIDA QUE VISA GARANTIR A MELHORA NO
RENDIMENTO ESCOLAR E PROMOVER A INCLUSÃO SOCIAL -
PREVISÃO NA LEI FEDERAL Nº 12.764/2012 - ACOMPANHAMENTO POR
PROFISSIONAL DE MANEIRA EXCLUSIVA - FORMA DE ORGANIZAÇÃO
E FORNECIMENTO DO SERVIÇO PROFISSIONAL - FACULDADE
CONFERIDA AO MUNICÍPIO - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1.
No que tange ao acesso à educação especificamente dos portadores de
deficiência física, o inciso III do art. 208 da CR/88 estabeleceu que é dever
do Estado fornecer atendimento especializado aos portadores de
deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino. 2. Em relação
especificamente àqueles que apresentam Transtorno do Espectro Autista a
Lei Federal nº 12.764/2012 que instituiu a Política Nacional de Proteção dos
Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, assegurou em seu
art. 3º que nas hipóteses em que, comprovada a necessidade do portador
de Transtorno do Espectro Autista, lhe será assegurado o acompanhamento
especializado visando facilitar o seu acesso à educação. 3. Respeitada a
organização do serviço próprio do Município, não se vê justificativa para que
o serviço solicitado seja exclusivo ao agravante. 4. Recurso parcialmente
provido. (TJ-MG - AI: 10607150054536001 MG, Relator: Sandra Fonseca,
Data de Julgamento: 20/09/2016, Câmaras Cíveis / 6ª CÂMARA CÍVEL,
Data de Publicação: 30/09/2016)
DIREITO CONSTITUCIONAL. MANDADO DE SEGURANÇA. REEXAME
NECESSÁRIO. MENOR PORTADOR DE TRANSTORNO DO ESPECTRO
AUTISTA. DIREITO A ACOMPANHAMENTO ESPECIALIZADO NO
HORÁRIO ESCOLAR. LEI 12.764/2012. I - O acesso à educação
especificamente dos portadores de deficiência física, o inciso III do art. 208
da CF/88 estabeleceu que é dever do Estado fornecer atendimento
especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede
regular de ensino. II - Dever do Estado de assegurar à pessoa com
transtorno do espectro autista a frequência a sistema educacional inclusivo,
com a presença de mediador, ou seja, será assegurado o acompanhamento
especializado visando facilitar o acesso à educação, na forma do art. 3º,
parágrafo único, da Lei 12.764/2012, que instituiu a Política Nacional de
Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro. III - Sentença
confirmada em sede de reexame necessário. (TJ-AM - Remessa
Necessária: 06023136420188040001 AM 0602313-64.2018.8.04.0001,
Relator: Nélia Caminha Jorge, Data de Julgamento: 06/02/2019, Câmaras
Reunidas, Data de Publicação: 06/02/2019)

AGRAVO INTERNO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO – PORTADOR DE


TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA – DETERMINAÇÃO JUDICIAL
PARA CONTRATAÇÃO DE AUXILIAR PARA ACOMPANHAMENTO
ESCOLAR – PRETENDIDA AGREGAÇÃO DE EFEITO SUSPENSIVO AO
RECURSO – INDEFERIMENTO – AUSÊNCIA DE ELEMENTOS NOVOS
QUE POSSAM ENSEJAR A MODIFICAÇÃO DA DECISÃO – DECISÃO
MANTIDA - RECURSO DESPROVIDO. Não havendo fundamentos
suficientes para a reforma da decisão combatida, ante a ausência de novas
razões que modifiquem o entendimento anteriormente adotado, impõe-se o
desprovimento do agravo interno. (TJ-MT - AI: 10066388820198110000 MT,
Relator: MARIA APARECIDA RIBEIRO, Data de Julgamento: 20/08/2019,
Segunda Câmara de Direito Público e Coletivo, Data de Publicação:
04/09/2019)
É notável como, nos casos registrados acima, a contratação dos profissionais
especializados é determinada judicialmente. Antes de tudo, isso mostra como ainda
é grande o despreparo organizacional das unidades de ensino, dos municípios e até
mesmo de estados. Sem dúvida, esse despreparo é reflexo dos problemas
estruturais que acometem a educação brasileira, mas é importante destacar como
esses problemas atingem de modo desigual aqueles marcados por algum tipo de
necessidade especial.
Esse conflito entre os direitos garantidos aos portadores de transtorno do
espectro autista e a ineficiência da administração, como vimos, não raramente é
mediada pelo Poder Judiciário. E é nesse processo de crescente de judicialização
que o Ministério Público desponta como ator central na defesa desses direitos,
conforme veremos no próximo capítulo.
REFERÊNCIAS

AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Manual diagnóstico e estatístico de


transtornos mentais 5a EDIÇÃO (DSM-V). Arlington, VA., American Psychiatric
Association, 2014.
AUTISM-EUROPE, Carta para as Pessoas com Autismo. Apresentada no 4º
Congresso Autism-Europe, Haia, 10 de Maio de 1992.
BARROSO, L.R.. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. 2. ed. São
Paulo: Saraiva, 2010
BRASIL, Constituição Federal, de 5 de outubro de 1988. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm.
BRASIL, Presidência da República. A Convenção sobre os Direitos das Pessoas
com Deficiência – Versão Comentada. 2 ed. Brasília: Secretaria Especial dos
Direitos Humanos, 2008
BRASIL. Decreto 6.949, de 25 de agosto de 2009. Promulga a Convenção
Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo
Facultativo, assinados em Nova York, em 30 de março de 2007. Disponível em
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/decreto/d6949.htm>.
BRASIL. Lei 12.764, de 27 de dezembro de 2012. Institui a Política Nacional de
Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista; e altera o
§ 3o do art. 98 da Lei no 8.112, de 11 de dezembro de 1990. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12764.htm>.
BRASIL. Lei 8.368, de 02 de dezembro de 2014. Regulamenta a Lei nº 12.764, de
27 de dezembro de 2012, que institui a Política Nacional de Proteção dos
Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/Decreto/D8368.htm.>
BRASIL, Lei nº 13.146, de 6 de Julho de 2015. Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa
com Deficiência – Estatuto da Pessoa com Deficiência. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13146.htm.
Acesso em: 04/09/2020
BRITO, M.C.. Estratégias práticas de intervenção nos transtornos do espectro
do autismo. São Paulo: Instituto Nacional Saber Autismo, 2017.
CAMINHA, V.L.S.; HUGUENIN, J.Y.; ASSIS, L.M.; ALVES, P.P. (org.) Autismo :
vivências e caminhos [livro eletrônico]. São Paulo, Blucher, 2016.
PORTAL AUTISMO E REALIDADE, O que é o Autismo? Marcos Históricos
Disponível em: https://autismoerealidade.org.br/o-que-e-o-autismo/marcos-
historicos/ Acesso em 10/09/2020.
SARLET, I.W.. Dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais na
Constituição Federal de 1988+ Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004

SAVALL, A.C.R.; DIAS, M. (org.) Transtorno do Espectro Autista: do conceito ao


processo terapêutico; Fundação Catarinense De Educação Especial, São
José, SC, 2018.

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