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1 RESUMO DA POÉTICA DE ARISTÓTELES

Por Márcio José Strapação

Capítulo I

Poesia é imitação. Espécies de poesia


imitativa classificadas segundo o MEIO da
imitação.

A epopéia, a tragédia, a poesia


ditirâmbica, a maior parte da aulética e da
citarística são imitações. Diferem, uma das
outras, pelo MEIO que imitam, pelos OBJETOS
que imitam, pelo MODO que imitam.

Todas elas imitam com o ritmo, a linguagem


e a harmonia, usando esses elementos
separados ou em conjunto. A aulética e a
citarística usam de harmonia e ritmo. Quaisquer
outras artes congêneres, como a siríngica, com
o ritmo e sem harmonia, imitam a arte dos
dançarinos que, por ritmos gesticulados, imitam
caracteres, afetos e ações1.

A epopeia é a arte que recorre ao simples


verbo, quer metrificado quer não. Quando
metrificado, misturando diversos metros entre si,
ou servindo-se de uma só espécie de metros.
1
Página

1 Definição da imitação trágica: objeto: homens de caráter elevado; meio:


linguagem ornamentada (ritmo, melodia e canto); modo: cênico, dialogado,
dramático.
2 RESUMO DA POÉTICA DE ARISTÓTELES

Os poetas, desse modo, em suas diversas


Por Márcio José Strapação

composições imitativas, são assim designados,


não pela imitação praticada, mas pelo metro
usado.

Se alguém compuser um tratado de


Medicina ou de Física, em verso, será chamado
de poeta. Porém, nada de igual há entre
Homero e Empédocles; aquele é poeta, esse é
fisiólogo. No entanto, se alguém fizer obra de
imitação, independente do verso que usará,
será chamado poeta.

As poesias que usam ritmo, canto e metro


são do ditirambos, dos nomos. Já a tragédia e a
comédia usam de cada meio por vez.

Capítulo II

Espécies de poesia imitativa, classificadas


segundo o objeto da imitação.

Os imitadores imitam homens que praticam


ações. Os homens são indivíduos de elevada ou
de baixa índole2. E quanto ao caráter, esses
homens se distinguem pelos vícios ou virtudes.
Polígono representava homens superiores;
2

Pauson homens inferiores; Dionísio representava-


Página

2 A partir de Homero, os homens de elevada índole só podem ser os heróis, e os


de baixa índole, a multidão. [Página 109].
3 RESUMO DA POÉTICA DE ARISTÓTELES

os semelhantes a nós. Cada uma das imitações


Por Márcio José Strapação

varia naquilo que imita.

Pode haver diferenças tanto no MEIO -


dança, aulética, citarística -, quanto no MODO
de imitação – a linguagem em prosa ou verso,
sem música. Homero imitou homens superiores;
Cleófon, semelhantes; Hegêmon de Taso e
Nicócares, homens inferiores.

A mesma diferença separa a tragédia da


comédia: aquela imita homens melhores, essa
imita homens piores do que eles geralmente
são. Uma diferença dos OBJETOS imitados3.

Capítulo III

Espécies de poesia imitativa, classificadas


segundo o modo da imitação: narrativa mista,
dramática. Etimologia de drama e comedia.

Com os mesmos meios pode um poeta


imitar os mesmos objetos. Quer na forma
narrativa, assumindo a personalidade de outros,
como faz Homero; quer imitando as pessoas
agindo, como faz Sófocles.
3

Essas diferenças de imitação devem-se aos


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meios, aos objetos e aos modos. Em um desses


3 Na tragédia não agem os personagens para imitar caracteres, mas assumem
caracteres para que efetuem a ação.
4 RESUMO DA POÉTICA DE ARISTÓTELES

casos, a imitação de Sófocles [escritor de


Por Márcio José Strapação

Drama] é a mesma de Homero [escritor de


Epopeia]. Ambos imitam pessoas de caráter
elevado. Ambos se aproximam pelo OBJETO
IMITADO. Noutro sentido, a imitação de Sófocles
é a mesma de Aristófanes [escritor de
Comédia]. Ambos de aproximam pelo MEIO e
pelo MODO da imitação, pois imitam pessoas
que agem diretamente. Diferem no OBJETO
imitado.

Capítulo IV

Origem da poesia. Causas. História da


poesia trágica e cômica.

