Rio de Janeiro
2010
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SUMÁRIO
Agradecimentos ...................................................................................................................................... 5
Resumo.................................................................................................................................................... 6
Abstract ................................................................................................................................................... 7
Lista mapas............................................................................................................................................ 16
1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 20
Objetivos ........................................................................................................................................... 26
Objetivos específicos..................................................................................................................... 26
Metodologia ...................................................................................................................................... 27
Demarcar..................................................................................................................................... 236
Adequar....................................................................................................................................... 241
Integrar........................................................................................................................................ 252
Suturar......................................................................................................................................... 254
8 Apêndice........................................................................................................................................... 271
34
Este capítulo tem como objetivo analisar a importância e a possibilidade dos rios
configurarem se como elementos estruturadores da ocupação urbana e, portanto, uma das
condicionantes na construção da ocupação do seu entorno. Para tanto, o capítulo encontra
se dividido em três partes: a primeira aborda, de forma geral, a relação entre rios e
ocupação urbana, a partir do rio como um elemento estruturador do entorno, destacando
alguns dos principais autores e pensamentos que apontam para uma tendência à valorização
dos elementos naturais, tal qual são os rios, no processo de construção do território urbano;
a segunda parte consiste de uma análise mais detalhada dos atributos dos rios, os quais
consideramos com potencial para condicionar a ocupação em seus aspectos físico e
funcional e, por fim, tentamos demonstrar como a ocupação pode conformar se tendo os
rios como elemento estruturador, garantindo a manutenção e valorização dos atributos
destes.
margens do rio Potomac, que apresentava o rio como um dos seus pontos fundamentais
para a garantia de segurança da cidade contra os potencias ataques marítimos, e por
possibilitar acesso ao interior dos estados americanos através de seu vale (MANN, 1973).
Na relação entre rios e cidades, os rios também podem ser considerados como
importantes variáveis para a definição de eixos de crescimento destas, uma vez que há
cidades cuja expansão de seu núcleo original segue ao longo do curso de seus rios. Os rios
podem também definir a orientação das infra estruturas, das edificações, dos espaços livres,
que aproveitam suas características cênicas, como ocorre no rio Sena, em Paris, no rio
Tamisa, em Londres, entre outros.
A relação entre rios e ocupação urbana, contudo, também se deu, por vezes, de
forma conflituosa. Os rios foram, e ainda são, tratados como barreiras a serem ultrapassadas
para a consolidação da ocupação urbana, tendo por vezes seu curso modificado, seja através
de aterros, canalizações, barragens e etc.
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Fig. 4 Rios como elementos valorizados pela Fig. 5 Rios como elementos valorizados pela
ocupação urbana: rio Douro (Autora, 2003) ocupação urbana: rio Sena (Autora, 2009)
Fig. 6 Situações de conflitos. Rios como elementos Fig. 7 Situações de conflitos. Rios como elementos
desvalorizados pela ocupação urbana: rio retificado desvalorizados pela ocupação urbana: margens do
e canalizado (M. Cidades, 2006) rio ocupadas com supressão de vegetação,
lançamento de esgoto e lixo in natura (M. Cidades,
2006)
ineficiente é este modelo, por ignorar os processos inerentes aos rios (HOUGH, 1995; RILEY,
1998; outros).
Essa forma de apropriação do espaço natural pelo homem vem sendo questionada. A
partir dos anos sessenta, surgem valores e preocupações de cunho ecológico que
começaram a questionar a visão de mera exploração do ambiente natural pelo homem, sem
a observação dos elementos e processos naturais e a incorporação destes nas ocupações
urbanas, e passou se a buscar uma nova base lógica para ocupação do território.
7
Ver, por exemplo, MARTINS em Moradia e Manaciais Tensões e diálogos na metrópole e
BRITTO, Ana Lúcia; SILVA, Andrade Carneiro. Viver às margens do rios: uma análise da
situação dos moradores da favela Parque Unidos de Acari. In: Costa, Lúcia (org.) Rios e
paisagens urbanas em cidades brasileiras Rio de Janeiro : Viana & Mosley : ed: PROURB,
2006. pp. 17 32
38
É por volta dos anos setenta que se produzem trabalhos de fundo ecológico, que
buscam uma nova lógica de ocupar o território, como no caso da obra seminal “Designing
with Nature”, do arquiteto paisagista McHarg (1969), uma postura frente à avaliação e o
reconhecimento dos valores ecológicos, bem como valores cênicos e sociais dos elementos
naturais no planejamento e no projeto urbano. Em seus estudos, percebemos o papel dos
rios enquanto ordenadores da ocupação, uma vez que, em seu método de valoração, os rios
são áreas de alto valor ambiental e cênico, e apresentam distintas áreas com idoneidade
intrínseca para determinados usos urbanos ou a coexistência entre distintos usos.
