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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM URBANISMO

CAMILA RODRIGUES ALDIGUERI

RIOS E OCUPAÇÃO URBANA:


O RIO COCÓ EM FORTALEZA

RIO DE JANEIRO – 2010


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Camila Rodrigues Aldigueri

Rios e Ocupação Urbana: O Rio Cocó em Fortaleza

Dissertação de Mestrado apresentada ao


Programa de Pós Graduação em
Urbanismo/PROURB, Universidade Federal do
rio de Janeiro, como requisito parcial à
obtenção de titulo de mestre em urbanismo

Orientador: Raquel Tardin

Rio de Janeiro
2010
17

SUMÁRIO

Agradecimentos ...................................................................................................................................... 5

Resumo.................................................................................................................................................... 6

Abstract ................................................................................................................................................... 7

Lista de Siglas .......................................................................................................................................... 8

Lista de quadros .................................................................................................................................... 10

Lista figuras ........................................................................................................................................... 11

Lista mapas............................................................................................................................................ 16

1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 20

O Rio Cocó ......................................................................................................................................... 22

Objetivos ........................................................................................................................................... 26

Objetivo geral ................................................................................................................................ 26

Objetivos específicos..................................................................................................................... 26

Metodologia ...................................................................................................................................... 27

Estrutura da Dissertação ................................................................................................................... 31

2 CAPITULO FUNDAMENTOS: A ESTRUTURAÇÃO DA OCUPAÇAO URBANA A PARTIR DOS RIOS ...... 34

2.1 Rios e Ocupação Urbana: a estruturação a partir dos rios ......................................................... 34

2.2 Rios como elemento estruturador .............................................................................................. 41

2.2.1 Atributos Biofísicos: os elementos e processos naturais do rio........................................... 42

2.2.2 Atributos visuais: os aspectos cênicos do rio....................................................................... 52

2.2.3 Atributos espaciais: o “traçado” do rio ................................................................................ 57

2.3 Ocupação Urbana e o caráter estruturador dos Rios.................................................................. 63

2.3.1 Relativo aos atributos biofísicos........................................................................................... 64

2.3.2 Relativo aos Atributos Visuais .............................................................................................. 66

2.3.3 Relativo aos Atributos Espaciais........................................................................................... 70


18

3 CAPITULO – FORTALEZA E O RIO COCÓ: ONTEM, HOJE E AMANHÃ.................................................. 78

3.1 Caracterização do caso de estudo............................................................................................... 78

3.1.1 Situação territorial ............................................................................................................... 78

3.1.2 O Rio Cocó e seus aspectos naturais.................................................................................... 82

3.1.3 Rio Cocó e a Ocupação Urbana do Entorno ......................................................................... 92

3.2 Fortaleza e o rio Cocó: ontem, hoje e amanhã ......................................................................... 119

3.2.1 Até anos de 1940 – antecedentes...................................................................................... 120

3.2.2 Anos de 1950 à 70 – Consolidação..................................................................................... 127

3.2.3 Anos de 1980 aos dias de hoje – Intensificação................................................................. 143

4 CAPITULO RIO COCÓ: UM RIO E SUAS MÚLTIPLAS PAISAGENS..................................................... 162

4.1 Rio Cocó: análise e avaliação de seus atributos........................................................................ 163

4.1.1 Atributos biofísicos............................................................................................................. 163

4.1.2 Atributos Visuais ................................................................................................................ 178

4.1.3 Atributos Espaciais ............................................................................................................. 186

4.2 Rio Cocó: condicionado(r) da ocupação urbana?...................................................................... 191

4.2 Rio Cocó: condicionado(r) da ocupação urbana?...................................................................... 192

4.2.1 Adequação aos atributos biofísicos ................................................................................... 193

4.2.2 Adequação aos atributos visuais........................................................................................ 205

4.2.3 Adequação aos atributos espaciais .................................................................................... 220

5 CAPITULO RIO COCÓ E A ESTRUTURAÇÃO DO ENTORNO: OPORTUNIDADES PROJETUAIS.......... 232

5.1 Espaços de Intervenção............................................................................................................. 232

Espaços de proteção ................................................................................................................... 233

Espaços de restauração............................................................................................................... 233

Espaços de requalificação ........................................................................................................... 234

Espaços de contato ..................................................................................................................... 234


19

5.2 Ações como diretrizes projetuais .............................................................................................. 236

Demarcar..................................................................................................................................... 236

Conectar ...................................................................................................................................... 239

Adequar....................................................................................................................................... 241

Integrar........................................................................................................................................ 252

Suturar......................................................................................................................................... 254

6 CONCLUSÃO ..................................................................................................................................... 259

7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................................................ 264

Bibliografia de caráter geral ............................................................................................................ 264

Bibliografia de caráter local ............................................................................................................ 267

Legislação ........................................................................................................................................ 270

8 Apêndice........................................................................................................................................... 271
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2 CAPITULO FUNDAMENTOS: A ESTRUTURAÇÃO DA OCUPAÇAO URBANA A PARTIR DOS


RIOS

Este capítulo tem como objetivo analisar a importância e a possibilidade dos rios
configurarem se como elementos estruturadores da ocupação urbana e, portanto, uma das
condicionantes na construção da ocupação do seu entorno. Para tanto, o capítulo encontra
se dividido em três partes: a primeira aborda, de forma geral, a relação entre rios e
ocupação urbana, a partir do rio como um elemento estruturador do entorno, destacando
alguns dos principais autores e pensamentos que apontam para uma tendência à valorização
dos elementos naturais, tal qual são os rios, no processo de construção do território urbano;
a segunda parte consiste de uma análise mais detalhada dos atributos dos rios, os quais
consideramos com potencial para condicionar a ocupação em seus aspectos físico e
funcional e, por fim, tentamos demonstrar como a ocupação pode conformar se tendo os
rios como elemento estruturador, garantindo a manutenção e valorização dos atributos
destes.

2.1 Rios e Ocupação Urbana: a estruturação a partir dos rios

A relação entre rios e ocupação urbana é antiga e ocorreu de distintas formas, ao


longo do tempo. Como afirma Mann (1973), os rios são um dos recursos da Terra mais
intensamente usados, sabiamente explorados e profundamente abusados.

Muitas cidades nasceram à margem de rios, sendo estes elementos determinantes


de núcleos originais de pequena, médias e grandes cidades, em decorrência, por exemplo,
da necessidade de abastecimento de água e alimentos, controle do território, escoamento
de mercadorias e circulação de pessoas.

Em geral, esses assentamentos estavam voltados para o aproveitamento de aspectos


produtivos dos rios. No Rio de Janeiro, por exemplo, o rio Carioca, foi um fator determinante
para atrair a ocupação urbana funcionando como via de circulação e de abastecimento de
água (FONTENELLE, 2003). Da mesma forma, a implantação de alguns assentamentos estão
vinculadas à conformação espacial dos rios, como, por exemplo, no caso de Washington, às
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margens do rio Potomac, que apresentava o rio como um dos seus pontos fundamentais
para a garantia de segurança da cidade contra os potencias ataques marítimos, e por
possibilitar acesso ao interior dos estados americanos através de seu vale (MANN, 1973).

A localização de atividades ao longo dos rios também está relacionada com a


exploração de seus recursos, como instalações de fábricas que necessitam acessar
facilmente a água, assim como porto, salinas, zonas agrícolas, entre outras.

Também a localização de determinados usos ao longo dos rios aproveitam suas


características cênicas, como, por exemplo, as vistas para a água, que são possibilitadas para
o uso residencial. Por outro lado, parques e espaços livres públicos, em geral, configuram se
de forma a incorporar não apenas as potencialidades cênicas, como também as
características ambientais dos rios, tornando se lugares de contato com a natureza.

Na relação entre rios e cidades, os rios também podem ser considerados como
importantes variáveis para a definição de eixos de crescimento destas, uma vez que há
cidades cuja expansão de seu núcleo original segue ao longo do curso de seus rios. Os rios
podem também definir a orientação das infra estruturas, das edificações, dos espaços livres,
que aproveitam suas características cênicas, como ocorre no rio Sena, em Paris, no rio
Tamisa, em Londres, entre outros.

Sendo assim, percebemos, como um pressuposto, que os rios podem ser


considerados como elementos atuantes na estruturação de diversas cidades quando, através
dos seus atributos físicos, influenciam, por exemplo, na localização da cidade e de suas
atividades, na sua forma de crescimento, na conformação espacial das suas vias, das
edificações, dos espaços livres, etc.

A relação entre rios e ocupação urbana, contudo, também se deu, por vezes, de
forma conflituosa. Os rios foram, e ainda são, tratados como barreiras a serem ultrapassadas
para a consolidação da ocupação urbana, tendo por vezes seu curso modificado, seja através
de aterros, canalizações, barragens e etc.
36

Fig. 4 Rios como elementos valorizados pela Fig. 5 Rios como elementos valorizados pela
ocupação urbana: rio Douro (Autora, 2003) ocupação urbana: rio Sena (Autora, 2009)

Fig. 6 Situações de conflitos. Rios como elementos Fig. 7 Situações de conflitos. Rios como elementos
desvalorizados pela ocupação urbana: rio retificado desvalorizados pela ocupação urbana: margens do
e canalizado (M. Cidades, 2006) rio ocupadas com supressão de vegetação,
lançamento de esgoto e lixo in natura (M. Cidades,
2006)

Por vezes, os rios são entendidos como estruturas de drenagem e saneamento, em


decorrência da “necessidade” de “controlar” suas águas para conter as enchentes. Deve se
ressaltar que, na maioria dos casos, este fato provém da não consideração da dinâmica das
águas no processo de construção da ocupação urbana. A retificação de rios tende a eliminar
a relação entre o leito e as margens, o que aumenta a vazão de água e, conseqüentemente,
contribui para a ocorrência de enchentes a jusante, além de diminuir a qualidade da água e
dos ecossistemas dependentes da relação entre água e margens, o que mostra quão
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ineficiente é este modelo, por ignorar os processos inerentes aos rios (HOUGH, 1995; RILEY,
1998; outros).

Os rios foram e ainda são vistos como fontes de doença, em decorrência do


tratamento inadequado destes em relação com a ocupação urbana, onde são lugares de
lançamento de esgoto e lixo, por exemplo. A poluição dos rios e os riscos freqüentes de
enchentes fizeram com que, nas últimas décadas, nas cidades brasileiras, grande parte das
áreas ribeirinhas fosse considerada como espaço desvalorizado, excluídos da produção
formal, transformando se em paisagem residual, sujeita a ocupação de assentamentos
precários e irregulares.7

Essa breve explanação de algumas das situações de conflito reflete outro


pressuposto: a apropriação dos rios pela ocupação urbana, desconsiderando suas
características e processos intrínsecos, que se mostram desarticulados da estrutura geral da
ocupação, o que vai de encontro à não valorização destes como estruturadores da ocupação
urbana.