Duas causas geraram a Poesia [Literatura]:


imitar é congênito no homem. O homem sente
prazer na imitação. Ao fazer isso, o homem
aprende e fala sobre as representações. Sendo,
pois, a imitação com os seus METROS, própria
de nossa natureza, formam-se a HARMONIA e o
RITMO4.

Homero, supremo poeta do gênero sério, se


distingue não só pela excelência como
também pela feição dramática de suas
4

imitações. Ele traçou as linhas fundamentais da


Página

comédia. Seu Margites [poema cômico] tem a


4 A harmonia e o ritmo são próprios da natureza. Correspondem a uma
disposição própria do homem. [122].
5 RESUMO DA POÉTICA DE ARISTÓTELES
Por Márcio José Strapação

mesma relação com a comédia, que têm a


Ilíada e a Odisseia com a tragédia. Há poetas
que imitam ações e personagens nobres, há
poetas que imitam ações e personagens
ignóbeis.

Examinar se a poesia nobre [formas


trágicas] atinge ou não a perfeição do gênero,
quer a consideremos em si ou no que se refere
ao espetáculo, isso é outra questão.

A mudança da tragédia se deteve, assim


que atingiu sua forma natural. Ésquilo foi o
primeiro que elevou de um a dois o número dos
atores, diminuiu o importância do coro e fez do
diálogo o protagonista.

Sófocles introduziu três atores e a


cenografia. Quanto à grandeza, tarde adquiriu
o seu alto estilo ao se afastar dos argumentos
breves e da elocução grotesca.

Quanto ao metro, substituiu o tetrâmetro


[trocaico] pelo trimetro [jâmbico]. O primeiro foi
usado porque as suas composições eram
satíricas e mais afins à dança. Ao se
desenvolver o diálogo, o engenho natural logo
5

encontrou o metro adequado. O jambo é o


Página

metro que mais se conforma ao ritmo da


linguagem corrente. Demonstra isso o fato de
6 RESUMO DA POÉTICA DE ARISTÓTELES
Por Márcio José Strapação

que muitas vezes o preferirmos na conversação.


Só raramente usamos o hexâmetro, quando
usamos um tom mais alto.
Capítulo V

A Comédia: evolução do gênero.


Comparação da tragédia com a epopeia.

A comédia é imitação de homens inferiores.


Não quanto a toda a espécie de vícios, mas só
daqueles que nos põem no ridículo.

A epopeia e a tragédia concordam de


serem imitações de homens superiores. Diferem
pelo seu metro e pela forma narrativa. A
extensão da tragédia, dentro do possível, não
deve ultrapassar um período do sol. A epopeia
não tem limite de tempo. Quanto as suas
partes, algumas são as mesmas, outras são
próprias da tragédia. Quem consegue entender
e julgar as partes da tragédia, também será
capaz de fazê-lo com a epopeia. Todas as
partes do épico estão na tragédia, mas nem
todas as partes da tragédia estão na epopeia.

Capítulo VI
6

Definição da tragédia, suas partes e


Página

elementos essenciais.
7 RESUMO DA POÉTICA DE ARISTÓTELES
Por Márcio José Strapação

A tragédia é uma imitação de caráter


elevado, completa, de certa extensão, em
linguagem ornamentada, com várias espécies
de ornamentos em suas partes. Efetua-se
mediante atores que, suscitando o terror e a
piedade, tem por efeito a purificação das
emoções.

Chama-se ornamentada a linguagem que


tem ritmo, harmonia e canto. Cada uma das
partes adota só o verso, outras só o canto.
Como é executado por atores, o ESPETÁCULO
CÊNICO é uma de suas partes. Depois temos a
MELOPÉIA e a ELOCUÇÃO. Estes dois são os
meios pelos quais os atores efetuam a imitação.
Elocução é a composição métrica, melopeia é
o efeito manifesto à plateia.

Os personagens imitam ações e se


apresentam conforme seu CARÁCTER e
PENSAMENTO. É por meio deles que
qualificamos as ações. Pelas ações tem origem
a boa ou a má fortuna dos homens. Ora, o
MITO é a imitação de ações, a composição dos
atos. O caráter é o que nos faz perceber a
qualidade das personagens. O pensamento é o
que expressam as personagens para manifestar
7

suas decisões.
Página
8 RESUMO DA POÉTICA DE ARISTÓTELES
Por Márcio José Strapação

São seis, portanto, as partes de uma


tragédia: mito, carácter, elocução,
pensamento, espetáculo e melopeia. Duas
pertencem ao MEIO com que se imita; uma ao
MODO como se imita, e três ao OBJETO que se
imita.