No estudo realizado para a bacia do rio Potomac, McHarg busca reconhecer a bacia
como um sistema de valores e indica os usos mais adequados. Em projetos realizados como
o plano “The Valley” aborda a conservação do corredor formado pelo vale fluvial Maryland,
estabelecendo a transferência de direitos de urbanização de uns lugares para outros para
proteger as zonas de maior valor ambiental. Esse plano foi precursor dos atuais programas
de corredores verdes e de avaliação dos recursos visuais.
Em 1973, Mann publica o livro “River in the City”, um dos primeiros trabalhos
ressaltando a importância dos rios urbanos. Mann (1973) trata de diversos rios em
diferentes regiões da Europa8 e Estados Unidos9, buscando focar a atenção nos valores
ambientais, estéticos e nos usos e nas ocupações do entorno, e na forma como os rios têm
sido valorizados ou desvalorizados. O autor possibilita nos perceber a forma em que os rios
estruturam diversas áreas urbanas, se foram condicionados ou condicionantes para a
ocupação urbana.
8
Rio Sena em Paris; rio Saône em Lyon; rio Tamisa em Londres; etc.
9
Rio Potomac em Washigton; rio Charles em Boston; rio Hudson em New York, etc.
39
(FORMAN, 1995; outros). Os rios são compreendidos como corredores, que, segundo a
ecologia da paisagem, seriam elementos lineares que diferem do entorno, apresentando se
como condutores que catalizam determinados fluxos e, também, podem comportar se como
barreiras ou filtros para outros fluxos (FORMAN, 1995; outros). Os rios, bem como os demais
elementos (fragmentos e matriz) possuem a finalidade de garantir os movimentos e os
fluxos dos animais, plantas, água, vento, matéria e energia, ao longo do território
(DRAMSTAD, J.D. OLSON & FORMAN, 1996), o que os torna, especialmente em termos
ambientais, fundamentais na configuração do mosaico urbano, sendo necessário sua
preservação e valorização.
Riley (1998) aponta como a restauração dos rios pode vir a resgatar seus valores
ambientais (como habitat de espécies animais, controle e redução das inundações, da
erosão), seus valores culturais e históricos (preservação ou restauração do rio como
patrimônio histórico e cultural), seus valores sociais (oferta de áreas de lazer para atração da
população e de turistas), seus valores visuais (resgatar o rio como área de valor cênico),
entre outros. Acreditamos que esta restauração dos rios pode provocar modificações no
entorno, possibilitando sua re estruturação a partir do reconhecimento dos valores do rio.
Trabalhos sobre os rios em cidades brasileiras como Porath (2004), sobre o Rio Itajai
Açu; Ghilardi (2004), que aborda o rio ribeirão Preto; Melo (2003) analisa o rio Capibaribe,
em Recife; Fontenelle (2003) trata sobre o rio Carioca, na cidade do Rio de Janeiro; Vieira
(2001) estuda o Rio Sanhauá, em João Pessoa, demonstram que essas cidades no início de
sua conformação foram estruturadas formalmente a partir destes rios, contudo, no geral,
hoje, esses rios encontram se bastante degradados e desvalorizados, nos mais diversos
aspectos, seja nos seus valores biofísicos, seja nos seus valores visuais, espaciais, etc.
valores próprios, com potencial de (re) estruturar o território urbano e ordenar a ocupação,
concebendo os como elementos ativo na intervenção urbanística.
Com base no exposto, iremos nos deter mais detalhadamente nos atributos
biofísicos, visuais e espaciais dos rios, os quais consideramos que, juntos, podem conformar
um sistema de valores capazes de conduzir o ordenamento da ocupação urbana e, portanto,
tornar o rio um elemento estruturador no processo de construção do território.
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McHarg (1969) coloca que é necessário identificar os processos naturais que realizam
funções para o homem (controle da erosão, regulação da temperatura, conforto ambiental,
purificação da água, etc.); os que oferecem proteção à natureza (habitat da fauna e flora,
proteção de ecossistemas, etc.); os que são hostis ao homem (planícies de inundação, áreas
de deslizamento, etc.) e, portanto, devem ser proibidas ou reguladas para garantir a
segurança da população; os que são únicos e especialmente valiosos para o homem
(biodiversidade, etc.); e os mais vulneráveis as intervenções humanas (áreas de reprodução
da fauna, etc.). Dessa forma, pode se constituir um sistema de valores identificando se os
espaços que devem ser preservados, os espaços aptos a serem ocupados e como devem ser
ocupados e quais tipos de usos são compatíveis.
