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Universidade Federal do Ceará

Centro de Humanidades

Departamento de Literatura

Programa de Pós-Graduação em Letras

Disciplina: Seminário de Literatura e Filosofia II

Aluna: Carla Pereira de Castro

Professor: Márcio Pereira

O Estrangeiro e o Refugiado: Uma releitura da obra de Camus

Resumo

O Estrangeiro e o Refugiado: Uma releitura da obra de CamusO Estrangeiro. O


presente ensaionos propõe uma reflexão sob um novo olhar acercados papéis
representados pelos personagens principais da obra, o anti-herói Meursalt e o
antagonista sem nome, identificado como “o árabe”. Apresentamos também suas
releituras, a adaptação para o HQ e uma nova versão escrita por
KamedDaoud,Meursalt, Contre-Ênquete, o qual o protagonista que dá voz ao enredo é o
irmão do árabe assassinado. O sol é retratado como principal elemento na obra O
Estrangeiro, estando presente nos momentos decisivos do enredo. O ensaio nos sugere
uma análise do árabe assumindo o papel de estrangeiro interpretando na realidade
umrefugiado.

Palavras-chave
Estrangeiro, Refugiado, Meursalt, árabe

A escrita do ensaio O Estrangeiro e o Refugiado,faz parte do processo avaliativo


da disciplina Seminário de Literatura e Filosofia II, ministrada no curso de Pós-
Graduação em Letras, que teve como objeto de estudo as obras ficcionais e não
ficcionais de Albert Camus, dentre elas: O Estrangeiro; A Peste; O Homem Revoltado e
o Mito de Sísifo.Destacando algumas noções fundamentais tratadas pelo autor, como: o
absurdo, a revolta e o limite.

O Estrangeiroé um dos romances mais conhecidos do escritor Albert Camus


(1913-1960). A obra foi lançada em 1942, tendo sido traduzida para mais de quarenta
línguas e recebido em 1967 uma adaptação cinematográfica.Essa publicação faz parte
do "ciclo do absurdo" de Camus. A trilogia é composta por: O estrangeiro, O mito de
Sísifo e Calígula que descrevem o aspecto fundamental de sua filosofia: o absurdo.
Podemos entender o absurdo como algo fora da realidade. Para exemplificarcitamos a
própria morte de Camus; quando ele havia programado uma viagem de trem, comprado
o bilhete, mas cedeu ao convite de seu editor e aceitou sua carona, sendo o único a
falecer, quando o carro desgovernado atingiu uma árvore e as outras três pessoas
sobreviveram. O bilhete do trem foi encontrado em seu bolso, após o acidente.

Ainda sobre o absurdo apresentamos um trecho do estudo Absurdo e


Revolta em Cammus, do estudioso Flamerion Caldeira Ramos, em que nos clarifica o
significado do tema pertinente a obra filosófica literária de Camus, o absurdo da
condição humana, diante do niilismo, consequência do sofrimento e da dor no ser.

O sentimento do absurdo é, para Camus, algo antes de tudo inexplicável. Se


houvesse uma razão, uma causa ou motivo, uma explicação lógica, já não seria
absurdo.( RAMOS, Absurdo e revolta em Camus, pág.178).

Várias ciências já se detiveram a analisar a obra, desde a Literatura, entre


outras: a Psicologia, a História, a Geografia, o Direito, e a Filosofia.Na Filosofia nos
detemos as questões relacionadas a natureza da existência humana, o conhecimento da
verdade e dos valores morais. Resgatando o pensamento de Aristóteles e S. Tomás
admiradores da poesia e que igualam o filósofo ao poeta, para eles tanto o filósofo
quanto o poeta se ocupam de algo maravilhoso; começaremos o nosso estudo com uma
poesia de Baudelaire (1821-1867), autor de As Flores do Mal, a poesia tem como
título“O estrangeiro”.

O Estrangeiro

— A quem mais amas tu, homem enigmático, dize: teu pai, tua mãe, tua irmã ou teu irmão?

— Eu não tenho pai, nem mãe, nem irmã, nem irmão.

— Teus amigos?

— Você se serve de uma palavra cujo sentido me é, até hoje, desconhecido.

— Tua pátria?

— Ignoro em qual latitude ela esteja situada.

— A beleza?

— Eu a amaria de bom grado, deusa e imortal.

— O ouro?

— Eu o detesto como vocês detestam Deus.

— Quem é então que tu amas, extraordinário estrangeiro?

— Eu amo as nuvens… as nuvens que passam lá longe… as maravilhosas nuvens!

Charles Baudelaire

Charles Baudelaire (1821-1867) teve como livro de maior repercussão,


Flores do mal, publicado em 1857. Acometido de sífilis, Baudelaire morre a 31 de
agosto de 1867. Apesar de ter escrito suas poesias bem antes do nascimento de Albert
Camus, o poema aqui apresentado dialoga perfeitamente com a obra ora estuda.