Porém, o elemento mais importante é a


TRAMA dos fatos. A tragédia não é imitação de
homens, mas de ações e de vida. A própria
felicidade, ou infelicidade, reside na ação. A
própria finalidade da vida é uma ação, não
uma qualidade. A qualidade está ligada ao
carácter, esse às ações que praticam. Por isso,
as ações e o mito constituem a finalidade da
tragédia. É o que mais importa.

Junto a isso temos as PERIPÉCIAS e o


RECONHECIMENTO. O MITO é a alma da
tragédia. Só depois vêm os caracteres. O
mesmo se dá na pintura: não bastam as cores
sem a forma da figura. A tragédia é imitação
de ações e, por meio delas, imitação de
agentes.

O PENSAMENTO consiste em dizer sobre o


assunto o que a ele se refere e de modo que
8

convém. Na elocução o pensamento é


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regulado pela política e pela oratória. É aquilo


que a pessoa demonstra que algo é ou não é,
9 RESUMO DA POÉTICA DE ARISTÓTELES
Por Márcio José Strapação

ou anuncia uma sentença geral. CARÁCTER é o


que revela certa decisão ou, em caso de
dúvida, o fim preferido ou evitado. Não tem
carácter os discursos do indivíduo que não
revelem o fim a que tende ou o que ele repele.

ELOCUÇÃO é o enunciado do pensamento,


em verso ou prosa, por meio de palavras. O
ESPETÁCULO CÊNICO, embora mais
emocionante, é o menos artístico e menos
próprio à poesia. Mesmo sem representação e
sem atores, pode a tragédia manifestar seus
efeitos. O espetáculo mais depende do
cenógrafo do que do poeta.

Capítulo VII

Estrutura do mito trágico. O mito como ser


vivente.

A tragédia é imitação de uma ação


completa, constituindo um todo que tem certa
grandeza. Pode haver um todo que não tenha
grandeza. “Todo” é aquilo que tem principio,
meio e fim. Mitos bem compostos não
começam nem terminam ao acaso.
9

Além disso, o belo deve ter as partes


Página

ordenadas e uma grandeza que não seja


qualquer. O belo consiste na grandeza e na
10 RESUMO DA POÉTICA DE ARISTÓTELES
Por Márcio José Strapação

ordem. A grandeza dos mitos deve ter uma


extensão apreensível pela memória.

A natureza das coisas impõe seu limite.


Desde que se possa apreender do conjunto da
tragédia, tanto mais bela será, quanto mais seja
extensa. O limite é suficiente quando as ações,
sucedidas uma após a outra, conforme a
VEROSSIMILHANÇA e a NECESSIDADE, permitem
a mudança da felicidade para a infelicidade
ou o seu contrário.

Capítulo VIII

Unidade de ação: unidade histórica e


unidade poética.

O mito é unidade. Isso não quer dizer, por


exemplo, que todas as ações de Hércules
constituam uma ação una. Homero, ao compor
a Odisseia, não poetou todos os sucessos da
vida de Ulisses. É necessário que una seja a
imitação. Deve imitar o que é unidade
completa, e todos os acontecimentos devem
suceder em conexão tal que, uma vez
suprimido ou deslocado um deles, isso interfira
diretamente na ordem do todo. Não faz parte
10

do todo aquilo que, ao ser alterado, não


Página

interfere no todo.
11 RESUMO DA POÉTICA DE ARISTÓTELES

Capítulo IX
Por Márcio José Strapação

Poesia e História. Mito trágico e mito


tradicional. Particular e universal. Piedade e
terror. Surpreendente e maravilhoso.

Não é oficio de o poeta narrar o que


aconteceu, mas de representar o que poderia
acontecer segundo a verossimilhança e a
necessidade. Não diferem, por isso, o historiador
e o poeta ao escreverem verso ou prosa.
Diferem porque um diz como as coisas
sucederam, e o outro como elas poderiam
suceder. A Poesia é mais filosófica do que a
História. Aquela se refere mais ao universal, essa
ao particular.