Nessas situações, os rios apresentam se como elementos passivos e condicionados,


nas quais não são percebidos, incorporados ou potencializados seus atributos e valores no
processo de construção.

Essa forma de apropriação do espaço natural pelo homem vem sendo questionada. A
partir dos anos sessenta, surgem valores e preocupações de cunho ecológico que
começaram a questionar a visão de mera exploração do ambiente natural pelo homem, sem
a observação dos elementos e processos naturais e a incorporação destes nas ocupações
urbanas, e passou se a buscar uma nova base lógica para ocupação do território.

7
Ver, por exemplo, MARTINS em Moradia e Manaciais Tensões e diálogos na metrópole e
BRITTO, Ana Lúcia; SILVA, Andrade Carneiro. Viver às margens do rios: uma análise da
situação dos moradores da favela Parque Unidos de Acari. In: Costa, Lúcia (org.) Rios e
paisagens urbanas em cidades brasileiras Rio de Janeiro : Viana & Mosley : ed: PROURB,
2006. pp. 17 32
38

É por volta dos anos setenta que se produzem trabalhos de fundo ecológico, que
buscam uma nova lógica de ocupar o território, como no caso da obra seminal “Designing
with Nature”, do arquiteto paisagista McHarg (1969), uma postura frente à avaliação e o
reconhecimento dos valores ecológicos, bem como valores cênicos e sociais dos elementos
naturais no planejamento e no projeto urbano. Em seus estudos, percebemos o papel dos
rios enquanto ordenadores da ocupação, uma vez que, em seu método de valoração, os rios
são áreas de alto valor ambiental e cênico, e apresentam distintas áreas com idoneidade
intrínseca para determinados usos urbanos ou a coexistência entre distintos usos.

No estudo realizado para a bacia do rio Potomac, McHarg busca reconhecer a bacia
como um sistema de valores e indica os usos mais adequados. Em projetos realizados como
o plano “The Valley” aborda a conservação do corredor formado pelo vale fluvial Maryland,
estabelecendo a transferência de direitos de urbanização de uns lugares para outros para
proteger as zonas de maior valor ambiental. Esse plano foi precursor dos atuais programas
de corredores verdes e de avaliação dos recursos visuais.

Em 1973, Mann publica o livro “River in the City”, um dos primeiros trabalhos
ressaltando a importância dos rios urbanos. Mann (1973) trata de diversos rios em
diferentes regiões da Europa8 e Estados Unidos9, buscando focar a atenção nos valores
ambientais, estéticos e nos usos e nas ocupações do entorno, e na forma como os rios têm
sido valorizados ou desvalorizados. O autor possibilita nos perceber a forma em que os rios
estruturam diversas áreas urbanas, se foram condicionados ou condicionantes para a
ocupação urbana.

Outros estudos na área da ecologia da paisagem entendem o território como sistema


dinâmico e mutável, enfatizando a importância do papel ecológico das estruturas
componentes da paisagem, dentre as quais se enquadram os rios.

Para a ecologia da paisagem, o território é constituído de uma estrutura composta


pela combinação de elementos que se configuram em fragmentos, corredores e matriz

8
Rio Sena em Paris; rio Saône em Lyon; rio Tamisa em Londres; etc.
9
Rio Potomac em Washigton; rio Charles em Boston; rio Hudson em New York, etc.
39

(FORMAN, 1995; outros). Os rios são compreendidos como corredores, que, segundo a
ecologia da paisagem, seriam elementos lineares que diferem do entorno, apresentando se
como condutores que catalizam determinados fluxos e, também, podem comportar se como
barreiras ou filtros para outros fluxos (FORMAN, 1995; outros). Os rios, bem como os demais
elementos (fragmentos e matriz) possuem a finalidade de garantir os movimentos e os
fluxos dos animais, plantas, água, vento, matéria e energia, ao longo do território
(DRAMSTAD, J.D. OLSON & FORMAN, 1996), o que os torna, especialmente em termos
ambientais, fundamentais na configuração do mosaico urbano, sendo necessário sua
preservação e valorização.

Na mesma linha de pensamento, o conceito de “infra estruturas verdes” (Green


infrastructure) reconhece os rios como potenciais corredores ecológicos que podem e
deveriam funcionar como uma estrutura para a conservação e o desenvolvimento urbano,
buscando compatibilizar benefícios para a natureza e para as pessoas, considerando a
conectividade entre elementos naturais como chave para construção do território
(BENEDICT; MCMAHON, 2006)

Também ressaltamos importantes teóricos que abordam a relação da natureza e da


cidade, enfatizando a necessidade de compreender a integração dos processos urbanos e
processos naturais. Spirn (1995), em sua obra “Jardim de Granito”, trata sobre a natureza na
cidade, mostrando como as cidades poderiam ser se fossem projetadas de acordo com os
processos naturais. Spirn vê as cidades como parte da natureza. Hough (1995), também
aborda a necessidade de compreender a dinâmica dos processos naturais e introduzi los na
construção de nossas cidades. Ambos demonstram diversas maneiras em que os processos
naturais e, portanto, seus elementos constituintes – água, terra, ar, plantas, rios, florestas,
etc. podem de alguma forma moldar e conduzir o processo de ocupação urbana.

Diante dessas perspectivas, que vinham delineando se desde a década de sessenta,


as tradicionais soluções de engenharia adotadas para os rios urbanos (retificação, margens
concretadas, supressão da vegetação das margens, etc), aplicadas desde os anos de 1930 em
diversas partes do mundo, com intuito controlar os prejuízos causados pelas inundações
para acomodar o desenvolvimento do crescimento populacional, também passam a ser alvo
40

de questionamentos (RILEY, 1998). Nessa perspectiva, Riley (1998) trata a importância de


restauração dos rios que visa integrar a natureza nas cidades, como uma forma alternativa
às formas tradicionais de intervenção ao longo dos rios, tentando trazer de volta os valores
ambientais de um ecossistema depois de estabelecido um dano.

Riley (1998) aponta como a restauração dos rios pode vir a resgatar seus valores
ambientais (como habitat de espécies animais, controle e redução das inundações, da
erosão), seus valores culturais e históricos (preservação ou restauração do rio como
patrimônio histórico e cultural), seus valores sociais (oferta de áreas de lazer para atração da
população e de turistas), seus valores visuais (resgatar o rio como área de valor cênico),
entre outros. Acreditamos que esta restauração dos rios pode provocar modificações no
entorno, possibilitando sua re estruturação a partir do reconhecimento dos valores do rio.

Em relação ao cenário brasileiro, verificamos alguns autores que percebem o papel


dos rios na estruturação de cidades. Ghilard (2004) destaca através da análise de diversos
exemplos a relação entre rios e a estrutura de suas cidades. Segundo a autora há:

a possibilidade de se trabalhar com os rios de forma a estruturar traçados


urbanos e orientar marcos arquitetônicos e espaços livres, destacando a
relação formal e estética que se pode obter ao se pensar neste elemento
natural como referência para planejar e projetar a cidade (GHILARD, 2004,
p.56).

Trabalhos sobre os rios em cidades brasileiras como Porath (2004), sobre o Rio Itajai
Açu; Ghilardi (2004), que aborda o rio ribeirão Preto; Melo (2003) analisa o rio Capibaribe,
em Recife; Fontenelle (2003) trata sobre o rio Carioca, na cidade do Rio de Janeiro; Vieira
(2001) estuda o Rio Sanhauá, em João Pessoa, demonstram que essas cidades no início de
sua conformação foram estruturadas formalmente a partir destes rios, contudo, no geral,
hoje, esses rios encontram se bastante degradados e desvalorizados, nos mais diversos
aspectos, seja nos seus valores biofísicos, seja nos seus valores visuais, espaciais, etc.

Através do trabalho de Tardin (2008), percebemos que, ao investigar os espaços


livres dentro da idéia de um sistema espacial e como recurso projetual para o ordenamento
territorial, temos a possibilidade de reconhecer e reforçar os rios como um sistema de
41

valores próprios, com potencial de (re) estruturar o território urbano e ordenar a ocupação,
concebendo os como elementos ativo na intervenção urbanística.

Através do exposto, fica claro o entendimento do rio como um potencial elemento


estruturador da ocupação urbana. Sendo assim, isto significa que o rio pode condicionar essa
ocupação. Quanto menos condicionado pela ocupação, maior é o seu caráter estruturador,
onde se considera que os elementos e processos dos rios foram tomados como base e
diretrizes da ocupação urbana de seu entorno, interagindo com esta, sem, contudo, sofrer
transformações em suas dinâmicas “pré ocupações” que tendem a empobrecê las, a
eliminar elementos e processos existentes anteriormente e que qualificavam o rio.
Entretanto, é importante considerar que nem todas as transformações na estrutura original
dos rios possuem conotação negativa relativa às dinâmicas que ali se dão, podendo instaurar
outras dinâmicas, substituindo ou enriquecendo as anteriores.

Dessa forma, considera se o rio como elemento estruturador, entendido como


aquele capaz de condicionar, ordenar, orientar, direcionar e influenciar formal, espacial e
funcionalmente a ocupação do entorno, através dos seus atributos e valores, ao mesmo em
que interage com esta e também é por esta influenciado em sua composição espacial e
funcional. Nesta direção, o rio passa a ser um protagonista na relação estabelecida com seu
entorno, tendo um papel ativo, a partir do reconhecimento e valorização de seus atributos e
valores intrínsecos.

2.2 Rios como elemento estruturador

Com base no exposto, iremos nos deter mais detalhadamente nos atributos
biofísicos, visuais e espaciais dos rios, os quais consideramos que, juntos, podem conformar
um sistema de valores capazes de conduzir o ordenamento da ocupação urbana e, portanto,
tornar o rio um elemento estruturador no processo de construção do território.
42

2.2.1 Atributos Biofísicos: os elementos e processos naturais do rio

Os rios apresentam se como espaços ambientalmente potentes e podem ser


entendidos como lugar da natureza, reunindo elementos e processos biofísicos, que
resultam em interações que respondem a determinadas leis e constituem um sistema de
valores, oferecendo oportunidades e limitações para a utilização do homem (MCHANG,
1969).

McHarg (1969) coloca que é necessário identificar os processos naturais que realizam
funções para o homem (controle da erosão, regulação da temperatura, conforto ambiental,
purificação da água, etc.); os que oferecem proteção à natureza (habitat da fauna e flora,
proteção de ecossistemas, etc.); os que são hostis ao homem (planícies de inundação, áreas
de deslizamento, etc.) e, portanto, devem ser proibidas ou reguladas para garantir a
segurança da população; os que são únicos e especialmente valiosos para o homem
(biodiversidade, etc.); e os mais vulneráveis as intervenções humanas (áreas de reprodução
da fauna, etc.). Dessa forma, pode se constituir um sistema de valores identificando se os
espaços que devem ser preservados, os espaços aptos a serem ocupados e como devem ser
ocupados e quais tipos de usos são compatíveis.