McHarg (1969) apresenta, de forma resumida, uma escala, em ordem crescente, dos
ambientes mais sensíveis à ocupação urbana àqueles menos sensíveis aos processos
urbanos, sendo as águas superficiais, as áreas úmidas, as planícies de inundação, as zonas de
recargas de aqüíferos os elementos de maior sensibilidade. Tal fato aponta nos que as áreas
das águas, tal como os rios e sua planície inundável, devem receber atenção no processo da
ocupação do território.
O rio não é apenas constituído do elemento água, é também vegetação, solo, relevo,
fauna e flora. Entretanto, o rio não é apenas um somatório das partes, o rio é gerado a partir
da relação e interdependência entre esses componentes, que representam os processos
biofísicos.
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Los diferentes tipos de paisaje son consecuencia de las fuerzas que les dan
origen: La elevación geológica y la erosión de las montanas, el ciclo
hidrológico y las fuezas de agua que dan forma a la tierra, la diversidad de
plantas, animales, y personas sobre la tierra. (HOUGH, 1998, p.18)
Como observa Ghilard (2004) a presença das características biofísicas dos rios pode
estruturar as cidades ecologicamente. A autora apresenta uma reflexão sobre a capacidade
de estruturação dos rios, buscando mostrar como os rios podem ser elementos de
estruturação da paisagem urbana, tanto em termos ecológicos, como formais. Considera
que os rios podem estruturar as cidades ecologicamente, trazendo a natureza para o
convívio das pessoas. Neste ponto, a autora refere se aos rios capazes de atribuir qualidade
ambiental ao urbano, à saúde do meio e, conseqüentemente, à população, e isto está
diretamente integrado aos aspectos biofísicos dos rios. Rio saudável, cidade saudável.
Nas próximas linhas iremos nos deter em cada um dos principais elementos biofísicos
que compõem os rios, buscando destacar sua influência no corredor ripário e seu potencial
de condicionamento da ocupação urbana do entorno.
Água
A água, como uma das condicionantes biofísicas dos rios, apresenta grande
representatividade para ordenação da ocupação urbana, tanto a partir de seus processos
naturais como de seus atributos visuais e funcionais.
É muito importante o planejamento dos espaços da água que podem servir para
controlar a enchentes. “Resguardar os lugares da água significa agir a favor da manutenção
dos processos naturais” (TARDIN, 2008, p.130). As áreas passíveis de inundação, as áreas
alagáveis, devem estar livres de ocupação urbana, podendo apresentar alguns usos
compatíveis, que sejam inseparáveis destas áreas, tais como usos recreacionais, esportivos,
etc. (MCHARG, 1969).
A água tem seu espaço e seu ciclo e estes devem ser respeitados e incorporados nos
processos urbanos. Os rios correspondem a um dos componentes mais importantes
pertencentes ao ciclo hidrológico do território: a água da chuva corre pela terra e pelos
afluentes que deságuam nos rios levando a água aos oceanos.
10
A urbanização pode aumentar a taxa média anual de enchentes cerca de seis vezes (SPIRN, 1995).
11
A várzea é uma área relativamente plana na qual o rio se movimenta, e na qual transborda regulamente
quando acontecem as inundações (SPIRN, 1995).
46
podemos entender as áreas que devem ser respeitadas na ocupação, definindo onde pode
ou não ser ocupado, e como deveria ser ocupado, observando, por exemplo, quais seriam os
usos compatíveis, e como deveria ser a permeabilidade e a retenção da água.
Relevo
Podemos nos valer destes aspectos para estruturar o território e seu processo de
ocupação, por exemplo, identificando as áreas baixas correspondentes às áreas alagáveis, as
áreas de drenagem natural, que não devem ser interrompidas, as áreas de maior inclinação,
que devem preservar sua vegetação para evitar erosão, etc.
las laderas y las sierras existentes son fundamentales em relación con los
problemas de control de las inundaciones y de erosión [...] está relacionado
con la disminución de la velocidad de escorrentía y el control de la erosión.
