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NOÇÕES INTRODUTÓRIAS DO DIREITO ADMINISTRATIVO

1 – Conceitos fundamentais relacionados ao direito administrativo

1.1 – Direito Público e ordem pública

O conceito de Direito Público não é sinônimo de ordem pública. Regra de ordem pública é
aquela imperativa e inafastável pela vontade das partes (ex.: regras que determinam o pa-
gamento de tributos ou a exigência de licitação).

O Direito Público é de ordem pública, mas o conceito de ordem pública extrapola o de Direi-
to Público. É mais abrangente, na medida em que há regras de ordem pública também no
Direito Privado (ex.: capacidade civil, impedimentos para o casamento). Portanto, toda regra
de Direito Público é também de ordem pública, mas nem toda a regra de ordem pública é de
Direito Público.

1.2 – Estado

Estado é a pessoa jurídica (quem tem personalidade tem aptidão para ser sujeito de direitos
e obrigações) de direito público.

Isso nem sempre foi assim no Brasil. Já vigorou, aqui, a teoria da dupla personalidade, se-
gundo a qual o Estado, enquanto atuando em atividades públicas, teria personalidade de
direito público, e, enquanto desempenhando atividades de direito privado, teria personali-
dade de direito privado1.

A responsabilidade civil do Estado (e não da Administração) está prevista no art. 37, § 6º, da
CR2:

Art. 37 (...) § 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestado-

ras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, cau-

sarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de do-

lo ou culpa.

1 A ESAF pergunta com frequência acerca dessa teoria.

2 Isso já foi questão de prova.

1
1.3 – Estado de Direito

Estado de Direito é o Estado politicamente organizado, que obedece às suas próprias leis. O
Direito Constitucional estuda os elementos constitutivos do Estado: povo, território, gover-
no soberano e, para alguns autores, finalidades específicas3.

1.4 – Funções típicas do Estado

Na tripartição de poderes de Montesquieu, o Estado exerce as funções típicas (principais de


cada poder) e as atípicas (secundárias). Exercer função pública significa exercer uma ativida-
de em nome e no interesse do povo.

1.4.1 – função legiferante

A função típica do Poder Legislativo é a legiferante. Alguns autores mais modernos incluem
na função típica do Legislativo a de fiscalizar, em virtude da existência dos Tribunais de Con-
tas e das CPI’s.

No Brasil, o legislador não cumpre bem o seu papel: muitos direitos previstos na Constitui-
ção não estão sendo exercidos em virtude da ausência de lei. Isso traz sérios problemas à
segurança nacional, pois os espaços vazios vêm sendo ocupados por outros poderes, como o
CNJ e o STF, que acabam por praticar outros abusos e, de certo modo, desequilibrar o poder
e subverter suas funções.

Excepcionalmente, o Legislativo julga e o Judiciário administra. Quando o legislador exerce


seu papel principal, ele tem o poder de inovar o ordenamento jurídico. Somente a função
legislativa poderia em tese ter esse caráter. Trata-se de uma função, em regra, direta (inde-
pende de provocação). É abstrata e geral, disciplinando, em regra, todos os que se encon-
trem em determinada situação (erga omnes).

1.4.2 – função jurisdicional

A função típica do Poder Judiciário é a jurisdicional. Excepcionalmente ele administra e nor-


matiza.

3 A esse respeito, ver em direito constitucional a diferenciação feita entre Estado de Direito e Estado
Democrático de Direito. Este, ligado ao constitucionalismo contemporâneo; aquele, ao constituciona-
lismo clássico (ou liberal).

2
Essa função em tese não deve inovar o ordenamento jurídico (ainda que hoje não se tenha
muita certeza disso4). É indireta, na medida em que depende de provocação. Em regra, é
concreta (pode ser abstrata, em sede de controle concentrado de constitucionalidade).

A função jurisdicional produz a chamada intangibilidade jurídica (imutabilidade, efeitos da


coisa julgada).

1.4.3 – função administrativa

A principal função do Poder Executivo é administrar (aplicando coativamente o ordenamen-


to). Nessa função típica, ele não inova o ordenamento jurídico. A Medida Provisória e o De-
creto Regulamentar Autônomo inovam, mas não são funções típicas do Poder Executivo.

A atuação administrativa é direta (independe de provocação), concreta e revisível pelo Po-


der Judiciário. Coisa julgada administrativa não significa a verdadeira coisa julgada, mas so-
mente a impossibilidade de mudança na via administrativa.

1.5 – Função de governo (ou função política do Estado)

Há determinadas funções que não se enquadram perfeitamente em nenhuma das três fun-
ções típicas, tais como a sanção e o veto, a declaração de guerra e a celebração de paz, a
declaração de estado de defesa e de sítio etc.

Daí que alguns autores mais modernos (Celso Antonio Bandeira de Mello) entendem haver
uma quarta função: a função de governo ou política do Estado. São situações excepcionais,
de conteúdo político, que não se confundem com o simples administrar, legislar ou julgar.
Há outros exemplos na doutrina.

1.6 – Governo

Governo significa comando, a direção daquela pessoa jurídica de direito público. Para que o
Estado seja independente, é condição que o governo seja soberano.

1.7 – Governo soberano

Governo soberano significa independência na ordem internacional, com supremacia na or-


dem interna.

4 Exemplo de inovação do Poder Judiciário no ordenamento é a Súmula Vinculante nº 13.

3
1.8 – Administração

Administração é o aparelhamento estatal, a máquina administrativa, a estrutura física do


Estado. Os autores conceituam a administração segundo vários critérios, mas, em resumo,
há basicamente dois conceitos: o formal e o material.

1.8.1 – critério formal (orgânico ou subjetivo)

Sob o enfoque formal, fala-se dos órgãos, agentes e bens que compõem a administração. É o
conceito de “máquina administrativa”.

1.8.2 – critério material (ou objetivo)

Sob o enfoque material, fala-se na atividade administrativa5.

Os doutrinadores clássicos faziam uma distinção de letra maiúscula para o critério formal
(Administração) e minúscula para o material (administração). Hoje não há mais essa distin-
ção.

2 – Conceito de direito administrativo

2.1 – Introdução

“Direito posto” é o conjunto de regras impostas coativamente pelo Estado, que disciplinam a
vida em sociedade e permitem a coexistência pacífica dos seres. Direito posto é, portanto, o
direito vigente num dado momento histórico.

O Direito Administrativo integra o direito interno, que é aquele que se preocupa com as
relações jurídicas existentes dentro do Estado Brasileiro. O direito internacional é o conjunto
de normas superiores, acolhidas pelos Estados, que disciplinam as relações internacionais.

É ramo do Direito Público, aquele que se preocupa com a atuação do Estado na satisfação
do interesse público. No direito administrativo, praticamente todos os conceitos têm como
base a satisfação do interesse público. No Direito Privado, as relações envolvidas são parti-
culares.

5 A esse respeito, recomendam-se as obras de Celso Antonio Bandeira de Melo, Diógenes Gasparini e
outros.

4
2.2 – Teorias acerca do conceito de direito administrativo

Há divergência na doutrina quanto ao conceito de direito administrativo. Tal conceito, em


razão disso, deve ser explicado por meio das diversas teorias acerca do Direito Administrati-
vo. A dificuldade está na definição do objeto.

2.2.1 – escola legalista ou exegética

A escola legalista (ou exegética) dizia que o direito administrativo teria como objeto de es-
tudo o conjunto de leis (a lei “seca”). A escola não foi acolhida no Brasil, tendo a doutrina
entendido que o direito administrativo estuda princípios e leis. Surgiram daí várias teorias.

2.2.2 – escola do serviço público

Para a escola do serviço público, o objeto de estudo do direito administrativo é o serviço


público. Entretanto, naquele momento, serviço público representava toda a atuação do Es-
tado, inclusive nas áreas ligadas às atividades industriais e comercias do Estado. Essa teoria
não foi acolhida pela doutrina brasileira, na medida em que o conceito é amplo demais e
acabava com os demais ramos do Direito Público.

2.2.3 – critério do Poder Executivo

O critério do Poder Executivo é muito exigido em provas da Fundação Carlos Chagas. Para
ele, o direito administrativo somente estuda a atuação do Poder Executivo. Não estuda a
atuação dos Poderes Judiciário e Legislativo, ao atuarem administrativamente.

Na verdade, o direito administrativo estuda a atividade administrativa, independentemente


do poder que a exerça, razão pela qual esta corrente acabou também por não ser aceita.

2.2.4 – critério das relações jurídicas

Para o critério das relações jurídicas, o direito administrativo rege todas as relações jurídicas
entre Estado e administrado.

Todavia, o conceito é bastante amplo, pois o direito administrativo não disciplina todas
aquelas relações.

2.2.5 – critério teleológico

Segundo o critério teleológico, o direito administrativo significa um conjunto harmônico de


regras e princípios. O critério foi aceito na doutrina por Oswaldo Aranha Bandeira de Mello.

5
Todavia, apesar de acatado, foi tido como insuficiente, dependente de complementação
(ex.: regras e princípios com qual objeto?).

2.2.6 – critério residual ou negativo

Segundo o critério residual ou negativo, o conceito de direito administrativo obtém-se por


exclusão. O objeto do direito administrativo obtém-se da exclusão das funções jurisdicional
e a legislativa. Foi aceito pela doutrina, mas também considerado insuficiente, dependente
de complementação.

2.2.7 – critério de distinção entre a atividade jurídica e a atividade social do estado

Para este critério, o conceito de direito administrativo dependia da distinção entre as ativi-
dades jurídica e social do Estado. O direito administrativo não se preocupa com a atividade
social do Estado, mas somente com a jurídica (a implantação jurídica das políticas públicas).
A atividade social seria estudada pela economia, sociologia, psicologia etc. Foi também acei-
to no Brasil, mas tido por insuficiente.

2.2.8 – critério da Administração Pública (Hely Lopes Meirelles)

Trata-se de uma soma dos critérios anteriores, aceitos, porém considerados insuficientes.

Para este critério, direito administrativo é o conjunto harmônico de regras e princípios


(chamado hoje pela doutrina de Regime Jurídico Administrativo) que rege os órgãos e os
agentes no exercício da atividade administrativa, tendentes a realizar, de forma direta, con-
creta e imediata os fins desejados pelo Estado.

É o critério mais aceito no Brasil.

2.3 – Elementos do conceito de Hely Lopes Meirelles

2.3.1 – fins desejados pelo Estado

Quem define os objetivos (fins) do Estado é o direito constitucional (se é o social ou não, se
haverá política a favor do idoso, das crianças e adolescentes etc.). Por isso é muito comum a
união das disciplinas em provas de concurso.

2.3.2 – realização de forma direta, concreta e imediata

O que significa realizar de forma direta, concreta e imediata os fins desejados pelo Estado?

6
O que diferencia a função direta da indireta do Estado é o fato de que ela independe de
provocação. A função jurisdicional é dependente de provocação, na medida em que inerte
(o Juiz só trabalha se instado).

Realizar de forma concreta os fins desejados pelo Estado significa que a função administrati-
va produz efeitos concretos, com destinatários determinados (ex.: José é nomeado para
determinado cargo público; o imóvel de João é desapropriado). Esse raciocínio exclui, dessa
forma, a função legislativa (abstrata) do Estado.

Cumpre observar que, quando fala realização dos fins do Estado de forma direta e concreta,
Hely está aplicando o critério residual.

Realizar de forma imediata significa realizar de forma jurídica, enquanto que realizar de
forma mediata significa se preocupar com a atuação social (a atuação social seria, portanto,
mediata). Veja que, aqui, Hely aplica o critério de distinção entre as atividades jurídica e
social do Estado.

3 – Fontes do direito administrativo

Fonte do direito administrativo é aquilo que leva à criação de uma regra de direito adminis-
trativo.

3.1 – Lei

A primeira fonte do direito administrativo é a lei, entendida aqui como qualquer espécie
normativa (ou seja, lei em sentido amplo): Lei Ordinária, Lei Complementar, Emendas Cons-
titucionais, Medidas Provisórias etc.

O ordenamento jurídico brasileiro está organizado de forma escalonada, hierarquizada. Isso


significa que há normas superiores e inferiores, numa pirâmide, em cujo topo estão as nor-
mas constitucionais e em cuja base estão os regulamentos (atos administrativos).

Acerca dessa estrutura, cabe uma observação importante: segundo o STF, um regulamento
tem de ser compatível com a lei e a lei com a Constituição Federal, mas ambos devem ser
compatíveis com a Constituição Federal. Essa estrutura escalonada foi definida pelo STF
como “relação de compatibilidade vertical”.

3.2 – Doutrina

7
Doutrina é o resultado do trabalho dos estudiosos.6 O direito administrativo não possui um
código. A legislação é esparsa e a doutrina não se resolve, o que ressalta a importância ex-
trema da jurisprudência.

3.3 – Jurisprudência

Jurisprudência é o entendimento consolidado dos tribunais, decorrente de julgamentos rei-


terados sobre determinada matéria, sempre no mesmo sentido. Não se trata de uma deci-
são isolada. A consolidação da jurisprudência leva à edição de uma Súmula. Hoje, há no Bra-
sil há aquelas que indicam (sinalizam uma orientação) e as que obrigam (Súmulas Vinculan-
tes)7.

No Brasil, a partir da reforma do Judiciário, passou despercebido o instituto da repercussão


geral, que possui efeito vinculante. Esse tema é importantíssimo, e será estudado em pro-
cesso civil. Quando determinada matéria de repercussão geral chega ao STF, a repercussão é
declarada e o mérito é julgado. São duas decisões, e a segunda é vinculante8.

3.4 – Costume

Costume é a prática habitual de determinada conduta, acreditando-se ser ela obrigatória.


No Brasil, o costume não cria nem exime a obrigação (ex.: pagamento de imposto não pode
ser eximido pelo costume).

3.5 – Princípios Gerais do Direito

Princípios gerais do direito são regras previstas no alicerce da ciência. Muitas vezes, estão
implícitas no ordenamento jurídico, mas devem ser respeitadas pelos diversos ramos (ex.:
quem causar dano a outrem deve indenizá-lo, é vedado o enriquecimento ilícito, ninguém
pode beneficiar-se da própria torpeza etc.).

6 Nem todas as divergências doutrinárias serão estudadas neste curso, somente as principais.

7 Recomenda-se a leitura das Súmulas Vinculantes, pois várias são de direito administrativo. Muitos
concursos estão simplesmente copiando os textos nas provas.

8 No site do STF, no ícone jurisprudência, há uma linha repercussão geral e outra chamada mérito
julgado. Esta linha deve ser acompanhada. Há também uma ferramenta que explica a decisão, no
próprio site.

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4 - Sistemas administrativos (ou mecanismos de controle)

Praticado um ato administrativo, quem pode revê-lo, controlá-lo? No direito comparado,


encontram-se os sistemas do contencioso administrativo e da jurisdição única.

4.1 – Contencioso Administrativo (ou Sistema Francês)

No Contencioso Administrativo (ou Sistema Francês), o ato administrativo é controlado ou


revisto pela própria Administração. Mas a administração controla o ato como regra.

Nos países que adotam esse sistema, excepcionalmente o Poder Judiciário realiza tal contro-
le, por exemplo: i) nas atividades públicas de caráter privado (atividades realizadas pelo Es-
tado, sujeitas a regime jurídico privado, como um contrato de locação entre e Estado e par-
ticular); ii) nas ações que envolvam estado e a capacidade das pessoas; iii) nas relações liga-
das à propriedade privada; iv) nos atos que dizem respeito à repressão penal.

4.2 – Jurisdição Única (ou Sistema Inglês)

Na Jurisdição Única (ou Sistema Inglês), quem pode rever ou controlar o ato administrativo é
o Poder Judiciário. Nesse caso, o controle definitivo é do Poder Judiciário, mas a Administra-
ção também controla seus atos (controle esse, vale ressaltar, revisível pelo Poder Judiciário).

Conforme será visto adiante, o controle judiciário é um controle de legalidade. O Sistema


Inglês é o adotado no Brasil desde o início da história da administração brasileira até hoje.
Houve somente uma experiência de contencioso administrativo, em 1977, com a EC nº 7. A
despeito de haver sido introduzido o Sistema Francês, a regra nunca saiu do papel, nunca foi
implantada.

5 – Regime jurídico administrativo

5.1 - Conceito

Regime jurídico administrativo é o conjunto harmônico de regras e princípios que compõem


o direito administrativo.

Não há consenso acerca de quais e quantos seriam os princípios de direito administrativo. É


tema incipiente, que merece ainda bastante discussão. Para que um princípio seja incluído
na lista, ele deve guardar correlação lógica, coerência, coincidência com os demais. Eles
estão sempre de braços dados.

9
O administrador que realiza propaganda pessoal, por exemplo, viola vários princípios de
direito administrativo: legalidade, moralidade, impessoalidade, eficiência, indisponibilidade
do interesse público, supremacia do interesse público. Isso ocorre justamente em virtude
dos vários pontos de coincidência entre os princípios.

5.2 – Teoria da ponderação dos interesses

Os doutrinadores mais modernos já começam a aplicar a teoria da ponderação dos interes-


ses no direito administrativo.

No ordenamento jurídico há regras e princípios. Quando aplicada na situação concreta uma


regra, ela exclui a aplicação das demais. Ou seja, se para o caso concreto aplica-se a regra
“A”, as demais estão automaticamente excluídas.

Em se tratando de princípios, não há um de direito administrativo que seja absoluto, verda-


deiro, se sobreponha aos demais. Todos são importantes. No mesmo caso concreto, pode
haver vários princípios incidentes. Aqui, não há exclusão, eliminação, nulidade. É possível
que, verificado o caso concreto, a partir da ponderação dos interesses haja prevalência ou
predominância de um deles. Esta é uma teoria que está surgindo, é recente, nova, não acei-
ta pela totalidade dos doutrinadores.

A partir de 1988, o concurso público tornou-se obrigatório para o preenchimento de cargo


público. A nomeação de um servidor para cargo público sem concurso será ilegal, inválida. A
anulação desse ato de nomeação é aplicação do princípio da legalidade.

Agora, pode ser mantido no cargo o servidor, nomeado em 1989 (sem concurso) que chega
20 anos depois ao STJ, sem que tenha dado causa à ilegalidade? Como deixará de ser servi-
dor público 20 anos depois da ilegalidade a que ele não deu causa? Em virtude da prevalên-
cia dos princípios da segurança jurídica e boa-fé sobre a própria legalidade, o STJ, num caso
concreto, manteve os servidores no cargo.

Essa é a ideia da ponderação de interesses. Não há princípio absoluto. A questão será discu-
tida com mais cuidado adiante.

5.3 – Interesse público

5.3.1 – conceito

Segundo Celso Antônio Bandeira de Melo, público é o interesse dominante dentro da rela-
ção social, que predomina entre os seres da sociedade, que representa a vontade coletiva. É

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o somatório dos interesses individuais, dos seres em sociedade (sem egoísmo), desde que
represente a vontade da maioria9.

5.3.2 - interesse público primário e secundário

Interesse público primário significa a vontade social, a vontade do povo propriamente dita. É
aquilo que quer o povo, a sociedade. Interesse público secundário é a vontade do Estado
enquanto pessoa jurídica.

Ex.: tanto o indivíduo quanto o Estado desejam uma carga tributária justa. O ideal é a coinci-
dência dos interesses públicos, primário e secundário. Na prática, todavia, os interesses nem
sempre coincidem, devendo prevalecer, nesse caso, sempre o primário (CESPE).

5.4 – Dos princípios administrativos

Segundo Celso Antonio Bandeira de Melo, a supremacia do interesse público e a indisponibi-


lidade do interesse público são os mais importantes princípios de direito administrativo. São
as bases, as colunas, a “pedra de toque” da disciplina.

No caput do art. 37 da CR, encontram-se os princípios mínimos do direito administrativo:


legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (“LIMPE”):

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos

Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, im-

pessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação da-

da pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) (...)

O dispositivo foi objeto de alteração pela Reforma Administrativa do Estado (EC 19/1998),
tendo sido, na ocasião, inserido o princípio da eficiência. A administração pública, direta ou
indireta, de todas as pessoas jurídicas de direito público (de todos os Poderes), está sujeita
àqueles princípios.

Há outros princípios, igualmente importantes, que não estão no caput do art. 37 da CR, mas
serão também estudados neste tópico.

9 Além do próprio livro de Celso Antonio, ver, acerca do conceito de interesse público, o artigo de
Alice Gonzáles Borges, “Supremacia do Interesse Público”, que pode ser encontrado nos sites Injur e
www.marinela.ma.

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5.4.1 – princípio da supremacia do interesse público

Supremacia do interesse público é a superioridade do interesse público em face dos interes-


ses individuais, particulares.

Em razão desse princípio, o ordenamento jurídico brasileiro traz algumas prerrogativas à


administração pública, um tratamento diferenciado. Quase todos os institutos de direito
administrativo têm um fundamento na supremacia do interesse público.

Exemplos:

i) o ato administrativo possui auto-executoriedade justamente em virtude da supremacia do


interesse público. O Poder Público pode realizar a interdição de uma padaria que descumpre
normas sanitárias sem ordem judicial;

ii) poder de polícia de fechar uma boate que descumpre normas de emissão de som. Poder
de policia também reflete a supremacia do interesse público;

iii) cláusulas exorbitantes do contrato administrativo;

iv) poder de requisição de bens particulares, mediante indenização, se houver dano (art. 5º,
XXV, CR):

Art. 5º (...) XXV - no caso de iminente perigo público, a autoridade competente poderá

usar de propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização ulterior, se houver

dano;

v) desapropriação de bens particulares.

Importante destacar que a supremacia é do interesse público, não do administrador ou da


máquina estatal (CESPE).

Para corrente doutrinária minoritária10, o princípio da supremacia do interesse público deve-


ria ser eliminado, desconstruído, pois justifica a arbitrariedade do administrador, que, va-
lendo-se dele, pratica abusos.

10 Marçal Justen Filho e Gustavo Amorim.

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A maioria dos autores, todavia, entende que o problema não é de eliminação ou descons-
trução, mas de aplicação correta e efetiva do princípio. Aplicado devidamente, não haverá a
ilegalidade e, por consequência, a eliminação da supremacia do interesse público.

5.4.2 – princípio da indisponibilidade do interesse público

O princípio da indisponibilidade funciona como freio às prerrogativas conferidas pelo princí-


pio da supremacia do interesse público. O interesse público não está no âmbito de liberdade
e disponibilidade do administrador. Ele exerce função pública (exercício de atividade em
nome o no interesse do povo). O interesse não pertence ao administrador, que é um mero
representante daquele interesse.

Há um princípio geral de direito que determina que o administrador de hoje não pode criar
obstáculos à futura administração, como deixar dívidas e celebrar contratos inexequíveis no
final do mandado. O município de São Paulo ficou quase uma semana sem energia elétrica,
pois o administrador anterior não deixou dinheiro para o pagamento da dívida pelo posteri-
or.

Exemplos de aplicação prática do princípio:

i) se a administração contrata com fraude ao dever de licitar, ela inviabiliza a melhor propos-
ta e, por consequência, a indisponibilidade do interesse público;

ii) a fraude ao dever de concurso público também viola o princípio, pois a administração está
jogando fora a oportunidade de escolha dos melhores agentes públicos.

5.4.3 – princípio da legalidade

Estado de Direito é o Estado politicamente organizado que obedece às próprias leis. O prin-
cípio da legalidade é, portanto, a base do Estado Democrático de Direito, princípio funda-
mental dentro do ordenamento jurídico brasileiro.

Caminhando pela CR, observa-se uma repetição bastante grande do princípio (arts. 5º, II, 37,
caput, 150, I). A redundância na descrição do princípio serviu justamente para evitar que ele
fosse inobservado:

Art. 5º (...) II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em

virtude de lei;

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União,

aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

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I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;

O princípio da legalidade possui dois enfoques diferentes:

i) para o direito privado:

Segundo o enfoque do princípio da legalidade para o direito privado, o particular pode tudo,
salvo o que estiver vedado na lei (critério de não contradição à lei).

ii) para o direito público:

Para o direito público, o princípio da legalidade significa que o administrador só pode fazer o
que está previsto ou autorizado na lei. Ele não tem liberdade. É o chamado “critério de su-
bordinação à lei”. Segundo Seabra Fagundes “administrar é aplicar a lei de ofício”. Essa é a
descrição do princípio da legalidade para o direito público11. Ex.: o administrador não pode
dar aumento aos seus servidores por meio de decreto ou prever pena de prisão para o caso
de descumprimento de contrato administrativo.

O princípio da legalidade não é sinônimo do princípio da reserva legal. Para a legalidade, o


administrador só pode fazer o que a lei determina. Reserva de lei significa a escolha de de-
terminada espécie normativa. Quando o constituinte reserva matéria a determinada espécie
de lei (ex.: lei complementar, lei ordinária) está fazendo reserva legal. A doutrina diz que a
legalidade é muito mais ampla que a reserva legal. Escolher a espécie normativa (reserva de
lei) é somente um pedaço da legalidade.

Hoje, quando se fala em controle de legalidade ou revisão da legalidade do ato administrati-


vo, fala-se em legalidade no sentido amplo: controle do ato não somente em face da lei,
como das regras e princípios constitucionais. Dizer que um ato administrativo viola o princí-
pio da eficiência é realizar controle de legalidade. Essa informação é fundamental para a
compreensão da matéria relacionada ao controle de mérito do ato administrativo, que será
analisada adiante.

5.4.4 – princípio da impessoalidade

De acordo com o princípio da impessoalidade, o administrador não pode buscar interesses


pessoais, próprios, dos parentes ou dos amigos. Ou seja, tem de agir com ausência de subje-

11 Texto exigido em concurso organizado pela Fundação Carlos Chagas.

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tividade. Há diversos exemplos de institutos expressos na CR que representam o princípio da
impessoalidade, como a exigência de licitação e de concurso público12.

A impessoalidade, segundo Celso Antônio Bandeira de Mello, traduz a ideia de que a admi-
nistração tem que tratar a todos sem discriminações, benéficas ou detrimentosas, não sen-
do toleráveis favoritismos ou perseguições. Simpatias ou animosidades, pessoais, políticas
ou ideológicas não podem interferir na atividade administrativa.

A ideia da não discriminação também agrega a de isonomia, mas, como dito, os princípios
interpenetram-se. O princípio da impessoalidade está ligado ao da isonomia ou igualdade
constitucional, assim como o da moralidade está ligado ao da lealdade e boa-fé.

A certidão negativa de débitos da Fazenda Municipal é expedida pelo Município, e não pelo
servidor que a forneceu. A impessoalidade, portanto, traduz a ideia de que os atos adminis-
trativos não são do agente, mas da pessoa jurídica a que o agente pertence. Adiante, será
analisada a responsabilidade civil da pessoa jurídica de direito público.

Já foi exigida em prova de concurso (MP/PE) dissertação acerca da diferença entre os princí-
pios da impessoalidade e da finalidade.

Há divergência na doutrina acerca do conceito de finalidade. Para a doutrina clássica (Hely


Lopes Meirelles), o princípio da impessoalidade é sinônimo da finalidade, tendo aquele vin-
do com a CR para substituir os velhos princípios da finalidade e da imparcialidade.

Celso Antônio Bandeira de Mello, um bom nome da doutrina moderna, entende que os
princípios são autônomos, separados. Impessoalidade é a ausência de subjetividade. Finali-
dade é a busca, pelo administrador, do objetivo, do espírito, da vontade maior da lei.

É possível ao administrador aplicar a lei sem obedecer ao seu espírito? Dá pra separar? Pa-
rece que não. Na verdade, os autores modernos dizem que cumprir o espírito da lei liga-se à
ideia de legalidade, de modo que a finalidade estaria ligada a esse princípio.

12 Vale observar que concurso público, segundo o STJ, não é modalidade de licitação, pois tem por
objetivo o provimento de cargo público. O concurso a que se refere a Lei 8.666/1993 serve para a
escolha de trabalho técnico ou científico, com prêmio como contraprestação.

15
Reforçando essa posição, o art. 2º da Lei 9.784/1999 (lei que regula o processo administrati-
vo federal), trata do princípio da finalidade enquanto princípio autônomo, ligado à legalida-
de:

Art. 2o A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, fi-

nalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, con-

traditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência. (...)

É a posição que prevalece hoje, para fins de concurso. Hely Lopes Meirelles faleceu em 1990
(antes da Lei de Processo Administrativo, portanto). Em prova da Fundação Carlos Chagas
(concurso técnico), já foi exigida a corrente tradicional.

5.4.5 – princípio da moralidade

Segundo a doutrina brasileira, o princípio da moralidade tem conceito vago, indeterminado.


Isso traz grande dificuldade ao julgador na hora de aplicar o princípio de forma isolada. Difi-
cilmente são encontrados julgados anulando ato administrativo somente com base nesse
princípio. Ele vem sempre amarrado a outros.

Todavia, apesar de vago, o princípio da moralidade traduz a ideia de honestidade, ética


(obediência aos princípios éticos), probidade administrativa (sem corrupção, safadeza), leal-
dade (aos princípios, ao interesse público), boa-fé, correção de atitudes (ser uma pessoa
correta).

A violação à moralidade caracteriza improbidade administrativa (art. 11 da Lei 8.429/1992,


que veda a violação a princípios da administração):

Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da

administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade,

imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente: (...)

A moralidade administrativa é igual à comum? Moralidade comum, na vida em sociedade,


envolve a correção de atitude dentro das regras do convívio social (que disciplinam o certo e
errado). Ex.: minissaia na igreja e adultério violam a moral comum. A moral administrativa,
entretanto, é mais rigorosa do que a comum. Além da correção de atitude, o administrador
tem de ser o melhor administrador possível. Ele tem de agir sempre de acordo com a boa
administração. Entre três escolhas permitidas pela lei, a que ele faz tem de ser a melhor.
Boa administração liga-se também e principalmente ao princípio da eficiência. É, mais uma
vez, a ideia da interpenetração dos princípios.

16
O nepotismo é a proibição do parentesco dentro da administração pública. Praticamente
todos os estatutos de servidores proíbem o nepotismo. A história, todavia, começa a ganhar
repercussão a partir da EC 45/2004, que introduziu a reforma do poder judiciário e criou o
CNJ e o CNMP. São dois órgãos que exercem o controle da atividade administrativa nos âm-
bitos do Judiciário e do MP, respectivamente. Uma das primeiras providências tomadas por
esses órgãos foi a proibição do nepotismo13

A vedação do nepotismo caiu como uma bomba no Poder Judiciário, pois os Tribunais sim-
plesmente se recusaram a cumprir as Resoluções. Além disso, na ocasião, começou a haver
nepotismo cruzado (“ajuste mediante designações recíprocas”), inclusive entre poderes
(Judiciário com Executivo).

O CNJ passou então a determinar a exoneração de servidores. A matéria foi sujeita a contro-
le de constitucionalidade através da ADC 12, que resolveu três questões importantes sobre
nepotismo:

i) a proibição de nepotismo é regra constitucional, na medida em que representa a aplicação


de princípios constitucionais, fundamentando-se em, pelo menos, quatro deles: moralidade,
impessoalidade, eficiência e isonomia14;

ii) o CNJ foi criado justamente para controlar a atividade administrativa, e nomear servidor é
atividade administrativa, de modo que o CNJ pode realizar esse controle;

iii) Resolução é o ato normativo de que o CNJ dispõe para a realização do controle, de modo
que a matéria pode ser tratada por meio desse tipo de ato normativo.

Por ocasião do julgamento da ADC 12, restou no STF uma grande vontade de legislar sobre o
assunto. Todavia, como o tribunal não tem esse poder, editou a Súmula Vinculante nº 13:

Súmula Vinculante nº 13 – A NOMEAÇÃO DE CÔNJUGE, COMPANHEIRO OU PARENTE EM

LINHA RETA, COLATERAL OU POR AFINIDADE, ATÉ O TERCEIRO GRAU, INCLUSIVE, DA AU-

TORIDADE NOMEANTE OU DE SERVIDOR DA MESMA PESSOA JURÍDICA INVESTIDO EM

13 Acerca do nepotismo, ver as Resoluções nºs 7, 9 e 21 do CNJ e 1, 7, 21 e 28 do CNMP.

14 Vale observar que, antes da decisão, era admitida como correta a assertiva segundo a qual o nepo-
tismo derivaria apenas do princípio da moralidade. Por isso, deve-se atentar para as provas mais anti-
gas, que estão desatualizadas no tema.

17
CARGO DE DIREÇÃO, CHEFIA OU ASSESSORAMENTO, PARA O EXERCÍCIO DE CARGO EM

COMISSÃO OU DE CONFIANÇA OU, AINDA, DE FUNÇÃO GRATIFICADA NA ADMINISTRA-

ÇÃO PÚBLICA DIRETA E INDIRETA EM QUALQUER DOS PODERES DA UNIÃO, DOS ESTA-

DOS, DO DISTRITO FEDERAL E DOS MUNICÍPIOS, COMPREENDIDO O AJUSTE MEDIANTE

DESIGNAÇÕES RECÍPROCAS, VIOLA A CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

Súmula Vinculante foi criada para resolver grandes controvérsias (milhões de ações no
mesmo sentido), depois de um posicionamento cristalizado na jurisprudência. O grande
precedente da Súmula foi, na verdade, a ADC 12. Não tem nada de consolidado e o enuncia-
do é extenso e confuso.

O STF também anda interpretando essa Súmula. Não deveria, pois deveria ser o final da
interpretação, e não a norma a ser interpretada. Segundo o texto, não pode ser nomeado o
cônjuge ou companheiro, o parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o 3º grau,
inclusive. A ideia do nepotismo é proibir o parentesco dentro do concurso. Não pode haver
parentesco entre a autoridade nomeante e o nomeado, desde que o nomeado vá exercer
cargo em comissão (ou de confiança) ou função gratificada.

Cargo em comissão era antigamente chamado de cargo de confiança. A nova nomenclatura


veio com a CR/88. Cargo em comissão, portanto, é o baseado na confiança, com livre nome-
ação e exoneração. Pode ser preenchido por qualquer pessoa, que receberá a remuneração
correspondente ao cargo. Ele serve para direção, chefia ou assessoramento. Função gratifi-
cada é a função de confiança, baseada, evidentemente, na confiança. Pode ser ocupada
somente por quem tem cargo efetivo, por haver prestado concurso e estar na carreira. O
sujeito recebe a remuneração do cargo, acrescida de uma gratificação em virtude da função
de confiança. Essa função também serve para direção, chefia e assessoramento.

Não importa o cargo que o nomeante exerça. Se entre ele e o nomeado houver parentesco,
a nomeação está proibida.

A Súmula Vinculante nº 13 também proíbe a hipótese em que há relação de parentesco, na


mesma pessoa jurídica, entre servidores que ocupem cargos em comissão e função gratifi-
cada (de direção, chefia ou assessoramento). Segundo a Marinela:

i) cargo x cargo: vedado;

ii) cargo x função: vedado;

iii) função x função: não é vedado (há autores que dizem que também é vedado).

A proibição independe de quem vá nomear.

18
A parte final da Súmula veda o ajuste mediante designações recíprocas (troca de parentes).
É o nepotismo cruzado.

Não há ferramentas no país para a fiscalização da Súmula. Ela se tornou uma piada. O Prefei-
to pode nomear um irmão Secretário de Saúde e outro irmão Secretário de Educação? Para
o STF, pode. Os agentes políticos estão fora da proibição. Quando um dos ex-presidentes do
STF assumiu, nomeou marido e mulher para dois cargos em comissão dentro do próprio STF.
A resposta dele para a sociedade foi: a Súmula tem enunciado péssimo, tendo de ser revista.
E o marido e a mulher continuam lá. Moral da história: nem o STF está cumprindo a Súmula
por ele criada. Que dirá o resto do país.

5.4.6 – princípio da publicidade

Publicidade significa dar conhecimento ao titular do direito do que está acontecendo com os
direitos e interesses dele.

O administrador está lá para representar dos interesses do povo. A publicidade vem da ideia
de que o poder emana do povo. Publicidade é, portanto, ciência, conhecimento ao titular do
direito. Além de ciência, a publicação é condição de eficácia dos contratos administrativos
(dele depende o início de produção de efeitos). Um contrato administrativo não publicado é
ineficaz. A regra está escrita de forma expressa no art. 61, parágrafo único, da Lei
8.666/1993:

Art. 61 (...) Parágrafo único. A publicação resumida do instrumento de contrato ou de

seus aditamentos na imprensa oficial, que é condição indispensável para sua eficácia, será

providenciada pela Administração até o quinto dia útil do mês seguinte ao de sua assina-

tura, para ocorrer no prazo de vinte dias daquela data, qualquer que seja o seu valor, ain-

da que sem ônus, ressalvado o disposto no art. 26 desta Lei. (Redação dada pela Lei nº

8.883, de 1994)

Consequência dessa regra é que a publicidade representará o termo inicial da contagem de


determinados prazos. Na verdade, o conhecimento é sempre o marco inicial da contagem de
prazos (ex.: notificação da lavratura de auto de infração de trânsito).

A publicidade é, portanto, o instrumento que viabiliza o controle dos atos da administração


pública. As contas públicas, por exemplo, têm de estar disponíveis por 60 dias para confe-
rência, fiscalização, controle e cobrança. A licitação, na modalidade convite, tem publicida-
de. O que não há é publicação de edital, de instrumento convocatório. Publicidade é algo
muito mais amplo que publicação. A licitação de portas abertas, a ciência pessoal ao interes-

19
sado e a fixação de carta-convite no átrio do edifício da administração representam outras
formas de publicidade.

São exceções ao princípio da publicidade:

i) art. 5º, X, da CR:

Art. 5º (...) X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pesso-

as, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua vio-

lação;

Intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas são direitos que devem ser preserva-
dos, se em contraposição com a publicidade dos atos administrativos.

ii) art. 5º, XXXIII, da CR:

Art. 5º (...) XXXIII - todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu in-

teresse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei,

sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segu-

rança da sociedade e do Estado;

Há certas informações, como a descoberta de um ataque terrorista, que podem ser negadas
em nome da segurança da sociedade e do Estado. É a hipótese mais aceita na doutrina e a
que mais cai em concurso.

iii) art. 5º, LX, da CR:

Art. 5º (...) LX - a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a de-

fesa da intimidade ou o interesse social o exigirem;

Atos processuais correm em sigilo, na forma da lei. Normalmente, as pessoas relacionam o


inciso LX aos atos jurisdicionais, mas a hipótese ocorre também no caso de processos admi-
nistrativos. Ex.: o médico processado por suposto erro médico, em decorrência do qual hou-
ve morte, terá sua carreira destruída, antes mesmo da condenação. O processo ético corre
em sigilo para evitar que a carreira do profissional seja comprometida até o final do proces-
so administrativo, em vista da presunção de inocência.

Importante ressaltar que o remédio constitucional que permite ao cidadão a obtenção de


informações de seu interesse nos órgãos públicos, como a de uma empresa que pretende
adquirir, não é o habeas data, que serve para a obtenção ou correção de informações da
sua pessoa, mas o Mandado de Segurança, que tutela direito líquido e certo à informação.

20
Segundo Marinela, o art. 37, § 1º, da CR é uma das piadas da disciplina administrativa consti-
tucional brasileira:

Art. 37 (...) § 1º - A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos ór-

gãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não

podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de au-

toridades ou servidores públicos.

A publicidade é um dever do administrador público. A não publicação dos atos é hipótese


expressa de improbidade administrativa (art. 11 da Lei 8.429/199215). O ato não publicado,
em geral, envolve uma violação legal (uma “maracutaia”). O dever de publicidade tem de ter
caráter educativo, informativo e de orientação social. A propaganda que trata de realizações
da administração é permitida. O dispositivo veda, todavia, a promoção pessoal. Símbolos
próprios da campanha não podem ser transferidos para as publicações da administração. O
administrador que, durante a campanha, usa determinada cor, se utilizar a mesma cor para
pintar a cidade toda, praticará campanha pessoal.

Exemplos:

i) o número “8” que ficava pulando no canto da tela em propaganda do governo federal, na
época da reeleição;

ii) o agradecimento anônimo feito em placas iguais espalhadas ao longo do estado é promo-
ção pessoal, ainda que o político as tenha pago com o dinheiro próprio;

iii) o administrador não pode se utilizar de algo que é obrigação dele, como a execução de
determinada obra, para promoção pessoal;

iv) prefeito que coloca o nome dele no prédio da Procuradoria do Município também come-
te improbidade.

Segundo a jurisprudência do STJ, constar o nome do administrador na placa informativa de


determinada obra não caracteriza promoção pessoal. É preciso que haja efetivamente inten-
ção de se promover. Deve-se aplicar o bom senso na solução desses casos.

15 Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administra-
ção pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalida-
de, e lealdade às instituições, e notadamente: (...) IV - negar publicidade aos atos oficiais;

21
5.4.7 – princípio da eficiência

O princípio da eficiência ganhou status de princípio expresso na CR a partir da EC 19/1998


(Reforma Administrativa)16. Antes de 1998, ele já estava na CR, enquanto princípio implícito.
Sempre houve o dever e obrigação de eficiência.

A exigência de eficiência já era regra expressa na lei infraconstitucional (art. 6º, § 1º, da Lei
8.987/1995, que cuida de concessão e permissão de serviço público):

Art. 6º Toda concessão ou permissão pressupõe a prestação de serviço adequado ao ple-

no atendimento dos usuários, conforme estabelecido nesta Lei, nas normas pertinentes e

no respectivo contrato.

§ 1º Serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, efici-

ência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das

tarifas. (...)

Eficiência significa produtividade, economia, ausência de desperdícios, agilidade, presteza,


boa administração.

Não bastou, entretanto, introduzir o princípio no caput do art. 37 da CR. O constituinte tinha
consciência da necessidade da criação de mecanismos com o objetivo de efetivá-lo, concre-
tizá-lo, torná-lo realidade. Importa destacar três dessas medidas:

i) mudança da regra de estabilidade do servidor (art. 41,da CR, realizada pela EC 19/1998):

Art. 41 (...) § 4º Como condição para a aquisição da estabilidade, é obrigatória a avaliação

especial de desempenho por comissão instituída para essa finalidade. (Incluído pela

Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

Para adquirir estabilidade, o servidor deve ser aprovado em concurso, ser nomeado para
cargo efetivo, ter três anos de exercício e ser aprovado em avaliação especial de desempe-
nho. Essa avaliação veio juntamente com a ideia de eficiência. Foi a primeira medida na bus-
ca da eficiência. O problema é que no Brasil a avaliação não é feita, pois depende da regu-
lamentação na lei da carreira, e muitas das leis não têm ainda tal previsão.

16 Questão cruel do CESPE previu em determinada questão que o princípio da eficiência teria sido
introduzido na CR pela EC 20/1998. A EC 20/1998, na verdade, é a Reforma da Previdência, que me-
xeu com a administração, mas com aspectos relacionados à aposentadoria dos servidores.

22
O servidor perde a estabilidade através de: processo administrativo, com contraditório e
ampla defesa; processo judicial, com trânsito em julgado; e uma avaliação periódica de de-
sempenho (próxima medida);

ii) perda da estabilidade através de avaliação periódica de desempenho (condição para per-
manência no cargo):

Art. 41. (...) § 1º O servidor público estável só perderá o cargo:

III - mediante procedimento de avaliação periódica de desempenho, na forma de lei com-

plementar, assegurada ampla defesa. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de

1998)

A avaliação periódica de desempenho já existia no serviço público, mas era mera formalida-
de, não tinha força de retirar a estabilidade do servidor. Até hoje, contudo, essa avaliação
não foi regulamentada nas leis das carreiras. As mudanças foram boas, mas não foram ainda
implantadas.

iii) previsão de um limite para gastos com pessoal:

O administrador não pode gastar tudo o que arrecada com pessoal. Não sobraria para inves-
timentos, infraestrutura e demais gastos. Muitos municípios chegavam a se endividar para
pagar folha de pagamento. Eram verdadeiros cabides de emprego. Em razão disso, outra
alteração para a efetivação da regra da eficiência foi a alteração do art. 169 da CR, prevendo
limite de gastos com pessoal:

Art. 169. A despesa com pessoal ativo e inativo da União, dos Estados, do Distrito Federal

e dos Municípios não poderá exceder os limites estabelecidos em lei complementar. (...)

A CR remeteu a matéria à lei complementar, que, no caso, é a Lei de Responsabilidade Fis-


cal, que prevê um limite de gastos com pessoal de até 50% do orçamento, para a União, e de
até 60% do orçamento, para estados, DF e municípios.

Com a edição da lei, muita gente teve de ser mandada embora, tendo o novo art. 169 da CR
determinado a forma de limpeza de pessoal, para a adequação à nova realidade legal. O
primeiro critério da lista era a dispensa dos cargos em comissão e funções de confiança.
Determinou-se que seria feito o corte de pelo menos 20% dos cargos daquela natureza. Os
segundos a serem exonerados seriam os servidores não estáveis, quantos e quais o adminis-
trador bem entender, de acordo com a desnecessidade daquele funcionário. O cargo seria
extinto e não seria colocada outra pessoa no lugar. Depois de esgotados todos os não está-

23
veis é que o administrador poderia passar à categoria dos servidores estáveis (quantos fos-
sem necessários, de acordo com a desnecessidade).

O servidor, nesses casos, não foi demitido, mas exonerado. Demissão é pena, sanção para a
prática de infração grave. Cuidado com os erros da imprensa a esse respeito. A sequência
descrita acima é obrigatória. A classe seguinte só poderia ser atingida depois de esgotada a
anterior. Para evitar vinganças e perseguições do administrador ao enxugar a máquina, foi
editada regra segundo a qual o cargo extinto somente poderia ser recriado de forma idênti-
ca ou com funções assemelhadas, quatro anos após a extinção. Somente o servidor estável
teria direito à indenização.

A eficiência tem de se apresentar em dois momentos diferentes: i) quantos aos meios: gas-
tar o menos possível; e ii) quanto aos resultados: obter o melhor resultado possível. O equa-
cionamento entre os meios e resultados é aplicação da eficiência.

Apesar de todos esses instrumentos, a doutrina entende que o conceito é fluido demais,
muito vulnerável, o que dificulta a sua aplicação. Tudo não passou de uma utopia, um sonho
do constituinte de 1998, que até agora não se tornou realidade no Brasil, ainda que a situa-
ção já esteja muito melhor do que antes, em termos de eficiência da administração.

5.4.8 – princípio da isonomia17

Isonomia significa tratar os iguais de forma igual e os desiguais de forma desigual, na medida
das suas desigualdades. Quem são os iguais? E os desiguais? E a medida da desigualdade? O
difícil do princípio não é conceituar, mas preencher o seu conteúdo.

Deve-se verificar o fator de discriminação e sua eventual compatibilidade com a finalidade, o


objetivo da norma. Em caso afirmativo, haverá isonomia; caso não haja, não haverá isono-
mia. Ex.: determinado município faz concurso para salva-vidas, excluindo a possibilidade de
participação de um deficiente físico de cadeira de rodas. Essa previsão não viola a isonomia,
na medida em que o deficiente não desenvolveria bem a função. Há compatibilidade com o
objetivo da norma. O concurso da policia civil, para função administrativa, que exclui o defi-
ciente físico de cadeira de rodas compromete a isonomia, em virtude da incompatibilidade
com o objetivo da norma. Isso porque o deficiente, nessa hipótese, poderá exercer o cargo

17 Os princípios que serão estudados adiante estão fora do caput do art. 37.

24
administrativo sem problemas. Não viola a isonomia o concurso para a polícia feminina que
exclui homens do certame.

Para que o requisito conste no edital, tem de estar na lei da carreira e ser compatível com as
atribuições do cargo que será exercido. Concurso que estabelece limite mínimo ou máximo
de idade é constitucional, desde que previsto na lei da carreira, compatível com as atribui-
ções do cargo e previsto no edital.

Exemplos:

i) concurso para delegado da policia em São Paulo proibiu participantes com menos de 1
metro e meio. A regra viola a isonomia e foi retirada do edital, após várias ações;

ii) concurso para gari previa que o candidato deveria possuir ao menos cinco dentes nas
arcadas superior e inferior. A regra viola a isonomia e foi retirada do edital;

iii) exame psicotécnico: além de previsão legal e ser compatível com as atribuições do cargo,
o exame, para não ferir a isonomia, deve ter previsão no edital, com a devida publicidade
dos critérios objetivos fixados e permitir a apresentação de recurso (Informativo 535 do STJ,
REsp 1.429.656). Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello, ninguém garante que o psicólo-
go examinador não é mais maluco que o próprio candidato.

iv) prova física: o concurso para Delegado da Policia Federal previa a necessidade de segurar
a barra por 10 segundos, para mulheres, e fazer 10 barras, para homens. A exigência não
viola o princípio da isonomia, pois estudos técnicos demonstram que a mulher não consegue
fazer barras como o homem (isso é tratar os desiguais de forma desigual).

5.4.9 – princípio do contraditório e da ampla defesa

Os princípios do contraditório e da ampla defesa andam sempre juntos. Estão previstos no


art. 5º, LV, da CR, inclusive para o processo administrativo:

Art. 5º (...) LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em

geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela ine-

rentes;

No processo judicial, não há discussão acerca da existência e da aplicação dos princípios (são
princípios já cristalizados). Todavia, na via administrativa os princípios somente surgiram
com a CR/88. São recentes para o processo administrativo, ainda representando o maior
índice de nulidades nos processos.

25
Contraditório é a ciência, conhecimento da existência do processo. É o chamamento da par-
te a integrar o processo. Através dele constitui-se a bilateralidade da relação processual.
Citação é a ferramenta que dá ciência no processo civil. A legislação não tem o mesmo pri-
mor técnico da via judicial. A lei ora fala em citação, notificação ou intimação.

O princípio do contraditório é fundamental, está na estrutura do Estado Democrático de


Direito. Não dá pra imaginar que alguém perderá o cargo efetivo sem ter ciência do proces-
so contra si ajuizado.

Mas não basta trazer a parte ao processo. Ela precisa participar da tomada de decisão, pre-
cisa estar dentro daquela construção. E o faz apresentando defesa. Daí a importância do
princípio da ampla defesa. Ele envolve a previsão da oportunização de defesa, num prazo
razoável. Mas isso não basta. Há algumas exigências (ou desdobramentos) para que a ampla
defesa se concretize, saia do papel:

i) ela deve ser prévia, antecedendo a tomada de decisão.

Para que a defesa anteceda a tomada de decisão, os procedimentos e as penas devem estar
predeterminados. Durante muitos anos, no processo penal brasileiro, a defesa prévia dizia
basicamente que o réu não cometera o crime. A construção jurídico-teórica vinha nas alega-
ções finais. Se o advogado não soubesse da existência de tal previsão, ele não jogaria bem
com as possibilidades do processo, guardando as melhores alegações para o final.

ii) a parte precisa ter direito às informações do processo (ter acesso ao processo).

A jurisprudência determina que a parte tem direito à viabilização da extração de cópias,


mediante a reprodução no local ou com vista do processo, em papelaria próxima, com o
funcionário acompanhando a parte (a lei veda a realização de carga do processo administra-
tivo).

iii) produção de provas, com a possibilidade de interferência no convencimento do julgador.

Trata-se do direito de produção e de avaliação da prova. A produção probatória não pode


ser meramente formal.

iv) direito de recurso (art. 5º, LV, parte final, da CR).

A parte em processo administrativo tem de recorrer, independentemente de previsão de um


recurso específico. É garantia de revisão da decisão. A regra do edital que veda recurso em
determinada hipótese é inconstitucional.

26
Situação concreta, julgada pelo STJ: edital previa o prazo de 24 horas para recurso, sem que
fosse dado acesso ao candidato do espelho da prova (nota sem motivação). O Judiciário
determinou que o candidato tem direito à motivação, que permita a elaboração do recurso.
Conceder vista da prova por 15 minutos, no balcão da repartição, não é conceder direito de
recurso, não é motivação. O direito de recurso está, portanto, atrelado à motivação, as ra-
zões, o motivo para a tomada de determinada decisão.

Houve um exame da OAB em que a 2ª fase vinha corrigida com rabiscos e comentários de-
sagradáveis. Alguns candidatos chegaram a ajuizar ação de indenização contra o examina-
dor.

Em processo administrativo, não se exige defesa técnica.

A presença do advogado durante o processo administrativo sempre foi facultativa. Essa re-
gra está prevista na maioria dos estatutos. A discussão começa a aparecer no processo ad-
ministrativo disciplinar (PAD). Como ele tem uma finalidade condenatória, sempre se bus-
cam bases, ideias do Direito Penal.

No decorrer dos anos, o STJ consolidou a jurisprudência segundo a qual o advogado contri-
buía com a regularidade do processo administrativo disciplinar. Começou-se a perceber o
aumento das nulidades quando havia advogado nos autos. Evoluiu a tese ao longo dos anos,
passo a passo, culminando na edição da Súmula 343:

Súmula 343 - É obrigatória a presença de advogado em todas as fases do processo admi-

nistrativo disciplinar.

Em razão dessa regra, a ausência do advogado no PAD passou a gerar nulidade. Passou-se a
entender que a demissão de servidor em PAD sem advogado era ilegal, de modo que ele
teria direito a ser reintegrado no cargo de origem, com todas as vantagens do período em
que esteve afastado. Todos os servidores demitidos nos últimos cinco anos que antecede-
ram a Súmula teriam direito a retornar ao cargo de origem, com “poupança”.

A matéria chegou ao STF, que começou a fazer as contas. Por iniciativa mais econômica que
jurídica, o STF editou a Súmula Vinculante nº 5:

Súmula Vinculante nº 5 - A FALTA DE DEFESA TÉCNICA POR ADVOGADO NO PROCESSO

ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR NÃO OFENDE A CONSTITUIÇÃO.

Ou seja, a Súmula diz que a defesa técnica é facultativa. A consequência da edição dessa
Súmula foi acabar com o entendimento do STJ. Por ser vinculante, ainda que não tenha sido

27
expressamente retirada, a Súmula 343 do STJ não pode ser mais aplicada. Perceba que o STF
matou e enterrou uma construção de mais de 10 anos do STJ.

Na verdade, talvez a grande saída devesse ter sido modular os efeitos da Súmula do STF.
Reintegrar todos os servidores traria um problema grave e injusto, mas a matéria não preci-
saria ter sido morta dessa forma.

O ato administrativo nada mais é que o resultado de um processo. Sempre que ele interfira
no direito de alguém, esse sujeito tem o direito de participar dessa tomada de decisão. Ex.:
num processo apurando nulidade de concurso, o aprovado tem o direito de dele participar.
Esse raciocínio é o que prevalece hoje na jurisprudência (Súmula Vinculante nº 3):

Súmula Vinculante nº 3 - NOS PROCESSOS PERANTE O TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO

ASSEGURAM-SE O CONTRADITÓRIO E A AMPLA DEFESA QUANDO DA DECISÃO PUDER RE-

SULTAR ANULAÇÃO OU REVOGAÇÃO DE ATO ADMINISTRATIVO QUE BENEFICIE O INTE-

RESSADO, EXCETUADA A APRECIAÇÃO DA LEGALIDADE DO ATO DE CONCESSÃO INICIAL

DE APOSENTADORIA, REFORMA E PENSÃO.

O administrador, no final de cada exercício financeiro, presta contas ao Tribunal de Contas.


Se o TC percebia alguma irregularidade, chamava o administrador para prestar informações.
Ficavam ambos discutindo a regularidade do ato. No final da discussão, por exemplo, de um
contrato administrativo, eventual empresa contratante seria diretamente atingida, sem que
tivesse participado da discussão. Em razão disso, o STF determinou que o interessado teria
de participar daqueles processos, com contraditório e ampla defesa. Essa é a primeira parte
da Súmula.

A segunda parte da Súmula prevê uma exceção: “excetuada a apreciação da legalidade do


ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma e pensão.” Ou seja, o interessado não
terá ampla defesa e contraditório no Tribunal de Constas da União, mas terá perante a ad-
ministração.

O ato administrativo que concede aposentadoria, reforma e pensão é complexo, pois para
se aperfeiçoar depende de duas manifestações de vontade, que acontecem em órgãos dife-
rentes: a administração e o TCU. O servidor faz o requerimento, a administração decide e a
matéria é levada ao TCU. Se o pedido é indeferido, o contraditório e a ampla defesa aconte-
cem no âmbito da administração.

Não há dois atos no ato complexo, mas um só, que se aperfeiçoa com a segunda manifesta-
ção. Logo, haverá somente um contraditório e uma ampla defesa, que, assim como o ato,

28
acontecerão na administração, e não no Tribunal de Contas, não obstante o ato precise da
manifestação do TCU para se aperfeiçoar.

Quando o TCU se manifesta, ele não está retirando o direito do servidor (que ainda não está
aperfeiçoado, pois há mera expectativa). Ele está participando da tomada da decisão, da
definição da história, da construção do direito. Essa parte final vem sendo bastante critica-
da, por conta do tempo que o Tribunal de Contas normalmente demora para essa participa-
ção na tomada de decisão (até 5 anos).

Na prática, o servidor vai à administração e pede a aposentadoria. Se a decisão da adminis-


tração for pelo deferimento (1ª manifestação de vontade), o servidor passa a receber a apo-
sentadoria, mas o ato ainda não está perfeito. Ocorre que o TC vinha demorando muitos
anos para essa manifestação.

Dois casos foram levados recentemente ao STF (MS 25.116 e MS 26.053). No primeiro, dez
anos haviam se passado e o TC não havia realizado ainda o controle. Realizado o controle, o
TC apurou irregularidade e mandou o servidor voltar a trabalhar. O STF entendeu que dez
anos seria muito tempo para o controle. Entendeu que um prazo razoável para a análise
seria de cinco anos (com base na maioria dos prazos prescricionais). Passados os cinco anos,
o STF determinou que o TC deveria abrir contraditório e ampla defesa para tomar a decisão.
O STF esclareceu que estava, nesse caso específico, temperando a aplicação da Súmula, não
tendo ela sido modificada. O segundo julgado foi no mesmo sentido.

Vide o RE n° 594.296/MG com repercussão geral onde o STF assentou a necessidade de con-
traditório e ampla defesa para que haja revisão de contagem de quinquênios, mais uma vez,
dando efetividade ao contraditório e a ampla defesa.

A sumula vinculante n° 21 também é corolário do principio da ampla defesa nos processos


administrativos: É inconstitucional a exigência de depósito ou arrolamento pré-
vios de dinheiro ou bens para admissibilidade de recurso administrativo.

5.4.10 – princípio da razoabilidade e da proporcionalidade

Razoabilidade significa congruência, coerência, lógica. Segundo o princípio, o administrador


público não pode agir de forma tresloucada, despropositada. Tem de agir com equilíbrio.

Para os administrativistas brasileiros, contido na razoabilidade está o princípio da proporci-


onalidade. Proporcionalidade significa equilíbrio. Agir de forma proporcional é agir de forma
equilibrada. O administrador que age de forma equilibrada, portanto, também age de forma
razoável.

29
Proporcionalidade é o equilíbrio entre atos e medidas realizadas. O Estado pode dissolver
passeata tumultuosa, mas não pode matar 100 pessoas para tanto.

O servidor que pratica uma infração leve deve receber pena leve. Se o Estado aplica pena de
demissão a servidor que pratica infração leve, está agindo desproporcionalmente. Deve ha-
ver equilíbrio entre atos e medidas.

Proporcionalidade envolve também equilíbrio entre benefícios e prejuízos. Em Maceió, há


um projeto para a instalação de um lixão a beira-mar, o que é claramente desproporcional.
A providência que causa prejuízo deve, necessariamente, fazer com que a sociedade ganhe
mais do que perca.

Razoabilidade e proporcionalidade são princípios implícitos na CR, mas expressos na norma


infraconstitucional (art. 2º da lei 9.784/1999):

Art. 2º A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, fi-

nalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, con-

traditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência. (...)

Alguns autores sustentam que o art. 5º, LXXVIII (EC 45) traria em seu texto o princípio da
razoabilidade, de modo que ela seria expressa na CR. Todavia, o dispositivo refere-se ao
prazo razoável do processo. Na verdade, apesar da palavra razoável, para a maioria dos au-
tores o dispositivo não significa princípio da razoabilidade, mas da celeridade do processo,
sendo o princípio da razoabilidade ainda implícito na CR.

Razoabilidade e proporcionalidade são hoje dois princípios muito importantes no direito


administrativo. Eles estão limitando a liberdade, a discricionariedade do administrador, que
só tem a liberdade se duas decisões forem razoáveis, proporcionais.

Imagine que determinado Município necessita de escola e hospital e não possui dinheiro
para ambos. O administrador toma a decisão por construir o hospital. Essa decisão é razoá-
vel, equilibrada. Caso o mesmo município, em vez de escola e hospital, decidisse construir
uma praça, poder-se-ia concluir que a decisão por ele tomada seria violadora dos princípios
da razoabilidade e proporcionalidade.

Nesses casos de violação do princípio da proporcionalidade, pode o Poder Judiciário contro-


lar a decisão? Para a resposta, é necessária a colocação de duas premissas: i) o Poder Judici-
ário pode controlar qualquer ato administrativo, no que tange à legalidade, entendida, como
visto, em sentido amplo (CR e lei); ii) o Poder Judiciário não pode controlar o mérito (conve-
niência e oportunidade) do ato administrativo.

30
O administrador que constrói o hospital em vez da escola, ou a escola em vez do hospital,
toma decisão razoável, de modo que o Judiciário não poderá controlá-la. Caso opte por
construir a praça, em vez da escola ou hospital, a decisão violará princípios implícitos na CR,
de modo que o Poder Judiciário poderá rever o ato, por estar realizando controle de legali-
dade.

Por vias tortas (caminhos inversos), portanto, o Poder Judiciário acaba atingindo o mérito do
ato administrativo. Daí a importância desses princípios. Mas isso não é controle de mérito,
ainda que ele acabe atingido.

No Brasil, havia o problema da escolha de política pública: o administrador escolhia a políti-


ca pública de forma bastante livre. Prevalecia no Judiciário que ele não poderia realizar o
controle, por entender que se tratava de controle de mérito do ato administrativo. Depois
de tantos desmandos, o Judiciário mudou seu entendimento e passou a entender que, se a
política pública for irrazoável ou desproporcional, é possível o controle de legalidade. A esse
respeito, ver a ADPF 45, uma decisão muito rica.

5.4.11 – princípio da continuidade

Celso Antônio Bandeira de Mello entende que o Estado tem o dever de prestar a atividade
pública. E a atividade administrativa não pode ser interrompida (o serviço público tem de ser
prestado de forma contínua e ininterrupta). Assim, se o Estado tem o dever de prestar a
atividade pública e ela não pode ser interrompida, esse dever estatal ocorre todos os dias de
forma contínua. Dessas afirmações decorre o princípio da continuidade.

Discussão importante diz respeito à relação entre o princípio da continuidade e o direito de


greve do servidor público. O servidor público tem direito de greve no Brasil (art. 37, VII, da
CR):

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos

Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, im-

pessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação da-

da pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) (...)

VII - o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica;

(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

O dispositivo, todavia, diz que o direito deve ser exercido na forma da lei específica. Lei es-
pecífica é uma lei ordinária, pois sempre que o constituinte quer lei complementar ele diz
expressamente. Até 1998, o dispositivo falava em “lei complementar”. A EC 19/1998 substi-

31
tui a expressão por lei específica. Específica é a lei criada para disciplinar somente esse as-
sunto. Não pode ela tratar de outros que não o direito de greve dos servidores. Essa lei até
hoje não foi criada.

