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Resumo de textos referente à disciplina Ideologia e Cultura.

Aluno: Vinícius Oliveira Santos


Professor: Adalberto Paranhos
Ciências Sociais – Universidade Federal de Uberlândia

Texto: PARANHOS, Adalberto. Dialética da Dominação. Campinas: Papirus, 1984.

A ideologia do trabalhismo na literatura de cordel

1. Introdução

Na vigência do Estado Novo, antes da marchinha de 1951 que evocava o sorriso de


Vargas, o poeta de cordel João Martins Athayde versava em 1938: “O que houve de mais
importante / Na vida do Presidente, / É que ele tudo resolve / Com um sorriso, calmamente.”
Mediante isto, Adalberto Paranhos indaga: seria mesmo seu sorriso que fez com que ele
arrebatasse lugar na memória dos brasileiros?
Nesta obra, o autor empreenderá a análise através da assimilação/rejeição da
ideologia do trabalhismo e a literatura de cordel, que a visão elitista de que as classes
populares são maleáveis à demagogia dominante, não tem sustentação concreta. Paranhos não
irá desconsiderar a mistificação e manipulação que foram submetidas as classes populares,
porém, o autor afirma que isto só se tornou possível mediante o atendimento de umas tantas
aspirações populares, mais situadamente da implantação da legislação trabalhista.
Vargas teve sua carreira política associada à doação da legislação trabalhista. O mito
da doação imposto pela ideologia do trabalhismo se difundiu e tentou inculcar que a
legislação trabalhista foi uma dádiva getulista. Assim, esta “outorga” tentou amortecer a luta
de classes apagando da memória dos trabalhadores todas as bandeiras de lutas que haviam
empregado durante décadas. Outro aspecto foi que este mito facilitou que Getúlio pudesse
retornar ao poder e ter apoio popular em determinadas situações.
O mito da doação não pode ser considerado à parte. Ele deve ser analisado
mergulhado nas modificações que a sociedade brasileira vinha vivenciando a partir de 1930.
O autor então assinala alguns traços gerais no período entre 1930 e 1945: crise de hegemonia,
centralização do poder estatal e ampliação da margem de manobra do Estado. Neste contexto
o Estado capitalista cumpriu o papel de desorganizador político do proletariado. O Estado
agiu com uma ação repressora e intensificadora da linha paternalista.
A legislação sindical imposta no primeiro Governo de Vargas tinha como objetivo
assegurar o controle da classe operária derrubando a organização autônoma dos trabalhadores.
De outro lado, a legislação trabalhista apareceu vinculada à legislação sindical com a
finalidade de melhor integrá-la na política de controle da classe trabalhadora, pois, a
concessão de alguns benefícios ficou dependente da ação dos sindicatos oficiais.
O autor encerra esses apontamentos preliminares dizendo que a ideologia do
trabalhismo começou a se consolidar a partir de 1942, no qual, não coincidentemente se
intensificaram os trabalhos de doutrinação ideológica.

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2. O mito da doação e a ideologia do trabalhismo

Segundo Marcondes Filho, os trabalhadores deveriam dividir a história do Brasil em


duas partes: antes e depois de Getúlio Vargas, pois, ele era o milagroso pai dos pobres.
Devido seu “dom de clarividência” ele teria percebido que o trabalho tinha sido deixado de
lado enquanto a indústria e o comércio tiveram atenção central. Este ilustre governante foi,
aos olhos de Filho, uma figura peculiar, pois, os direitos que os trabalhadores conseguiram na
Europa, só se efetivaram mediante lutas e conflitos, e aqui, Vargas teria se antecipado a estes
conflitos, concedendo tais direitos generosamente. Assim, a ideologia do trabalhismo nega
que no Brasil houve lutas operárias ou luta de classes e insiste na questão da doação da
legislação social.
Além destes atributos de clarividência e paternalismo, Marcondes Filho atribuía a
Getulio Vargas a responsabilidade de conciliar capital e trabalho gerando uma equivalência,
uma lei de simetria, em nome dos interesses da nação. Para que isto se efetivasse, houve a
necessidade de romper com o liberalismo que negava funções intervencionistas ao Estado.
Deste modo, o Estado agiria para tornar a contradição de classes apenas aparente, mas não
real e intensa. A encarnação dos interesses da nação seria Getúlio Vargas.
Assim, Vargas era visto como a personificação do Estado. Na ideologia do
trabalhismo ambos se confundem. E tudo isto acarreta no culto ao Estado paternal promotor
do bem comum: “elemento central da ideologia populista, enquanto ideologia de Estado, ou
seja, enquanto uma modalidade particular de culto ao Estado Burguês.” (p. 69).
Como ambos, de certa forma, se confundem as virtudes pronunciadas do Marcondes
Filho ao Estado eram atribuídas a Vargas, e vice-versa.
O Estado visto como a expressão dos interesses da nação para a ser o agente
propulsor do bem-estar social que dependia da ordem assegurada pelo Estado via concessão
de direitos. Em outros termos, além de cultuar o “Estado-Ordem” também tratava de cultuar o
Estado-Providência. “Embora se reconheça que a manutenção da ‘ordem’ constitua uma
condição indispensável para o ‘bem-estar social’, é acima de tudo o ‘bem-estar social’
produzido pela ‘instauração da justiça social’ que irá proporcionar a ‘atmosfera da ordem’ que
caracterizaria o Estado-Novo.” (p. 71).