Tal qual a obra, seu personagem principal assim como o eu lírico do


poema, não demonstra afeto pela sua mãe, e nem pelos amigos. Meursault vive sozinho
em seu apartamento, sua mãe mora em um asilo, ele não tem religião e não acredita em
Deus e não apresenta nenhum sentimento de pertença ao lugar que vive, demonstrando
assim total indiferença pelo mundo e por aqueles que o cercam. No poema o único afeto
do eu lírico é pela natureza. No poema são as nuvens. Na obra, o mar. O protagonista
em seus momentos de prazer nos fins de semana, sempre vai a praia para tomar banho
de mar. Inclusive esse fato é retratado no dia posterior ao enterro de sua mãe.
Seria esse o comportamento esperado por um homem identificado com
otermo “o estrangeiro”? Termo que dá título ao poema de Baudelaire e ao romance de
Camus. O vocábulo “estrangeiro” apresenta como definição, aquele que é de fora. Seria
o mesmo que alheio. Esse sentimento transparece com o sentimento de angústia, uma
inquietude em relação ao próprio ser. Questões estas existencialistas tratadas em muitas
obras de Camus e de Sartre. Para os existencialistasDeus não existe, sendo o homem o
único responsável por suas escolhas. Se Deus não existe porque nos prendermos a
valores, valores esses definidos pelos homens.

A narrativa é dividida em duas partes e a primeira começa com o


recebimento de um telegrama por Mersault, o protagonista, comunicando o falecimento
de sua mãe, que seria enterrada no dia seguinte.

Hoje mamãe morreu. Ou talvez ontem, não sei bem. Recebi um telegrama do
asilo: “Sua mãe faleceu. Enterro amanhã. Sentidos pêsames.” Isso não
esclarece nada. Talvez tenha sido ontem. (CAMUS, 2006, p.7)

Ele viaja então ao asilo onde ela morava e comparece à cerimônia fúnebre,
sem, no entanto, expressar quaisquer emoções, não sendo praticamente afetado pelo
acontecimento.

Ao visualizarmos as capas de várias edições de O Estrangeiro, buscamos


identificar que elementos seriam recorrentes e que estariam contidos na narrativa.
Dentre os símbolos que estão presentes, vemos frequentemente, o mar, o sol, a cor
alaranjada e um homem que caminha pela praia. Tais símbolos se confirmam como
elementos encontrados na obra, em especial o sol. Símbolo marcante na obra de Camus,
o sol, elemento central na cultura mediterrânea, acompanha o personagem-narrador em
todos os momentos mais significativos de sua vida, como no enterro de sua mãe:

Parecia-me que o cortejo ia um pouco mais depressa. À minha volta era sempre
a mesma paisagem luminosa, plena de sol. O brilho do céu era insuportável.
Em dado momento, passamos por uma parte de estrada que havia sido refeita
há pouco. O sol derretera o asfalto. Os pés enterravam-se nele, deixando aberta
sua polpa luzidia. Por cima do carro o chapéu do cocheiro, de couro curtido,
parecia ter sido moldado nesta lama negra. Eu estava um pouco perdido entre o
céu azul e branco e a monotonia destas cores, negro-pegajoso do asfalto aberto,
negro-desbotado das roupas, negro-laca do carro. Tudo isto, o sol, o cheiro de
couro e de esterco do carro, o do verniz e do incenso, o cansaço de uma noite
de insônia, me perturbava o olhar e as ideias. (CAMUS, 2006, p.20)
Nos encontros com Maria:

Não reclamou e eu fiquei assim. Tinha o céu inteiro nos olhos e ele estava azul
e dourado. Debaixo da nuca sentia o corpo de Marie palpitar suavemente.
Ficamos muito tempo na bóia, meio adormecidos. Quando o sol ficou forte
demais, ela mergulhou e eu a segui. (CAMUS, 2006, p.23)

O romance prossegue, documentando os acontecimentos seguintes na vida


de Meursault que forma uma amizade com um dos seus vizinhos, Raymond Sintès, um
conhecido cafetão. Ele ajuda Raymond a livrar-se de uma de suas amantes árabes.

O sol reaparece na narrativa no momento que Meursault decide o rumo de


sua vida: "Quando Raymond me deu o revólver, o sol refletiu-se nele”. (CAMUS, 2006,
P.60).

Mais tarde, os dois se confrontam com o irmão da mulher ("o árabe") em


uma praia e Raymond sai ferido depois de uma briga com facas. Depois disso,
Meursault volta à praia e, em um delírio induzido pelo calor e pela luz forte do sol, atira
uma vez no árabe causando sua morte e depois dá mais quatro tiros no corpo já morto.

Durante o julgamento a acusação concentra-se no fato de Meursault não


demonstrar ressentimento e não ter chorado no funeral da sua mãe. Ter fumado um
cigarro perante o caixão no velório e ter solicitado um café com leite. O homicídio do
árabe é aparentemente menos importante do que o fato de Meursault ser ou não capaz
de sentir remorsos; o argumento é que, se Meursault é incapaz de sentir remorsos, deve
ser considerado um homem perigoso e consequentemente executado para prevenir que
repita os seus crimes, tornando-o também num exemplo. O árabe que não é sequer
nomeado torna-se apenas um pretexto para a sentença de Meursault.