Frente à ausência da lei, pergunta-se: trata-se de norma de eficácia plena, contida ou limita-
da? Norma de eficácia plena é a que tem aplicação imediata (sem necessidade de lei); nor-
ma de eficácia contida é a que possui aplicação imediata, mas a lei poderá restringir ou limi-
tar seu alcance (é também chamada de norma de eficácia restringível ou resolúvel); norma
de eficácia limitada é a que garante o direito, o qual, entretanto, não pode ser exercido en-
quanto não aprovada a lei que o regulamente. O art. 37, VII, da CR é, segundo o STF, é nor-
ma de eficácia limitada (o direito de greve somente pode ser exercido se aprovada a lei).

Na verdade, no Brasil, a greve do servidor público foi por muitos anos considerada ilegal. A
consequência era, portanto, o desconto dos dias não trabalhados. Muitos mandados de
injunção foram ajuizados. O STF entendia que o mandado tinha efeitos declaratórios: ele
comunicava ao Congresso Nacional a omissão, o qual acabava se mantendo inerte. O STF
entendia que não poderia obrigar o Legislativo a legislar, de modo que o mandado de injun-
ção acabava esvaziado de sentido.

Num episódio de crise de muitos servidores em greve, Lula vai à imprensa e, em rede nacio-
nal, diz que seria necessário acabar com o direito de greve (justo ele). Nesse contexto, havia
no STF três mandados de injunção a serem julgados. O STF então resolveu dar um basta na
situação de omissão. Muda seu entendimento acerca do mandado de injunção, para lhe
conferir efeitos concretos, entendendo que aos servidores públicos seria aplicável a Lei de
Greve dos trabalhadores comuns, no que coubesse (Lei 7.783/1989). Recomenda-se a leitura
das ementas dessas decisões (Mandados de Injunção nºs 670, 708 e 712), que marcaram a
história do país e desse remédio constitucional.

Todavia, importante reconhecer que a lei foi elaborada com vistas ao serviço privado, disci-
plinando situações de particulares, inadequadas à greve dos servidores públicos. É necessá-
ria a realização de muitas conciliações, de modo que ainda há muitos problemas a serem
resolvidos. Hoje, quem os resolve é o STF, que tem alguns posicionamentos bem delineados,
que devem ser acompanhados18.

18 Acerca do tema, ver vídeo de Marinela.

32
Os mandados de injunção citados trouxeram outro posicionamento que escapa dos que
vinham sendo até então adotados. Os mandados de injunção sempre tiveram efeitos inter
partes, para o STF. Em razão disso, além do efeito concreto, o Supremo resolveu dar ao re-
médio efeitos erga omnes, para evitar milhões de ações no mesmo sentido. Todavia, não é
todo o mandado de injunção que terá tais efeitos. O STF admitiu a possibilidade de conces-
são desses efeitos, mas não será sempre assim.

Servidor público que exerce o direito de greve não pode ser demitido do serviço. Demissão é
pena por infração grave. Não pode haver publicação de ato determinando demissão coleti-
va. Se, durante a greve, o servidor pratica infração grave, nesse caso ele pode ser demitido.

Há diversas decisões recentes do STJ no sentido de que não é possível o desconto dos dias
no salário do servidor.

Acerca da relação entre o corte do serviço e o princípio da continuidade, a posição que pre-
valece hoje é a prevista no art. 6º, § 3º, da Lei 8.987/1995 (lei que disciplina a concessão e a
permissão de serviço público):

Art. 6º (...) § 3o Não se caracteriza como descontinuidade do serviço a sua interrupção em

situação de emergência ou após prévio aviso, quando:

I - motivada por razões de ordem técnica ou de segurança das instalações; e,

II - por inadimplemento do usuário, considerado o interesse da coletividade.

Hipóteses:

i) é possível o corte do serviço em situação emergencial (ex.: cidades do Rio de Janeiro fica-
ram sem energia em virtude do risco de incêndios ou outras situações graves, em decorrên-
cia das chuvas de verão);

ii) interrupção do serviço com prévio aviso, quando o usuário desrespeitar normas técnicas,
comprometendo a segurança das instalações, e com prévio aviso, em caso de inadimple-
mento do usuário.

Relativamente ao inadimplemento, surge o ponto mais crítico do estudo do princípio da


continuidade. Há divergência na jurisprudência acerca dos serviços essenciais:

1ª corrente: para a minoria da jurisprudência, o corte não é possível, com base nos arts. 22,
caput, e 42, caput, do CDC:

Art. 22. Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou

sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços ade-

33
quados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos. (...)

Art. 42. Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo,

nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça. (...)

2ª corrente (posição majoritária): o corte é possível, mesmo para os serviços essenciais. A


ideia é a seguinte: se o Estado é obrigado a prestar o serviço a quem não paga, certamente a
prestadora de serviços quebrará, de modo que todos ficarão sem o serviço. Assim, entre o
mau-pagador e toda a coletividade ficar sem a o serviço, prefere-se o mau pagador. Isso em
virtude da aplicação da supremacia do interesse público e da continuidade do serviço à soci-
edade. Outro fundamento é a quebra da isonomia: trata-se da prestação do serviço aos de-
siguais (pagadores e não pagadores) de forma igual (ambos recebem o serviço).

Há, entretanto, algumas situações excepcionais em que o corte não será possível. Caso o
não pagador seja o Estado, o serviço pode ser cortado, para a jurisprudência, resguardados,
todavia, os logradouros públicos, hospitais. Além disso, o inadimplente com problema de
saúde que necessita de aparelho eletrônico para se manter vivo não pode ter sua energia
cortada.

5.4.12 – princípio da autotutela

Pelo princípio da autotutela, a administração pode realizar a revisão de seus próprios atos,
quando eles são ilegais (via anulação) ou inconvenientes (via revogação). O princípio está
resguardado nas Súmulas 346 e 473 do STF. Uma complementa a outra:

Súmula 346 - A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PODE DECLARAR A NULIDADE DOS SEUS PRÓ-

PRIOS ATOS.

Súmula 473 - A ADMINISTRAÇÃO PODE ANULAR SEUS PRÓPRIOS ATOS, QUANDO EIVA-

DOS DE VÍCIOS QUE OS TORNAM ILEGAIS, PORQUE DELES NÃO SE ORIGINAM DIREITOS;

OU REVOGÁ-LOS, POR MOTIVO DE CONVENIÊNCIA OU OPORTUNIDADE, RESPEITADOS OS

DIREITOS ADQUIRIDOS, E RESSALVADA, EM TODOS OS CASOS, A APRECIAÇÃO JUDICIAL.

Também decorre do art. 53 da Lei 9.784/1999:

Art. 53. A Administração deve anular seus próprios atos, quando eivados de vício de lega-

lidade, e pode revogá-los por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os di-

reitos adquiridos.

34
Essa é a ideia central do princípio da autotutela. Todavia, Maria Sylvia Zanella di Pietro en-
tende que o princípio também caracteriza dever de cuidar dos seus próprios bens e do seu
patrimônio. É o dever de cuidado, de zelo.

No Informativo n° 763 do STF foi veiculada decisão demonstrando que o principio da auto-
tutela pode ser exercido desde que observado o contraditório e a ampla defesa.

5.4.13 – princípio da especialidade

O princípio da especialidade foi definido, num primeiro momento, com o foco na adminis-
tração indireta.

A administração direta (entes políticos: União, Estados, Municípios e DF) depende de lei para
criar as pessoas jurídicas da administração indireta (autarquias, fundações públicas, empre-
sas públicas e sociedades de economia mista). Ora a própria lei cria a pessoa jurídica, ora ela
autoriza. Quando autoriza, a lei já define a finalidade específica dessa pessoa jurídica.

As pessoas jurídicas da administração indireta ficam, portanto, vinculadas a essa finalidade


específica. Esse é o conceito do princípio da especialidade: ele vincula as pessoas da admi-
nistração indireta às finalidades específicas para as quais foram criadas.

Esse princípio, que tinha relação com as pessoas da administração indireta, hoje foi estendi-
do para outras situações, como a de órgãos públicos, que ficam vinculados às finalidades
para as quais foram criados.

Para a modificação daquelas finalidades, deve haver lei. A mesma forma de criação deve ser
usada para a modificação.

5.4.14 – princípio da presunção de legitimidade

Princípio da presunção de legitimidade, na verdade, abarca não somente a legitimidade, mas


a legalidade e a veracidade. Assim, trata-se de presunção de legitimidade (obediência às
regras morais), legalidade (obediência à lei) e veracidade (o ato praticado deve corresponder
à verdade).

Essa é uma presunção relativa (iuris tantum), pois admite prova em contrário. Se pode ser
contestada e afastada, o ônus da prova cabe normalmente a quem alega (o administrado).

Por que os atos administrativos gozam dessa presunção? A presunção de legitimidade de-
corre do princípio da legalidade (do dever de legalidade do administrador). Se o administra-
dor só pode fazer o que a lei autoriza e determina, em tese o que ele faz é legal.

35
Consequência prática da presunção de legitimidade é a aplicação imediata dos atos adminis-
trativos. Enquanto se discute acerca da validade, o ato produzirá efeitos.

36
ORGANIZAÇAO DA ADMINISTRAÇÃO

1 – Formas de prestação da atividade administrativa no Brasil: descentraliza-


ção e desconcentração

Quando a atividade é prestada pelo núcleo, pelo centro da administração, ela é prestada
pela administração direta, pelos entes políticos (União, Estados, DF e Municípios).

Com vistas à eficiência, ao aperfeiçoamento dos serviços públicos, alguns desses serviços
foram retirados do núcleo e transferidos a outras pessoas. Nesse caso, fala-se em adminis-
tração descentralizada. A atividade pode ser descentralizada, por exemplo, para a adminis-
tração indireta ou para particulares.

Entretanto, pode ocorrer de, dentro de uma mesma pessoa jurídica, determinadas ativida-
des serem transferidas de um órgão a outro. Esse deslocamento é chamado de desconcen-
tração. A desconcentração é a divisão da atividade dentro da mesma pessoa.

Portanto, retirado o serviço do centro, há descentralização. Descentralização administrativa


(retirar da administração direta e transferir à indireta ou aos particulares) é transferência da
atividade administrativa. Isso é diferente da distribuição de competência que a CR faz aos
entes políticos. Nesse caso, fala-se em descentralização política, deslocamento da atividade
política, matéria estudada pelo Direito Constitucional.

Se por um lado a descentralização pressupõe o deslocamento da atividade a uma nova pes-


soa, que pode ser jurídica (normalmente) ou física (ex.: autorização de serviço público de
taxi), por outro a desconcentração é a distribuição do serviço que ocorre dentro da mesma
pessoa.

Além disso, há uma segunda diferença entre as figuras. Quando a administração direta
transfere determinado serviço à indireta ou aos particulares, não existe entre eles hierar-
quia, não obstante a fiscalização da prestação dos serviços. Na desconcentração (ex.: Presi-
dente da República transfere determinado serviço do Ministério “A” para o “B”), que acon-
tece na mesma pessoa, a prestação do serviço ocorre com hierarquia, relação de subordina-
ção.

2 – Formas de descentralização da atividade administrativa

A descentralização da atividade administrativa pode ocorrer por meio de outorga ou de de-


legação.

2.1 – Outorga

37
Outorga é a descentralização transferindo a titularidade e a execução do serviço. Titularida-
de é a “propriedade” do serviço. Quem recebe o serviço passa a ter o “domínio” sobre ele. A
ferramenta com a qual se realiza a outorga é a lei.

Para a maioria, a outorga de serviço público não pode ser feita a qualquer pessoa, mas a
uma pessoa da administração indireta de direito público (autarquias e fundações públicas).
Mas a questão não é pacífica. Há orientação minoritária entendendo que a outorga pode ser
feita a pessoa da administração indireta, seja ou não de direito público.

2.2 – Delegação

Na delegação, o Estado retém a titularidade e transfere a execução do serviço. Essa transfe-


rência pode ocorrer através de três instrumentos diferentes:

i) lei (delegação legal): é feita para as pessoas da administração indireta de direto privado
(empresa pública, sociedade de economia mista e fundação pública de direito privado);

ii) contrato (delegação contratual): é feita aos particulares. Ex.: concessionárias e permissio-
nárias de serviços públicos, como nos casos de transporte coletivo, telefonia.

iii) ato unilateral: também é feita ao particular. Exemplo de ato unilateral é a autorização de
serviço público, como o serviço de taxi ou o de despachante. Nesses exemplos, a descentra-
lização é realizada à pessoa física.

O serviço notarial (art. 236 da CR) não se encaixa em nenhuma dessas hipóteses. O Oficial do
Cartório é um particular em colaboração, e se trata de delegação de função pública. É uma
situação ímpar na CR:

Art. 236. Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delega-

ção do Poder Público. (...)

3 – Órgãos Públicos

3.1 – Relação entre o Estado e os agentes públicos: teorias

Como ocorre a relação entre o Estado e um agente público? Quem assina um contrato pelo
Município é o Prefeito. Mas quem deu a ele esse poder? Como se constitui essa relação? Ela
é contratual, como entre o cliente e o advogado? É o que será estudado a seguir.

Várias teorias foram criadas para a definição dessa relação entre o Estado os agentes públi-
cos, dentre as quais vale destacar a teoria do mandato, a da representação e a da imputa-
ção.

38
3.1.1 – teoria do mandato

De acordo com a teoria do mandato, entre o Estado e o agente existe uma relação contratu-
al, como ocorre entre o cliente e o advogado. A pessoa jurídica no Brasil não tem como ma-
nifestar vontade sem uma pessoa física (um agente). Quem seria, nesse caso, o primeiro
agente? Perceba que não há como, dessa forma, celebrar contrato de mandato.

3.1.2 – teoria da representação

Para a teoria da representação, essa relação entre agente e Estado seria igual à que ocorre
na tutela e curatela. Todavia, na tutela e na curatela há a presença de um incapaz. Seria o
mesmo que pressupor o Estado um incapaz. Essa teoria não se aplica ao Brasil, pois quem
responde pelos atos de seus agentes é o Estado. Como responder ser ele for incapaz? Se ele
responde, celebra contratos etc., é sujeito capaz, responsável.

3.1.3 – teoria da imputação (ou teoria do órgão)

A teoria da imputação (ou do órgão) é composta por duas ideias:

i) toda relação Estado/agente faz-se por imputação legal, de modo que o poder dado ao
agente para exercer a vontade do Estado decorre de previsão legal. Quem define o que o
agente pode exercer em nome do Estado é a lei;

ii) a vontade do agente se mistura com a vontade do Estado. Ou seja, a vontade do Estado é
a própria vontade do agente. É como se as vontades se confundissem, se representassem a
manifestação de uma única vontade. Evidentemente que aqui se fala do agente no exercício
da função pública.

Por isso ser chamada de teoria do órgão ou da imputação. Foi a teoria aceita no Brasil. Daí a
importância da previsão legal definindo as competências do agente: ela “amarra” a repre-
sentação.

3.2 – Funcionamento e estrutura dos órgãos públicos

A administração direta não será estudada neste curso, pois a matéria é objeto do direito
constitucional. Importante ressaltar, todavia, que o ente político se divide em pedaços espe-
cializados, denominados órgãos públicos.

O sujeito especializado em determinado assunto é mais competente. A ideia da especializa-


ção dos órgãos do corpo humano foi trazida ao direito administrativo. Subdividiu-se a admi-

39
nistração pública em vários pedaços (órgãos públicos), com especialização e competências
específicas.

Órgão público, portanto, é o centro (ou núcleo) especializado de competência. Quanto mais
especializado for o núcleo, mais competente, eficiente e aperfeiçoado será. Essa organização
é peculiar à administração direta, mas está presente também na administração indireta. Ex.:
INSS (uma autarquia). A previsão de órgão público na administração indireta está no art. 1º
da Lei 9.784/1999:

Art. 1º (...) § 2º Para os fins desta Lei, consideram-se:

I - órgão - a unidade de atuação integrante da estrutura da Administração direta e da es-

trutura da Administração indireta;

Órgão público responde por seus atos? Ex.: uma criança fura o olho da outra numa escola
pública municipal. Quem pagará a indenização? Quando a criança está na escola, o dever de
vigilância transfere-se à escola. Órgão público não tem personalidade jurídica, de modo que
quem responde pelo ato por ele praticado é a pessoa jurídica a que ele pertence: o Municí-
pio (e não a “Prefeitura”, que também é um órgão), a Autarquia etc.

Assim, a principal característica do órgão público é a ausência de personalidade jurídica (ap-


tidão para ser sujeito de direitos e obrigações).

A regra é que órgão público não celebra contrato. Isso não significa que ele não possa fazer
licitação. Na minuta do contrato, todavia, constará, como contratante, a pessoa jurídica. O
órgão é o licitante e gestor/executor do contrato, mas não o titular celebrante.

Há a possibilidade de, através de lei, delegar ao gestor do órgão o poder de assinar contra-
tos em nome da pessoa jurídica. Se o Presidente ou o Governador tivessem de assinar todos
os contratos celebrados em nome da pessoa que administram, não fariam mais nada.

Há apenas uma hipótese aceita no Brasil de celebração de contrato pelo órgão público, re-
vista no art. 37, § 8º, da CR:

Art. 37 (...) § 8º A autonomia gerencial, orçamentária e financeira dos órgãos e entidades

da administração direta e indireta poderá ser ampliada mediante contrato, a ser firmado

entre seus administradores e o poder público, que tenha por objeto a fixação de metas de

desempenho para o órgão ou entidade, cabendo à lei dispor sobre: (Incluído pela Emenda

Constitucional nº 19, de 1998)

O dispositivo prevê a celebração de contrato de gestão: i) entre dois entes da administração


pública, como o contrato de agência executiva; ii) entre órgãos; e iii) entre administradores.

40
Se “A”, administrador público, celebra contrato sendo a parte no contrato, não se trata de
um contrato administrativo. A doutrina entende que esse dispositivo é um “monstro”: não
dá para celebrar contrato entre órgãos, que não têm personalidade jurídica, e o contrato
entre administradores é privado. A doutrina entende que a única hipótese possível seria
aquela que prevê o contrato entre dois entes da administração, de modo que o dispositivo é
inconstitucional.

Há inúmeros órgãos na administração que têm CNPJ. O CNPJ é uma criação da Receita Fede-
ral para possibilitar a fiscalização do recebimento e do repasse da renda oriunda do fluxo
orçamentário (o fluxo do dinheiro advindo dos recursos, com vistas à fiscalização do imposto
de renda). O número de CNPJ serve justamente para controlar a entrada e a saída do recur-
so orçamentário.

Órgão público pode ser parte numa ação? Em processo civil, há várias situações de entes
despersonalizados que podem ingressar em juízo.

A posição que prevalece é a de que órgãos públicos somente podem ir a juízo em situações
específicas: enquanto sujeito ativo (autor da ação) em defesa de prerrogativas funcionais.
São aquelas situações diretamente ligadas ao cumprimento da função do órgão. Ex.: se o
Prefeito recusa-se a assinar o duodécimo (parcela do orçamento que serve para bancar as
despesas do Legislativo), a Câmara de Vereadores pode ajuizar demanda para forçar o re-
passe do dinheiro19.

Segundo decidiu o STJ, a Câmara Municipal possui personalidade judiciária para defender os
seus interesses estritamente institucionais, ou seja, aqueles relacionados ao funcionamento,
autonomia e independência do órgão. Ela não tem legitimidade para propor ação contra a
União, pedindo a liberação de Fundo de Participação de Município, por se tratar de uma
pretensão de interesse apenas patrimonial do Município, sem relação com a defesa de prer-
rogativa institucional sua (Informativo 537, REsp 1.429.322).

Se pode ingressar em juízo, o órgão público pode ter representante próprio? Sim, mas isso
não significa que sempre terá. Em alguns casos, a Procuradoria Geral o representa, noutros,
como o do exemplo da assembleia legislativa, o órgão terá advogados próprios.

19 Acerca do tema, recomenda-se a leitura de artigo de José dos Santos Carvalho Filho chamado
“Personalidade Judiciária”.

41
3.3 – Classificação dos órgãos públicos

Sempre haverá divergência, principalmente quanto aos critérios adotados, mas serão anali-
sadas neste tópico as classificações mais simples.

3.3.1 – quanto à posição estatal (organização estrutural do Estado)

Quanto à posição estatal (organização estrutural do Estado), os órgãos públicos podem ser:

i) independentes:

Órgãos independentes são aqueles que não sofrem qualquer relação de subordinação, ainda
que estejam sujeitos a controle, fiscalização. Ex.: chefia de cada um dos Poderes (Presidên-
cia, Governadorias e Prefeituras), juízes monocráticos e Tribunais, Assembleias Legislativas,
Câmaras Municipais, Congresso Nacional.

ii) autônomos:

Os órgãos que gozam de autonomia têm um amplo poder de decisão, com subordinação aos
órgãos independentes. Ex: Ministérios, Secretarias de Estado e Municipais.

Vale observar que, para os administrativistas, Ministério Público, Defensoria Pública e Tribu-
nais de Contas estariam dentre os órgãos autônomos, não em termos de independência
funcional, mas de funcionamento administrativo do órgão. Todavia, esse entendimento é
bastante divergente na doutrina, não prevalecendo no MP20.

iii) superiores:

Os órgãos superiores têm poder de decisão, mas estão subordinados aos independentes aos
autônomos. A liberdade deles é diminuída, mas ainda há poder de decisão. Ex.: Gabinetes e
Procuradorias.

Vale observar que nem sempre a Procuradoria será considerada um órgão superior, depen-
dendo da estrutura administrativa do ente (do tamanho do ente). Não se deve prender ao
exemplo, pois se trata de algo bastante variável.

iv) subalternos:

20 Provavelmente nem na Defensoria Pública.

42
Subalternos são órgãos de mera execução. Não têm poder de decisão. Ex.: zeladoria, almo-
xarifado, seção de reprodução, RH etc.

3.3.2 – quanto à estrutura do órgão

Quanto à estrutura, os órgãos públicos podem ser:

i) simples: não possuem agregados, não possuem órgãos ligados à sua estrutura. Ex.: Gabi-
nete;

b) compostos: possuem outros órgãos ligados à sua estrutura. Ex.: Delegacia de Ensino e as
escolas ligadas a ela, Hospitais com UBS’s a ele ligadas.

Não existe órgão complexo. Essa classificação serve para os atos administrativos, como será
estudado a seguir.

3.3.3 – quanto à atuação funcional (os agentes que o compõem)

Quanto à atuação funcional (os agentes que os compõem), os órgãos podem ser:

i) singulares (ou unipessoais): são os compostos por um só agente. A tomada de decisão é


feita de modo unipessoal. Ex.: Presidente, Prefeito, juízo monocrático.

ii) colegiados: são compostos por mais de um agente. A tomada de decisão é coletiva. Ex.:
Tribunais, Casas Legislativas.

4 – Administração indireta

4.1 – Pessoas jurídicas que compõem a administração direta

Compõem a administração indireta as seguintes pessoas jurídicas: autarquias, fundações


públicas, empresas públicas, sociedades de economia mista21.

4.2 – Características comuns22

21 Para alguns autores, os consórcios públicos também integram a administração pública indireta,
motivo pelo qual serão estudados neste tópico “4 – Administração indireta”. No entanto, as caracte-
rísticas comuns aos entes da administração pública indireta, estudados neste tópico, referem-se ape-
nas às autarquias, fundações públicas, empresas públicas e sociedades de economia mista.

22 No estudo das pessoas jurídicas da administração indireta, recomenda-se memorizar os conceitos,

43
Neste tópico, serão estudadas as características comuns a todas as pessoas jurídicas que
compõem a administração pública indireta.

4.2.1 – personalidade jurídica própria

As pessoas jurídicas da administração indireta possuem personalidade jurídica própria. Per-


sonalidade é aptidão para ser sujeito de direitos e obrigações. Assim, a pessoa jurídica res-
ponde pelos seus atos. Ex.: se o motorista de uma autarquia, no exercício do cargo, com o
carro da autarquia, atropela uma pessoa, quem pagará a indenização é a própria autarquia.

4.2.2 – patrimônio e receita próprios

As pessoas jurídicas da administração indireta possuem patrimônio e receita próprios, inde-


pendentemente da origem do dinheiro (repasse, doação, oriundo da própria atividade). A
receita e o patrimônio garantem as obrigações assumidas. Ex.: para pagar a indenização, a
autarquia precisa ter dinheiro, patrimônio. Muitas vezes, as autarquias não desempenham
atividade rentável. Consequentemente, elas receberão repasse, o que não significa vincula-
ção.

4.2.3 – autonomia técnica, administrativa e financeira

As pessoas jurídicas da administração indireta possuem autonomia técnica, administrativa e


financeira. Elas não gozam, todavia, de autonomia (ou capacidade) política (o poder de legis-
lar). As agências reguladoras não legislam, mas regulam o dispositivo legal. Não podem ino-
var a lei, somente normatizar a previsão legal.

4.2.4 – criação e extinção através de lei

O art. 37, XIX, da CR determina que as pessoas jurídicas da administração indireta só podem
ser criadas e extintas através de lei:

Art. 37 (...) XIX – somente por lei específica poderá ser criada autarquia e autorizada a ins-

tituição de empresa pública, de sociedade de economia mista e de fundação, cabendo à

lei complementar, neste último caso, definir as áreas de sua atuação; (Redação dada pela

Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

as características (as quais incluem as características comuns, que serão estudadas neste tópico) e os
regimes jurídicos.

44
O dispositivo menciona que “lei específica” cria a autarquia e autoriza a criação da empresa
pública, sociedade de economia mista e da fundação. Além disso, determina que lei com-
plementar deve definir as finalidades desta última. A lei que cria ou autoriza será a lei ordi-
nária, com objetivo específico da criação ou da autorização, não podendo tratar de outras
matérias. Cada pessoa jurídica terá a sua lei.

Perceba que quando a lei cria a autarquia, a pessoa jurídica está pronta para existir no mun-
do jurídico (a lei define tudo, não precisa de mais nada para existir). Quando a lei autoriza a
criação das demais pessoas da administração indireta, elas ainda não existem, ainda não
estão prontas para existir. Acrescido à previsão legal, é necessário um registro. Ou seja, a lei
precisa de uma “ajuda”. O registro é feito no órgão competente, dependendo da natureza
da pessoa jurídica: se tiver natureza civil, será no Cartório; se for comercial, será realizado na
Junta Comercial.

Há um necessário paralelismo de formas na extinção e na criação: se a lei cria, ela também


extingue; se autoriza a criação, ela também autorizará a extinção.

Como mencionado, lei complementar definirá as finalidades da Fundação. Vale observar que
essa lei não criará nem autorizará a criação de uma fundação. A ideia é que haja uma lei
complementar definindo, em abstrato, possíveis finalidades das fundações.

Como será analisado mais adiante, o art. 37, XIX, da CR refere-se apenas às fundações públi-
cas de direito privado, pois as de direito público têm natureza autárquica (ou seja, elas são
autarquias).

4.2.5 – finalidades específicas, já definidas na lei de criação

As pessoas jurídicas da administração indireta possuem finalidades específicas, já definidas


na lei de criação. O princípio da especialidade (já analisado) é o que determina a vinculação
das pessoas jurídicas à finalidade para as quais foram criadas. Para a modificação de vincula-
ção à finalidade, é necessária a edição de nova lei.

4.2.6 – ausência de finalidade lucrativa

As pessoas jurídicas da administração indireta não têm fins lucrativos. As autarquias e as


fundações evidentemente não têm fim de lucro. As empresas públicas e sociedades de eco-
nomia mista podem auferir lucro, mas não terão finalidade lucrativa. Ou seja, o objetivo de
sua criação não pode ter fins lucrativos. Tais entes não são criados para o lucro.

45
Criam-se empresas públicas e sociedades de economia mista para a realização de um serviço
público ou para a exploração de uma atividade econômica, quando essa atividade econômi-
ca visar à segurança nacional e ao relevante interesse coletivo (art. 173 da CR):

Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de ativi-

dade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da se-

gurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei. (...)

Em nenhum dos dois casos, portanto, o foco é efetivamente o lucro.

4.2.7 – ausência de subordinação e presença de controle da administração direta

Entre a administração direta e a indireta não há hierarquia (descentralização). O que existe


entre elas é controle. A administração direta controla a indireta através dos seguintes ins-
trumentos:

i) Tribunal de Contas: até 2005, a sociedade de economia mista não se sujeitava ao controle
do tribunal de contas. A partir de então, a posição do STF mudou;

ii) supervisão ministerial: o Ministério, de acordo com a finalidade, realiza controle de des-
pesas, das receitas, do cumprimento das finalidades da pessoa jurídica e da nomeação de
dirigentes.

Observe que não existe hierarquia, mas o governante, em quase todos os casos, nomeia e
exonera de forma livre os dirigentes da administração indireta. São exceções as agências
reguladoras e o BACEN.

4.3 – Fundações Públicas

4.3.1 – conceito

Fundação é um patrimônio personalizado, destacado por um fundador para uma finalidade


específica (universitas bonorum). Ser a fundação pública ou privada dependerá de seu insti-
tuidor. Se fundá-la um particular, será privada; se quem destacar o patrimônio for o Poder
Público, será pública.

A fundação, portanto, subdivide-se em pública ou privada, conforme tenha sido instituída


pelo Poder Público ou por um particular. A fundação particular é estudada pelo Direito Civil.
Será tratada aqui a fundação pública, integrante da administração indireta.

4.3.2 – regime jurídico

46
Hoje, para a maioria dos autores no Brasil, com decisão do STF nesse sentido, a fundação
pública, quando da sua constituição, pode ter dois regimes diferentes: fundação pública de
direito público ou fundação pública de direito privado, conforme seu regime jurídico seja,
respectivamente, de direito público ou de direito privado.

Celso Antônio Bandeira de Mello e Hely Lopes Meirelles têm opiniões diferentes. Para este,
toda a fundação pública tem natureza de direito privado. A EC 19/1998, todavia, foi promul-
gada depois de seu falecimento. Celso Antônio, contrariando Hely, entende que toda funda-
ção pública é de direito público. Para a prova, recomenda-se levar a opinião do STF e da
maioria da doutrina.

4.3.2.1 – fundação pública de direito público

Tanto a fundação pública de direito privado quanto a de direito público integram a adminis-
tração indireta. Todavia, a de direito público é uma espécie de autarquia. É também chama-
da de “autarquia fundacional”.

Sendo autarquia, a lei cria essa pessoa jurídica, e não autoriza a sua criação. A autarquia será
estudada adiante, de modo que tudo o que for dito acerca dela servirá para essa fundação
pública de direito público.

4.3.2.2 – fundação pública de direito privado

As fundações públicas de direito privado são também chamadas de “fundações governa-


mentais”. Seguem o mesmo regime de empresas públicas e das sociedades de economia
mista, mas não são espécie dessas pessoas jurídicas.

Na verdade, tanto as empresas públicas quanto as sociedades de economia mista têm um


regime jurídico misto, híbrido, que será estudado adiante e serve para as fundações públicas
de direito privado. Por ora, vale destacar que, lei autoriza a criação delas (não as cria, como
faz com as autarquias e fundações públicas de direito público).

O constituinte determinou que lei complementar disciplinasse as finalidades da fundação,


com o objetivo de limitar o poder de criação do administrador, que tem a tendência de ten-
tar fugir do regime jurídico de direito público23 (ex.: Secretário de Saúde que pretenda criar

23 Adiante serão analisadas as diferenças entre os regimes de direito público e privado.

47
fundação pública de direito privado para cuidar de toda a saúde do Município para não pre-
cisar fazer concurso etc.).

“Fundação híbrida” é a fundação governamental, por ter um regime jurídico híbrido (não
verdadeiramente privado, apesar de se chamar “de direito privado”). Há algumas fundações
públicas de direito privado na área de ensino, como certas universidades.

4.4 – Autarquias

4.4.1 – conceito

A autarquia é uma pessoa jurídica de direito público que tem por finalidade a realização de
serviços públicos. Perceba que a autarquia não se presta para a realização de quaisquer ser-
viços públicos, mas apenas aqueles relacionados às atividades típicas de Estado.

4.4.2 – regime jurídico

O regime jurídico da autarquia se aproxima muito daquele que rege a administração direta.
Embora não sejam idênticos, essa similaridade pode ajudar na memorização do da autar-
quia.

Adiante, serão analisados alguns detalhes desse regime jurídico das autarquias.

4.4.2.1 – atos e contratos das autarquias

i) os atos praticados pela autarquia são atos administrativos:

Os atos praticados pela autarquia estão submetidos ao regime dos atos administrativos, os
quais serão estudados com mais profundidade em outro momento do curso. Por ora, impor-
tante lembrar que os atos administrativos gozam de presunção de legitimidade, de autoexe-
cutoriedade e imperatividade.

ii) os contratos celebrados pela autarquia são contratos administrativos:

Os contratos celebrados pela autarquia também são contratos administrativos. Sendo assim,
estão sujeitos à licitação. A autarquia está, portanto, sujeita às obrigatoriedades do proce-
dimento licitatório, previsto na Lei 8.666/1993.

Além disso, por se tratar de contrato administrativo, o contrato celebrado pela autarquia
terá as denominadas cláusulas exorbitantes.

4.4.2.2 – responsabilidade civil das autarquias

48
A responsabilidade civil do Estado será analisada adiante. Por ora, cumpre indagar se as
autarquias seguem a mesma regra da responsabilidade civil do Estado, prevista no art. 37, §
6º, da CR:

Art. 37 (...) § 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestado-

ras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, cau-

sarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de do-

lo ou culpa.

Note que o art. 37, § 6º,estabelece que a regra de responsabilidade civil do estado se aplica
às “pessoas jurídicas de direito público”, de modo que a autarquia se enquadra nessa previ-
são. Ou seja, a autarquia está submetida a uma regra mais rigorosa (mais exigente) de res-
ponsabilidade civil, a qual traz à vítima uma proteção: trata-se da teoria da responsabilidade
objetiva.

Há duas teorias da responsabilidade civil: a objetiva e a subjetiva. O que diferencia uma da


outra é o elemento dolo ou culpa. Se a vítima tiver de demonstrar a culpa ou o dolo do
agente, fala-se de responsabilidade subjetiva. Por outro lado, se a vítima não tiver de provar
esses elementos, está-se diante da responsabilidade objetiva. Veja que a aplicação da teoria
objetiva é melhor para a vítima, pois o conjunto probatório é reduzido.

Sempre será aplicada ao Estado a teoria objetiva? Conforme será visto mais adiante, em
alguns casos será aplicada a teoria subjetiva. Mas isso se dá em casos de omissão e em cará-
ter excepcional. De qualquer forma, importante ter em mente que a regra geral é a da res-
ponsabilidade objetiva do Estado.

Na responsabilidade objetiva, a vítima deve demonstrar: i) a conduta do Estado, ii) o dano


gerado por essa conduta e iii) o nexo causal entre a conduta e o dano (ou seja, que a condu-
ta gerou o dano). Não há preocupação com o elemento subjetivo (dolo ou culpa) para que o
Estado (e a autarquia) responda.

Imagine que um funcionário da autarquia, dirigindo um veículo da autarquia e prestando


serviços a ela, atropele uma pessoa. Esse evento causa uma série de prejuízos à vítima. Nes-
se caso, a vítima ajuizará a ação de indenização contra quem? Ora, a autarquia responde
pelos atos de seus agentes, de modo que a vítima promoverá ação contra a autarquia.

Tomando esse mesmo exemplo, suponha que a autarquia não tenha patrimônio suficiente
para pagar a indenização à vítima. Nessa hipótese, o Estado pode ser chamado à responsabi-
lidade? Veja, essa é uma questão que não se aplica apenas à autarquia, mas a qualquer pes-
soa jurídica prestadora de serviços públicos. Se o Estado decide descentralizar um serviço,

49
ele não pode lavar as mãos e deixar o problema nas mãos dos prestadores. O serviço público
é um dever do Estado, do qual ele não pode se eximir. No entanto, o Estado só será cobrado
em um segundo momento. Ou seja, em primeiro lugar a vítima promoverá ação contra a
autarquia. Somente no caso em que a autarquia não tenha patrimônio suficiente é que o
Estado será chamado à responsabilidade.

Em suma, a responsabilidade civil do Estado em face dos atos praticados pela autarquia é
subsidiária. Isso porque primeiro se cobra a indenização da autarquia e, apenas depois de
caracterizada a insuficiência do patrimônio dela, se cobra o Estado.

Em determinado concurso, o examinador do CESPE lançou a seguinte afirmação: a respon-


sabilidade civil do Estado pelos atos das autarquias é objetiva. Isso é verdadeiro ou falso?
Verdadeiro. Suponha que a vítima processou a autarquia, que não tem dinheiro para pagar a
indenização. Nesse caso, o Estado assumirá a responsabilidade e pagará a conta. Porém, a
vítima não deverá demonstrar a culpa ou dolo do agente para poder receber do Estado. Ora,
a vítima, que já sofreu danos e não viu sua pretensão satisfeita pela autarquia, não poderia
ser submetida a mais um ônus de provar o elemento subjetivo em face do Estado! Portanto,
se a responsabilidade é objetiva para a autarquia, ela é objetiva para o Estado também (por-
que ele entra no lugar da autarquia).

Veja que o conceito de responsabilidade objetiva não elimina a regra da subsidiariedade.


São enfoques diferentes da responsabilidade. Ao dizer que a responsabilidade é objetiva,
está-se analisando o elemento culpa. Já a responsabilidade subsidiária se refere à ordem de
preferência. Um conceito não exclui o outro. Assim, no exemplo acima analisado, a respon-
sabilidade do Estado será objetiva e subsidiária.

4.4.2.3 – bens autárquicos

Se a autarquia é pessoa jurídica de direito público, seus bens são públicos. Assim, os bens
autárquicos estão sujeitos a todo o regime que rege os bens públicos. Quais as consequên-
cias disso? Também serão estudados os bens públicos adiante, mas desde logo é importante
analisar algumas regras a eles pertinentes, para a compreensão do regime das autarquias.

4.4.2.3.1 – inalienabilidade

Em primeiro lugar, importante destacar que os bens das autarquias, como bens públicos, são
inalienáveis. Porém, essa inalienabilidade não é absoluta. Isso significa que, em regra, não é
possível alienar os bens públicos. Mas, excepcionalmente e desde que preenchidos alguns
requisitos, a alienação será possível.

50
Autores modernos (como José dos Santos Carvalho Filho) sustentam que, se é possível a
alienação diante de determinados requisitos, os bens públicos são alienados de forma con-
dicionada. Assim, é possível enxergar os bens públicos como inalienáveis de forma relativa
ou alienáveis de forma condicionada.

Esses requisitos de alienação estão elencados no art. 17 da Lei 8.666/93. Vale observar que
esse foi um dos dispositivos da lei que mais foi alterado até hoje.

4.4.2.3.2 – impenhorabilidade

Os bens públicos são impenhoráveis. Dessa afirmação extrai-se uma importante conclusão:
os bens públicos não podem ser objeto de penhora, arresto ou sequestro.

Penhora é uma restrição ao patrimônio que ocorre dentro de uma ação de execução, ser-
vindo como garantia do juízo.

Já o arresto e o sequestro são cautelares típicas. Ex.: sujeito celebra um contrato, que ainda
não venceu. Mas o credor está preocupado com a solvência do devedor, que está se desfa-
zendo de seu patrimônio. Nesse caso, o credor pode preparar uma futura ação de execução,
promovendo uma cautelar de arresto ou sequestro. Essa cautelar vai proteger o patrimônio
para garantir que, quando o contrato vencer, o devedor terá como pagar a dívida. No arres-
to, há restrição de bens indeterminados. No sequestro são restringidos bens determinados.

4.4.2.3.3 – impossibilidade de oneração

Os bens públicos não podem ser objeto de oneração, isto é, não podem ser objeto de direi-
tos reais de garantia. Assim, os bens públicos não estão sujeitos a penhor, hipoteca ou anti-
crese.

Penhor não se confunde com penhora. O penhor é um direito real de garantia, é uma garan-
tia fora da ação de execução. Ex.: sujeito vai ao banco pedir um empréstimo. Para tanto, ele
dá uma joia em garantia da dívida. Lembrando que o penhor é uma garantia sobre bens mó-
veis24.

A hipoteca, por sua vez, é um direito real de garantia que recai sobre bens imóveis.

24 Atenção! O bem objeto de penhora é um bem penhorado. E o bem objeto de penhor é um empe-
nhado.

51
A anticrese é um instituto pouco utilizado hoje no Brasil e significa a exploração pelo credor
do patrimônio do devedor para saldar a dívida. O produto desse uso será utilizado para pa-
gar o débito e, saldada a dívida, o patrimônio volta à exploração normal pelo devedor.

4.4.2.3.4 – impossibilidade de usucapião (prescrição aquisitiva)

O bem público não pode ser usucapido. Veja que o poder público pode adquirir bens por
usucapião, mas os bens públicos não podem sofrer usucapião.

4.4.2.4 – débitos judiciais

Diante de todas essas restrições aos bens públicos, pergunta-se: o que garante o cumpri-
mento da obrigação assumida pela autarquia? Os débitos da autarquia são garantidos pelo
regime de precatórios, previsto no art. 100 da CR. Vale notar que este dispositivo foi altera-
do pela EC 62/2009:

Art. 100. Os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e

Municipais, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem crono-

lógica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a de-

signação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais

abertos para este fim. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 62, de 2009). (...)

Transitada em julgado a decisão que constituiu um crédito em desfavor da autarquia, será


emitido um documento denominado precatório. A partir disso, o credor ingressa em uma
“fila” de precatórios, cuja ordem se estabelece pela ordem de apresentação dos precatórios.
Observe que o precatório constituído até 1º de julho de determinado ano será pago no ano
imediatamente seguinte. Se o precatório for constituído após 1º de julho, o devedor só vai
pagar no outro ano. Ex.: precatório apresentado após 1º de julho de 2010 só será pago em
2012.

O problema é que o Estado vai pagar no ano devido se ele tiver dinheiro para tanto. E, as-
sim, a fila de precatórios continua crescendo. Há notícia de estados que já não pagam preca-
tórios há mais de 20 anos. Somando essa demora no pagamento ao tempo de duração da
ação de indenização, pode-se imaginar o tempo que a vítima vai esperar para receber seu
crédito.

Note que os débitos da autarquia estão sujeitos ao regime dos precatórios, mas cada autar-
quia tem sua fila própria de precatórios. Nem sempre isso vai significar pagamento mais
rápido, até porque a autarquia tem patrimônio menor.

52
4.4.2.5 – prazo prescricional

Qual o prazo prescricional para ajuizar uma ação contra a autarquia? Em regra, o prazo pres-
cricional para pessoas jurídicas de direito público é de cinco anos (Decreto-Lei 20.910/1932):

Art. 1º As dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e

qualquer direito ou ação contra a Fazenda federal, estadual ou municipal, seja qual for a

sua natureza, prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se origi-

narem.

Há uma polêmica sobre se teria havido uma redução de prazo prescricional em relação às
ações de reparação civil. Em primeiro lugar, vale observar que o art. 10 do DL 20.910 diz que
o prazo será de 5 anos se não houver outro mais benéfico:

Art. 10º - O Disposto nos artigos anteriores não altera as prescrições de menor prazo,

constantes, das leis e regulamentos, as quais ficam subordinadas às mesmas regras.

Com o advento do CC/02, houve alteração do prazo prescricional para várias ações. No caso
da reparação civil, o Código estabelece que o prazo para ajuizar ação é de três anos (e não
mais de cinco). Para o Estado, esse prazo de três anos é mais benéfico (a vítima terá menos
tempo para ajuizar a ação). Por isso, alguns defendem que, no caso de reparação civil contra
danos do Estado, teria havido redução do prazo prescricional.

Art. 206. Prescreve: (...)

§ 3º Em três anos: (...)

V - a pretensão de reparação civil; (...)

O STF pouco se posicionou sobre esse assunto, porque não se trata de tema constitucional.
O STJ, que é quem dá a última palavra sobre a interpretação da lei, proferiu diversas deci-
sões em que aplicava a tese do prazo de três anos para ações de reparação civil. No entanto,
em 2010, o Tribunal restabeleceu o posicionamento de que o prazo, mesmo para as ações
de reparação civil, seria de cinco anos. Ainda há divergência no STJ, mas a orientação que
vem prevalecendo mais recentemente é a de que o prazo é de cinco anos.

Marinela concorda com o raciocínio de que o prazo para as ações de reparação seria de três
anos, mas entende que o posicionamento a ser adotado em prova é aquele que vem preva-
lecendo hoje no STJ.

4.4.2.6 – privilégios tributários das autarquias

53
A autarquia goza da denominada imunidade tributária recíproca. Esse privilégio decorre do
art. 150, VI, “a”, da CR:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União,

aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...)

VI - instituir impostos sobre:

a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros; (...)

De acordo com esse dispositivo, um ente político não pode instituir imposto cobrando outro
ente político. Ex.: União não pode instituir imposto ao Estado. Note que a imunidade recí-
proca se refere apenas aos impostos e não aos demais tributos (contribuições e taxas).

O § 2º desse mesmo artigo estabelece que a imunidade recíproca dos entes políticos se es-
tende às autarquias, somente no que tange a sua finalidade específica.

Art. 150 (...) § 2º - A vedação do inciso VI, "a", é extensiva às autarquias e às fundações

instituídas e mantidas pelo Poder Público, no que se refere ao patrimônio, à renda e aos

serviços, vinculados a suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes.(...)

4.4.2.7 – privilégios processuais das autarquias

Enquanto pessoa pública, a autarquia terá no processo tratamento de Fazenda Pública. Lo-
go, ela terá alguns privilégios processuais. Neste tópico, serão estudados os dois privilégios
processuais mais cobrados em concurso:

4.4.2.7.1 – prazo dilatado

O art. 188 do CPC estabelece que a Fazenda Pública (leia-se: autarquia) terá prazo em dobro
para recorrer e prazo em quádruplo para contestar:

Art. 188. Computar-se-á em quádruplo o prazo para contestar e em dobro para recorrer

quando a parte for a Fazenda Pública ou o Ministério Público.

4.4.2.7.2 – reexame necessário (recurso de ofício ou duplo grau de jurisdição obrigatório)

Reexame necessário significa que, independentemente de recurso voluntário das partes, a


decisão contrária à autarquia deverá ser encaminhada ao tribunal. Essa regra vem estabele-
cida no art. 475, I do CPC:

Art. 475. Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de

confirmada pelo tribunal, a sentença:

I - proferida contra a União, o Estado, o Distrito Federal, o Município, e as respectivas au-

54
tarquias e fundações de direito público; (...)

§ 1º Nos casos previstos neste artigo, o juiz ordenará a remessa dos autos ao tribunal, ha-

ja ou não apelação; não o fazendo, deverá o presidente do tribunal avocá-los. (...)

Vale notar que o reexame necessário é a regra em face de decisões contrárias à autarquia.
Excepcionalmente, ele não irá acontecer: nas causas com valor de até 60 salários mínimos
ou na hipótese em que a matéria já tiver sido julgada pelo Pleno do STF ou em súmula do
STF ou do Tribunal Superior competente (art. 475, §§2º e 3º, do CPC):

Art. 475 (...) § 2º Não se aplica o disposto neste artigo sempre que a condenação, ou o di-

reito controvertido, for de valor certo não excedente a 60 (sessenta) salários mínimos,

bem como no caso de procedência dos embargos do devedor na execução de dívida ativa

do mesmo valor.

§ 3º Também não se aplica o disposto neste artigo quando a sentença estiver fundada em

jurisprudência do plenário do Supremo Tribunal Federal ou em súmula deste Tribunal ou

do tribunal superior competente.

O que acontece se o juiz não encaminhar o processo ao reexame necessário e as partes se


esquecerem de requerer a remessa dos autos ao tribunal? A falta de reexame necessário
levará à ausência de trânsito em julgado. Ou seja, a decisão não será definitiva até que seja
submetida ao duplo grau obrigatório.

4.4.2.8 – regime de pessoal da autarquia

Quem trabalha na autarquia é considerado servidor público, porque a autarquia é pessoa de


direito público.

O assunto será visto com maiores detalhes mais adiante. Por ora, vale notar que no Brasil,
hoje, vale o regime jurídico único. Isso significa que todos os servidores de determinada
pessoa jurídica devem seguir um só regime (ou todos serão celetistas, ou todos serão esta-
tutários). Não existe obrigatoriedade em adotar um ou outro regime, mas, no Brasil, a prefe-
rência é pelo regime estatutário.

4.4.2.9 – procedimentos financeiros

Como pessoa pública, a autarquia está sujeita às regras de contabilidade pública, previstas
na Lei de Contabilidade Pública (Lei 4.320/1964) e na Lei de Responsabilidade Fiscal (LC
101/2000).

4.4.3 – algumas modalidades específicas de autarquia

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Como exemplos de autarquia, mencionam-se o INSS, o INCRA, a maioria das universidades
federais (ex.: UFAL, UFBA, UFPE), o Banco Central, o IBAMA. Entre essas autarquias, há uma
situação importante, que diz respeito aos conselhos de classe, que serão analisados no pró-
ximo tópico.

4.4.3.1 – conselhos de classe

4.4.3.1.1 – natureza jurídica

Conselhos de classe são conselhos que cuidam das mais diversas profissões. Ex.: conselho de
medicina, engenharia, administração, etc.

Originariamente, o conselho de classe tinha natureza jurídica de autarquia. Em 1998, contu-


do, foi editada a Lei 9.649, que estabeleceu que os conselhos de classe, a partir daquele
momento, passariam a ter personalidade jurídica de direito privado e, por consequência,
natureza de pessoa privada (recebendo atividade de conselho por delegação).

Vale lembrar que o conselho de classe tem o poder de cassar a carteira profissional. Logo,
esse é um poder que não pode ser delegado a qualquer um. Imagine-se uma entidade parti-
cular retirando a carteira profissional de outro particular. Em razão disso, a matéria foi leva-
da a questionamento no STF e objeto da ADI 1717.

O STF proferiu uma decisão importante, que já foi cobrada em diversos concursos. Julgando
a ADI 1717, o Supremo entendeu que não é possível delegar o poder de polícia que o conse-
lho exerce a uma pessoa privada. Isso porque o poder de polícia é uma arma perigosa de-
mais, que não pode ser delegada a ente privado (isso comprometeria a segurança jurídica).
Assim, o Supremo declarou a Lei 9.649 inconstitucional nesse aspecto, de modo que o con-
selho de classe volta a ter natureza jurídica de autarquia. Logo, tudo o que estudado até
aqui sobre autarquia também serve para os conselhos de classe.

Considerando essa natureza jurídica do conselho de classe, é possível extrair várias conclu-
sões:

i) a anuidade cobrada é tributo:

O conselho de classe cobra dos profissionais uma anuidade. E, sendo ele autarquia, pode-se
dizer que essa anuidade tem natureza jurídica de tributo (é contribuição).

ii) cobrança da anuidade por meio de execução fiscal:

56
Sendo essa anuidade um tributo, se o profissional não pagá-la, sofrerá como consequência
jurídica uma cobrança via execução fiscal.

iii) contabilidade pública:

Sendo autarquia, o conselho de classe estará sujeito a regras de contabilidade pública.

iv) controle pelo tribunal de contas.

4.4.3.1.2 – situação da OAB

A OAB não é um conselho de classe como os demais. Desde a publicação do Estatuto da


OAB, surgiu uma discussão sobre vários aspectos da OAB. A jurisprudência (do STJ e do STF,
inclusive) entende que a anuidade da OAB não tem natureza de tributo, mas de preço. As-
sim, não deve seguir as regras de legalidade, anterioridade etc. que regem o sistema tributá-
rio.

Consequentemente, se a anuidade não for paga pelo advogado, ele não estará sujeito à
execução fiscal, mas à execução comum (execução contra devedor solvente). Além disso, a
contabilidade da OAB é privada e não haverá controle pelo Tribunal de Contas.

Observando-se os valores pagos na anuidade dos demais conselhos, vê-se que a anuidade da
OAB é a maior de todas. Isso é resultado dessa ausência de fiscalização pelo tribunal de con-
tas e do fato de que a OAB não deve seguir a lei de responsabilidade fiscal ou a lei de conta-
bilidade pública. Não há, portanto, os rigores do regime público.

O Procurador Geral da República, querendo discutir o EAOAB no que concerne à questão do


concurso público e o conselho de classe, ajuizou a ADI 3026. Essa ADI objetivava o reconhe-
cimento da necessidade de concurso público para contratação de pessoal pela OAB. Na
apreciação da ação, o Supremo entendeu que a OAB é um serviço público independente e
que não está incluída na administração direta ou indireta. Assim, para o Supremo, a OAB
não se confunde com os demais conselhos de classe e é pessoa jurídica ímpar do direito
brasileiro (não é autarquia sui generis ou de regime especial). Logo, a OAB não deveria fazer
concurso para contratação de pessoal.

Quais os privilégios dessa “pessoa jurídica ímpar”? A OAB, hoje, tem tratamento jurídico
diferenciado e continua tendo os privilégios de uma autarquia (tributários, processuais, jul-
gamento perante a Justiça Federal etc.). O problema é que a OAB não se submete às mes-
mas exigências da autarquia (como controle pelo tribunal de contas).

57
Em prova de delegado da Paraíba, o CESPE trouxe a seguinte afirmação: “A OAB, conforme
entendimento do STF, é uma autarquia pública em regime especial e se submete ao controle
do TCU”. Esse enunciado foi considerado incorreto pelo examinador.

4.4.3.2 – autarquias territoriais

Autarquia territorial foi o termo utilizado pelos administrativistas para falar de território.
Embora hoje não exista nenhum território no Brasil, não há impedimento para que seja cria-
do um território no futuro (a CR permite que isso seja feito a qualquer momento).

O território é uma pessoa pública, mas não é um ente político (não se confunde com a Uni-
ão, Estados, DF e Municípios). Buscando a natureza jurídica dos territórios, os autores passa-
ram, então, a incluí-los como modalidade de autarquia. Embora receba esse nome, o territó-
rio não tem nada a ver com a autarquia. Marinela acredita que, caso venha a ser criado um
território, esse assunto vai voltar à tona e provavelmente haverá uma mudança de entendi-
mento.

4.4.3.3 – autarquias de regime especial (agências reguladoras)

4.4.3.3.1 – noções gerais

A expressão “autarquia de regime especial” é bastante antiga no Brasil. Ela já foi usada, há
muitos anos, para designar as universidades públicas.

Autarquia de regime especial, nesse sentido, significava dizer que a universidade escolheria
seus dirigentes por eleição ou que ela teria uma autonomia maior (eis que definiria sua gra-
de curricular). Portanto, a expressão “autarquia de regime especial” era usada justamente
para trazer essa ideia de que as universidades públicas tinham um tratamento especial, dife-
renciado.

Com o passar dos anos, esse rótulo de autarquia de regime especial passou a ser usado para
as agências reguladoras.

A agência reguladora é uma autarquia de regime especial. Isso significa dizer que tudo o
quanto dito a respeito do regime jurídico da autarquia aqui também se aplica. Mas, em al-
guns aspectos, as agências reguladoras terão um tratamento diferenciado.

A partir de 1995, o governo federal decidiu que precisava enxugar a máquina administrativa,
reduzindo a estrutura do Estado. Assim, decidiu-se estabelecer a chamada política nacional
das privatizações (oportunidade em que o Estado vendeu muitas empresas). Nesse mesmo
momento, muitos serviços foram também transferidos (delegados) e a isso se deu o nome

58
de política de desestatização. Ex.: a telefonia foi objeto dessa política de desestatização.
Basta notar que, antes, a linha telefônica era muito cara e, hoje, qualquer pessoa tem um
telefone.

Quando o Estado resolve enxugar a máquina e promover a desestatização, delegando servi-


ços, surge a necessidade de criação de entes responsáveis pelo controle e fiscalização da
prestação desses serviços. Com isso, surgem as agências reguladoras. Ex.: ANATEL, que é
responsável pela fiscalização da prestação do serviço de telefonia. Portanto, como o próprio
nome sugere, a agência reguladora tem a função de regular/controlar/normatizar as diver-
sas atividades (ex.: aviação civil, saúde, etc.).

4.4.3.3.2 – aspectos caracterizadores do regime especial

Como visto, por serem autarquias, as agências reguladoras se submetem ao regime jurídico
a elas pertinente. Mas são autarquias de regime especial, em decorrência de três aspectos
que caracterizam essa especialidade:

i) maior autonomia:

As agências reguladoras são autarquias que contam com maior autonomia que as demais,
em razão da função especial por elas exercida (função de normatização/regulação).

ii) investidura ou nomeação especial dos dirigentes:

Como estudado, a nomeação e a exoneração dos dirigentes da administração indireta (au-


tarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista) é feita de forma
livre pelo Chefe do Executivo. Isso é o que se aplica em regra. Excepcionalmente, a nomea-
ção não será livre e um dos casos em que isso ocorre se dá justamente nas agências regula-
doras.

Assim, nas agências reguladoras, a nomeação do dirigente pelo Presidente da República vai
depender de uma prévia aprovação pelo Senado Federal (que vai sabatinar o escolhido). Por
isso essa hipótese é denominada de nomeação ou investidura especial.

iii) dirigentes exercem mandato com prazo determinado:

Caso o dirigente desobedeça a uma ordem do Presidente ou tome alguma atitude que desa-
grade o Chefe do Executivo, não caberá exoneração. Isso porque o dirigente assume manda-
to com prazo fixo. Esse prazo vai depender da lei de cada agência. Vale lembrar que a autar-
quia é criada por lei. Assim, a lei que estabelecer a criação da agência reguladora deverá

59
estabelecer esse prazo de duração do mandato de seus dirigentes. Ex.: há leis que preveem
prazo de dois anos.

Há um projeto em tramitação no Congresso que tende a unificar em quatro anos esse prazo.
Enquanto esse projeto não for aprovado, cada agência adotará um prazo próprio.

Mas não tem jeito de mandar embora o dirigente antes do final do mandato? Ex.: quando
houve o acidente com avião da TAM no aeroporto de Congonhas, a então presidente da
ANAC teve um comportamento horrível, que foi noticiado pela imprensa. O Presidente da
República queria dar uma satisfação a essa reação da mídia, mas não tinha uma ferramenta
para mandá-la embora.

Na verdade, para que seja possível retirar o dirigente do cargo antes do término do prazo, é
necessária uma sentença transitada em julgado ou renúncia. Nesse exemplo do acidente da
TAM, a dirigente da ANAC se recusava a renunciar. E, até que se obtivesse uma condenação
perante o Judiciário, fatalmente o mandato dela já teria se encerrado. Não se sabe o que se
fez para pressioná-la, mas o fato é que ela acabou renunciando ao cargo.

O dirigente de uma agência reguladora tem acesso a uma série de informações privilegiadas.
Imagine se o dirigente da ANATEL, ao final do seu mandato, assina contrato com empresa de
telefonia! Obviamente, isso poderia gerar sérios problemas. Por isso, a lei estabelece uma
espécie de quarentena, de modo que o dirigente deverá ficar afastado, por certo tempo, da
iniciativa privada naquele ramo de atividade. Nada impede que ele assuma um novo cargo
público nesse período.

Durante essa quarentena, o dirigente continua recebendo salário de dirigente da agência


reguladora. E esse prazo de afastamento é de quatro meses. Há algumas agências que pre-
veem um prazo de 12 meses de quarentena, mas a regra geral é de quatro meses.

4.4.3.3.3 – exemplos de agências reguladoras

É difícil que o concurso cobre regras específicas sobre determinada agência. Isso só ocorrerá
se o edital mencionar a lei de criação de alguma agência reguladora. Em geral, o examinador
menciona determinada agência (alguma que seja mais mencionada na mídia), mas cobra
aspectos gerais das agências reguladoras.

i) agências que controlam serviços públicos: ANEEL (agência nacional de energia elétrica),
ANATEL (agência nacional de telecomunicações), ANS (agência nacional de saúde), ANVISA
(agência nacional de vigilância sanitária), ANTT (agência nacional de transportes terrestres),

60
ANTAQ (agência nacional de transportes aquaviários), ANAC (agência nacional de aviação
civil);

ii) controle do monopólio do petróleo: ANP (agência nacional de petróleo);

iii) controle da água (visando à preservação desse recurso): ANA (agência nacional de águas
no Brasil);

iv) visando ao fomento do cinema nacional: ANCINE (agência nacional de cinema). Marinela
observa que essa agência reguladora foi criada por Medida Provisória, a qual ainda não foi
convertida em lei. Vale lembrar que a ANCINE foi criada na época daquele filme que recebeu
financiamento do governo e nunca foi lançado, como forma de dizer que o governo estava
tomando alguma providência.

A grande crítica que se faz à criação dessas diversas agências é que a agência reguladora
exige uma estrutura muito cara. Há agências criadas para controlar serviços que são incipi-
entes no Brasil, como é o caso da ANTAQ. De fato, o transporte aquaviário é uma boa alter-
nativa e em alguns locais chega a ser muito importante (ex.: estado do Amazonas). Mas não
haveria necessidade de criação de uma agência reguladora só para tratar disso.

Além disso, muitas das agências reguladoras não vêm desempenhando bem seu papel de
fiscalização. Basta observar, por exemplo, que os serviços telefônicos são recordes em re-
clamações no PROCON.

Atenção! Nem tudo o que tem nome de agência é agência reguladora. Para saber a natureza
jurídica da entidade, deve-se consultar a lei de criação da agência. Ex.: AEB (agência espacial
brasileira) é só uma autarquia, não é agência reguladora; ABIN (agência brasileira de inteli-
gência) é um órgão da administração direta (nem autarquia é!).

Por outro lado, há entes que não têm nome de agência, mas têm natureza de agência regu-
ladora. Ex.: a CVM (comissão de valores mobiliários), apesar de não ter o nome de agência, é
uma agência reguladora.

4.4.3.3.4 – regras específicas do regime jurídico das agências reguladoras

Como já mencionado, as agências reguladoras são autarquias e seguem seu regime jurídico
(quanto aos bens, privilégios, responsabilidade civil, etc.). Mas há duas regras importantes
do regime jurídico das agências reguladoras:

i) licitação:

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Quando foi editada a Lei 9.472/1997, que instituiu a ANATEL, estabeleceu-se que a agência
reguladora teria um tratamento especial para licitação de contratos. Assim, segundo a lei,
cada agência deveria determinar como seria seu procedimento licitatório.

Além disso, lei estabeleceu que a agência reguladora teria duas modalidades específicas de
licitação: pregão e consulta. Vale lembrar que o pregão foi inserido pela primeira vez na Lei
9.472/1997. Hoje, todos os entes fazem pregão, de modo que ele não é mais uma novidade
das agências reguladoras.

Essas regras sobre a licitação nas agências reguladoras foi objeto de controle de constitucio-
nalidade na ADI 1668. O STF decidiu duas questões muito importantes. Em primeiro lugar,
entendeu que a regra sobre procedimento próprio para licitação é inconstitucional. Ou seja,
as agências reguladoras também estão sujeitas à Lei 8.666/1993.

Além disso, o Supremo entendeu que, apesar de estarem sujeitas à Lei 8.666/1993, as agên-
cias reguladoras poderão seguir modalidade específica, adotando pregão ou consulta. Hoje o
pregão vem definido na Lei 10.520/2002. No caso da consulta, ainda não há regulamentação
e, por isso, as agências reguladoras ainda não podem usá-la.

ii) regime de pessoal:

Como visto, na autarquia, o regime de pessoal é de servidor público. No primeiro momento


em que a agência reguladora foi definida, a Lei Geral das Agências Reguladoras (Lei
9.986/2000) estabeleceu que a agência reguladora teria regime de pessoal celetista e com
contratos temporários.