3. A ideologia do trabalhismo na literatura de cordel

A partir de agora o autor delineará os aspectos mais importantes para a análise do


tema da literatura de cordel produzida alguns anos após o Estado Novo. Caberá analisar se
ideologia do trabalhismo foi assimilada ou rejeitada pelas frações de classes populares que
produziram este tipo e literatura. Contudo, o autor não pretende dizer que esta análise
constituirá um meio efetivo para apreender a consciência operária. O objetivo é captar alguns
elementos componentes da consciência das classes populares nordestinas enquanto fração das
classes dominadas.
O autor afirma duas coisas: primeiro, a ideologia do trabalhismo alcançou grande
ressonância na literatura de cordel, logo, o interesse na assimilação/rejeição desta ideologia.
Segundo, mesmo que a literatura de cordel seja, em larga medida, uma expressão literária das
classes rurais e não urbanas, não retira a validade da analise, pois, a ideologia do trabalhismo
visava atingir todos os trabalhadores do Brasil.
Na análise da literatura de cordel, percebe-se o processo de atribuição de virtudes a
Getúlio Vargas, “pai dos pobres”. O sorriso de Vargas e suas qualidades pessoais não são
geradores da resposta do porque o culto a ele. A resposta encontramos no seguinte fato: a

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legislação trabalhista. Ela foi a grande responsável pela popularidade do presidente. É a partir
daí que se desenrola o culto às qualidades pessoais de Vargas. Com isto, pode-se imaginar que
a ideologia do trabalhismo adentrou a mentalidade dos produtores da literatura de cordel. A
imagem dele como pai dos pobres foi bastante presente na consciência destes setores
populares.
Contudo, é sabido que a produção dos folhetos tem uma maciça pressão dos
consumidores. Os poetas sentem a necessidade de produzi-los conforme o gosto do freguês.
Portanto, ele produz aquilo que seria facilmente vendido. Delarme Monteiro da Silva
expressou em seus versos as “concessões” getulistas no que diz respeito a legislação
trabalhista.
Porém, também há folhetos da literatura de cordel onde se começa a fazer uma
contraposição em relação à ideologia oficial. Enquanto Marcondes Filho pronunciava a
suposta fartura na mesa do rico e do pobre, Manuel D’Almeida Filho versava: “Foi o único
presidente / Que protegeu a pobreza”. (p. 76).
A partir daí as diferenças entre a ideologia do trabalhismo e a literatura de cordel se
intensificaram. Vargas passou a ser relatado “como aquele que, em meio ao desamparo geral,
simplesmente alivia a carga de sofrimento dos pobres.” (p. 76). Tal como diz o poeta
Francisco Firmino Do Amaral: “Se eu fosse um cachorro / Tinha mais regalia, / Quando
fossem comer / Eu ficava de espia, / Jogavam os ossos no mato / Eu ia atrás e lambia” (Idem).
Vários outros expressavam sua insatisfação frente à pobreza. Estes exemplos iam se
distanciando dos pronunciamentos de Marcondes Filho. Estas críticas que são conhecidas
como “lamentações” são anteriores e posteriores e contemporâneas ao Estado-Novo.
Alguns poetas apontam a insuficiência da legislação trabalhista. Outros, apesar de
exaltar Getúlio, descrevem uma situação de pobreza, ou seja, mesmo admirando a legislação
trabalhista eles versam sobre um mundo dotado de amarguras. Em outros termos, embora as
leis trabalhistas constituam num alívio, estão longe de ser uma solução.
Ora, o que estes exemplos clarificam, é o abismo entre a ideologia do trabalhismo e a
realidade social, e conseqüentemente a diferença ente a ideologia do trabalhismo e a literatura
de cordel.
Essa diferença também se exprimiu referente à relação entre capital e trabalho
pronunciado pela ideologia do trabalhismo e pela redefinição dada pela literatura de cordel.
No discurso oficial, a proteção que Vargas outorgou aos pobres, não estava ligada a sua
oposição aos ricos. Assim, ele seria o conciliador dos interesses entre capital e trabalho. Nos
pronunciamentos de Marcondes Filho, há uma tentativa de não definir o que é o proletariado.
Segundo ele todos são proletários, inclusive Getúlio. Para ele, tanto empregados quanto
empregadores são operários do Brasil, de um Brasil forte e próspero.
Porém, na literatura de cordel, mais especificamente nas poesias de Manuel Pereira
Sobrinho, Vargas aparece com um aliado dos pobres na luta contra os ricos, um elemento
distinto dos pronunciamentos oficiais. Houve também, versos que expressavam uma
concepção aproximada da de Marcondes Filho, ou seja, Vargas como um conciliador.
Entretanto, os folhetos em geral reconheciam que a conciliação e equidade não eram possíveis
devido a gritante diferença entre nobres e pobres.
Para intensificar as diferenças entre os pronunciamentos originais e a literatura de
cordel, constata-se pelos exemplos citados por Adalberto Paranhos, que a imagem do Brasil
com um reino de concórdia não se sustenta nos folhetos.
Além disto, a forma como a literatura de cordel concebe o Estado Novo e a
democracia liberal é distinta do discurso oficial. Se ambas defendem o Estado Novo e
criticam a democracia, não equivale dizer que as perspectivas sejam idênticas. Para
Marcondes Filho, o surgimento do Estado-Providência implicaria necessariamente o combate