O poeta deve ser mais fabulador do que


versificador. Ele é poeta pela imitação de
ações, embora possa fazer uso de fatos reais.
Nada impede que os acontecimentos sejam,
por natureza, verossímeis e possíveis e, no
entanto, venha o poeta a ser o autor deles.

A tragédia, além de ser a imitação de uma


ação completa, também deve suscitar o
TERROR e a PIEDADE. Essas emoções, ao se
11

manifestar em ações paradoxais, causam maior


Página

espanto ainda.
12 RESUMO DA POÉTICA DE ARISTÓTELES
Por Márcio José Strapação

Capítulo X

Mito simples e complexo. Reconhecimento


e peripécia.

Alguns mitos são simples e outros


complexos, devido às ações imitadas. A ação
simples é aquela una e coerente que efetua a
mutação da fortuna, sem peripécia ou
reconhecimento. A ação complexa é aquela
na qual a mudança se faz pela peripécia ou
reconhecimento, ou por ambos ao mesmo
tempo.

A peripécia e o reconhecimento devem


surgir da própria estrutura do mito, resultado das
ações antecedentes. Algo ocorrer por causa de
alguma coisa é diferente de ocorrer depois de
alguma coisa.

Capítulo XI

Elementos qualitativos do mito complexo:


reconhecimento e peripécia.
12
Página
13 RESUMO DA POÉTICA DE ARISTÓTELES

A peripécia é a inversão do sucesso. Deve


Por Márcio José Strapação

ocorrer de modo verossímil e necessário5. O


reconhecimento é a passagem do ignorado ao
conhecido, que ocorre pela amizade ou
inimizade das personagens destinadas para a
dita ou para a desdita.

Tal caso pode ocorrer junto com a


peripécia. Isso torna mais belo seu uso,
suscitando o terror e a piedade. A tragédia é a
imitação de ações que despertam tais
sentimentos resultando na boa ou na má
fortuna. Já a CATASTROFE é uma ação
perniciosa e dolorosa, como são as mortes e
ferimentos em cena.

Capítulo XII

Partes quantitativas da tragédia

Já tratamos das partes essenciais da


tragédia. Segundo a extensão e as seções, as
outras partes são as seguintes: prólogo,
episódio, êxodo e coral, dividido em párodo e
estásimo.

PRÓLOGO é uma parte completa da


13

tragédia, que precede a entrada do coro.


Página

5Exemplo de peripécia no Édipo de Sófocles: o mensageiro que chegou com o


propósito de tranqüilizar o rei e de libertá-lo do terror que sentia nas relações com a
mãe, descobrindo quem ele era, causou o efeito contrário.
14 RESUMO DA POÉTICA DE ARISTÓTELES
Por Márcio José Strapação

EPISÓDIO é uma parte completa da tragédia


entre dois corais. ÊXODO é uma parte
completa, à qual não sucede o canto do Coro.
Entre os corais, o PÁRODO é o primeiro, e o
ESTÁSIMO é um coral desprovido de anapestos
e troqueus. Kommós é um canto lamentoso, da
orquestra e da cena a um tempo.

Capítulo XIII

A situação trágica por excelência. O herói


trágico.

Que situações são mais propicias à


tragédia? A composição mais bela das
tragédias é complexa, deve imitar casos que
suscitem o terror e a piedade. São
representadas por homens nem muito bons,
nem muito maus. A piedade tem lugar com
quem é infeliz sem o merecer. O terror é
causado pelo destino trágico de nosso
semelhante.

O homem que não se distingue muito pela


virtude nem pela justiça, se acontecer-lhe
infortúnios não é porque ele é vil e violento, mas
14

por força de algum erro; esse é o personagem


Página

adequado à tragédia. Ele deve gozar de algum


15 RESUMO DA POÉTICA DE ARISTÓTELES
Por Márcio José Strapação

prestígio, representar alguma família ilustre,


como ocorre com Édipo.

O mito bem estruturado é antes simples do


que duplo; passa da dita para a desdita; não
por malvadeza, mas por erro da personagem
que tende ao melhor. Eurípedes é o mais
trágico dos poetas, embora não economize em
outros pontos. Seus personagens, na maior
parte das vezes, terminam em infortúnio.

Capítulo XIV

O trágico e o monstruoso. A catástrofe. O


poeta e o mito tradicional.