Lembrando que o temporário não presta concurso público. E o trabalho temporário só pode
ser adotado em situação de excepcional interesse público. Diante disso, o Supremo (na ADI
2310) entendeu que não é possível a adoção do trabalho temporário. Isso porque o quadro
de funcionários de uma agência reguladora é uma necessidade permanente. Claro, é possí-
vel contratar um ou outro funcionário de forma temporária, mas a necessidade de pessoal é
permanente.

Vale notar que essa decisão do Supremo foi proferida em sede de cautelar, oportunidade
em que entendeu ser essa regra inconstitucional. O regime preferencial deve ser o de cargo
(estatutário), e não o celetista. Além disso, a necessidade de pessoal é permanente, de mo-
do que não cabe a contratação de trabalhadores temporários. Tanto a contratação de servi-
dores com vínculo celetista quanto a de pessoal temporário deve se dar apenas em casos
excepcionais.

62
Enquanto essa ADI estava tramitando no Supremo, o Presidente da República editou a MP
155/2003 criando cargos para resolver a questão. Essa MP foi convertida na Lei
10.871/2004. Assim, na medida em que a lei objeto de discussão na ADI 2310 foi alterada, a
ação foi extinta sem resolução do mérito, por perda do objeto.

Depois disso, o Presidente editou uma nova MP, prorrogando o prazo de contrato dos tem-
porários. E essa edição de MP’s (posteriormente convertidas em lei) prorrogando os contra-
tos temporários vem se seguindo desde 2003.

Na verdade, foram criados cargos insuficientes para manter as agências e, até hoje, as agên-
cias são mantidas por cargos temporários. Há trabalhadores temporários que estão em seus
cargos há mais de 10 anos.

Essa matéria foi levada novamente à discussão no Supremo, e é objeto da ADI 3678. Essa
ADI ainda aguarda julgamento.

Assim, a agência reguladora tem o dever de licitar, está sujeita à Lei 8.666/1993 e possui
duas modalidades específicas de licitação: pregão e consulta. Se o concurso perguntar qual o
regime de pessoal que a agência reguladora deve seguir, deve-se adotar a visão daquela
decisão do supremo proferida em sede de cautelar. Ou seja, o regime adotado será o estatu-
tário e os cargos serão providos por meio de concurso público. Na prática, a grande maioria
é suprida por trabalhadores temporários (apesar de o Supremo ter entendido que isso é
inconstitucional, ainda que em sede de cautelar).

4.4.3.4 – agências executivas

As agências executivas são velhas autarquias ou velhas fundações. Ou seja, a agência execu-
tiva vem para recuperar uma velha autarquia que estava sucateada, ineficiente. A ideia é
tornar essa autarquia mais eficiente, melhorando seu serviço. Para tanto, essa autarquia é
transformada em agência executiva:

Art. 51. O Poder Executivo poderá qualificar como Agência Executiva a autarquia ou fun-

dação que tenha cumprido os seguintes requisitos:

I - ter um plano estratégico de reestruturação e de desenvolvimento institucional em an-

damento;

II - ter celebrado Contrato de Gestão com o respectivo Ministério supervisor.

§ 1º A qualificação como Agência Executiva será feita em ato do Presidente da República.

§ 2º O Poder Executivo editará medidas de organização administrativa específicas para as

Agências Executivas, visando assegurar a sua autonomia de gestão, bem como a disponi-

bilidade de recursos orçamentários e financeiros para o cumprimento dos objetivos e me-

63
tas definidos nos Contratos de Gestão.

Para fazer essa “reforma” na autarquia ou na velha fundação, é necessário que estas entida-
des formulem um plano estratégico de reestruturação/modernização. Realizado esse plano,
a fundação ou a autarquia celebra com a administração direta um chamado “contrato de
gestão”. Esse contrato vai dar à autarquia e à fundação uma maior autonomia/liberdade na
execução de seus serviços, para que elas cumpram melhor seus objetivos e ganhem maior
eficiência. Além de maior autonomia, com esse contrato de gestão a autarquia ou fundação
receberá mais recurso orçamentário. Assim, além de mais liberdade, o ente recebe mais
dinheiro.

A ideia é tornar a autarquia ou fundação mais eficiente. Mas a doutrina fala mal desse insti-
tuto da agência executiva. Isso porque já se trata de uma entidade ineficiente, e é dever da
autarquia e da fundação ser eficiente e cumprir seus objetivos. Logo, se criou um instituto
que acaba por premiar a incompetência da autarquia, já que ela vai ganhar mais dinheiro e
autonomia.

Outra questão levantada pela doutrina diz respeito à criação dessas pessoas. Veja, a criação
da autarquia e da fundação depende de lei. Como pode um contrato de gestão dar aquilo
que a lei não deu? Ou seja, um contrato não pode ir além da lei, concedendo mais liberdade
e dinheiro.

Assim há uma pessoa jurídica sucateada que recebe mais dinheiro e liberdade, sem a edição
de uma lei, mas de um contrato de gestão. Em razão dessas duas constatações, a doutrina
critica muito a figura das agências executivas. Esse instituto vem caindo muito pouco em
concurso. De qualquer forma, quem quiser se aprofundar no tema deverá ler a Lei
9.649/1998, que disciplina as agências executivas.

4.5 – Empresas públicas e sociedades de economia mista

Em primeiro lugar, serão estudadas noções gerais acerca da empresa pública e da sociedade
de economia mista, para diferenciar essas duas figuras. Depois, serão analisados os regimes
jurídicos dessas empresas estatais em conjunto, pois hoje eles são praticamente os mesmos.

4.5.1 – noções gerais

Empresa estatal é toda aquela da qual o Estado faz parte. Ocorre que a empresa estatal po-
de se tornar uma empresa pública ou sociedade de economia mista caso siga o regime pró-
prio dessas entidades. Se o Estado fizer parte de empresa que não segue as regras próprias
das empresas públicas ou das sociedades de economia mista, a empresa estatal não ganhará

64
qualquer desses rótulos. Consequentemente, não vigorará o regime jurídico a elas corres-
pondente.

4.5.1.1 – empresas públicas

Empresa pública é pessoa jurídica de direito privado. Note que a denominação empresa
“pública” está ligada ao capital da empresa e não ao seu regime jurídico. Como será estuda-
do mais adiante, esse regime jurídico da empresa pública não é absolutamente privado,
razão pela qual é denominado de regime misto ou híbrido.

Na empresa pública, o capital é exclusivamente público. Isso não impede que o capital da
empresa provenha de mais de um ente, desde que esse capital seja exclusivamente público.

A empresa pública pode ter duas finalidades: i) prestar serviço público; e ii) explorar ativida-
de econômica.

Vale ainda notar que a empresa pública pode se utilizar de qualquer modalidade empresari-
al. Ex.: sociedade em comandita, sociedade anônima de capital fechado, sociedade limitada.
Já a sociedade de economia mista não pode se utilizar de qualquer espécie de sociedade
empresarial. Quanto à empresa pública, não se exige qualquer tratamento especial.

4.5.1.2 – sociedades de economia mista

A sociedade de economia mista também é pessoa jurídica de direito privado. Lembrando


que o regime jurídico aqui também é híbrido/misto.

A sociedade de economia mista terá um capital misto: parte público, parte privado. Note
que, apesar de ser possível capital privado, a maioria do capital (em especial do capital que
dá direito a voto) deve estar nas mãos do poder público. Ou seja, apesar de ser um capital
misto, o comando/a direção dessa empresa deve estar nas mãos do poder público.

A sociedade de economia mista terá também duas finalidades: i) prestar serviço público; e ii)
explorar atividade econômica.

E a sociedade de economia mista só pode ser constituída na forma de sociedade anônima


(não pode ser qualquer modalidade empresarial).

4.5.1.3 – competência para julgamento das ações envolvendo as sociedades estatais

Há ainda uma terceira diferença entre essas sociedades estatais, relativa à competência para
julgamento das ações nas quais elas sejam partes, decorrente do art. 109 da CR, que trata da
competência da justiça federal:

65
Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:

I - as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem inte-

ressadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as

de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho; (...)

A primeira regra importante a extrair do art. 109, I, é a de que a justiça federal vai julgar
ações em que a empresa pública federal seja parte. Note que o dispositivo não faz menção à
sociedade de economia mista federal. Logo, nas ações em que a sociedade de economia
mista federal for parte, a competência será da justiça estadual.

Vale a pena ressaltar que, nas ações em que as sociedades de economia mista federais se-
jam parte, se houver interesse da União na causa, a competência para julgamento da ação
passará a ser da justiça federal. Mas, nesse caso, a competência da justiça federal vai se dar
em razão da presença da União no processo, e não por causa da sociedade de economia
mista.

Note que, em se tratando de empresa pública e sociedade de economia mista estadual ou


municipal, não haverá essa distinção quanto às regras de competência. Nas ações em que
empresas públicas e sociedades de economia mista municipais e estaduais sejam parte, a
competência será da justiça estadual.

4.5.1.3 – semelhanças e diferenças: quadro sinótico

Semelhanças Diferenças
i) são pessoas jurídicas de direito privado, com i) enquanto a empresa pública terá capital exclu-
regime híbrido; sivamente público, a sociedade de economia
ii) têm as mesmas finalidades: prestar serviço mista tem capital misto;
público ou explorar atividade econômica; ii) a empresa pública pode ser constituída de
iii) em se tratando de empresa pública ou de qualquer modalidade empresarial, ao passo que
sociedade de economia mista estadual ou muni- a sociedade de economia mista só pode ser soci-
cipal, não haverá distinção quanto à competência edade anônima;
pra julgamento das ações em que elas sejam iii) a competência para julgamento de ações em
partes (competência da justiça estadual). que a empresa pública federal for parte será da
justiça federal. Já a competência para processa-
mento de ações que envolvam sociedade de
economia mista federal será da justiça estadual.

4.5.2 – finalidades

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Como visto, as empresas públicas e sociedades de economia mista podem ser constituídas
para prestar serviços públicos ou explorar atividade econômica. Ex.: a Empresa Brasileira de
Correios e Telégrafos é um exemplo de empresa pública que presta serviço público.

Quando uma empresa estatal presta serviço público, seu regime jurídico híbrido será pre-
dominantemente público. As empresas públicas e sociedades de economia mista são pesso-
as jurídicas de direito privado que adotam regime jurídico misto (público + privado). Mas, no
que se refere às empresas estatais que prestam serviços públicos, esse regime jurídico será
mais público do que privado.

No que se refere à empresa que explora a atividade econômica, importante ressaltar que o
Estado não poderá atuar em qualquer atividade. O art. 173 da CR estabelece que o Estado
não intervirá na atividade econômica, salvo através das empresas públicas e sociedades de
economia mista, quando a segurança nacional ou o relevante interesse coletivo exigirem.
Veja que segurança nacional e relevante interesse coletivo são razões de interesse público:

Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de ativi-

dade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da se-

gurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei. (...)

Quando as empresas estatais exploram atividade econômica, esse regime jurídico misto vai
se aproximar mais do regime da iniciativa privada do que do regime público. É o contrário do
que acontece com a empresa estatal que realiza serviço público, em que o regime vai se
aproximar mais do regime público.

4.5.3 – regime jurídico das empresas públicas e sociedades de economia mista

4.5.3.1 – contratos

Os contratos celebrados pelas empresas públicas e sociedades de economia mista estão


sujeitos à licitação? Essa questão envolve saber se o contrato celebrado por essas empresas
é ou não considerado um contrato administrativo.

Como visto, as empresas públicas e sociedades de economia mista podem ter duas finalida-
des. Quando elas forem prestadoras de serviços públicos, ninguém discute que tenham de

67
licitar. Assim, elas estarão sujeitas às normas gerais de licitação (art. 37, XXI, da CR25) e à Lei
8.666/1993. Aliás, o art. 1º da Lei de Licitações diz que elas estão sujeitas ao dever de licitar:

Art. 1º Esta Lei estabelece normas gerais sobre licitações e contratos administrativos per-

tinentes a obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações e locações no

âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

Parágrafo único. Subordinam-se ao regime desta Lei, além dos órgãos da administração

direta, os fundos especiais, as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas, as

sociedades de economia mista e demais entidades controladas direta ou indiretamente

pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios.

O problema se refere à hipótese de empresas públicas e sociedades de economia mista ex-


ploradoras de atividade econômica. Nos termos do art. 173, § 1º, III, da CR, com redação
dada pela EC 19/1998, quando as empresas estatais forem exploradoras de atividade eco-
nômica, elas poderão ter um regime próprio de licitação de contratos, o qual dependerá de
lei específica:

Art. 173. (...) § 1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade

de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção

ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre: (...)

III - licitação e contratação de obras, serviços, compras e alienações, observados os prin-

cípios da administração pública;

Ocorre que, até hoje, essa lei não foi editada. Em razão disso, as empresas públicas e socie-
dades de economia mista exploradoras de atividade econômica estarão sujeitas ao regime
geral de licitação, da Lei 8.666/1993, até que a lei própria seja criada. Basta observar que o
art. 1º da Lei de Licitações menciona que as empresas públicas e sociedades de economia
mista terão o dever de licitar e não faz qualquer menção à finalidade dessas empresas.

Se essas empresas estão sujeitas à Lei 8.666/1993, por que se veem tantas hipóteses em que
elas deixam de licitar? A própria Lei 8.666/1993 traz várias hipóteses de dispensa e inexigibi-

25 Art. 37 (...) XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e
alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de con-
dições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas
as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de quali-
ficação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.

68
lidade da licitação às empresas estatais. Há duas principais situações em que essas empresas
poderão escapar da licitação:

i) licitação prejudicial à atividade-fim:

A Lei 8.666/1993 menciona que, quando a licitação prejudicar o interesse público, ela se
tornará inexigível. Esse é o chamado pressuposto jurídico do dever de licitar. Vale lembrar
que a licitação tem como finalidade escolher a proposta mais vantajosa. E, quando o poder
público escolhe a melhor proposta, ele está atendendo ao interesse público. No entanto, na
hipótese em que a licitação acabar por prejudicar o interesse público, ela se tornará inviável.
E a competição inviável levará à inexigibilidade da licitação.

A atividade-fim da empresa estatal será a prestação do serviço público ou a exploração de


atividade econômica. E a exploração da atividade econômica vai se dar nos casos em que a
segurança nacional e o relevante interesse coletivo assim exigirem. Como mencionado, a
segurança nacional e o relevante interesse coletivo são razões de interesse público, tal como
a prestação de serviço público. Assim, quando a licitação prejudicar a segurança pública, o
relevante interesse coletivo ou a prestação de serviço público, ela se tornará inviável e, por-
tanto, inexigível.

Em resumo: se a licitação prejudica o objetivo principal que essas empresas têm que prote-
ger (serviço público, segurança nacional ou relevante interesse coletivo), ela será inexigí-
vel26.

ii) dispensa em relação às obras e aos serviços cujo valor seja de até 20% do limite do convi-
te:

Uma segunda hipótese de dispensa de licitação aparece no art. 24, parágrafo único, da Lei
8.666/1993:

Art. 24. É dispensável a licitação:

I - para obras e serviços de engenharia de valor até 10% (dez por cento) do limite previsto

na alínea "a", do inciso I do artigo anterior, desde que não se refiram a parcelas de uma

26 Sobre esse tema, o examinador da AGU pediu que os candidatos dissertassem sobre a seguinte
afirmação “as empresas públicas e sociedades de economia mista, em sua atividade-fim, não devem
licitar”.

69
mesma obra ou serviço ou ainda para obras e serviços da mesma natureza e no mesmo

local que possam ser realizadas conjunta e concomitantemente;

II - para outros serviços e compras de valor até 10% (dez por cento) do limite previsto na

alínea "a", do inciso II do artigo anterior e para alienações, nos casos previstos nesta Lei,

desde que não se refiram a parcelas de um mesmo serviço, compra ou alienação de maior

vulto que possa ser realizada de uma só vez; (...)

Parágrafo único. Os percentuais referidos nos incisos I e II do caput deste artigo serão

20% (vinte por cento) para compras, obras e serviços contratados por consórcios públicos,

sociedade de economia mista, empresa pública e por autarquia ou fundação qualificadas,

na forma da lei, como Agências Executivas.

Esse dispositivo traz um tratamento especial para as empresas públicas e sociedades de


economia mista. Normalmente, as empresas gozam de dispensa de licitação nos contratos
cujo valor seja de até 10% do limite do convite. Isso significa, para obras e serviços de enge-
nharia, R$ 15.000,00 e, para obras e serviços de outro tipo, R$ 8.000,00.

No caso das empresas públicas e sociedades de economia mista, esse limite é diferenciado:
elas terão dispensa em relação às obras cujo valor seja de até 20% do limite do convite. As-
sim, haverá dispensa de R$ 30.000,00 para obras e serviços de engenharia e de R$ 16.000,00
para bens, obras e serviços de outra natureza.

4.5.3.2 – responsabilidade civil

As empresas públicas e sociedades de economia mista estão sujeitas à regra do art. 37, § 6º,
da CR? Mais uma vez, há que se analisar a atividade desempenhada por essas empresas para
verificar se elas estão ou não sujeitas às regras de responsabilidade civil do Estado.

Se a empresa pública ou a sociedade de economia mista for prestadora de serviço público,


ela estará sujeita ao art. 37, § 6º. Isso porque, como mencionado, a empresa prestadora de
serviço público tem regime jurídico mais próximo do regime público. E se a empresa pública
ou a sociedade de economia mista se submete às regras do art. 37, § 6º, a responsabilidade
civil seguirá a teoria objetiva. Note que o dispositivo trata das pessoas jurídicas de direito
privado prestadoras de serviços públicos, hipótese em que se enquadram as empresas pú-
blicas e sociedades de economia mista com essa finalidade:

Art. 37, § 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de

serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem

a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou

culpa.

70
E, quando a empresa pública ou a sociedade de economia mista for prestadora de serviço
público, o Estado também responderá. Isso porque o serviço público é de responsabilidade
do Estado. Nesse caso, deve-se lembrar que a responsabilidade do Estado é subsidiária.

De outro lado, quando a empresa estatal for exploradora de atividade econômica, ela não
estará incluída na previsão do art. 37, § 6º. Desse modo, serão aplicadas as regras de res-
ponsabilidade do direito civil. Lembrando que, no direito privado, a regra é a teoria da res-
ponsabilidade subjetiva. E, segundo a maioria dos autores, na atividade econômica, o Estado
não será responsabilizado direta ou subsidiariamente.

4.5.3.3 – bens das empresas públicas e sociedades de economia mista

Os bens das empresas públicas e sociedades de economia mista são bens públicos? Um
examinador de concurso da magistratura federal perguntou aos candidatos no exame oral:
“o que o candidato faria se recebesse um pedido de penhora de uma bicicleta da Empresa
Brasileira de Correios e Telégrafos?”

Os bens das empresas públicas e sociedades de economia mista seguem, em regra, o regime
privado. Assim, em regra, será possível a penhora e alienação dos bens de empresas públi-
cas. Excepcionalmente, seguirão o regime público os bens diretamente ligados à prestação
do serviço público. Trata-se dos bens que, se forem retirados do patrimônio da empresa
estatal, comprometerão a prestação do serviço público. O fundamento para essa proteção
aos bens é o princípio da continuidade do serviço público.

No que diz respeito à bicicleta da ECT, deve-se fazer uma ponderação importante. Apesar de
ser empresa pública, a ECT recebe um tratamento diferenciado (segue um regime de Fazen-
da Pública, bem próximo do tratamento conferido à autarquia). Foi reconhecida à ECT a
exclusividade no serviço de entrega de correspondências, e é essa exclusividade que confere
à empresa esse tratamento de pessoa pública.

Esse é o entendimento adotado pelo STF na ADPF 4627. Uma das consequências desse trata-
mento diferenciado se refere justamente ao regime dos bens. Assim, os bens da ECT são
impenhoráveis, estando ou não ligados à prestação do serviço público. Como o bem da ECT

27 Recomenda-se a leitura da ADPF 46, dentre outras coisas, porque nela o STF diferencia monopólio
de exclusividade.

71
é impenhorável e não serve de garantia, garantirá o adimplemento de suas dívidas apenas o
regime dos precatórios.

4.5.3.4 – regime tributário

Como visto, a autarquia goza de privilégio tributário. No que se refere às empresas públicas
e sociedades de economia mista, o regime tributário será diferente. Normalmente, elas não
gozam de privilégios tributários.

O art. 173, § 2º, da CR é expresso no sentido de que as empresas públicas e sociedades de


economia mista exploradoras de atividade econômica não farão jus aos privilégios tributá-
rios não extensíveis à iniciativa privada. Em outras palavras, apenas o privilégio concedido à
iniciativa privada será dado às empresas estatais:

Art. 173, § 2º - As empresas públicas e as sociedades de economia mista não poderão go-

zar de privilégios fiscais não extensivos às do setor privado.

A questão é mais polêmica quando diz respeito às prestadoras de serviços públicos. O art.
150, § 3º, da CR dispõe que as empresas públicas e sociedades de economia mista que re-
passem o valor da carga tributária aos custos do serviço público prestado não terão privilé-
gios tributários. Como normalmente as prestadoras de serviço público repassam a carga
tributária ao consumidor final, em geral elas não vão gozar de privilégios:

Art. 150, § 3º - As vedações do inciso VI, "a", e do parágrafo anterior não se aplicam ao

patrimônio, à renda e aos serviços, relacionados com exploração de atividades econômi-

cas regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos privados, ou em que haja contra-

prestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário, nem exonera o promitente

comprador da obrigação de pagar imposto relativamente ao bem imóvel.

A ECT também terá tratamento diferenciado sobre esse tema. Como ela ganhou status de
Fazenda Pública, fará jus à imunidade tributária recíproca, como ocorre com as autarquias.

4.5.3.5 – regras processuais

Ao contrário do quanto estudado relativamente às autarquias, as empresas públicas e socie-


dades de economia mista não têm privilégios processuais. Ou seja, não há qualquer trata-
mento ou prazo diferenciado para essas pessoas.

4.5.3.6 – regime falimentar

72
Por serem pessoas jurídicas com tratamento misto e sujeitas a regras de direito privado,
surge a dúvida sobre se as empresas públicas e sociedades de economia mista estariam ou
não sujeitas ao regime falimentar. Com o advento da Lei 11.101/2005, a ideia hoje é que
tanto a empresa pública quanto a sociedade de economia mista não estão sujeitas ao regi-
me de falência (independentemente de sua atividade).

Antes, alguns autores faziam uma distinção de tratamento entre as empresas que realiza-
vam serviços públicos (as quais não estavam sujeitas à falência) e aquelas destinadas à ativi-
dade econômica (que, por sua vez, estariam sujeitas à falência). Mas, hoje, essa distinção
não existe mais, porque a Lei de Falência deixa de fazer essa diferenciação em relação à
atividade exercida pela empresa. Celso Antônio Bandeira de Mello ainda traz essa distinção
antiga, relativa ao regime da antiga Lei de Falências.

4.5.3.7 – regime de pessoal

Quem trabalha nas empresas públicas e sociedades de economia mista é servidor público?
As empresas públicas e sociedades de economia mista, vale lembrar, são pessoas jurídicas
de direito privado, de modo que quem trabalha nessas empresas não é considerado servi-
dor público. Isso porque apenas aqueles que trabalham em pessoas de direito público é que
recebem a denominação de servidores públicos.

Assim, fala-se que os trabalhadores dessas empresas são agentes públicos. Nessas empre-
sas, adota-se um regime próprio e os trabalhadores são denominados de “servidores de
entes governamentais de direito privado”. Isso significa que eles são empregados, sujeitos
ao regime da CLT.

Entretanto, esses empregados, embora não sejam servidores públicos, se equiparam aos
servidores públicos (recebendo, portanto, o mesmo tratamento) em alguns aspectos:

i) concursos públicos:

Trata-se do mesmo regime dos servidores públicos.

ii) teto remuneratório:

Veja que os servidores de entes governamentais de direito privado estarão sujeitos a teto
remuneratório, salvo quando essas empresas não dependerem de repasse da administração
direta para o custeio (custeio significa pagamento de despesas com manutenção, custos
diários).

73
Em outras palavras, enquanto a empresa pública e a sociedade de economia mista depende-
rem da administração direta para seu custeio, elas terão de cumprir as regras da administra-
ção direta e estarão sujeitas a teto (dos Ministros do STF). Por outro lado, se a empresa
“caminhar com as próprias pernas” e não depender do repasse para custeio, ela não se su-
jeitará ao teto.

iii) regime da não acumulação:

No Brasil, a regra geral é de que não é possível acumular cargos e empregos. Excepcional-
mente, essa acumulação será possível, quando a Constituição autorizar.

iv) trabalhadores enquadram-se no conceito de funcionário público para fins penais:

Aquele que trabalha em empresa pública ou sociedade de economia mista é considerado


funcionário público para fins penais. Lembrando que o conceito de funcionário público para
fins penais está previsto no art. 327 do CP:

Art. 327 - Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transi-

toriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública.

v) trabalhadores estão sujeitos à Lei de Improbidade (Lei 8.429/1992);

vi) trabalhadores estão sujeitos aos remédios constitucionais (MS, ação popular, etc.):

Por outro lado, no que se refere à dispensa, o empregado da empresa pública ou sociedade
de economia mista terá tratamento diferente daquele conferido aos servidores públicos.
Para que haja a dispensa de um servidor público, normalmente é preciso um processo admi-
nistrativo, em que se garanta o contraditório e a ampla defesa. No caso do empregado da
empresa pública e da sociedade de economia mista, não será necessário justificar o motivo
da dispensa.

Segundo a súmula 390 do TST, tais empregados não têm a estabilidade prevista no art. 41,
da CR. Completando essa ideia de ausência de estabilidade, o TST publicou a OJ 247, segun-
do a qual a dispensa do empregado poderá ser imotivada:

Súmula 390 - Estabilidade - Celetista - Administração Direta, Autárquica ou Fundacional -

Empregado de Empresa Pública e Sociedade de Economia Mista

I - O servidor público celetista da administração direta, autárquica ou fundacional é bene-

ficiário da estabilidade prevista no art. 41 da CF/1988. (ex-OJ nº 265 da SDI-1 - Inserida

em 27.09.2002 e ex-OJ nº 22 da SDI-2 - Inserida em 20.09.00)

II - Ao empregado de empresa pública ou de sociedade de economia mista, ainda que

74
admitido mediante aprovação em concurso público, não é garantida a estabilidade previs-

ta no art. 41 da CF/1988. (ex-OJ nº 229 - Inserida em 20.06.2001)

OJ 247 - SERVIDOR PÚBLICO. CELETISTA CONCURSADO. DESPEDIDA IMOTIVADA. EMPRE-

SA PÚBLICA OU SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. POSSIBILIDADE. Inserida em

20.06.2001 (Alterada – Res. nº 143/2007 - DJ 13.11.2007)

I - A despedida de empregados de empresa pública e de sociedade de economia mista,

mesmo admitidos por concurso público, independe de ato motivado para sua validade;

II - A validade do ato de despedida do empregado da Empresa Brasileira de Correios e Te-

légrafos (ECT) está condicionada à motivação, por gozar a empresa do mesmo tratamento

destinado à Fazenda Pública em relação à imunidade tributária e à execução por precató-

rio, além das prerrogativas de foro, prazos e custas processuais.

Isso pode até parecer estranho, já que se exige que o empregado preste concurso público
para ingressar nessas empresas. Mas é o entendimento do TST sobre o tema.

No entanto, como se percebe da própria OJ 247, no caso da ECT, o tratamento do pessoal


será um pouco diferenciado. A ECT tem natureza de empresa pública. Mas, por prestar ser-
viço exclusivo, recebe um tratamento diferenciado (de fazenda pública), conforme entendi-
mento consagrado pela ADPF 46. Ou seja, a ECT recebe tratamento próximo ao das pessoas
jurídicas da administração pública direta.

Em razão desse tratamento diferenciado, a ECT ganhou algumas regras próprias: além da
impenhorabilidade, da garantia das dívidas pelo regime de precatórios e da imunidade tribu-
tária recíproca no que concerne aos impostos, a dispensa dos empregados da ECT não pode-
rá ser livre, ou seja, ela deverá ser motivada.

Essa matéria já foi objeto de discussão em sede de repercussão geral (RE 589.998). Reco-
nheceu-se que, pelo tratamento diferenciado conferido à ECT, a dispensa dos empregados
deverá ser motivada. Essa matéria já foi decidida, inclusive no mérito, pelo STF.

4.6 – Consórcios públicos

4.6.1 – introdução

A maioria dos autores brasileiros inclui os consórcios públicos como entes que compõem a
administração pública indireta. Seguindo a linha desses doutrinadores, serão tratados den-
tro deste tópico “4 – Administração Indireta”, a despeito de se tratar de um assunto que
depende da compreensão da matéria relativa aos contratos da administração.

75
Os consórcios públicos surgiram com a Lei 11.107/2005. Já foi um tema bastante exigido em
prova, mas hoje é menos recorrente, até porque os consórcios públicos acabaram não sendo
muito utilizados, na prática administrativa.

4.6.2 – convênios e consórcios na Lei 8.666/1993

No ordenamento jurídico brasileiro, havia os institutos chamados convênios e consórcios,


previstos no art. 116 da Lei 8.666/1993:

Art. 116. Aplicam-se as disposições desta Lei, no que couber, aos convênios, acordos,

ajustes e outros instrumentos congêneres celebrados por órgãos e entidades da Adminis-

tração. (...)

Eles eram constituídos para interesses convergentes e para finalidades comuns. Ex.: é co-
mum as universidades públicas executarem seus programas de estágio por meio de convê-
nios ou consórcios.

Os convênios, portanto, segundo a Lei 8.666/1993, vinham da reunião de pessoas jurídicas


de espécies diferentes (entes públicos e privados, administração direta e indireta etc.). Não
precisava se tratar de um convênio somente entre entes públicos, portanto.

Por outro lado, os consórcios exigiam a presença de pessoas jurídicas da mesma espécie
(entes públicos somente poderiam contratar com entes públicos, autarquias somente com
autarquias, estados com estados, municípios com municípios etc.).

Esses convênios ou consórcios, portanto, eram uma reunião de esforços, para uma finalida-
de comum, mas não criavam uma nova pessoa jurídica. Essa reunião de esforços era consti-
tuída através de um plano de trabalho, o qual tem todos os seus elementos disciplinados no
art. 116 da Lei 8.666/199328.

Esses convênios e consórcios da Lei 8.666/1993 são diferentes dos chamados consórcios
públicos, da Lei 11.107/2005, que serão analisados no tópico seguinte.

O plano de trabalho não exige prévia autorização legislativa, em razão da independência dos
poderes. O STF já se pronunciou pela inconstitucionalidade dessa obrigatoriedade na ADI

28 Recomenda-se a leitura completa do dispositivo.

76
342. Não obstante, assinado o convenio ou consórcio, é preciso que seja dada ciência à Casa
Legislativa. Veja que não há necessidade de lei prévia.

No que diz respeito ao plano de trabalho, no art. 116 da Lei 8.666, há alguns requisitos que
devem estar presentes:

i) identificação do objeto;

ii) metas a serem atingidas;

iii) etapas ou fases de execução;

iv) plano de aplicação dos recursos financeiros;

v) cronograma de desembolso. Ex.: se o Estado vai financiar uma pesquisa, é preciso orçar o
quanto será desembolsado por mês;

vi) previsão de início e fim da execução do objeto, bem como da conclusão das etapas ou
fases programadas;

Haverá controle pelos órgãos específicos e fiscalização pelo Tribunal de Contas. Os gastos
dar-se-ão de acordo com o plano de aplicação de recursos, que deve ser observado com
rigor. O orçamento não pode ser utilizado para finalidade diversa, ainda que haja necessida-
de.

Desobedecido o plano de aplicação de recursos, caso não tenha havido comprovação da boa
aplicação da parcela anterior, não há liberação da parcela seguinte; havendo desvio de fina-
lidade, também não haverá liberação da parcela subsequente; o plano de aplicação de re-
cursos é comprometido quando há atraso na execução das etapas do plano (o dinheiro não
sai da forma como deveria); as práticas atentatórias aos princípios da administração pública
acarretam consequências negativas ao plano, com a contenção da liberação financeira.

Durante a execução dos trabalhos, é possível que algumas medidas saneadoras sejam utili-
zadas em caso de aplicação divergente dos recursos. O partícipe não pode deixar de obser-
var as medidas sancionadoras.

É possível que no convênio ou consórcio restem alguns saldos. Esses saldos – dinheiro ainda
não utilizado – devem ser guardados em caderneta de poupança.

Não havendo a utilização da forma como prevista em um determinado período de aplicação,


o recurso deverá ser devolvido, em obediência ao plano de aplicação de recursos.

77
A extinção do convênio e do consórcio pode ser feita por denúncia ou rescisão. Extinto, deve
haver a devolução do saldo remanescente e a tomada de contas. Atente para o fato de que
esse vínculo jurídico não leva à criação de uma nova pessoa jurídica.

4.6.2 – consórcios públicos da Lei 11.107/2005

Consórcio Público representa a reunião de entes políticos (veja que eles não têm de ser da
mesma natureza, mas têm de ser políticos). União, estados, municípios e DF reúnem-se para
uma gestão associada (uma finalidade comum, uma cooperação).

Esses entes realizam um documento, chamado de “protocolo de intenções”. O protocolo de


intenções é levado ao Poder Legislativo em cada ente do consórcio, e tem de ser aprovado
por lei. Aprovado o protocolo em lei, os entes celebram o chamado “contrato de consórcio”.

O protocolo de intenções é que define como será o trabalho. Constituído o contrato de con-
sórcio, nasce uma nova pessoa jurídica, que é chamada de “associação”.

A associação não se confunde com o ente político, podendo ter natureza jurídica pública ou
privada. Ou seja, pode ser pessoa jurídica de direito público, hipótese em que será uma es-
pécie de autarquia (seguindo, portanto, toda a disciplina inerente ao regime jurídico das
autarquias) ou uma pessoa jurídica de direito privado, hipótese em que seu regime jurídico
será híbrido, misto (e não propriamente privado), que é estabelecido pela própria Lei
11.107/2005. Trata-se de um regime próximo (mas não idêntico) ao das empresas públicas e
sociedades de economia mista. Vale ressaltar, essa associação não é espécie de empresa
pública ou sociedade de economia mista. Ela apenas seguirá o mesmo regime misto aplicá-
vel a essas empresas.

Em qualquer dos casos, essa associação é uma nova pessoa jurídica que compõe a adminis-
tração indireta.

Quem gerirá o consórcio, administrando os objetivos comuns, é a própria associação.

4.6.3 – protocolo de intenções

A Lei 11.107/2005 traz as cláusulas necessárias do protocolo de intenções. Devem necessa-


riamente constar do protocolo de intenções:

i) denominação;

ii) finalidade;

iii) prazo;

78
iv) sede;

v) identificação dos entes que participam do consórcio;

vi) área de atuação:

A lei traz alguns parâmetros acerca da área de atuação. Se a União faz parte dele, a área de
atuação será todo o território nacional. Se o consórcio é constituído por dois municípios, a
área será a dos respectivos municípios. Se o consórcio é constituído por estado e alguns
municípios, a área de atuação será a do estado. Se entre estados e/ou DF, será a área dos
estados e/ou DF. Se entre municípios e DF, a área de atuação será a do DF e a dos municí-
pios.

vii) natureza jurídica da associação:

Como visto, o protocolo de intenções terá de definir se a natureza jurídica da associação


será pública ou privada.

viii) representação do consórcio:

O protocolo terá de definir quem representará o consórcio, por exemplo, por ocasião da
celebração de um contrato.

ix) regras relativas à assembleia geral (ex.: forma de convocação, periodicidade de convoca-
ção, última instância etc.);

x) regras sobre a escolha dos dirigentes (o protocolo tem de definir a regra de eleição dos
dirigentes);

xi) definição da duração do mandato do representante;

xii) possibilidade de celebração de contrato de gestão (com uma OS) e de termo de parceria
(OSCIP);

xiii) participação e responsabilidade de cada ente na gestão associada;

xiv) obrigação de cumprimento das regras de contrato;

xv) regras de votação.

4.6.4 – poderes da associação

Nascida a associação, com a constituição do consórcio, ela poderá:

79
i) firmar contratos, convênios e acordos;

ii) receber auxílios, contribuições e subvenções;

iii) promover desapropriações e instituir servidões;

iv) ser contratada por entes da administração, direta ou indireta;

v) fazer cobrança de tarifa (instituindo, inclusive, documentos para essa cobrança);

vi) realizar cessão de servidores.

4.6.5 – licitação e controle pelo Tribunal de Contas

O consórcio público tem regras especiais, no que diz respeito à licitação, que serão analisa-
das por ocasião do estudo da licitação (dispensa em razão do consórcio, dispensa com valo-
res diferenciados etc.).

O consórcio público é controlado pelo Tribunal de Contas e a sua extinção tem de ser apro-
vada por lei de cada ente consorciado.

4.6.6 – novos contratos administrativos

Como será estudado, há diversas espécies de contratos administrativos. Com a Lei


11.107/2005, além daqueles contratos, surgiram novas espécies:

i) contrato de consórcio público:

Esse consórcio nada mais é do que um novo contrato administrativo que leva ao nascimento
da associação.

ii) contrato de programa:

O contrato de programa ocorre quando um ente da Federação celebra um contrato com um


consórcio. Há a associação de um lado – o consórcio público – e, do outro, o ente público. É
um contrato em que um ente da Federação contrata com uma associação.

Além desses dois contratos administrativos, surgiram com a Lei 11.107/2005 novas regras de
licitação, como mencionado.

80
ENTES DE COOPERAÇÃO

Neste tópico, serão estudados os entes que estão fora da administração pública, mas que
colaboram com ela. Com efeito, existem no Brasil algumas organizações não governamen-
tais que cooperam com o Estado. Quando isso acontece, a ONG recebe o nome de ente de
cooperação.

1 – ONG’s: entes do terceiro setor

Inicialmente, importante destacar que aquela célebre distinção entre primeiro, segundo e
terceiro setores serve muito mais à Economia que ao Direito. De acordo com ela, o primeiro
setor seria o Estado, na sua atuação econômica. No segundo setor, estariam as empresas da
iniciativa privada. E, no terceiro setor, as ONG’s.

Note que há ONG’s que colaboram e outras que não colaboram com o Estado. Somente
aquelas são denominadas de entes de cooperação.

A Economia já reconhece um quarto setor, em que se inseriria a pirataria, a economia in-


formal e toda a forma de criminalidade. Isso porque essas atividades já representam uma
parcela considerável da economia brasileira.

2 – Serviços Sociais Autônomos (o Sistema “S”)

Os entes de cooperação são pessoas jurídicas de direito privado que estão fora da adminis-
tração pública. Eles são também denominados de “entes paraestatais” ou de “terceiro se-
tor”.

Entre os entes de cooperação, aqueles que mais costumam ser cobrados em concursos são
os denominados “serviços sociais autônomos”.

2.1 – Finalidade

Serviço social autônomo também recebe o nome de “Sistema S”, porque nele se inserem
Sesc, Senai, Sebrae, Senac, etc.

O membro do “Sistema S” é pessoa jurídica de direito privado que colabora com o Estado,
fomentando as diversas categorias profissionais (indústria, comércio, transporte etc.). Esse
fomento se dá por meio de formação (cursos de formação, aperfeiçoamento, atualização)
ou de assistência (médica, odontológica, atividades de lazer etc.).

Importante atentar para o fato de que as entidades do “Sistema S” não prestam efetivamen-
te um serviço público, mas apenas auxiliam no desenvolvimento da indústria, do comércio,

81
etc. E mais, essas entidades não têm por finalidade obter lucro (embora isso incidentalmen-
te possa ocorrer).

2.2 – Receita

O “Sistema S” pode viver de duas receitas diferentes:

i) dotação orçamentária:

É possível que os entes do “Sistema S” recebam dinheiro diretamente do Estado, via recur-
sos orçamentários.

ii) contribuição parafiscal:

O “Sistema S” é beneficiário de um instituto chamado parafiscalidade.

Neste ponto, é importante realizar a distinção entre capacidade e competência tributária.


Competência tributária é o poder/aptidão para criar/instituir tributos. Ela é indelegável e
somente os entes políticos (União, Estados, DF e Municípios) a possuem. Já a capacidade
tributária é a aptidão para cobrar tributos.

A arrecadação é delegável, ou seja, pode ser transferida para outros entes. E a delegação
dessa capacidade é o que se chama de parafiscalidade. O Estado delega a capacidade a
quem persegue o interesse público.

O “sistema S” é beneficiário da parafiscalidade porque tem o poder de cobrar tributos (a


denominada “contribuição parafiscal”). Trata-se de sua principal receita.

2.3 – Controle pelo Tribunal de Contas e sujeição à Lei 8.666/1993

Como mencionado, os membros do Sistema “S” são pessoas jurídicas que estão fora da ad-
ministração. Mas, por cobrarem tributos e receberem dotação orçamentária, estão sujeitos
a controle pelo Tribunal de Contas.

Consequentemente, as pessoas do “Sistema S” estão sujeitas às regras de licitação. Isso por-


que o art. 1º da Lei 8.666/1993 diz que se submetem a esse diploma legal as pessoas da
administração direta e indireta e os entes controlados, direta ou indiretamente pelo Poder
Público:

Art. 1o (...) Parágrafo único. Subordinam-se ao regime desta Lei, além dos órgãos da ad-

ministração direta, os fundos especiais, as autarquias, as fundações públicas, as empresas

públicas, as sociedades de economia mista e demais entidades controladas direta ou indi-

82
retamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios.

Se o Tribunal de Contas fiscaliza as pessoas do “Sistema S”, elas são entidades controladas e,
portanto, sujeitas à lei de licitação.

Apesar de as pessoas do “Sistema S” deverem licitar, elas estão sujeitas ao denominado


“procedimento simplificado do Sistema S”. Aliás, o Tribunal de Contas admite esse sistema
simplificado.

2.4 – Privilégios

No mais, as pessoas do “Sistema S” não são dotadas de privilégios e seguem o regime de


pessoas jurídicas de direito privado comuns. Assim, elas não gozam de privilégios tributários,
processuais, etc. Além disso, os empregados são contratados pelo regime da CLT (emprega-
do privado).

3 – Organizações Sociais (“OS”)

As organizações sociais não são vistas com bons olhos. Imagine que, na Administração, havia
um órgão “X” que estava sucateado, acabado, ineficiente. O administrador resolve extinguir
a estrutura dele e transferir essa atividade para uma pessoa privada (a organização social).

A organização social nasce, então, da extinção de uma estrutura da administração. Com um


detalhe: ela leva o pessoal, os bens e a atividade desse órgão. Veja, a organização social é
pessoa de direito privado, que está fora da administração e, portanto, não se submete a
uma série de controles. Ainda assim, ela tem bens públicos, servidores públicos trabalhando
nela e, mais do que isso, recebe recurso orçamentário. Além de tudo isso, o administrador
público interfere na gestão dessa organização.

Na verdade, esse é um “jeitinho à brasileira” de desviar dinheiro público, aplicando-o em


entes privados. Por isso, a maioria da doutrina critica tanto as organizações sociais.

Cumpre notar que os concursos públicos costumam chamar as Organizações Sociais por suas
iniciais, usando apenas a locução “OS”.

3.1 – Previsão Legal

As organizações sociais estão previstas na Lei 9.637/1998.

3.2 – Contrato de gestão

83
Como visto, a OS nasce a partir da extinção de estruturas da administração pública. Ela re-
cebe a atividade ou serviço que era desempenhado pelo órgão extinto, através de um con-
trato de gestão.

O contrato de gestão transfere para a OS: i) dotação orçamentária; ii) utilização de bens
públicos; e iii) servidores públicos que trabalhavam no órgão extinto.

O que mais se critica é que não se exige que a OS tenha uma experiência prévia, que ela
tenha uma “vida” anterior no mercado. Na verdade, a OS nasce do contrato de gestão, isto
é, nasce a partir da extinção de uma estrutura da administração.

3.3 – Conselho de administração

A OS é administrada pelo denominado Conselho de Administração, composto por pessoas


privadas (particulares) e com a interferência de administradores públicos. Essa interferência
do administrador na gestão da OS também gera muitas críticas.

3.4 – Controle pelo Tribunal de Contas e dispensa de licitação

Pelo fato de as OS’s receberem dotação orçamentária (dinheiro público), elas estão sujeitas
a controle pelo Tribunal de Contas. No entanto, elas foram beneficiadas com a dispensa de
licitação.

Como estudado, entes controlados têm que licitar. Logo, essa situação da OS é uma exceção
à regra vista acima, porque ela tem a prerrogativa de dispensa de licitação. Essa hipótese foi
introduzida na Lei 8.666/1993 pela Lei 9.648/1998 (art. 24, XXIV):

Art. 24. É dispensável a licitação: (...)

XXIV - para a celebração de contratos de prestação de serviços com as organizações soci-

ais, qualificadas no âmbito das respectivas esferas de governo, para atividades contem-

pladas no contrato de gestão. (Incluído pela Lei nº 9.648, de 1998)

Esse dispositivo diz que haverá dispensa de licitação dos contratos decorrentes do contrato
de gestão. Isso significa que não se deve licitar aquilo que for consequência do contrato de
gestão.

É importante observar que a OS e a dispensa de licitação estão sendo objetos de controle de


constitucionalidade. Essa matéria está sendo discutida na ADI 1.923. O Supremo ainda não
julgou esse tema, mas como as OS’s são muito criticadas, é possível que ele declare a incons-
titucionalidade de toda a lei que as disciplina. A cautelar foi indeferida, por ausência do peri-
culum in mora.

84
4 – Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (“OSCIP”)

Cuidado: normalmente, o concurso se refere a essa entidade usando a forma abreviada,


“OSCIP”.

4.1 – Previsão Legal

A OSCIP está prevista na Lei 9.790/1999:

Art. 1º Podem qualificar-se como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público as

pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, desde que os respectivos objeti-

vos sociais e normas estatutárias atendam aos requisitos instituídos por esta Lei.

4.2 – Termo de parceria

Imagine que, na administração pública, haja um departamento de informática no órgão “X”,


que está muito antigo, desatualizado e precisando de uma modernização. Seria necessário
adquirir novos computadores, bem como contratar novos digitadores, programadores etc.
Se a administração pública fosse fazer tudo isso sozinha, ela teria que abrir uma licitação
para comprar os computadores. Depois, teria de fazer nova licitação para contratar os pro-
gramadores. E deveria ser feita uma nova licitação para contratar empresa com digitadores
(ou até mesmo realizar concursos para contratar pessoal).

Para evitar tudo isso, é possível que a administração faça um projeto de modernização da-
quele departamento deficitário. Em seguida, ela busca uma OSCIP que traga a execução
desse projeto (máquinas, digitadores e programadores). Assim, será celebrado com a OSCIP
o chamado “termo de parceria”.

O termo de parceria é uma espécie de contrato, que vai se destinar especificamente à con-
secução daquele projeto de modernização. Uma vez encerrado o projeto, o vínculo com a
OSCIP se extingue. Ou seja, a OSCIP ingressa para a realização de um projeto específico, ela
não fica enraizada na administração.

A ideia da OSCIP é muito boa, o problema é a aplicação dela na prática. O que tem aconteci-
do é que os administradores simulam a existência de um projeto (o qual, na verdade, não
existe). E, em seguida, celebram um termo de parceria com uma OSCIP, que vai trazer mão-
de-obra para a administração. Isso é feito para burlar a contratação de pessoal, evitando a
realização de concursos. Com isso, há fraude ao dever de concurso. Em razão disso, vem
trabalhar na administração quem o administrador quiser, porque não haverá realização de
concurso (já que a contratação se faz diretamente pela OSCIP).

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O Ministério do Trabalho está de olho nessa situação e vem atuando para a extinção dos
termos de parceria, porque se está fraudando o concurso público. Em Alagoas, havia pessoal
da OSCIP trabalhando em vários setores, sem realização de concurso público para a contra-
tação de pessoal.

Observe que, ao contrário do que acontece com a OS, para que a OSCIP celebre o termo de
parceria com a administração, se exige que ela tenha experiência naquele ramo de atividade
há pelo menos um ano.

4.3 – Áreas de atuação da OSCIP

É possível que a OSCIP atue nas seguintes áreas: i) assistência social; ii) cultura; iii) patrimô-
nio histórico e artístico; iv) meio ambiente; e v) desenvolvimento econômico e social. São,
portanto, situações específicas/determinadas.

4.4 – Receita

O termo de parceria pode conferir à OSCIP recurso público. Trata-se de uma contrapresta-
ção/pagamento pelos serviços prestados por ela. Note que a OSCIP não está sujeita à dota-
ção orçamentária, ao contrário do que ocorre com a OS. Além disso, não se transferem bens
nem há cessão de servidores públicos.

4.5 – Gestão

A gestão da OSCIP é privada, não havendo ingerência do administrador público. Assim, o


regime é completamente privado.

4.6 – OSCIP vs. OS

Importante atentar para não confundir OSCIP e OS, porque são figuras parecidas. Nas OS, o
vínculo jurídico com o Estado se forma por meio do contrato de gestão. Já na OSCIP, há o
denominado termo de parceria para a realização de um projeto específico/determinado.

A OS recebe dotação orçamentária, bens públicos e cessão de pessoal, pois ela nasce da
extinção de um órgão público sucateado (é um “monstrinho jurídico”). Já a OSCIP vai se des-
tinar à consecução de um projeto determinado e receber recurso público como pagamento
pelo serviço prestado (muito mais séria e nobre).

Para a OS, não se exige uma experiência prévia no mercado e a gestão se faz por meio do
conselho de administração (composto por particular e administradores públicos). Na OSCIP,

86
é exigida experiência prévia de um ano naquele ramo de atividade e, por outro lado, não há
ingerência do administrador público (a administração é puramente privada).

Por conta dessas distinções, a doutrina tem aceitado muito melhor a figura da OSCIP que a
da OS. Lembrando que, na OSCIP, o ponto ruim é seu uso indevido para suprir mão de obra
(fraudando concursos públicos).

5 – Entidades de apoio

5.1 – Criação e natureza jurídica

Todos já ouviram falar de situações em que alguém paga pela pós-graduação em uma uni-
versidade pública. Ou, ainda, da situação do sujeito que recebe uma bolsa para fazer mes-
trado na universidade pública. Tudo isso é possível graças às entidades de apoio.

Hoje, no Brasil, as universidades públicas e os hospitais públicos estão abandona-


dos/sucateados. Em razão disso, os servidores se reúnem e constituem uma pessoa jurídica
de direito privado denominada de entidade de apoio. Essas pessoas jurídicas ganham natu-
reza de fundação ou associação de direito privado e funcionam dentro da própria universi-
dade/hospital.

Quem trabalha nessa fundação ou associação é o próprio servidor da universidade ou do


hospital. Essas entidades de apoio servem para incentivar a pesquisa. Normalmente, hoje,
elas negociam cursos de qualificação e pós-graduação com o objetivo de reverterem o di-
nheiro obtido para o financiamento das bolsas para os alunos de mestrado e doutorado
(financiando as pesquisas e as teses).

Veja que são vendidos alguns cursos e atividades dentro da própria universidade, mas quem
o faz é a entidade de apoio, e não a universidade em que está inserida (porque a universida-
de, como é pública, não pode vender cursos, mas ela dá o título/chancela o curso).

A ideia é boa. Trata-se de um “jeitinho à brasileira” de suprir uma omissão do Estado. Isso
porque quem deveria financiar a pesquisa é o próprio Estado, mas ele não o faz.

Há pouco tempo, foi noticiado um caso de um dirigente da FINATEC (UNB) que usou o di-
nheiro destinado à pesquisa para comprar e mobiliar seu apartamento.

O problema das entidades de apoio está justamente aí: a ideia é boa, mas a gestão e a im-
plementação são mal feitas. São pessoas privadas que utilizam recursos, sede e trabalhado-
res da pessoa pública, mas, na hora de gastarem, o fazem como pessoas privadas (sem toda
a fiscalização e o controle do poder público).

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5.2 – Objetivo

O objetivo da entidade de apoio não é realizar serviço público. Ela vai se destinar, principal-
mente, às atividades de incentivo à pesquisa dentro de universidades e hospitais públicos
(em especial, elas funcionam mais nas universidades).

5.3 – Convênio

Como visto, as entidades de apoio são associações ou fundações de direito privado forma-
das pelos servidores do próprio hospital ou universidade públicos. Elas celebram convênio
para cooperar com o Estado, convênio esse que permite que as entidades atuem dentro da
Universidade ou do Hospital.

Lembrando que o ponto crítico é que a entidade não adquire um espaço ou bens próprios,
mas se utiliza de espaço e bens da Universidade (elas usam uma sala dentro da própria Uni-
versidade). Ocorre que, por ser pessoa de direito privado, não se submete ao controle pró-
prio da administração, o que pode gerar fraudes. Além disso, quem trabalha na entidade é
servidor público da universidade (não há contratação de pessoal próprio).

5.4 – Previsão Legal

A entidade de apoio só foi legislada até agora para a universidade pública e a legislação so-
bre a matéria é bastante restrita (a Lei é a 8.958/1994). A situação dos hospitais é pior, por-
que não há lei tratando da questão.

5.5 – Exemplos

Normalmente, as universidades grandes (como a UNB) têm mais de uma entidade de apoio.
Ex.: FINATEC, FAPEP, FAPEAL, FUSP, CERT.

88
PODERES DA ADMINISTRAÇÃO

1 – Conceito

Poderes da administração são prerrogativas, instrumentos, ferramentas que ela possui para
perseguir o interesse público. Alguns autores preferem chamá-los de “poderes administrati-
vos” (expressões sinônimas). São exemplos de poderes da administração o poder regula-
mentar e o poder de polícia.

Eles não se confundem com os “Poderes do Estado”, elementos orgânicos ou organizacio-


nais do Estado, que fazem parte da estrutura estatal (Legislativo, Executivo e Judiciário).

Imagine que um servidor público, exercendo função pública, pratica uma infração funcional.
Ele tem de ser processado e, ao final, punido (com pena de demissão, por exemplo). O po-
der de impor essa decisão é o poder disciplinar, um instrumento dado ao administrador. Tal
ferramenta se concretiza com a prática de atos administrativos.

O sujeito que pratica uma infração de trânsito recebe uma sanção. O poder de polícia é a
ferramenta que permite a aplicação dessa multa.

Veja que o poder enquanto prerrogativa é algo abstrato. Quando o administrador materiali-
za esse poder, ele concretiza sua ação através da realização de atos administrativos.

2 – Características dos poderes da administração

2.1 – Exercício obrigatório

Apesar da palavra “poder”, não se trata de uma faculdade conferida ao administrador. O


poder é de exercício obrigatório. Trata-se, portanto, de um “poder-dever”, uma obrigação
de fazer, e não de uma mera liberalidade. Caracterizado o interesse público, o administrador
tem de agir.

2.2 – Irrenunciável

A administração não pode abrir mão dos poderes administrativos, não pode renunciar a
essas ferramentas. Se, durante o processo administrativo disciplinar, ficar provado que o
servidor é inocente, ele será absolvido. Essa decisão, todavia, não significa renúncia a um
poder (obviamente).

Essa irrenunciabilidade dos poderes administrativos é decorrência do princípio da indisponi-


bilidade do interesse público.

89
Com efeito, o administrador público exerce função pública (uma atividade em nome e no
interesse do povo). Se o interesse/direito/poder não é do administrador, ele não pode dele
dispor.

Perceba que se o administrador renuncia ao poder disciplinar, o próximo enfrentará diversos


obstáculos, em razão dessa renúncia. Assim, há um princípio segundo o qual o administrador
de hoje não pode prejudicar a futura administração. Ou seja, ele não pode criar entraves,
obstáculos para o administrador que o sucederá. Abrir mão de poder administrativo significa
comprometer o futuro, o que não se admite.

2.3 – Limitado pela lei

O poder administrativo tem de ser exercido dentro dos limites legais. Respeitar tais limites
significa observar regras de competência administrativa, as quais se encontram na CR ou na
legislação infraconstitucional.

Além de ser competente, a medida tomada pela autoridade tem de obedecer a um trinômio:
i) necessidade; ii) proporcionalidade; e iii) eficiência.

Se o administrador extrapola os limites da competência ele abusa no exercício do poder,


devendo ser responsabilizado. Perceba que a autoridade pública pode ser responsabilizada
tanto pela ação quanto pela omissão (lembre que o administrador também tem o dever de
agir).

No abuso de poder, a autoridade extrapola os limites legalmente impostos. Ele pode ocorrer
de duas formas:

i) excesso de poder:

Imagine que um Delegado, competente para prender alguém, recebe uma ordem de prisão
de determinado sujeito. Na ocasião, ele dá uma surra no preso, extrapolando os limites de
sua competência. Perceba que, no excesso de poder, autoridade “dá um passo a mais”. O
policial não pode dar uma surra no sujeito para obrigá-lo a realizar o teste do bafômetro.

O excesso de poder, portanto, ocorre quando a autoridade extrapola os limites de sua com-
petência.

ii) desvio de finalidade:

Alguns autores preferem chamar o desvio de finalidade de “desvio de poder”. Trata-se de


um vício ideológico, subjetivo, um defeito na vontade do administrador.

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Ex.: o Delegado recebe a ordem de prisão e percebe tratar-se de seu desafeto. Sabendo que
o sujeito irá se casar no sábado, retarda o cumprimento do mandado com o deliberado pro-
pósito de acabar com o casamento dele. A vontade do Delegado estava viciada, pois não era
somente de prender, mas de submeter ao sujeito a uma situação vexatória.

Em prova do CESPE, foi formulada a seguinte indagação: a filha de um Governador do Esta-


do, por ele tratada como uma princesa, arruma um namorado. Ele então descobre que o
sujeito era servidor público estadual e o remove para uma cidade distante. O Governador
teria competência para fazê-lo, mas nesse caso há desvio de finalidade.

O desvio de vontade, em geral, vem disfarçado. Há uma mera aparência de legalidade. Por
isso, sua comprovação é mais difícil (o que dificulta, por consequência, a punição do admi-
nistrador). Provar que a vontade estava viciada não é tarefa fácil.

3 – Classificação dos poderes administrativos conforme o grau de liberdade

Os autores mais modernos (como Celso Antonio Bandeira de Mello) não usam essa classifi-
cação. Eles dizem que ela serve para os atos administrativos, não para os poderes adminis-
trativos. Além disso, para esses autores, o poder será ora vinculado, ora discricionário, mas
não poderá ser exclusivamente vinculado ou discricionário.

A doutrina clássica, todavia, sempre usou a classificação.

3.1 – Poder vinculado

Poder vinculado é aquele em que o administrador não tem liberdade, não realiza juízo de
valor. Não há análise de conveniência e oportunidade. Preenchidos os requisitos legais, o
administrador é obrigado praticar o ato.

Ex.: servidor público com 60 anos de idade, tendo contribuído 35 anos, pede a sua aposen-
tadoria. A administração não possui liberdade para indeferir o pedido. Concessão de apo-
sentadoria é, portando, uma decisão vinculada.

Do mesmo modo, se determinado sujeito é aprovado em todos os testes, a administração


tem de deferir a licença para ele dirigir.

Para fins de concurso, é bom memorizar que os seguintes atos são vinculados: licença, ad-
missão, concessão e homologação.

3.2 – Poder discricionário

91
Ao contrário do vinculado, no poder discricionário há liberdade, juízo de valor, análise de
conveniência e oportunidade.

A conduta discricionária deve, todavia, observar os parâmetros (os limites) da lei, sob pena
de se tornar um ato arbitrário (ilegal), que tem de ser retirado do ordenamento jurídico.

A liberdade/discricionariedade, portanto, ocorre dentro dos parâmetros da lei.

Para fins de concurso, é bom memorizar que os seguintes atos são discricionários: autoriza-
ção, permissão e aprovação.

4 – Análise dos poderes em espécie

4.1 – Poder hierárquico

O poder hierárquico é também chamado por Celso Antonio de “poder do hierarca”. Concen-
tra-se no exercício da hierarquia.

No exercício do poder hierárquico, o administrador irá escalonar, estruturar, organizar os


quadros da administração, com o objetivo de estabelecer uma relação hierárquica.

Constituída essa relação hierárquica, quais são as consequências do exercício desse poder?

Se existe relação de hierarquia, um manda e o outro obedece. Dar ordens, portanto, é o


primeiro desdobramento do exercício do poder hierárquico. A partir do momento em que o
chefe dá uma ordem, automaticamente surge, como consequência e faculdade, o poder de
fiscalização da ordem dada. O controle do ato praticado é, portanto, decorrência do poder
hierárquico.

No exercício da sua competência, o chefe pode transferir, de seu núcleo de responsabilida-


des, determinadas obrigações para o subordinado. Está-se aqui falando em delegação como
consequência do poder hierárquico.

Além dela, é consequência da hierarquia a avocação de competências administrativas. O


administrador pode, portanto, tanto delegar como avocar o exercício de alguma atribuição
ou responsabilidade.

Outra decorrência da hierarquia é o poder-dever de revisão dos atos do seu subordinado.

A aplicação de penalidade (poder disciplinar) também é consequência da hierarquia. To-


mando ciência da infração funcional, a administração deve punir seu subordinado, após
regular processo administrativo.

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O aplicar sanção decorre da hierarquia, mas caracteriza também poder disciplinar. Perceba,
portanto, que o poder disciplinar (que será estudado a seguir) é decorrência do poder hie-
rárquico.

4.2 – Poder disciplinar

Como dito, o poder disciplinar é desdobramento (consequência) do exercício do poder hie-


rárquico. Ele permite a apuração e a aplicação de sanção pelo administrador em razão da
prática de infrações funcionais.

O poder disciplinar não atinge os particulares. A punição de infração de trânsito é oriunda do


poder de polícia, não do poder disciplinar. O poder disciplinar atinge aqueles que estão na
estrutura interna da administração pública.

Nos casos do Ministério Público, da Magistratura e da Defensoria Pública, existe indepen-


dência funcional no exercício da função. Todavia, as instituições possuem uma estrutura
interna que permite a aplicação de sanção disciplinar. Assim, apesar da independência fun-
cional no exercício da função, esses membros podem ser disciplinarmente punidos.

O exercício do poder disciplinar não é discricionário. Caso se descubra um desvio de R$


1.000.000,00 por um servidor, a autoridade deve instaurar o processo administrativo. Não
há faculdade, mas uma obrigação de agir, de investigar. A instauração do processo é, por-
tanto, uma decisão vinculada.

Todavia, em direito administrativo as infrações funcionais são definidas de forma diversa do


Direito Penal. Muitas vezes, a lei utiliza conceitos vagos, indeterminados. Ex.: há uma pena
para a prática de “conduta escandalosa”. A mulher que vai trabalhar de microssaia e top
pratica essa infração funcional? A resposta variará de acordo com o ambiente de trabalho da
funcionária: se trabalhar no TJ será; caso trabalhe de salva-vidas na praia, sua conduta não
será escandalosa. Outro exemplo: a punição da “ineficiência” também está atrelada à anali-
se do caso concreto.