McHarg (1969) apresenta, de forma resumida, uma escala, em ordem crescente, dos
ambientes mais sensíveis à ocupação urbana àqueles menos sensíveis aos processos
urbanos, sendo as águas superficiais, as áreas úmidas, as planícies de inundação, as zonas de
recargas de aqüíferos os elementos de maior sensibilidade. Tal fato aponta nos que as áreas
das águas, tal como os rios e sua planície inundável, devem receber atenção no processo da
ocupação do território.

O rio não é apenas constituído do elemento água, é também vegetação, solo, relevo,
fauna e flora. Entretanto, o rio não é apenas um somatório das partes, o rio é gerado a partir
da relação e interdependência entre esses componentes, que representam os processos
biofísicos.
43

O rio, a partir de seus atributos biofísicos e como elemento estruturador da ocupação


urbana, deve ser identificado e compreendido através de seus processos naturais para o
estabelecimento de uma interação entre espaço ocupado e não ocupado possa dá se de
forma coerente. Portanto, um fator determinante para estabelecer seu caráter estruturador
e condicionador são seus aspectos tanto físicos (água, clima, vegetação, etc) como biológicas
(fauna e flora).

Los diferentes tipos de paisaje son consecuencia de las fuerzas que les dan
origen: La elevación geológica y la erosión de las montanas, el ciclo
hidrológico y las fuezas de agua que dan forma a la tierra, la diversidad de
plantas, animales, y personas sobre la tierra. (HOUGH, 1998, p.18)

Como observa Ghilard (2004) a presença das características biofísicas dos rios pode
estruturar as cidades ecologicamente. A autora apresenta uma reflexão sobre a capacidade
de estruturação dos rios, buscando mostrar como os rios podem ser elementos de
estruturação da paisagem urbana, tanto em termos ecológicos, como formais. Considera
que os rios podem estruturar as cidades ecologicamente, trazendo a natureza para o
convívio das pessoas. Neste ponto, a autora refere se aos rios capazes de atribuir qualidade
ambiental ao urbano, à saúde do meio e, conseqüentemente, à população, e isto está
diretamente integrado aos aspectos biofísicos dos rios. Rio saudável, cidade saudável.

Fig. 8 – rio e a vegetação: rio Amazonas


(www.planetacurioso.com, 2010)

Fig. 9 – rio e o relevo: rio Douro, Portugal


(Autora, 2003)
44

Nas próximas linhas iremos nos deter em cada um dos principais elementos biofísicos
que compõem os rios, buscando destacar sua influência no corredor ripário e seu potencial
de condicionamento da ocupação urbana do entorno.

Água

A água, como uma das condicionantes biofísicas dos rios, apresenta grande
representatividade para ordenação da ocupação urbana, tanto a partir de seus processos
naturais como de seus atributos visuais e funcionais.

Água é movimento, é flexível e maleável. Ela representa fortemente a característica


de conectividade entre zonas e distintos habitats em um corredor. Ela é habitat para
distintas espécies. Ela trabalha o relevo, e dialoga com a vegetação, com o subsolo, com o ar,
com as margens do rio e com a população, ao longo dessas margens. A qualidade da água
implica na qualidade do rio, daqueles que vivem em suas margens e daqueles que dela
necessitam.

Fig. 10 – Características hidrológicas de um rio (MCHARG, 1969)


45

É muito importante o planejamento dos espaços da água que podem servir para
controlar a enchentes. “Resguardar os lugares da água significa agir a favor da manutenção
dos processos naturais” (TARDIN, 2008, p.130). As áreas passíveis de inundação, as áreas
alagáveis, devem estar livres de ocupação urbana, podendo apresentar alguns usos
compatíveis, que sejam inseparáveis destas áreas, tais como usos recreacionais, esportivos,
etc. (MCHARG, 1969).

O aumento da urbanização tende a ampliar a impermeabilização dos solos10, o que


acarreta maior quantidade de água lançada nos rios, uma vez que não ocorre mais
infiltração da água, e que se produz o aumento da velocidade da água para os rios devido a
superfícies pavimentadas e compactadas. Tal situação provoca o avanço da área de
espraiamento dos rios, em períodos de chuva, englobando áreas que antes não sofreriam
com inundações. A isto se somam as áreas naturalmente passíveis de alagamento,
freqüentemente ocupadas e urbanizadas, que em períodos de seca não se encontram
tomadas por água, contudo, fazem parte da dinâmica da água, sendo reservatórios naturais,
assim como as várzeas11 dos rios (HOUGH, 1995; SPIRN, 1995; outros).

A água tem seu espaço e seu ciclo e estes devem ser respeitados e incorporados nos
processos urbanos. Os rios correspondem a um dos componentes mais importantes
pertencentes ao ciclo hidrológico do território: a água da chuva corre pela terra e pelos
afluentes que deságuam nos rios levando a água aos oceanos.

Es necesario integrar la estructura y la función del agua en el ecosistema


urbano [...] un sistema de circulación “a través” de la ciudad [...](SALVADOR
PALOMO, 2003, p. 82)

Portanto, compreender a dinâmica da água, seus fluxos e direções, as áreas mais


sensíveis e importantes ao bom funcionamento dos rios, tais como, as áreas alagáveis e de
espraiamento, interferem diretamente no caráter estruturador deste. Identificado tais zonas

10
A urbanização pode aumentar a taxa média anual de enchentes cerca de seis vezes (SPIRN, 1995).
11
A várzea é uma área relativamente plana na qual o rio se movimenta, e na qual transborda regulamente
quando acontecem as inundações (SPIRN, 1995).
46

podemos entender as áreas que devem ser respeitadas na ocupação, definindo onde pode
ou não ser ocupado, e como deveria ser ocupado, observando, por exemplo, quais seriam os
usos compatíveis, e como deveria ser a permeabilidade e a retenção da água.

Relevo

O relevo pode revelar muito sobre o território, o que o torna um importante


elemento de interpretação deste. Está relacionado diretamente com o sistema hídrico,
podendo se perceber através dele as áreas planas, correspondentes às planícies inundáveis,
as áreas de talvegue, correspondente aos rios e córregos, ou seja, as linhas de drenagem
natural, que permitem compreender a dinâmica da água e, conseqüentemente, dos rios e de
seus sistemas hídricos.

Podemos nos valer destes aspectos para estruturar o território e seu processo de
ocupação, por exemplo, identificando as áreas baixas correspondentes às áreas alagáveis, as
áreas de drenagem natural, que não devem ser interrompidas, as áreas de maior inclinação,
que devem preservar sua vegetação para evitar erosão, etc.

las laderas y las sierras existentes son fundamentales em relación con los
problemas de control de las inundaciones y de erosión [...] está relacionado
con la disminución de la velocidad de escorrentía y el control de la erosión.
(MCHARG, 1969, p. 60)

Os aspectos do relevo podem servir, portanto, como condicionante vinculada aos


rios, para a conformação da ocupação urbana. É o que foi proposto por um grupo de
estudantes12 para a confluência do rio Sena e Oise, na Região da Grande Paris, que sugere o
relevo como base para um projeto de intervenção, considerando a relação entre o planalto
de Hautil e a planície fluvial do rio Sena e Oise. O projeto reforçar o diálogo entre o sistema
hidrológico (cursos d’água, talvegues, zonas inundáveis, zonas úmidas), sistema

12
Grupo constituído por Gloria Persina, Isabelle Putsey, Lorene Jocteur, Olivia Jarney, Piyas Choudihuri, e
Rostom Ferradi participantes do 27ème Session dês Ateliers Internationaux de Maitirse d’Oeuvre Urbane – Le
Fleuve, Avenir d’um territoire
47

geomorfológico e vegetal (platôs, florestas, campos), propondo uma identidade comum ao


território fragmentado, através de um projeto de desenvolvimento onde os elementos
naturais desempenham um papel importante e são vistos não como restrições e barreiras,
mas como poderosos elementos na construção do território. (Les Atelier, 2009)

Fig. 11 relevo como protagonista: confluência


do rio Sena com rio Oise, França (Les atelier,
2009)

Solos

Assim como observar o relevo, analisar a estrutura dos solos constitui fator
importante para a manutenção dos processos naturais (MCHARG, 1969; SALVADOR
PALOMO, 2003; TARDIN, 2009; outros) relacionados aos rios. O conhecimento das
características dos solos e sua repercussão sobre os fenômenos da superfície tais como
permeabilidade e erosão, são importantes (SALVADOR PALOMO, 2003) para a manutenção
dos rios, uma vez que:

a estabilidade do solo é uma referência, entre outros fatores, para a


possibilidade de fixação da cobertura vegetal, para evitar a interferência
dos movimentos de terra nos leitos dos rios e para permitir a ocupação do
solo de modo seguro (TARDIN, 2009, p.50).

A porosidade do solo influencia na permeabilidade e infiltração da água (SALVADOR


PALOMO, 2003). Solos compactos, poucos porosos, dificultam a infiltração da água que irá
48

compor as água subterrâneas, que controlam a porcentagem de fluxo de água no rio, o que
aumenta a quantidade de água que corre pela superfície em direção aos rios, contribuindo
para o aumento das inundações. Portanto, devemos preservar os solos mais permeáveis,
resguardando os do processo de ocupação urbana.

Quanto à estabilidade dos solos, aqueles que apresentam maior estabilidade podem
ser mais aptos para serem ocupados, entretanto, também se apresentam adequados para
fixação da vegetação, elemento que interfere diretamente na qualidade dos rios em
decorrência da diminuição do processo erosivo, além da filtragem das águas que correm
para eles. Dessa forma, devemos ponderar as áreas com solos estáveis em torno dos rios
que podem ser ocupadas ou não.

Em função da manutenção dos processos naturais dos rios, os solos podem ser um
dos elementos que compõem seus atributos condicionantes, uma vez que, identificando os
tipos de solos, podemos definir as áreas mais propícias para determinados tipos de
atividades, usos e formas de usos em decorrência do grau de impermeabilização, por
exemplo.

Vegetação

A vegetação13 é um importante fator na dinâmica dos processos naturais dos rios.