O terror e a piedade podem surgir tanto


pelo efeito cênico como da íntima conexão
dos atos. Esse último é o procedimento mais
digno e preferível ao poeta. O mito deve ser
composto de tal maneira que só ao ouvi-lo,
mesmo sem vê-lo, cause terror e piedade.

Àqueles que procuram mostrar o


monstruoso no espetáculo, em vez do
tremendo, nada produzem de trágico. Da
15

tragédia não há que se extrair toda a espécie


Página

de prazeres, mas só o que lhe é próprio.


16 RESUMO DA POÉTICA DE ARISTÓTELES
Por Márcio José Strapação

Ações desse gênero devem se desenrolar


entre amigos, inimigos ou indiferentes. Se as
coisas se passam entre inimigos ou estranhos,
não há que compadecer-se, nem pelas ações
nem pelas intenções. Apenas pelo aspecto
lutuoso dos fatos. Mas se as ações catastróficas
ocorrem entre familiares, ou amigos, é outra
coisa.

Os mitos tradicionais não devem ser


alterados [Fazer, por exemplo, que Clitemnestra
não seja assassinada pelo filho]. No entanto, o
poeta deve usar artisticamente os dados da
tradição. Podem os personagens saber o que
fazem como também obrar sem conhecimento
dos erros dos seus atos. Há também um terceiro
caso quando o personagem está para
cometer, por ignorância, algo terrível e o
reconhece antes de agir.

Dos três casos mencionados, o pior é o do


sabedor que se apressa em agir e não age. É
repugnante e não trágico. Em segundo lugar,
vem o agente que age ignorando e que
perpetrada a ação vem a conhecê-la. Não
repugna, e o conhecimento surpreende. A
terceira, a melhor ação, é aquela que a ação
16

está para ser realizada, mas não se efetiva


Página

porque a personagem reconhece o equívoco.


17 RESUMO DA POÉTICA DE ARISTÓTELES
Por Márcio José Strapação

Acontece, por exemplo, na Ifigênia, em que a


irmã vai matar o irmão.

Capítulo XV

Caracteres. Verossimilhança e necessidade.


Deus ex machina

Quatro pontos sobre os caracteres. Eles


devem ser bons. Isso será indicado pelas
palavras e ações dos personagens. Devem ser
convenientes. Há um caráter de virilidade, por
exemplo. Isso cabe ao homem mais do que a
mulher. O terceiro ponto é a semelhança, o
quarto ponto é a coerência. A coerência não
está ligada as suas ações, mas ao drama geral.

Os desenlaces devem também resultar da


própria estrutura do mito, e não do Deus ex
machina, como ocorre na Medeia. O irracional
não deve entrar no desenvolvimento
dramático. Se entrar, que seja fora de ação
[acontecimento passado], ou naquilo que é
vedado ao homem conhecer[futuro].

Sendo a tragédia a imitação de homens


melhores do que nós, os poetas devem elevá-
17

los em suas qualidades, embora não deixem de


Página

mostrar seus defeitos.


18 RESUMO DA POÉTICA DE ARISTÓTELES

Capítulo XVI
Por Márcio José Strapação

Reconhecimento: classificação de
reconhecimentos.

O reconhecimento primeiro se efetua por


sinais. Os sinais podem ser congênitos,
adquiridos ou exteriores. Os melhores são os
ligados a uma peripécia.

Em segundo lugar vem o reconhecimento


tramado pelo poeta. Depois o reconhecimento
pelo despertar da memória. No quarto
momento, o reconhecimento através do
raciocínio do personagem frente ao fato. Há,
ainda, o reconhecimento combinado com o
espectador. Por exemplo, quando Ulisses se
torna o mendigo e tensiona o arco. O
espectador sabe que só ele pode fazer aquilo.
Os melhores reconhecimentos são aqueles que
derivam da intriga resultando de modo natural,
caso que ocorre no Édipo. Depois os que
provêm de um silogismo, de um raciocínio.

Capítulo XVII

Exortações ao poeta trágico. Os episódios


18

na tragédia e na epopeia.
Página
19 RESUMO DA POÉTICA DE ARISTÓTELES
Por Márcio José Strapação

Deve o poeta ordenar as fábulas e compor


as elocuções dos personagens. Deve dispor os
argumentos em termos gerais. Depois introduzir
os episódios e dar-lhes conveniente extensão.
Os episódios devem ser curtos no drama,
diferentes da epopeia.