Em razão dessa necessidade de realizar juízo de valor, decorrente da vagueza e indetermina-


ção dos conceitos utilizados, na verificação da existência da infração administrativa haverá
necessariamente um ato discricionário. Preencher o conceito indeterminado acaba sendo,
portanto, uma conduta discricionária.

Pois bem. Identificada a infração funcional, será aplicada a sanção a ela inerente. Aqui, não
há liberdade, pois a lei determina/define a sanção aplicável no caso concreto, de modo que
a aplicação da pena será uma atuação vinculada.

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Perceba que, no exercício do poder disciplinar, haverá momentos de atuação vinculada e
momentos de atuação discricionária. A discricionariedade ocorre somente na ocasião da
definição, do estabelecimento da infração. O poder disciplinar não será, portanto, sempre
discricionário, como querem os autores mais antigos (Hely Lopes Meirelles).

4.3 – Poder regulamentar

4.3.1 – noções gerais

Alguns autores preferem a terminologia “Poder Normativo” (Maria Sylvia), pois “regulamen-
tar” remete muito à ideia de “Regulamento”.

Poder regulamentar é o instrumento através do qual o administrador irá disciplinar, regula-


mentar, normatizar um determinado assunto, complementando a previsão legal, na busca
da sua fiel execução.

Exemplos: elencar as substâncias proibidas para o fim de caracterização do crime de tráfico.


Um ato que traga rol de substâncias proibidas complementa a previsão legal e permite sua
perfeita execução.

São exemplos de atos que caracterizam o exercício do poder regulamentar: i) Regulamentos;


ii) Portarias; iii) Resoluções; iv) Regimentos; v) Instruções; vi) Deliberações. O exemplo que
mais aparece na vida prática e nos concursos é o Regulamento.

4.3.2 – regulamento e decreto

Com efeito, o Regulamento é o principal instrumento concretizador do poder regulamentar.


“Regulamento” é a expressão técnica usada para os atos no exercício do poder regulamen-
tar. Ex.: regulamento disciplinando a venda de bebidas alcoólicas no Brasil.

O Regulamento precisa adotar um determinado formato. Esse modelo/moldura/formato


com que é publicado o regulamento é chamado de “Decreto”.

Quando normatiza, o decreto é chamado de regulamentar. Nesse caso ele terá o formato de
decreto e o conteúdo será a regulamentação.

Portanto, decreto é forma e regulamento é conteúdo. O ideal é chamar de decreto regula-


mentar (forma de decreto veiculando um regulamento). Mas vale observar que nem todo
decreto terá em seu conteúdo um regulamento (ele pode ter ou não um regulamento).

4.3.3 – leis e regulamentos

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Leis e regulamentos têm como semelhança o fato de serem normas abstratas, gerais. As
diferenciam, contudo, as seguintes características:

i) elaboração:

A elaboração da lei depende de um processo legislativo rigoroso, solene, formal (ser apro-
vada em duas Casas Legislativas e passar pela deliberação executiva). Já o Regulamento é
elaborado no gabinete do Executivo, a portas fechadas, sem a observância de um processo
solene e formal.

ii) representatividade:

A lei é resultado de uma ampla representatividade, oriunda das Casas onde elas são elabo-
radas. No Brasil, quem faz Regulamento é o Chefe do Executivo. Como dito, ele pratica o ato
sozinho, de portas fechadas.

Perceba, portanto, que veicular matéria por lei confere a ela uma segurança muito maior.

4.3.4 – tipos de decretos regulamentares

No Brasil e no direito comparado, há dois tipos de regulamento (de decretos regulamenta-


res):

i) decreto executivo:

O decreto executivo serve para complementar a lei, buscando sua fiel execução. Esse Regu-
lamento não inova o ordenamento jurídico, não cria obrigações. Ele somente complementa
o que já está na previsão legal.

Para normatizar determinado tema constitucional, elabora-se uma lei. Para a complementa-
ção e execução dessa lei, é feito um regulamento, que nesse caso será o decreto executivo
(art. 84, IV, da CR):

Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: (...)

IV - sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regula-

mentos para sua fiel execução;

ii) decreto autônomo (ou independente):

O decreto autônomo não serve para complementar simplesmente a previsão legal. Na ver-
dade, ele exerce o papel da lei (sem ser uma lei) e tem o poder de inovar o ordenamento
jurídico. Tem seu fundamento de validade da própria CR. Não precisa de lei anterior.

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Essa modalidade de decreto foi introduzida no Brasil pela EC 32/2001, que modificou o art.
84, VI, da CR:

Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: (...)

VI - dispor, mediante decreto, sobre:

a) organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento

de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos;

b) extinção de funções ou cargos públicos, quando vagos;

O dispositivo tem duas alíneas: organização dos cargos da administração e extinção de car-
gos vagos.

No Brasil, cargos devem ser criados por lei, que também define suas atribuições. Por parale-
lismo de formas, se é criado por lei, em tese o cargo também deve ser extinto do mesmo
modo. Todavia, a CR diz que se o cargo estiver vago, o Presidente pode extingui-lo por de-
creto. Esse decreto está, portanto, ocupando o lugar da lei.

Perceba que a regra sai da CR direto para o decreto. Ele tem o poder, como visto, de inovar
o ordenamento jurídico.

A doutrina é divergente no que diz respeito à admissibilidade desse decreto. Para a maioria
dos autores, ele é possível. Hely diz que pode sempre; Celso Antonio diz que não pode nun-
ca. O STF já decidiu sobre o assunto, admitindo o decreto regulamentar autônomo, todavia,
somente em caráter excepcionalíssimo e quando expressamente autorizado pela CR.

Para Marinela, apesar de a posição de Celso Antonio não ser majoritária, vale observar o
alerta feito por ele: a ferramenta é perigosa demais nas mãos do Presidente da República. O
Brasil ainda está “engatinhando” na democracia (ela não está consolidada no país). Basta
verificar o que ocorreu com as Medidas Provisórias de Fernando Henrique Cardoso.

4.4 – Poder de polícia

4.4.1 – noções gerais

Poder de polícia é a modalidade mais exigida em concurso.

Trata-se do poder através do qual o Estado limita, restringe, freia a atuação do particular,
em nome da satisfação do interesse público. A palavra-chave é o “bem-estar social”. O Esta-
do busca compatibilizar os interesses públicos e privados com vistas à realização do bem-
estar social.

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Ele basicamente atua condicionando dois direitos do particular: propriedade e liberdade.
Ex.: restrição da liberdade de correr com o carro, do direito de construir livremente etc.

No exercício do poder de polícia lícito (sem abuso), a administração não tem de indenizar o
particular pelas limitações impostas. O Estado-administração não retira o direito do particu-
lar, somente define a forma de exercitá-lo. Se esse direito não será retirado, não haverá
indenização.

O poder de polícia está definido pormenorizadamente no art. 78 do CTN. Isso teve de ocor-
rer porque a taxa de polícia tem justamente ele como hipótese de incidência:

Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando

ou disciplinando direito, interêsse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de

fato, em razão de intêresse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos cos-

tumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas de-

pendentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao

respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos. (Redação dada pelo Ato

Complementar nº 31, de 28.12.1966)

Parágrafo único. Considera-se regular o exercício do poder de polícia quando desempe-

nhado pelo órgão competente nos limites da lei aplicável, com observância do processo

legal e, tratando-se de atividade que a lei tenha como discricionária, sem abuso ou desvio

de poder.

O poder de polícia é fato gerador da taxa de polícia, um tributo vinculado à contraprestação


estatal. Isso significa que ela deve corresponder ao valor da diligência executada pelo Estado
(ele deve cobrar por aquilo que efetivamente gastou). Ex.: para a concessão de uma licença
para construir, a diligência da fiscalização ao local gerará um custo, que será cobrado do
particular.

O poder de polícia é concretizado através de atos administrativos, que podem ser de nature-
za normativa ou punitiva, como será analisado a seguir. Ele não incide sobre a pessoa do
particular, mas sobre os bens, direitos e atividades dele.

O poder de polícia é negativo. Na maioria das hipóteses, ele traz uma obrigação de não fazer
(uma abstenção). Não sempre, mas em regra será assim.

4.4.2 – formas de realização do poder de polícia

O poder de polícia pode realizar-se de três formas:

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i) preventiva:

Definir a velocidade de uma via é poder de polícia preventivo. Limitação de construção à


beira-mar busca proteger o ambiente, a ventilação da cidade.

ii) fiscalizadora:

A vertente fiscalizadora do poder de polícia é, por exemplo, a colocação de radar fotográfico


para aferir a velocidade e eventualmente multar os infratores. Também o fiscal de pesos e
medidas, ao conferir o peso das embalagens, está exercendo poder de polícia na forma fis-
calizadora.

iii) repressiva:

A realização repressiva do poder de polícia é a aplicação da sanção pelo descumprimento


das regras. Ex.: verificando o descumprimento das normas de pesos e medidas, o fiscal pode
apreender a mercadoria; o integrante da CET multa o infrator de trânsito.

4.4.3 – fundamento para o exercício do poder de polícia (importante)

Há determinados casos em que a atuação do Estado é resultado de uma relação jurídica (um
vínculo) pré-existente, denominado supremacia especial. Quando isso ocorre, não se trata
de poder de polícia.

Assim, no caso do particular que descumpre contrato celebrado com a administração e re-
cebe uma pena, do servidor que recebe pena de demissão por infração funcional ou da pena
de expulsão aplicada pelo diretor de uma escola ao aluno, não há atuação do poder de polí-
cia, pela existência daquele vínculo anterior.

No caso do poder de polícia, não existe vínculo anterior com a administração pública. O po-
der de polícia tem como fundamento a chamada supremacia geral, que representa a atua-
ção do poder público que não depende de relação jurídica anterior (ex.: controle alfandegá-
rio, controle da utilização de bebidas alcoólicas, fiscalização de pesos e medidas, controle da
velocidade em determinada via etc.).

No poder de polícia, o Estado age de forma indistinta em face de todos os cidadãos.

4.4.4 – delegação do poder de polícia

A orientação que prevalece é de que o poder de polícia não pode ser delegado ao particular.
Essa discussão foi travada no STF, ao julgar demanda envolvendo os Conselhos de Classe.
Uma lei deu a eles natureza de direito privado, tendo sido ajuizada a ADI 1717, buscando a

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declaração de que eles não teriam poder de polícia. O STF entendeu que delegar ao particu-
lar o poder de polícia compromete a segurança jurídica.

Todavia, é possível a delegação de atos preparatórios de poder polícia. Nesses casos, o po-
der de polícia em si não é delegado, mas somente os chamados atos materiais de polícia (os
atos mecânicos, instrumentais de polícia). Ex.: colocação de radares nas vias por empresas
privadas. O Estado pode contratar com uma empresa privada a instalação de radares para
fotografarem os infratores. O ato material antecede, prepara a atuação de polícia.

Assim, os atos materiais de polícia podem ser delegados. No caso de atos que demandem
tecnologia própria para executar a ordem do poder de polícia (ex.: dinamite para implodir
uma obra embargada), pode o Poder Público realizar a delegação. Tanto os atos materiais
anteriores (preparatórios) quanto os posteriores de polícia podem ser delegados.

4.4.5 – atributos do poder de polícia

Inicialmente, importante salientar que os atributos do poder de polícia não se confundem


com os atributos do ato administrativo. São eles:

i) discricionariedade (como regra):

O poder de polícia, como regra, será discricionário. A administração pode definir, por exem-
plo, a velocidade da via, a altura dos andares etc. Todavia, há excepcionalmente atuação do
poder de polícia de forma vinculada (ex.: licença para dirigir, para construir etc.).

Atenção! A autorização, que se parece muito com a licença, é discricionária (ex.: porte de
arma, transitar em determinado local não permitido etc.).

ii) autoexecutoriedade:

O poder de polícia é, em regra, autoexecutável. Autoexecutoriedade significa praticar o ato


independentemente do controle prévio pelo Poder Judiciário (ex.: fechamento do estabele-
cimento comercial, aplicação da multa de trânsito etc.).

A matéria é divergente, mas para a maioria dos autores, ela divide-se em dois elementos:
exigibilidade e executoriedade.

Exigibilidade significa decidir sem a presença (sem o controle prévio) do Poder Judiciário
(ex.: determinar o fechamento de estabelecimento comercial). Trata-se, aqui, de um meio
de coerção indireto. Todo o ato administrativo tem esse atributo.

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Executoriedade é a possibilidade de executar a decisão sem a participação do Poder Judiciá-
rio (ex.: ir ao local e fechar o estabelecimento comercial). Nem todo ato tem esse atributo.
Ela somente acontece nas hipóteses previstas em lei ou nas situações urgentes (ex.: desocu-
pação forçada das casas em risco de desabamento).

Assim, nem todo ato administrativo é autoexecutável, pois nem todos têm essa característi-
ca da executoriedade. Exemplo disso é a sanção pecuniária, que deve ser executada no Judi-
ciário.

iii) coercibilidade:

O poder de polícia se exerce de forma imperativa, coercitiva, instituindo uma obrigação.

Poder de polícia gera para a administração pública a “polícia administrativa”, conceituada


como a busca do bem-estar social, o exercício do poder de polícia. Ela não pode ser confun-
dida com a “polícia judiciária”, que diz respeito ao controle e contenção de condutas crimi-
nosas. A polícia administrativa é exercida por qualquer órgão da administração, o que não
ocorre com a polícia judiciária, que possui órgãos específicos para tanto.

100
ATOS ADMINISTRATIVOS

1 – Considerações iniciais

Ato administrativo é dos temas mais polêmicos do Direito Administrativo e muito cobrado
em prova. Seu estudo é essencial, pois quase tudo o que a administração faz é ato adminis-
trativo.

Aqui, será estudada a doutrina majoritária. Celso Antônio Bandeira de Mello tem posição
bastante diferente das demais e é minoritário. Pode-se segui-lo, mas é importante estudar a
posição da maioria. A posição minoritária de Celso Antônio tem sido exigida em prova (em
especial nas provas do CESPE). No roteiro de aula e no livro de Marinela há um quadro com-
parativo acerca das diferentes posições.

1.1 – Fato, ato, fato jurídico e ato jurídico

Fato é um acontecimento do mundo (choveu em determinado dia, nasceu alguém, morreu


alguém etc.). Muitas vezes, esse fato produzirá efeitos no mundo jurídico. Nascida uma pes-
soa, surgem uma nova personalidade, relações de parentesco, direitos sucessórios etc. Fale-
cido alguém, extingue-se uma pessoa física, transfere-se a herança etc.

Fato jurídico é o acontecimento que surte efeitos no mundo jurídico, ou seja, que atinge a
órbita do direito. Se esse acontecimento atingir especificamente a fatia do direito adminis-
trativo (localizada, evidentemente, no mundo jurídico), é chamado de fato administrativo.

Enquanto o fato é acontecimento, o ato decorre sempre de uma manifestação de vontade.


Ex.: sujeito decide vender sua casa. Para o ato, o que é relevante é a manifestação de vonta-
de. Quando essa manifestação de vontade atinge a órbita do direito, ela é chamada de ato
jurídico. Se atinge especificamente o pedaço do direito administrativo, é chamado de ato
administrativo.

Ato administrativo é, portanto, a manifestação de vontade que atinge a órbita do direito,


mais especificamente a fatia do direito administrativo.

O falecimento de alguém é um acontecimento que produz efeitos no mundo jurídico. Se o


sujeito era servidor público, o cargo ficará vago e será necessário um novo concurso público.
Portanto, falecido um servidor, tem-se um fato administrativo.

O sujeito que compra um carro produz um ato que gera consequências para o mundo jurídi-
co. Se o adquirente é o Estado, ele celebra um contrato administrativo (uma manifestação

101
de vontade que atinge a órbita do direito administrativo). O mesmo ocorre, por exemplo,
com o tombamento, a aplicação de uma multa etc.

No ato, vale ressaltar, o que é relevante é a manifestação da vontade (para que ele exista, é
necessária uma declaração de vontade). Ele é passível de anulação e de revogação e goza de
presunção de legitimidade. No fato, não há declaração de vontade (a vontade é irrelevante).
Trata-se de um acontecimento. Por essa razão, não admite anulação, revogação ou presun-
ção de legitimidade.

1.2 – Ato da administração e ato administrativo

Os atos da administração são aqueles praticados pela Administração Pública, a qual pode
dar a eles dois regimes: i) de direito público; e ii) de direito privado. O ato praticado pela
administração com característica de direito público é chamado de ato administrativo.

Existem atos sujeitos ao regime público que não são oriundos da administração, como os
praticados por permissionárias/concessionárias de serviços públicos (que estão fora da ad-
ministração pública). Ex.: uma concessionária de telefonia que corta a linha por ausência de
pagamento pratica um ato típico de regime público.

Assim, podem ser identificados três diferentes tipos de atos:

i) atos da administração de regime privado;

ii) atos da administração de regime público: são atos administrativos;

iii) atos de particular (ex.: concessionárias e permissionárias) de regime público: são atos
administrativos, pois o regime é público, muito embora não sejam atos da administração.

2 – Conceito de ato administrativo

Com base nas considerações feitas acima, pode-se concluir que ato administrativo é a mani-
festação de vontade do Estado (Executivo, Legislativo ou Judiciário) ou de quem lhe faça as
vezes (concessionárias, permissionárias) que atinge a órbita do direito, mais especificamente
a do direto administrativo, que cria, modifica ou extingue direitos com o objetivo de satisfa-
zer o interesse público, com regime jurídico público.

Na estrutura piramidal do ordenamento, os atos administrativos são inferiores à lei. Eles


servem para complementar a previsão legal e são revisíveis, estando sujeitos a controle pelo
Poder Judiciário (controle de legalidade).

102
Esse é o conceito de ato administrativo em sentido amplo, que inclui qualquer dos atos. Hely
Lopes Meirelles falava em ato administrativo em sentido estrito/fechado/limitado, o qual
tem todas as características acima e duas mais: tem de ser i) unilateral (o que exclui os con-
tratos); e ii) concreto (o que exclui os atos abstratos).

3 – Elementos (ou requisitos) de validade do ato administrativo

Segundo a doutrina majoritária, a lista de elementos do ato administrativo está prevista no


art. 2º da Lei 4.717/1995 (Lei de Ação Popular):

Art. 2º São nulos os atos lesivos ao patrimônio das entidades mencionadas no artigo ante-

rior, nos casos de:

a) incompetência;

b) vício de forma;

c) ilegalidade do objeto;

d) inexistência dos motivos;

e) desvio de finalidade. (...)

A ação popular pode ser ajuizada por qualquer cidadão e discute a legalidade (a validade) do
ato administrativo. Por isso, a LAP elenca os cinco elementos que devem estar presentes
para que ele seja válido (competência, forma, motivo, objeto, finalidade).

Celso Antônio Bandeira de Mello não segue essa orientação. O autor divide a mesma lista da
LAP em dois grupos:

i) elementos: são as condições para a existência de um ato jurídico, como a manifestação de


vontade;

ii) pressupostos de existência (condições para a existência de ato administrativo, como ser o
assunto de direito administrativo) e de validade (condições para a validade do ato adminis-
trativo).

3.1 – Sujeito competente (competência ou sujeito)

3.1.1 – conceito e características

Pode ser sujeito de um ato administrativo aquele que está no exercício de uma função pú-
blica, esteja ela dentro ou fora da administração. Aquele que pratica função pública é cha-
mado de agente público (conceito mais amplo, abrangendo todo aquele que pratica função
pública, mesmo que não tenha cargo público e/ou o faça por somente um único dia, como o
jurado e o mesário).

103
Para a validade do ato administrativo, o agente público tem de ser o competente. Ou seja,
deve obedecer regra de competência, a qual está sempre determinada na lei ou, em algu-
mas situações, na própria CR.

Se a lei confere ao prefeito determinada competência, ele está obrigado a exercê-la. A com-
petência, portanto, não é uma faculdade, mas de exercício obrigatório. Além disso, ela é
irrenunciável pelo sujeito competente. Quem a estabelece é a lei, de modo que o agente
sequer pode modificá-la segundo sua vontade. O administrador também não pode transaci-
onar com ela.

O agente não deixa de ser competente pelo não exercício dessa competência (ex.: o chefe
de determinado órgão, competente para aplicar sanção em virtude de infração funcional,
não deixa de sê-lo se ninguém pratica infração). A competência administrativa é imprescrití-
vel.

No processo civil, se a parte não alega a incompetência relativa, ocorre preclusão e, conse-
quentemente, a prorrogação da competência. Em direito administrativo, quem determina a
competência é a lei, de modo que a competência não se prorroga.

Assim, a competência administrativa é de exercício obrigatório, irrenunciável, imodificável,


não admite transação, é imprescritível e improrrogável.

A competência pode ser definida por vários critérios, a depender do caso, da lei e da previ-
são. São critérios definidores da competência administrativa: i) a matéria; ii) o território; iii)
o grau de hierarquia; e iv) o tempo.

3.1.2 – delegação e avocação de competência

Tratam da delegação e da avocação de competência os arts. 11 a 15 da Lei 9.784/1999. Avo-


car é “puxar” a competência para si, de fora do núcleo de responsabilidades. Delegar é
transferir a competência para outrem.

Delegação e avocação de competência não são regras, mas exceções na administração,


ocorrendo mediante decisão devidamente justificada.

Em delegação de competência, as duas autoridades (delegante e delegada) mantém-se


competentes, cumulativamente (competência cumulativa). A Lei 9.784/1999 proíbe delega-
ção de competência em três casos:

i) para atos normativos;

104
ii) para decisão em recurso administrativo;

iii) nos casos de competência exclusiva.

3.2 – Forma

A forma do ato administrativo é a prevista em lei.

O ato administrativo depende de um pronunciamento, uma declaração, uma exteriorização


da vontade. Então, declaração/manifestação de vontade/pronunciamento é elemento de
forma do ato administrativo.

Esse pronunciamento tem de cumprir formalidades específicas (cada ato possui as suas), as
quais estão previstas na lei.

Em regra, o ato administrativo deve ser praticado por escrito. Pode ocorrer, todavia, de o
ato ser praticado de outra forma, como o gesto do policial feito com a mão, que manda o
sujeito estacionar o carro. Quando a lei permitir, o ato poderá ser praticado de outra manei-
ra. Ex.: celebração de contrato administrativo verbal (art. 60, parágrafo único da Lei
8.666/1993):

Art. 60. (...) Parágrafo único. É nulo e de nenhum efeito o contrato verbal com a Adminis-

tração, salvo o de pequenas compras de pronto pagamento, assim entendidas aquelas de

valor não superior a 5% (cinco por cento) do limite estabelecido no art. 23, inciso II, alínea

"a" desta Lei, feitas em regime de adiantamento.

Se o ato administrativo tem exigências próprias (é formal, solene), no que diz respeito à
forma, aplica-se a ele o princípio da solenidade, e não o do informalismo.

A falta de resposta da administração (omissão) é chamada de silêncio administrativo. Silên-


cio não é sinônimo de “sim” nem de “não”. É um nada jurídico. Não produz efeito algum,
salvo quando a lei expressamente o estipular. O silêncio administrativo pode ser discutido
na via judicial. O fundamento para tanto está no direito de petição (o direito de pedir e de
obter uma resposta), previsto no art. 5º, XXXIV, da CR:

Art. 5º (...) XXXIV - são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas:

a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade

ou abuso de poder;

b) a obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa de direitos e esclareci-

mento de situações de interesse pessoal;

105
Lesionado esse direito líquido e certo, cabe a impetração de MS exigindo uma manifestação
judicial acerca da questão.

Para a maioria dos autores, o juiz não pode substituir a vontade do administrador. Ou seja,
ele não pode decidir pela autoridade, devendo estabelecer um prazo ao administrador para
a resposta, valendo-se de medidas coercitivas, como multa diária, crime de desobediência
etc.

Para Celso Antônio Bandeira de Mello, se o ato for estritamente vinculado (com mera confe-
rência de requisitos), o juiz pode deferir diretamente o pedido. Para o autor, o juiz não po-
derá deferi-lo ou indeferi-lo de plano se o ato depender de valoração (liberdade, com juízo
de valor). Esse posicionamento é minoritário.

Na administração não existe ato solto. Um decreto expropriatório, por exemplo, será encon-
trado dentro de um processo. Na verdade, cada ato tem o seu processo. O ato administrati-
vo é resultado de um processo, assim como a sentença do juiz é resultado de um processo
judicial. É no processo que resta fundamentada, por exemplo, a emergência que justifica
determinada contratação com dispensa de licitação. Portanto, também é condição de forma
do ato administrativo a realização de um processo administrativo, o qual deve ser necessari-
amente prévio.

Esse processo administrativo tem de ser feito em conformidade com o novo modelo consti-
tucional (art. 5º, LV, da CR):

Art. 5º (...) LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em

geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela ine-

rentes;

Os processos administrativos e judiciais estão sujeitos a contraditório e a ampla defesa, os


quais são também de condições de forma do ato administrativo. Para a extinção de deter-
minado contrato em virtude do descumprimento, deve haver um processo prévio, que dê à
empresa aquelas garantias.

Também é condição de forma do ato o dever de motivação. O ato administrativo tem de ser
justificado. Motivação significa a fundamentação das razões que levaram à prática do ato. É
a correlação lógica entre os elementos do ato e a previsão legal. Ou seja, é o raciocínio
lógico que amarra cada elemento (cada aspecto do ato) à previsão legal.

Para a maioria dos autores e para o STF, a motivação é obrigatória. É dever, e não faculdade.
Ha divergência doutrinária: José dos Santos Carvalho Filho entende ser ela facultativa.

106
A obrigatoriedade da motivação decorre dos seguintes dispositivos:

i) art. 1º, II, da CR (direito à cidadania):

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e

Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem

como fundamentos: (...)

II - a cidadania

Os cidadãos, enquanto tais, têm direito de tomar conhecimento do que está sendo feito
com relação aos seus interesses.

ii) art. 1º, parágrafo único, da CR:

Art. 1º (...) Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de re-

presentantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.

Se o poder emana do povo, a autoridade tem de justificar o que está fazendo com esse po-
der.

iii) art. 5º, XXXV, da CR:

Art. 5º (...) XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a

direito;

Para que seja possível levar uma discussão à via judicial, tem-se que saber as razões que
levaram à prática do ato.

iv) art. 5º, XXXIII, da CR (direito à informação):

Art. 5º (...) XXXIII - todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu in-

teresse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei,

sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segu-

rança da sociedade e do Estado;

v) art. 93, X, da CR:

Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Es-

tatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios:

X - as decisões administrativas dos tribunais serão motivadas e em sessão pública, sendo

as disciplinares tomadas pelo voto da maioria absoluta de seus membros; (Redação dada

pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

107
Se o Judiciário, que pratica atos administrativos como função atípica, tem de justificar, com
mais razão ainda têm de motivar aqueles que o fazem como função principal.

vi) art. 50 da Lei 9.784/1999:

Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos

fundamentos jurídicos, quando:

I - neguem, limitem ou afetem direitos ou interesses;

II - imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções;

III - decidam processos administrativos de concurso ou seleção pública;

IV - dispensem ou declarem a inexigibilidade de processo licitatório;

V - decidam recursos administrativos;

VI - decorram de reexame de ofício;

VII - deixem de aplicar jurisprudência firmada sobre a questão ou discrepem de pareceres,

laudos, propostas e relatórios oficiais;

VIII - importem anulação, revogação, suspensão ou convalidação de ato administrativo.

(...)

O dispositivo traz rol amplo de atos que devem ser motivados (é tão amplo que praticamen-
te todos os atos estão inseridos nessa lista).

Para a maioria, ainda, a motivação deve ser prévia ou ocorrer durante a prática do ato. Não
se pode falar em motivação posterior.

Ato administrativo vinculado depende de motivação. Ato discricionário também, com mais
razão ainda, em vista da existência de liberdade. Celso Antônio entende que ambos depen-
dem de motivação, mas, em se tratando de ato vinculado, ela se resolve com o apontamen-
to do dispositivo legal em que se baseia.

3.3 – Motivos

Como visto, motivação é a correlação lógica entre os elementos do ato e a previsão legal.
Motivo, diversamente, é o fato acrescido do fundamento jurídico que justificam a prática do
ato.

Ex.: determinado grupo de servidores decide fazer uma passeata, que vira uma bagunça,
destruindo tudo. O poder público tem o dever de dissolvê-la. O motivo dessa dissolução é o
tumulto. O fechamento de uma fábrica poluente tem como motivo a poluição gerada pela
fábrica. A demissão de servidor por infração grave tem como motivo a infração grave.

108
Motivo é o fato, o acontecimento que leva à prática do ato. Motivação é a explicação que
levou à prática do ato. Motivação é o raciocínio. O motivo é enxuto; a motivação é mais
extensa.

Para que o ato seja válido, o motivo tem de ser legal. São condições de legalidade do moti-
vo:

i) materialidade:

O motivo tem de ser verdadeiro. Motivo falso é motivo ilegal.

ii) compatibilidade com a previsão legal do motivo declarado:

Ex.: no Brasil, a remoção faz-se pela necessidade do serviço. A remoção de servidor pela
prática de infração grave não é possível (é motivo ilegal).

iii) compatibilidade do motivo com o resultado do ato:

Ex.: no ato administrativo que retira o porte de arma de uma pessoa que se envolveu em
confusão, o motivo da retirada é compatível com o resultado pretendido. Não é possível,
contudo, alegar a briga de “A” como motivo para retirar o porte de “B” e “C”, que não parti-
ciparam da confusão. O motivo apresentado, portanto, deve ser estar diretamente ligado ao
resultado do ato.

De acordo com a “teoria dos motivos determinantes”, uma vez declarado o motivo, a auto-
ridade está vinculada a ele e terá de obedecê-lo (a administração tem de cumprir o motivo
declarado). Ex.: exonerado servidor para redução de despesas, não pode o administrador no
dia seguinte colocar outro no lugar, pois a redução de despesas o vincula (o motivo tem de
ser cumprido).

Caso a autoridade declare motivo falso (ex.: remoção em razão de vingança, justificada por
“necessidade do serviço”), ela não terá como cumpri-lo (o motivo falso não tem materiali-
dade). Justamente porque não pode ser cumprido, o motivo falso não tem como atender à
teoria dos motivos determinantes (é violador dessa teoria), sendo, portanto, ilegal.

Há uma exceção à necessidade de motivação: a exoneração ad nutum, que ocorre nos car-
gos em comissão. Ela não depende de explicação/justificativa. Se, no entanto, a autoridade
quiser justificar a exoneração, ela fica vinculada. Assim, a teoria dos motivos determinantes
aplica-se mesmo na exoneração ad nutum.

109
Há uma exceção à teoria dos motivos determinantes. Em desapropriação, existe a chamada
“tredestinação”. Trata-se da mudança de motivo do ato administrativo, permitida pelo or-
denamento jurídico, desde que realizada em uma desapropriação e mantida uma razão de
interesse público. Ex.: o Poder Público desapropria um imóvel para construir um hospital,
mas resolve, posteriormente, construir um prédio da Justiça Federal (caso verídico ocorrido
em Maceió).

3.4 – Objeto

Objeto é o resultado prático do ato. É o ato considerado em si mesmo. Ex.: na dissolução de


uma fábrica que polui, o objeto é a dissolução. Ele é chamado de “efeito jurídico imediato”.

O objeto deve ser: i) licito, ii) possível e iii) determinado.

Objeto lícito é aquele previsto/autorizado pela lei. Não é o que não está vedado pela lei,
como ocorre em direito civil. O objeto tem de ser faticamente possível. Ex.: não é possível a
promoção de servidor falecido (com exceção da carreira militar, em que há essa anomalia).
Determinado é o objeto claro, preciso.

3.5 – Finalidade

Finalidade significa uma razão de interesse público. Ou seja, é o interesse jurídico que se
pretende proteger. Ex.: a finalidade da dissolução da passeata em que começa um quebra-
quebra é segurança pública e a proteção dos bens públicos. Finalidade é o “efeito jurídico
mediato”.

A prática do ato com finalidade contrária ao interesse público (ex.: ato para a proteção de
interesses pessoais) leva ao vício do ato chamado “desvio de finalidade”. Trata-se de um
vício ideológico, subjetivo, de um defeito na vontade (ex.: delegado que posterga a ordem
de prisão do seu desafeto para a data do casamento, para submetê-lo a uma situação vexa-
tória).

Na maioria dos casos em que autoridade pratica ato com desvio de finalidade, ela mente no
papel, alegando motivo falso. Desse modo, muitas vezes o desvio de finalidade vem junto
com o vício no motivo.

Desvio de finalidade é muito difícil de provar, pois sempre vem bem disfarçado.

Resumindo: na dissolução da passeata tumultuosa, o motivo é o tumulto, o objeto é a disso-


lução e a finalidade é a segurança. No fechamento da fábrica poluente, o motivo é a polui-
ção, o objeto é a dissolução e a finalidade é a proteção do meio ambiente.

110
4 – Vinculação, discricionariedade e os elementos do ato administrativo

4.1 – Ato vinculado e ato discricionário

Ato vinculado é aquele em que o administrador não tem liberdade, não realiza juízo de va-
lor, não analisa conveniência e oportunidade. No ato vinculado, quando o sujeito preenche
os requisitos legais (as condições exigidas pela lei), o administrador tem de praticar o ato.

Exemplos de ato vinculado: concessão de habilitação para dirigir (o sujeito que preenche
todas as exigências não pode ter seu pedido indeferido), concessão de licença para constru-
ir, concessão de aposentadoria.

Ato discricionário é aquele em que o administrador tem liberdade, realiza juízo de valor,
analisa conveniência e oportunidade. O Estado, nesse caso, valora. O ato discricionário é
muito diferente do ato arbitrário. O administrador tem de praticar o ato dentro dos limites
da lei (a conveniência e a oportunidade ocorrem dentro desses limites).

O ato que extrapola os limites da lei é o arbitrário. É ilegal e tem de ser retirado do ordena-
mento jurídico.

No ato vinculado, normalmente a lei define o rol de requisitos e condições exigidos para ele.

O ato discricionário fica caracterizado quando: i) a lei estabelece uma competência, mas não
define a maneira de se exercitá-la; ii) a lei dá alternativas para o administrador escolher; ou
iii) a lei prevê conceitos vagos/indeterminados a serem preenchidos pelo administrador. São
exemplos de atos discricionários: permissão de uso de bem público, autorização para a utili-
zação de veículos acima da medida e do peso normais etc.

4.2 – Elementos vinculados e discricionários dos atos vinculados e discricionários

Como dito anteriormente, a competência decorre da lei e da Constituição, de modo que o


administrador não pode modificá-la, seja no ato vinculado ou no discricionário. Portanto, a
competência é um elemento vinculado.

A forma do ato administrativo também será vinculada em ambos os casos, na medida em


que prevista na lei e imodificável.

A finalidade do ato administrativo é sempre uma razão de interesse público, de modo que
sempre será, também, um elemento vinculado.

No ato vinculado, o motivo e o objeto também são vinculados. Assim, se o ato é vinculado,
todos seus elementos são vinculados.

111
No ato discricionário, é justamente no motivo e no objeto que está presente a discricionari-
edade, o juízo de valor. Ex.: a autoridade pode valorar o fato de uma rua ser tranquila ou
perigosa (motivos) para deferir ou indeferir (objeto) a permissão de uso de bem público para
um bar colocar mesas e cadeiras na calçada.

Ato vinculado Ato discricionário


Competência Vinculado Vinculado
Forma Vinculado Vinculado
Motivo Vinculado Discricionário
Objeto Vinculado Discricionário
Finalidade Vinculado Vinculado

A discricionariedade (a liberdade do ato discricionário) é o que se chama de “mérito do ato


administrativo”. Mérito é a conveniência. Motivo e objeto são o endereço do mérito, mas
não são sinônimos de mérito.

A forma e a finalidade são elementos vinculados, como visto. Segundo Celso Antônio, excep-
cionalmente, quando a lei expressamente o estabelecer, esses elementos poderão ser dis-
cricionários. Ex.: o art. 62 da Lei 8.666/1993 determina que a forma do contrato administra-
tivo é, como regra, instrumento de contrato, mas pode, excepcionalmente, ser carta-
contrato, nota de empenho ou ordem de serviço:

Art. 62. O instrumento de contrato é obrigatório nos casos de concorrência e de tomada

de preços, bem como nas dispensas e inexigibilidades cujos preços estejam compreendi-

dos nos limites destas duas modalidades de licitação, e facultativo nos demais em que a

Administração puder substituí-lo por outros instrumentos hábeis, tais como carta-

contrato, nota de empenho de despesa, autorização de compra ou ordem de execução de

serviço. (...)

4.3 – Controle judicial dos atos vinculados e discricionários

O Poder Judiciário pode realizar o controle de qualquer ato administrativo, seja ele vincula-
do ou discricionário, desde que se trate de um controle de legalidade (em sentido amplo:
controle de aplicação da lei e dos princípios e regras constitucionais).

O Judiciário não pode controlar o mérito do ato administrativo. Veja, o Judiciário pode con-
trolar o motivo e o objeto do ato no que tange à legalidade, mas não pode rever a liberdade.
Se o motivo for falso ou o objeto for ilícito, por exemplo, eles ferem a legalidade, podendo
ser revistos pelos magistrados.

112
5 – Atributos (ou características) do ato administrativo

Para a doutrina majoritária, os atos administrativos têm três atributos: presunção de legiti-
midade, autoexecutoriedade e imperatividade. A doutrina mais moderna inseriu um quarto
atributo: a tipicidade.

Alguns doutrinadores acrescentam ainda a exigibilidade.

5.1 – Presunção de legitimidade

Os atos administrativos são legítimos, até prova em contrário. A presunção de legitimidade,


na verdade, significa presunção de i) legitimidade (obediência às regras morais); ii) legalida-
de (observância da lei); e iii) veracidade (correspondência com a verdade).

Trata-se de uma presunção relativa (juris tantum), admitindo prova em contrário. Assim, o
ônus da prova da ilegitimidade do ato será de quem a alegá-la, que em geral é o particular
(administrado).

Consequência prática da presunção de legitimidade é a aplicação imediata do ato adminis-


trativo. Enquanto não é possível a demonstração da ilegitimidade, o ato é plenamente apli-
cável.

5.2 – Autoexecutoriedade

A Administração Pública pode praticar os atos independentemente de controle prévio ou


autorização do Poder Judiciário. O particular pode, a qualquer momento, impugnar o ato no
Poder Judiciário, mas os atos da administração não dependem do controle judicial para se-
rem autoexecutáveis.

A autoexecutoriedade não tem nada a ver com o formalismo do ato administrativo. Ela não
interfere na modalidade do ato.

Para a maioria dos autores (há divergência), a autoexecutoriedade deve ser subdividida em
duas bases diferentes:

i) exigibilidade:

Exigibilidade é o poder que tem o administrador de decidir sem a presença do Judiciário. É


um meio de coerção indireto, na medida em que ocorre antes da concretização do ato. Todo
ato administrativo tem esse atributo.

ii) executoriedade:

113
Executoriedade é a possibilidade de executar o ato sem o Poder Judiciário. Trata-se de meio
de coerção direto (é o “colocar a mão na massa”). Nem todo ato possui esse atributo: so-
mente se houver previsão legal ou em caso de urgência.

Ex.: decidir sobre a desocupação de áreas de encostas sujeitas a desabamento é exigibilida-


de. Retirar as famílias que não o fizeram após a notificação é executoriedade.

No caso de situações em que não haja previsão de executoriedade na lei, ou não seja caso
de urgência, não pode o ato ser executado diretamente pela administração. É o caso da co-
brança de sanções pecuniárias, por exemplo.

Assim, seguindo essa corrente, pode-se concluir que nem todo ato administrativo tem auto-
executoriedade, pois ainda que a exigibilidade sempre apareça, a executoriedade haverá
apenas em determinados casos.

5.3 – Imperatividade

Imperatividade significa obrigatoriedade, coercibilidade. É uma característica própria dos


atos que instituem uma obrigação. O ato de expedição de uma certidão negativa de tributos,
por exemplo, não tem imperatividade.

Assim, a imperatividade não estará presente também em todos os atos administrativos, mas
somente naqueles que instituem obrigação, a qual pode ser de qualquer natureza.

5.4 – Tipicidade

A tipicidade foi definida, num primeiro momento, por Maria Sylvia Zanella Di Pietro. Para a
autora, cada ato administrativo tem uma aplicação específica, determinada. Ex.: a demissão
de sujeito que comete infração grave tem uma finalidade específica. A remoção tem tam-
bém utilização específica, atuação determinada: interesse do serviço.

5.5 – Exigibilidade

A exigibilidade é a qualidade do ato pela qual, imposta a obrigação, esta pode ser exigida
mediante coação indireta. Ex.: desatendida a notificação de fiscalização municipal para que
alguém limpe um terreno ainda não edificado e cheio de mato, cabe aplicação de uma multa
pela fiscalização, sendo a multa uma forma de coação indireta.

6 – Classificação dos atos administrativos

6.1 – Quanto aos destinatários

114
Quanto aos destinatários, os atos administrativos dividem-se em:

i) atos administrativos gerais:

São os atos aplicáveis erga omnes, à coletividade como um todo, a todos os que estiverem
na mesma situação. São abstratos, impessoais (ex.: instruções normativas, regulamentos
etc.).

ii) atos administrativos individuais:

Ato individual é aquele que possui destinatário certo, determinado. Ex.: aplicação de multa.
Os atos individuais podem ser divididos em duas categorias: singulares (têm um destinatá-
rio) e plúrimos (têm mais de um destinatário, todos determinados).

6.2 – Quando ao alcance do ato

Quanto ao alcance, os atos administrativos dividem-se em:

i) atos administrativos internos:

Tais atos produzem efeitos dentro da própria administração. Ex.: a administração determina
um novo modelo de uniforme para atuar em determinado órgão.

ii) atos administrativos externos:

Tais atos produzem efeitos dentro e fora da administração. Ex.: ato da administração que
determina o horário de funcionamento dos órgãos públicos.

6.3 – Quanto ao grau de liberdade

Quanto ao grau de liberdade, os atos administrativos podem ser vinculados ou discricioná-


rios.

6.4 – Quanto à formação

Quanto à formação, os atos administrativos podem ser:

i) atos administrativos simples:

São aqueles que se tornam perfeitos e acabados com uma única manifestação de vontade.

ii) atos administrativos compostos:

Os atos compostos dependem de duas manifestações de vontade, que acontecem no mes-


mo órgão, por agentes em condição de desigualdade. A primeira autoridade é quem se ma-

115
nifesta e decide (principal). A segunda somente ratifica/confirma a primeira manifestação de
vontade (secundária). O ato composto é aquele que depende do “visto” do chefe.

iii) atos administrativos complexos:

Os atos administrativos complexos também dependem de duas manifestações de vontade,


mas que acontecem em órgãos diferentes. Ambas as manifestações estão, aqui, em condi-
ções de igualdade. Ex.: na nomeação de dirigente de Agência Reguladora, o Senado e o Pre-
sidente se manifestam; na concessão inicial de reforma, aposentadoria e pensão, a adminis-
tração e o Tribunal de Contas se manifestam.

7 – Formação e efeitos do ato administrativo

Neste tópico, será tratado do ato administrativo perfeito, válido e eficaz.

7.1 – Ato administrativo perfeito

Ato administrativo perfeito é aquele que cumpre a sua trajetória, seu ciclo de formação. Ex.:
para nomear dirigente de agência reguladora, o ato somente estará perfeito após passar
pela manifestação de vontade do Presidente da República (a segunda manifestação).

De acordo com a doutrina moderna, com o ato perfeito “não se mexe”. Ou seja, não pode o
ato administrativo não ser perfeito. O ato imperfeito não existe.

7.2 – Ato administrativo válido

Ato administrativo válido é aquele que cumpriu todos os requisitos, todas as exigências.

7.3 – Ato administrativo eficaz

Eficácia diz respeito à produção de efeitos. O ato administrativo será eficaz quando estiver
pronto para produzir efeitos.

Pode o ato perfeito e inválido ser eficaz. O ato de fechamento de uma padaria por vingança,
por exemplo, é inválido e produzirá efeitos até que se consiga provar a ilegalidade. Outro
exemplo é a nomeação de candidatos em concurso em que houve fraude. O ato ilegal tem
de ser declarado inválido. Até lá, o servidor terá trabalhado, percebido vencimentos etc.

Um ato administrativo perfeito e válido pode ser ineficaz. Como visto anteriormente, a pu-
blicidade é condição de eficácia, por exemplo, de um contrato. Um contrato que não tenha
sido publicado não produzirá efeitos, apesar de ser perfeito e válido (art. 61, parágrafo úni-
co, da Lei 8.666/1993):

116
Art. 61 (...) Parágrafo único. A publicação resumida do instrumento de contrato ou de

seus aditamentos na imprensa oficial, que é condição indispensável para sua eficácia, será

providenciada pela Administração até o quinto dia útil do mês seguinte ao de sua assina-

tura, para ocorrer no prazo de vinte dias daquela data, qualquer que seja o seu valor, ain-

da que sem ônus, ressalvado o disposto no art. 26 desta Lei. (Redação dada pela Lei nº

8.883, de 1994)

Pode um ato administrativo ser perfeito, inválido e, ao mesmo tempo, ineficaz. Um contrato
celebrado através de licitação fraudulenta e não publicado será inválido e ineficaz.

O ato administrativo pode produzir dois tipos de efeitos:

i) típicos: são os efeitos esperados, desejados;

ii) atípicos: são os efeitos secundários, não desejados.

Ex.: o Estado decide desapropriar o imóvel de “X”. O efeito esperado/desejado é a aquisição


do imóvel pelo Estado, a retirada do imóvel de “X”. Se, no exemplo, o imóvel estiver locado
por “X” a “M”, havendo a desapropriação para a construção de uma escola, “M” será tam-
bém atingida pelo ato, além de “X”. O desejo do Estado era atingir a esfera jurídica de “X”,
mas acaba atingindo “M” também, que terá de sair do imóvel.

O efeito atípico pode ser subdividido em efeito atípico reflexo (é efeito secundário, não de-
sejado pelo ato administrativo, que atinge terceiros estranhos ao ato) e efeito atípico preli-
minar (é o efeito secundário do ato que ocorre antes do seu aperfeiçoamento).

O efeito atípico preliminar aparece nos atos administrativos que dependem de duas mani-
festações de vontade. Caracteriza-se pelo dever da segunda autoridade de se manifestar,
quando a primeira já se manifestou. Veja como representa um efeito secundário e acontece
antes do aperfeiçoamento do ato.

No caso da nomeação do dirigente da agência reguladora, quando o Presidente se manifesta


(manifestação da primeira autoridade), surge o dever de manifestação do Senado (manifes-
tação da segunda autoridade) quanto à aceitação ou não do nome. O dever de manifestação
do Senado aparece antes do aperfeiçoamento do ato (que somente se torna perfeito após
tal manifestação). Por ter vindo antes, o efeito se chama preliminar. Ele é atípico, pois o
efeito principal é preencher o cargo de dirigente. Por isso ser chamado de efeito atípico pre-
liminar.

Celso Antônio Bandeira de Mello chama esse efeito atípico preliminar de “efeito prodrômi-
co”.

117
8 – Extinção dos atos administrativos

São formas de extinção do ato administrativo: cumprimento de seus efeitos, desapareci-


mento do sujeito ou do objeto, renúncia do interessado e retirada do ato pelo Poder Públi-
co.

8.1 – Cumprimento dos efeitos do ato administrativo

O cumprimento dos efeitos do ato administrativo é a forma de extinção mais espera-


da/desejada/natural. É a principal hipótese. Ex.: concedidas e cumpridas as férias, o ato está
extinto. Contratada a construção de uma escola, após o final da obra o ato está extinto.

8.2 – Desaparecimento do sujeito ou do objeto

Desaparece o sujeito, por exemplo, com o falecimento do servidor, que extingue o ato de
nomeação.

Terrenos à beira-mar são, em geral, de marinha, usados pelo particular via enfiteuse, medi-
ante o pagamento de foro anual. Se o mar avançar e tomar conta da área, a enfiteuse deixa-
rá de existir, juntamente com o terreno. É uma hipótese de desaparecimento do objeto.

8.3 – Renúncia do interessado

A extinção do ato administrativo pela renúncia do interessado ocorre, por exemplo, no caso
do sujeito que obtém licença para construir e desiste daquela construção.

8.4 – Retirada do ato pelo Poder Público

A retirada do ato pelo Poder Público ocorre em cinco hipóteses: anulação, revogação, cassa-
ção, caducidade e contraposição.

8.4.1 – anulação

Anulação é a extinção de um ato por ser ele ilegal. O ato administrativo deve ser anulado
pela própria administração. Todavia, o Poder Judiciário também pode anulá-lo, uma vez que
realiza controle de legalidade.

A Lei 9.784/1999, em seu art. 54, estabelece que a administração tem o prazo de cinco anos
para anular atos ilegais que produzam efeitos favoráveis aos destinatários (prazo decadenci-
al). Para o Poder Judiciário, não incide esse prazo:

Art. 54. O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram

118
efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que fo-

ram praticados, salvo comprovada má-fé. (...)

A anulação produz efeitos ex nunc ou ex tunc? Ex.: deferida determinada gratificação a um


servidor, meses depois se percebe que ele não tinha direito (ou seja, o ato era ilegal). O que
ocorre com os valores percebidos pelo servidor?

Para a maioria dos autores, a anulação produz efeitos retroativos, atingindo o ato desde a
sua origem. No exemplo, como o ato é retirado da origem, o servidor não somente não re-
ceberá mais como terá de devolver o dinheiro.

Celso Antônio tem posição divergente. Ele faz uma observação quando a anulação produz
efeitos favoráveis ou desfavoráveis. Para o autor, a anulação que produz efeitos desfavorá-
veis/restritivos deve ter efeitos ex nunc. Já a que produz efeitos benéficos retroage. Assim,
se o caso fosse de indeferimento de gratificação (em hipótese concessão), como o ato de
anulação é benéfico (pois concede a gratificação), deveria retroagir. Para Celso Antônio, se o
sujeito não deu causa à anulação, ele não deve ser prejudicado.

Um ato administrativo que cumpre todos os seus requisitos é válido. Ele pode, entretanto,
ter um vício/defeito. Há três tipos de vícios:

i) mera irregularidade:

A mera irregularidade não compromete a validade do ato. Em geral, são defeitos de padro-
nização, de forma, como a cor da tinta da caneta, que deveria ser preta e foi azul.

ii) vício sanável:

Sanável é aquele vício que admite conserto. O ato é anulável, passível de convalidação (que
é a correção do ato com vício, tornando-o válido). Os vícios sanáveis dizem respeito, nor-
malmente, à forma ou à competência.

iii) vício insanável:

O vício insanável não tem conserto. Quando ele está presente, o ato é nulo. A saída natural
é a anulação do ato.

A convalidação do ato é o primeiro dever do administrador. Se o vício é insanável, o ato de-


ve ser anulado. A anulação nada mais é que o restabelecimento da legalidade, uma decor-
rência do dever de legalidade.

119
Todavia, algumas vezes a manutenção de um ato ilegal é menos prejudicial que a convalida-
ção. Nesses casos, o ato sequer será consertado. É o que a doutrina chama de “estabilização
dos efeitos do ato”. Ocorre em razão da ponderação do dever de legalidade em relação a
outros princípios do ordenamento, como a segurança jurídica, boa-fé etc.

O STJ vem utilizando os cinco anos do art. 54 da Lei 9.784/1999, como limite para a anulação
dos atos administrativos. Passado esse prazo, o ato se convalida.

8.4.2 – revogação

Revogação é a retirada de um ato administrativo que não é mais conveniente. Ela somente
pode ser feita pela própria administração, pois o Judiciário faz controle de legalidade, não de
conveniência (de mérito).

Vale observar, entretanto, que o Judiciário pode revogar atos administrativos quando funci-
onar como a própria administração. Ele somente não pode fazê-lo em sede de controle judi-
cial.

A revogação é ex nunc e não tem limites temporais, mas somente limites materiais (de con-
teúdo). Não cabe revogação de ato que gerou direito adquirido, de ato vinculado ou de ato
que já esgotou seus efeitos.

8.4.3 – cassação

Cassação é a retirada de um ato administrativo pelo descumprimento das condições inicial-


mente impostas pela administração. Ex.: é proibida a instalação de Motéis em São José do
Rio Preto. O sujeito obtém licença para construir hotel e modifica a placa para “motel”. Nes-
se caso, o Poder Público pode cassar o ato de concessão da licença.

8.4.4 – caducidade

Caducidade é a retirada de um ato administrativo pela superveniência de uma norma jurídi-


ca que é com ele incompatível. Ex.: a prefeitura concede permissão para que em determina-
do terreno funcione um circo. A Lei do Plano Diretor, que organiza a cidade, é modificada,
passando a determinar que o local seja uma rua. Não poderá mais o circo continuar lá: uma
lei superveniente retira o ato de permissão. O ato de concessão da permissão é discricioná-
rio.

8.4.5 – contraposição

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Na contraposição, há dois atos administrativos decorrentes de competências diferentes, em
que o segundo elimina os efeitos do primeiro. Ex.: a demissão elimina os efeitos da nomea-
ção; a exoneração de cargo em comissão acaba com o ato de nomeação.

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LICITAÇÕES

A disciplina legal das licitações encontra-se nas Leis 8.666/1993, 10.520/2002 e


12.349/2010).

1 – Conceito e finalidades

Licitação é o procedimento administrativo que tem por finalidade viabilizar a celebração do


melhor contrato possível para o interesse público. Nem sempre a melhor proposta será ne-
cessariamente a mais barata. Além do melhor preço, também é possível que a vantagem
decorra da maior qualidade técnica.

A administração pública tende a contratar sempre com as mesmas pessoas. Essa prática
existe e o procedimento licitatório tem justamente o objetivo de evitá-la. Ou seja, o proce-
dimento licitatório visa ao tratamento impessoal. Tem por objetivo viabilizar que qualquer
pessoa que preencha os requisitos exigidos possa participar e ter a chance de contratar com
a administração pública.

Essas finalidades (obtenção da proposta mais vantajosa e promoção da impessoalidade e da


isonomia) sempre existiram no art. 3º da Lei 8.666/1993. Todavia, a Lei 12.349/2010 trouxe
mais uma finalidade ao dispositivo: a promoção do desenvolvimento nacional.

Art. 3º A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da iso-

nomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do de-

senvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade

com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade,

da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório,

do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos. (Redação dada pela Lei nº 12.349,

de 2010) (...)

Foram também inseridas algumas mudanças, com o objetivo de viabilizar o cumprimento


dessa finalidade.

2 – Pessoas sujeitas ao dever de licitar

O art. 1º, parágrafo único, da Lei 8.666/1993 prevê o rol de pessoas sujeitas à licitação, ou
seja, daquelas que estão obrigadas a licitar:

Art. 1º (...) Parágrafo único. Subordinam-se ao regime desta Lei, além dos órgãos da ad-

ministração direta, os fundos especiais, as autarquias, as fundações públicas, as empresas

públicas, as sociedades de economia mista e demais entidades controladas direta ou indi-

122
retamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios.

2.1 – Administração direta

Compõem a administração direta os entes políticos: União, estados, DF e municípios.

2.2 – Administração indireta

A administração indireta, como visto, é formada pelas autarquias, fundações públicas, em-
presas públicas e sociedades de economia mista.

As empresas públicas e as sociedades de economia mista exploradoras de atividade econô-


mica poderão, mediante estatuto próprio, ter tratamento diferenciado (art. 173, § 1º, III, da
CR):

Art. 173 (...) § 1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade

de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção

ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre: (Redação dada

pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) (...)

III - licitação e contratação de obras, serviços, compras e alienações, observados os prin-

cípios da administração pública; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) (...)

Todavia, como não há ainda esse estatuto, elas têm de observar a regra geral.

2.3 – Fundos especiais

O legislador, neste ponto, cometeu um equívoco. Os fundos especiais não precisavam estar
previstos em apartado da norma, porque eles podem ter natureza de órgão (integrando,
nesse caso, administração direta) ou de fundação (compondo, nessa hipótese, administra-
ção indireta).

A ideia dos fundos especiais é ajudar um determinado grupo desprotegido. Ex.: fundos espe-
ciais para o socorro aos desabrigados da chuva, para o incentivo à agricultura etc.

2.4 – Demais entes controlados direta ou indiretamente pelo Poder Público

As demais entidades controladas direta ou indiretamente pelo Poder Público a que se refere
o art. 1º, parágrafo único, são as pessoas jurídicas sujeitas a controle. Normalmente, quando
a pessoa jurídica recebe recurso público (orçamentário), está sujeita a controle do TCU e,
desse modo, sujeita ao dever de licitar. Ex.: Organizações Sociais, OSCIP’s, Serviços Sociais
Autônomos e Entidades de Apoio (como as que funcionam dentro das Universidades Públi-
cas).

123
Como visto, as Organizações Sociais estão dispensadas de realizar licitação quanto aos con-
tratos decorrentes de gestão. Os Serviços Sociais autônomos estão sujeitos à realização de
licitação, mas subordinam-se a um procedimento mais simples, chamado de “procedimento
simplificado do Sistema S”, já reconhecido pelo TCU.

3 – Competência legislativa acerca de licitações

A competência para legislar acerca de licitações está prevista no art. 22, XXVII da CR. Cabe
privativamente à União legislar sobre normas gerais acerca de licitações e contratos:

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: (...)

XXVII – normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as admi-

nistrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal

e Municípios, obedecido o disposto no art. 37, XXI, e para as empresas públicas e socie-

dades de economia mista, nos termos do art. 173, § 1º, III; (Redação dada pela Emenda

Constitucional nº 19, de 1998)

A União exercitou essa competência em várias oportunidades: Leis 8.666/1993, 8.987/1995,


10.520/2002, 11.079/2004. Quando a União legisla em norma geral, essa norma tem âmbito
nacional, ou seja, servirá a todo o território nacional, a todos os entes da Federação.

A União também tem competência para legislar em normas especificas. Nesse caso, entre-
tanto, a norma somente servirá para ela própria (é a chamada lei de âmbito federal). Os
demais entes também podem legislar em normas específicas, hipótese em que a norma terá
eficácia relativamente àquele que legislou (estado, município ou DF, conforme o caso).

A Lei 8.666/1993 realmente representa uma norma geral. Todavia, em alguns dispositivos, o
legislador extrapolou o conceito de norma geral, tendo introduzido normas específicas, as
quais acabaram sendo objeto de controle de constitucionalidade.

Na ADI 927, discutiu-se o art. 17 da Lei 8.666/1993, que cuida de alienação de bem público.
Trata-se do artigo que mais sofreu alteração na lei até hoje. O entendimento do STF foi que
alguns dos incisos/alíneas extrapolaram o conceito de norma geral, representando norma
específica. A interpretação dada foi no sentido de que, nesses casos, a norma será de âmbito
federal, e não nacional, servindo somente para a União.

Portanto, segundo o STF (em sede de cautelar) o art. 17 é constitucional, desde que inter-
pretado como norma específica (de aplicação da União, somente servindo a ela e somente
podendo ser utilizada por ela).

124
Os estados e os municípios podem legislar sobre o assunto, ainda que muitos não tenham
feito isso até hoje.

O Estado da Bahia, exercendo sua competência legislativa, editou lei específica invertendo
as etapas de todos os procedimentos licitatórios. Muitas críticas foram levantadas, mas a
Bahia comprovou que a inversão dos procedimentos é mais barata e mais rápida (melhor,
portanto, ao interesse público). A Comissão que elaborou a lei baiana foi convidada a inte-
grar Comissão para a reforma da Lei 8.666/1993. A ideia da concorrência invertida ainda não
está na Lei 8.666/1993, mas já está na Lei do Pregão.

Em virtude dos problemas de constitucionalidade levantados através da ADI 927, hoje as leis
mais recentes (ex.: Lei 11.079/2004) já trazem expressamente a distinção dos dispositivos
aplicáveis em âmbito nacional e federal.

4 – Princípios que regem o procedimento licitatório

Além de todos os princípios gerais de direito administrativo estudados anteriormente, que


devem ser observados na licitação, há alguns especificamente aplicáveis a ela. Neste tópico,
serão analisados os mais importantes princípios que regem a licitação, mas há outros na
doutrina.

4.1 – Princípio da vinculação ao instrumento convocatório

Instrumento convocatório é o edital. Segundo o princípio da vinculação ao instrumento con-


vocatório, o edital é a lei da licitação. Tudo o que for relevante tem de estar ali escrito e o
administrador está preso/vinculado àquelas disposições. Ele não pode exigir mais nem me-
nos do que está previsto no edital (ex.: publicado o instrumento convocatório, o administra-
dor não pode exigir um documento a mais ou dispensar a apresentação de algum).

Ex.: exigida no edital a apresentação de um documento comprobatório de quitação com


determinado órgão de classe, caso a administração perceba que tal documento não será
apresentado por nenhum dos concorrentes, ela não pode dispensá-lo e habilitar as empre-
sas que se inscrevem. Isso porque pode ter ocorrido de determinada empresa, percebendo a
exigência do documento, ter deixado de participar da licitação por essa razão. Haveria preju-
ízo à que ficou de fora. A administração deve, nesse exemplo, anular a licitação e iniciar ou-
tra, sem o documento.

4.2 – Princípio do julgamento objetivo

125
O princípio do julgamento objetivo significa que o edital tem de definir de forma clara e pre-
cisa qual será o critério de seleção. Ou seja, o licitante tem de entrar no procedimento cien-
te do que precisa fazer para vencer a licitação.

Os “tipos de licitação” relacionam-se aos critérios de licitação e estão previstos no art. 45, §
1º, da Lei 8.666/1993:

Art. 45 (...) § 1º Para os efeitos deste artigo, constituem tipos de licitação, exceto na mo-

dalidade concurso: (Redação dada pela Lei nº 8.883, de 1994)

I - a de menor preço - quando o critério de seleção da proposta mais vantajosa para a

Administração determinar que será vencedor o licitante que apresentar a proposta de

acordo com as especificações do edital ou convite e ofertar o menor preço;

II - a de melhor técnica;

III - a de técnica e preço.

IV - a de maior lance ou oferta - nos casos de alienação de bens ou concessão de direito

real de uso. (Incluído pela Lei nº 8.883, de 1994)

Os “tipos de licitação” não se confundem com as “modalidades de licitação”. São eles: i)


melhor preço; ii) melhor técnica; e iii) melhor técnica mais preço. Ex.: imagine uma licitação
para a compra de caneta. O licitante “A” cobra R$ 1,00 e o “B” cobra R$ 1,01 por caneta,
sendo que a qualidade da caneta “B” é muito melhor e ele dará um parcelamento à adminis-
tração. Se a licitação é pelo melhor preço, ganha a licitação a empresa “A”. Isso porque, se o
licitante “A” soubesse que a administração preferiria a maior qualidade ou o parcelamento,
ele teria modificado sua proposta.

Assim, somente é possível considerar como elemento de escolha as regras expressamente


previstas no edital, como qualidade ou parcelamento. O julgamento tem de ser claro, preci-
so.

4.3 – Princípio do sigilo de proposta

O princípio do sigilo de proposta significa que as propostas são secretas até o momento de
sua abertura, em sessão pública. Ninguém deve conhecer o conteúdo delas, salvo o licitante
que a apresentou (o envelope fica lacrado).