(MCHARG, 1969, p. 60)
12
Grupo constituído por Gloria Persina, Isabelle Putsey, Lorene Jocteur, Olivia Jarney, Piyas Choudihuri, e
Rostom Ferradi participantes do 27ème Session dês Ateliers Internationaux de Maitirse d’Oeuvre Urbane – Le
Fleuve, Avenir d’um territoire
47
Solos
Assim como observar o relevo, analisar a estrutura dos solos constitui fator
importante para a manutenção dos processos naturais (MCHARG, 1969; SALVADOR
PALOMO, 2003; TARDIN, 2009; outros) relacionados aos rios. O conhecimento das
características dos solos e sua repercussão sobre os fenômenos da superfície tais como
permeabilidade e erosão, são importantes (SALVADOR PALOMO, 2003) para a manutenção
dos rios, uma vez que:
compor as água subterrâneas, que controlam a porcentagem de fluxo de água no rio, o que
aumenta a quantidade de água que corre pela superfície em direção aos rios, contribuindo
para o aumento das inundações. Portanto, devemos preservar os solos mais permeáveis,
resguardando os do processo de ocupação urbana.
Quanto à estabilidade dos solos, aqueles que apresentam maior estabilidade podem
ser mais aptos para serem ocupados, entretanto, também se apresentam adequados para
fixação da vegetação, elemento que interfere diretamente na qualidade dos rios em
decorrência da diminuição do processo erosivo, além da filtragem das águas que correm
para eles. Dessa forma, devemos ponderar as áreas com solos estáveis em torno dos rios
que podem ser ocupadas ou não.
Em função da manutenção dos processos naturais dos rios, os solos podem ser um
dos elementos que compõem seus atributos condicionantes, uma vez que, identificando os
tipos de solos, podemos definir as áreas mais propícias para determinados tipos de
atividades, usos e formas de usos em decorrência do grau de impermeabilização, por
exemplo.
Vegetação
13
No caso de estudo, a presença de manguezais é marcante, por isso parece importante dedicar algumas linhas
para apresentação e compreensão deste ecossistema. Segundo SEMACE (1992), os manguezais são
ecossistemas costeiros que ocorrem em regiões tropicais. No Brasil, ocorrem desde o Estado do Amapá até
Santa Catarina. A formação dos manguezais está diretamente relacionada com a existência de algumas
condições ambientais favoráveis tais como: temperatura quente e elevadas taxas de umidade; existência de
água salobra, que é a mistura da água doce dos rios com a água salgada das marés; presença de solos aluviais
que são ricos em matéria orgânica, importante para o desenvolvimento da vegetação de mangue; e ainda a
morfologia costeira plana e calma, que favorece o desenvolvimento destes ecossistemas, pois são mais
protegidas das ondas.
As áreas de manguezal apresentam um solo lamacento e sujeito a influência das marés onde se desenvolve
uma vegetação característica e uma fauna bastante diversificada, composta por espécies terrestres e aquáticas.
A vegetação de mangue é bastante especializada, pois é submetida a condições específicas, tais como: alta taxa
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A vegetação tem papel fundamental na drenagem da água, visto que possibilita uma
melhor infiltração nos solos. Permite o armazenamento da água na superfície do solo, nas
folhagens, liberando parte desta água lentamente por evaporação ou infiltração. Ademais,
as raízes atuam como coletoras, conduzindo a água para o subsolo e lençóis freáticos o que
impacta diretamente no controle do seu excesso depois de fortes chuvas (HOUGH, 1995;
MELLO, 2008). Conforme Lima:
A vegetação contribui também para a diminuição da erosão, uma vez que estabiliza o
solo e previne a descarga de sedimentos nos rios, agindo como filtro para água. Destarte, a
de salinidade, aeração deficiente e grande mobilidade dos solos, portanto, ocorrem nessas áreas uma baixa
diversidade vegetal. A fauna é considerada diversificada, apresentando várias espécies de aves, mamíferos,
peixes, moluscos, crustáceos e outros pequenos animais.
É valido ressaltar que muitas espécies não são típicas desses ambientes, apenas visitam nos ocasionalmente ou
migram temporariamente para alimentação ou reprodução, como ocorre com aves e mamíferos. Os animais
mais característicos desses ambientes são os moluscos e crustáceos.
Os manguezais têm importantes funções na manutenção dos processos naturais e para o homem, tais como:
São ambientes que oferecem condições para proteção, alimentação e reprodução de diversos organismos.
Muitos desses são fontes de alimento e renda para população ribeira;
Produzem bastante matéria orgânica, que é carreada para o mar, o que enriquece suas águas, aumentando e
melhorando o desenvolvimento das espécies e conseqüentemente a produtividade da pesca litorânea;
Suas raízes aéreas contribuem na deposição de sedimentos, evitando assoreamento e erosão nas margens
dos rios. Além disso, seu tipo de solo retém muitos agentes poluentes.