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ao liberalismo para a instauração da cooperação do Estado para evitar predominância dos
interesses individualistas. Só assim se derrubaria a política interesseira. Na literatura de
cordel, a democracia liberal é concebida como regime dos ricos. Aqui já constitui uma
diferença em relação a visão disseminada pela ideologia oficial. Dois aspectos se destacam na
literatura de cordel referente à posição assumida diante do Estado novo: 1 – a ditadura (e a
legislação trabalhista) teria demonstrado certa consideração para com os pobres; 2 – os
políticos tradicionais que faziam o governo dos ricos haviam sido expulsos da cena.
Assim, devido essa identificação de democracia com regime dos ricos, os poetas
expressavam preferência pela ditadura paternalista tal como expressa Zé Vicente, Aba-K-X e
outros.
Por isso o “Estado Novo sobreviveu à própria morte, recortado freqüentemente pelos
poetas populares inclusive na década de 50. Enquanto a ideologia do trabalhismo critica a
política e os políticos em geral, na literatura de cordel a crítica se concentra numa perspectiva
de classe, como bem aponta Paranhos.
Contudo, em certos folhetos, os autores atribuem a Vargas um papel de pacificador e
garantidor da ordem, discurso parecido com da ideologia oficial. No entanto, esta ordem era
algo bem concreto: “uma ordem social dentro da qual a pobreza seja protegida da exploração
dos ricos.” (p. 89). Ou seja, o culto à ordem é tratado de forma diferente nas duas correntes.
A imagem de Getúlio como pai dos pobres é, de fato, interiorizada pelos poetas e
consumidores do cordel. Contudo, esta imagem sofre redefinições como, por exemplo, o caso
do antagonismo entre as classes que foi banida dos discursos oficiais. Por outro lado, a
literatura de cordel via Getulio com um aliado na luta contra a exploração dos ricos. Em
outros termos, de um lado o Estado prega a colaboração de classes, de outro, setores da
literatura de cordel reforça o antagonismo entre elas. Em muitas delas, encontra-se a presença
dos “tubarões” que são os exploradores. Eles reconheciam então a luta de classes, embora em
outros termos.
Assim, o autor faz o seguinte questionamento: não tiveram as classes populares, para
além da manipulação ideológica que foram submetidas, certa percepção de seus interesses de
classe? Paranhos afirma que nenhuma dominação é absoluta. A manipulação tem que
respeitar certas aspirações das classes dominadas, se não podem perder sua eficácia. Portanto,
as classes populares não são modeláveis ao bel prazer do Estado ou das classes dominantes. A
glorificação de Vargas não se deveu a seu carisma nem a seu sorriso, mas sim à legislação
trabalhista que atendeu algumas aspirações reais das classes dominadas. “E foi sobre essa
base real – a legislação trabalhista e o atendimento parcial de certos interesses das classes
dominadas – que se produziu a mistificação da realidade via ideologia do trabalhismo.” (p.
92). E se nenhuma dominação é absoluta, a transmissão ideológica não se dá perfeitamente e
completamente, pois, por mais eficaz que tenha sido a ideologia do trabalhismo ela não foi
assimilada na sua totalidade pelas classes dominadas.
Paranhos vai concluindo o texto mostrando que podem haver pontos de tangência
entre ideologias dominantes e dominadas: “coexistem sempre assimilações e rejeições ou
redefinições”. (p. 93) Por mais que as classes populares tenham sido subordinadas, podemos
encontrar uma certa expressão de consciência de seus interesses de classe.
Tudo que foi aqui exposto coloca em cheque certas concepções com um viés elitista
na qual as classes populares não teriam consciência de seus interesses de classe. Essas
concepções são incapazes de apreender a consciência de classe na sua realidade dialética.

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