A violação do sigilo da proposta terá duas consequências:

i) crimes previstos nos arts. 93 e 94 da Lei 8.666/1993;

Art. 93. Impedir, perturbar ou fraudar a realização de qualquer ato de procedimento lici-

126
tatório:

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

Art. 94. Devassar o sigilo de proposta apresentada em procedimento licitatório, ou pro-

porcionar a terceiro o ensejo de devassá-lo:

Pena - detenção, de 2 (dois) a 3 (três) anos, e multa.

ii) improbidade administrativa, prevista no art. 10, VIII, da Lei 8.429/1992:

Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer

ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação,

malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º

desta lei, e notadamente: (...)

VIII - frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente;

No pregão, há duas etapas, as propostas verbais e as escritas. As propostas escritas são sigi-
losas e vêm lacradas. O leilão é a única hipótese em que a violação do sigilo de proposta não
terá consequências, pois nele as propostas são feitas de forma verbal (ou seja, não há sigilo
de proposta).

4.4 – Princípio do procedimento formal

O princípio do procedimento formal encontra-se no art. 4º da Lei 8.666/1993:

Art. 4º Todos quantos participem de licitação promovida pelos órgãos ou entidades a que

se refere o art. 1º têm direito público subjetivo à fiel observância do pertinente procedi-

mento estabelecido nesta lei, podendo qualquer cidadão acompanhar o seu desenvolvi-

mento, desde que não interfira de modo a perturbar ou impedir a realização dos traba-

lhos.

Parágrafo único. O procedimento licitatório previsto nesta lei caracteriza ato administrati-

vo formal, seja ele praticado em qualquer esfera da Administração Pública.

O procedimento deve observar rigorosamente a previsão legal. O administrador não pode


pular etapas, juntar modalidades de licitações para criar outra, inverter as fases, juntar duas
fases em uma etc.

Atenção! O procedimento formal deve ser observado sem exageros. A jurisprudência do STJ
reconhece que a formalidade tem de ser a necessária. Ou seja, deve ser aquela que, se não
observada, causa prejuízo. Formalidade por mera formalidade (por capricho) não deve ser
observada. Ex.: numa licitação para aquisição de envelope amarelo, o licitante pode partici-

127
par com envelope pardo, caso não encontre na cidade envelope amarelo. A cor é um forma-
lismo desnecessário, não podendo o licitante ser excluído por essa razão.

5 – Contratação direta

A contratação direta será possível nas hipóteses de dispensa e inexigibilidade de licitação.

A regra no Brasil é a realização da licitação. Excepcionalmente, a administração contratará


de forma direta. A contratação direta é mal vista pelo direito, pois é a maior fonte de frau-
des no procedimento licitatório.

5.1 – Dispensa de licitação

A dispensa de licitação ocorre nos casos em que a competição é viável, mas a lei entende ser
ela desnecessária. Por ser viável a licitação, o rol legal de hipóteses de dispensa é taxativo.

A dispensa divide-se em duas modalidades:

i) licitação dispensada (art. 17 da Lei 8.666/1993): nestes casos, o administrador não tem
liberdade. Ele simplesmente não pode licitar;

ii) licitação dispensável (art. 24 da Lei 8.666/1993): nestas hipóteses, a administração tem
liberdade para decidir se licitará ou não.

5.2 – Inexigibilidade

5.2.1 – noções gerais

Ao contrário da dispensa, no caso da inexigibilidade de licitação, a competição não é viável.


Ou seja, não é possível competir.

Ela está prevista no art. 25 da lei 8.666/1993. O dispositivo fala “em especial nos seguintes
casos”, de modo que o rol ali previsto é meramente exemplificativo. Isso significa que, sem-
pre que a competição for inviável, a licitação será inexigível.

Se a contratação direta é exceção, ela tem de ser bem justificada. Assim, será necessária a
instauração de um processo de justificação/fundamentação, previsto no art. 26 da Lei
8.666/1993. Essa justificação/motivação deve ser feita de forma bem cuidadosa, pois, como
visto, as hipóteses de fraude ocorrem nos casos de dispensa de licitação.

5.2.2 – pressupostos de viabilidade da competição

128
A competição deve atender a pressupostos lógico, jurídico e fático, sem os quais ela se torna
inviável e, por consequência, inexigível.

5.2.2.1 – pressuposto lógico

O pressuposto lógico da licitação é a pluralidade. A licitação nada mais é que uma competi-
ção em busca da melhor proposta. Desse modo, deve haver um número plural de ofertan-
tes.

Objeto singular é, em contraposição ao plural, aquele que permite a contratação direta.


Haverá singularidade de objeto em três situações:

i) objeto singular em caráter absoluto:

Trata-se da hipótese em que somente existe um objeto, por ter sido feito apenas aquele
pelo fabricante. Ex.: protótipo de determinada marca, no Salão do Automóvel. Isso inviabili-
za a competição, em virtude da ausência de pluralidade.

ii) objeto singular em virtude da participação dele em um evento externo/uma situação es-
pecial:

Exemplo desta hipótese é a chuteira com que o Pelé fez o gol na final da Copa do Mundo.
Note que o fabricante elaborou mais de uma peça daquele tipo, mas por ter o objeto parti-
cipado de um evento externo, tornou-se singular.

iii) objeto singular em razão de seu caráter pessoal:

Esta hipótese ocorre especialmente em obras artísticas. O objeto carrega toda a história, a
emoção do artista, as quais lhe conferem natureza íntima. A licitação é, evidentemente,
inexigível.

A grande discussão, no que concerne à pluralidade, diz respeito à caracterização do serviço


singular. Para a configuração da singularidade e, por consequência, da inexigibilidade da
licitação, o serviço deve atender aos seguintes requisitos:

i) previsão no art. 13 da Lei 8.666/1993;

ii) necessidade da singularidade:

A prestação singular/diferenciada deve ser necessária à administração. Cada um presta o


serviço ao seu modo (isso é ser singular), mas isso não basta para a inexigibilidade da licita-

129
ção. A administração tem de precisar do serviço diferenciado (ex.: contratação de advogado
especializado em determinada área específica) e essa singularidade tem de ser relevante.

iii) notória especialização do serviço:

A qualidade do serviço tem de ser reconhecida. Há sempre um problema no que se refere a


este requisito. Como escolher dentre dois profissionais reconhecidos? Aqui, é inevitável a
subjetividade. O administrador é quem decidirá qual deles é o melhor.

5.2.2.2 – pressuposto jurídico

O pressuposto jurídico da licitação consubstancia-se na persecução do interesse público.

As empresas públicas e as sociedades de economia mista podem ter, como atividade-fim, a


prestação de serviço público ou a exploração de atividade econômica. Quando prestam ser-
viço público, não há dúvida acerca da persecução do interesse público. Caso explorem ativi-
dade econômica, podem desenvolver atividade que envolva a segurança nacional ou o inte-
resse coletivo. Aqui, também há persecução do interesse público.

Se a licitação prejudicar a atividade-fim dessas empresas, prejudicará o interesse público. Ou


seja, prejudicará o interesse jurídico que visa a proteger. Nesse caso, haverá inviabilidade de
competição em decorrência da ausência de pressuposto jurídico da própria licitação.

5.2.2.3 – pressuposto fático

O pressuposto fático da licitação caracteriza-se pelo interesse do mercado no objeto da lici-


tação. Sem tal interesse, a licitação torna-se inviável, e, como tal, inexigível.

6 – Modalidades de licitação

As modalidades de licitação estão enumeradas nos artigos 20 a 22 da Lei 8.666/1993.

Se a questão de concurso mencionar que o critério da licitação é o preço, pode-se estar di-
ante das modalidades concorrência, tomada de preços ou convite. Se tratar da descrição ou
de qualidades do objeto, será hipótese de leilão, concurso ou pregão.

Há duas exceções a essa regra: a concorrência, que como regra é modalidade definida pelo
valor, em algumas circunstâncias poderá ser em virtude das qualidades ou da descrição do
objeto; o leilão, que como regra é pelo objeto, poderá em alguns casos ser pelo valor.

6.1 – Modalidades de licitação em razão do valor

6.1.1 – concorrência

130
Como ressaltado, a concorrência é modalidade de licitação escolhida em razão do valor.
Todavia, também poderá ser utilizada pelo objeto.

6.1.1.1 – concorrência em razão do valor

Os valores utilizados pela concorrência estão previstos no art. 23 da Lei 8.666/1993. O dis-
positivo traz dois parâmetros:

i) obras e serviços de engenharia: haverá concorrência quando eles custarem mais de R$


1.500.000,00;

ii) outros bens e serviços que não os de engenharia: haverá concorrência quando eles custa-
rem mais de R$ 650.000,00.

6.1.1.2 – concorrência em razão do objeto

A concorrência será a modalidade de licitação escolhida em razão do objeto nas seguintes


hipóteses:

i) quando se tratar de aquisição e alienação de imóvel:

Exceção a esta regra está prevista no art. 19 da Lei 8.666/1993: quando o imóvel for decor-
rente de decisão judicial ou de dação em pagamento, ao aliená-lo a administração poderá
escolher entre a concorrência e o leilão:

Art. 19. Os bens imóveis da Administração Pública, cuja aquisição haja derivado de proce-

dimentos judiciais ou de dação em pagamento, poderão ser alienados por ato da autori-

dade competente, observadas as seguintes regras: (...)

III - adoção do procedimento licitatório, sob a modalidade de concorrência ou leilão. (Re-

dação dada pela Lei nº 8.883, de 1994)

ii) nos casos de concessão:

Esta hipótese abrange a concessão de direito real de uso de bem público e a concessão de
serviço público.

Em se tratando da concessão de serviço, importante observar que, no Brasil, foi criado o


Programa Nacional de Desestatização, em razão do qual alguns serviços foram aliena-
dos/concedidos. Ex.: transferência da telefonia. Em se tratando de um dos serviços incluídos
no PND, a modalidade de licitação poderá ser o leilão.

131
iii) na licitação internacional (aquela com a participação de empresas estrangeiras) a regra
será a realização da concorrência:

Há duas exceções a essa regra: se o valor do contrato corresponder àquele permitido para a
tomada de preços e houver cadastro de empresas estrangeiras, será possível a tomada de
preços; se o valor do contrato corresponder ao da modalidade convite e não houver forne-
cedor naquela área no Brasil, será possível o convite.

6.1.1.3 – prazo de intervalo mínimo

Em cada modalidade de licitação, há o chamado “prazo de intervalo mínimo”, que vai da


publicação do edital até a entrega dos envelopes. Trata-se do prazo que tem a empresa para
recolher documentos e elaborar a sua proposta. Cada modalidade possui um prazo de inter-
valo mínimo, previsto no art. 21, § 2º, da Lei 8.666/1993.

Na concorrência, em se tratando de licitação do tipo técnica ou técnica e preço, o prazo de


intervalo mínimo será de 45 dias; se ela for de somente de preço, o prazo será de 30 dias.

O prazo é mínimo, nada impedindo que seja previsto outro maior. Sempre que a lei fala em
dia útil, ela o faz expressamente. Desse modo, esse prazo é de dias corridos.

6.1.2 – tomada de preços

A tomada de preços é modalidade de licitação cujo parâmetro é o valor. São dois os valores
exigidos na tomada de preços (art. 23 da Lei 8.666/1993):

i) para obras e serviços de engenharia: acima de R$ 150.000,00 até R$ 1.500.000;

ii) outros serviços que não os de engenharia: acima de R$ 80.000,00 até R$ 650.000,00.
Abaixo desses valores, a modalidade será o convite.

Quem pode participar dessa modalidade licitatória? A tomada de preços é modalidade que
envolve um cadastramento, uma espécie da habilitação prévia. O cadastro é um banco de
dados. Os documentos que seriam exigidos na habilitação são exigidos para o cadastramen-
to. Conclusão: o certificado de registro cadastral evita que o participante tenha de apresen-
tar extensa lista de documentos, agilizando o procedimento.

Assim, podem participar da tomada de preços os licitantes cadastrados, mediante a apre-


sentação do certificado de registro cadastral. Além deles, também podem participar os lici-
tantes que preencherem os requisitos para o cadastramento até o terceiro dia anterior à

132
entrega dos envelopes. Neste caso, o participante deve apresentar requerimento com todos
os documentos que comprovem o preenchimento dos requisitos.

Em se tratando de habilitação prévia, os documentos exigidos são, normalmente, os mes-


mos da habilitação, listados no art. 27 da Lei 8.666/1993:

Art. 27. Para a habilitação nas licitações exigir-se-á dos interessados, exclusivamente, do-

cumentação relativa a:

I - habilitação jurídica;

II - qualificação técnica;

III - qualificação econômico-financeira;

IV – regularidade fiscal e trabalhista; (Redação dada pela Lei nº 12.440, de 2011)

V – cumprimento do disposto no inciso XXXIII do art. 7º da Constituição Federal. (Incluído

pela Lei nº 9.854, de 1999)

O prazo de intervalo mínimo da modalidade tomada de preços está no art. 21 da lei. Em se


tratando de técnica ou técnica mais preço, o prazo será de 30 dias; caso se trate de somente
preço, será de 15 dias. Como dito, são dias corridos.

6.1.3 – convite

O convite também é modalidade selecionada em razão do valor. É empregada em contratos


de pequeno valor:

i) para obras e serviços de engenharia: R$ 0,00 a R$ 150.000,00;

ii) para outros bens e serviços: R$ 0,00 a R$ 80.000,00.

Cumpre ressaltar que a licitação é dispensável em se tratando de valores pequenos. Como é


dispensável, o administrador pode licitar. Se o fizer, a modalidade será o convite.

Podem participar desta modalidade os licitantes convidados, que podem ser cadastrados ou
não, desde que sejam do ramo da atividade. Serão convidados em número mínimo de três.
Caso a administração tenha convidado três, mas somente um tenha aparecido, ou, caso a
administração somente tenha convidado dois, por haver somente eles no ramo, a adminis-
tração deve justificar e determinar o prosseguimento da licitação.

O TCU, entretanto, critica essa orientação legal, dizendo que deve haver três convites váli-
dos.

133
Além dos convidados, podem participar da modalidade convite os licitantes cadastrados que
manifestarem interesse em participar com pelo menos 24 horas de antecedência. Esse prazo
de 24 horas não é de cadastramento, mas para manifestação de interesse do já cadastrado.

Na modalidade convite, o prazo de intervalo mínimo é de 5 dias úteis. Note-se que, aqui, a
lei fala em “dias úteis”.

O instrumento convocatório não é o edital, mas a carta-convite, a qual não é publicada no


Diário Oficial. Encaminha-se a carta aos convidados, sendo ela também fixada no átrio da
repartição.

Normalmente, a comissão de licitação (art. 51 da Lei 8.666/1993) é composta por pelo me-
nos três servidores. No convite, há uma exceção: se a repartição for pequena e selecionar
três servidores for prejudicar o andamento dos serviços, poderá ser formada a comissão
com apenas um servidor (art. 51, § 1º):

Art. 51 (...) § 1º No caso de convite, a Comissão de licitação, excepcionalmente, nas pe-

quenas unidades administrativas e em face da exigüidade de pessoal disponível, poderá

ser substituída por servidor formalmente designado pela autoridade competente.

6.1.4 – observações gerais quanto às modalidades de licitação em razão do valor

O art. 24 da Lei 8.666/1993 prevê hipótese de licitação dispensável no caso pequeno valor,
correspondente a 10% da modalidade convite:

i) obras e serviços de engenharia: até R$ 15.000,00;

ii) outros bens e serviços que não os de engenharia: até R$ 8.000,00.

O parágrafo único do art. 24 prevê hipótese de dispensa de licitação em valor corresponden-


te a 20% da modalidade convite (o dobro, portanto), em se tratando de licitação realizada
por empresas públicas, sociedades de economia mista, autarquias e fundações (quanto qua-
lificadas como agências executivas) e consórcios públicos:

A lei determina que, quando a modalidade de licitação prevista for a mais simples, nada
impede que o administrador opte por uma mais rigorosa. Ex.: se é possível a realização de
convite para determinada obra de engenharia de R$ 100.000,00, a modalidade de licitação
utilizada também poderá ser a tomada de preços ou a concorrência. Observe-se que não é
possível a troca de uma modalidade mais rigorosa por outra mais simples, mas somente da
mais simples para a mais rigorosa.

134
Essa troca poderá ser realizada, por exemplo, em razão de solenidade, da segurança, da
credibilidade ou de algum requisito na modalidade mais rigorosa que permita a escolha da
melhor proposta.

A lei proíbe divisão/parcelamento/fracionamento de despesas com o objetivo de tornar


possível a dispensa ou realizar modalidade mais simples de licitação. Se é possível a contra-
tação do bem ou serviço por inteiro, não pode o administrador realizar o fracionamento (art.
23, § 5º da Lei 8.666/93). Esse parcelamento representa uma fraude ao dever de licitar:

Art. 23 (...) § 5º É vedada a utilização da modalidade "convite" ou "tomada de preços",

conforme o caso, para parcelas de uma mesma obra ou serviço, ou ainda para obras e

serviços da mesma natureza e no mesmo local que possam ser realizadas conjunta e con-

comitantemente, sempre que o somatório de seus valores caracterizar o caso de "tomada

de preços" ou "concorrência", respectivamente, nos termos deste artigo, exceto para as

parcelas de natureza específica que possam ser executadas por pessoas ou empresas de

especialidade diversa daquela do executor da obra ou serviço. (Redação dada pela Lei nº

8.883, de 1994)

Ex.: caso o administrador precise locar dez veículos no decorrer de um ano, ele não pode
realizar dez dispensas de licitação. Ainda que ele licite a contratação de um só carro por vez,
a modalidade escolhida deve corresponder àquela que seria possível em razão da soma dos
dez contratos. O administrador deve planejar suas despesas e necessidades, sob pena de
caracterização de fracionamento e fraude, com responsabilização.

Em se tratando de consórcios públicos, os valores da modalidade convite e tomada de pre-


ços serão, nos termos do art. 23, § 8º, da Lei 8.666/1993, dobrados ou triplicados, conforme
seja ele composto, respectivamente, por até três ou mais de três entes:

Art. 23 (...) § 8º No caso de consórcios públicos, aplicar-se-á o dobro dos valores mencio-

nados no caput deste artigo quando formado por até 3 (três) entes da Federação, e o tri-

plo, quando formado por maior número. (Incluído pela Lei nº 11.107, de 2005)

6.2 – Modalidades de licitação em razão do objeto

6.2.1 – leilão

6.2.1.1 – leilão em razão do objeto

135
A escolha pelo leilão é feita em razão do objeto. Trata-se de modalidade que serve exclusi-
vamente para a alienação de determinados bens (a administração não compra nada por
leilão).

Como visto anteriormente, a regra é a alienação de imóveis através de concorrência. Toda-


via, utiliza-se o leilão para a alienação daqueles imóveis adquiridos pela administração atra-
vés de decisão judicial ou dação em pagamento.

Relativamente aos bens móveis, a lei determina que podem ser alienados através de leilão
os inservíveis, os apreendidos e os penhorados.

Bem móvel inservível não é sinônimo de sucata. Basta que o bem não sirva mais a determi-
nado órgão público. Ex.: um órgão que necessite realizar fiscalização ostensiva no interior e
pegar muita estrada não usará um carro muito velho. Todavia, esse carro poderá servir a
outro órgão que realize atividades dentro da própria cidade.

A administração pode também realizar leilão com os bens apreendidos. Todavia, nem sem-
pre poderá ser realizado leilão de bens dessa natureza. Os bens falsificados não são leiloa-
dos, mas destruídos.

Bem penhorado é aquele objeto de penhora, restrição ao bem que acontece dentro de uma
ação de execução, em hasta pública. O leilão estudado neste tópico, contudo, não é o pre-
visto no CPC. Quando o legislador fala em bens “penhorados”, ele comete um equívoco. Ele
estava se referindo aos bens objetos de penhor, chamados de bens “empenhados” (ex.:
leilão de joias da CEF).

6.2.1.2 – leilão em razão do valor

Caso os bens móveis valham até R$ 650.000,00, eles também serão alienados através de
leilão (art. 17, § 6º da Lei 8.666/1993):

Art. 17 (...) § 6º Para a venda de bens móveis avaliados, isolada ou globalmente, em quan-

tia não superior ao limite previsto no art. 23, inciso II, alínea "b" desta Lei, a Administra-

ção poderá permitir o leilão. (Incluído pela Lei nº 8.883, de 1994)

6.2.1.3 – demais questões relacionadas ao leilão

O prazo de intervalo mínimo da modalidade leilão é de 15 dias corridos. Quem faz o leilão é
o leiloeiro, que normalmente é um servidor designado para o exercício dessa função. O lei-
lão não tem procedimento previsto em lei. Ele segue a praxe administrativa, o padrão dos
locais que o realizam (trata-se do “quem dá mais”).

136
6.2.2 – concurso

Essa modalidade de licitação não se confunde com o concurso público, que serve para o
preenchimento de cargo público. O concurso enquanto modalidade licitatória serve para a
escolha de trabalho técnico, artístico ou científico, e a contrapartida será um prêmio ou uma
remuneração. Ex.: concurso para a escolha de uma escultura que ficará em determinada
praça, em que o vencedor ganha um carro.

No concurso, o prazo de intervalo mínimo será de 45 dias. Esse é o prazo que mais cai em
prova de concurso público.

A comissão do concurso é chamada de “Comissão Especial” (art. 51, § 5º, da Lei


8.666/1993). Ela é especial por ter a peculiaridade de não precisar ser composta por servido-
res. Qualquer pessoa idônea e com conhecimento na área poderá integrá-la:

Art. 51 (...) § 5º No caso de concurso, o julgamento será feito por uma comissão especial

integrada por pessoas de reputação ilibada e reconhecido conhecimento da matéria em

exame, servidores públicos ou não.

O concurso não tem regulamento previsto em lei. Cada um terá seu regramento próprio, no
qual se encontrará a definição de suas regras.

6.2.3 – pregão

O pregão é modalidade de licitação prevista na Lei 10.520/2002. Ao contrário do leilão, que


somente serve para alienação, o pregão somente serve para aquisição (a administração não
vende nada através de pregão).

O pregão serve para a aquisição de bens e serviços comuns. Bem e serviço comum é aquele
que pode ser conceituado no edital com expressão usual de mercado. Ex.: aquisição de copo
de água mineral de 200 mL; papel A4 branco; TV de tela plana de “X” polegadas. Não signifi-
ca dizer que o bem seja simples, fácil de fabricar, mas que se trata de um bem facilmente
adquirível no mercado.

O pregão nasceu como modalidade licitatória das agências reguladoras, através da Lei
9.472/1997 (Lei da Anatel). Posteriormente, foi estendido à União, pela MP 2026/2000.
Convertida a MP na Lei 10.520/2002, o pregão foi generalizado para todos os entes.

Na medida em que serve para a aquisição de bens e serviços comuns, o pregão só pode ser
utilizado para o tipo “menor preço” (nunca para “melhor técnica” ou “técnica e preço”).

137
Quem realiza o pregão no Brasil é o pregoeiro. Ele é auxiliado por uma equipe de apoio. O
prazo de intervalo mínimo no pregão será de 8 dias úteis. Perceba que, assim como no con-
vite, o prazo será contado em dias úteis.

O procedimento do pregão é invertido: primeiro são analisadas as propostas, para depois


passar-se à análise dos documentos da empresa.

Ele poderá ser de dois padrões: i) pregão presencial; ii) pregão eletrônico.

O pregão eletrônico é muito utilizado em âmbito federal. A diferença em relação ao presen-


cial é que ele é realizado em ambiente virtual. Como numa sala de bate-papo, as propostas
são apresentadas. Disciplinam o pregão virtual os Decretos: 5.450/2005 (definição do proce-
dimento) e 5.504/2005 (preferência da adoção do pregão eletrônico em âmbito federal).

7 – Procedimento da licitação

Neste tópico, serão analisados os procedimentos da concorrência, da tomada de preços e do


convite, que têm a mesma sequência, com algumas diferenças. Não serão estudados o leilão
(que não tem procedimento, segue a praxe) e o concurso (pois cada qual tem o seu proce-
dimento). Ao final, serão analisadas as especificidades relativas ao procedimento do pregão.

A licitação é um procedimento administrativo que, como tal, deve observar determinadas


formalidades previstas em lei. A primeira providência é a identificação da necessidade de
licitar. Identificada a necessidade, é instaurado um processo. Após, ocorrerá a nomeação da
comissão.

A leitura da Lei 8.666/1993 deve ser realizada com atenção ao procedimento. Ela é um pou-
co desorganizada. A sugestão é realizar a leitura visualizando a sequência dos artigos como
apresentada a seguir.

7.1 – Fase interna da licitação

Na fase interna da licitação, será preparado o processo dentro da própria administração,


antes da publicação do edital.

Inicialmente, ocorre a formalização do processo. Formalizar o processo significa identificar a


necessidade de licitar. Ex.: percebe-se a necessidade da aquisição de canetas.

A primeira providência relacionada à formalização é a autuação (dar capa, número, identifi-


cação das partes). Em seguida, deve haver no processo a demonstração da necessidade.
Posteriormente, a administração deve realizar a reserva do recurso orçamentário, identifi-

138
cando o código do orçamento (a verba) que irá bancar a contratação. O dinheiro é reservado
desde o momento inicial.

Alguns administradores não somente não reservam recurso como inventam recursos, sa-
bendo que o dinheiro nunca irá entrar. A mentira na definição da lei orçamentária repercuti-
rá no futuro, quando surgir a necessidade de realizar contratação mediante a utilização da-
queles recursos (a obra nunca sairá). A situação mais complicada que se verifica hoje diz
respeito à falsidade ideológica na lei orçamentária29.

A autoridade que recebe o pedido nomeia a comissão de licitação (art. 51 da Lei de Licita-
ções). Nomeada, a comissão passa-se à elaboração do edital, com a observância das regras
previstas no art. 40 da Lei 8.666/1993. Como não há a exigência de que a comissão tenha
formação jurídica, o edital elaborado é submetido a um parecer jurídico da Procuradoria.
Apresentado o parecer, o processo volta à autoridade superior, que realiza uma autorização
formal para a deflagração do certame, com a publicação do edital.

7.2 – Fase externa da licitação

A fase externa da licitação inicia-se com a publicação do edital de licitação.

As regras acerca da publicação estão no art. 21 da Lei 8.666/93. Publica-se no DO e em jor-


nal de grande circulação o aviso de edital. A íntegra do edital é obtida junto à administração,
que só pode cobrar o custo da reprodução. A administração não pode ter lucro com a venda
do edital (não pode haver nenhuma forma de comercialização).

A administração também não pode condicionar a participação na licitação à aquisição do


edital. O licitante tem de conhecer o conteúdo do edital, da forma que entender melhor (ler,
pegar emprestado, copiar de outro licitante etc.).

Nada impede que a administração divulgue a íntegra do edital em seu site.

Publicado o edital, é possível impugná-lo. A impugnação do edital tem suas regras previstas
no art. 41 da Lei 8.666/93:

Art. 41. A Administração não pode descumprir as normas e condições do edital, ao qual se

29 No site do TCU, há uma “cartilha da corrupção”, cuja leitura é recomendada. Ela descreve situa-
ções terríveis, como o pagamento de casa de prostituição com cheque do Município.

139
acha estritamente vinculada.

§ 1º Qualquer cidadão é parte legítima para impugnar edital de licitação por irregularida-

de na aplicação desta Lei, devendo protocolar o pedido até 5 (cinco) dias úteis antes da

data fixada para a abertura dos envelopes de habilitação, devendo a Administração julgar

e responder à impugnação em até 3 (três) dias úteis, sem prejuízo da faculdade prevista

no § 1º do art. 113.

§ 2º Decairá do direito de impugnar os termos do edital de licitação perante a administra-

ção o licitante que não o fizer até o segundo dia útil que anteceder a abertura dos enve-

lopes de habilitação em concorrência, a abertura dos envelopes com as propostas em

convite, tomada de preços ou concurso, ou a realização de leilão, as falhas ou irregulari-

dades que viciariam esse edital, hipótese em que tal comunicação não terá efeito de re-

curso. (Redação dada pela Lei nº 8.883, de 1994)

§ 3º A impugnação feita tempestivamente pelo licitante não o impedirá de participar do

processo licitatório até o trânsito em julgado da decisão a ela pertinente.

§ 4º A inabilitação do licitante importa preclusão do seu direito de participar das fases

subseqüentes.

Qualquer cidadão é parte legítima para impugnar o edital. Não se trata de qualquer pessoa,
mas de qualquer cidadão (aquele que está no exercício dos direitos políticos, que pode votar
e ser votado).

O cidadão tem até o 5º dia útil de antecedência da data designada para a entrega das pro-
postas para realizar a impugnação. A comissão tem três dias úteis para o julgamento.

Além do cidadão, pode impugnar o edital qualquer potencial licitante, entendido como
aquele que tem interesse em participar da licitação. Neste caso, o prazo para a impugnação
é de até dois dias úteis de antecedência da data para a entrega dos envelopes. Importante
destacar todos os pontos têm de ser impugnados, na via administrativa, nesse prazo, sob
pena de decair do direito de impugnação (na via administrativa), ainda que se trate de ques-
tionamento de norma que será aplicável em momento posterior do certame.

A impugnação não tem efeito suspensivo e não tem natureza de recurso. O processo segue.
O ideal é que a comissão a julgue logo no início do processo, mas ele não para por conta
dela.

Caso a comissão identifique o defeito no edital em virtude da impugnação, ela pode alterá-lo
(art. 21, § 4º da Lei). É o único momento em que comissão poderá fazê-lo:

Art. 21 (...) § 4º Qualquer modificação no edital exige divulgação pela mesma forma que

140
se deu o texto original, reabrindo-se o prazo inicialmente estabelecido, exceto quando,

inqüestionavelmente, a alteração não afetar a formulação das propostas.

A alteração tem de ocorrer através de um aditamento, o qual tem de ser publicado, da


mesma maneira que publicado o edital (DO, jornal de grande circulação). Caso a alteração
do edital exija documento novo, por um erro de elaboração, os participantes necessitarão
de um prazo para providenciá-lo. Quando o aditamento alterar as obrigações do edital, seja
para exigir novas, seja para eximir alguma existente, necessariamente a comissão terá de
reabrir o prazo de intervalo mínimo.

7.3 – Fase da entrega dos envelopes

Na fase da entrega dos envelopes devem ser entregues à administração dois ou três envelo-
pes, a depender do tipo de licitação. Se a licitação for do tipo preço ou do tipo técnica, serão
entregues dois envelopes (documentos e proposta de melhor técnica ou preço); se for do
tipo técnica mais preço, serão entregues três envelopes (de documentos, de proposta de
melhor técnica e de melhor preço).

O licitante pode mandar entregar ou enviar os envelopes pelo correio, desde que eles che-
guem na hora certa da licitação. Ele não tem de estar fisicamente no local. Caso tenha havi-
do encerramento do recebimento, o licitante não poderá mais entregar os envelopes. Não
importa o tempo de atraso, mas o momento da licitação.

Recebidos os envelopes e encerrado o prazo de recebimento, inicia-se o momento braçal:


todos os envelopes de todos os licitantes devem ser rubricados por todos os membros da
comissão e todos os licitantes presentes. A ideia é comprovar que o envelope não será subs-
tituído.

Caso haja muitos licitantes (ex.: licitação com 100 participantes poderá ter 300 envelopes), a
administração pode indicar três licitantes para rubricarem em nome dos demais.

7.4 – Fase de habilitação

O primeiro envelope é o que contém os documentos das empresas. Habilitação nada mais é
que a fase de análise daqueles documentos. Alguns autores chamam esta fase de “qualifica-
ção”.

Todos os membros da comissão e todos os licitantes presentes devem rubricar todos os


documentos de todos os participantes. Mais uma vez, para evitar a substituição.

141
Passada a fase das rubricas, a comissão analisa os documentos da empresa. O art. 27 prevê
os requisitos da habilitação. O dispositivo tem rol taxativo (habilitação jurídica, qualificação
técnica, regularidade fiscal e observância ao art. 7º da CR). Tais requisitos são disciplinados
pelos artigos seguintes.

As empresas que preencham os requisitos do art. 27 estão habilitadas. Aquelas que não
preencham estarão inabilitadas. Para quem prefere o termo qualificação, chama de qualifi-
cada e desqualificada (e não desclassificada, que ocorre na próxima fase da licitação).

Do julgamento da habilitação, cabe a interposição de recurso, previsto no art. 109 da Lei


8.666/1993:

Art. 109. Dos atos da Administração decorrentes da aplicação desta Lei cabem:

I - recurso, no prazo de 5 (cinco) dias úteis a contar da intimação do ato ou da lavratura da

ata, nos casos de:

a) habilitação ou inabilitação do licitante; (...)

Deve ser apresentado no prazo de 5 dias úteis e tem efeito suspensivo (o processo fica para-
lisado até seu julgamento). Em se tratando de convite, o prazo de recurso será de 2 dias
úteis.

O que ocorrerá se todas as empresas forem inabilitadas? Nesse caso, a lei determina que se
tente salvar os trabalhos até então realizados. Será tentada a diligência prevista no art. 48, §
3º da Lei 8.666/1993:

Art. 48 (...) § 3º Quando todos os licitantes forem inabilitados ou todas as propostas fo-

rem desclassificadas, a administração poderá fixar aos licitantes o prazo de oito dias úteis

para a apresentação de nova documentação ou de outras propostas escoimadas das cau-

sas referidas neste artigo, facultada, no caso de convite, a redução deste prazo para três

dias úteis. (Incluído pela Lei nº 9.648, de 1998)

A administração suspenderá a habilitação e abrirá um prazo para que as empresas comple-


mentem seus documentos. O prazo será de 8 dias úteis. Caso se trate de convite, será redu-
zido para 3 dias úteis.

Se, aberto o prazo, todos os participantes continuarem inabilitados, será necessária a reali-
zação de nova licitação.

Os licitantes habilitados passam à fase seguinte. Os inabilitados são excluídos do procedi-


mento.

142
7.5 – Fase de classificação e julgamento

Na fase de classificação e julgamento, serão analisadas as propostas apresentadas. São aber-


tos os segundos envelopes. Feito isso, todos os licitantes presentes e os membros da comis-
são têm de rubricar os documentos deste segundo envelope (art. 43, § 2º, da Lei
8.666/1993).

O primeiro passo é realizar a classificação das empresas: a comissão observa se a empresa,


em sua proposta, cumpriu as formalidades exigidas. Além disso, ela verifica se o preço está
compatível com o praticado no mercado. Cumpridas as formalidades e sendo o preço de
mercado, a empresa está classificada. Caso não ocorra uma dessas ou ambas as hipóteses,
ela será desclassificada (arts. 44 e 48 da Lei).

Se todas as empresas forem desclassificadas, mais uma vez será utilizada a diligência previs-
ta no art. 48, § 3º (8 dias úteis para a complementação; caso se trate de convite: 3 dias
úteis). Caso persistam as desclassificações, caracterizar-se-á a chamada licitação fracassada.
Trata-se de hipótese de dispensa de licitação. Assim, a saída para a licitação fracassada é a
possibilidade de contratação direta com dispensa de licitação (art. 24 da Lei 8.666/1993).

Cuidado, pois licitação fracassada é diferente de licitação deserta (aquela em que, publicado
o edital, nenhum licitante aparece). Na deserta, será possível a dispensa da licitação, desde
que a realização de uma nova licitação represente prejuízo à administração.

Feita a classificação, a administração passará ao julgamento da melhor proposta. Escolhida a


melhor, as demais propostas serão novamente classificadas (colocadas em ordem de classi-
ficação).

Se as empresas, na fase de julgamento, estiverem empatadas, o primeiro critério de desem-


pate está previsto no art. 3º, § 2º da Lei 8.666/1993, alterado pela Lei 12.349/2010:

Art. 3º (...) § 2º Em igualdade de condições, como critério de desempate, será assegurada

preferência, sucessivamente, aos bens e serviços:

I - (Revogado pela Lei nº 12.349, de 2010)

II - produzidos no País;

III - produzidos ou prestados por empresas brasileiras.

IV - produzidos ou prestados por empresas que invistam em pesquisa e no desenvolvi-

mento de tecnologia no País. (Incluído pela Lei nº 11.196, de 2005)

143
São aplicados os seguintes critérios, sucessivamente: bens produzidos no Brasil, bens produ-
zidos por empresas brasileiras e bens produzidos por empresas que invistam em pesquisa ou
desenvolvimento de tecnologia.

Até 2010, havia discussão acerca da constitucionalidade do art. 3º, cujo inciso I dava prefe-
rência aos bens produzidos ou prestados por empresas brasileiras de capital nacional. Com a
alteração, a discussão acabou.

Caso persista o empate, utiliza-se como critério de desempate o sorteio (art. 45, § 2º, da Lei
8.666/1993):

Art. 45 (...) § 2º No caso de empate entre duas ou mais propostas, e após obedecido o

disposto no § 2º do art. 3º desta Lei, a classificação se fará, obrigatoriamente, por sorteio,

em ato público, para o qual todos os licitantes serão convocados, vedado qualquer outro

processo. (...)

Qualquer mecanismo de sorteio pode ser utilizado, que terá, todavia, de ser descrito na ata.

Terminada a fase de classificação e julgamento, abre-se às partes a oportunidade de apre-


sentação de recurso (art. 109 da Lei de Licitações). Esse recurso também terá efeito suspen-
sivo. O prazo para a apresentação também será de 5 dias úteis. Se a modalidade de licitação
aplicada for convite, o prazo será de dois dias úteis.

7.6 – Fase de homologação

Fase de homologação é a etapa em que se verifica a regularidade do procedimento.

Quem realiza a homologação não é a própria comissão que realizou a licitação, mas a auto-
ridade (o chefe) que deflagrou a realização do certame e nomeou a comissão de licitação.

7.7 – Fase de adjudicação

Feita a homologação, a autoridade realiza a adjudicação, que significa dar ao vencedor essa
condição. A vitória na licitação gera para a vencedora a expectativa de direito de realizar o
contrato, e não o direito à contratação. Ela tem a certeza tão somente de não ser preterida,
caso a administração realmente resolva celebrar o contrato.

A empresa vencedora, por sua vez, está vinculada à sua proposta e obrigada a assinar o con-
trato (art. 64, § 3º), sob pena de sofrer as penalidades do art. 87. Tal vinculação ocorre pelo
prazo de 60 dias da entrega dos envelopes, salvo a previsão de outro prazo no edital:

Art. 64 (...) § 3º Decorridos 60 (sessenta) dias da data da entrega das propostas, sem con-

144
vocação para a contratação, ficam os licitantes liberados dos compromissos assumidos.

Art. 87. Pela inexecução total ou parcial do contrato a Administração poderá, garantida a

prévia defesa, aplicar ao contratado as seguintes sanções:

I - advertência;

II - multa, na forma prevista no instrumento convocatório ou no contrato;

III - suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a

Administração, por prazo não superior a 2 (dois) anos;

IV - declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública en-

quanto perdurarem os motivos determinantes da punição ou até que seja promovida a

reabilitação perante a própria autoridade que aplicou a penalidade, que será concedida

sempre que o contratado ressarcir a Administração pelos prejuízos resultantes e após de-

corrido o prazo da sanção aplicada com base no inciso anterior. (...)

Caso não haja a contratação da primeira colocada, são chamadas as seguintes empresas,
sucessivamente, de acordo com a ordem de classificação, pelo preço da vencedora. As cha-
madas não são obrigadas a aceitar a assinatura do contrato.

7.8 – Especificidades do procedimento do pregão

Como visto, o procedimento do pregão é invertido. A primeira etapa, de formalização do


processo, ocorre normalmente. Depois, é publicado o edital. São então recebidos os envelo-
pes, com as mesmas formalidades estudadas acima (no caso do pregão, são dois envelopes).

Na próxima etapa ocorre a inversão: em primeiro lugar, passa-se à fase de classificação e


julgamento. Primeiro é selecionada a melhor proposta. Verifica-se se as empresas preen-
chem as formalidades exigidas e se o preço condiz com o praticado no mercado. Em seguida,
haverá três fases: em um primeiro momento, são analisadas as propostas escritas, para a
escolha da melhor. Isso seleciona as demais classificadas que não excedam a 10% da melhor
proposta. Entre essas propostas que não excedam 10%, deve haver um número mínimo de
três. Se não houver número suficiente para cumprir essa regra, deixa-se ela de lado e sim-
plesmente se escolhem as quatro melhores propostas (a melhor e mais três).

Selecionadas as propostas, passa-se à fase de lances verbais (o “quem dá mais”). Escolhida a


vencedora, somente ela passa à etapa seguinte, que é a fase de habilitação, em que serão
analisados os documentos pessoais da empresa. Aqui, a Lei remete aos arts. 27 e seguintes
da Lei 8.666/1993.

145
Somente há um recurso nesse procedimento, que pode ser interposto após a fase de habili-
tação e deve ser imediato (o sujeito levanta a mão e manifesta a vontade de recorrer), po-
dendo as razões ser apresentadas no prazo de três dias.

Caso a empresa vencedora da fase de classificação e julgamento não seja habilitada, será
chamada a segunda colocada a apresentar os documentos. Nesse caso, ela é chamada no
seu próprio preço, e não no da primeira, como ocorre no procedimento comum. Isso por-
que, lá, a licitação já acabou.

Após, ocorre outra inversão: primeiro vem a adjudicação, depois a homologação. A doutrina
considera essa inversão um absurdo, mas a lei é expressa nesse sentido.

146
CONTRATOS ADMINISTRATIVOS

1 – Conceito

Contrato administrativo é o vínculo jurídico (um ajuste, uma relação jurídica) em que os
sujeitos ativo e passivo se comprometem a uma prestação e uma contraprestação, tendo
como finalidade a satisfação do interesse público. Esse ajuste está sujeito a regime jurídico
de direito público e conta com a participação do Poder Público, que poderá estar tanto no
sujeito ativo quanto no passivo.

Contrato administrativo não se confunde com contrato da administração. Contrato da admi-


nistração é todo contrato celebrado pela administração. Se esse contrato estiver sujeito a
regime público, será chamado de contrato administrativo. Um contrato de locação celebra-
do pela administração, por exemplo, pode estar sujeito a regime público ou privado, hipóte-
ses em que será, respectivamente, contrato administrativo ou contrato da administração.

2 – Características

2.1 – Formal

O contrato administrativo tem várias formalidades previstas pela lei.

2.2 – Consensual

Consensual é o contrato que se aperfeiçoa (torna-se perfeito e acabado) no momento em


que a vontade é manifestada. Contrato consensual opõe-se ao real, que depende da entrega
do bem para se aperfeiçoar.

Ex.: o sujeito compra uma geladeira, em que resta pactuada a entrega em 10 dias e o paga-
mento em 30 dias. Esse contrato de compra e venda aperfeiçoa-se no momento em que o
sujeito vai à loja. Assim como o administrativo, a compra e venda é contrato consensual.
Entrega e pagamento são adimplemento, execução do contrato.

2.3 – Comutativo

No contrato administrativo, a prestação e a contraprestação são equilibradas. Essa é a carac-


terística de um contrato comutativo. Paga-se pelo bem aquilo que ele efetivamente vale.

Prestação e contraprestação devem ser equivalentes e predeterminadas no contrato admi-


nistrativo.

147
Contrato comutativo é oposto ao contrato aleatório, que é aquele em que as prestações não
são equilibradas e não estão predefinidas.

2.4 – Personalíssimo

No contrato personalíssimo, são levadas em consideração as qualidades/características do


contratado.

Se o contrato administrativo é personalíssimo, é possível no Brasil a subcontratação? A sub-


contratação não é vista com bons olhos pela doutrina, para a qual ela representaria uma
fraude ao dever de licitar.

Através da subcontratação, uma empresa licitante vencedora “X” transfere o objeto do con-
trato à empresa “Y”, que não participou da licitação. A empresa “X” sofre o rigor da licitação,
enquanto a “Y” leva o contrato sem ter de se submeter àquele procedimento. Para a doutri-
na, essa diferença entre as demandas viola o princípio da isonomia. Além disso, a doutrina
entende que a subcontratação viola princípios administrativos, como a supremacia do inte-
resse público.

Apesar dessas críticas doutrinárias, todavia, a lei permite a subcontratação. Por conta dessa
autorização legal, a doutrina tenta conciliar a previsão legal com o entendimento doutriná-
rio. Assim, ela somente será possível:

i) se estiver prevista no edital ou no contrato (sob pena de rescisão do contrato original);

ii) se houver autorização (anuência) do Poder Público, exigindo-se que a empresa subcontra-
tada sujeite-se às mesmas condições, aos mesmos requisitos exigidos no momento da licita-
ção;

iii) não seja transferida a totalidade do contrato: a subcontratação somente pode transferir
partes do contrato original.

2.5 – Contrato de adesão

Contrato de adesão é aquele em que uma das partes define as cláusulas e a outra parte ade-
re, se quiser. Não se discutem as cláusulas contratuais. Uma das partes tem o monopólio da
situação.

Nos contratos administrativos, o contrato já vem pronto, junto com o edital. Não há discus-
são de regras entre o ente público e o particular: a administração as define e a empresa
participa e adere se quiser.

148
3 – Formalidades (exigências) do contrato administrativo

3.1 – Licitação prévia

O contrato administrativo exige a licitação prévia, como primeira formalidade. Se, na hipóte-
se, houver dispensa ou inexigibilidade, haverá, para o estabelecimento do contrato, o cha-
mado “processo de justificação”.

O que legitima a celebração do contrato com dispensa ou inexigibilidade, portanto, é esse


processo de justificação (art. 26 da Lei 8.666/1993):

Art. 26. As dispensas previstas nos §§ 2º e 4º do art. 17 e no inciso III e seguintes do art.

24, as situações de inexigibilidade referidas no art. 25, necessariamente justificadas, e o

retardamento previsto no final do parágrafo único do art. 8º desta Lei deverão ser comu-

nicados, dentro de 3 (três) dias, à autoridade superior, para ratificação e publicação na

imprensa oficial, no prazo de 5 (cinco) dias, como condição para a eficácia dos atos. (Re-

dação dada pela Lei nº 11.107, de 2005)

Parágrafo único. O processo de dispensa, de inexigibilidade ou de retardamento, previsto

neste artigo, será instruído, no que couber, com os seguintes elementos:

I - caracterização da situação emergencial ou calamitosa que justifique a dispensa, quan-

do for o caso;

II - razão da escolha do fornecedor ou executante;

III - justificativa do preço.

IV - documento de aprovação dos projetos de pesquisa aos quais os bens serão alocados.

(Incluído pela Lei nº 9.648, de 1998)

3.2 – Instrumento de contrato

O instrumento de contrato está previsto no art. 62 da Lei 8.666/1993 (o dispositivo é muito


cobrado em prova):

Art. 62. O instrumento de contrato é obrigatório nos casos de concorrência e de tomada

de preços, bem como nas dispensas e inexigibilidades cujos preços estejam compreendi-

dos nos limites destas duas modalidades de licitação, e facultativo nos demais em que a

Administração puder substituí-lo por outros instrumentos hábeis, tais como carta-

contrato, nota de empenho de despesa, autorização de compra ou ordem de execução de

serviço. (...)

O instrumento de contrato é o documento que estabelece, de forma minuciosa/detalhada,


as regras da relação. Ex.: o sujeito que quer locar determinado apartamento elabora docu-

149
mento em que escrevem no papel as regras, condições e exigências daquela relação. Esse
documento é justamente o instrumento de contrato.

O art. 62 determina que o instrumento de contrato é obrigatório quando o valor do contrato


for correspondente às modalidades licitatórias concorrência ou tomada de preços. Se a hi-
pótese for de dispensa ou de inexigibilidade, mas o valor do contrato for de uma daquelas
modalidades, o instrumento é exigido. Assim, a concorrência ou a tomada não precisam
necessariamente ocorrer para que o instrumento seja exigido. Basta que o valor seja o cor-
respondente.

O instrumento de contrato será facultativo quando o valor do contrato for compatível com a
modalidade convite. Além disso, deve ser possível a realização do contrato de outra manei-
ra, ou seja, ser possível a substituição do instrumento de contrato por outro documento (a
lei dá algumas alternativas: carta contrato, ordem de serviço, nota de empenho, que são
atos administrativos simples, sem as formalidades/detalhes/minúcias do instrumento de
contrato).

3.3 – Escrito

O contrato administrativo deve ser realizado por escrito (art. 60, parágrafo único, da Lei
8.666/1993):

Art. 60 (...) Parágrafo único. É nulo e de nenhum efeito o contrato verbal com a Adminis-

tração, salvo o de pequenas compras de pronto pagamento, assim entendidas aquelas de

valor não superior a 5% (cinco por cento) do limite estabelecido no art. 23, inciso II, alínea

"a" desta Lei, feitas em regime de adiantamento.

Excepcionalmente, todavia, ele poderá ser verbal, caso haja pronta entrega, pronto paga-
mento e o valor não supere R$ 4.000,00.

3.4 – Publicação

O contrato administrativo precisa ser publicado. A exigência de publicação está prevista no


art. 61, parágrafo único, da Lei 8.666/1993, com redação dada pela Lei 8.883/1994. O que é
publicado é um resumo do contrato, o chamado “extrato do contrato”:

Art. 61 (...) Parágrafo único. A publicação resumida do instrumento de contrato ou de

seus aditamentos na imprensa oficial, que é condição indispensável para sua eficácia, será

providenciada pela Administração até o quinto dia útil do mês seguinte ao de sua assina-

tura, para ocorrer no prazo de vinte dias daquela data, qualquer que seja o seu valor, ain-

150
da que sem ônus, ressalvado o disposto no art. 26 desta Lei.

A publicação do contrato é responsabilidade da administração.

A lei é expressa no sentido de que a publicação é condição de eficácia do contrato. Não pu-
blicado, o contrato é válido, mas não produzirá efeitos.

O art. 61, parágrafo único, gera uma divergência quanto ao prazo que tem a administração
para a publicação. Para a maioria da doutrina, ela tem o prazo de 20 dias. Esse prazo, toda-
via, não pode ultrapassar o quinto dia útil do mês subsequente ao de sua assinatura. Assim,
assinado o contrato em 5 de maio, a administração tem até o dia 25 para publicá-lo. Assina-
do o contrato em 25 de maio, o prazo para a publicação não poderá ser de 20 dias: ele terá
de ser publicado no quinto dia útil do mês de junho. Assim, as regras de publicação são con-
comitantes: o que ocorrer primeiro, o decurso dos 20 dias ou a chegada do quinto dia útil, é
que valerá.

4 – Cláusulas necessárias do contrato administrativo

As cláusulas necessárias do contrato administrativo estão elencadas no art. 55 da Lei


8.666/1993. Há cláusulas necessárias e exorbitantes (as quais serão estudadas no tópico
adiante).

Se é necessária, a cláusula tem de constar obrigatoriamente do contrato administrativo.


Trata-se de clausula essencial. Ex.: partes, objeto, forma de pagamento, prazo etc.

Quando a administração publica o edital de licitação, juntamente com ele há a minuta do


contrato (condição obrigatória da licitação). Da mesma maneira, encerrada a licitação, junto
do contrato celebrado devem vir anexos o edital e a proposta vencedora.

Também é indispensável que o contrato estabeleça que a empresa vencedora da licitação


mantenha as condições no curso do contrato. Ex.: a empresa tem de ser idônea, não ter
débitos fiscais, durante toda a execução do contrato. As exigências do procedimento licita-
tório não são da licitação, mas do contrato. Elas servem para garantir que ele será adimpli-
do.

5 – Garantia do contrato

A garantia do contrato está prevista no art. 55 da Lei 8.666/1993. As minúcias dessa cláusula
da garantia estão previstas no art. 56 da mesma lei.

151
A lei diz que a administração pode exigir a garantia. Trata-se de poder-dever ou de faculda-
de? A palavra “pode”, nesse caso, tem sentido de poder-dever, ou seja, obrigação, para a
maioria da doutrina.

Essa garantia deve ser de até 5% do valor do contrato.

A lei traz uma exceção (uma ressalva), no que diz respeito ao percentual: excepcionalmente,
a garantia pode atingir até 10% do contrato, em contratos de grande vulto, alta complexida-
de e de riscos financeiros à administração.

Quem decidirá a forma da garantia, a maneira que ela será exercida, é o contratado. A lei dá
a ele opções a essa prestação: i) caução em dinheiro; ii) títulos da dívida pública; iii) fiança
bancária (trata-se da garantia fidejussória prestada por um banco); iv) seguro-garantia (nada
mais é que um contrato de seguro do contrato). Se o contratado não cumprir o previsto, a
seguradora o fará, pois entra como garantidora da relação.

6 – Duração do contrato

Os detalhes acerca da duração do contrato administrativo estão no art. 57 da Lei


8.666/1993.

O contrato administrativo tem de ter prazo determinado. A regra da duração do contrato é a


da duração do crédito orçamentário. A administração, quanto vai licitar, tem de realizar a
reserva do orçamento. Ou seja, o contrato tem de estar previsto no crédito orçamentário,
que tem duração máxima de 12 meses (prazo da lei orçamentária anual).

Excepcionalmente, entretanto, existe a possibilidade de o contrato ter prazo maior (exce-


ções ao crédito orçamentário):

i) quando o objeto do contrato estiver previsto no Plano Plurianual:

O PPA é uma lei que estabelece as metas e as ações do governo pelo prazo de 4 anos. Assim,
se estiver previsto no PPA, o prazo máximo do contrato será de 4 anos. Esse é o maior limite.

ii) serviços de prestação contínua, se, quanto maior o prazo, melhor o preço:

O aumento do prazo do contrato gera, nesse caso, desconto no preço. Nessa hipótese, o
contrato pode ter prazo de até 60 meses. Em caso de excepcional interesse público, a lei
determina que esse contrato poderá ter mais uma prorrogação de mais 12 meses. Ou seja,
aqui, o prazo máximo será de 72 meses.

iii) no caso de aluguel de equipamentos e programas de informática:

152
Neste caso, o contrato poderá ter duração de até 48 meses.

iv) (introduzida pela Lei 12.349/2010) Poderão ter duração de até 120 meses:

Contratos com dispensa de licitação previstos no art. 24, incisos IX (contratações para a pro-
teção da segurança nacional), XIX (trata dos materiais adquiridos para as Forças Armadas
que dependem de padronização), XXVIII (fornecimento de bens e serviços produzidos e
prestado no país que envolvam alta complexidade tecnológica ligados à defesa nacional) e
XXXI (esta hipótese remete aos arts. 3º, 4º, 5º e 20 da Lei 10.973/2004, que dispõe acerca de
incentivos e desenvolvimento à pesquisa tecnológica, especialmente em ambientes produti-
vos: são contratos com CNPQ etc.).

v) (hipótese doutrinária, sem previsão legal específica no art. 57) contratos em que não haja
desembolso da administração:

Quando não há desembolso da administração (pagamento), não há preocupação com o pra-


zo estabelecido para o crédito orçamentário, podendo o prazo ser maior.

7 – Cláusulas exorbitantes (art. 58 da Lei 8.666/1993)

Cláusulas exorbitantes são aquelas que extrapolam o comum dos contratos, dando à admi-
nistração um patamar de superioridade na avença. Dão à administração prerrogativas, privi-
légios em relação ao contratado.

São cláusulas exorbitantes:

i) possibilidade de alteração unilateral do contrato (esta cláusula será objeto de estudo no


tópico a seguir);

ii) possibilidade de rescisão unilateral do contrato;

iii) possibilidade de fiscalização do contrato administrativo:

Trata-se não somente de uma prerrogativa, mas de um dever da administração. Os detalhes


dessa fiscalização estão no art. 67 da Lei 8.666/1993:

Art. 67. A execução do contrato deverá ser acompanhada e fiscalizada por um represen-

tante da Administração especialmente designado, permitida a contratação de terceiros

para assisti-lo e subsidiá-lo de informações pertinentes a essa atribuição.

§ 1º O representante da Administração anotará em registro próprio todas as ocorrências

relacionadas com a execução do contrato, determinando o que for necessário à regulari-

zação das faltas ou defeitos observados.

153
§ 2º As decisões e providências que ultrapassarem a competência do representante deve-

rão ser solicitadas a seus superiores em tempo hábil para a adoção das medidas conveni-

entes.

iv) possibilidade de aplicação de sanções ao contratado:

As penalidades aplicáveis ao contratado estão previstas no art. 87 da lei: advertência, multa


(cujas condições, como a hipótese e o percentual, dependem de previsão contratual), sus-
pensão de contratar com o Poder Público, declaração de inidoneidade e ocupação provisória
dos bens da contratada.

A pena de suspensão de contratar com o Poder Público tem prazo máximo de até 2 anos e
atinge somente o ente de aplicou a sanção. Ex.: se quem aplicou a sanção foi a União, a em-
presa “X”, impedida de contratar, não poderá celebrar contrato com a própria União, mas
poderá fazê-lo com os demais entes federativos.

A declaração de inidoneidade é a mais grave das penas e tem como prazo o mesmo da sus-
pensão: até 2 anos. Para que a empresa volte a ser considerada idônea (seja reabilitada), ela
terá de atender ao prazo de suspensão e reparar os prejuízos causados. Ambos os requisitos
devem ser cumpridos cumulativamente para a reabilitação.

A declaração de inidoneidade, diversamente da pena de suspensão de contratar, atinge to-


dos os entes da Federação, não somente aquele que aplicou a pena. Isso porque o Estado só
pode contratar com empresa idônea. Trata-se de uma pena muito grave, devendo ser apli-
cada, segundo a doutrina, nas hipóteses de conduta descrita como crime. Ou seja, é aplicada
excepcionalmente, em último caso.

Por fim, importante tecer algumas considerações acerca da ocupação provisória dos bens da
contratada.

Imagine que o Estado tenha celebrado contrato com determinada empresa “X”, que se tor-
nou inadimplente (descumpriu o contrato). A administração pode, nesse caso, rescindir o
contrato. Para tanto, o Estado precisa instaurar um processo administrativo, dando à em-
presa contraditório e ampla defesa. Enquanto esse processo estiver em andamento, contu-
do, o Estado pode retomar o serviço. Se não tiver os bens necessários à manutenção do
serviço, ele pode realizar a ocupação provisória dos bens da contratada, com vistas à manu-
tenção e à continuidade do serviço.

154
Definida, ao final do processo, a rescisão, os bens que eram ocupados provisoriamente po-
derão ser devolvidos à empresa ou adquiridos pelo Estado, através de um instituto chamado
“reversão”.

Portanto, na reversão, o estado adquire os bens ocupados provisoriamente. Ocupação e


reversão são institutos passíveis de indenização, a depender do que estiver previsto contra-
tualmente.

Ainda no que se refere às cláusulas exorbitantes, é importante destacar a limitação que


ocorre, nos contratos administrativos, à exceptio non adimplenti contractus (a exceção do
contrato não cumprido), cláusula segundo a qual, se uma das partes não cumpre sua parte
no contrato, não pode exigir o cumprimento da do outro contratante.

Se a administração não paga o serviço, tal cláusula pode ser utilizada pelo contratante? O
art. 78, XV, da Lei 8.666/2003 determina que, se a administração estiver inadimplente pelo
prazo de até 90 dias, o contratado terá de cumprir o contratado, em nome do princípio da
continuidade. Passados 90 dias, o serviço poderá ser suspenso pela empresa contratante:

Art. 78. Constituem motivo para rescisão do contrato: (...)

XV - o atraso superior a 90 (noventa) dias dos pagamentos devidos pela Administração

decorrentes de obras, serviços ou fornecimento, ou parcelas destes, já recebidos ou exe-

cutados, salvo em caso de calamidade pública, grave perturbação da ordem interna ou

guerra, assegurado ao contratado o direito de optar pela suspensão do cumprimento de

suas obrigações até que seja normalizada a situação;

Assim, a exceptio é aplicável nos contratos administrativos, mas de forma diferenciada, de-
pois de 90 dias do inadimplemento. Se é aplicável em contrato administrativo, ela não carac-
teriza cláusula exorbitante.

A não aplicação e a ausência da exceptio, enquanto caracterizadoras de cláusula exorbitan-


te, era a posição de Hely Lopes Meirelles, falecido há muito. Hoje, essa corrente não mais
prevalece no Brasil.

Reversão Exceptio non adimplenti contractus


Quando há ocupação provisória dos bens da Somente é aplicável nos contratos administrati-
contratada para continuidade dos serviços como vos após o decurso do prazo de 90 dias do ina-
forma de sanção, ao final pode ocorrer a rever- dimplemento da Administração. Findo esse perí-
são, instituto através do qual o Estado adquire os odo, a contratada poderá suspender a prestação
bens ocupados provisoriamente. do serviço, pela aplicação da regra da exceptio.

155
Pode haver indenização, conforme o ajustado no
contrato.

8 – Alteração contratual (art. 65 da Lei 8666)

O art. 65 da Lei 8.666/1993 prevê duas hipóteses de alteração do contrato administrativo: i)


de forma unilateral por parte da administração; ii) de forma bilateral.

8.1 – Alteração unilateral do contrato

Somente caracteriza cláusula exorbitante a alteração realizada de forma unilateral. A bilate-


ral é inerente a qualquer contrato.

A administração pode alterar o contrato de forma unilateral em duas situações específicas:

i) alteração qualitativa: trata-se da alteração das especificações do projeto.

ii) alteração quantitativa do objeto: aqui, altera-se a quantidade do objeto.

Veja que o objeto do contrato não pode sofrer alteração na sua natureza. Ex.: contrato para
aquisição de merenda escolar não pode virar contrato para aquisição de canetas. O que se
pode alterar é a quantidade de canetas adquiridas (100 para 80 ou 100 para 120). A altera-
ção quantitativa gera também alteração no valor total pago.

A alteração, acrescendo ou suprimindo quantidade, é possível até o limite de 25% da inici-


almente estipulada. Excepcionalmente, os acréscimos (somente eles) podem chegar a 50%,
quando a hipótese for de reforma.

8.2 – Alteração bilateral do contrato

8.2.1 – hipóteses de alteração bilateral do contrato

O contrato, como visto, também pode ser alterado bilateralmente. A modificação bilateral
do contrato poderá ser realizada para: i) modificação do regime de execução; ii) substituição
da garantia (ex.: fiança bancária para caução em dinheiro); iii) modificação da forma de pa-
gamento: vale observar que não poderá o serviço ou produto ser pago antes do recebimen-
to ou da prestação; e iv) manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato.

8.2.2 – equilíbrio econômico-financeiro do contrato e teoria da imprevisão

A análise do equilíbrio econômico-financeiro demanda o estudo da teoria da imprevisão.


Celebrado contrato equilibrado entre o Estado e a empresa “X”, se um fato superveniente o

156
torna excessivamente oneroso para uma das partes, o equilíbrio tem de ser restabelecido.
Essa possibilidade de reequilíbrio é fundamentada justamente naquela teoria.

O fato superveniente deve ser imprevisto (não estar previsto no contrato) e imprevisível (as
partes, mesmo que cuidadosas, não poderiam prever a sua ocorrência), gerando desequilí-
brio contratual/onerosidade para uma das partes. Essa revisão contratual busca justamente
restabelecer o equilíbrio da relação contratual.