Capítulo XVIII

Nó e desenlace. Tipos de tragédia,


classificação pela relação entre nó e
delenlace. Estrutura da epopeia e da tragédia.

Em toda a tragédia há o nó e desenlace. O


NÓ é constituído por todos os casos que estão
fora da ação, e, muitas vezes, por alguns que
estão dentro da ação. O resto é o desenlace.

O nó é toda a parte da tragédia desde o


princípio até aquele lugar onde se dá o passo
para a boa ou a má fortuna. O DESENLACE é a
parte que vai do início dessa mudança até o
fim.

Há quatro tipos de tragédias: a tragédia


complexa, toda com peripécia e
19

reconhecimento; a tragédia catastrófica; a


Página

tragédia de caracteres; e, em quarto lugar, a


tragédia episódica.
20 RESUMO DA POÉTICA DE ARISTÓTELES
Por Márcio José Strapação

Pelo mito se estabelece a igualdade ou a


diferença entre as tragédias. São iguais pelo nó
e pelo desenlace. Há muitos poetas que tecem
bem as intrigas e mal as desenlaçam.

A epopeia, com extensão própria ao seu


gênero, permite que suas partes assumam o
desenvolvimento que lhes convém. Nos dramas,
mostra-se falha a tentativa de incluir todo o
argumento.

Nas tragédias com peripécias e nas


tragédias episódicas os poetas podem obter o
efeito desejado mediante o maravilhoso.
Mesmo contrárias à realidade.

O coro também deve ser considerado


como um dos atores. Deve fazer parte do todo,
da ação, à maneira de Sófocles, não à de
Eurípides.

Capitulo XIX

O pensamento e os modos de elocução.

O pensamento tem seu lugar na Retórica. O


20

pensamento inclui todos os efeitos produzidos


Página

mediante a palavra. Dele fazem parte


21 RESUMO DA POÉTICA DE ARISTÓTELES
Por Márcio José Strapação

demonstrar, refutar, suscitar emoções, valorizar


e desprezar as coisas.

Os fatos devem ser tratados pelos mesmos


princípios quando for para despertar as
emoções de piedade e terror, ou a aceitação
de impressões. Na poesia os seus efeitos
resultam da ação; na Retórica, resultam da
palavra de quem fala.

Capítulo XX

A elocução. Partes da elocução.

As partes da elocução são a letra, a sílaba,


a conjunção, o nome, o verbo, a flexão e a
preposição. [PARTE SOBRE CLASSES DE
PALAVRAS]

Capítulo XXI

A elocução poética

A metáfora consiste em transportar para


uma coisa o nome de outra. Ou do gênero
para a espécie, ou da espécie para o gênero,
ou de uma espécie para outra, ou por
21

analogia.
Página

Capítulo XXII
22 RESUMO DA POÉTICA DE ARISTÓTELES
Por Márcio José Strapação

A elocução poética: críticas à elocução


nos poemas homéricos.

A qualidade essencial da elocução é a


clareza sem baixeza. Clara, mas baixa, é a
linguagem constituída de vocábulos correntes.
Pelo contrário, elevada é a poesia que usa de
vocábulos peregrinos e se afasta da linguagem
vulgar. O termo corrente lhe confere clareza,
mas o termo ornamentado eleva o discurso.

Tanto se deve moderar nos vocábulos de


uso corrente como nos ornamentados, pois
ambos, mal colocados, podem levar ao
ridículo.

Percebemos, por exemplo, que o uso de


uma palavra em lugar de outra, torna o verso
medíocre ou valoroso. Grande importância tem
o uso das palavras adequadas, tal como tem
importância o uso de metáforas. Revela-se nisso
o engenho do poeta.

Capítulo XXIII

A poesia épica e a poesia trágica. As


22

mesmas leis regem a epopeia e a tragédia.


Página

Homero.
23 RESUMO DA POÉTICA DE ARISTÓTELES
Por Márcio José Strapação

Imitação narrativa e em verso, estrutura


dramática, como da tragédia, constituída por
uma ação inteira, com principio, meio e fim,
como um organismo vivente que busca produzir
o prazer que lhe é próprio. Essa é a epopeia.

Não pode ser igual às narrativas históricas.