Podemos destacar, dentre as funções desempenhadas pela vegetação e correlatas à

13
No caso de estudo, a presença de manguezais é marcante, por isso parece importante dedicar algumas linhas
para apresentação e compreensão deste ecossistema. Segundo SEMACE (1992), os manguezais são
ecossistemas costeiros que ocorrem em regiões tropicais. No Brasil, ocorrem desde o Estado do Amapá até
Santa Catarina. A formação dos manguezais está diretamente relacionada com a existência de algumas
condições ambientais favoráveis tais como: temperatura quente e elevadas taxas de umidade; existência de
água salobra, que é a mistura da água doce dos rios com a água salgada das marés; presença de solos aluviais
que são ricos em matéria orgânica, importante para o desenvolvimento da vegetação de mangue; e ainda a
morfologia costeira plana e calma, que favorece o desenvolvimento destes ecossistemas, pois são mais
protegidas das ondas.
As áreas de manguezal apresentam um solo lamacento e sujeito a influência das marés onde se desenvolve
uma vegetação característica e uma fauna bastante diversificada, composta por espécies terrestres e aquáticas.
A vegetação de mangue é bastante especializada, pois é submetida a condições específicas, tais como: alta taxa
49

manutenção dos rios: as vinculadas à água (relacionadas ao processo de erosão, à infiltração


e à qualidade da água) e as vinculadas à fauna (habitat da fauna e controle temperatura)
(MCHARG, 1969; HOUGH, 1995; MELLO, 2008; outros).

A vegetação tem papel fundamental na drenagem da água, visto que possibilita uma
melhor infiltração nos solos. Permite o armazenamento da água na superfície do solo, nas
folhagens, liberando parte desta água lentamente por evaporação ou infiltração. Ademais,
as raízes atuam como coletoras, conduzindo a água para o subsolo e lençóis freáticos o que
impacta diretamente no controle do seu excesso depois de fortes chuvas (HOUGH, 1995;
MELLO, 2008). Conforme Lima:

Em áreas florestadas, a água infiltrada no solo corresponde a


aproximadamente 91% da água que chega a superfície do solo, enquanto
que apenas 9% da água escoa superficialmente. Isso demonstra a
importância da proteção florestal, pois as raízes são responsáveis pela
captação da água, favorecendo sua infiltração no solo (LIMA, 1996 apud
MELLO, 2008, p.67).

A vegetação contribui também para a diminuição da erosão, uma vez que estabiliza o
solo e previne a descarga de sedimentos nos rios, agindo como filtro para água. Destarte, a

de salinidade, aeração deficiente e grande mobilidade dos solos, portanto, ocorrem nessas áreas uma baixa
diversidade vegetal. A fauna é considerada diversificada, apresentando várias espécies de aves, mamíferos,
peixes, moluscos, crustáceos e outros pequenos animais.
É valido ressaltar que muitas espécies não são típicas desses ambientes, apenas visitam nos ocasionalmente ou
migram temporariamente para alimentação ou reprodução, como ocorre com aves e mamíferos. Os animais
mais característicos desses ambientes são os moluscos e crustáceos.
Os manguezais têm importantes funções na manutenção dos processos naturais e para o homem, tais como:
São ambientes que oferecem condições para proteção, alimentação e reprodução de diversos organismos.
Muitos desses são fontes de alimento e renda para população ribeira;
Produzem bastante matéria orgânica, que é carreada para o mar, o que enriquece suas águas, aumentando e
melhorando o desenvolvimento das espécies e conseqüentemente a produtividade da pesca litorânea;
Suas raízes aéreas contribuem na deposição de sedimentos, evitando assoreamento e erosão nas margens
dos rios. Além disso, seu tipo de solo retém muitos agentes poluentes.
Contribui para a manutenção climática.
Fica clara a necessidade de preservação dessas áreas de grande valor ambiental e potencialmente sensíveis,
que ocorrem em muitos rios da costa brasileira. Identificá las e estabelecer mecanismos de proteção, bem
como as possibilidades de usos compatíveis, tais como pesca artesanal, construção de tanques de aqüicultura,
cultivo de ostras, cultivo de plantas ornamentais, desenvolvimento de atividades turísticas, recreativas,
educacionais e pesquisa cientifica, contribuem para a sobrevivência dos rios e para o fortalecimento de sua
consolidação no tecido urbano.
50

vegetação apresenta múltiplas funções, especialmente, no que concerne à dinâmica da


água:

Los bosques protegen las cuencas fluviales. Estabilizan las pendientes,


minimizan la erosión, reducen el aporte de sedimentos en los cursos
fluviales y mantienen la calidad y temperatura del água [...] el bosque tiene
una gran importância em el movimiento del água [...] junto a las masas de
agua de la superficie y del subsuelo, juega un importante papel de
almacenamiento (HOUGH, 1995, p. 34).

Outro importante papel da vegetação para os rios é sua contribuição aos


ecossistemas aquáticos, mantendo as correntes frias e sustentando a vida de diversos peixes
(HOUGH, 1995). Segundo Mello:

a cobertura vegetal estabelece uma ligação direta com ecossistemas


aquáticos: abastece o rio com material orgânico, fonte nutricional para a
biota aquática, e é responsável pelo equilíbrio térmico da água, atenuando
a radiação solar e influenciando a produção de microorganismos (MELLO,
2008, p. 77).

A supressão e alteração da vegetação se trata de uma realidade que podemos


verificar em diversos rios do mundo, onde as margens destes foram transformadas de
abundantes solos férteis e cobertura vegetal, em áreas mineralizadas14, o que incorre na não
realização dos processos naturais inerentes a este elemento vital para a vida dos rios. Como
exemplo, no rio Don, a supressão da cobertura vegetal acarretou o desaparecimento das
áreas úmidas que estavam associados às terras mais baixas e ao delta do rio. A população de
peixes local e a vida selvagem foram diretamente atingidas e encontram se empobrecidas
(HOUGH, 1995).

Além de garantir a existência e sobrevivência das comunidades vegetais


fundamentais para a manutenção dos rios, é importante garantir a qualidade das
comunidades vegetal, buscando sua conservação, prioritariamente daquelas onde a
estrutura original encontra se preservada.

14
Caracteriza se pela predominância de feições artificiais: ausência de vegetação, presença de edificações,
impermeabilização das margens, canalização e/ou retificação do leito, adoção de técnicas artificiais de
contenção das bordas, predomínio de materiais e elementos artificiais (MELLO, 2008).
51

Segundo Hough (1995), quanto menos alterada determinada comunidade vegetal,


maior será a conservação de sua estrutura original e de seus processos naturais. Em
contrapartida, as comunidades alteradas necessitam de cuidados humanos, o que
desperdiça energia e componentes químicos o que as tornas menos auto suficientes e
resistentes. As comunidades menos alteradas representam elementos de grande qualidade
biofísica, fundamentais para o funcionamento dos processos naturais, enquanto que as
comunidades mais alteradas podem representar uma contribuição positiva a estes quando
restauradas.

Fig. 12 rio com vegetação nas margens: Canal Fig. 13 rio sem vegetação na margem: Conflans Sainte
Ohio, Washington (MANN, 1973) Honorine, França (Les Atelier, 2009)

Em decorrência de sua importância para o corredor biológico ripário, conforme


exposto, a vegetação é um elemento prioritário na complexidade dos processos naturais que
os rios apresentam e, portanto, deve ser incorporada na construção do território. Em função
de suas características, podemos atribuir valores a este elemento. Dessa forma, devemos
respeitar as áreas vegetadas de maior contribuição aos rios, aquelas que se encontram ainda
conservadas, que apresentam maior biodiversidade, por exemplo, e, sendo assim, podemos
definir as áreas com vegetação mais ou menos preservadas e quais poderiam ser suas
designações, quanto a ocupar ou não, conforme avaliação do sistema vegetal, sua
preservação ou necessidade de reconstituição (TARDIN, 2008).
52

Por todo o exposto, identificar as áreas vulneráveis à exploração e a ocupação urbana


ao longo do rio, as áreas relacionadas à manutenção de seus processos naturais
compreendidos e classificados segundo sua importância para o corredor ripário, buscando
preservar as áreas de maior concentração de valores e compatibilizá la, quando possível,
com a presença da ocupação, pode nos ajudar a perceber como os processos naturais dos
rios poderiam condicionar a ocupação urbana.

2.2.2 Atributos visuais: os aspectos cênicos do rio

Os rios podem ser entendidos através de seus atributos visuais. Estes podem ser
valorados a partir da percepção visual de suas características físicas, como aspectos
singulares, que caracterizam a identidade visual de cada rio e se constituem de modo
diferenciado de seu entorno (MCHARG, 1969; MANN, 1973; LYNCH, 1981; TARDIN, 2008;
outros).

McHarg (1969), na proposta de planejamento para bacia do rio Potomac, considera a


singularidade das formas do rio e de seu entorno, tanto naturais quanto construídas, e as
visadas que possibilitam sua percepção, como elementos que podem resultar importantes
para uma proposta de plano, que deveriam ser preservados. Assim como, no estudo
realizado para a proposta do traçado de uma autopista, o autor pondera, como pontos
importantes para definir o melhor caminho da via, a conservação dos elementos cênicos,
visando atribuir ao percurso da via uma experiência visual gratificante.

McHarg (1969), ao tratar deste assunto, avalia os elementos não apenas relacionados
à percepção visual, ao estético, mas, sobretudo, ao significado que um determinado
elemento representa para a população local. Em seu método de interpretação, podemos
citar, como componentes reconhecidos por essas características, os elementos cênicos
relacionados com a água, com o relevo (como, por exemplo, os topos importantes), com a
vegetação (como os lugares com massa vegetada singular) e, ainda, os lugares históricos,
entre outros.
53

Mann (1973) reconhece o valor visual da paisagem dos rios, percebendo os rios, suas
margens e o skyline como um corredor cênico, considerando serem necessários mecanismos
que garantam uma proteção estética, que assegurem ao máximo as áreas de exposição para
ver a paisagem do rio pelos ocupantes do entorno do corredor.

Fig. 14 cartografia indicando zonas com valores cênicos da água e valores cênicos da terra. (MCHARG,
1969)

Os rios são locais onde as pessoas encontram cenários visuais significantes, que
abrigam o movimento da água e a vegetação (PENNING ROWSELL; BURGES, 1997 apud
FONTENELLE, 2003).

Lynch também reconhece o valor visual dos rios. Em seus mapas de análise,
freqüentemente, os rios aparecem como locais de força na imagem da cidade, identificando
os como um dos elementos principais, como aparece nos estudos de campo realizados em
Boston e New Jesey (LYNCH, 1960). Conclui ainda em suas entrevistas a população que “em
geral as vistas preferidas eram as paisagens distantes que falam de água e espaço” (Lynch,
1997, p. 22).

Cullen (1971) considera os elementos geográficos, como os rios e as orlas marítimas,


como linhas de força nas cidades, capazes de caracterizá las e atribuir qualidades à
paisagem.
54

Conforme o exposto, podemos afirmar que os rios podem ser considerados um


componente constituinte da singularidade visual de uma paisagem. Ademais, entende se os
rios como entidade heterogênea, que detêm diferentes nuances físicas e,
conseqüentemente, distintos elementos e visadas ao longo de seu percurso, e, portanto,
podem apresentar locais com diferentes graus de singularidade, tendo áreas ao longo do seu
percurso mais ou menos visualmente significativas, de acordo com a importância destas
para percepção da identidade visual do rio como um lugar distinto dos outros.