Quando o romance chega ao final, Meursault encontra o capelão da prisão e


fica irritado com sua insistência para que ele se volte a Deus. Meursault age da mesma
forma que se comportou nos outros encontros com o padre, nega a existência de Deus e
não aceita a obrigação de se converter. A história chega ao fim com Meursault
reconhecendo a indiferença do universo em relação à humanidade.

Em 2014, Jacques Fernandez, reescreve o clássico através de ilustrações e


desenvolve o HQ, O Estrangeiro, baseado na obra de Albert Camus. Fernandez segue
fiel ao enredo e suas ilustrações dão um novo significado a obra. As cores fortes
repassam para o leitor as emoções dos personagens, como por exemplo o calor, através
das cores vibrantes.Nesta obra, Camus apresenta-nos um homem estrangeiro a si
próprio e que assiste, indiferente, ao seu próprio julgamento e condenação à morte.

Uma segunda releitura apresentada é O caso Meursault, escrito por


KamelDaoud nascido na Argélia em 1970. O jornalista publicou livros de crônicas e
contos antes de estrear no romance com O caso Meursault. Em 2016, pouco antes de
abandonar o jornalismo por conta da recepção hostil de parte do mundo acadêmico a
seus artigos sobre o Islã, Kamelfoi agraciado com o prêmio Jean-Luc Lagardère de
“jornalista do ano” na França.

O romance, reconta O Estrangeiro, de Camuslançado em 1942. Equem dá


voz ao narrador e expõe o seu ponto de vista é o irmão do árabe assassinado por
Meursault. A obra de Daoud, publicada na Argélia em 2013, não apenas dá nova vida ao
clássico que o precede, como também expressa uma crítica vigorosa à Argélia pós-
colonial. O título da obra O Caso Meursault já indica que o livro do argelino dialogará
com o clássico de Camus. O enredo inicia, com a afirmação “mamãe está viva” e se
desenvolve com o narrador Haroun contando a vida de sua família, após a morte do
irmão.

Conclusão

O Estrangeiro e o Refugiado, uma releitura da obra O Estrangeiro,identifica


como refugiado o árabe, o personagem que não é nomeado na narrativa, que não tem
voz e que é assassinado com cinco tiros. Vítima da violência, da revolta, do niilismo, da
descrença na humanidade, do descaso, da indiferença e que tem como explicação, o sol.
O Elemento da cultura fundamental para a manutenção da vida na terra. O sol também
representa o espírito de cada ser, seu interior e sua individualidade.

A solidão, a tristeza, o abandono, o niilismo, a insatisfação permanente do


homem com a condição humana, são sentimentos inerentes ao ser que se exila. O
Estrangeiro tal qual o refugiado está no exílio de si. A obra “O Estrangeiro” de Albert
Camus possibilita variadas releituras seja em diferentes suportes, através do cinema, da
história em quadrinhos ou sob uma nova perspectiva de interpretação. Compreendemos
aqui a revolta e o absurdo presente na obra expressa pela insatisfação do Ser."O homem
é a única criatura que se recusa a ser o que é.”(CAMUS, 2010 - Página 21.

O árabe, o refugiado que está longe de sua pátria, afastado de seu povo, de
sua cultura e de sua identidade, o refugiado que foge da guerra, da fome, do tráfico, na
atualidade também é conhecido apenas pela sua nacionalidade. Venezuelanos,
Coreanos, Cubanos Africanos.....

Para finalizar apresentamos uma poesia de Ricardo Reis, heterônimo de


Fernando Pessoa, que aborda um outro estrangeiro, diferente do encontrado no poema
de Baudelaire exibido no início do artigo. 

Somos Estrangeiros Onde quer que Estejamos

Lídia, ignoramos. Somos estrangeiros

Onde que quer que estejamos.

Lídia, ignoramos. Somos estrangeiros

Onde quer que moremos, tudo é alheio

Nem fala língua nossa.

Façamos de nós mesmos o retiro

Onde esconder-nos, tímidos do insulto

Do tumulto do mundo.

Que quer o amor mais que não ser dos outros?

Como um segredo dito nos mistérios,

Seja sacro por nosso.

Ricardo Reis, in "Odes"

Heterónimo de Fernando Pessoa


Referências

BAUDELAIRE, Charles. Pequenos poemas em prosa / edição bilíngue. Tradução de


Gilson Maurity. Rio de Janeiro: Record, 2009, p.19):

CAMUS, Albert . O Estrangeiro. 27ª ed. Editora Record, Rio de Janeiro – São
Paulo, 2006

___________ .O Homem Revoltado. 8ª ed. Editora Record, Rio de Janeiro – São


Paulo, 2010.

https://docplayer.com.br/16555366-Absurdo-e-revolta-em-albert-camus.html.
04/12/2018

http://www.universohq.com/noticias/jacques-ferrandez-adapta-o-estrangeiro-de-
albert-camus/. (acesso em 04/12/2018)

https://www.sempredigo.com.br/poema-de-baudelaire-o-estrangeiro/04/12/2018

http://arquivopessoa.net/textos/323. 04/12/2018

ANEXO
CAPAS

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