As hipóteses de teoria da imprevisão, que permitem a revisão contratual são as seguintes:

i) fato do príncipe:

O fato do príncipe decorre da atuação do Poder Público, geral e abstrata, que atinge o con-
trato de forma indireta e reflexa. Ex.: num contrato de coleta de lixo, a empresa privada, que
presta o serviço, paga ISS. Imagine que a alíquota do ISS, que na celebração era de 2%, passa
a ser de 5%, durante a execução do contrato. A empresa pode continuar prestando o servi-
ço, mas, com o aumento do tributo, o valor torna-se excessivamente oneroso, desequilibra-
do, ensejando alteração no custo do serviço. Alteração de alíquota é geral e abstrata.

ii) fato da administração:

Fato da administração é a atuação do Poder Público, específica, que atinge diretamente o


contrato. Ex.: para a construção de determinado viaduto, estava prevista a desapropriação
de uma casa, que resta negada. Esse fato atinge diretamente o contrato, que não mais po-
derá ser cumprido da forma estabelecida. A negativa da desapropriação atinge diretamente
o objeto do contrato.

iii) interferências imprevistas:

Interferências imprevistas são circunstâncias que já existiam ao tempo da celebração do


contrato, mas que só puderam ser descobertas quando da sua execução. Em geral, são situ-
ações da natureza. Ex.: contratada a construção de um edifício, perfurando o terreno para a
fundação, a empresa percebe que o solo é mole demais, demandando gastos superiores aos
previstos para a realização da fundação, gerando desequilíbrio contratual.

iv) (divergência) caso fortuito e força maior:

Há autores que entendem que a teoria da imprevisão somente seria aplicável ao caso fortui-
to; outros, à força maior. Para fins de concurso, não se deve ater a essa divergência.

Hipóteses de aplicação da teoria da imprevisão

157
Fato do príncipe Fato da Administração Interferências impre- Caso fortuito e força
vistas maior
Decorre da atuação do É a atuação do poder São circunstâncias que Há autores que enten-
poder público, geral e público, específica, que já existiam ao tempo dem que somente
abstrata, que atinge o atinge diretamente o da celebração do con- seria aplicável ao caso
contrato de forma contrato. trato, mas que só po- fortuito, e outros à
indireta e reflexa. dem ser descobertas força maior. Para fins
quando da sua execu- de concurso, não se
ção. Em geral, são deve ater a essa diver-
situações da natureza. gência.

8.2.3 – situações relacionadas ao pagamento do contrato

Por fim, importante observar que é possível que o contrato administrativo estabeleça, quan-
to ao pagamento, três diferentes situações:

i) previsão de correção monetária:

A correção monetária nada mais é que a atualização do valor da moeda. Não há alteração de
custo do contrato, mas recomposição do dinheiro.

ii) reajustamento de preços:

Nesta hipótese, a alteração do pagamento está prevista no contrato e decorre da mudança


de custo do objeto. Diverge da correção monetária, que não tem alteração de custo, sendo
somente recomposição da moeda.

Ex.: o Estado celebra com uma empresa contrato de concessão de serviço de transporte
coletivo, estabelecendo o preço de R$ 2,00 e, um ano depois, de R$ 2,50. Essa alteração de
R$ 0,50 vem prevista por alguma razão (a empresa sabe que, em determinado mês de cada
ano, há dissídio coletivo dos motoristas, e prevê contratualmente o reajustamento para
abarcar esse aumento).

iii) recomposição de preços:

Recomposição de preço é a alteração no pagamento não prevista no contrato. Decorre da


teoria da imprevisão. É caso de revisão contratual que não estava prevista. Cuidado: reajus-
tamento e recomposição de preços têm caído muito em concursos do CESPE.

9 – Hipóteses de extinção do contrato administrativo

158
A extinção do contrato administrativo pode ocorrer nas hipóteses que serão estudadas a
seguir.

9.1 – Conclusão do objeto ou advento do termo contratual

A conclusão do objeto ou o advento do termo contratual é hipótese de extinção desejada.


Contratada a construção de uma escola, construída a escola o contrato está extinto. Além
disso, vencido o prazo do contrato, ele estará extinto. Ex.: num contrato de coleta de lixo
por seis meses, passados os seis meses acaba o contrato.

9.2 – Rescisão do contrato

O contrato administrativo pode ser rescindido, pela própria administração, de forma unilate-
ral. Essa rescisão é cláusula exorbitante, chamada de “rescisão administrativa”, podendo
ocorrer nas seguintes hipóteses:

i) por razões de interesse público:

Esta hipótese de extinção, quando o contrato for de concessão de serviço público, ganha o
nome de “encampação”. A extinção por razões de interesse público gera dever de indenizar
à administração.

ii) por descumprimento de cláusula contratual:

Esta hipótese de extinção, quando o contrato for de concessão de serviço público, é chama-
da de “caducidade”. Aqui, quem indeniza é a empresa, por conta do descumprimento da
cláusula contratual.

9.3 – Rescisão judicial

Na rescisão judicial, quem não tem mais interesse no contrato é a contratada. Com efeito,
caso quem não tenha mais interesse no contrato seja a empresa, ela somente poderá res-
cindi-lo judicialmente. Ela não pode fazê-lo unilateralmente.

9.4 – Rescisão amigável (ou consensual)

A rescisão amigável decorre de acordo entre as partes.

9.5 – Rescisão de pleno direito

Rescisão de pleno direito é a extinção do contrato que decorre de circunstâncias estranhas à


vontade das partes. Ex.: um falecimento, uma incapacidade civil etc.

159
9.6 – Anulação

Se o contrato administrativo contiver uma ilegalidade, ele deverá ser extinto pela via da
anulação.

Hipóteses de extinção do contrato administrativo


Encampação Caducidade Rescisão de pleno Rescisão judicial
direito
É hipótese de rescisão É hipótese de rescisão É a rescisão que ocorre Caso a empresa con-
unilateral do contrato unilateral do contrato em decorrência de tratada não tenha mais
pela Administração, pela Administração, circunstâncias estra- interesse no contrato,
que ocorre por razão que ocorre por des- nhas à vontade das ela deve buscar a resci-
de interesse público, cumprimento de cláu- partes. são judicial, na medida
nos contratos de con- sula contratual, nos Exemplo: falecimento. em que não pode res-
cessão de serviço pú- contratos de concessão cindir unilateralmente
blico. de serviço público. o contrato.
Gera dever de indeni- O dever de indenizar é
zar à Administração. da empresa, por conta
do descumprimento da
cláusula contratual.

10 – Exemplos de contratos administrativos (para ilustração)

i) contrato simples: trata-se do contrato de obra, fornecimento e serviço (art. 6º, I, da Lei
8.666/1993):

Art. 6º Para os fins desta Lei, considera-se:

I - Obra - toda construção, reforma, fabricação, recuperação ou ampliação, realizada por

execução direta ou indireta; (...)

ii) contrato de concessão: hoje, no Brasil, há contrato de concessão de serviços públicos e de


uso de bens públicos;

iii) contrato de permissão de serviço público:

A concessão e a permissão de serviços públicos serão estudadas no próximo tópico (“Servi-


ços Públicos”). O contrato de concessão de uso será estudado mais adiante, por ocasião da
análise dos “Bens Públicos”. A permissão de uso é ato unilateral (discricionário), não é con-
trato

160
iv) contrato de consórcio público (Lei 11.107/2005): também será estudado adiante.

161
SERVIÇOS PÚBLICOS

1 – Conceito

Serviço público é uma utilidade ou comodidade material destinada à satisfação de uma ne-
cessidade da coletividade. Somente se caracteriza serviço público aquele destinado a uma
necessidade coletiva. Se um pequeno grupo o utiliza (ex.: serviço de rádio amador) não é,
por essa razão, considerado serviço público (o Estado não assumirá o serviço, nesta hipóte-
se).

Apesar de destinado à coletividade, o serviço público é fruível singularmente pelos adminis-


trados: cada pessoa utiliza o serviço público à sua maneira. Ex.: a iluminação pública é desti-
nada a todos, mas quem trabalha à noite utiliza o serviço muito mais do que alguém que fica
em casa no mesmo horário.

2 – Regime jurídico

Para ser serviço público, o Estado tem de assumi-lo como dever/obrigação sua.

Todavia, o serviço não precisa necessariamente ser desempenhado pelo próprio Estado. Tal
prestação, portanto, pode ser direta ou indireta. Quando o Estado contrata alguém para a
prestação do serviço em seu lugar, ela ocorre de forma indireta. Com a política de privatiza-
ções ocorrida no Brasil, diversos serviços públicos passaram a ser indiretamente prestados.

Assim, o Estado assume o serviço público como seu dever, mas a prestação pode ser feita
direta (ex. segurança) ou indiretamente por ele (ex. transporte).

Então, o regime jurídico dos serviços públicos é público, podendo ser total ou parcialmente
público.

3 – Não taxatividade

Não há enumeração legal de serviços públicos. O conceito de serviço público dependerá do


momento histórico, do contexto e das necessidades sociais de cada época. Há 150 anos, o
serviço de bonde era um serviço público importante. Hoje, ele não tem mais relevância,
tendo deixado de ser serviço público. Há 150 anos, ainda, não dava para imaginar a telefonia
celular como serviço público. Hoje o serviço público de fornecimento de energia elétrica é
muito mais relevante que outrora.

Assim, não há um rol taxativo de serviços públicos, o qual vai sendo adaptado de acordo
com o contexto histórico-social.

162
4 – Elementos definidores de serviços públicos

Segundo CABM, a definição de serviços públicos possui dois elementos:

i) substrato material:

Aqui, são encontradas a utilidade e a comodidade materiais. Dentro do substrato material,


deve-se lembrar também da relevância geral e da assunção pelo Estado do serviço como
seu.

ii) traço formal:

O regime jurídico tem de ser público, total ou parcialmente.

5 – Princípios que regem os serviços públicos (art. 6º da Lei 8.987/1995)


Art. 6º Toda concessão ou permissão pressupõe a prestação de serviço adequado ao ple-

no atendimento dos usuários, conforme estabelecido nesta Lei, nas normas pertinentes e

no respectivo contrato.

§ 1º Serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, efici-

ência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das

tarifas. (...)

A doutrina é bem divergente no que diz respeito aos princípios que regem os serviços públi-
cos. Os mais importantes serão listados abaixo.

5.1 – Princípio da prestação obrigatória

O serviço público, segundo Celso Antônio Bandeira de Mello, é de prestação obrigatória. O


Estado tem o dever de promovê-lo.

5.2 – Princípio da continuidade

O Estado tem o dever de prestar o serviço de forma contínua. Eles não podem ser interrom-
pidos, ou seja, a prestação ao longo dos anos tem de ser ininterrupta.

A continuidade suscita algumas discussões, que merecem destaque:

i) continuidade e direito de greve do servidor público:

O servidor público, nos termos do art. 37, VIII, da CR, tem direito de greve na forma da lei
específica:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos

163
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, im-

pessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação da-

da pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) (...)

VII - o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica;

(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) (...)

A lei de que trata o constituinte é ordinária (quando ele quer lei complementar, menciona-o
expressamente). Além disso, essa lei ordinária tem de ser específica, ou seja, não pode tra-
tar de outros assuntos. Antes da EC 19/1998, o texto exigia lei complementar. A partir de
então, passou a exigir lei ordinária. Até hoje, entretanto, ela não foi elaborada. Daí da dúvi-
da: o servidor público pode exercitar seu direito de greve? Trata-se de norma de eficácia
plena (aplicação sem a lei), contida (aplicação imediata, mas limitável) ou limitada (o exercí-
cio do direito depende da lei)?

Trata-se de norma de eficácia limitada, o que significa dizer que o servidor não podia exerci-
tar o direito de greve enquanto não aprovada a lei. Se o servidor fizesse greve sem lei, tal
greve deveria ser considerada ilegal, podendo gerar o desconto dos dias não trabalhados.
Essa era a situação no Brasil: a ausência de lei gerava uma briga interminável.

Quando o exercício de determinado direito torna-se inviável por falta de lei, cabe mandado
de injunção. Por muito tempo, o STF, no julgamento desses mandados, entendia que não
havia como impor ao Congresso Nacional a obrigação de legislar. O que ele poderia fazer era
uma mera comunicação.

Devidamente comunicado, o Congresso continuou sem legislar. Os anos foram passando e o


STF reconheceu a inocuidade do mandado de injunção sem efeitos concretos, mudando seu
entendimento, nos mandados de injunção nºs 670, 708 e 712. Supremo determinou que o
servidor pode exercer o direito de greve com a aplicação da Lei 7.783/1989 (lei que assegura
o direito de greve na iniciativa privada), no que couber. Há diversos problemas não resolvi-
dos, mas se trata de um paliativo encontrado pelo Tribunal.

ii) continuidade e interrupção do serviço:

O art. 6º, § 3º, da Lei 8.987/1995 diz que o corte não caracteriza violação à continuidade do
serviço:

Art. 6º (...) § 3º Não se caracteriza como descontinuidade do serviço a sua interrupção em

situação de emergência ou após prévio aviso, quando:

I - motivada por razões de ordem técnica ou de segurança das instalações; e,

II - por inadimplemento do usuário, considerado o interesse da coletividade.

164
O dispositivo permite a interrupção em duas hipóteses: i) em caso de emergência (ex.: chu-
vas que ocasionam desastres naturais); e ii) com prévio aviso, quando há desrespeito a nor-
mas técnicas, comprometendo a segurança das instalações, e em caso de inadimplemento
do usuário.

5.3 – Princípio da segurança

O serviço público não pode colocar em risco a saúde e a vida dos administrados.

5.4 – Princípio da atualidade

O serviço público deve ser prestado com as técnicas mais modernas. Isso realmente ocorre
(basta lembrar da saúde e das escolas públicas). Este princípio virou piada.

5.5 – Princípio da generalidade

O princípio da generalidade significa que todos têm direito ao serviço público. Ou seja, o
serviço tem de ser prestado erga omnes, à coletividade como um todo.

5.6 – Princípio da modicidade

O princípio da modicidade significa que o serviço público tem de ser o mais barato possível,
ou seja, as tarifas têm de ser módicas.

5.7 – Princípio da cortesia

A lei é expressa no sentido de que o servidor público tem de ser cortês, educado, atuando
com urbanidade.

6 – Classificação dos serviços públicos

6.1 – Quanto à essencialidade

6.1.1 – próprios (ou propriamente ditos)

Serviço público próprio é aquele dito essencial, fundamental. Não se vive sem ele. Para a
doutrina, o serviço essencial não pode ser delegado/transferido ao particular. Ex.: segurança
pública.

6.1.2 – impróprios (ou de utilidade pública)

De utilidade pública são os serviços secundários, não essenciais. Eles admitem delegação.
Energia elétrica e transporte coletivo eram tidos como indelegáveis. Essa classificação, de

165
serviços públicos próprios e impróprios foi introduzida por Hely Lopes Meirelles, falecido em
1990 (antes da política nacional das privatizações) e está desatualizada, mas ainda cai em
concursos.

Ela é criticada pela doutrina. Hoje, há serviços essenciais, como a telefonia, energia e o
transporte coletivo, que já foram delegados. Pela classificação de Hely, o essencial não po-
deria ser delegado. O conceito do autor, portanto, já está descaracterizado. Assim, em pro-
va, deve-se ater ao conceito, não aos exemplos.

Maria Sylvia utiliza os conceitos de forma diversa. Para a autora, os impróprios representam
a atividade empresarial (comércio e indústria).

6.2 – Quanto aos destinatários

6.2.1 – gerais

Serviços públicos gerais são aqueles prestados à coletividade como um todo. São indivisíveis,
ou seja, não é possível medir e calcular o quanto cada indivíduo utiliza. Ex.: iluminação pú-
blica, segurança pública. Os serviços públicos gerais, no Brasil, são mantidos através da re-
ceita geral do estado, que normalmente vem da arrecadação dos impostos.

6.2.2 – individuais (ou específicos)

Serviços públicos individuais aqueles específicos, divisíveis. Ou seja, é possível medir e calcu-
lar o quanto cada indivíduo os utiliza. Diversamente da iluminação pública, a telefonia, o
transporte e a iluminação particular podem ser calculados.

Dentre os serviços específicos e divisíveis, há duas categorias:

i) compulsórios:

São os mais importantes, os essenciais. O serviço compulsório é mantido (remunerado)


através da arrecadação de tributos (as taxas). Ex.: saneamento básico. Taxa é um tributo que
tem como contrapartida a prestação de um serviço público do Estado, ou seja, é um tributo
vinculado a uma contraprestação estatal: paga-se por aquilo que efetivamente se utiliza.

O serviço compulsório tem a possibilidade de cobrança da taxa mínima, aquela que ocorre
pelo simples fato de o serviço estar à disposição do indivíduo. Ex.: o sujeito que não utiliza o
saneamento em determinado mês tem de pagar uma taxa mínima. Em Maceió, em algumas
ruas, é cobrada taxa de saneamento em locais que não têm saneamento básico!

ii) facultativos:

166
São os que, apesar de estarem à disposição, são recusáveis pelo indivíduo (não há cobrança
de taxa mínima). Ex.: transporte coletivo, pedágio. Esses serviços são mantidos por meio de
tarifa, que é preço público, e não tributo (não estando sujeito à legalidade, à anterioridade e
aos demais princípios tributários).

A iluminação pública é um serviço geral, prestado à coletividade como um todo, não sendo
possível medir e calcular o que cada um utiliza. Todavia, por muito tempo foi cobrada a Taxa
de Iluminação Pública (TIP), cuja inconstitucionalidade foi declarada pelo STF, o que resultou
na edição da Súmula 670:

Súmula 670 - O SERVIÇO DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA NÃO PODE SER REMUNERADO MEDI-

ANTE TAXA.

No entanto, por ser muito rentável, declarada a inconstitucionalidade da TIP, o constituinte


criou uma contribuição de iluminação pública. Mas veja que a contribuição também é vincu-
lada, não servindo à remuneração de serviços públicos gerais. Segundo Marinela, a CIP é
abominável, mas até hoje não foi declarada inconstitucional. É paga juntamente com o bole-
to do IPTU.

Há outras taxas, como a “taxa do buraco”, que vem cobrada juntamente com o IPVA, e a
“taxa do bombeiro”. Elas são todas inconstitucionais, por não se poder medir e calcular indi-
vidualmente a utilização do serviço. O Estado se aproveita da cobrança de taxas pequenas,
que dificultam a discussão judicial específica e o sujeito acaba pagando.

7 – Aspectos constitucionais acerca dos serviços públicos

7.1 – Competência para a prestação dos serviços públicos

A CR, entre os arts. 21 e 30, enumera alguns serviços públicos, definindo a competência para
a prestação deles.

O rol, todavia, é exemplificativo. Há muitos serviços públicos que não estão na CR. Eles po-
dem ser assumidos pelo Estado através de lei. Assim, para os serviços que não estão na CR, a
competência será definida através do interesse: nacional, será da União; regional, será do
Estado-membro; local, será do Município.

Serviço funerário é público? Não é um serviço previsto na CR, mas com certeza é público. Em
cada estado e em cada município esse serviço tem um tratamento diferente. Ele vem mu-
dando muito nos últimos anos e é pouco estudado no Brasil.

7.2 – Tratamento dado pela CR aos serviços públicos

167
Na Constituição, os serviços públicos recebem regramentos diversos:

i) serviços de prestação obrigatória pelo Estado e com exclusividade:

Ex.: o serviço postal somente pode ser prestado pela ECT, uma empresa pública30.

ii) serviços de prestação obrigatória pelo Estado, de transferência obrigatória:

Nestes casos, o Estado tem o dever de prestar e de transferir. Ex.: o serviço de rádio e TV no
Brasil é público e tem de ser transferido (art. 223 da CR):

Art. 223. Compete ao Poder Executivo outorgar e renovar concessão, permissão e autori-

zação para o serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens, observado o princípio

da complementaridade dos sistemas privado, público e estatal. (...)

Caso contrário, a informação seria manipulada. Ele não pode ficar nas mãos dos políticos,
dos administradores, para que a população tenha acesso a informações imparciais e plurais.

iii) serviços de prestação obrigatória pelo Estado, mas sem exclusividade:

Neste caso, a prestação por particulares é permitida pela CR, não havendo outorga, delega-
ção, transferência. Ex.: saúde, educação.

iv) serviços de prestação obrigatória pelo Estado, mas cuja prestação não precisa ser promo-
vida pelo Estado:

Nestes casos, o Estado pode prestar os serviços de forma direta ou indireta. Aqui, estão os
serviços objeto de concessão e permissão. Ex.: transporte público.

7.3 – Delegação de serviço público (art. 175 da CR) 31

Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de con-

cessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos. (...)

Como visto, a atividade administrativa pode ser transferida por outorga ou delegação. Na
delegação, ocorre a transferência da execução do serviço, mas a administração mantém a

30 Acerca da ECT, recomenda-se a leitura da ADPF 46, já tratada anteriormente.

31 A delegação de serviços públicos, tema mais recorrente em matéria de serviços públicos, sofreu
alterações em maio de 2011. Recomenda-se a leitura das novas disposições legais.

168
sua titularidade. Há três espécies de delegação: a concessão, a permissão e a autorização de
serviços públicos.

Lembrar que a permissão e a autorização são atos discricionários da administração.

7.3.1 – concessão de serviço público

A concessão é uma hipótese de transferência de serviço público. Há no Brasil duas modali-


dades de concessão: i) concessão comum (Lei 8.987/1995); e ii) concessão especial (Lei das
Parcerias Público-Privadas).

7.3.1.1 – concessão comum

Concessão comum é a delegação de serviço público em que a administração transfere so-


mente a execução do serviço, mantendo a sua titularidade.

Trata-se da modalidade mais exigida em concurso. A Lei 8.987/1995, que a disciplina, é mui-
to conceitual e de leitura obrigatória.

Na concessão, o poder concedente é a pessoa da administração direta (União, estado, DF ou


Município) que tem o serviço em sua órbita de competência e o transfere à concessionária,
que somente pode ser pessoa jurídica ou consórcio de empresa. A concessão de serviço
público, portanto, não pode ser realizada a pessoa natural.

A concessão é formalizada/constituída, através de um contrato administrativo. Como tal,


depende de licitação prévia. A modalidade exigida é a concorrência, que segue a regra geral
da Lei 8.666/1993, com algumas peculiaridades. Ex.: existência de critérios próprios de sele-
ção, como a da escolha da melhor tarifa ao usuário; possibilidade de inversão do procedi-
mento; presença de lances verbais.

Há, todavia, uma exceção: na concessão de serviço público previsto no Programa Nacional
de Desestatização, a modalidade licitatória será o leilão.

Como visto, todo contrato administrativo tem de ter prazo determinado. A concessão de
serviço depende de autorização legislativa específica, de modo que é a lei de cada serviço
que determinará o prazo da concessão (ao disciplinar o serviço e a possibilidade de conces-
são, a lei já prevê o prazo). Se dentro do limite legalmente previsto, esse prazo pode ser
prorrogado. Ex.: a lei prevê um prazo máximo de dois anos. Celebrada a concessão por um
ano, a concessão pode ser prorrogada por mais um.

169
A remuneração da concessionária é feita, basicamente, através de tarifa de usuário. Tam-
bém é possível que o Estado participe da remuneração, em serviços públicos em que a re-
muneração via tarifa acabe ficando muito cara. Trata-se, todavia de uma faculdade do Esta-
do, de modo que essa colaboração quase nunca ocorre. Essa diferença é importante, pois na
concessão de serviço público especial essa colaboração estatal será obrigatória. Além dessas
duas modalidades de remuneração, também é possível a cobrança de receitas alternativas,
como as propagandas nos ônibus (os “outbus”) e a cobrança de zona azul em alguns municí-
pios, nas concessões para a conservação de vias públicas. Em tese, essas receitas deveriam
servir para tornar a tarifa mais barata.

Importante observar que toda a política tarifária (valor da tarifa, índices e datas de reajuste)
é definida no momento da licitação. Se estiver muito “cara” a tarifa, ela decorreu de uma má
escolha da administração na ocasião da licitação.

Prestando o transporte coletivo, se o motorista atropela alguém, de quem será a responsa-


bilidade? Ela é objetiva ou subjetiva? Na concessão de serviço público, a concessionária as-
sume o serviço por sua conta e risco. Isso significa que quem responde pelos prejuízos e
paga pelos danos perante os particulares é ela, responsabilidade essa que é disciplinada pela
teoria objetiva (art. 37, § 6º, da CR):

Art. 37 (...) § 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestado-

ras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, cau-

sarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de do-

lo ou culpa.

Veja, portanto, que pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviço público respon-
de objetivamente.

Segundo o STF, que pacificou a matéria, essa responsabilidade será objetiva independente-
mente de o dano ter sido causado ao usuário ou ao não usuário do serviço público (RE
591.874, em que restou reconhecida a repercussão geral da matéria).

A responsabilidade do Estado, nesse tocante, é subsidiária: somente ocorrerá se a concessi-


onária não tiver dinheiro para pagar a conta.

A extinção da concessão pode ocorrer nas seguintes hipóteses:

i) advento do termo contratual: ou seja, ocorre com o vencimento do prazo do contrato;

ii) através de ato unilateral da administração, que pode ocorrer em duas situações: encam-
pação (extinção do contrato por razões de interesse público, dependente de autorização

170
legislativa prévia e mediante a indenização dos prejuízos causados ao particular pelo Estado)
e caducidade (extinção do contrato pelo descumprimento de cláusulas contratuais; nesse
caso, quem indeniza os prejuízos causados é a empresa).

iii) rescisão judicial: a empresa não pode rescindir o contrato de forma unilateral. Se quiser
fazê-lo, terá de ir à via judicial;

iv) rescisão amigável ou consensual: decorre de acordo entre as partes;

v) rescisão de pleno direito: decorre de circunstâncias estranhas à vontade das partes;

vi) anulação: havendo vício de ilegalidade, o contrato será extinto através de anulação.

7.3.1.2 – concessão especial

A concessão especial está prevista na Lei 11.079/2004 (Lei das Parcerias Público-Privadas),
que foi alterada pela Lei 12.409, de 21 de maio de 2011.

Ela segue as bases da concessão comum, com algumas peculiaridades (algumas regras que a
tornam especial).

A PPP nasceu no Brasil com o objetivo de buscar no parceiro privado um financiamento para
a realização de obras, a ser pago em suaves prestações. Essa ideia é até boa. Todavia, na
prática, o parceiro privado tem muito medo de se relacionar com o Estado e não receber o
dinheiro. Por essa razão, ele somente coloca o dinheiro com a certeza que receberá. Por
conta disso, a PPP acabou não alcançando seus objetivos, de modo que a sua utilização ain-
da é muito restrita.

A doutrina critica muito o nome “Parceria Público-Privada”. Para esses autores, na verdade,
não se trataria de uma parceria, pois o particular não investirá altas somas de dinheiro sem
pensar no lucro. Parceria ocorre com a reunião de esforços com interesses e finalidades
comuns. O que há, na verdade, é um contrato com interesses divergentes (o Estado queren-
do a obra e o particular o lucro).

Há duas modalidades de PPP’s:

i) concessão especial patrocinada:

A concessão especial patrocinada é uma concessão comum, com uma peculiaridade: além
de haver a tarifa do usuário, a presença do recurso público é obrigatória (o Estado tem ne-
cessariamente de participar da remuneração, não se tratando de liberalidade). Ex.: há vários
projetos de metrô e de rodovias que representam hipóteses de concessão patrocinada.

171
ii) concessão administrativa:

Na concessão administrativa, a situação é diversa. A própria administração pública aparece


como usuária do serviço, de forma direta ou indireta. Ex.: há propostas de construção de
presídios na modalidade de concessão administrativa. Quem usa o presídio é o preso e a
administração aparece como usuária indireta.

São características das concessões especiais, que as diferenciam das concessões normais:

i) na PPP, há necessariamente um financiamento privado. O parceiro privado disponibiliza o


recurso e recebe, como visto, em “suaves” prestações;

ii) compartilhamento dos riscos: se o investimento não for lucrativo, o Estado e o parceiro
privado compartilharão os prejuízos. O Estado, quando constitui parceria, tem de realizar
escolhas certas, sob pena de o povo responder por elas;

iii) pluralidade remuneratória (ou compensatória): segundo a lei, o Estado paga o parceiro
privado de forma diversificada. Pagará não apenas em dinheiro (ordem bancária), como
através da utilização de bem público (o Estado transfere a utilização do bem público e abate
do valor), da transferência de créditos não tributários, da concessão de um direito (ex.: uma
licença) etc. Essas várias hipóteses facilitam o pagamento, se o Estado não dispõe de dinhei-
ro.

A lei traz algumas vedações em tema de PPP. Ela não pode:

i) ter valor inferior a R$ 20.000.000,00;

ii) ter prazo inferior a cinco, nem superior a 35 anos (obs.: a má escolha da empresa ensejará
um “sofrimento” da população de até 35 anos);

iii) ter um único objeto: na PPP, o objeto não pode ser simples/único. Terá que reunir obra
mais serviço; fornecimento mais serviço etc. Há que se “misturarem”, pelo menos, dois ob-
jetos.

Constituída a PPP, o Estado estabelece a criação de uma pessoa jurídica que geri-
rá/administrará tal parceria, a chamada “Sociedade de Propósitos Específicos”.

7.3.2 – permissão de serviço público

A permissão de serviço público está prevista nos arts. 2º e 40 da Lei 8.987/1995:

Art. 2º Para os fins do disposto nesta Lei, considera-se: (...)

172
IV - permissão de serviço público: a delegação, a título precário, mediante licitação, da

prestação de serviços públicos, feita pelo poder concedente à pessoa física ou jurídica que

demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco.

A lei não detalha a permissão. Ela a conceitua e determina que a ela se aplicam, no que cou-
berem, as regras da concessão.

Permissão de serviço público é a delegação de serviço público (transferência da execução)


feita pelo poder concedente a pessoa física (ver que a concessão a pessoa física não é possí-
vel) ou jurídica.

É formalizada por meio de um contrato de adesão (art. 40).

Art. 40. A permissão de serviço público será formalizada mediante contrato de adesão,

que observará os termos desta Lei, das demais normas pertinentes e do edital de licita-

ção, inclusive quanto à precariedade e à revogabilidade unilateral do contrato pelo poder

concedente.

Parágrafo único. Aplica-se às permissões o disposto nesta Lei.

Há dois tipos de permissão: i) permissão de serviço público; e ii) permissão de uso de bem
público. No Brasil, em qualquer das hipóteses, a permissão nasceu com a natureza de ato
unilateral. Com o advento da Lei 8.987/1995, ela ganhou a natureza jurídica de contrato,
tendo a permissão de uso de bem público mantido a natureza de ato unilateral. O STF con-
firmou que a permissão e a concessão de serviço público têm natureza contratual. Celso
Antônio Bandeira de Mello tem posição minoritária divergente. Para o autor, a permissão de
serviço público mantém natureza de ato unilateral. Isso porque, como visto, enquanto insti-
tuto, ela nasceu como ato unilateral e tem de continuar assim.

Na permissão de serviço público, qualquer modalidade licitatória será possível, a depender


do valor. Ela não depende de autorização legislativa e é um ato precário, o que significa dizer
que ela pode ser desfeita a qualquer tempo.

Trata-se de um contrato administrativo e, como todo contrato administrativo, tem prazo


determinado. Como visto, é um contrato precário. Em tese, a precariedade traz a ideia de
desfazimento a qualquer tempo, sem indenização. Todavia, a doutrina entende que, consi-
derando a natureza contratual e a existência de prazo, a retomada da permissão antes do
prazo enseja indenização. Trata-se de hipótese de precariedade mitigada.

7.3.3 – autorização de serviço público

173
A autorização de serviço público não é vista com bons olhos no Brasil. Para a doutrina, ela
deve ser utilizada para pequenos serviços ou para situações urgentes. Ex.: serviços de taxi e
de despachante.

Trata-se de ato unilateral (não é contrato), discricionário (de acordo com a conveniência a
oportunidade) e precário (o Estado pode retomar o serviço a qualquer tempo, sem o dever
de indenizar).

Aplica-se aqui, também, no que couber, o quanto dito acerca da concessão de serviço.

174
AGENTES PÚBLICOS

Neste tópico, serão estudados os aspectos constitucionais acerca do tema, mais recorrentes
em concurso. Mais adiante, será analisada a disciplina legal (Lei 8.112/1990).

Trata-se de um dos temas mais polêmicos no direito administrativo atual, com diversas deci-
sões dos Tribunais Superiores.

1 – Conceito de agente público

O conceito de agente público é hoje o mais amplo possível. Agente público é todo aquele
que exerce função pública, com ou sem remuneração, de forma temporária ou permanente
(regular). Ex.: sujeito convocado para ser mesário na eleição ou jurado no Tribunal do Júri,
naquele momento, é agente público.

Há, entretanto, subdivisões no conceito, as quais serão analisadas no tópico a seguir.

2 – Classificação dos agentes públicos

2.1 – Agentes políticos

Os agentes políticos são os que estão no topo da estrutura estatal, no comando de cada um
dos poderes, representando a vontade do Estado. São os chefes do Poder Executivo (Presi-
dente, governadores e prefeitos e os respectivos vices), os auxiliares dos chefes do Executivo
(ministros de estado e secretários estaduais e municipais), os membros do Poder Legislativo
(senadores, deputados federais e estaduais e vereadores), magistrados e membros do Mi-
nistério Público.

No que diz respeito aos magistrados e membros do MP, há divergência doutrinária, enten-
dendo alguns que eles não seriam agentes políticos, por serem escolhidos por concurso (es-
colha meritória). Essa, todavia, não é a posição que prevalece no STF, que desde 2002 orien-
ta que magistrados e membros do MP devem ser incluídos na lista de agentes políticos, não
pela escolha, mas pelo poder da sua vontade (eles representam a vontade do estado, de-
vendo ser considerados agentes políticos por essa razão).

Por fim, há também muita divergência no que se refere aos ministros e conselheiros dos
Tribunais de Contas e membros de carreiras diplomáticas.

Os agentes políticos seguem regime legal ou contratual?

Se os direitos do agente estiverem previstos em uma lei, esse será o regime legal (chamado
por alguns autores de regime jurídico-administrativo). Nesse caso, o agente será titular de

175
cargo e se sujeitará às regras de um estatuto (regime estatutário). Quando os direitos de um
trabalhador estão previstos em um contrato de trabalho, fala-se num regime celetis-
ta/trabalhista/de emprego. Nesse caso o agente será titular de um emprego.

Os agentes políticos são titulares de cargo público. Sujeitam-se a um regime legal, não à CLT
(cada um dos agentes políticos possui seus direitos previstos na CR ou em leis próprias). Os
direitos e deveres do Presidente e dos congressistas estão previstos na CR; os dos membros
da Magistratura e do MP nas suas respectivas leis. Portanto, aqui não se deve pensar na Lei
8.112/1990, mas nas leis próprias ou na Constituição.

2.2 – Servidores estatais

Servidor estatal é todo aquele que atua no Estado, seja na administração direta, seja na indi-
reta.

Entre os servidores estatais, são encontradas duas categorias: i) os que atuam no Estado em
pessoas jurídicas de direito público (servidores públicos); e ii) os que atuam no Estado em
pessoas jurídicas de direito privado (servidor de ente governamental de direito privado).

2.2.1 – servidores públicos

Servidor público é aquele que atua em pessoa pública, ou seja, na administração direta
(União, estados, DF e municípios) ou na administração indireta de direito público (autarquias
e fundações públicas de direito público).

O servidor público é titular de cargo (regime legal) ou de emprego (regime celetista)?

O texto original da CR, de 1988, determinava que o servidor público estava sujeito a um só
regime, ou seja, o regime jurídico único. Assim, todos em determinada ordem política deve-
riam seguir um só regime. Ex.: na União, todos seriam celetistas ou todos seriam estatutá-
rios. Perceba que, em nenhum momento, o texto constitucional exigia o regime estatutário,
mas somente que houvesse unicidade de regime.

No Brasil, prevaleceu a escolha do regime estatutário, ainda que não houvesse de ser assim.
Diz-se que o regime estatutário dá mais direitos ao servidor, e servidor com mais direitos
seria mais feliz e eficiente. Na União, por exemplo, a Lei 8.112/1990 (Estatuto dos Servidores
da União) estabeleceu que o regime estatutário seria o nela previsto. Na maioria dos esta-
dos e municípios também prevaleceu o regime estatutário.

Em 1998, a EC 19 (Reforma Administrativa) alterou praticamente todo o capítulo da Admi-


nistração Pública. Entre outros, ela alterou o art. 39 da CR, afastando o regime único e cri-

176
ando o regime múltiplo. Passou a ser admitida a convivência, na mesma pessoa jurídica, de
ambos os regimes, variando de acordo com a lei de criação: se criasse emprego, o regime
seria contratual (trabalhista); se criasse cargo, o regime seria o estatutário (administrativo).

Durante muitos anos, os entes políticos misturaram os dois regimes (a União criando em-
pregos; estados que admitiam emprego criando cargos etc.). A EC 19, nesse dispositivo es-
pecífico, foi objeto de controle de constitucionalidade, por meio da ADI 2135. O STF ainda
não julgou o mérito dessa questão, tendo decidido em sede de cautelar que ele seria incons-
titucional por vício de procedimento (inconstitucionalidade formal).

Uma emenda constitucional tem de ser aprovada, nas duas Casas, em dois turnos. Se uma
das Casas a rejeita, ela não segue adiante. Pois bem, esse dispositivo havia sido rejeitado
pelo Plenário da Casa, mas, mesmo assim, ele restou introduzido pela Comissão de Redação.

Se a inconstitucionalidade é reconhecida em sede cautelar, ela tem efeitos ex tunc ou ex


nunc? Uma declaração de inconstitucionalidade cautelar tem, como regra, efeitos ex nunc
(podendo o STF, em hipóteses excepcionais, atribuir à norma efeitos ex tunc). No caso da EC
19, a decisão do STF teve efeitos ex nunc: a partir da declaração, passou a não ser mais pos-
sível a mistura de regimes, voltando a valer, no Brasil, o chamado regime jurídico único (um
só regime naquela ordem política). Voltou-se, portanto, ao texto original de 1988.

O regime estatutário, vale lembrar, não é exigido, mas é preferencialmente escolhido no


Brasil.

2.2.2 – servidores de entes governamentais de direito privado

Os servidores de entes governamentais de direito privado são aqueles que atuam na admi-
nistração indireta de direito privado (empresas públicas e sociedades de economia mista).

Esses servidores são chamados de empregados (regime de emprego) e estão, por essa razão,
sujeitos ao regime celetista. Em pessoa jurídica de direito privado, importante ressaltar, não
se admite regime estatutário (regime de cargo).

Na verdade, tais agentes, apesar de não serem servidores públicos, mas empregados, se
equiparam aos servidores públicos em alguns aspectos. Vale conferir, quanto a esse tema, o
estudado anteriormente acerca das empresas públicas e sociedades de economia mista,
notadamente no que concerne aos aspectos em que os servidores equiparam-se aos empre-
gados dessas pessoas jurídicas.

Relembrando: são aspectos comuns entre esses empregados e os servidores públicos:

177
i) também estão sujeitos a concurso público;

ii) sujeitam-se ao regime da não acumulação (como regra);

iii) sujeitam-se ao teto remuneratório:

Aqui, há uma exceção: quando a empresa pública ou a sociedade de economia mista vive do
seu próprio dinheiro, ou seja, sobrevive da receita da sua atividade, ela não precisa respeitar
o teto. Todavia, se ela recebe subvenção (dinheiro) da administração direta para seu custeio
(sua manutenção), terá de observar o teto remuneratório.

iv) sujeitam-se à Lei 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa);

v) sujeitam-se à Lei Penal:

O art. 327 do CP diz quem é considerado funcionário público para fins penais. O conceito
previsto no dispositivo engloba os empregados das empresas públicas e sociedades de eco-
nomia mista.

vi) sujeitam-se aos remédios constitucionais (MS, mandado de injunção, habeas data).

Até aqui, foram estudados os pontos comuns entre os regimes dos servidores públicos e dos
servidores de entes governamentais de direito privado. Há, no entanto, uma diferença fun-
damental entre eles, que vale ser ressaltada: os servidores dos entes governamentais de
direito privado não gozam da estabilidade do art. 41 da CR:

Art. 41. São estáveis após três anos de efetivo exercício os servidores nomeados para car-

go de provimento efetivo em virtude de concurso público. (Redação dada pela Emenda

Constitucional nº 19, de 1998) (...)

O TST, na Súmula 390, pacificou a matéria, dizendo exatamente isso. Complementa o Tribu-
nal, determinando que, por essa razão, a dispensa desses servidores será imotivada (Orien-
tação Jurisprudencial 247 do TST), ou seja, sem a necessidade de justificativa ou de processo
administrativo.

A OJ 247, como visto, tem uma ressalva: no caso da ECT – Empresa Brasileira de Correios e
Telégrafos, uma empresa pública com tratamento de Fazenda Pública, a dispensa dos em-
pregados tem de ser motivada. Vale lembrar que a matéria foi declarada de repercussão
geral pelo STF, que a analisará em breve.

2.3 – Particulares em colaboração

178
Os particulares em colaboração são aqueles que não perdem a condição (qualidade) de par-
ticular, mas, em um determinado momento, exercem função pública.

Exemplos: i) convocado para atuar nas eleições; ii) convocado para atuar no Tribunal do Júri;
iii) convocado para participar do serviço militar obrigatório. Esses particulares em colabora-
ção são requisitados. Sendo convocados, eles são obrigados a participar, sob as penas da lei
(no caso dos mesários e dos jurados será a multa).

Em alguns estados, como na Bahia, o ingresso na lista de possíveis jurados é voluntário. Tal
lista tem a vantagem de diminuir os casos de ausências. Entretanto, ainda que haja volunta-
riedade, a escolha ocorre por meio de sorteio. Convocado o sorteado, a participação é obri-
gatória.

Há, ainda, dentro desta categoria, os particulares voluntários (ex.: amigos da escola, médicos
voluntários etc.). Além de voluntários, esses particulares são também chamados de “em
sponte propria”.

Também entram na categoria de particulares em colaboração os que trabalham nas conces-


sionárias e permissionárias de serviços públicos.

Há, por fim, dentre os particulares em colaboração, uma categoria única, prevista no art.
236 da CR, daqueles que exercem delegação de função: os que exercem serviços notariais:

Art. 236. Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delega-

ção do Poder Público. (...)

Cumpre destacar que os titulares dos Cartórios são obrigados a prestar concurso público.
São os concursos mais concorridos no Brasil, na medida em que determinados cartórios
rendem cifras mensais astronômicas. Não se trata de delegação de serviço, mas de delega-
ção de função.

3 – Acessibilidade

3.1 – Requisitos para se tornar servidor público

O que é necessário para se tornar servidor público no Brasil?

Em primeiro lugar, cumpre destacar que podem ser servidores públicos os brasileiros (regra)
e os estrangeiros, na forma da lei. No que concerne aos estrangeiros, podem ser citados
como exemplos os professores e os pesquisadores. Mas a regra certamente é que é necessá-
rio ser brasileiro para ser servidor público.

179
A condição (porta de entrada) para que o sujeito possa atuar na condição de servidor públi-
co, no Brasil, é o concurso público, como regra. Excepcionalmente, todavia, não será exigido
concurso público. Os casos são os seguintes:

i) agentes que exercem mandato eletivo:

No caso dos agentes que exercem mandato eletivo, a escolha é política.

ii) agentes que exercem cargo em comissão:

Até a CR/88, eles eram denominados “cargos de confiança”. São cargos baseados na confi-
ança, de livre nomeação e exoneração. Eles não têm nenhuma garantia de permanência (são
exoneráveis ad nutum, ou seja, sem justificativa). Quando não havia proibição de nepotis-
mo, era o chamado “cargo do parente”.

iii) agentes contratados temporariamente:

A CR autoriza a contratação de servidores temporários, em caso de excepcional interesse


público. Ex.: chuva, epidemia, necessidade de socorro na saúde pública etc. Na prática, en-
tretanto, isso não é o que vem ocorrendo. Há temporários que estão na administração há
dez anos.

iv) hipóteses expressas da CR/88:

São hipóteses expressas na CR de pessoas que ingressam no serviço público sem concurso:
Ministros do STF (são escolhidos de forma política pelo Chefe do Executivo), determinadas
vagas no STJ (vagas da OAB), regra do quinto constitucional (nos TJ’s, TRF’s etc., um quinto
das vagas é preenchido pela OAB ou pelo MP, de modo que o sujeito vira Desembargador ou
Juiz, sem que haja prestado concurso para a magistratura), Ministros e Conselheiros dos
Tribunais de Contas (são indicados pelo Executivo e não prestam concurso público).

Cumpre notar que todas as exceções constitucionais dizem respeito a cargos vitalícios (são
cargos vitalícios sem concurso público), o que é um problema sério.

v) agentes comunitários de saúde e agentes de combate às endemias:

Estas hipóteses estão previstas no art. 198, § 4º, da CR, introduzido pela EC 51/2006:

Art. 198 (...) § 4º Os gestores locais do sistema único de saúde poderão admitir agentes

comunitários de saúde e agentes de combate às endemias por meio de processo seletivo

público, de acordo com a natureza e complexidade de suas atribuições e requisitos espe-

cíficos para sua atuação. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 51, de 2006)

180
O dispositivo, na verdade, exige de um “processo seletivo público”. Alguns autores defen-
dem que esse processo seletivo nada mais é que concurso, com o que Marinela concorda.
Para os administradores, se a CR quisesse se referir a concurso, o teria feito expressamente.
Detalhe é que a CR não fala em processo seletivo simplificado, mas ele vem sendo aplicado
pelos administradores. A matéria foi regulamentada pela Lei 11.350/2006.

3.2 – Prazo de validade dos concursos públicos

O prazo de validade dos concursos públicos, segundo a CR, é de até dois anos. Ou seja, eles
podem ter prazo inferior, sendo que quem determinará tal prazo é edital do concurso. Esse
prazo é prorrogável, por igual período e por uma única vez, desde que a possibilidade de
prorrogação esteja prevista no edital do concurso.

A decisão pela prorrogação do concurso ou não é discricionária, tomada pelo administrador


de acordo com critérios de conveniência e oportunidade do interesse público.

3.3 – Concursos públicos e a jurisprudência dos Tribunais Superiores

Há Súmulas importantes relacionadas aos concursos públicos, cuja leitura é recomendada:

i) STF: Súmulas 683, 684, 685 e 686 e Súmula Vinculante 13;

ii) STJ: Súmula 266;

O candidato aprovado em concurso público tem direito subjetivo à nomeação?

A orientação que prevalecia era de que o candidato aprovado não tinha direito à nomeação,
mas mera expectativa de direito. Com o passar dos anos, alguns abusos começaram a ser
praticados pelos administradores, tendo sido necessária a tomada de algumas providências.

Inicialmente, começa-se a reconhecer o direito subjetivo à nomeação no caso de preterição


do candidato na ordem de classificação (ex.: nomeação do segundo colocado antes do pri-
meiro). A Súmula nº 15 do STF consolida esse entendimento:

Súmula 15 - DENTRO DO PRAZO DE VALIDADE DO CONCURSO, O CANDIDATO APROVADO

TEM O DIREITO À NOMEAÇÃO, QUANDO O CARGO FOR PREENCHIDO SEM OBSERVÂNCIA

DA CLASSIFICAÇÃO.

Outra situação recorrente no Brasil era a seguinte: não tendo sido aprovada no concurso
determinada pessoa, o administrador simplesmente ignorava a lista de aprovados em con-
curso ainda válido e contratava aquela pessoa temporariamente, para a mesma função para

181
a qual havia realizado o certame. O administrador justificava a não nomeação na ausência
de necessidade ou de interesse.

Em razão disso, consolidou-se na jurisprudência (STJ e STF) o entendimento de que se a ad-


ministração realiza vínculos precários para determinado cargo para o qual realizou concurso,
está admitindo que precisa da mão-de-obra e tem dinheiro para pagar, de modo que não
haveria razão para não nomear os aprovados. Nessa hipótese, segundo esse entendimento,
a contratação de terceiros com vínculos precários gera o direito subjetivo de nomeação dos
aprovados em concurso. Cumpre destacar que vínculo precário pode ser observado em di-
versas situações: contratos temporários, nomeação ad hoc (para aquele ato), desvio de fun-
ção etc.

Outra hipótese de direito subjetivo à nomeação reconhecida é a dos candidatos aprovados


com classificação que esteja dentro do número de vagas previsto no edital. Nessa hipótese,
durante o prazo de validade do concurso, o aprovado terá direito à nomeação.

A ideia é a seguinte: o administrador tem liberdade para decidir, no edital, o número de


vagas que irá preencher. Todavia, a partir do momento em que ele define determinado nú-
mero de vagas, fica vinculado a ele. Essa posição é tranquila no STJ.

No MS 18.881-DF, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 28/11/2012 (Informati-
vo 511), a Primeira Seção do STJ definiu também que o candidato aprovado fora das vagas
previstas originariamente no edital, mas classificado até o limite das vagas surgidas durante
o prazo de validade do concurso, possui direito líquido e certo à nomeação se o edital dispu-
ser que serão providas, além das vagas oferecidas, as outras que vierem a existir durante sua
validade.

No STF, a posição ainda não é pacífica, podendo ser encontradas algumas decisões nesse
sentido32.

3.4 – Teoria do Funcionário de fato

Imagine a hipótese do sujeito nomeado sem concurso público, num caso em que havia a
obrigação de realização do certame. Tal nomeação é evidentemente ilegal, de modo que o

32 Ver material a esse respeito no site de Marinela. Recomenda-se atualizar esse entendimento, pois
talvez ele não mais reflita a posição do Tribunal.

182
sujeito será desligado da administração. Todavia, como fica o salário recebido enquanto ele
estava exercendo o cargo? E os atos por ele praticados?

O STF fixou a orientação chamada de “teoria do funcionário de fato” (também chamada por
alguns de “teoria do agente de fato”), segundo a qual, ainda que a nomeação seja ilegal e o
sujeito tenha de deixar o serviço público, o salário percebido não terá de ser devolvido, na
medida em que ele efetivamente trabalhou (e o Brasil prestigia o trabalho remunerado).
Além disso, os atos praticados na condição de servidor nomeado (ainda que ilegalmente)
são considerados legais, em nome da segurança jurídica, para evitar o comprometimento de
outras pessoas que não têm relação com a ilegalidade praticada pela administração.

4 – Estabilidade dos servidores públicos

4.1 – Previsão constitucional

A estabilidade dos servidores públicos está prevista no art. 41 da CR, o qual também foi alte-
rado pela EC 19/1998:

Art. 41. São estáveis após três anos de efetivo exercício os servidores nomeados para car-

go de provimento efetivo em virtude de concurso público. (Redação dada pela Emenda

Constitucional nº 19, de 1998) (...)

4.2 – Requisitos para a aquisição da estabilidade

O primeiro requisito para a aquisição da estabilidade é a aprovação em concurso público,


com nomeação para cargo efetivo. Cargo efetivo é aquele em que o sujeito é nomeado em
caráter definitivo.

Além disso, deve haver o exercício do cargo por três anos e a aprovação em uma avaliação
especial de desempenho.

Essa avaliação de desempenho foi introduzida pela EC 19/1998, mas depende de regulamen-
tação. Ocorre que, para a maioria das carreiras, ainda não há a lei, de modo que, sem a defi-
nição legal, prevalece que os servidores adquirem a estabilidade sem avaliação.

4.3 – Emprego público e estabilidade

O titular de emprego pode ter estabilidade (AGU – 2ª fase)?

No Brasil, convivem dois regimes aplicáveis aos agentes públicos: o de cargo e o de empre-
go. No cargo, adquire-se a estabilidade na forma e segundo os requisitos do art. 41. Relati-
vamente ao emprego (regime celetista), existem dois tipos de empregados: i) o empregado

183
em pessoa jurídica de direito público, chamado de servidor público; e ii) o empregado de
pessoa jurídica de direito privado, chamado de servidor de ente governamental de direito
privado.

O empregado de pessoa privada, como visto, não tem e nunca terá estabilidade, nos termos
da Súmula 390 do TST. O empregado de pessoa jurídica de direito público (servidor público
integrante da administração direta, autarquia ou fundação pública de direito público), pelo
texto original da CR/88, tinha estabilidade garantida. Ocorre que a EC 19/1998 afastou essa
possibilidade, alterando o art. 41 para determinar que o servidor público, para adquirir a
estabilidade, tem de ser nomeado para o exercício de cargo efetivo (afastando da previsão
normativa o emprego em pessoa pública).

Então, o empregado de pessoa jurídica de direito público teve estabilidade de 1988 a 1998.
A partir de então, perdeu a estabilidade.

3.4 – Perda da estabilidade pelo servidor público

Segundo o art. 41 da CR, o servidor poderá perder a estabilidade nas seguintes hipóteses:

i) através de processo administrativo que respeite o contraditório e a ampla defesa;

ii) através de decisão proferida em processo judicial transitado em julgado;

iii) através de uma avaliação periódica de desempenho:

A avaliação periódica sempre existiu no Brasil, mas não tinha o condão de retirar a estabili-
dade do servidor. Hoje, ela tem muito mais força que antes da EC 19/1998.

Como ela ocorre, na prática? Mais uma vez, é necessária lei para regulamentar essa avalia-
ção, a qual não existe na maioria das carreiras. Trata-se de regra constitucional que ainda
não saiu do papel, em virtude da inércia do legislador.

iv) em razão do excesso de despesas com pessoal (art. 169 da CR):

Art. 169 (...) § 4º Se as medidas adotadas com base no parágrafo anterior não forem sufi-

cientes para assegurar o cumprimento da determinação da lei complementar referida

neste artigo, o servidor estável poderá perder o cargo, desde que ato normativo motivado

de cada um dos Poderes especifique a atividade funcional, o órgão ou unidade adminis-

trativa objeto da redução de pessoal. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de

1998)

184
Quando o Estado gasta acima do limite com pessoal, ele tem de cortar servidores. O admi-
nistrador inicia cortando os cargos em comissão e de confiança. Posteriormente, passa aos
não estáveis. Se, ainda assim, houver excesso de despesas, são cortados os servidores está-
veis. Trata-se da chamada “racionalização da máquina administrativa”.

5 – Estágio probatório

Estágio probatório é o período de prova em que o servidor é testado para se aferir se ele
serve ou não para determinado cargo.

O texto original da CR/88 estabelecia que o prazo para aquisição da estabilidade era de dois
anos. Não era utilizada a palavra “estágio probatório”. Em 1990, foi editado Estatuto dos
Servidores da União (Lei 8.112/1990), cujo art. 20 dizia que o prazo do “estágio probatório”
(veja que a lei era expressa nesse sentido) era de 24 meses.

A EC 19/1998, alterando o art. 41 da CR, passou a determinar que a estabilidade, dali em


diante, dependeria de três anos de exercício. Antes da emenda, os prazos de exercício e de
estágio probatório coincidiam (2 anos e 24 meses), de modo que o sujeito adquiria a estabi-
lidade no mesmo momento em que se encerrava o estágio probatório, automaticamente.

Com a alteração do prazo de estabilidade para três anos, surgiu a dúvida: o estágio probató-
rio previsto na Lei 8.112/1990 continuava de 24 meses, ou passou a ser de 36 meses? A lei
continuou compatível com o novo texto constitucional? Para aqueles que entendem que
estabilidade e estágio são institutos dependentes, interligados, os prazos devem ser coinci-
dentes, não tendo o artigo 20 da Lei 8.112/1990 sido recepcionado pela nova regra constitu-
cional (ou seja, encerrada a prova, o sujeito adquire automaticamente a estabilidade). Para
os que acham que os institutos são autônomos, independentes, os prazos podem ser dife-
rentes, tendo o art. 20 sido recepcionado pela EC 19/1998 (ou seja, encerrada a prova, o
sujeito ainda não adquire a estabilidade).

Logo que a EC 19/1998 foi introduzida, a AGU, que resolve questões para todo o Executivo
federal (emitindo pareceres com efeito vinculante), foi chamada a se manifestar acerca da
matéria, tendo entendido que os institutos seriam dependentes e os prazos iguais. Ou seja,
para ela, o prazo de estágio probatório teria sido alterado para três anos.

O STJ, inicialmente, entendeu que os institutos seriam independentes e os prazos diferentes.


No final de 1999, entretanto, o Tribunal alterou sua posição, que passou a coincidir com a da
AGU.

185
O STF ainda não tem posição consolidada a respeito (do Pleno). Mas, em posições monocrá-
ticas, já proferiu decisões no sentido de que o estágio probatório seria de três anos.

O CNJ também já se posicionou (Pedido de Providencias nº 822), em que também entendeu


que o prazo de estágio probatório é de três anos.

Marinela considera que em concurso seria melhor sustentar a posição de três anos. Todavia,
a polêmica não se encerrou, pois o Congresso Nacional entende que o prazo deve ser de 24
meses, por serem institutos diferentes.

O Presidente da República, em 2008, tentando resolver a questão, editou a MP 431, que,


dentre outras coisas, alterava o art. 20 da Lei 8.112/1990, para determinar que o prazo de
estágio probatório seria de 36 meses. Porém, a MP foi convertida na Lei 11.784/2008, mas
houve discordância no tocante ao dispositivo, que acabou mantido pelos legisladores e con-
tinuou com o texto original do art. 20. O legislador andou mal nessa questão: quando con-
verte a MP sem alterar o dispositivo, ele mantém e reforça a polêmica.

A opinião de Marinela é de que o prazo tem de ser igual, na medida em que a estabilidade
tem ser adquirida com o fim do período de prova. Não faz sentido que o período de prova
dure 24 meses e o sujeito não adquira a estabilidade: o que seria dele nos últimos 12 me-
ses? Já acabou a prova, mas ele não adquire a estabilidade? Ela recomenda a adoção dessa
corrente em concurso.

6 – Competência para o julgamento das ações envolvendo servidores públicos

A competência para o julgamento da ação de servidor público é da Justiça Comum ou do


Trabalho?

A questão já está resolvida pela jurisprudência:

i) agente titular de cargo:

Se o agente é titular de cargo (regime legal/estatutário/jurídico-administrativo), a compe-


tência para o julgamento de demandas discutindo essa relação é da Justiça Comum, federal
ou estadual, de acordo com o servidor. Em se tratando de servidor federal, a competência
será da justiça federal; em se tratando de servidor estadual ou municipal, da justiça estadu-
al.

ii) agente titular de emprego:

186
Se o agente é titular de emprego (regime celetista/trabalhista), a competência para o julga-
mento das demandas envolvendo a relação é da Justiça do Trabalho, mesmo que ele de-
sempenhe as funções na União.

A jurisprudência sempre foi tranquila nesse sentido. Com a EC 45/2004 (Reforma do Poder
Judiciário), foi alterado o art. 114 (dentre outros) da CR, tendo surgido uma corrente que
passou a sustentar que a competência para o julgamento de todas as demandas envolvendo
os servidores teria passado a ser da Justiça do Trabalho. Isso acabou gerando muita polêmi-
ca e a matéria foi levada ao STF, que na ADI 3395 manteve a orientação que já estava conso-
lidada na jurisprudência.

Ocorre que, recentemente, o assunto competência veio mais uma vez à tona: se o contrato
for temporário, de quem é a competência para o julgamento de ações envolvendo essa rela-
ção? A orientação jurisprudencial acerca do tema sempre foi bastante confusa. Na verdade,
a polêmica dizia respeito à natureza do vínculo: se fosse legal, a competência seria da justiça
comum; se trabalhista, da justiça do trabalho. O TST sempre entendeu que a natureza do
vínculo era trabalhista, de modo que quem deveria julgar era a Justiça do Trabalho. Havia,
inclusive, a OJ 205, que dizia exatamente isso.

O STJ, por sua vez, dizia que se o contrato temporário fosse legal (válido), seguiria a Lei dos
Temporários, de modo que, seguindo lei específica, o regime seria o administrativo e a com-
petência da justiça comum. E, se o vinculo estabelecido pelo contrato temporário fosse invá-
lido, seguiria as regras da CLT e a competência seria da Justiça Trabalhista. Todavia, indaga-
va-se: quem decidiria acerca da natureza do vínculo?

O STF, então, fixou a orientação no sentido de que o vínculo é de regime administrativo (Lei
dos Temporários). A situação do temporário pode ou não estar em conformidade com a lei.
Aplicando ou não a Lei do Temporário, o regime jurídico é legal, de modo que quem decide
acerca do vínculo dos direitos dele decorrente é a justiça comum. Essa orientação foi fixada
pelo STF, decidindo a matéria em sede de repercussão geral, no RE 573.202. Com ela, a OJ
do TST foi cancelada e o STJ já mudou de posição.

7 – Sistema remuneratório dos agentes públicos

Há muita polêmica acerca do sistema remuneratório dos servidores públicos, notadamente


em virtude do teto. Este estudo ficará com a posição da maioria.

7.1 – Modalidades remuneratórias

O servidor público pode ser pago de duas formas: mediante remuneração ou subsídio.

187
7.1.1 – remuneração (ou “vencimentos”, para alguns autores)

A remuneração representa a soma de duas parcelas: a “parcela fixa” ou “vencimento” (o


salário base de toda a categoria) e parcela variável, que dependerá das condições pessoais
de cada agente público (ex.: possuir mestrado, doutorado etc.).

No Brasil, havia agentes com remuneração em parcela fixa de um salário mínimo e parcela
variável de R$ 10.000,00 (“picadinhos”). Quando esse agente pedisse aumento, não se tinha
certeza sobre qual parcela o aumento incidiria, de modo que a administração nunca tinha
certeza do quanto pagaria e o servidor do quanto receberia de aumento. Havia muita inse-
gurança, quadro que se agravava na ocasião da aposentadoria.

Em razão desses problemas, a EC 19/1998 criou uma segunda modalidade de remuneração,


o subsídio.

7.1.2 – subsídio

Subsídio é uma parcela única de remuneração. Todos os “picadinhos” restam incorporados


ao total da remuneração, de modo que eventual aumento incide de uma só vez, sobre o
total.

No Brasil, recebem subsídio: chefes do Poder Executivo e os respectivos vices, auxiliares


imediatos dos chefes do Executivo (Ministros e Secretários), membros do Poder Legislativo,
magistrados e membros do MP, carreira da AGU, procuradores (de estado, federais e muni-
cipais), Defensores Públicos, ministros e conselheiros dos Tribunais de Contas (federal, esta-
duais e municipais), toda a carreira da Polícia, todos os demais servidores organizados em
carreira (também podem receber subsídio).

Cargo organizado em carreira é aquele que possui plano de ascensão funcional. Veja que
nem todo cargo desse tipo receberá subsídio. Na verdade, a CR diz que eles podem recebê-
lo.

Observação: subsídio tem origem latina e significa “ajuda de sobrevivência”. Se esses cargos,
dos mais importantes do Brasil, recebem subsídio, o que dizer de quem recebe o salário
mínimo? A doutrina critica bastante a opção do constituinte por esse nome.

Há duas exceções, que são verbas pagas fora da parcela única:

i) verbas de natureza indenizatória:

188
Ex.: ajuda de custo, transporte, diária em virtude do deslocamento do servidor para a pres-
tação de serviços fora de sua área de atribuição. O servidor não recebe diária todos os dias,
mas excepcionalmente, razão pela qual o valor não pode incidir no “bolo”.

ii) verbas previstas no art. 39, § 3º, da CR:

Art. 39 (...) § 3º Aplica-se aos servidores ocupantes de cargo público o disposto no art. 7º,

IV, VII, VIII, IX, XII, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XX, XXII e XXX, podendo a lei estabelecer

requisitos diferenciados de admissão quando a natureza do cargo o exigir. (Incluído pela

Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

O dispositivo remete a alguns direitos trabalhistas do art. 7º, que são verbas pagas ao em-
pregado e também ao servidor. Ex.: 13º salário, 1/3 de férias, hora-extra, adicional noturno.
Por serem direitos aplicáveis excepcionalmente, ocorrendo em alguns momentos, não se
incorporam à parcela única.