Fig. 15 Lugares únicos na bacia do


rio Potomac e ao longo do rio
(MCHARG, 1969)

Destacamos, como exemplo, o sistema de lugares únicos, trabalhado por McHarg, ao


longo de um corredor hídrico, na bacia do rio Potomac, em que foram localizados pontos de
valores cênicos em diferentes locais ao longo do curso do rio, classificados com diferentes
tipologias, tais como corredores cênicos, pontos altos importantes, lugares de interesse
55

geológico, lugares com vegetação interessante, marcos históricas15, entre outros (MCHARG,
1969).

Sendo assim, ao identificarmos os elementos mais relevantes, no que concerne ao


atributo visual, induz nos, não apenas a preservar o rio e suas margens como um todo, mas,
sobretudo, a acentuar a atenção e priorizar determinadas áreas ao longo do seu percurso
por apresentar características singulares.

Tardin (2008), ao estudar os sistemas de espaços livres no ordenamento territorial,


analisa categorias relacionadas com aspectos visuais destes, tais como os elementos cênicos,
os marcos históricos, dentre outros.16

A autora coloca que os elementos cênicos são aqueles componentes naturais com
uma qualidade visual intrínseca que dão caráter a um lugar (as formas singulares do relevo,
da hidrografia, da vegetação). Estes elementos funcionam como referências e como marcos
do lugar, constituindo parte de sua identidade territorial e do potencial visual de sua
paisagem.17

A água, a vegetação e o relevo do corredor ripário são, portanto, potentes elementos


que conformam o caráter visual dos rios, visto que permitem às pessoas reconhecer um local
como sendo distinto do outro, como entidade separável do entorno por permitir uma
melhor orientação, em decorrência de uma estrutura diferenciada dos demais elementos
que compõem a paisagem (LYNCH, 1960 e 1981).

A consideração dos atributos visuais são muito importantes no processo de


estruturação do território. Muitas vezes, os rios não se apresentam ecologicamente

15
Para McHarg (1969) os marcos históricos são os espaços livres com interesse histórico cultural que, em geral,
perduram na evolução urbana da área.
16
A autora coloca também como categoria de análise dos aspectos visuais dos espaços livres os fundos cênicos
parciais e panorâmicos e as áreas de emergência visual a qual comentamos no item 1.3.2 por consideramos
uma característica mais vinculada à forma com que a ocupação se conforma no entorno dos rios para viabilizar
a contemplação dos elementos cênicos seja através de vistas parciais ou panorâmica, seja através de áreas de
emergência visual.
17
Bolós (1992) destaca que os elementos naturais de maior singularidade costumam ser os elementos naturais
vinculados, especialmente, à água e à vegetação. Elementos que, quando associados geram contrates, nitidez
de formas, presença de padrões repetidos, distintas cores; etc.
56

saudáveis, no entanto, suas características visuais são valiosas, capazes de atrair a ocupação,
de definir sua organização e definir determinados tipos de usos voltados para a
contemplação e para as atividades de lazer, as quais se tornam mais agradáveis em áreas de
alto valor cênico.

O rio Sena, em Paris, possui um conjunto de edificações e espaços livres públicos, tais
como, o Louvre, o Jardim de Tuileries, o Invalides, a Torre Eiffel, a Escola Militar, a Praça da
Concorde, a Esplanada dos Invalides, o Trocadeiro, e o predominante eixo da Champs
Elysées, os quais tiveram sua implantação, orientação e organização intencional em
decorrência das qualidades visuais do rio. (MANN, 1973).

Fig. 16 rio Sena, em Paris (MANN, 1973) Fig. 17 rio Potomac, em Washington, D.C, Plano
de Pierre Charles L'Enfant
(http://pt.wikipedia.org/wiki/Washington,_dc,
2010)

O projeto do grande eixo, em Washigton, orientou equipamentos importantes como


o Mall, a Avenida Delareware e o Capitólio, voltados para a paisagem fluvial do rio Potomac,
de acordo com uma visão ampla do rio e da paisagem circundante. (MANN, 1973)

A cidade de João Pessoa, que nasceu às margens do rio Sanhauá, apresenta as


fachadas principais da maioria das edificações voltadas para o rio, para sua contemplação.
(VIEIRA, 2001)

Segundo Fontenelle (2003), o rio carioca orientou a ocupação ao longo de seu vale
também por seu valor estético, visto que a beleza de seu vale trouxe para viver as margens
deste rio as famílias abastadas do século XIX.
57

Porath (2004) observa que o rio Tibre, em Roma possui importantes elementos
arquitetônicos dispostos ao de seu curso, em ambas as margens, reforçando o seu caráter
como espaço cenográfico.

Preservar e valorizar os elementos cênicos dos rios pode contribuir para seu caráter
estruturador, uma vez que atribuem aos rios alta qualidade visual e expressiva atratividade.
Como vimos, os atributos visuais podem exercer forte influência sobre as atividades, sobre o
tipo de usos da ocupação urbana, sobre a forma com que os assentamentos, as infra
estrutura e as edificações encontram se relacionados com o corredor do rio, seja mediante a
orientação das edificações, das vias, dos espaços livres, do tipo de classe social e dos usos,
etc.

2.2.3 Atributos espaciais: o “traçado” do rio

Os rios podem ser compreendidos por seus atributos espaciais, no que concerne aos
seus aspectos morfológicos. Suas dimensões (largura, extensão e profundidade) e formas
(retilínea, sinuosa, contínua ou descontínua), apresentam relação direta com seus processos
biofísicos e visuais e podem influenciar na configuração dos assentamentos e da infra
estrutura urbana, o que lhes confere importância na consolidação do caráter estruturador
dos rios.

Identificamos como alguns atributos espaciais dos rios: sua longitudinalidade, que
engloba aspectos relacionados à sua forma e à sua extensão; e sua transversalidade, relativa
à suas dimensões transversais, como à sua largura.

A profundidade também pode impactar diretamente na qualidade dos atributos


biofísicos, como a qualidade da água, tipos e quantidades de espécies animais, e, por outro
lado, também interfere nos tipos de usos possíveis, tais como a possibilidade de haver
transporte hidroviário, portos, entre outros. Assim como, a profundidade pode influir na
definição das áreas a serem ocupadas ou não o que aponta como importante papel no seu
58

caráter estruturador. Apesar da importância da profundidade, iremos focar nas


características de longitudinalidade e transversalidade por considerarmos de maior
influência na configuração espacial e funcional do entorno, sendo a profundidade analisada
conjuntamente com essas características.

Longitudinalidade

Os rios podem ser classificados quanto ao padrão básico do canal: retilineo,


meandrante, entrelaçado e anastomosado, podendo apresentar mais de um padrão ao
longo dele (MELLO, 2008). Os rios retilíneos são, em geral, restritos a pequenos segmentos,
canais simples com barras longitudinais. Rios entrelaçados são mais comuns em regiões
áridas e semi áridas, constituindo se de dois ou mais canais com barras e pequenas ilhas. O
rios meândricos possuem canais simples sinuosos, em especial, os anastomosados, que
apresentam dois ou mais canais sinuosos, com ilhas largas e estáveis. (RICCOMINI; GIANNINI;
MANCINI, 2000 apud MELLO, 2008).

Esses parâmetros são apresentados por Mello (2008) relacionados a dinâmicas


biofisicas, como no caso da interferência destes padrões quanto ao processos de
sedimentação, o que aponta para a importância da manutenção do traçado original dos rios,
uma vez que a conformação espacial dos rios está diretamente relacionado aos seus
atributos biofisicos. Outro exemplo, que demonstra a necessidade de preservar seus
padrões originais, no que se refere a importância aos atributos biofísicos, trata se da
retificação de rios. Ao serem retificados, os rios podem ter alterada a velocidade das águas,
o carregamento de seus sedimentos e o movimento de suas águas, pois um rio não
permanece sempre no mesmo local, ele ocupa todos os pontos dentro da sua várzea (SPIRN,
1995). Contudo, sabe se que são freqüentes as alterações nas linhas originais dos rios, como
ocorrido no rio Don, em que foi retificado, desencadeando problemas ambientais (HOUGH,
1995).
59

Fig. 18 padrões básicos do canal dos rios (MELLO, 2008) Fig. 19 Rio Don e a alteração do padrão
básico de seu canal pela ocupação urbana
(HOUGH, 1995)

Considerando os padrões mencionados, percebe se que, os rios, de um modo ou de


outro, apresentam algum grau de sinuosidade, ainda que em apenas alguns trechos do seu
curso. A sinuosidade é uma característica inerente aos rios, que impacta não apenas nos
seus processos biofísicos, mas está diretamente relacionado com o alto valor de seus
atributos visuais.

Rios com maior sinuosidade, portanto, reentrâncias, meandros e curvas, apresentam


maior fluidez em sua forma, e possibilitam uma maior experiência espacial no que concerne
a visualização e perspectivas. Tanto para a ocupação próxima às suas margens, uma vez que
áreas sinuosas possibilitam uma extensão maior de frente, ou seja, de pontos visuais para o
rio, com uma maior quantidade de fachadas em contato visual com o rio, do que uma linha
reta pode proporcionar, além de possibilitar perspectivas mais diversificadas. Como, ao
entender o rio como uma via, onde podemos nos deslocar ao longo dele18 (LYNCH, 1960), os

18
“Vias são os canais de circulação ao longo do qual o observador se locomove de modo habitual, ocasional ou
potencial” (LYNCH, 1997)
60

rios que apresentam sinuosidades possibilitam uma maior variação em seu percurso e
distintos enquadramentos visuais ao longo dele. Tomando a idéia do rio como uma via, um
eixo de movimento, os trechos sinuosos dos rios devem ser respeitados e valorizados, a fim
de garantir uma experiência intensa.

Fig. 20 croqui sinuosidade versus visibilidade


(Autora, 2010)

O traçado do rio, sinuosos ou retilíneo, pode influenciar a locação de vias paralelas a


este ao traçado, o que tende a valorizar o rio, desde que respeitado os seus processos
biofísicos. E se esta for contínua ao longo de toda a extensão do rio, representa a
possibilidade de conexão entre diversos assentamentos, especialmente através da locação
de espaços livre públicos que interajam com o rio. Além disso, quando esta via possui um
papel central na cidade tende a atrair várias funções que concentram pessoas, como
comércio e serviços e que podem contribuir para uma dinâmica de interação entre
assentamentos e o rio.

Outro aspecto importante na longitudinalidade dos rios trata se de sua conectividade


e continuidade. A conectividade é uma característica representativa no papel dos rios para
garantir sua integridade. É a capacidade de uma paisagem facilitar os diferentes fluxos
(hidrológico, biológicos e abióticos), a habilidade de conectar zonas (FORMAN, 1995;
outros).