As narrativas históricas não possuem uma ação
única, mas ações que se desenvolvem ao
mesmo tempo, sem que tenham um mesmo
resultado. Fatos históricos, ocorridos um após o
outro, também não resultam necessariamente
em comum efeito.

Homero não quis poetar toda a guerra de


Troia. Seria impossível pela extensão e pela
variedade dos acontecimentos. Os outros
poetas, todavia, compuseram seus poemas, ou
acerca de uma pessoa, ou de uma época, ou
de uma ação com muitas partes. No entanto,
várias tragédias se podem extrair dali. Nos
textos de Homero encontramos apenas uma ou
duas.

Capítulo XXIV

Diferença entre a epopeia e a tragédia,


23

quanto a episódios e extensão.


Página
24 RESUMO DA POÉTICA DE ARISTÓTELES
Por Márcio José Strapação

Tragédia e epopeia são simples e


complexas. As duas possuem as mesmas
partes, exceto melopeia e espetáculo cênico.
Efetivamente, na poesia épica também são
necessários os reconhecimentos, as peripécias e
catástrofes. Assim como a beleza de
pensamento e de elocução.

A Ilíada é simples [episódica] e catastrófica.


A Odisseia, complexa [com reconhecimentos] e
caracteres. Em pensamento e elocução
superam todos os demais poemas.

Difere a epopeia da tragédia pela extensão


e pela métrica. Na tragédia não é possível
representar muitas partes da ação que se
desenvolve ao mesmo tempo, mas apenas
aquela que os atores desenrolam em cena. Na
epopeia, por ser narrativa, muitas ações podem
ser apresentadas que, ao serem conexas à
principal, acrescem sua beleza.

Quanto à métrica, mostra a experiência


que o verso heróico é o único adequado a
epopeia. Busca compor uma imitação pela
narrativa. É mais grave e mais amplo,
prestando-se a acolher melhores vocábulos
24

raros e metafóricos. A própria natureza nos


Página

ensinou a escolher o metro adequado.


25 RESUMO DA POÉTICA DE ARISTÓTELES
Por Márcio José Strapação

O poeta deve falar o menos possível por


conta própria; pois, assim procedendo, não é
imitador. Homero ensinou aos outros poetas que
quando se produz algo, nem sempre resultará
disso uma continuação. No entanto, se o
segundo momento é resultado verdadeiro,
logo, veio de um primeiro, é uma continuação.

Ensinou, ainda, a preferir coisas impossíveis,


mas críveis a possíveis, mas incríveis. Não
deveriam os argumentos poéticos se constituir
de coisas irracionais. O mito não necessita deles
para subsistir. Mas caso o irracional apareça
dentro da razoabilidade, pode ser admissível ao
mito, ainda que absurdos. Importa aplicar os
maiores esforços no embelezamento da
linguagem nas partes desprovidas de ação,
caracteres e pensamento. Uma elocução
deslumbrante ofuscaria caracteres e
pensamentos.

Capítulo XXV

Problemas críticos

A imitação do poeta incidirá em tr~es tipos


de objetos: nas coisas que eram ou que são,
25

nas que os outros dizem que são ou que


Página

parecem, nas coisas que deveriam ser.


26 RESUMO DA POÉTICA DE ARISTÓTELES

Sua apresentação se dá por meio de


Por Márcio José Strapação

palavras ornamentadas e metáforas,


comportando múltiplas alterações.

Na arte poética erros de duas naturezas


podem ocorrer: essenciais e acidentais. Se a
imitação resulta deficiente por culpa do poeta,
o erro é resultado da própria poesia. Nesse caso
o erro consiste de não haver concebido
corretamente o objeto da imitação. Por
exemplo, um cavalo que movesse ao mesmo
tempo as duas patas do lado direito.

Vejamos, então, primeiro as críticas à


própria arte6. A representação do impossível é
um erro desculpável, se o poeta atingiu a
finalidade própria da poesia tornando-a mais
impressionante.

Mas se o poeta pode atingir a mesma


finalidade respeitando as regras da arte, tal erro
é injustificável. Será isso um erro essencial ou
acidental? Falta menor ocorre ao poeta ao
ignorar que a corça não tem cornos daquele
poeta que a represente de modo não artístico.