7.2 – Fixação por meio de lei

A remuneração de servidor público tem de ser fixada por meio de lei, que será de iniciativa
do “dono do dinheiro”. Ou seja, pagará a conta quem tiver iniciativa para o projeto de lei. A
ideia é que cada um sabe o quanto pode pagar. Assim, se a remuneração for do Judiciário, a
ele incumbirá o projeto. O mesmo com relação ao Executivo e ao Legislativo.

Cuidado, entretanto, pois há exceções a essa exigência de fixação da remuneração por meio
de lei:

i) o Congresso Nacional fixa por Decreto Legislativo a remuneração do Presidente da Repú-


blica e Vice, Senadores, Deputados Federais e Ministros de Estado:

Diferentemente da lei, o Decreto Legislativo não tem sanção nem veto, ou seja, não há deli-
beração executiva.

ii) a Câmara Municipal também fixa, por meio de Decreto Legislativo, a remuneração de seus
Vereadores.

7.3 – Tetos remuneratórios

Relativamente ao teto remuneratório, a EC 19/1998 fixou o chamado “teto geral”. Ninguém


no serviço público pode receber mais do que Ministro do STF, isoladamente ou acumulando.
O valor desse teto foi fixado através de lei. Hoje, a que disciplina esse valor é a Lei
12.771/2012, que prevê o reajuste até 2015. Atualmente, o teto está em R$ 29.462,25.

189
A EC 41/2003 trouxe outra novidade, ao criar os chamados “subtetos”. Cada ordem política
(União, Estados, DF e Municípios) terá, segundo essa lógica, seu próprio subteto. Foram
estabelecidas três regras:

i) no âmbito federal, ninguém pode ganhar mais que o Ministro do STF;

ii) no âmbito estadual, há três situações diversas: no Poder Executivo, ninguém pode rece-
ber mais que o Governador; no Poder Legislativo, ninguém pode receber mais que o Depu-
tado Estadual; no Poder Judiciário, ninguém pode receber mais que o Desembargador.

O teto do Desembargador serve também aos membros do MP, Procuradores e Defensores


Públicos. Veja que o teto do Judiciário não será aplicado a todo o MP, a toda a Procuradoria
ou a toda a Defensoria. Os quadros administrativos desses órgãos têm como teto o do Go-
vernador. Membros do MP são somente o Procurador de Justiça e o Promotor de Justiça;
membro da Procuradoria é só o Procurador; e membro da Defensoria Pública é apenas o
Defensor Público. Auxiliar de limpeza do MP não é membro do MP, para essa finalidade.
Terá como teto, desse modo, a remuneração do Governador.

O limite máximo do Desembargador equivale a 90,25% do teto do STF.

A magistratura estadual sempre recebeu menos que os Juízes Federais. Todavia, o Judiciário
é uno. Por essa razão, os juízes passaram a entender que, ainda que na prática eles recebes-
sem menos, o teto de todos os juízes deveria ser o mesmo.

A controvérsia restou decidida na ADI 3854, tendo o STF dado interpretação conforme ao
limite para definir que, enquanto juiz estadual, o teto do juiz estadual limita-se ao máximo
do Desembargador. Todavia, percebendo outra remuneração (ex.: magistério, justiça eleito-
ral) ele poderia chegar ao teto do STF. Mas cuidado: o STF não disse que o limite era incons-
titucional. Deu apenas interpretação conforme para dizer que o teto é constitucional, desde
que entendido como teto de remuneração da função de juiz.

iii) no âmbito municipal, o teto remuneratório é o salário dos prefeitos.

O que ocorre com quem estiver ganhando acima do teto? Deve ser “cortado” valor acima do
teto, aplicando-se o redutor constitucional.

7.4 – Regime de acumulação

É possível acumular cargos no Brasil? A regra é o regime da não acumulação. Desse modo,
ela somente será admitida em caráter excepcional (art. 37, XVI e XVII, da CR, com redação
dada pela EC 19/1998):

190
Art. 37 (...) XVI - é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando

houver compatibilidade de horários, observado em qualquer caso o disposto no inciso XI.

a) a de dois cargos de professor;

b) a de um cargo de professor com outro técnico ou científico;

c) a de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regu-

lamentadas;

XVII - a proibição de acumular estende-se a empregos e funções e abrange autarquias,

fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista, suas subsidiárias, e socie-

dades controladas, direta ou indiretamente, pelo poder público; (...)

A proibição de acumulação é aplicável para toda a administração direta e para a indireta,


inclusive as empresas públicas e as sociedades de economia mista. Serve, portanto, para
cargos e empregos.

Excepcionalmente, a CR permite a acumulação. Para fins de memorização, cumpre distinguir


quatro situações em que a acumulação é aceita:

i) servidor em atividade em um cargo e em atividade num segundo cargo:

Neste caso, o servidor receberá as remunerações relativas a ambos os cargos. Para que esta
hipótese seja possível, devem estar presentes três requisitos: compatibilidade de horários
(para evitar os “servidores fantasmas”); a soma das duas remunerações não pode ultrapas-
sar o teto do STF; as acumulações sejam de dois cargos de professor, um de professor e ou-
tro de técnico ou científico (ex.: Defensor, Juiz, Promotor, Delegado e professor), dois na
área da saúde, com profissão regulamentada por lei (ex.: dois de médico, dois de dentista33).

Os três requisitos são necessariamente cumulativos.

ii) recebimento de duas aposentadorias:

Em se tratando de duas aposentadorias, a cumulação somente será permitida nas mesmas


hipóteses permitidas para a atividade, estudadas acima. Ex.: sujeito era professor na Univer-
sidade Federal e se aposenta; vira professor na Universidade Estadual e se aposenta. Ele
pode perceber os dois proventos.

33 Acumular dois cargos de curandeiro não seria possível, em virtude da ausência de regulamentação
legal dessa profissão.

191
iii) servidor aposentado de um cargo e em atividade em cargo efetivo, eletivo ou em comis-
são:

Em se tratando de dois cargos efetivos, a cumulação será possível nas hipóteses permitidas
para a acumulação de cargos na atividade. Ex.: dois cargos de professor; um de professor e
outro cargo técnico ou científico; dois cargos na área da saúde.

Um sujeito aposentado como professor, ganhando proventos, pode ser Presidente da Repú-
blica e ganhar o salário do cargo? Se estiver aposentado no primeiro cargo, poderá exercer
qualquer mandato eletivo no segundo. Receberá, nesse caso, ambas as remunerações.

Do mesmo modo, se o professor aposentado for convidado para exercer o cargo de Ministro
de Estado, ele poderá cumular ambas as remunerações. Assim, se o sujeito estiver aposen-
tado no primeiro cargo, ele poderá exercer um segundo cargo em comissão, qualquer que
seja.

Por fim, a cumulação de atividade mais aposentadoria será possível em qualquer cargo,
além dos três anteriores, desde que tenha ocorrido até a EC 20/1998 (art. 11):

Art. 11 - A vedação prevista no art. 37, § 10, da Constituição Federal, não se aplica aos

membros de poder e aos inativos, servidores e militares, que, até a publicação desta

Emenda, tenham ingressado novamente no serviço público por concurso público de pro-

vas ou de provas e títulos, e pelas demais formas previstas na Constituição Federal, sen-

do-lhes proibida a percepção de mais de uma aposentadoria pelo regime de previdência a

que se refere o art. 40 da Constituição Federal, aplicando-se-lhes, em qualquer hipótese,

o limite de que trata o § 11 deste mesmo artigo.

Ex.: Sujeito é Promotor, aposenta-se, ganha proventos de Promotor e passa no concurso


para Juiz. Pode receber ambos os salários? Hoje, isso não é possível. Todavia a proibição
para a aposentadoria no primeiro e atividade no segundo somente passou a existir a partir
da EC 20/1998. Antes dela, quem já acumulava teve seu direito adquirido reconhecido.

iv) atividade em cargo e atividade em cargo eletivo:

Exemplo: sujeito é professor de universidade pública em atividade e é eleito presidente. Não


é possível a acumulação entre esse cargo e o mandato federal, estadual ou distrital. Assim, o
sujeito deverá se afastar do primeiro cargo. Nesse caso, não há opção: o sujeito vai receber
o salário do segundo cargo.

Em se tratando de mandato para prefeito, a cumulação também não será possível. O eleito
também tem de se afastar do primeiro cargo, mas poderá escolher a remuneração.

192
No caso de vereador, se o horário for compatível, a cumulação será possível. Nessa hipótese,
o vereador exercerá os dois cargos e, portanto, receberá as duas remunerações. Se, no en-
tanto, o horário das atividades for incompatível, não será possível a cumulação. Nesta última
hipótese, aplica-se a regra relativa ao prefeito (exerce o cargo de vereador e escolhe a re-
muneração).

8 – Aposentadoria dos servidores públicos

Há dois regimes de aposentadoria na CR:

8.1 – Regime geral de previdência social (arts. 201 e seguintes da CR)

O regime geral de previdência social é estudado em Direito Previdenciário. Quem realiza a


manutenção desse regime é o INSS. Estão sujeitos ao RGPS :

i) empregados privados;

ii) empregados da administração direta e indireta;

iii) titulares de cargo em comissão: apesar de estar sujeito a estatuto, como o cargo em co-
missão é temporário, o agente aposenta-se pelo RGPS;

Cuidado, pois essa discussão dos cargos em comissão foi objeto de controle de constitucio-
nalidade no STF através da ADI 2024. O STF manteve a orientação de que o cargo em comis-
são deve se aposentar pelo RGPS.

iv) contratos temporários.

8.2 – Regime próprio de previdência social (art. 40 da CR)

O regime próprio de previdência social é estudado pelo direito administrativo. Cada ente
político mantém seu regime próprio de previdência.

Estão sujeitos ao RPPS:

i) servidores públicos titulares de cargos efetivos;

ii) servidores públicos titulares de cargos vitalícios.

E os titulares de cargos notariais, como se aposentam hoje no Brasil? O titular de cargo no-
tarial é um particular em colaboração com o Estado, portanto, não perde a qualidade de
particular. Ele irá se aposentar de acordo com o RPGS, pois eles exercem a atividade em
caráter privado, recebendo apenas delegação de função, conforme art. 236 da CR.

193
A grande discussão que havia é se para esse titular de serventia notarial seriam ou não apli-
cáveis as regras da aposentaria compulsória. O STF decidiu que os notários não são servido-
res públicos e fazem parte do RGPS e, assim, não precisam se aposentar aos 70 anos.

O militar de âmbito federal tem regime diferenciado. Ele não se aposenta propriamente,
mas fica na reserva remunerada. Ele não se aposenta pelo RGPS ou pelo RPPS, mas por um
regime próprio. Eles não pagam contribuição previdenciária e a reserva remunerada é cus-
teada completamente pelo Poder Público.

8.2.1 – regras gerais

O ato de aposentadoria é um ato complexo. Ato complexo depende de duas manifestações


de vontade, que vão acontecer em órgãos diferentes: a aposentadoria do servidor público
depende da manifestação da Administração e do Tribunal de Contas.

Houve recente discussão no STF acerca da Súmula Vinculante 3.

Súmula Vinculante 3 - Nos processos perante o Tribunal de Contas da União asseguram-se

o contraditório e a ampla defesa quando da decisão puder resultar anulação ou revoga-

ção de ato administrativo que beneficie o interessado, excetuada a apreciação da legali-

dade do ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma e pensão.

A Súmula diz que a todo processo que tramita perante o TC deve corresponder contraditório
e ampla defesa. No entanto, essa Súmula traz uma ressalva na parte final para dizer que não
é necessário contraditório e ampla defesa ao ato inicial de aposentadoria, reforma e pensão.
O contraditório e a ampla defesa aconteceriam na própria Administração.

O que acontecia era o seguinte: a Administração decidia sobre a aposentadoria. O servidor ia


para casa e estava aposentado, mas de forma precária. O TC recebia essas informações so-
bre a aposentadoria e não julgava o processo. Passados 5 anos, o TC ainda não havia julgado
o processo de aposentadoria do servidor. O STF decidiu, então, que se o processo demoras-
se mais de 5 anos seria necessário dar ao autor do processo contraditório e ampla defesa,
no âmbito do próprio TC (era exatamente o que a Súmula dizia que não precisava). O STF
com isso temperou a interpretação da Súmula Vinculante 3. Ver MS 24.781 do STF.

Quando o servidor se aposenta, ele deixa de receber remuneração e passa a receber pro-
ventos. “Provento”, portanto, é o termo técnico para denominar a remuneração do inativo.

Não se conta duas vezes o mesmo prazo para fins de aposentadoria. Ex.: se a pessoa, em
2011, trabalhou em dois empregos, esse tempo só será contado uma vez. Na verdade, a

194
contagem de tempo é feita de acordo com a contribuição. Ou seja, é o tempo que o servidor
contribuiu que será contado para fins de aposentadoria.

No entanto, conta-se com reciprocidade. Assim, o que for contribuído no RPGS pode ser
aproveitado no RPPS. O contrário também é perfeitamente possível.

8.2.2 – evolução histórica

Quatro emendas eonstitucionais alteraram o RPPS: EC 39/1998, EC 41/2003, EC 47/2005 e


EC 70.

No texto original de 1988, a CR exigia que, para se aposentar, o servidor público teria de
cumprir tempo de serviço, pouco importando a idade ou o tempo de contribuição. As pes-
soas aposentavam-se muito jovens (40, 50 anos).

A EC 20/1998 realizou a primeira reforma da Previdência, alterando substancialmente os


requisitos para a concessão de aposentadoria aos servidores. As emendas posteriores, ainda
que tenham alterado a aposentadoria, não mexeram nos requisitos. Ela substituiu o tempo
de serviço pelo tempo de contribuição. Agora, importa o quanto o sujeito pagou à Previdên-
cia. Além disso, passou-se a exigir limite de idade.

8.2.3 – modalidades de aposentadorias do servidor público

Há quatro conjuntos de requisitos para que o servidor se aposente (modalidades de aposen-


tadoria): i) aposentadoria por invalidez; ii) aposentadoria compulsória; iii) aposentadoria
voluntária; iv) aposentadoria especial.

8.2.2.1 – aposentadoria por invalidez

Somente a invalidez permanente autoriza a concessão da aposentadoria por invalidez. Se


não há a permanência, não haverá esta modalidade. Ela dará ao sujeito inválido, como regra
geral, proventos proporcionais ao tempo de contribuição. Excepcionalmente, o aposentado
receberá proventos integrais se apresentar moléstia ligada ao serviço, grave, contagiosa ou
incurável.

8.2.2.2 – aposentadoria compulsória

A aposentadoria compulsória ocorre aos 70 anos de idade, de maneira obrigatória (ou seja,
atingida essa idade, o sujeito tem de se aposentar). Nesse caso, o agente recebe proventos
proporcionais ao seu tempo de contribuição. Caso contribua até o limite, o agente poderá
chegar a proventos integrais. Veja que a regra é a da proporcionalidade.

195
8.2.2.3 – aposentadoria voluntária

O servidor pode se aposentar de forma voluntária recebendo proventos integrais: i) se for


homem, aos 60 anos de idade, com 35 anos de contribuição; ii) se for mulher, atendendo ao
princípio da isonomia, aos 55 anos de idade, com 30 anos de contribuição.

Caso o servidor deseje se aposentar, de forma voluntária, com proventos proporcionais ao


tempo de contribuição, em se tratando de homens, poderá fazê-lo aos 65 anos de idade; em
se tratando de mulheres, aos 60 anos. A aposentadoria proporcional, no Brasil, somente
compensa para aqueles que tenham ingressado no serviço público mais velhos. Em ambos
os casos, o sujeito tem de ter, necessariamente, 10 anos no serviço público e 5 anos no car-
go.

8.2.2.4 – aposentadoria especial

8.2.2.4.1 – aposentadoria especial do professor

Os requisitos da aposentadoria especial do professor estão todos previstos na CR. Ela exige
exclusividade de magistério.

Logo que a EC 20/1998 foi editada, a exclusividade de magistério foi entendida como profes-
sor na sala de aula. Se por algum momento ele houvesse saído da sala de aula (virando co-
ordenador ou diretor), perderia tal condição. Quem já estava no serviço em 1998 foi surpre-
endido por esse entendimento. A Lei 11.301/2006 modificou esse entendimento para
abranger outras atividades dentro da escola, que não somente aquela dentro da sala de
aula, desde que ligadas ao magistério. A matéria foi levada ao STF e esse entendimento res-
tou consolidado na ADI 3772.

A aposentadoria especial somente é reconhecida para o professor no que diz respeito ao


ensino infantil, fundamental e médio. Professor universitário perdeu o direito a ela.

Professor somente tem direito à aposentadoria especial recebendo proventos integrais. Se


for homem, terá o direito aos 55 anos de idade, com 30 anos de contribuição; se mulher,
terá direito aos 50 anos de idade, com 25 anos de contribuição.

8.2.2.4.2 – outras hipóteses de aposentadorias especiais

As outras hipóteses de aposentadorias especiais foram introduzidas pela EC 47/2005. São


elas: i) aposentadoria especial do deficiente físico; ii) aposentadoria especial decorrente de
atividade de risco; e iii) aposentadoria especial dos servidores que exerçam atividades sob
condições que prejudiquem a saúde ou a integridade física.

196
Elas dependem de lei complementar para a sua regulamentação, a qual até hoje não foi
elaborada. Trata-se de um direito não exercido em razão da não regulamentação de norma
de eficácia limitada. A matéria foi levada ao STF, via mandado de injunção (MI 721 e MI
758), que decidiu regulamentar provisoriamente a matéria, entendendo que enquanto não
for aprovada essa lei complementar, o servidor terá o direito de se aposentar segundo a lei
do RGPS. Trata-se de um mandado de injunção com efeitos concretos.

Recentemente, o STF editou a Súmula Vinculante nº 33, segundo a qual ao servidor que
exerce atividade em condições insalubres (art. 40, § 4º, III, da CR), aplicam-se, no que cou-
ber, as regras do RGPS:

Súmula Vinculante 33 – Aplicam-se ao servidor público, no que couber, as regras do Re-

gime Geral de Previdência Social sobre a aposentadoria especial de que trata o art. 40, §

4º, III, da Constituição Federal, até a edição de lei complementar específica.

No caso, a norma aplicável é aquela prevista no art. 57 da Lei 8.213/1991. Vale observar que
a Súmula não abrange as demais hipóteses do art. 40, § 4º, da CR (deficientes e atividades
de risco).

8.2.4 – Emenda Constitucional 41/2003

Em 2003, tramitavam ao mesmo tempo no Congresso Nacional, o projeto original da EC 41 e


a chamada “PEC paralela”, que nada mais era do que a emenda da emenda e foi aprovada
como EC 47, apenas no ano de 2005. Assim, a EC 41 foi aprovada em 31 de dezembro de
2003, sem alterações em seu texto original.

Como visto, a EC 41/2003 não alterou os requisitos de aposentadoria do servidor público.


Ela teve outro foco, tendo trazido diversas alterações na disciplina da matéria. Adiante, se-
rão analisadas as seis mais importantes:

i) revogação do princípio da integralidade:

O princípio da integralidade dava ao servidor o direito de se aposentar com tudo o que ga-
nhava na atividade. Ou seja, ele passava a receber o mesmo que quando trabalhava.

Em seu lugar, foi inserido o princípio da média da vida laboral, segundo o qual se faz uma
média de tudo o que o servidor ganhou ao longo da carreira e paga-se a ele. Ex.: o sujeito
ganhava R$ 1.000,00, passa a ganhar R$ 5.000,00 e acaba ganhando R$ 10.000,00. Receberá,
na aposentadoria, em torno de R$ 7.000,00. Mas, atenção! Ele receberá sobre o quanto

197
contribuiu. Ou seja, somente serve para a média aquilo que teve incidência de contribuição.
Se o sujeito tinha alguma isenção, os rendimentos isentos não serão mantidos.

ii) revogação do princípio da paridade:

Segundo o princípio da paridade, tudo o que era atribuído ao servidor da atividade era ao da
inatividade (ex.: aumentos etc.). No lugar dele, foi instituído um novo princípio: o da preser-
vação do valor real. Ou seja, os proventos têm de ter preservado o seu poder de compra.

iii) instituição da contribuição dos inativos:

O aposentado, a partir dessa regra, terá de pagar contribuição. O sujeito paga a vida inteira
para ter uma inatividade em paz, mas deverá continuar contribuindo depois de aposentado.

A base de cálculo da contribuição do inativo é tudo aquilo que ultrapassar o teto do RGPS.
Ex.: servidor recebe 6 mil e o teto é de R$ 4.390,24. Portanto, ele pagará a contribuição so-
bre essa diferença. Ele não paga sobre a totalidade, mas sobre o que ganha subtraído o teto
do RGPS.

Essa contribuição tem alíquota mínima de 11%. Os estados e municípios podem fixar alíquo-
ta maior (São Paulo já está com 17%). A contribuição dos inativos incide sobre aquilo que
ultrapassar o teto remuneratório do RGPS, que hoje é de R$ 4.390,24. Imaginando um servi-
dor paulista aposentado que ganhe proventos de R$ 6.000,00: [(R$ 6.000,00 – R$ 4.390,24) x
0,17] = R$ 273,66. Pagará, portanto, R$ 273,66 de contribuição.

A contribuição dos inativos atinge todos os aposentados, anteriores e posteriores à EC. Por-
tanto, ainda que o servidor já esteja aposentado na data da EC, ele deverá contribuir. Lem-
bre-se que não há direito adquirido em face do regime legal.

Cuidado, pois no texto original da EC havia diferenciação para aqueles que já estavam apo-
sentados. Tais regras, todavia, foram alteradas para igualar a situação de todos os inativos.

Essa situação foi objeto da ADI 3105. O STF decidiu que a contribuição dos inativos é consti-
tucional. Esse julgamento é uma piada, pois um dos Ministros do STF, na sessão de julga-
mento, afirmou que o povo brasileiro precisava ser mais solidário e contribuir mais.

iv) introdução do “teto de proventos”:

Em razão da EC 41/2003, o servidor passará a ter um teto de proventos: ele não poderá ga-
nhar mais que o RGPS (o teto do INSS). Como visto, hoje o teto do RGPS, previsto na Portaria
MF nº 19/2014, é de R$ 4.390,24.

198
Para a regra do teto ser implantada na prática, deve haver lei instituindo um regime com-
plementar de previdência social. Trata-se da Lei 12.618/12, que regulamenta a criação do
regime complementar federal. A lei foi publicada em 02 de maio de 2012. Portanto, hoje já
há um regime complementar.

Esse regime complementar já existia na CR desde a EC 20/98. Originariamente, ele dependia


de uma lei complementar. A EC 41 modificou isso, estabelecendo que bastaria uma lei ordi-
nária para a instituição do regime complementar. Essa mudança foi fundamental para a edi-
ção da Lei 12.618/12. Mas cuidado, pois originariamente era exigida lei complementar.

As Emendas Constitucionais 20/1998 e 41/2003, buscando evitar uma debandada de servi-


dores com medo das novas regras, criaram o chamado “abono de permanência”: o servidor
que já havia preenchido os requisitos para a aposentadoria permaneceria trabalhando, mas
não contribuiria mais para a previdência.

Com a EC 20/1998, o abono de permanência tinha natureza de isenção. Com a EC 41/2003,


ele deixa de ter tal natureza e vira um “presente” (um prêmio, uma remuneração paga):
desconta-se a contribuição no contracheque e, no mesmo contracheque, paga-se a ele o
valor respectivo.

Essa alteração serviu para que o tempo de remuneração servisse como base de cálculo para
os proventos de aposentadoria (a média da vida laboral), já que os valores isentos, como
visto, não integram a contribuição. A ideia é, portanto, não prejudicar o cálculo da remune-
ração do servidor.

v) inserção de forma expressa do princípio da solidariedade no caput do art. 40 da CR:

Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Fe-

deral e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de

previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente

público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que pre-

servem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo. (Redação dada pela

Emenda Constitucional nº 41, 19.12.2003)

O caput do art. 40 da CR passou a prever o princípio da solidariedade.

A ideia é que o povo brasileiro precisava ser mais solidário, contribuindo e ajudando mais.
No Brasil, havia o regime contributivo (válido desde a EC 20) com sistema de repartição sim-
ples (todos contribuem e retiram da mesma conta, até aqueles que não contribuíram). Dife-
rente é o sistema de capitalização, no qual cada qual possui a sua conta individual.

199
O sistema já era solidário e de repartição simples. A mudança foi a previsão expressa na CR.

vi) cotização dos entes públicos:

Na iniciativa privada, o empregado paga uma parcela da contribuição ao sistema previdenci-


ário e o empregador paga outra. Já no setor público, o servidor pagava sozinho, ou seja, não
havia contribuição por parte do Estado.

Com a EC 41, o ente público passa também a ser patrocinador do regime de previdência
pública. Essa foi uma mudança importante, que trouxe mais dinheiro ao sistema público de
previdência.

8.2.5 – cenário atual

O cenário atual da aposentadoria dos servidores públicos é o seguinte:

i) servidor que entrou antes da emenda constitucional e na data da promulgação da emenda


já preenchia os requisitos: terá direito à regra velha (para ele, se reconhece o direito adqui-
rido);

ii) servidor que entrou depois da emenda constitucional: a ele aplica-se a regra nova;

iii) servidor que já estava no serviço público, mas no dia da promulgação da emenda não
preenchia os requisitos (ex.: o sujeito entra no concurso em 1980 e em 1998 vem a nova
disciplina da matéria): para esses casos, cada emenda criou uma regra de transição. Trata-
se, mais ou menos, de um meio-termo: nem tão ruim quanto a nova, nem tão boa quanto a
velha.

8.2.6 – regras de transição

As emendas que alteraram o RPPS previram cinco regras de transição: art. 8º da EC 20/2003,
arts. 2º e 6º da EC 41/2003, art. 3º da EC 47/2005 e art. 6º-A da EC 41/2003 (inserido pela EC
70/2012).

8.6.1.1 – art. 8º da EC 20, de 16 de dezembro de 1998 (revogado pela EC 41/2003)

Art. 8º - Observado o disposto no art. 4º desta Emenda e ressalvado o direito de opção a

aposentadoria pelas normas por ela estabelecidas, é assegurado o direito à aposentadoria

voluntária com proventos calculados de acordo com o art. 40, § 3º, da Constituição Fede-

ral, àquele que tenha ingressado regularmente em cargo efetivo na Administração Públi-

ca, direta, autárquica e fundacional, até a data de publicação desta Emenda, quando o

servidor, cumulativamente:

200
I - tiver cinquenta e três anos de idade, se homem, e quarenta e oito anos de idade, se

mulher;

II - tiver cinco anos de efetivo exercício no cargo em que se dará a aposentadoria;

III - contar tempo de contribuição igual, no mínimo, à soma de:

a) trinta e cinco anos, se homem, e trinta anos, se mulher; e

b) um período adicional de contribuição equivalente a vinte por cento do tempo que, na

data da publicação desta Emenda, faltaria para atingir o limite de tempo constante da alí-

nea anterior.

A regra de transição de 1998 dizia que, para que o servidor se aposentasse de acordo com
ela, teria que preencher o requisito de idade: para o homem, 53 anos de idade; para a mu-
lher, 48 anos de idade. Ainda, para aposentadoria com proventos integrais, seria preciso,
para o homem, 35 anos de contribuição; para a mulher, 30 anos de contribuição.

No entanto, é importante saber que esse tempo de contribuição é acrescido por um “pedá-
gio”: na data da emenda computava-se o quanto faltava para a aposentadoria do servidor e
acrescia-se 20% desse período. Ex.: um servidor (homem) que, na data da emenda
(16.12.1998), já havia contribuído por 15 anos. Veja, se o limite é de 35 anos de contribui-
ção, faltavam ainda 20 anos para a aposentadoria. Calcula-se 20% de 20 anos, que são 4
anos. Assim, para se aposentar, o sujeito precisará de 53 anos de idade e 39 anos (35 mais 4)
de contribuição.

O pedágio, portanto, corresponde a 20% do tempo que faltava para a aposentadoria com
proventos integrais do servidor.

Já os requisitos para a aposentadoria com proventos proporcionais eram os seguintes (art.


8º, § 1º, igualmente revogado pela EC 41/2003): se homem, 30 anos de contribuição e, se
mulher, 25 anos de contribuição. Aqui, aplica-se também o pedágio, mas nesse caso acresce-
se ao tempo de contribuição 40% do que faltava, na data da EC, para o servidor se aposen-
tar. Ex.: para se aposentar com proventos proporcionais, o servidor do exemplo anterior que
já contribuíra por 15 anos, ainda teria de contribuir por mais 15 anos (até completar 30 anos
de contribuição). São acrescidos mais 6 anos ao tempo de contribuição, que correspondem
ao pedágio de 40% (de 15 anos que faltavam para a aposentadoria, na data de EC):

Art. 8º (...) § 1º - O servidor de que trata este artigo, desde que atendido o disposto em

seus incisos I e II, e observado o disposto no art. 4º desta Emenda, pode aposentar-se

com proventos proporcionais ao tempo de contribuição, quando atendidas as seguintes

condições:

I - contar tempo de contribuição igual, no mínimo, à soma de:

201
a) trinta anos, se homem, e vinte e cinco anos, se mulher; e

b) um período adicional de contribuição equivalente a quarenta por cento do tempo que,

na data da publicação desta Emenda, faltaria para atingir o limite de tempo constante da

alínea anterior;

II - os proventos da aposentadoria proporcional serão equivalentes a setenta por cento do

valor máximo que o servidor poderia obter de acordo com o "caput", acrescido de cinco

por cento por ano de contribuição que supere a soma a que se refere o inciso anterior,

até o limite de cem por cento.

O requisito da idade permanece o mesmo.

O constituinte criou, ainda, o abono de permanência. A ideia era convencer o servidor a


continuar no serviço e evitar uma debandada dos servidores. O abono de permanência ga-
nhou natureza de isenção, que foi concedida aos servidores que, na data da EC 20, já preen-
chiam os requisitos, mas que continuaram no serviço. O servidor não precisaria mais contri-
buir (isenção da contribuição previdenciária). Esse abono de permanência da EC 20 foi pos-
teriormente modificado, como visto acima.

8.6.1.2 – arts. 2º e 6º da EC 41/2003

A regra de transição do art. 6º da EC 41/2003 vale para os servidores que entraram antes de
31 de dezembro de 2003, ou seja, antes da data de publicação da emenda:

Art. 6º Ressalvado o direito de opção à aposentadoria pelas normas estabelecidas pelo

art. 40 da Constituição Federal ou pelas regras estabelecidas pelo art. 2º desta Emenda, o

servidor da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autar-

quias e fundações, que tenha ingressado no serviço público até a data de publicação des-

ta Emenda poderá aposentar-se com proventos integrais, que corresponderão à totalida-

de da remuneração do servidor no cargo efetivo em que se der a aposentadoria, na forma

da lei, quando, observadas as reduções de idade e tempo de contribuição contidas no §

5º do art. 40 da Constituição Federal, vier a preencher, cumulativamente, as seguintes

condições:

I - sessenta anos de idade, se homem, e cinqüenta e cinco anos de idade, se mulher;

II - trinta e cinco anos de contribuição, se homem, e trinta anos de contribuição, se mu-

lher;

III - vinte anos de efetivo exercício no serviço público; e

IV - dez anos de carreira e cinco anos de efetivo exercício no cargo em que se der a apo-

sentadoria.

Parágrafo único. Os proventos das aposentadorias concedidas conforme este artigo serão

202
revistos na mesma proporção e na mesma data, sempre que se modificar a remuneração

dos servidores em atividade, na forma da lei, observado o disposto no art. 37, XI, da Cons-

tituição Federal. (Revogado pela Emenda Constitucional nº 47, de 2005)

Além disso, a EC 41 estabeleceu uma segunda regra de transição, em seu art. 2º:

Art. 2º Observado o disposto no art. 4º da Emenda Constitucional nº 20, de 15 de dezem-

bro de 1998, é assegurado o direito de opção pela aposentadoria voluntária com proven-

tos calculados de acordo com o art. 40, §§ 3º e 17, da Constituição Federal, àquele que

tenha ingressado regularmente em cargo efetivo na Administração Pública direta, autár-

quica e fundacional, até a data de publicação daquela Emenda, quando o servidor, cumu-

lativamente:

I - tiver cinqüenta e três anos de idade, se homem, e quarenta e oito anos de idade, se

mulher;

II - tiver cinco anos de efetivo exercício no cargo em que se der a aposentadoria;

III - contar tempo de contribuição igual, no mínimo, à soma de:

a) trinta e cinco anos, se homem, e trinta anos, se mulher; e

b) um período adicional de contribuição equivalente a vinte por cento do tempo que, na

data de publicação daquela Emenda, faltaria para atingir o limite de tempo constante da

alínea a deste inciso.

Esse dispositivo revogou o art. 8º da EC 20 e estabeleceu uma nova regra de transição em


substituição. O art. 2º é, portanto, aplicável para aqueles que entraram antes da EC 20 (an-
tes de 16 de dezembro de 1998). Na prática, essa regra é péssima para o servidor.

O servidor que se aposentar por essa regra deve observar os seguintes requisitos: em rela-
ção à aposentadoria por idade, 53 anos para os homens e 48 anos para as mulheres; em
relação à aposentadoria por tempo de contribuição, 35 anos de idade para os homens e 30
anos de idade para as mulheres, para receber proventos integrais. Precisa, ainda, do pedágio
de 20% do que faltava na data da EC 20, que será acrescido ao tempo de contribuição. Po-
rém, esse servidor não tem direito à paridade e à integralidade. Por isso essa regra de tran-
sição ser tão ruim para o servidor (é pior do que a própria regra nova).

O servidor, ainda, terá um redutor constitucional na sua remuneração caso se aposente com
53 ou 48 anos de idade: para cada ano que ele antecipa na idade, respeitados os 60 e 55
anos, haverá um desconto na sua remuneração. Se ele se aposentar até 2005, esse desconto
é de 3,5% por ano antecipado; já a partir de 2006, esse desconto é de 5% por ano antecipa-
do.

203
8.6.1.3 – art. 3º da EC 47/2005

Art. 3º Ressalvado o direito de opção à aposentadoria pelas normas estabelecidas pelo

art. 40 da Constituição Federal ou pelas regras estabelecidas pelos arts. 2º e 6º da Emen-

da Constitucional nº 41, de 2003, o servidor da União, dos Estados, do Distrito Federal e

dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, que tenha ingressado no serviço

público até 16 de dezembro de 1998 poderá aposentar-se com proventos integrais, desde

que preencha, cumulativamente, as seguintes condições:

I trinta e cinco anos de contribuição, se homem, e trinta anos de contribuição, se mulher;

II vinte e cinco anos de efetivo exercício no serviço público, quinze anos de carreira e cin-

co anos no cargo em que se der a aposentadoria;

III idade mínima resultante da redução, relativamente aos limites do art. 40, § 1º, inciso

III, alínea "a", da Constituição Federal, de um ano de idade para cada ano de contribuição

que exceder a condição prevista no inciso I do caput deste artigo.

Parágrafo único. Aplica-se ao valor dos proventos de aposentadorias concedidas com ba-

se neste artigo o disposto no art. 7º da Emenda Constitucional nº 41, de 2003, observan-

do-se igual critério de revisão às pensões derivadas dos proventos de servidores falecidos

que tenham se aposentado em conformidade com este artigo.

A EC 47 foi a chamada “PEC paralela”. Ela traz, na verdade, uma nova regra de transição para
servidores que entraram antes da EC 20. A ideia é ser uma alternativa para o art. 2º da EC
41, que era muito ruim para o servidor. Assim, o servidor poderia optar por uma ou outra
regra de transição. Essa EC é de 05 de julho de 2005.

Caso não haja intervalo entre os cargos, haverá a regra de transição. Não pode haver solu-
ção de continuidade, interrupção. A regra de transição é uma faculdade, uma opção do ser-
vidor e geralmente traz uma mistura da antiga regra com as novas regras.

Segundo essa nova regra de transição (um pouco melhor que a anterior), o servidor tem
direito à integralidade e paridade. O cálculo é feito da seguinte forma: cada ano que se ul-
trapassa no limite da contribuição (35 e 30 anos, para homens e mulheres) pode ser descon-
tado por 1 ano na idade (60 e 55 anos, para homens e mulheres). Ex.: servidor contribui 37
anos e se aposenta com 58 anos.

Note que a antiga regra de transição continua a existir, mas o servidor pode optar por essa
nova regra.

8.6.1.4 – art. 6º-A da EC 41/2003 (inserido pela EC 70/2012)

A EC 70/2012 veio para corrigir uma falha que havia na EC 47.

204
Os servidores, até a EC 41, tinham direito à integralidade. Daí vem a EC 41 e retira a integra-
lidade, mantendo apenas nas regras de transição. Essas regras, todavia, não se preocuparam
com o servidor aposentado por invalidez.

Ela simplesmente corrige essa questão, inserindo o art. 6º-A e parágrafo único na própria EC
41/2003:

Art. 6º-A. O servidor da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas

suas autarquias e fundações, que tenha ingressado no serviço público até a data de publi-

cação desta Emenda Constitucional e que tenha se aposentado ou venha a se aposentar

por invalidez permanente, com fundamento no inciso I do § 1º do art. 40 da Constituição

Federal, tem direito a proventos de aposentadoria calculados com base na remuneração

do cargo efetivo em que se der a aposentadoria, na forma da lei, não sendo aplicáveis as

disposições constantes dos §§ 3º, 8º e 17 do art. 40 da Constituição Federal. (Incluído pela

Emenda Constitucional nº 70, de 2012)

Parágrafo único. Aplica-se ao valor dos proventos de aposentadorias concedidas com ba-

se no caput o disposto no art. 7º desta Emenda Constitucional, observando-se igual crité-

rio de revisão às pensões derivadas dos proventos desses servidores. (Incluído pela

Emenda Constitucional nº 70, de 2012)

A nova transição é aplicável a servidores que ingressaram no serviço público até o dia 31 de
dezembro de 2003 e confere a eles o direito de se aposentarem por invalidez com proventos
integrais (garantia da integralidade e de paridade).

Até a EC 70, o servidor se aposentava por invalidez, mas perdia a integralidade.

De acordo com a regra de transição do art. 6º, o servidor tem direito de aposentar com inte-
gralidade e paridade, desde que respeitados os seguintes requisitos: i) 20 anos no serviço
público; ii) 10 anos na carreira e iii) 5 anos no cargo. Para os homens são exigidos 60 anos de
idade e 35 anos de contribuição e, para as mulheres, 55 anos de idade e 30 anos de contri-
buição.

Nada impede que o servidor mude de cargo, mas não pode haver interrupção.

8.2.8 – questões sobre o regime complementar (Lei 12.618/12)

O regime complementar foi regulamentado pela Lei 12.618/12.

205
O teto de proventos do RGPS passa a ser aplicável àqueles que entraram após a criação do
fundo complementar. Ou seja, será aplicável para servidores que entraram no serviço públi-
co após a criação da fundação do regime complementar.

O servidor vai contribuir com 11% sobre o teto do RPPS e terá a faculdade de contribuir ao
regime complementar, para aumentar seus proventos.

A contribuição para o regime complementar não terá limite, ou seja, o servidor pode contri-
buir com o quanto quiser. No regime complementar, portanto, há duas contribuições: a do
servidor e a do ente público, que também terá que contribuir com o regime complementar.
Para o ente, há limite: ele contribui no mesmo montante que o servidor, até o limite de 8,5%
sobre a parcela do vencimento que exceder ao teto do RGPS.

Os servidores que já estavam no serviço público antes da criação do regime poderão optar
pelo regime complementar. O servidor que fizer a escolha pelo regime complementar não
será atingido pela contribuição dos inativos (pois vai ganhar o teto e o inativo contribui so-
bre o que ultrapassa o teto). A ideia é liberar o servidor da contribuição dos inativos. Essa é a
grande jogada da opção pelo regime complementar.

Atenção, pois o servidor que entrou no serviço público antes do regime complementar e
passou em novo concurso após a sua criação poderá não ser atingido pelo teto, desde que
não haja solução de continuidade. Portanto, a mudança de cargo após o regime comple-
mentar não altera a regra anterior, desde que não haja interrupção.

O regime complementar será mantido por uma fundação, que compõe a administração indi-
reta, mas será uma fundação pública de regime privado. O seu regime de pessoal é o de
emprego, mas com concurso público. Terá como gestão o conselho deliberativo, fiscal e a
diretoria executiva. Esses cargos serão preenchidos por representantes das três esferas de
poder e por servidores de cargos efetivos, eleitos por seus pares.

206
BENS PÚBLICOS34

1 – Conceito

O conceito de bem público é divergente. A doutrina é pacífica no sentido de que bem públi-
co é aquele pertencente a uma pessoa jurídica de direito público. Os bens da União, Estados,
DF e Municípios, os pertencentes às autarquias e às fundações públicas de direito público
são considerados bens públicos.

Além deles, a maioria dos autores (há divergência neste ponto) também diz que são públicos
os bens pertencentes às pessoas jurídicas de direito privado que estiverem diretamente
ligados à prestação de serviço público.

Falar que um bem é público (ou seja, que o regime jurídico dele é o público) significa que
esse bem receberá uma proteção maior, por ser o regime público mais rigoroso.

O fundamento da doutrina para a inclusão e proteção dos bens privados ligados à prestação
de um serviço público é o princípio da continuidade. Busca-se, com isso, evitar a interrupção
do serviço público, em prejuízo do interesse público (ex.: tais bens não podem ser penhora-
dos, usucapidos, dados em garantia etc.). A ideia é que a retirada de tal bem comprometerá
a prestação do serviço.

Bem de empresa pública é penhorável? Depende da finalidade desempenhada por ela. Em-
presa pública e sociedade de economia mista seguem, como visto, regime híbrido, podendo
ter duas finalidades: prestação de serviço público e exploração de atividade econômica. Se a
empresa pública explora atividade econômica, seus bens são penhoráveis (regime privado).
O bem de empresa pública prestadora de serviço público também segue o regime privado,
como regra. Desse modo, em geral, seus bens serão penhoráveis. Eles somente serão impe-
nhoráveis excepcionalmente: seguirão o regime público os bens ligados diretamente à pres-
tação do serviço público. Isso também em virtude da proteção ao princípio da continuidade.

34 “Bens Públicos” é um tema que não está presente em todos os programas de concurso, razão pela
qual se recomenda checar o respectivo edital. É tema tranquilo, sem grandes polêmicas e divergên-
cias. Em prova do MP, é comum cair bem público relacionado à improbidade administrativa (má ges-
tão dos bens públicos etc.) Em geral, improbidade administrativa é tema que sempre cai acompanha-
do de outro.

207
(Magistratura Federal) A bicicleta pertencente à ECT – Empresa de Correios e Telégrafos é
penhorável? A situação da ECT, como visto, é especial, tendo ela um tratamento diferencia-
do. Aquele raciocínio de que somente seria impenhorável o bem diretamente ligado à pres-
tação do serviço público é o básico, não devendo ser utilizado para a resposta. O correto é
dizer que a ECT, apesar de ser uma empresa pública, tem tratamento de Fazenda Pública, ou
seja, de pessoa jurídica de direito público (regime público), de modo que, independente-
mente do uso da bicicleta (ligado ou não ao serviço), ela será impenhorável em qualquer
circunstância.

A ECT tem esse tratamento diferenciado em razão da exclusividade que possui no serviço
postal, em interpretação do art. 21, X, CR, feita pelo STF na ADPF 4635:

Art. 21. Compete à União: (...)

X - manter o serviço postal e o correio aéreo nacional; (...)

A maioria dos autores adota a posição acima citada (Celso Antonio, Maria Sylvia, STF e STJ).
José dos Santos Carvalho Filho, todavia, tem posição minoritária nesse ponto. Para ele, bem
público é somente o pertencente à pessoa pública.

2 – Classificação de bens públicos

2.1 – Quanto à titularidade

De acordo com a titularidade, os bens públicos podem ser: federais, estaduais, distritais ou
municipais.

2.1.1 – bens federais

Bens federais são os pertencentes à União. São os que mais caem em concurso. Estão enu-
merados no art. 20 da CR36. Cuidado, pois o rol do dispositivo, apesar de representar uma

35 Observação: recentemente, em concurso federal, foi exigida a diferença, estabelecida pelo STF no
julgamento da ADPF 46, entre monopólio, ligado à atividade econômica (não podendo a expressão
ser usada para designar a ECT), e exclusividade, relacionada ao serviço público. Cuidado com a distin-
ção.

36 Sugere-se apenas a leitura do art. 20, pois os concursos não costumam pedir leis específicas sobre
bens públicos federais. Todavia, deve-se ler o edital respectivo, para checar se há a exigência de al-
guma (ex.: Código de Águas).

208
lista importante, não é exaustivo, visto que há outros bens federais fora dele e até da pró-
pria CR.

Art. 20. São bens da União:

I - os que atualmente lhe pertencem e os que lhe vierem a ser atribuídos;

II - as terras devolutas indispensáveis à defesa das fronteiras, das fortificações e constru-

ções militares, das vias federais de comunicação e à preservação ambiental, definidas em

lei;

III - os lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio, ou que ba-

nhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros países, ou se estendam a territó-

rio estrangeiro ou dele provenham, bem como os terrenos marginais e as praias fluviais;

IV - as ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outros países; as praias maríti-

mas; as ilhas oceânicas e as costeiras, excluídas, destas, as que contenham a sede de Mu-

nicípios, exceto aquelas áreas afetadas ao serviço público e a unidade ambiental federal,

e as referidas no art. 26, II; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 46, de 2005)

V - os recursos naturais da plataforma continental e da zona econômica exclusiva;

VI - o mar territorial;

VII - os terrenos de marinha e seus acrescidos;

VIII - os potenciais de energia hidráulica;

IX - os recursos minerais, inclusive os do subsolo;

X - as cavidades naturais subterrâneas e os sítios arqueológicos e pré-históricos;

XI - as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios.

§ 1º - É assegurada, nos termos da lei, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios,

bem como a órgãos da administração direta da União, participação no resultado da explo-

ração de petróleo ou gás natural, de recursos hídricos para fins de geração de energia elé-

trica e de outros recursos minerais no respectivo território, plataforma continental, mar

territorial ou zona econômica exclusiva, ou compensação financeira por essa exploração.

§ 2º - A faixa de até cento e cinquenta quilômetros de largura, ao longo das fronteiras ter-

restres, designada como faixa de fronteira, é considerada fundamental para defesa do

território nacional, e sua ocupação e utilização serão reguladas em lei.

2.1.2 – bens estaduais e distritais

Os bens estaduais e distritais estão previstos no art. 26 da CR, que também não representa
rol taxativo. O estado e o DF também terão bens que estão fora do dispositivo. Recomenda-
se memorizá-lo:

Art. 26. Incluem-se entre os bens dos Estados:

209
I - as águas superficiais ou subterrâneas, fluentes, emergentes e em depósito, ressalvadas,

neste caso, na forma da lei, as decorrentes de obras da União;

II - as áreas, nas ilhas oceânicas e costeiras, que estiverem no seu domínio, excluídas

aquelas sob domínio da União, Municípios ou terceiros;

III - as ilhas fluviais e lacustres não pertencentes à União;

IV - as terras devolutas não compreendidas entre as da União.

2.1.4 – bens municipais

Os bens municipais não estão elencados na CR. Eles não participam da repartição constituci-
onal.

2.2 – Quanto à destinação

De acordo com a destinação, os bens podem ser: i) de uso comum do povo; ii) de uso espe-
cial; e iii) dominicais.

2.2.1 – bens de uso comum do povo

Bem de uso comum do povo, também chamado de “bem de domínio público”, é aquele que
está à disposição da coletividade, para uso indistinto e sem discriminação. São exemplos de
bens de uso comum do povo: praias, praças, ruas, logradouros públicos etc.

Cuidado com a expressão “bem de domínio público”, que pode ser utilizada de duas manei-
ras diferentes:

i) domínio público em sentido amplo:

É toda atuação que o Estado exerce sobre os diversos bens, públicos ou privados. Quando o
Estado controla, fiscaliza, regulamenta a utilização do bem, trata-se de domínio público em
sentido amplo. É o poder que o Estado tem sobre os diversos bens.

ii) domínio público em sentido estrito:

É sinônimo de bem de uso comum do povo.

O bem de uso comum do povo não precisa de autorização para sua utilização normal. Não é
necessária autorização para andar na rua, sentar na praça, frequentar a praia. Todavia, para
fechar uma rua ou uma praia para a realização de uma grande festa (algo que foge da nor-
mal utilização daqueles bens), é necessária autorização. Adiante, será estudada a concessão,
permissão e autorização de uso, que são institutos voltados à utilização de bem público.

210
Em alguns lugares de determinadas cidades do Brasil, cobra-se “Zona Azul” para estacionar o
carro. Se o Estado cobra pela utilização normal do bem, trata-se de uma utilização especial,
chamada de “uso remunerado de bem público”.

Caso determinado grupo deseje realizar uma reunião na Avenida Paulista, numa sexta-feira,
às 17 horas, o administrador pode fazer alguma coisa? Como fica o direito de reunião, pre-
visto constitucionalmente? É necessária autorização para tanto?

Segundo o art. 5º, XVI, da CR, não se exige autorização para o exercício do direito de reuni-
ão:

Art. 5º (...) XVI - todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao

público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião ante-

riormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade

competente;

Prevalece a orientação na jurisprudência segundo a qual não é necessária autorização, bas-


tando a comunicação prévia à autoridade competente. Todavia, se tal autoridade entender
que a reunião comprometerá o interesse público, com base na supremacia deste interesse
ela poderá impedir que a reunião aconteça.

No exemplo dado, caso a autoridade permitisse o evento, a cidade ficaria um caos. A juris-
prudência determina que, ainda que a reunião ou evento no local possa ser impedido (a)
pela autoridade (em nome do interesse público), ela deve indicar uma alternativa (um local
e horário) em que acontecerá. Essa alternativa deve ter a mesma visibilidade e a mesma
repercussão, para evitar justamente o uso político das negativas de autorização (ex.: Prefei-
to que deliberadamente proíbe a realização de reunião ou evento de partido adversário).

2.2.2 – bens de uso especial

O bem de uso especial também é chamado de “bem do patrimônio administrativo”. É aquele


que o Estado conserva para a prestação de serviços públicos. Exemplos: prédios das reparti-
ções públicas, hospitais públicos, escolas públicas etc.

Os bens de uso comum do povo e os bens de uso especial são ligados a uma destinação pú-
blica, ou seja, são afetados a uma finalidade pública.

2.2.3 – bens dominicais

O bem dominical é definido por exclusão. Não é o bem de uso comum do povo nem o de uso
especial. Ou seja, não está afetado a uma finalidade pública.

211
Diz-se que o bem dominical é aquele que o Poder Público conserva como se fosse um parti-
cular. Essa afirmação, todavia, é perigosa. O bem não é privado. O Poder Público pode alie-
ná-lo, mas não livremente. Há varias exigências, como será estudado a seguir. “Conservar o
bem como o particular” significa que o bem não está afetado a uma finalidade pública. E só.
Não significa que o bem seja privado, não tenha proteção ou regime jurídico de direito pú-
blico.

Bens dominicais, para a maioria dos autores é sinônimo de “bens dominiais”. Cretella Jr.,
todavia, em posição bem minoritária, faz a seguinte distinção: bem dominial seria aquele,
visto anteriormente, que está sob o controle do Estado (fiscalização, regulamentação etc.) e
o dominical seria aquele sem destinação pública.

Exemplos de bens dominicais: terreno baldio, terras devolutas, bens móveis inservíveis, a
dívida ativa etc.

3 – Regime jurídico-administrativo dos bens públicos

3.1 – Inalienabilidade relativa (alienabilidade condicionada)

Os bens públicos são inalienáveis de forma relativa. Dito de outro modo, os bens públicos
são alienáveis de forma condicionada. Ou seja, em algumas circunstâncias, os bens públicos
podem ser alienados. Essas expressões são criadas pela doutrina mais moderna.

Quando é possível alienar bens públicos? Quais os bens públicos passíveis de alienação?

Se estiverem afetados a uma finalidade pública (bens de uso comum do povo e bens de uso
especial), os bens públicos são inalienáveis. Os bens dominicais, na medida em que não têm
finalidade pública, são alienáveis.

Os bens de uso comum do povo ou especial não são sempre inalienáveis. Tampouco os bens
dominicais são sempre alienáveis. Como será estudado, a afetação ou desafetação é possí-
vel. Alguns autores, a exemplo de Diógenes Gasparini, chamam a afetação ou desafetação
de “consagração” ou “desconsagração”, respectivamente.

Ex.: o prédio de uma Prefeitura, bem de uso especial, é inalienável. Imagine que alguém doe
um imóvel bem melhor ao Poder Público, que não está sendo utilizado (não tem finalidade
pública). Por ser um bem dominical, ele será alienável. O Prefeito então decide transferir a
Prefeitura para o imóvel doado. Esse novo prédio passou a ser bem de uso especial, tornan-
do-se inalienável. O velho prédio, que fica abandonado, deixa de ter finalidade pública, pas-
sando a ser bem dominical e, nessa condição, alienável.

212
A aquisição de finalidade pública, portanto, é chamada de “afetação” (ou consagração). Por
sua vez, a perda da finalidade pública é chamada “desafetação” (ou desconsagração). Quan-
do um bem é afetado, ele transforma-se de alienável em inalienável. Exatamente o inverso
ocorre na desafetação, em que um bem protegido transforma-se em alienável.

A afetação, portanto, na medida em que traz consigo a inalienabilidade, protege mais o


bem. A desafetação, ao contrário, retira dele a proteção. Com base nessa informação, inda-
ga-se: o que é necessário para afetar ou desafetar um bem público? Deve haver lei ou ato
administrativo? A simples utilização do bem já afeta? Deixar de usar o bem o desafeta?

Na medida em que confere mais proteção ao bem, não há muito rigor na afetação. Por outro
lado, como a desafetação retira a proteção do bem, ela ocorre com mais exigên-
cia/rigor/cuidado.

Pode-se afetar um bem público de qualquer maneira: lei, ato administrativo ou pelo simples
uso do bem. Não há rigor para a transformação do bem dominical para bem de uso comum
ou especial.

Na desafetação, o raciocínio é exatamente inverso. Ela ocorre, com visto, em duas hipóte-
ses: quando o bem era de uso comum do povo e vira dominical e quanto era de uso especial
e vira dominical. Neste ponto há divergência doutrinária, mas, para a maioria dos autores, a
desafetação de bem de uso comum do povo para dominical é a mais exigente, dependendo
de lei, ou, no máximo, de ato administrativo autorizado por lei.

A desafetação de bem de uso especial para dominical é considerada menos exigente, po-
dendo ocorrer por lei, por ato administrativo ou acontecer em decorrência de um fato da
natureza. Fato da natureza ocorre, por exemplo, no desabamento da escola em virtude das
enchentes ocorridas em determinado local, de um raio que cai no prédio, de um incêndio no
hospital etc.

A desafetação, por retirar a proteção do bem, não pode decorrer do simples não uso. Ainda
que a afetação ocorra com o simples uso, a desafetação não segue o mesmo raciocínio.

No exemplo dado, o prédio em que funcionava a Prefeitura, ainda que retirado o mobiliário,
continua afetado, sendo necessária uma lei ou um ato administrativo para a formalização da
desafetação.

Como visto, o quanto dito acima representa a posição majoritária. Todavia, poderá ser en-
contrado em determinados autores o entendimento segundo o qual a afetação e a desafeta-

213
ção poderão ocorrer de qualquer maneira (lei, ato administrativo, uso ou não uso), mas se
trata de posição minoritária.

Apesar de alienáveis, a venda dos bens dominicais não pode ser realizada de qualquer jeito.
Há determinados requisitos para a alienação de bens públicos, listados no art. 17 da Lei
8.666/1993 (que trata, dentre outras coisas, dos contratos de alienação de bens públicos).

O primeiro passo é a desafetação.

A alienação de bem público possui regras diversas para bens móveis e imóveis.

Para a alienação de bem imóvel, o primeiro requisito é autorização legislativa, caso se trate
de bem pertencente a pessoa jurídica de direito público. Caso se trate de pessoa privada,
não se exige tal autorização.

Além disso, a autoridade tem de justificar, com base no interesse público, a necessidade da
alienação. Depois, deve ser realizada uma avaliação prévia, para evitar sub ou superfatura-
mento. Além da avaliação prévia, será necessária a realização de um procedimento licitató-
rio.

A modalidade licitatória, no caso, será a concorrência, como regra. Excepcionalmente, se o


imóvel for oriundo (recebido pela administração) de decisão judicial ou dação em pagamen-
to, o art. 19 da lei permite a alienação por concorrência ou leilão.

Como estudado, a licitação não ocorre em virtude de dispensa ou de inexigibilidade.

A dispensa é uma liberalidade do legislador. Em se tratando de dispensa, a licitação pode ser


dispensada (o administrador não pode licitar, nos termos do art. 17 da Lei 8.666/1993) ou
dispensável (hipótese em que o administrador decide se licitará, nos termos do art. 24 da Lei
8.666/1993).

O art. 17 traz uma lista de hipóteses em que a licitação na venda de bens imóveis está dis-
pensada (a competição é possível, o legislador diz que não precisa e o administrador não
tem liberdade para definir se quer ou não licitar)37.

37 A lista do art. 17 não precisa ser decorada. O art. 24 é muito mais importante para fins de concur-
so.

214
Relativamente à alienação de bem móvel, deve haver interesse público justificado, não sen-
do necessária autorização legislativa. Deve haver avaliação prévia e licitação. A modalidade
licitatória exigida é:

i) o leilão, para móveis inservíveis, apreendidos ou empenhados, ou para qualquer bem mó-
vel até o limite de R$ 650.000,00 (art. 17, § 6º, da Lei 8.666/1993):

Art. 17 (...) § 6º Para a venda de bens móveis avaliados, isolada ou globalmente, em quan-

tia não superior ao limite previsto no art. 23, inciso II, alínea "b" desta Lei, a Administra-

ção poderá permitir o leilão. (Incluído pela Lei nº 8.883, de 1994)

ii) a concorrência, para a alienação de bens móveis acima de R$ 650.000,00.

Para os bens móveis, o art. 17 da Lei 8.666/1993 também traz rol em que a licitação também
está dispensada.

O dispositivo foi objeto da ADI 927. A discussão dizia respeito acerca da competência para
legislar acerca de licitações e contratos. Como visto, compete à União legislar sobre normas
gerais sobre licitações e contratos, hipótese em que a norma será de âmbito nacional (e não
federal), servindo para todos os entes. A União, os estados, o DF e os municípios podem
legislar em norma específica, hipótese em que o âmbito de aplicação da norma será federal
(só servirá para a União), estadual, distrital ou municipal, conforme o caso.

O STF decidiu que, em algumas de suas alíneas do art. 17 da Lei 8.666/1993, a União foi além
da norma geral, disciplinando em normas específicas. Nesses casos, segundo o Tribunal, o
dispositivo é constitucional, desde que interpretado conforme a Constituição, ou seja, desde
que interpretado como norma específica da União (e, portanto, de norma de âmbito fede-
ral). Isso significa que os estados ou municípios, naqueles casos, poderão ter normas dife-
rentes.

3.2 – Impenhorabilidade de bens públicos

Bem público não pode ser objeto de penhora, arresto ou sequestro.

Penhora é a restrição que ocorre dentro de uma ação de execução (é a chamada “garantia
do juízo”). Imagine uma execução em que, realizada a penhora, o devedor não cumpre a
obrigação. Não tendo saldado a dívida, no final do processo aquele bem penhorado será
alienado em hasta pública para o cumprimento da obrigação. Se o bem público não pode ser
alienado de forma livre, de que adiantará a penhora? A ideia é que, no final do processo, o

215
credor receba seu crédito. Assim, a impenhorabilidade dos bens públicos decorre do fato de
que eles não podem ser livremente alienados.

Se não podem ser penhorados os bens públicos, que garantia tem o credor de receber seu
dinheiro no final do processo?

A garantia do cumprimento das obrigações do Poder Público é o regime de precatórios, que


nada mais é que uma forma de organização do pagamento das obrigações (uma “fila”). Ex.:
requerido o precatório (um documento) pelo Tribunal, forma-se uma fila, organizada de
acordo com a ordem cronológica de constituição dos precatórios.

O regime de precatórios, previsto no art. 100 da CR, foi alterado pela EC 62/2009. O disposi-
tivo prevê regras acerca do pagamento das dívidas pelo Poder Público. Ocorre que o Estado
nunca tem dinheiro para pagar. Há estado-membro que não paga precatórios há mais de 20
anos.

Arresto e sequestro são ações cautelares típicas. Arresto é cautelar típica para bens inde-
terminados. Sequestro é cautelar típica para bens determinados. Ambas as hipóteses visam
a garantir a futura penhora. Imagine que alguém tem um crédito não vencido e percebe que
o devedor está acabando com seu patrimônio. Nessa hipótese, ele ajuíza uma cautelar de
arresto ou sequestro. Se o devedor não paga sua dívida, o arresto ou o sequestro será con-
vertido em penhora. Ora, se o bem público não pode ser penhorado, qual o sentido de ser
arrestado ou sequestrado?

Relativamente ao sequestro, cumpre ainda tecer duas observações: i) pode haver sequestro
de valores se houver desrespeito (preterição de credor) na ordem de precatórios ou paga-
mento incorreto dos precatórios; e ii) o bem tombado que sai do país fora das hipóteses em
que a saída é autorizada pode ser sequestrado.

3.3 – Impossibilidade de oneração

Oneração significa constituição de direito real de garantia. Bem público não pode ser objeto
de direito real de garantia. Portanto, bem público não pode ser objeto de penhor, hipoteca e
anticrese, que são garantias que ocorrem fora da ação de execução.

Penhor é garantia sobre bens móveis. Hipoteca é a garantia sobre bens imóveis. A anticrese
é o direito real de garantia em que o credor utiliza o patrimônio do devedor, sendo o resul-
tado da exploração do bem por determinado período utilizado para o pagamento da obriga-
ção (o credor utiliza o bem para pagar a dívida e depois devolve).

216
3.4 – Imprescritibilidade de bens públicos

Os bens públicos são imprescritíveis, ou seja, não se sujeitam à usucapião (a aquisição pelo
decurso do tempo). Apesar disso, o Poder Público pode adquirir bens do particular através
da prescrição aquisitiva (o caminho inverso é possível).