Do ponto de vista ecológico os rios apresentam se como condutores que catalizam


determinados fluxos e o movimento de espécies e de matéria, e conectam diferentes
61

habitats naturais (FORMAN, 1995; DRAMSTAD, J.D. OLSON & FORMAM, 1996; RODÁ, 2006).
Segundo Formam, um corredor pode ter as seguintes funções: habitat, condutor, filtros ou
barreira. Para Formam, um rio apresenta se como um corredor, e este age como condutor
quando um objeto move se ao longo dele, quando os fluxos podem ocorrer tanto dentro
quando ao lado de suas margens.

A conectividade será maior se preservada a continuidade dos rios e de suas margens,


não interrompendo os fluxos hídricos e os biológicos. Quanto maior a extensão dos rios,
mais potente será o corredor hídrico uma vez que mais zonas serão conectadas e maior será
o fluxo e diversidade de espécies em movimento no corredor, propiciando alto grau de
colonização do habitat da fauna e flora, de sobrevivência e reprodução das espécies
(FORMAN, 1995)

Tranversalidade

A transversalidade dos rios caracteriza se pela separação, seja do tecido urbano, seja
de elementos naturais que apresentam composição diferenciada do elemento hídrico. O rio
é um separador entre as duas margens.

Lynch (1960) considera os rios como limite, entendendo que limite são elementos
lineares, fronteiras entre duas fases, quebras de continuidade.

Uma característica peculiar à transversalidade é a largura. Enquadram os rios como


fortes limites, uma vez que predominam visualmente no território, o que fortalece o
atributo visual dos rios, tem uma forma contínua e não pode ser facilmente atravessados
(LYNCH, 1960). O rio de amplas dimensões, tanto em largura, extensão e profundidade,
remete à limite mais marcados, atuando como zona de filtro, tanto para fluxos urbanos
como para alguns fluxos biofísicos (ex: fluxo das espécies animais) (FORMAN, 1995, outros).
Isso ocorre porque rios mais amplos apresentam uma maior extensão para atravessamento
dos fluxos urbanos e para algumas espécies animais, dificultando o atravessamento destes,
e, portanto, rios mais amplos apresentam maior proteção às espécies que habitam seu
62

curso. Além disso, rios amplos apresentam menor probabilidade de tornarem se ocultos na
paisagem, diante, por exemplo, do filtro a fluxos urbanos.

Outro aspecto relevante dos trechos mais largos dos rios consiste que nesses pontos
pode haver maior população de fauna e maior número de diferentes espécies e, portanto,
áreas com maior biodiversidade, o que reforçam a importância dessas zonas para qualidade
biofísica do corredor hídrico. (FORMAN, 1995)

Neste ponto, analisar a transversalidade pode identificar as áreas onde os rios


apresentam se mais largos e este atributo deveria ser preservado visto a sua relação com os
aspectos biofísicos e visuais e, portanto, com o potencial dos rios tornarem se elementos
estruturadores da ocupação do entorno. Para garantir a manutenção das áreas mais largas,
faz se necessário desestimular ocupações próximas a estes pontos e, portanto, este aspecto
da transversalidade (sua largura) contribui para a capacidade de estruturação dos rios a
partir de seus atributos espaciais.

Em suma, a manutenção da configuração original dos rios, de seus meandros, do seu


traçado sinuoso, de seu aspecto contínuo e longitudinal, de sua largura, tanto do curso do
rio como de sua várzea, garante a manutenção de seus atributos biofísicos e a
potencialização de seus atributos visuais, ao mesmo tempo em que confere potencialidades,
se aproveitadas, como veremos no item 2.3.3, para a estruturação dos assentamentos que
se desenvolvem a partir dos rios e ao longo deles, podendo permeá los, articulá los e
interagir amplamente com a ocupação urbana, tanto na definição de usos, como nas
possibilidades de implantação das vias, edificações e demais espaços livres. Sendo assim,
deve se respeitar suas características espaciais, o que implica na condução da conformação
e do desenho da ocupação do entorno.

Vimos algumas características dos rios que pressupomos ser capazes de condicionar a
ocupação de entorno e, por vezes, cidades inteiras por onde passam os rios.
63

Explanamos como os rios condicionam a ocupação através de seus atributos


biofísicos: água, relevo, solo e vegetação. Tentamos elucidar como os rios tornam se
elementos definidores do entorno através dos seus atributos visuais: o valor singular do rio,
de seus elementos constituintes e das visadas possíveis. Assim como, tentamos perceber a
relação dos atributos espaciais dos rios na configuração de seu entorno, ocupado ou não.

Reconhecer quais fatores são fundamentais para a manutenção dos atributos


biofísicos, visuais e espaciais dos rios, pode nos apontar as áreas mais convenientes para
serem ocupadas, e como devem ser ocupadas, e as áreas que deveriam ser preservadas.

Contudo, como incorporar tais processos na dinâmica de ocupação urbana de modo


a valorizar os rios, como elementos estruturadores?

2.3 Ocupação Urbana e o caráter estruturador dos Rios.

Um fator fundamental na contribuição da ocupação urbana ao caráter estruturador


dos rios são suas características espaciais e funcionais, ou seja, como essa ocupação, a partir
de suas edificações, parcelamento, vias e espaços urbanos, se relaciona, interage, dialoga,
circunda, contorna, aproxima se e atravessa o rio de forma a respeitar e valorizar os seus
atributos biofísicos, visuais e espaciais.

A seguir, iremos abordar algumas situações nas quais a ocupação urbana pode
contribuir para o caráter estruturador dos rios. A análise pauta se nos três atributos
estudados:

Relativo aos atributos biofísicos: em que se busca reconhecer a compatibilidade da


ocupação urbana com a manutenção dos processos naturais.

Relativo aos atributos visuais: em que focamos na visibilidade e acessibilidade aos


rios a partir da ocupação urbana, buscando se garantir a valorização da percepção visual
destes.

Relativo aos atributos espaciais: em que se busca que a ocupação urbana adapte se
e valorize o traçado natural dos rios.
64

Apesar da subdivisão da explanação baseado nos três atributos analisados, veremos


que as situações apresentadas podem contribuir para mais de um dos atributos dos rios.

2.3.1 Relativo aos atributos biofísicos

Considerando os rios como elementos estruturadores da ocupação urbana relativo a


seus atributos biofísicos, vimos que a relação entre estes e a ocupação deve ir além do fato
de ocupar ou não uma área. Muitas vezes, apenas a preservação de áreas não é o suficiente
para a manutenção dos processos naturais dos rios. Segundo, Hough (1995, p. 81) “o
desenvolvimento urbano deve integra se ao funcionamento dos sistemas naturais”, levando
em conta seus elementos e processos e, apenas estabelecer o que pode e não deveria ser
ocupado, não se faz suficiente. Dessa forma, entendemos que a manutenção dos processos
naturais está fortemente relacionada à relação dos elementos construídos com os
componentes do corredor hídrico – água, vegetação, relevo e solo. Sobretudo, quando estes
últimos, enquanto elementos e processos a serem mantidos, ditam as diretrizes para a
conformação espacial e funcional da ocupação urbana.

A tendência em nossas cidades é o avanço da ocupação sobre os espaços livres, e os


espaços em volta do rio tornam se espaços de negociação, ou seja, as margens e,
especialmente, as planícies inundáveis são vistas como espaços de disputa entre natureza e
demandas da sociedade por mais solo para ser ocupado (HÖLZER et al, 2008)

As práticas tradicionais nesse processo de disputa por espaço a ser ocupado,


evidenciam que às cidades tendem a invadir o espaço dos rios, canalizando, aterrando e
tamponando, o que vem mostrando se ineficiente, a médio e longo prazo. Ineficientes
relativos aos processos naturais, haja vista a impossibilidade de relação entre rio e suas
margens, entre água, vegetação, solo, subsolo, devido à perda da mata ciliar, à perda da
sinuosidade e comprimento do rio, à mudança na drenagem dos terrenos adjacentes, entre
outras modificações (RILEY, 1998). Assim como, não solucionam, em longo prazo, o controle
das enchentes, questão cada vez mais recorrente em decorrência das mudanças climáticas,
que provocam constantes inundações, desencadeadas pelos grandes picos chuvosos,
65

quando os rios retomam seu espaço, invadido pelas ocupações. A problemática das áreas de
inundações torna se um dos fatores principais por busca de soluções.

Cidades invadindo as águas, e as águas invadindo as cidades – situações


pendulares, cíclicas, geradas a partir de antigos conflitos entre sistemas da
cultura e sistemas da natureza (COSTA, 2006).

Quando áreas ocupadas consolidadas e áreas objeto de futuras ocupações, mediante


o pressuposto do avanço do solo urbanizado, sofrem com as constantes inundações, a busca
por soluções alternativas que mitiguem os danos causados por esse consumo desmesurado
do solo lindeiro à água e incorporem os processos naturais da dinâmica hídrica, tornam se
primordiais na construção de nossas cidades. Incorporar “o poder destrutivo da força da
água do rio deve se tornar em algo positivo e força criativa” (HÖLZER et al, 2008), seja, por
exemplo, através da eliminação de obstáculos nas áreas de várzea, tal como pontes,
evitando se a fragmentação do corredor pela ocupação, ou o impedimento do fluxo de água
nos períodos de cheias; garantir ao máximo a infiltração da água; buscar retardar a
velocidade das águas pluviais; entre outras possibilidades.

Além da atenção requerida à dinâmica da água para manutenção dos processos


biofísicos, é necessário garantir a integridade biofísica das comunidades vegetais que
compõem o corredor hídrico. Além de sua preservação e proteção, deve se assegurar a
continuidade vegetal para garantir o movimento das espécies animais, bem como a
contribuição da vegetação ao ciclo hidrológico, como já citado anteriormente.

Dessa forma, o tratamento adequado das margens do rio demonstra quando a


ocupação urbana respeitou e valorizou seus atributos biofísicos. Quando os rios apresentam
se como elementos estruturadores no viés de suas características naturais intrínsecas, suas
margens devem ser preservadas, ou, quando ocorrer intervenções, os processos naturais
devem condicionar as formas de intervenção, ou seja, deve se considerar os fluxos entre
água e terra, permitindo sua infiltração, para garantir os fluxos de espécies, evitar a erosão e
o solapamento das margens, integrar o movimento da água, como colocamos
anteriormente, etc. Por outro lado, rios com margens predominantemente com estruturas
em concreto, entulhos, aterros, retificadas ou com a supressão total da vegetação,
66

caminham em direção oposta a intervenções onde há a compreensão do rio como um


elemento vivo com suas próprias leis naturais.