Contribui para a manutenção climática.
Fica clara a necessidade de preservação dessas áreas de grande valor ambiental e potencialmente sensíveis,
que ocorrem em muitos rios da costa brasileira. Identificá las e estabelecer mecanismos de proteção, bem
como as possibilidades de usos compatíveis, tais como pesca artesanal, construção de tanques de aqüicultura,
cultivo de ostras, cultivo de plantas ornamentais, desenvolvimento de atividades turísticas, recreativas,
educacionais e pesquisa cientifica, contribuem para a sobrevivência dos rios e para o fortalecimento de sua
consolidação no tecido urbano.
50
14
Caracteriza se pela predominância de feições artificiais: ausência de vegetação, presença de edificações,
impermeabilização das margens, canalização e/ou retificação do leito, adoção de técnicas artificiais de
contenção das bordas, predomínio de materiais e elementos artificiais (MELLO, 2008).
51
Fig. 12 rio com vegetação nas margens: Canal Fig. 13 rio sem vegetação na margem: Conflans Sainte
Ohio, Washington (MANN, 1973) Honorine, França (Les Atelier, 2009)
Os rios podem ser entendidos através de seus atributos visuais. Estes podem ser
valorados a partir da percepção visual de suas características físicas, como aspectos
singulares, que caracterizam a identidade visual de cada rio e se constituem de modo
diferenciado de seu entorno (MCHARG, 1969; MANN, 1973; LYNCH, 1981; TARDIN, 2008;
outros).
McHarg (1969), ao tratar deste assunto, avalia os elementos não apenas relacionados
à percepção visual, ao estético, mas, sobretudo, ao significado que um determinado
elemento representa para a população local. Em seu método de interpretação, podemos
citar, como componentes reconhecidos por essas características, os elementos cênicos
relacionados com a água, com o relevo (como, por exemplo, os topos importantes), com a
vegetação (como os lugares com massa vegetada singular) e, ainda, os lugares históricos,
entre outros.
53
Mann (1973) reconhece o valor visual da paisagem dos rios, percebendo os rios, suas
margens e o skyline como um corredor cênico, considerando serem necessários mecanismos
que garantam uma proteção estética, que assegurem ao máximo as áreas de exposição para
ver a paisagem do rio pelos ocupantes do entorno do corredor.
Fig. 14 cartografia indicando zonas com valores cênicos da água e valores cênicos da terra. (MCHARG,
1969)
Os rios são locais onde as pessoas encontram cenários visuais significantes, que
abrigam o movimento da água e a vegetação (PENNING ROWSELL; BURGES, 1997 apud
FONTENELLE, 2003).
Lynch também reconhece o valor visual dos rios. Em seus mapas de análise,
freqüentemente, os rios aparecem como locais de força na imagem da cidade, identificando
os como um dos elementos principais, como aparece nos estudos de campo realizados em
Boston e New Jesey (LYNCH, 1960). Conclui ainda em suas entrevistas a população que “em
geral as vistas preferidas eram as paisagens distantes que falam de água e espaço” (Lynch,
1997, p. 22).
geológico, lugares com vegetação interessante, marcos históricas15, entre outros (MCHARG,
1969).
A autora coloca que os elementos cênicos são aqueles componentes naturais com
uma qualidade visual intrínseca que dão caráter a um lugar (as formas singulares do relevo,
da hidrografia, da vegetação). Estes elementos funcionam como referências e como marcos
do lugar, constituindo parte de sua identidade territorial e do potencial visual de sua
paisagem.17
15
Para McHarg (1969) os marcos históricos são os espaços livres com interesse histórico cultural que, em geral,
perduram na evolução urbana da área.
16
A autora coloca também como categoria de análise dos aspectos visuais dos espaços livres os fundos cênicos
parciais e panorâmicos e as áreas de emergência visual a qual comentamos no item 1.3.2 por consideramos
uma característica mais vinculada à forma com que a ocupação se conforma no entorno dos rios para viabilizar
a contemplação dos elementos cênicos seja através de vistas parciais ou panorâmica, seja através de áreas de
emergência visual.
17
Bolós (1992) destaca que os elementos naturais de maior singularidade costumam ser os elementos naturais
vinculados, especialmente, à água e à vegetação. Elementos que, quando associados geram contrates, nitidez
de formas, presença de padrões repetidos, distintas cores; etc.