Quando os poetas são repreendidos por


26

representarem os homens, não como devem


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ser, mas como são, devem responder: os poetas


6 Crítica “Impossível”: são de dois tipos: pela arte [parágrafo 164] e por
acidente [165].
27 RESUMO DA POÉTICA DE ARISTÓTELES

representam a opinião comum, tal como ocorre


Por Márcio José Strapação

nas histórias contadas acerca dos deuses. Essas


histórias, talvez não sejam verdadeiras ou
melhores; no entanto, assim são contadas aos
homens7.

Para saber se falou bem ou mal um


personagem, deve-se considerar a palavra ou o
ato não exclusivamente em sua elevação ou
baixeza. É preciso pensar por que agiu ou falou,
quem, quando, como, se para obter maior bem
ou evitar mal menor8. Muitas dificuldades se
resolvem, quando consideradas o bom uso das
palavras [locução]9.

Na poesia deve-se preferir o impossível que


persuade, ao possível que não persuade. A
opinião comum também justifica o irracional.
Além do mais, muitas vezes, o irracional parece
o que não é. Verossimilmente acontecem
coisas que inverossímeis parecem. Importa
examinar as expressões contraditórias. Verificar
se tratam do mesmo, na mesma relação, no
mesmo sentido. Por absurdo ou malvadez,

7 Crítica “Irracional”: são de três tipos: representação dos homens como devem
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ser [166]; como são [166]; ou pela opinião comum [166]. O poeta imita de três
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maneiras: reproduzindo os originais como eram ou são (presente ou passado);


reproduzindo os originais como dizem ou parecem (opinião pública); reproduzindo
como deveriam ser (situação ideal).
8 Crítica “Impropriedade”: o moralmente chocante deve ser julgado, segundo

pontos-de-vista relativos [168].


9 Crítica “Contradição”: observar o personagem que agiu e falou [168-169].
28 RESUMO DA POÉTICA DE ARISTÓTELES

censuras são justas quando o poeta usa do


Por Márcio José Strapação

irracional sem necessidade10.

As críticas às representações são de cinco


espécies: impossíveis, irracionais, imorais,
contraditórias, contrárias às regras da arte. As
soluções a isso são em número de doze, como
visto acima.

Capítulo XXVI

A epopeia e a tragédia. A tragédia supera


a epopeia.

O que é melhor? A imitação épica ou a


imitação trágica? A melhor é a menos vulgar.
Essa é a arte a que os melhores espectadores se
dirigem. Vulgar é aquela que tudo imita. Pela
rudeza de um público que não entenderia a
representação, entregam-se os atores a toda a
sorte de movimentos.

Por meio disso, dizem que a epopeia se


dirige a um público elevado, porque não exige
a exterioridade dos gestos; enquanto a
tragédia se dirige a um público rude, sendo um
tipo de arte inferior.
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10 Crítica “Incorreção da linguagem: são de cinco tipos: dialeto [169-170];


prosódia [171]; diérese [172]; anfibolia [173]; uso da linguagem [174].
29 RESUMO DA POÉTICA DE ARISTÓTELES

Em primeiro lugar, isso não atinge a arte do


Por Márcio José Strapação

poeta, mas do ator. Isso pode ocorrer com a


declamação de poemas também, por
exemplo. Nem toda a gesticulação resulta em
reprovação, como percebemos quando
aprovamos a dança. Reprovamos os maus
atores.

Uma tragédia atinge sua finalidade sem


recorrer a nenhum movimento. Sua leitura já
revela todas as suas qualidades.
A tragédia é superior, no entanto, porque
contém todos os elementos da epopeia –
chega até a servir-se do metro épico -, e
ademais, a melopeia e o espetáculo cênico,
que aumentam a intensidade dos seus prazeres.

Possui, ainda, grande evidência


representativa, quer na leitura, quer na cena; e
também a vantagem de realizar perfeitamente
a imitação em tempo breve. A imitação dos
épicos é menos unitária. Demonstra a
possibilidade de extrair tragédias de qualquer
epopeia, mas não de compor uma epopeia
extraindo um único mito da tragédia. Isso
resultaria em um poema mesquinho. A tragédia
é superior à epopeia porque consegue um
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melhor efeito da arte atingindo, então, sua


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finalidade.
Tradução realizada a partir do texto traduzido por Eudoro de Souza de 1966
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RESUMO DA POÉTICA DE ARISTÓTELES
Por Márcio José Strapação

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