Ainda, para que a ocupação encontre se adequada aos processos naturais e, ao


mesmo tempo, aproveite seus potenciais para o bem estar humano, como, por exemplo,
promover benefícios físicos e mentais para a população usuária19, devemos estar atentos
aos tipos de uso, tanto sobre os rios, como no seu entorno, nas superfícies de contato entre
rios e ocupação. Devemos priorizar atividades de baixo impacto, tais como atividades não
poluentes, que não exijam grandes intervenções físicas, que ocasionam grandes
modificações no habitat natural. Por exemplo, nos casos de atividades de exploração, como
pesca e agricultura, que sejam apenas de caráter artesanal e controladas, de modo que
permitam a renovação dos recursos naturais, alvo da exploração.

Dessa forma, a possibilidade de permitir usos, desde que adequados aos valores
intrínsecos dos rios, pode valorizar a relação da sociedade com os atributos biofísicos destes,
bem como visuais e espaciais, na medida em que, como observa Fontenelle (2003), no Rio
Carioca, o que acreditamos ser válido para outros rios:

há uma perda de valor de uso do rio carioca. Ver se que a relação


estabelecida entre o rio e a população sempre se deu, e ainda se dá, numa
relação de troca propriamente dita: quando o rio perde seu “poder de
barganha”, ou seja, quando já não oferece algo em troca, deixa de ser o rio
e passa a ser apenas espaço a ser ocupado (FONTENELLE, 2003).

2.3.2 Relativo aos Atributos Visuais

Reconhecer e incorporar os atributos visuais dos rios significa identificá los e


preservá los, mas, acima de tudo, valorizá los como elemento potencial na construção da
paisagem de nossas cidades.

19
Ao se referir à infra estrutura verdes (a qual definimos no item 2.1) em que se enquadram os rios, Benedict e
MCMAHON (2006) apontam a importância das infra estruturas verdes para a população, que através de usos
de lazer e atividades recreativas nessas áreas podem melhorar sua qualidade de vida. Estudos mostram que
atividades recreacionais reduzem o stress, melhoram o raciocínio cognitivo e ajudam a construir uma auto
estima para crianças e adolescentes.
67

Entendemos que a valorização dos rios e, especialmente, de seus atributos visuais,


está intimamente relacionada à visibilidade destes (MANN, 1973; HOUGH, 1995, COSTA,
2006;). Ou seja, ao modo como as ocupações urbanas são conformadas espacialmente e se
permitem o acesso visual ao rio pela população, como também o acesso físico para
favorecer a visibilidade próxima a este e o desfrute de seu espaço (MANN, 1973; COSTA,
2006; outros).

Visibilidade e Acessibilidade

Mann (1973) aborda a necessidade de controle do entorno dos rios para assegurar o
máximo possível a visibilidade da paisagem do rio pelos ocupantes das margens (MANN,
1973). A visibilidade não é apenas relevante para valorizar os atributos visuais dos rios, mas,
sobretudo, conforme Hough (1995), garantir a visibilidade dos processos naturais, como um
componente fundamental para contribuir para a construção de uma consciência ecológica e
para a valorização dos elementos naturais pela população.

O modo como os assentamentos e as infra estrutura viárias estão orientados,


projetados e os tipos de usos vinculados, permitem maior ou menor visibilidade do rio,
valorizando, ou não, os seus atributos cênicos de maior relevância. A orientação das
edificações e estruturas para o rio mostra que é apreciado como um valioso espaço aberto e
uma parte importante da morfologia urbana (HÖLZER et al, 2008)Enquanto que os tipos de
usos, por exemplo, como os públicos, garantem maior visibilidade por permitir acesso a um
maior número de pessoas, por outro lado, os usos privados como indústrias, ou mesmo
residências podem ser barreiras ou restringir o acesso visual aos rios.

Quando falamos de visibilidade ao rio, devemos ter em mente o objeto, ou seja, o


que se está vendo, qual elemento cênico em questão (água, vegetação, relevo, ou a
associação destes); o local de onde se está vendo (vias e pontes, espaços livres públicos,
edificações públicas ou privados); a velocidade, ou seja, se estamos visualizando de carro, a
pé ou bicicleta e a barco.
68

No que se refere a correlação entre “local”, “objeto” de visualização e “velocidade”,


com base em Tardin (2008), reconhecemos duas possíveis formas de percepção aos
atributos cênicos dos rios a partir dos espaços disponíveis pela ocupação urbana: as áreas de
emergência visual a partir das vias e os fundos cênicos (parciais e totais) a partir de espaços
livres públicos.

As áreas de emergência visual referem se aos elementos singulares que compõem o


relevo, a hidrografia, as massas vegetais, e que podem ser percebidas desde percursos pelas
vias. São aberturas visuais que se descortinam e revelam formações singulares que, em
geral, contrastam com o entorno e marcam as seqüências dos percursos como elementos
diferenciados, que favorecem mudanças na paisagem percebida. Dessa forma, estão
atreladas a pontos de acessibilidade física como as vias e as pontes, podendo apresentar
ritmos variados de percepção, seja na escala do automóvel, do pedestre ou do ciclista
(TARDIN, 2008).

As vias de contorno ao longo das margens, por exemplo, podem permitir


visualizações para os elementos cênicos relevantes constituintes da paisagem ribeira, e as
pontes, que atravessam os rios, são como terraços que nos permitem observar o horizonte
urbano sobre a água (COSTA, 2006). Além disso, as vias ao longo das margens de um parque
linear poderiam servir como atrativos para construções orientadas com vistas para os rios
(MANN, 1973).

No que se refere aos fundos cênicos estes seriam as áreas visuais mais amplas
permitidas a partir dos espaços livres, assim como de edificações, que abarcam os elementos
mais significativos da paisagem de maneira parcial (as vistas parciais) ou geral (as vistas
panorâmicas) e permitem visualizar o caráter de um lugar de forma genérica (TARDIN, 2008).

A visualização a partir dos espaços livres público próximos e orientados aos rios,
conferem alta visibilidade aos seus atributos cênicos aos rios, especialmente aqueles em
cotas elevadas, e, portanto, para as pessoas vivenciarem os rios depende largamente da
disponibilidade e a forma dos acessos (HÖLZER et al, 2008)A acessibilidade pode ser
identificada quanto ao grau de acesso: disponível, restrito, impedido. Assim como ao tipo de
acesso, ou seja, por espaços públicos ou por vias, por exemplo.
69

Mann (1973) argumenta a necessidade de controle para assegurar, o máximo


possível, às margens dos rios como locais públicos, com acesso e usos voltados para a
recreação ou proteção estética e ecológica (MANN, 1973).

Acessos por espaços livres públicos normalmente apresentam acesso disponível, ou


restrito quando estão atrelados a instituições que restringem o uso a horários e/ou a
determinados públicos, ou quando os espaços requerem horário de funcionamento, como
alguns parques. Os espaços livres públicos possibilitam uma vivência próxima aos rios:
permitem vivenciar a água, as margens, sua vegetação e os elementos topográficos. Está
diretamente relacionado à escala do pedestre e do ciclista, o que inclui possibilidades de
caminhar ao longo do rio, de ter acesso físico a água, de cruzar os rios e atravessar para a
outra margem e acessá la (COSTA, 2006). Criar caminhos, parques ou qualquer espaço livre
público significa criar novos acessos ao rio (HÖLZER et al, 2008), portanto, significa torná lo
acessível, valorizando a percepção de seus atributos.

Os acessos impedidos manifestam se pela ausência deste ou pela presença de


barreiras como muros, cercas, algumas infra estruturas, como ferrovias e elevados, ou ainda
pela presença de edificações, geralmente de grande porte, que tradicionalmente guardam
usos que não se relacionam com o acesso público e privatizam o espaço, tais como
indústrias, portos, supermercados, entre outros.

No Rio Charles, em Boston, Mann (1973) observa que, em alguns trechos, apresenta
grandes empreendimentos privados localizados as suas margens, impedindo acesso, o que
afetou a qualidade da paisagem e o caráter público do rio. Para Mann (1973) essa
permissividade demonstra a negligência das autoridades e a falta de compreensão do valor
cênico da paisagem. Além das altas e massivas construções na costa do rio, estacionamentos
e estruturas recreacionais mal concebidas tem também comprometido a paisagem do rio.
Privatizam a área, modificam as características naturais, quando não a destroem totalmente.

Portanto, no intuito de valorizar os atributos visuais dos rios, ressaltamos a


necessidade de identificarmos as barreiras visuais, tais como muros, edificações privadas,
assentamentos que impedem o acesso ao rio, entre outras, para que possam ser eliminadas
ou adaptadas.
70

Até então, tratamos dos aspectos relacionados diretamente com as margens dos rios.
Contudo, também devemos verificar se os assentamentos do entorno têm acesso direto ao
rio, o que pode ser realizado através de vias ou caminhos como corredores que conectam
redes existentes de caminhos e espaços livres para o rio.

Pelo exposto, quanto maior a quantidade de locais que permitem visibilidade ao rio e
a importância destas visuais como orientadora de assentamentos e infra estrutura viárias,
maior o grau de estruturação em relação ao seu entorno ocupado.

Compreendemos que a visibilidade e a acessibilidade reforçam o caráter estrutural


do rio a partir de seus atributos físicos percebidos visualmente, uma vez que asseguram que
o rio seja um lugar em si, e não apenas um elemento desconectado fisicamente e
visualmente do seu entorno, e que pode ser percebido como determinante para a
ordenação deste.

2.3.3 Relativo aos Atributos Espaciais

Como vimos, algumas das características dos atributos espaciais dos rios, inerentes a
sua longitudinalidade e transversalidade, são: a conectividade e a continuidade, a
sinuosidade e a largura do corredor. Na leitura dos atributos espaciais dos rios destacamos a
relação destas características com os processos biofísicos e visuais e mencionamos sua
possível relação com a capacidade de influenciar na estruturação da ocupação do entorno.
Iremos, agora, tentar relacionar essas características, de forma mais detalhada, como a
ocupação do entorno, observando como os atributos espaciais podem estruturar a
configuração deste e como que a ocupação, pode, ou não, garantir e reforçar os atributos
espaciais do rio.
71

Ao observamos os padrões dos rios, apresentados no item 2.2.3, percebemos que há


predomínio de uma linearidade20, caracteristica dos corredores ripários, que pode
apresentar mais sinuosos (no caso dos meândricos e anastomosados) ou menos sinuosa (no
caso dos retilíneos e entrelaçados).

A linearidade dos rios, pode estar diretamente relacionada a conformação dos


assentamentos e infra estrutura do seu entorno. A linearidade pode, por exemplo, contribuir
para a construção de assentamentos em “faixas”, que se desenvolvem seguindo suas
margens, especialmente na fase da formação primária (núcleo original) dos assentamentos.