56
saudáveis, no entanto, suas características visuais são valiosas, capazes de atrair a ocupação,
de definir sua organização e definir determinados tipos de usos voltados para a
contemplação e para as atividades de lazer, as quais se tornam mais agradáveis em áreas de
alto valor cênico.
O rio Sena, em Paris, possui um conjunto de edificações e espaços livres públicos, tais
como, o Louvre, o Jardim de Tuileries, o Invalides, a Torre Eiffel, a Escola Militar, a Praça da
Concorde, a Esplanada dos Invalides, o Trocadeiro, e o predominante eixo da Champs
Elysées, os quais tiveram sua implantação, orientação e organização intencional em
decorrência das qualidades visuais do rio. (MANN, 1973).
Fig. 16 rio Sena, em Paris (MANN, 1973) Fig. 17 rio Potomac, em Washington, D.C, Plano
de Pierre Charles L'Enfant
(http://pt.wikipedia.org/wiki/Washington,_dc,
2010)
Segundo Fontenelle (2003), o rio carioca orientou a ocupação ao longo de seu vale
também por seu valor estético, visto que a beleza de seu vale trouxe para viver as margens
deste rio as famílias abastadas do século XIX.
57
Porath (2004) observa que o rio Tibre, em Roma possui importantes elementos
arquitetônicos dispostos ao de seu curso, em ambas as margens, reforçando o seu caráter
como espaço cenográfico.
Preservar e valorizar os elementos cênicos dos rios pode contribuir para seu caráter
estruturador, uma vez que atribuem aos rios alta qualidade visual e expressiva atratividade.
Como vimos, os atributos visuais podem exercer forte influência sobre as atividades, sobre o
tipo de usos da ocupação urbana, sobre a forma com que os assentamentos, as infra
estrutura e as edificações encontram se relacionados com o corredor do rio, seja mediante a
orientação das edificações, das vias, dos espaços livres, do tipo de classe social e dos usos,
etc.
Os rios podem ser compreendidos por seus atributos espaciais, no que concerne aos
seus aspectos morfológicos. Suas dimensões (largura, extensão e profundidade) e formas
(retilínea, sinuosa, contínua ou descontínua), apresentam relação direta com seus processos
biofísicos e visuais e podem influenciar na configuração dos assentamentos e da infra
estrutura urbana, o que lhes confere importância na consolidação do caráter estruturador
dos rios.
Identificamos como alguns atributos espaciais dos rios: sua longitudinalidade, que
engloba aspectos relacionados à sua forma e à sua extensão; e sua transversalidade, relativa
à suas dimensões transversais, como à sua largura.
Longitudinalidade
Fig. 18 padrões básicos do canal dos rios (MELLO, 2008) Fig. 19 Rio Don e a alteração do padrão
básico de seu canal pela ocupação urbana
(HOUGH, 1995)
18
“Vias são os canais de circulação ao longo do qual o observador se locomove de modo habitual, ocasional ou
potencial” (LYNCH, 1997)
60
rios que apresentam sinuosidades possibilitam uma maior variação em seu percurso e
distintos enquadramentos visuais ao longo dele. Tomando a idéia do rio como uma via, um
eixo de movimento, os trechos sinuosos dos rios devem ser respeitados e valorizados, a fim
de garantir uma experiência intensa.
habitats naturais (FORMAN, 1995; DRAMSTAD, J.D. OLSON & FORMAM, 1996; RODÁ, 2006).
Segundo Formam, um corredor pode ter as seguintes funções: habitat, condutor, filtros ou
barreira. Para Formam, um rio apresenta se como um corredor, e este age como condutor
quando um objeto move se ao longo dele, quando os fluxos podem ocorrer tanto dentro
quando ao lado de suas margens.
Tranversalidade
A transversalidade dos rios caracteriza se pela separação, seja do tecido urbano, seja
de elementos naturais que apresentam composição diferenciada do elemento hídrico. O rio
é um separador entre as duas margens.
Lynch (1960) considera os rios como limite, entendendo que limite são elementos
lineares, fronteiras entre duas fases, quebras de continuidade.
curso. Além disso, rios amplos apresentam menor probabilidade de tornarem se ocultos na
paisagem, diante, por exemplo, do filtro a fluxos urbanos.
Outro aspecto relevante dos trechos mais largos dos rios consiste que nesses pontos
pode haver maior população de fauna e maior número de diferentes espécies e, portanto,
áreas com maior biodiversidade, o que reforçam a importância dessas zonas para qualidade
biofísica do corredor hídrico. (FORMAN, 1995)
Vimos algumas características dos rios que pressupomos ser capazes de condicionar a
ocupação de entorno e, por vezes, cidades inteiras por onde passam os rios.