Fig. 21 Rio Sena e rio Oise, França ocupação assentamento em “faixas” ao longo do rio. (GOOGLE EARTH,
2010)

A linearidade também pode induzir a direção do eixo de expansão da ocupação,


definindo direções de crescimento. O relevo das margens dos rios também influência a

20
Linearidade diferente de retilíneo. Retilíneo, segundo dicionário da língua portuguesa significa o que não tem
curvaturas nem sinuosidades. Enquanto lineariedade é a característica do que é linear que significa algo
alongado e estreito, semelhante a uma linha (http://www.priberam.pt, acesso em 01/10/2010), e, portanto,
não necessariamente algo que não possa ter curvas.
72

conformação da ocupação urbana nas margens destes, que será configurada, de acordo com
a necessidade de adaptação a um relevo acidentado ou a um relevo mais plano.

Além disso, a linearidade dos rios permite um maior dialogo físico e visual com um
maior número de assentamentos e distintas comunidades como destacado por Hough
(1998):

[...] las bandas lineales son probablemente la forma más eficiente de


paisaje al aire libre [...] los espacios proporcionan el máximo impacto visual
y el máximo acceso físico [...] (WHYTE apud, HOUGH, 1998, p.155)

Em geral, quando as vias incorporam as características espaciais dos rios, no que


concerne a sua longitudinalidade, tendem a seguir paralelamente seu curso, incorporando
sua sinuosidade e seus meandros, quando existente. As vias quando estruturadas pelos
atributos espaciais, também podem ser instaladas de forma convergente às margens dos
rios, por exemplo, em eixos imaginários perpendiculares as bordas dos rios como percebido,
por Ghilard (2004), no rio Ribeirão Preto:

[...] a cidade do Ribeirão Preto interagia diretamente com o ribeirão a


medida que suas ruas, mesmo com um traçado reticulado, posiciona se
num eixo imaginário perpendicular a ele e limitavam se as suas margens
(GHILARDI, 2004, p.86).

Quando as vias e assentamentos não consideram os atributos espaciais dos rios,


geralmente, alteram seu traçado original, desconsiderando sua sinuosidade, meandros e
aterram suas margens retificando o canal do rio para adquirir espaço, de modo a diminuir o
espaço do rio tanto transversalmente (ocupa suas várzeas), como longitudinalmente (reduz
a extensão do rio uma vez que o transforma em um elemento retilíneo).

Com relação à transversalidade dos rios, no que se refere a sua característica de


conectividade, do ponto de vista urbano, os rios conectam habitats urbanos: assentamentos,
diversos tecidos, zonas com diferentes funções, classes e distintas comunidades. Eles
conectam fisicamente através de suas margens e suas águas. Possibilitam o fluxo de pessoas
a distintos pontos de seu percurso, através do transporte fluvial nos trechos navegáveis, ou
através de caminhos ao longo das margens. Diversas cidades que se desenvolveram ao longo
73

de rios localizaram se em suas margens, em decorrência da possibilidade de atravessar


distâncias e conectar se a diferentes territórios. Dessa forma, as cidades se dispuseram ao
longo dos rios e importantes edifícios foram implantados acompanhando sua linearidade.

O rio Sena, na grande Paris, conecta diferentes zonas e edifícios na cidade de Paris,
assim como várias outras cidades unem se por sua via fluvial como Paris, Achères, Andrèsy,
Poissy, Mantes, etc. O rio Llobregat, na Catalunha atravessa cidades como Barcelona,
Montserrat, Berga, entre muitas outras e distintas paisagens.

Quanto maior a extensão dos rios, mais potente será o corredor hídrico uma vez que
mais zonas serão conectadas, acessadas e visualizadas, e menor será a possibilidade de
tornarem se paisagens ocultas e de alterar seu traçado original.

Para aproveitar o potencial de conectividade dos rios, capaz de ligar diferentes


tecidos urbanos, grupos sociais e usos, através de sua forma linear, que atravessa distintas
zonas urbanas, tanto longitudinal como transversalmente, faz se necessário criar meios para
integrar essas distintas situações. Ao conectar zonas estamos automaticamente
aumentando o grau de acessibilidade e visibilidade dos rios, uma vez que criamos novas
formas de acesso.

Para fomentar a conexão parte se do principio que existem locais a serem


conectados. Um rio pode ter alto potencial para navegabilidade, por exemplo, mas não
possuir muitas áreas e atividades urbanas a conectar ao longo do seu percurso.

Outro ponto a ser analisado com relação à ocupação seria sua localização e
distribuição com relação ao corredor do rio. Perceber como que os assentamentos e infra
estrutura estão distribuídos ao longo do rio, se eles estão dispostos de forma a reforçar sua
continuidade e conectividade na inserção do tecido urbano, ou, ao invés disso, acabam
contribuindo para sua fragmentação e descontinuidade.

Para o atributo espacial dos rios uma distribuição equilibrada dos assentamentos, ao
longo de todo o corredor, implica em um maior aproveitamento de sua linearidade, em
dialogar com um maior número de áreas e de pessoas. Assim como, a distribuição de
assentamentos e o espaçamento de infra estrutura podem afetar a continuidade e a
74

conectividade do rio, uma vez que, podem ocasionar cortes, interrupções, fragmentação do
corredor ripário. Isto prejudicaria, por exemplo, a percepção do rio como unidade, sua
legibilidade (aspectos visuais), dificultaria ou interromperia os fluxos das espécies (aspecto
biofísico) e os fluxos de pessoas e a ligação entre zonas.

Como mencionado no item 1.2.3, os rios podem conforma se como limites do


território. Os rios limitam o crescimento de cidades que se desenvolvem ao longo de suas
margens, pelo menos em suas fases iniciais, na direção transversal às margens, ou ao longo
do curso do rio. É o que Ghilard (2004) observa na cidade do Ribeirão Preto:

[...] no inicio ribeirão era um limite de crescimento da cidade na medida


que as ruas terminavam nele. (GHILARD, 2004, p. 89)

Também limita bairros e é limite entre cidades:

Os bairros adjacentes ao Rio Itajaí Açu e outros utilizam muitas vezes os


rios como limite. (PORATH, 2004, p. 92)

O ribeirão preto foi referencia na divisão de distritos, servindo de divisa.


(GHILARD, 2004, p. 102)

Os rios podem apresentar se também como barreiras. Rios com largura ampla, como
vimos, têm maior predisposição a tornarem se barreiras para determinados fluxos, visto a
maior distância entre as margens a vencer:

The corridor is a filter or barrier when objects are inhibited from crossing
between patches on opposite sides. (FORMAN, 1995, p. 148)

Quando compreendido como elemento de interrupção e descontinuidade, em uma


mesma cidade, pode influenciar diferentes graus de desenvolvimento das margens,
induzindo a distintas características: distintos tecidos, comunidades e padrões sociais, em
decorrência, por exemplo, da dificuldade de comunicação entre as margens, do crescimento
tardio na margem oposta ao núcleo original, etc. A exemplo, o rio Neva, em S.Pretesburgo
em que os braços do rio dividem a cidade em quatro áreas com características distintas
(PORATH, 2004) e o rio Ribeirão Preto, sendo divisor de bairros e classes sociais que se
configurou na cidade di Ribeirão Preto (GHILARD, 2004).
75

Contudo, os rios como limites fortes podem ser barreiras mais ou menos penetráveis,
que separam uma região da outra, mas também podem ser costuras, linhas ao longo das
quais zonas de diferentes características relacionam se e encontram se, muito mais que
barreiras que isolam (LYNCH, 1997). É o que ocorre pode ocorrer quando os rios são
aproveitados como áreas para parques e pessoas de diferentes lugares, pertencentes a
grupos e comunidades diferentes podem se encontrar.

A largura, conjuntamente com a profundidade, também está relacionada à


capacidade de navegabilidade dos rios, quanto maior sua largura e profundidade maiores as
chances dos rios possibilitarem diferentes tipos de transporte hidroviário ao longo dele.

Os pontos mais largos seriam aqueles mais adequados a usos que não necessitam de
ligação direta, e dessa forma, desestimula se a ocupação nesses pontos, contribuindo para a
preservação dos trechos mais largos, o que confere caráter estruturador a estes atributos
espacial dos rios. Do mesmo modo, identificar as áreas mais estreitas dos rios que seriam as
mais adequadas para o atravessamento das infra estruturas, contribui para orientar o
processo de ocupação do entorno dos rios.

O desenho da ocupação urbana nas margens dos rios tende a utilizar os aspectos
espaciais destes como referências, não apenas como elemento de água, mas também como
elemento composto por vegetação e relevo. Quando o rio atua como elemento estruturador
da ocupação urbana sua configuração não é resultante da dinâmica de ocupação por si só,
que tendem a interferir nos atributos espaciais dos rios para acomodar se, mas sim resulta
da interface entre ocupação (com suas demandas espaciais e funcionais) e os atributos
espaciais dos rios onde se criam novas relações e novas interfaces:

Para preservar a paisagem é necessário respeitar e manter sua estrutura


morfológica (saliências, reentrâncias, encostas, divisores, topo, talvegues,
vales...) e em caso de urbanização deve se considerar essas características
como condicionantes de projeto, mantendo a forma original. (AFONSO,
1999 apud PORATH, 2004)

Para valorização dos atributos biofísicos, visuais e espaciais dos rios é importante
perceber as superfícies de contato e dar ênfase às bordas, às fronteiras, à interface entre os
76

rios e a ocupação. A natureza oferece continuamente superfícies de contato entre diferentes


estados de matérias. Interfaces, superfícies que se diversificam em suas consistências,
densidades, texturas, temperaturas, funções e natureza. São contatos que configuram
gradientes ou que, ao contrário, se produzem abruptamente, que assinalam um marco ou
uma descontinuidade na paisagem (BARCELOS; BRU, 2002). São nelas onde os níveis de
diversidade e intercambio são mais alto (FOLCH, 2006) e ambos os lados merecem atenção,
de forma a garantir a manutenção dos processos naturais, a valorização dos atributos visuais
e a manutenção da estrutura espacial do rio no tecido urbano.

Não obstante, encontrar a incorporação desses atributos no processo de construção


de nossas cidades, ou, ainda que, apenas no entorno dos rios que cortam o urbano, ainda é
um desafio, na medida em que, muitos rios não são percebidos como possíveis
estruturadores da ocupação urbana. O grau de estruturação dos rios está diretamente
relacionado a quanto os atributos destes foram considerados como elementos
estruturadores da ocupação das cidades.

A compatibilização dos atributos biofísicos, visuais e espaciais dos rios através do


entendimento de seus processos e interações, constitui uma base indispensável para
compreender e estabelecer adequadamente a relação entre os rios e a ocupação urbana e,
conseqüentemente, para o ordenamento dos assentamentos humanos no território e
possibilitar a consolidação do rio como elemento estruturador.
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