63
A seguir, iremos abordar algumas situações nas quais a ocupação urbana pode
contribuir para o caráter estruturador dos rios. A análise pauta se nos três atributos
estudados:
Relativo aos atributos espaciais: em que se busca que a ocupação urbana adapte se
e valorize o traçado natural dos rios.
64
quando os rios retomam seu espaço, invadido pelas ocupações. A problemática das áreas de
inundações torna se um dos fatores principais por busca de soluções.
Dessa forma, a possibilidade de permitir usos, desde que adequados aos valores
intrínsecos dos rios, pode valorizar a relação da sociedade com os atributos biofísicos destes,
bem como visuais e espaciais, na medida em que, como observa Fontenelle (2003), no Rio
Carioca, o que acreditamos ser válido para outros rios:
19
Ao se referir à infra estrutura verdes (a qual definimos no item 2.1) em que se enquadram os rios, Benedict e
MCMAHON (2006) apontam a importância das infra estruturas verdes para a população, que através de usos
de lazer e atividades recreativas nessas áreas podem melhorar sua qualidade de vida. Estudos mostram que
atividades recreacionais reduzem o stress, melhoram o raciocínio cognitivo e ajudam a construir uma auto
estima para crianças e adolescentes.
67
Visibilidade e Acessibilidade
Mann (1973) aborda a necessidade de controle do entorno dos rios para assegurar o
máximo possível a visibilidade da paisagem do rio pelos ocupantes das margens (MANN,
1973). A visibilidade não é apenas relevante para valorizar os atributos visuais dos rios, mas,
sobretudo, conforme Hough (1995), garantir a visibilidade dos processos naturais, como um
componente fundamental para contribuir para a construção de uma consciência ecológica e
para a valorização dos elementos naturais pela população.
No que se refere aos fundos cênicos estes seriam as áreas visuais mais amplas
permitidas a partir dos espaços livres, assim como de edificações, que abarcam os elementos
mais significativos da paisagem de maneira parcial (as vistas parciais) ou geral (as vistas
panorâmicas) e permitem visualizar o caráter de um lugar de forma genérica (TARDIN, 2008).
A visualização a partir dos espaços livres público próximos e orientados aos rios,
conferem alta visibilidade aos seus atributos cênicos aos rios, especialmente aqueles em
cotas elevadas, e, portanto, para as pessoas vivenciarem os rios depende largamente da
disponibilidade e a forma dos acessos (HÖLZER et al, 2008)A acessibilidade pode ser
identificada quanto ao grau de acesso: disponível, restrito, impedido. Assim como ao tipo de
acesso, ou seja, por espaços públicos ou por vias, por exemplo.
69
No Rio Charles, em Boston, Mann (1973) observa que, em alguns trechos, apresenta
grandes empreendimentos privados localizados as suas margens, impedindo acesso, o que
afetou a qualidade da paisagem e o caráter público do rio. Para Mann (1973) essa
permissividade demonstra a negligência das autoridades e a falta de compreensão do valor
cênico da paisagem. Além das altas e massivas construções na costa do rio, estacionamentos
e estruturas recreacionais mal concebidas tem também comprometido a paisagem do rio.
Privatizam a área, modificam as características naturais, quando não a destroem totalmente.
Até então, tratamos dos aspectos relacionados diretamente com as margens dos rios.
Contudo, também devemos verificar se os assentamentos do entorno têm acesso direto ao
rio, o que pode ser realizado através de vias ou caminhos como corredores que conectam
redes existentes de caminhos e espaços livres para o rio.
Pelo exposto, quanto maior a quantidade de locais que permitem visibilidade ao rio e
a importância destas visuais como orientadora de assentamentos e infra estrutura viárias,
maior o grau de estruturação em relação ao seu entorno ocupado.
Como vimos, algumas das características dos atributos espaciais dos rios, inerentes a
sua longitudinalidade e transversalidade, são: a conectividade e a continuidade, a
sinuosidade e a largura do corredor. Na leitura dos atributos espaciais dos rios destacamos a
relação destas características com os processos biofísicos e visuais e mencionamos sua
possível relação com a capacidade de influenciar na estruturação da ocupação do entorno.
Iremos, agora, tentar relacionar essas características, de forma mais detalhada, como a
ocupação do entorno, observando como os atributos espaciais podem estruturar a
configuração deste e como que a ocupação, pode, ou não, garantir e reforçar os atributos
espaciais do rio.
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Fig. 21 Rio Sena e rio Oise, França ocupação assentamento em “faixas” ao longo do rio. (GOOGLE EARTH,
2010)
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Linearidade diferente de retilíneo. Retilíneo, segundo dicionário da língua portuguesa significa o que não tem
curvaturas nem sinuosidades. Enquanto lineariedade é a característica do que é linear que significa algo
alongado e estreito, semelhante a uma linha (http://www.priberam.pt, acesso em 01/10/2010), e, portanto,
não necessariamente algo que não possa ter curvas.
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conformação da ocupação urbana nas margens destes, que será configurada, de acordo com
a necessidade de adaptação a um relevo acidentado ou a um relevo mais plano.
Além disso, a linearidade dos rios permite um maior dialogo físico e visual com um
maior número de assentamentos e distintas comunidades como destacado por Hough
(1998):
O rio Sena, na grande Paris, conecta diferentes zonas e edifícios na cidade de Paris,
assim como várias outras cidades unem se por sua via fluvial como Paris, Achères, Andrèsy,
Poissy, Mantes, etc. O rio Llobregat, na Catalunha atravessa cidades como Barcelona,
Montserrat, Berga, entre muitas outras e distintas paisagens.
Quanto maior a extensão dos rios, mais potente será o corredor hídrico uma vez que
mais zonas serão conectadas, acessadas e visualizadas, e menor será a possibilidade de
tornarem se paisagens ocultas e de alterar seu traçado original.
Outro ponto a ser analisado com relação à ocupação seria sua localização e
distribuição com relação ao corredor do rio. Perceber como que os assentamentos e infra
estrutura estão distribuídos ao longo do rio, se eles estão dispostos de forma a reforçar sua
continuidade e conectividade na inserção do tecido urbano, ou, ao invés disso, acabam
contribuindo para sua fragmentação e descontinuidade.
Para o atributo espacial dos rios uma distribuição equilibrada dos assentamentos, ao
longo de todo o corredor, implica em um maior aproveitamento de sua linearidade, em
dialogar com um maior número de áreas e de pessoas. Assim como, a distribuição de
assentamentos e o espaçamento de infra estrutura podem afetar a continuidade e a
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conectividade do rio, uma vez que, podem ocasionar cortes, interrupções, fragmentação do
corredor ripário. Isto prejudicaria, por exemplo, a percepção do rio como unidade, sua
legibilidade (aspectos visuais), dificultaria ou interromperia os fluxos das espécies (aspecto
biofísico) e os fluxos de pessoas e a ligação entre zonas.
Os rios podem apresentar se também como barreiras. Rios com largura ampla, como
vimos, têm maior predisposição a tornarem se barreiras para determinados fluxos, visto a
maior distância entre as margens a vencer:
The corridor is a filter or barrier when objects are inhibited from crossing
between patches on opposite sides. (FORMAN, 1995, p. 148)
Contudo, os rios como limites fortes podem ser barreiras mais ou menos penetráveis,
que separam uma região da outra, mas também podem ser costuras, linhas ao longo das
quais zonas de diferentes características relacionam se e encontram se, muito mais que
barreiras que isolam (LYNCH, 1997). É o que ocorre pode ocorrer quando os rios são
aproveitados como áreas para parques e pessoas de diferentes lugares, pertencentes a
grupos e comunidades diferentes podem se encontrar.
Os pontos mais largos seriam aqueles mais adequados a usos que não necessitam de
ligação direta, e dessa forma, desestimula se a ocupação nesses pontos, contribuindo para a
preservação dos trechos mais largos, o que confere caráter estruturador a estes atributos
espacial dos rios. Do mesmo modo, identificar as áreas mais estreitas dos rios que seriam as
mais adequadas para o atravessamento das infra estruturas, contribui para orientar o
processo de ocupação do entorno dos rios.
O desenho da ocupação urbana nas margens dos rios tende a utilizar os aspectos
espaciais destes como referências, não apenas como elemento de água, mas também como
elemento composto por vegetação e relevo. Quando o rio atua como elemento estruturador
da ocupação urbana sua configuração não é resultante da dinâmica de ocupação por si só,
que tendem a interferir nos atributos espaciais dos rios para acomodar se, mas sim resulta
da interface entre ocupação (com suas demandas espaciais e funcionais) e os atributos
espaciais dos rios onde se criam novas relações e novas interfaces:
Para valorização dos atributos biofísicos, visuais e espaciais dos rios é importante
perceber as superfícies de contato e dar ênfase às bordas, às fronteiras, à interface entre os
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