3.5 – Aquisição de bem público

O bem pode ser adquirido pelo Estado através de:

i) contrato:

Nos termos do art. 17 da Lei 8.666/1993, a aquisição pode decorrer de contrato de compra,
doação ou permuta.

ii) usucapião;

iii) desapropriação:

Trata-se de forma de aquisição originária da propriedade. Independe da vontade do proprie-


tário (relação, acordo, anuência etc.).

iv) testamento;

v) herança jacente;

vi) adjudicação de bens penhorados em ação de execução;

vii) arrematação:

Para alguns autores, a arrematação pelo Estado é possível em hipóteses raras. Marinela
discorda dessa possibilidade.

x) acessão natural (aluvião, avulsão ou álveo abandonado):

No aluvião, quantidades imperceptíveis de terra descem do imóvel que fica na parte superi-
or de um rio e se fixam nos imóveis inferiores, aumentando a área destes. Na avulsão, um
bloco de terra perceptível se desloca do imóvel superior, desce pelas águas e se fixa no imó-
vel inferior. No caso da avulsão, o proprietário do imóvel inferior tem duas opções: indeniza
ou devolve (como, entretanto, devolver a terra?). Por fim, o álveo abandonado ocorre
quando o rio seca, e a terra por onde ele passava é adquirida pelos imóveis lindeiros (da
margem).

ix) pena de perdimento de bens (art. 91 do CP):

217
Art. 91 - São efeitos da condenação: (...)

II - a perda em favor da União, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé:

a) dos instrumentos do crime, desde que consistam em coisas cujo fabrico, alienação, uso,

porte ou detenção constitua fato ilícito;

b) do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo

agente com a prática do fato criminoso.

x) Lei 8.429/1992 (Lei de Improbidade):

Aquilo que foi adquirido de forma indevida pelo agente ímprobo será entregue ao Estado.

xi) parcelamento do solo urbano:

Parcelamento do solo urbano é o loteamento. Quando o particular divide o solo urbano em


lotes, ele faz ruas, praças etc. Essas áreas públicas, quando do registro do loteamento, são
transferidas para o Estado.

4 – Gestão dos bens públicos

Neste tópico, serão estudadas as formas de utilização do bem público pelas pessoas jurídicas
de direito público e pelos particulares.

4.1 – Quanto aos fins naturais do bem

No que se refere à finalidade normal do bem, a utilização pode ser normal ou anormal.

4.1.1 – uso normal

Usar uma rua como rua é usá-la normalmente. Usar uma praça como praça é usá-la nor-
malmente. Para a utilização normal não é necessária autorização/consentimento do Poder
Público.

4.1.2 – uso anormal

Trata-se de utilização que foge do padrão normal. Ex.: uso da rua para uma festa ou de uma
praia para um luau. O uso anormal depende de autorização.

4.2 – Quanto à generalidade

4.2.1 – utilização comum

A utilização comum ocorre para os bens à disposição da coletividade, à generalidade sem


distinção. Ex.: rua, praça. Aqui, haverá a utilização no padrão normal, indiscriminada.

218
4.2.2 – utilização especial

Na utilização especial de bem público haverá discriminação. Ou seja, estabelece-se uma


distinção. Ela se apresenta de duas maneiras diversas: utilização especial de uso remunera-
do; e utilização especial de uso privativo.

4.2.2.1 – utilização especial de uso remunerado

A utilização especial de uso remunerado ocorre nos casos em que o Estado cobra para a
utilização do bem. Ex.: cobrança pelo estacionamento em área pública (Zona Azul).

Será especial a utilização porque somente usará o bem quem puder por ele pagar. O pedá-
gio nas rodovias e pontes também é utilização especial de uso remunerado (somente aque-
les que têm dinheiro poderão utilizar). O pedágio é muito utilizado hoje para a conservação
de rodovias. Outro exemplo é a cobrança para a visitação de museus, oceanários etc.

4.2.2.2 – utilização especial de uso privativo

A utilização especial de uso privativo é uma forma de utilização de um bem público de uso
comum do povo que dá àquele que tem autorização o direito de uso com privacidade. Ex.:
numa festa privada, realizada em uma rua, não pode ingressar quem não foi autorizado pelo
dono. Outro exemplo é a autorização para bares colocarem mesas na calçada. O dono do
bar que tem aquele consentimento especial age naquele local como se dono fosse.

Os três institutos de direito administrativo que permitem a utilização especial do bem públi-
co com privacidade são autorização, permissão e concessão de uso, que serão estudadas
adiante.

4.2.3 – utilização compartilhada

A utilização compartilhada ocorre quando o particular e o Estado utilizam o bem ao mesmo


tempo. Hipótese muito comum de utilização compartilhada é a instalação de telefones pú-
blicos nas calçadas: a concessionária, uma pessoa jurídica de direito privado, instala um ore-
lhão na calçada, um bem público. Outro exemplo é o ponto do ônibus, com banquinhos, na
calçada.

4.3 – Autorização, concessão e permissão de uso

Como visto, autorização, concessão e permissão de uso são os três institutos de direito ad-
ministrativo que permitem a utilização especial privativa de bem público.

219
4.3.1 – autorização de uso

Trata-se de uma forma de consentimento que se faz no interesse do particular. O que há,
aqui, é o interesse privado. Ela ocorre para eventos ocasionais e eventos temporários (em
determinado dia, final de semana etc.). Ex.: aniversário na rua, luau na praia, quermesse na
igreja, carnaval fora de época etc.

Ela se formaliza através de um ato unilateral, discricionário e precário. Unilateral é o ato que
é concedido pela administração sozinha. Discricionário significa de acordo com a conveniên-
cia e oportunidade. Precário é o ato que pode ser desfeito a qualquer tempo e não precisa
de indenização.

4.3.2 – permissão de uso

Na permissão, o evento autorizado tem natureza menos sazonal. São situações que podem
ser desfeitas com facilidade, mas são mais seguras, permanentes. Ex.: mesas do bar na cal-
çada, bancas de revista etc.

A permissão de uso se realiza nos dois interesses, público e privado.

Também se constitui por ato unilateral, discricionário e precário.

A permissão de uso é muito diferente da permissão de serviço público. A permissão (de uso
ou de serviço) nasceu no Brasil com natureza de ato unilateral. Em 1995, a Lei 8.987 (que
define permissão e concessão de serviço), em seu art. 40, modificou a natureza da permis-
são de serviço, determinando que ela se faz por contrato:

Art. 40. A permissão de serviço público será formalizada mediante contrato de adesão,

que observará os termos desta Lei, das demais normas pertinentes e do edital de licita-

ção, inclusive quanto à precariedade e à revogabilidade unilateral do contrato pelo poder

concedente.

Parágrafo único. Aplica-se às permissões o disposto nesta Lei.

Assim, a partir dessa regra, a permissão de uso continua sendo ato unilateral, enquanto a
permissão de serviço é contrato. Celso Antonio Bandeira de Melo tem posição minoritária
divergente, no sentido de que toda e qualquer permissão seria ato unilateral (para o autor, o
art. 40 seria inconstitucional). Todavia, o STF e a maioria da doutrina entendem que o dispo-
sitivo é constitucional e a diferença existe.

Como ato unilateral, em tese não deve haver licitação para a permissão de uso. Todavia, a
orientação é no sentido de que, a partir do momento em que haja diversos interessados na

220
mesma permissão, o ideal é que seja feita a licitação (ex.: vários interessados numa banca
bem localizada).

4.3.3 – concessão de uso

A concessão de uso acontece no interesse público e se constitui através de contrato admi-


nistrativo. Na medida em que realizada através de contrato, a licitação é exigida para a con-
cessão de uso. Ela é usada para situações mais solenes/sólidas. Ex.: a construção de um res-
taurante dentro de uma universidade ou hospital públicos, a lanchonete dentro uma escola
pública etc.

Se não é possível o desfazimento da situação com facilidade, fala-se em concessão de uso.


Normalmente, são situações em que há maior investimento. O mercado não teria interesse
em investir alto em algo precário.

Não há, todavia, definição dos casos de aplicação de permissão ou concessão (não há uma
lista predefinida). Caberá ao administrador definir a hipótese, conforme o caso. Barraca de
praia, por exemplo, é hipótese que varia de local para local. O ideal é que, nesse caso, se
utilize concessão de uso (com licitação), em virtude do vultoso investimento necessário à
construção e manutenção de uma barraca.

Autorização, permissão e concessão são os institutos próprios de direito administrativo que


concedem uso privativo de bem público. Todavia, não são os únicos que têm essa finalidade.
Há outros, próprios do direito privado, que podem também garantir essa utilização privativa,
como a locação, o arrendamento, o comodato e a enfiteuse.

5 – Alguns bens públicos importantes (art. 20 da CR)

5.1 – Art. 20, I

Art. 20. São bens da União:

I - os que atualmente lhe pertencem e os que lhe vierem a ser atribuídos; (...)

A Constituição de 1967 já atribuía diversos bens à União. A CR/88 não reproduziu a lista an-
terior, apenas disse que são bens da União aqueles que já eram dela por força da Carta ante-
rior. Daí já se percebe que o rol do art. 20 é meramente exemplificativo.

Além daqueles previstos na Constituição de 1967, também serão da União os bens que lhe
forem atribuídos. Ex.: recebidos por doação.

5.2 – Art. 20, II

221
Art. 20. São bens da União: (...)

II - as terras devolutas indispensáveis à defesa das fronteiras, das fortificações e constru-

ções militares, das vias federais de comunicação e à preservação ambiental, definidas em

lei; (...)

O conceito de terra devoluta surgiu no Brasil há muitos anos, a partir da falência do regime
de Capitanias Hereditárias. Quando aquele regime fracassou, algumas áreas foram adquiri-
das (“foi um saque geral”). Aquelas que não foram apropriadas ganharam o nome de terras
sem dono ou “terras devolutas”. Hoje, não são terras sem dono, na medida em que perten-
centes ao Poder Público.

Hoje, as terras devolutas são aquelas não demarcadas/definidas (ex.: confrontações). A par-
tir do momento em que a terra devoluta é discriminada pelo Poder Público, ela deixa de ser
devoluta e passa a ser pública, como qualquer outra. Essa discriminação pode ocorrer na via
administrativa ou judicial. É a chamada “ação de discriminação”.

A terra devoluta, em regra, é bem dominical e pertence aos estados-membros (art. 26 da


CR):

Art. 26. Incluem-se entre os bens dos Estados: (...)

IV - as terras devolutas não compreendidas entre as da União.

Somente serão da União as terras devolutas nas hipóteses específicas do art. 20. A razão de
tal atribuição é o fato de elas estarem intimamente ligadas à segurança nacional.

Na verdade, os bens da União, em geral, estão muito ligados à proteção de fronteiras, segu-
rança nacional, questões militares. Alguns estados, como São Paulo, transferiram a utilização
(e não a titularidade) dessas terras às Universidades Públicas. A USP utiliza muitas terras
devolutas.

Em muitos locais, as pessoas tomaram conta de terras devolutas, chegando a constituir bair-
ros, ruas etc. Não há, nesses casos, aquisição de propriedade por usucapião.

5.3 – Art. 20, III

Art. 20. São bens da União: (...)

III - os lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio, ou que ba-

nhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros países, ou se estendam a territó-

rio estrangeiro ou dele provenham, bem como os terrenos marginais e as praias fluviais;

(...)

222
Serão da União os lagos, rios e correntes de água:

i) que estiverem em terras de propriedade da União;

ii) que banhem mais de um estado (a ideia é evitar o conflito entre os estados, mantendo a
Federação);

iii) que sirvam de limite entre países (a ideia, mais uma vez, é evitar ataques, protegendo a
segurança nacional);

iv) que se estendam a território estrangeiro ou dele provenham (a ideia é evitar ataques de
outro país e impedir a fragilidade do Estado brasileiro);

Serão também da União os terrenos marginais. São também chamados de “terrenos reser-
vados”, correspondentes a uma faixa de 15 metros à margem dos rios navegáveis. Essa me-
dida de 15 metros é feita de acordo com a média das enchentes ordinárias. Por fim, são da
União as praias fluviais (as praias de rio).

5.4 – Art. 20, IV

Art. 20. São bens da União: (...)

IV - as ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outros países; as praias maríti-

mas; as ilhas oceânicas e as costeiras, excluídas, destas, as que contenham a sede de Mu-

nicípios, exceto aquelas áreas afetadas ao serviço público e a unidade ambiental federal,

e as referidas no art. 26, II; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 46, de 2005)

(...)

Há no Brasil três categorias de ilhas: i) fluviais (que estão nos rios); ii) lacustres (que estão
nos lagos); e iii) marítimas (que estão nos mares). As ilhas marítimas subdividem-se em i)
costeiras (próximas à costa); e ii) oceânicas (mais distantes da margem).

As ilhas marítimas (oceânicas e costeiras) pertencem à União, com exceção das: i) que são
sede de Município; ii) previstas no art. 26, II.

O art. 26, II admite as ilhas do estado-membro, do município e de terceiros (ilhas privadas):

Art. 26. Incluem-se entre os bens dos Estados: (...)

II - as áreas, nas ilhas oceânicas e costeiras, que estiverem no seu domínio, excluídas

aquelas sob domínio da União, Municípios ou terceiros; (...)

Pela CR anterior, era possível a existência de ilhas privadas. Com a CR/1988, as ilhas que
eram particulares, do estado e do município ficaram com os respectivos donos. As que não

223
seriam de nenhuma dessas categorias passariam a pertencer à União. A EC 46/2005 inseriu
uma alteração para incluir a hipótese de ilhas que representem sede de Município. Tratava-
se de área da União, com funcionamento de Município, o que comprometia o funcionamen-
to e a autonomia do Município e até o próprio pacto federativo.

Dentro da ilha sede de Município (dada ao Município pela EC 46/2005), a própria emenda
ressalvou o “pedaço” de serviço público federal ou de preservação federal. Ex.: Florianópolis
se enquadrava exatamente nesta hipótese de ilha sede de município.

5.5 – Art. 20, V, VI e VII

Art. 20. São bens da União: (...)

V - os recursos naturais da plataforma continental e da zona econômica exclusiva;

VI - o mar territorial;

VII - os terrenos de marinha e seus acrescidos; (...)

Saindo do continente em direção ao alto-mar, a primeira faixa encontrada chama-se mar


territorial, correspondente às primeiras doze milhas. Nessa faixa de mar territorial, o bem é
da União e o Estado brasileiro exerce soberania.

De doze a 24 milhas, há uma segunda faixa, chamada zona contígua. Nela, o Brasil já não
tem soberania, mas exerce poder de polícia (fiscaliza passagem, circulação, exploração etc.).

De doze a 200 milhas (passando, portanto, pela zona contígua), há a chamada zona econô-
mica exclusiva. Na faixa de zona econômica exclusiva, diz a CR que os recursos naturais per-
tencem à União (um peixe encontrado aqui, por exemplo, será dela). Na zona econômica
exclusiva, depois da zona contígua, o Brasil sequer tem poder de polícia. Veja que o país vai
perdendo poder na medida em que vai se afastando da costa.

Passadas as 200 milhas, trata-se de alto-mar (res nullius), bem de ninguém.

A terra abaixo das águas citadas acima é chamada de plataforma continental, que também
vai até 200 milhas. Ela usa as mesmas linhas de base do mar territorial.

Segundo a CR, os recursos naturais da plataforma continental são da União. O dispositivo


não diz, todavia, que a plataforma continental é da União. Isso leva a pensar que ela não
pertenceria à União, o que é equivocado. A plataforma continental é da União, não por força
do inciso acima, mas por determinação do Constituição de 1967 (lembre que os bens que já
eram da União continuam dela, em virtude do primeiro inciso do art. 20 da CR/1988).

224
Da praia para o continente, a primeira faixa é chamada de “terreno de marinha”. O terreno
de marinha corresponde à faixa de 33 metros contados da preamar média (a média da maré
alta). O terreno de marinha não é variável. Foi demarcado em 1830. Em muitas regiões do
país, a água avançou e engoliu o terreno de marinha. Ele não é recalculado. Alguns lugares
simplesmente perderam terreno de marinha.

Por outro lado, quando a água recua, aumentando a faixa de terra, a terra que aparece é
chamada de “acrescido de marinha”. A depender da oscilação da água, alguns lugares per-
deram terreno de marinha; em outros, houve acrescido de marinha.

Na maioria das regiões do país, o terreno de marinha é utilizado pelo particular, através de
enfiteuse. O CC/2002 proibiu a constituição de enfiteuses, mas manteve as já existentes, que
foram constituídas na demarcação, em 1830.

A enfiteuse tem dois personagens: i) o verdadeiro proprietário, chamado “senhorio direto”,


e o enfiteuta, que utiliza o bem como se dono fosse. O enfiteuta exerce o chamado “domí-
nio útil”. Ele paga ao senhorio direto o “foro anual” (caso se trate de terreno de marinha,
todo ano o enfiteuta paga à União o foro anual).

Apesar de se tratar de terreno de marinha, a utilização, a normatização e a urbanização des-


sa faixa fica a cargo dos municípios.

5.6 – Art. 20, VIII e IX

Art. 20. São bens da União: (...)

VIII - os potenciais de energia hidráulica;

IX - os recursos minerais, inclusive os do subsolo; (...)

A peça/jazida/mina, portanto, pertence à União. Segundo a doutrina, é como se o recurso


mineral fosse destacado do solo, como um quebra-cabeça. Ex.: o sujeito é dono da fazenda,
mas o mineral pertence à União. Pode-se até realizar uma desapropriação para exploração,
mas o mineral é da União.

5.7 – Art. 20, X e XI

Art. 20. São bens da União: (...)

X - as cavidades naturais subterrâneas e os sítios arqueológicos e pré-históricos;

XI - as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios.

225
Apesar de as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios serem bens da União, os índios
têm liberdade e exclusividade na utilização delas. Eles é que definirão a destinação a ser
dada a essas terras.

5.8 – Art. 20, § 2º

Art. 20 (...) § 2º - A faixa de até cento e cinquenta quilômetros de largura, ao longo das

fronteiras terrestres, designada como faixa de fronteira, é considerada fundamental para

defesa do território nacional, e sua ocupação e utilização serão reguladas em lei. (...)

Perceba que o dispositivo não diz que a faixa de fronteira de até 150 km ao longo de toda a
fronteira pertence, necessariamente, à União. Esta faixa é de quem é dono (ente público ou
particular). O art. 20, § 2º somente define a faixa de fronteira e a considera fundamental
para a defesa, cuja utilização e ocupação serão disciplinadas pela União. Mais uma vez, a
preocupação é a segurança nacional. Ex.: essa faixa não poderá ser ocupada por estrangei-
ros.

226
INTERVENÇÃO NA PROPRIEDADE

A intervenção na propriedade também não consta em todos os programas de concursos.


Quando consta, o que mais cai acerca do assunto é desapropriação. Em concursos da AGU e
Procuradorias, estaduais e municipais, têm caído muitas questões e até peças práticas de
desapropriação.

Neste tópico, será estudada a parte de direito material envolvendo desapropriação (indeni-
zação, juros etc.). Em processo civil, será estudada propriamente a ação de desapropriação
(o aspecto formal do tema).

1 – Direito de propriedade

1.1 – Conceito

Direito de propriedade é o direito de usar, gozar, usufruir, dispor e reaver o bem, com quem
quer que ele esteja. Está previsto no art. 5º, XXII e XXIII, da CR:

Art. 5º (...) XXII - é garantido o direito de propriedade;

XXIII - a propriedade atenderá a sua função social; (...)

1.2 – Caracteres da propriedade

O direito de propriedade possui três características importantes:

i) caráter absoluto:

Significa que o proprietário tem liberdade sobre seu bem, ou seja, em seu bem ele faz o que
quiser.

ii) caráter exclusivo:

Significa que o proprietário utiliza o bem com exclusividade, ou seja, somente entra na pro-
priedade ou a utiliza quem ele autorizar.

iii) caráter perpétuo:

Significa que o bem pertence ao proprietário para sempre, enquanto essa for a vontade
dele.

A intervenção na propriedade é exatamente a interferência num desses caracteres. No Bra-


sil, ela é exceção. Ou seja, como regra, o Estado não intervirá na propriedade. Em se tratan-

227
do de uma exceção, a formalização do ato de intervenção tem de ser mais cuidadosa. Ou
seja, deve-se atentar para os fundamentos, para a justificação dele (da mesma forma que
ocorre na dispensa e inexigibilidade de licitação). Em prova subjetiva ou de peça, sempre
que possível, deve-se fundamentar a hipótese com artigo de lei.

2 – Formas de intervenção na propriedade

Há duas formas diferentes de intervenção na propriedade: restritiva e supressiva.

2.1 – Restritiva

Na maioria das modalidades, a intervenção na propriedade é restritiva. Ou seja, restringe-se


o direito, sem retirá-lo. O dono, aqui, continua dono.

A forma restritiva é encontrada nas seguintes hipóteses: tombamento, requisição, ocupa-


ção, servidão e limitação.

2.2 – Supressiva

Na forma supressiva, o Estado adquire a propriedade do bem. O dono deixa de ser dono.
Fala-se, neste caso, de desapropriação. Celso Antonio chama a desapropriação de “sacrifício
de direito”.

3 – Desapropriação indireta

Imagine que o Estado, dizendo haver constituído uma servidão em determinado imóvel (que
é, como visto, uma intervenção restritiva na propriedade), tenha instalado torres de alta
tensão, proibindo na propriedade a construção, o plantio, a criação de animais etc.

Surge a dúvida: tamanha a restrição na propriedade, trata-se realmente de uma servidão?


Na verdade, no exemplo ocorre uma verdadeira desapropriação, na medida em que o Esta-
do está retirando todo o direito, sem, contudo, realizar todas as providências legais, ou seja,
sem observar o procedimento da desapropriação.

Assim, sempre que o Poder Público simula uma forma restritiva de intervenção na proprie-
dade, que, na verdade, suprime o direito, o que ele está realizando é uma desapropriação.
Se o Estado não toma as providências, não observa o procedimento próprio da desapropria-
ção, a hipótese é chamada de “desapropriação indireta”.

Este tópico está sendo tratado aqui porque em todas as modalidades de intervenção estu-
dadas adiante a desapropriação indireta pode ocorrer. O Estado sempre busca fugir à desa-
propriação, principalmente para evitar o pagamento de indenização.

228
4 – Intervenção do Estado na propriedade e poder de polícia

Para os autores mais modernos, o poder de polícia serve como fundamento a todas as mo-
dalidades de intervenção na propriedade, salvo a desapropriação.

Como visto, o poder de polícia é a restrição/a limitação/o freio à atuação do particular em


nome do interesse público. Na verdade, é a compatibilização dos interesses público e priva-
do, em busca do bem-estar social.

O poder de polícia subdivide-se em duas categorias: i) poder de polícia em sentido amplo; e


ii) poder de polícia em sentido restrito.

Em sentido amplo, ele se constitui com a obrigação de fazer e não fazer (suportar/tolerar).
Para os autores que adotam poder de polícia nesse conceito amplo, ele serve como funda-
mento a todas as modalidades de intervenção (exceto, como visto, a desapropriação). Essa é
a posição da doutrina moderna, que restou exigida em concurso e prevalece hoje.

Em sentido restrito, o poder de polícia significa somente a obrigação de não fazer (o chama-
do poder de polícia negativo). Para os autores que adotam esta linha, o poder de polícia só
serve como fundamento para a limitação administrativa. Esta corrente é a adotada por Hely
Lopes Meirelles.

5 – Fundamentos do poder de polícia

Dois fundamentos autorizam a intervenção do Estado na propriedade: i) a supremacia do


interesse público; ou ii) a prática de uma ilegalidade (ex.: tráfico ilícito de entorpecentes e
trabalho escravo no Brasil justificam a expropriação).

6 – Modalidades de intervenção do Estado na propriedade

6.1 – Limitação administrativa

A limitação administrativa é realizada pelo Poder Público através de normas gerais e abstra-
tas. Por isso, ela atinge proprietários indeterminados. Representa o exercício do poder de
polícia e afeta, principalmente, o direito de construir.

Ex.: em Maceió, os edifícios à beira-mar não podem ultrapassar oito andares, por questões
ambientais (ventilação). A mesma limitação de andares, de seis andares, existe em Brasília,
por questões urbanísticas (planejamento urbano). Não é possível construir calhas voltadas à
calçada (fazendo uma “pingueira”).

229
Em Balneário Camboriú, há um pedaço da praia que não pega sol em nenhum momento do
dia, em virtude da altura dos prédios. Isso ocorreu por falta de limitação administrativa. Em
Santos, os edifícios estão tombando, com o decorrer do tempo, em razão do vento. Isso
também teria sido evitado com limitações administrativas.

A limitação administrativa restringe o caráter absoluto da propriedade. Como regra, ela não
gera o dever de indenizar o proprietário, por ser geral e abstrata, atingindo todos que se
encontrem na mesma situação.

Essa limitação pode ser controlada pelo Poder Judiciário, mas somente no que tange à práti-
ca de uma legalidade. Ele não controlará a conveniência ou a oportunidade (ex.: a escolha
do número de andares).

A limitação administrativa difere da limitação civil, pois nesta o que se protege é o direito
privado (normalmente, são regras de direito de vizinhança, ou seja, disciplina de interesses
privados).

6.2 – Servidão administrativa

A servidão administrativa é constituída para a prestação de serviços públicos ou de utilida-


des públicas. É um direito real sobre coisa alheia, do que decorre que ela desaparecerá, caso
o Estado adquira a propriedade (que deixará de ser uma “coisa alheia”).

Na servidão, existe a chamada “relação de dominação”, que ocorre diferentemente no direi-


to civil e no direito administrativo.

No direito civil, há uma propriedade “A” e outra “B”, encravada. Para que a colheita da pro-
priedade “B” passe à via pública, que somente margeia a propriedade “A”, deverá haver
uma servidão em “A”. Assim, o imóvel “B” será o dominante e o imóvel “A” o serviente.

Em direito administrativo, a relação de dominação ocorre de um serviço ou utilidade pública


sobre um bem (ex. duto de saneamento básico, que passa sob um imóvel): dominante será o
serviço ou utilidade pública e o serviente será o bem. No direito civil, a relação de domina-
ção ocorre de um bem sobre o outro.

Outro exemplo de utilização da servidão é de passagem de fios elétricos.

Observação: como visto acima, torres de alta tensão que impedem a construção, plantação
etc. constituem desapropriação. A passagem de torres de alta tensão não se confunde, to-
davia, com a de energia doméstica, que não compromete o uso da propriedade. No entorno
das torres de alta tensão, cria-se um campo de energia que impede o uso da propriedade.

230
Por essa razão é que se indica a desapropriação. A mera passagem de energia elétrica ou de
dutos de água constituirá servidão. Trata-se de interferência na propriedade, sem perda.

A servidão administrativa restringe o caráter de exclusividade da propriedade, na medida


em que não somente o particular como o Estado utilizará o bem.

No Brasil, a servidão pode ser constituída de três maneiras diferentes: i) por lei; ii) por acor-
do entre as partes (consenso); ou iii) por decisão judicial.

Para que o Estado constitua servidão, é necessária autorização legislativa, que nesse caso é
genérica (ex.: é autorizada servidão para o serviço “A” ou “B”). Em cada bem, ela será forma-
lizada/constituída mediante registro. Como visto, a servidão tem natureza de direito real,
que necessariamente depende do registro para sua formalização (a transcrição tem de ocor-
rer). O objetivo de registrar o direito real é dar publicidade, protegendo terceiros de boa-fé
(que conhecerão o gravame ao adquirir o bem).

Vale destacar que não são todas as modalidades de constituição de servidão que exigem o
registro. Feita por acordo ou por decisão judicial, a publicidade necessariamente tem de ser
dada por intermédio do registro. Feita por lei, todavia, a doutrina entende que o registro
não é indispensável, na medida em que a lei atende até de forma mais benéfica a publicida-
de (ou seja, ela dá mais publicidade que o registro).

Na medida em que tem natureza de direito real, a servidão administrativa é constituída em


caráter perpétuo. Essa perpetuidade existe, mas não é, contudo, absoluta. Ex.: se o ente que
fez a servidão adquire o bem, ela deixa de ser coisa alheia, desconstituindo-se. Caso seja
criada nova tecnologia em que os fios de energia elétrica não tenham mais de ser passados,
não é necessária a manutenção da servidão. Assim, se não há mais interesse público (se não
há mais a prestação do serviço público), a servidão pode ser desconstituída, por perder o
sentido.

A servidão administrativa pode ser constituída sobre bem público ou privado. Mesmo em se
tratando de bem público, não há qualquer sequência ou ordem a ser observada (o Município
pode constituir servidão sobre bem do Estado ou da União). Tudo dependerá da competên-
cia para a realização do serviço. Essa ordem, na verdade, existe expressamente apenas para
a desapropriação.

Maria Sylvia, quando trata de servidão administrativa, lista uma série de hipóteses. Entre-
tanto, deve-se atentar para o fato de que, para a maioria dos autores, essa lista trata de
hipóteses de limitação, e não de servidão administrativa. Ex.: o vizinho do aeroporto não
pode construir prédios altos, usar rádio amador etc.

231
Na servidão, poderá haver indenização. Ela não tem previsão legal, na medida em que de-
penderá de dano efetivo. Ex.: curto-circuito na rede de energia, explosão dos dutos de sane-
amento etc.

Recomenda-se a memorização das diferenças entre as modalidades de intervenção na pro-


priedade.

Diferenças entre servidão civil e administrativa:

Servidão civil Servidão administrativa


Relação de dominação entre bens. Relação de dominação entre serviço e bem.
Interesse privado. Interesse público.

Diferenças entre servidão administrativa e limitação administrativa:

Servidão administrativa Limitação administrativa


Afeta o caráter exclusivo da propriedade. Afeta o caráter absoluto da propriedade.
Ato específico e proprietário determinado. Atos gerais e abstratos e proprietários indeter-
minados.
Há relação de dominação. Não há relação de dominação.
Pode haver indenização, a depender do dano Não há indenização.
efetivamente causado.

6.3 – Requisição administrativa

Depois da desapropriação, a requisição é a hipótese mais exigida em concursos. Está previs-


ta no art. 5º, XXV, da CR:

Art. 5º (…) XXV - no caso de iminente perigo público, a autoridade competente poderá

usar de propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização ulterior, se houver

dano;

Utiliza-se a requisição em caso de iminente perigo. Esse é o fundamento desta modalidade


de intervenção na propriedade. Ex.: imagine que uma área desabou em razão das chuvas e
há muitas pessoas precisando de abrigo. O Estado pode, por exemplo, requisitar um galpão
ou uma grande casa para acomodar os desabrigados.

O caráter da propriedade atingido pela requisição é a exclusividade.

A ideia de requisição é de temporariedade/transitoriedade. Ou seja, ela deve perdurar en-


quanto presente o iminente perigo. Cessado o perigo, a requisição se resolve e o patrimônio

232
deve ser restituído ao proprietário. No exemplo acima, passada a chuva (uma situação tem-
porária/transitória), deve ser devolvido o galpão ao proprietário.

No Brasil, o que ocorre na prática é que os desabrigados continuam desabrigados e o Estado


não investe em programas de habitação. Conclusão: o bem não é devolvido pelo Estado e a
requisição não se resolve. Os anos vão passando e o proprietário, muitas vezes, tem de ir à
via judicial para buscar a reintegração da posse. Em algumas cidades, há requisições que já
duram mais de cinco anos.

A requisição envolve o uso, a devolução e, depois, a indenização. A reparação dos danos


ocorre, portanto, de forma ulterior. Veja que se o Estado usa e não devolve, ele não indeni-
za. O proprietário tem de ir à via judicial, e o resultante da via judicial é pago por meio de
precatórios (ou seja, o proprietário fica sem indenização por muitos anos). O instituto é utili-
zado de maneira equivocada, o que gera consequências administrativas.

Para haver indenização, deve-se necessariamente comprovar a existência do dano. Qualquer


indenização sem a presença do dano representa enriquecimento ilícito.

A requisição pode ser constituída em dois momentos diversos: de guerra e de paz. A exigên-
cia, em ambos os casos, é a presença do iminente perigo.

(CESPE) A “requisição”, pelo Poder Público, de roupas de uma fábrica e frangos de um frigo-
rífico para socorrer desabrigados das chuvas é realmente uma requisição? Ainda que tenha
aparência de desapropriação, trata-se realmente de requisição. Segundo a doutrina e a ju-
risprudência, quando os bens forem móveis e fungíveis, é possível devolver outro na mesma
qualidade e quantidade. Sempre que isso ocorre, o instituto é de fato a requisição.

Caso as roupas requisitadas para socorrer os desabrigados das chuvas pertençam a alguém
(ou seja, bens que adquiriram caráter pessoal), tratar-se-á de bens móveis infungíveis, de
modo que haverá aí uma desapropriação.

A requisição pode ocorrer sobre bens móveis, imóveis e sobre serviços. Exemplo de requisi-
ção de bem móvel: carro da polícia quebra durante uma perseguição e o policial requisita
um veículo de particular. Perceba que, nesse exemplo, a requisição do veículo será uma
medida unilateral e autoexecutável (não precisa de autorização judicial). Se o bem sofrer
algum dano, caberá indenização ao proprietário.

(MP/MG - 2010) Marque certo ou errado: “A requisição administrativa pode incidir sobre
móveis, imóveis e serviços. É um procedimento unilateral, autoexecutório e oneroso, de-

233
mandando prévia indenização”. O erro da questão está na indenização prévia. O procedi-
mento é oneroso porque haverá indenização, que será ulterior.

Diferenças entre limitação e requisição administrativa:

Requisição administrativa Limitação administrativa


Afeta o caráter exclusivo da propriedade. Afeta o caráter absoluto da propriedade.
Ato específico e proprietário determinado. Atos gerais e abstratos e proprietários indeter-
minados.
Deve haver a presença do iminente perigo, como Não há presença de perigo iminente.
condição indispensável.
Enseja indenização. Não há indenização.

Diferenças entre servidão e requisição administrativas:

Servidão administrativa Requisição administrativa


Afeta o caráter exclusivo da propriedade. Afeta o caráter exclusivo da propriedade.
Ato específico e proprietário determinado. Ato específico e proprietário determinado.
Há relação de dominação. Não há relação de dominação.
Constituída em caráter perpétuo. Constituída em caráter temporário (enquanto
existir o iminente perigo).
Não há previsão expressa de indenização prévia, Há indenização ulterior, se houver dano.
podendo ela ter indenização se houver dano
efetivo.

6.4 – Ocupação temporária

A ocupação temporária é a modalidade de intervenção de terceiros de menor incidência em


concursos. Ela ocorre em duas hipóteses diferentes:

i) ocupação de imóvel vizinho a uma obra pública (art. 36 do DL 3.365/1941):

Art. 36. É permitida a ocupação temporária, que será indenizada, afinal, por ação própria,

de terrenos não edificados, vizinhos às obras e necessários à sua realização.

O expropriante prestará caução, quando exigida.

Esta hipótese é a mais provável para cair em concurso. Esse Decreto-Lei é muito importante
em desapropriação (leitura obrigatória). O instituto é chamado de “complementar à desa-
propriação” e acontece quanto o Poder Público utiliza patrimônio não edificado, vizinho a
uma obra pública. O objetivo dessa intervenção é guardar os materiais necessários à obra.

234
ii) pesquisa de minério ou arqueológica:

Imagine que o Estado desconfia da existência de minério em determinado imóvel. Antiga-


mente, ele desapropriava o imóvel para a realização da pesquisa. Feita a desapropriação, se
o minério não era encontrado, havia desgaste e gasto público desnecessário. Hoje, o Estado
faz a ocupação e a pesquisa. Encontrado o minério, realiza-se a desapropriação. Esta hipóte-
se de ocupação, portanto, visa a evitar a desapropriação. Caso não encontre o minério, o
patrimônio é devolvido. A ocupação é, portanto, temporária.

É característica da ocupação temporária, como visto, a transitoriedade (temporariedade).


Ela atinge o caráter exclusivo da propriedade. Comprovado o dano, deve haver indenização
(ela é possível, portanto, mas não é necessária). O simples desarrumar da terra não é sufici-
ente para ensejar reparação, devendo ser demonstrado o prejuízo causado.

Ocupação temporária Limitação administrativa


Afeta o caráter exclusivo da propriedade. Afeta o caráter absoluto da propriedade.
Ato específico e proprietário determinado. Atos gerais e abstratos e proprietários indeter-
minados.
Há indenização, se houver dano. Não há indenização prévia.

Ocupação temporária Servidão administrativa


Não há relação de dominação. Há relação de dominação.
Temporariedade. Perpetuidade.

Ocupação temporária Requisição administrativa


Sem perigo. Deve haver iminente perigo.

6.5 – Tombamento

O tombamento está previsto no DL 25/1937. Seus elementos estão todos nesse Decreto-Lei,
cuja leitura é obrigatória. O instituto está na moda, especialmente para quem pretende in-
gressar no MP ou em Procuradoria. Para os demais concursos, não é tema muito esperado.

6.5.1 – conceito e espécies

235
Tombamento é uma forma de intervenção na propriedade que tem como finalidade a con-
servação da identidade de um povo. A ideia é congelar o patrimônio para contar a história
(ex.: determinada casa, com certas características, descreve um momento histórico).

O mais utilizado é o tombamento histórico. Todavia, também são possíveis o artístico (ex.:
pintura, escultura), o cultural (ex.: uma dança brasileira típica) e o paisagístico (ex.: uma
determinada árvore ou paisagem).

6.5.2 – competência para realizar tombamento

A competência para fazer tombamento no Brasil é dividida em duas:

i) competência material:

Devem realizar tombamento todos os entes da Federação (art. 23, III, da CR):

Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municí-

pios: (...)

III - proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural,

os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos; (...)

Há competência cumulativa. Normalmente, o exercício dessa competência será definido


pelo interesse: tombará o bem a União, se o interesse pela conservação for nacional; o Esta-
do-membro, se o interesse for regional; o Município, se o interesse for local. Não há impe-
dimento a que mais de um ou todos os entes (Estado, União e Município) realizem o tom-
bamento do mesmo bem.

ii) competência legislativa:

A competência legislativa para o tombamento decorre do art. 24, VII, da CR, que fala em
competência concorrente da União, dos Estados e do DF. O município está excluído dessa
competência concorrente:

Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente so-

bre: (...)

VII - proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico; (...)

No tombamento, é atingido o caráter absoluto da propriedade (restringe-se a liberdade do


proprietário do bem). Trata-se de uma intervenção parcial e restritiva e perpétua da propri-
edade. Esta perpetuidade, mais uma vez, não é absoluta. Desaparecido o patrimônio, o

236
tombamento desaparece com ele. Enquanto contar a história, representar a identidade de
um povo, ele irá existir.

6.5.3 – formas de tombamento

Há diversas formas de tombamento:

i) o tombamento pode ser constituído sobre bens móveis ou imóveis:

Evidentemente, os mais comuns são feitos sobre imóveis, mas determinada escultura ou
pintura também pode ser tombada.

ii) o tombamento pode atingir bem público ou privado:

Para a maioria dos autores, o tombamento sobre bens públicos não tem qualquer ordem ou
restrição (município pode tombar bem da União e do Estado, e vice-versa). Dependerá ex-
clusivamente do interesse do ente.

Na desapropriação, a legislação expressamente permite à União desapropriar bens dos Es-


tados e dos Municípios, e os Estados podem desapropriar bens dos Municípios (art. 2º do DL
3.365/1941). Essa previsão é expressa na lei e será vista adiante. Para a maioria dos autores,
a sequência é própria da desapropriação e não tem de ser observada no tombamento, na
medida em que o que determina é o interesse (se local, o bem será tombado pelo municí-
pio). Alguns autores, todavia, como José dos Santos Carvalho Filho, entendem que a sequên-
cia deveria ser também observada em caso de tombamento.

Quando o patrimônio tombado é um bem público, este bem se torna inalienável. Como vis-
to, os bens públicos são relativamente inalienáveis. Todavia, se tombado, o bem será inalie-
nável, seja ele de uso comum do povo, seja dominical (não interessa a categoria do bem).

Essa inalienabilidade, contudo, não é absoluta. O entendimento é que, entre os entes que
instituíram o tombamento, é possível a transferência do bem.

iii) tombamento provisório e definitivo:

Imagine uma casa antiga e interessante ao patrimônio histórico, mas que não mais interessa
ao proprietário (que queria vender o terreno a uma incorporadora). Para fazer o tombamen-
to, é necessária a instauração de um procedimento administrativo. Ao ficar sabendo da ins-
tauração do procedimento, pode o proprietário querer destruir o bem para fugir à inaliena-
bilidade.

237
Por conta dessa possibilidade, enquanto realiza o procedimento, o Poder Público instaura o
tombamento provisório, que tem o mesmo ônus (as mesmas obrigações) do definitivo. En-
cerrado o procedimento, ocorre o tombamento definitivo, que é perpétuo.

O tombamento definitivo é registrado em um livro específico, chamado “livro do tombo”. Há


um para cada modalidade de tombamento (histórico, artístico, cultural e paisagístico).

O tombamento depende de processo administrativo, o qual é definido pelo DL 25/1937.


Marinela considera que não é questão passível de cair em prova. Recomenda apenas a leitu-
ra do dispositivo da lei que trata do procedimento.

iv) tombamento geral e individual:

O tombamento pode ocorrer de forma geral, quando atingir uma coletividade/uma grande
área (um bairro inteiro, uma cidade inteira), ou individual, quando atinge um bem determi-
nado (uma casa específica/determinada).

Em Salvador, há tombamento geral no Pelourinho (vários imóveis ali foram tombados) e


bens isolados, que também foram objeto de tombamento. Olinda tem também grande parte
da cidade tombada (a cidade velha). O mesmo ocorre com Ouro Preto, Porto Seguro (em
que foram tombadas as fachadas de algumas casas) e outras cidades.

v) tombamento compulsório e voluntário:

É possível tombamento voluntário, que é o decorrente de pedido do proprietário junto ao


Poder Público. Marinela diz que nunca viu isso ocorrer, na prática. O tombamento é muito
complicado, pois a legislação é antiga, as limitações são muitas e não há investimento sufici-
ente por parte do Poder Público.

O tombamento voluntário pode também ocorrer quando o proprietário dá anuência a um


tombamento determinado pelo Poder Público.

Compulsório é o tombamento que ocorre quanto o proprietário não pede ou não anui com o
gravame. Todavia, mesmo sem anuência, o Estado constitui o tombamento. Nesse caso, ele
é também chamado de “tombamento de ofício”.

6.6.5 – obrigações inerentes ao tombamento

Há obrigações que surgem com o tombamento:

i) conservação do patrimônio:

238
Caso um imóvel tombado esteja precisando de reforma, para que ela seja realizada é neces-
sária autorização prévia do ente que tombou. No Brasil, o ente que tomba normalmente não
tem estrutura para realizar essa fiscalização, e acaba não autorizando. O tombamento, por-
tanto, fica prejudicado em razão da falta de estrutura.

Em Salvador, começaram a cair diversas imagens de uma igreja. A cada imagem, o padre
comunicava o instituto, e nunca obteve resposta. O teto começou a cair. O padre comunicou
o instituto e nada foi feito. O padre, então, realizou os reparos necessários sem a devida
autorização, e acabou processado por crime de dano contra o patrimônio. Isso é o que vem
ocorrendo no Brasil hoje. O patrimônio tombado está caindo. O tombamento é um instituto
falido e o proprietário fica de mãos amarradas.

Conservar significa também não danificar e não destruir o patrimônio tombado. Quem o faz
é processado pelo crime do art. 165 do CP:

Art. 165 - Destruir, inutilizar ou deteriorar coisa tombada pela autoridade competente em

virtude de valor artístico, arqueológico ou histórico:

Pena - detenção, de seis meses a dois anos, e multa.

Se o sujeito tem de conservar, mas não tem dinheiro para fazer a reforma, ele se exime da
obrigação? Nesse caso, a resposta é que ele tem de comunicar o instituto, provar que não
tem dinheiro e quem arcará com os custos da reforma é o ente que tombou (na prática,
ninguém assume as despesas).

ii) direito de preferência:

O ente que tomba o patrimônio tem direito de preferência em eventual transferência one-
rosa realizada pelo proprietário. Existe uma ordem de preferência: União, Estados e Municí-
pios, nessa ordem.

iii) comunicação de furto ou extravio do bem tombado:

Se o patrimônio tombado for extraviado ou objeto de furto, o proprietário tem a obrigação


de comunicar o instituto em cinco dias.

iv) proibição de sair do país:

Patrimônio tombado não pode sair do país, salvo se por curto espaço de tempo. Imagine
que o Museu do Louvre resolva abrir uma exposição acerca da história do Brasil. Tal patri-
mônio somente poderá integrar essa exposição se ela ocorrer por curto tempo. O Decreto
não fala em prazo específico. A ideia é de que se trate de um evento, de algo temporário.

239
v) vedação de exportação:

Patrimônio tombado não pode ser objeto de exportação (art. 15 do DL 25/1937):

Art. 15. Tentada, a não ser no caso previsto no artigo anterior, a exportação, para fora do

país, da coisa tombada, será esta sequestrada pela União ou pelo Estado em que se en-

contrar. (...)

Na medida em que representa a história do país, o patrimônio tombado deve permanecer


aqui. Infelizmente, os bens são tombados e exportados ilegalmente. Até porque ninguém
acaba avisando o Poder Público.

vi) suportar a fiscalização:

O proprietário do patrimônio tombado tem de suportar a fiscalização. Isso não ocorre, na


prática. Nem quando é chamada ela não vem.

vii) obrigação do vizinho do patrimônio tombado:

O vizinho do patrimônio tombado não pode construir ou instalar placas ou cartazes que
prejudiquem a visibilidade do bem.

Como regra, o tombamento não gera obrigação de indenizar. Todavia, a doutrina reconhece
que a indenização pode ocorrer se o tombamento constituir uma obrigação de fazer.

Constituído tombamento total (ex.: da casa toda), que impeça, por exemplo, o proprietário
de usar o bem, morar, locar etc., tratar-se-á de uma desapropriação. Muitas vezes, o Poder
Público teve de desapropriar o bem (para a instalação de um museu, de uma casa de cultu-
ra, de um teatro), uma vez que, na prática, o tombamento trazia consigo restrições tão seve-
ras que inviabilizavam a própria propriedade. Cuidado, pois as figuras não se confundem. No
tombamento, a restrição é parcial (a intervenção é restritiva).

Não há acordo na doutrina acerca da natureza jurídica do tombamento (e das demais moda-
lidades de intervenção na propriedade). Essa divergência não deve ser motivo de preocupa-
ção para fins de concurso, pois não há consenso. Ex.: para a maioria dos autores, tomba-
mento é limitação administrativa; para Celso Antônio Bandeira de Melo, trata-se de uma
servidão administrativa.

6.6 – Desapropriação

6.6.1 – conceito

240
Em todas as demais modalidades de intervenção na propriedade até aqui estudadas, a des-
peito da atuação estatal, o proprietário continuava dono. A desapropriação, contudo, é uma
forma supressiva de intervenção do Estado na propriedade. Através dela, o Poder Público
adquire compulsoriamente a propriedade.

Além disso, é uma forma originária de aquisição da propriedade. Ou seja, independe de


qualquer relação (vínculo) com o antigo proprietário. Um particular, para comprar um imó-
vel, negocia todas as condições do contrato com o proprietário (ex.: valor, número de parce-
las etc.), de modo que a aquisição é derivada. Na desapropriação, não há tal relação com o
antigo proprietário. O Estado desapropria e pronto.

O caráter da propriedade atingido pela desapropriação, portanto, é a perpetuidade. Trata-se


da única modalidade de intervenção na propriedade que tem essa característica (o dono
deixa de sê-lo, independentemente do seu desejo). A desapropriação é um instituto irrevo-
gável, ou seja, não pode ser retirado pela conveniência e oportunidade.

6.6.2 – competência

A competência legislativa para a desapropriação é privativa da União (art. 22, II, da CR):

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: (...)

II - desapropriação; (...)

A competência material para a desapropriação (quem pode desapropriar) é dos seguintes


entes:

i) administração direta:

Compõem a administração direta a União, os estados, o DF e os municípios. Como será es-


tudado a seguir, algumas modalidades de desapropriação somente podem ser realizadas por
determinados entes. Todavia, em linhas gerais, todos os entes da administração direta po-
dem desapropriar.

ii) delegados:

A desapropriação é feita em procedimento administrativo, que ocorre em duas fases, uma


declaratória e uma executiva. Na primeira, o Estado decreta a desapropriação. Na segunda,
ele indeniza e ingressa no bem. Os entes políticos podem realizar todo o procedimento de
desapropriação, sem intervenção judicial. Todavia, o art. 3º do DL 3.365/1941 permite que
façam desapropriação os chamados “delegados”:

241
Art. 3º Os concessionários de serviços públicos e os estabelecimentos de caráter público

ou que exerçam funções delegadas de poder público poderão promover desapropriações

mediante autorização expressa, constante de lei ou contrato.

Veja que essa legislação é de 1941. A estrutura administrativa da época era bastante diversa
da atual. Hoje, os entes que exercem funções “delegadas” de poder público a que o disposi-
tivo se refere são os entes da administração indireta (autarquias, fundações públicas, em-
presas públicas e sociedades de economia mista) e as concessionárias e permissionárias de
serviços públicos.

Todavia, essas pessoas jurídicas não podem realizar todo o procedimento de desapropria-
ção. Elas não podem decretar a desapropriação (a fase declaratória), dependendo da admi-
nistração direta para tanto: a administração direta declara e elas executam a desapropriação
(ou seja, pagam e entram no bem).

6.6.3 – objeto

Podem ser objeto de desapropriação os bens previstos no art. 2º do DL 3.365/194138: i) mó-


veis, imóveis e semoventes; ii) bens corpóreos e bens incorpóreos (ex.: ações); iii) bens pú-
blicos e privados; iv) espaço aéreo; v) subsolo.

Art. 2º Mediante declaração de utilidade pública, todos os bens poderão ser desapropria-

dos pela União, pelos Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios. (...)

Não podem ser objeto de desapropriação: i) direito da personalidade; ii) direito autoral; iii)
direito à vida; iv) direito à imagem; v) direito a alimentos.

Em se tratando de bem público, deve-se atentar para o disposto no art. 2º, § 2º, do DL
3.365/1941:

Art. 2º (...) § 2º Os bens do domínio dos Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios

poderão ser desapropriados pela União, e os dos Municípios pelos Estados, mas, em

qualquer caso, ao ato deverá preceder autorização legislativa. (...)

38 O Decreto-Lei 3.365/1941 é leitura obrigatória para fins de concurso.

242
Portanto, a União pode desapropriar bens dos estados e dos municípios e os estados podem
desapropriar os bens dos seus municípios. Para os municípios, somente resta desapropriar a
propriedade privada. Essa sequência está expressa na lei.

Caso o Município desaproprie bem da União, essa desapropriação terá qual defeito? Não se
trata de vício de competência, pois o município tem competência para desapropriar, mas de
vício de objeto (pois o bem é da União).

Há alguns elementos definidores das diferentes formas de desapropriação que têm de ser
memorizados:

i) objeto (quais bens podem ser desapropriados);

ii) sujeito ativo (quem pode desapropriar);

iii) pressuposto (o fundamento) da desapropriação: necessidade, utilidade, interesse social;

iv) indenização (como ela é realizada): prévia, posterior, em títulos da dívida pública etc.;

v) procedimento (aspecto formal da desapropriação).

6.6.3 – modalidades de desapropriação

Cada autor utiliza uma regra diferente para dividir as modalidades de desapropriação. Neste
tópico elas serão classificadas de acordo com o modo segundo o qual a indenização é reali-
zada.

6.6.3.1 – desapropriação comum (geral ou ordinária)

A desapropriação comum decorre do art. 5º, XXIV, da CR, segundo o qual o Estado pode
desapropriar por necessidade pública, utilidade pública ou interesse social:

Art. 5º (...) XXIV - a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade

ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em di-

nheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição; (...)

i) necessidade e utilidade públicas:

Necessidade e utilidade públicas são hipóteses previstas no DL 3.365/41, que traz uma lista
de situações que as caracterizam. O legislador não faz distinção entre essas expressões, mas
essa não é a orientação da doutrina. A lista é a mesma, mas se há urgência (emergência),
fala-se em necessidade; se não há urgência, a desapropriação será feita por utilidade públi-

243
ca. Ex.: se a construção de um hospital for emergencial, será o bem desapropriado por ne-
cessidade. Se não há urgência na construção, haverá desapropriação por utilidade pública.

ii) interesse social:

A desapropriação por interesse social está prevista no art. 2º da Lei 4.132/1962. Nesta hipó-
tese encontram-se, em geral, questões ambientais e de redução de desigualdades sociais
(ex.: construção de casas populares).

Recomenda-se a análise das hipóteses legais. Em prova de segunda fase, não se deve usar as
palavras como se fossem sinônimas. Os fundamentos e as justificativas são diferentes.

A desapropriação comum pode ser realizada por todos os entes (União, estados, DF e muni-
cípios). Todos os bens podem ser objeto da desapropriação ordinária (salvo, evidentemente,
os que estiverem proibidos). Não há qualquer restrição no que concerne ao objeto, de modo
que podem ser desapropriados bens móveis, imóveis etc.

Nesta hipótese, a indenização é prévia (primeiro há o pagamento, depois a desapropriação),


justa (o valor pago é aquele que efetivamente vale o bem) e em dinheiro.

Por que, na prática, as desapropriações sempre acabam na via judicial? A indenização se


resolve na via administrativa quando não há divergência quanto ao valor. Normalmente, não
há consenso quanto ao que é justo (o Estado sempre quer pagar menos do que o proprietá-
rio entende correto). Por isso, as desapropriações sempre acabam virando ação de desapro-
priação.

6.6.3.2 – desapropriação extraordinária (ou sancionatória)

A desapropriação para a reforma agrária pode ocorrer de duas maneiras diferentes. Pode ter
como pressuposto o interesse social (art. 2º da Lei 4.132/1962), hipótese em que a indeniza-
ção será prévia, justa e em dinheiro, ou ter natureza de pena, hipótese em que será sancio-
natória. Neste último caso, ela será paga em títulos da dívida pública ou agrária.

A mesma razão para a desapropriação (ex.: reforma agrária, política pública), portanto, pode
ter naturezas diversas, a depender da espécie de desapropriação. Se for comum, será paga
em dinheiro. Se for pena, será paga em títulos da dívida. Em prova, deve-se atentar para a
hipótese de que a questão trata.

A desapropriação sancionatória pode ser dividida em duas categorias: i) para atender à fun-
ção social da propriedade; e ii) desapropriação-confisco (ou confiscatória).

244
6.6.3.2.1 – desapropriação para atender à função social da propriedade

A desapropriação sancionatória para atender à função social da propriedade tem fundamen-


to no art. 5º, XXII e XXIII, da CR:

Art. 5º (...) XXII - é garantido o direito de propriedade;

XXIII - a propriedade atenderá a sua função social; (...)

A função social da propriedade tem parâmetros objetivos, previstos em lei.

i) desapropriação extraordinária rural:

A primeira hipótese de desapropriação extraordinária que visa a atender à função social da


propriedade é a rural (ou para a reforma agrária), que tem como fundamento os arts. 184 e
191 da CR, a Lei 8.629/1993 e a LC 76/1993. A leitura desses dispositivos é obrigatória em se
tratando de concursos federais.

A Lei 8.629/1993 define a função social da propriedade rural. Ex.: quem explora trabalho
escravo, desrespeita regras ambientais ou trabalhistas descumpre a função social da propri-
edade. Veja que a questão do trabalho escravo é tema em voga, em virtude de recentes
denúncias nesse sentido.

Na desapropriação rural, o patrimônio é destinado à reforma agrária. Somente a União pode


realizá-la. Ela somente pode ter como objeto um bem imóvel e rural. A indenização é feita
em títulos da dívida agrária, resgatáveis em até 20 anos. Na medida em que se trata de san-
ção, não há que se falar no pagamento em dinheiro.

Veja que será paga em títulos da dívida agrária a terra nua (o solo batido). As benfeitorias,
úteis e necessárias, serão pagas em dinheiro.

Segundo o art. 185 da CR, esta modalidade de desapropriação não pode atingir pequena e
média propriedade, se o proprietário não tiver outra, ou a propriedade produtiva:

Art. 185. São insuscetíveis de desapropriação para fins de reforma agrária:

I - a pequena e média propriedade rural, assim definida em lei, desde que seu proprietá-

rio não possua outra;

II - a propriedade produtiva.

Parágrafo único. A lei garantirá tratamento especial à propriedade produtiva e fixará

normas para o cumprimento dos requisitos relativos a sua função social.

ii) desapropriação extraordinária urbana:

245
A segunda hipótese de desapropriação extraordinária para atender à função social da pro-
priedade é a desapropriação urbana (urbanística ou para atender ao Plano Diretor). Está
prevista no art. 182, § 4º, da CR e na Lei 10.257/2001 (Estatuto da Cidade):

Art. 182 (...) § 4º - É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para

área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo

urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aprovei-

tamento, sob pena, sucessivamente, de: (...)

III - desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previ-

amente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parce-

las anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais.

De acordo com seu tamanho, algumas cidades têm a chamada Lei do Plano Diretor, que
prevê a organização urbanística da cidade, definindo zonas específicas de ocupação.

Imagine que a Lei do Plano Diretor de determinada cidade estabeleça que, no bairro “X”, a
área é residencial e tem de ser urbanizada. Um sujeito que possui terreno em local privilegi-
ado (localizado dentro dessa área) e fica especulando (sabendo que, a cada dia, o terreno
passa a valer mais), está desrespeitando a função social da propriedade.

Assim, o descumprimento da Lei do Plano Diretor é desrespeito à função social da proprie-


dade e sujeita quem o faz à desapropriação. Todavia, a CR e o Estatuto da Cidade estabele-
cem sanções gradativas para pressionar aquele que não atende à função social da proprie-
dade.

Em primeiro lugar, é determinado que o proprietário realize parcelamento ou edificação


compulsórios. Ou seja, ou ele fraciona e vende a área, ou edifica no local. Ele tem um ano
para a apresentação do projeto e, depois de aprovado o projeto, mais dois para iniciar as
obras. Na prática, o proprietário apresenta o projeto no final do prazo. Aprovado, ele não
inicia a execução das obras.

Se o proprietário não inicia as obras, o Poder Público institui IPTU com alíquota progressiva.
Trata-se da hipótese que mais traz resultado. A alíquota do IPTU será crescente a cada ano,
podendo chegar a até 15% do valor do bem.

Ainda assim, se o proprietário não cumpre a função social da propriedade, em último caso
haverá desapropriação. Perceba que a especulação imobiliária é muito rentável. Muitas ve-
zes, vale mais continuar pagando as alíquotas e especular. Essa desapropriação será a urba-
nística.

246
A desapropriação urbana somente pode se realizada pelo Município e pelo DF (que tem
competência de estado e de município). Ela somente pode ser realizada sobre imóvel urba-
no e a indenização tem de ser feita em títulos da divida pública, resgatáveis em até 10 anos.

6.6.3.2.2 – desapropriação-confisco (ou confiscatória)

A desapropriação confiscatória está prevista no art. 243 da CR. Ela tem esse nome porque
não há indenização. A CR inclusive utiliza a palavra “expropriação”, para dizer justamente
isso.

Importante diferenciar duas situações:

i) desapropriação das terras usadas para a plantação de psicotrópicos proibidos:

O art. 243, caput, da CR prevê a desapropriação das glebas de terra utilizadas para a planta-
ção do psicotrópico proibido:

Art. 243. As glebas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de

plantas psicotrópicas serão imediatamente expropriadas e especificamente destinadas ao

assentamento de colonos, para o cultivo de produtos alimentícios e medicamentosos,

sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em

lei. (...)

Esse terreno, uma vez expropriado, tem destinação específica: o assentamento de colonos,
para a plantação de produtos alimentícios ou medicamentosos.

ii) desapropriação de bens de valor econômico usados no tráfico de drogas:

O art. 243, parágrafo único, da CR prevê que serão objeto de desapropriação os bens de
valor econômico usados no tráfico de entorpecentes:

Art. 243 (...) Parágrafo único. Todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em

decorrência do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins será confiscado e reverterá

em benefício de instituições e pessoal especializados no tratamento e recuperação de vi-

ciados e no aparelhamento e custeio de atividades de fiscalização, controle, prevenção e

repressão do crime de tráfico dessas substâncias.

Nesta hipótese, os bens expropriados (carros, aviões etc.) também têm destinação específi-
ca: podem ser utilizados para aparelhar ou custear a atividade de fiscalização ou para bene-
ficiar casas de recuperação de viciados.

6.6.3.3 – desapropriação indireta

247
6.6.3.3.1 – conceito

Como visto anteriormente, a desapropriação indireta é uma desapropriação realizada sem a


observância das formalidades necessárias. Alguns autores chamam-na de “esbulho adminis-
trativo”. Outros preferem chamá-la de “apossamento”.

Ela vem de um comportamento irregular da administração, que finge estar fazendo inter-
venção restritiva (ex.: tombamento, servidão), quando, na verdade, está fazendo interven-
ção supressiva.

6.6.3.3.2 – requisitos da desapropriação indireta

Na teoria, é mais fácil distinguir a intervenção restritiva da supressiva (desapropriação indi-


reta). Todavia, na prática, essa questão fica mais difícil. A jurisprudência ainda debate sobre
o que diferencia as figuras, pois o limite é muito tênue.

O STJ vem consolidando, nos últimos anos, uma jurisprudência para definir requisitos objeti-
vos da desapropriação indireta (ver, a esse respeito, o REsp 922.786):

i) apossamento: para haver desapropriação indireta, o Estado deve ter tomado posse do
bem sem as formalidades necessárias, ou seja, sem o devido processo legal;

ii) o patrimônio tem de estar afetado a uma finalidade (utilidade) pública;

iii) a situação fática deve ser irreversível.

6.6.3.3.3 – proteção do proprietário contra a desapropriação indireta

Quais providências pode adotar o proprietário para evitar a desapropriação indireta?

A primeira é evitar o apossamento. Com a posse pelo Poder Público, haverá afetação do
bem. Evitando a afetação, o proprietário está protegido da irreversibilidade. Assim, a primei-
ra medida que pode o proprietário tomar é o ajuizamento de demandas possessórias. Ha-
vendo ameaças do Estado à posse, a ação judicial cabível será o interdito proibitório. Caso
esteja havendo perturbação à posse, ou seja, no caso de turbação, a demanda cabível será a
ação de manutenção de posse. Tendo o Estado efetivamente ingressado no bem (esbulho),
deverá ser ajuizada ação de reintegração de posse.

Caso não tenha sido ajuizada a ação possessória e o Estado tenha efetivamente esbulhado e
afetado o bem (tenha dado a ele finalidade pública), o proprietário não tem mais saída. O
bem já está incorporado. A única solução é ajuizar ação de desapropriação indireta e se con-
tentar com a indenização.

248
Caso o proprietário ajuíze reintegração de posse e o juiz reconheça que o patrimônio já foi
incorporado (está afetado), a devolução está vedada. O pedido será convertido em desapro-
priação indireta e a questão será resolvida em ação de desapropriação.

6.6.3.3.4 – ação de desapropriação indireta

A natureza jurídica da ação de desapropriação indireta é de direito real. A grande briga na


doutrina diz respeito ao prazo prescricional.

A competência para julgamento será definida pela situação do bem (art. 95 do CPC):

Art. 95. Nas ações fundadas em direito real sobre imóveis é competente o foro da situa-

ção da coisa. Pode o autor, entretanto, optar pelo foro do domicílio ou de eleição, não re-

caindo o litígio sobre direito de propriedade, vizinhança, servidão, posse, divisão e de-

marcação de terras e nunciação de obra nova.

Em se tratando da fixação de indenização por meio de uma ação de desapropriação, o valor


será definido por decisão judicial, de modo que o pagamento será feito por meio de preca-
tórios. Portanto, na ação de desapropriação, a indenização não tem como ser prévia, justa e
em dinheiro, ainda que o fundamento seja o da desapropriação comum/ordinária.

Há muita divergência quanto ao prazo prescricional da ação de desapropriação. Aqui, será


analisada a posição majoritária na jurisprudência (a doutrina ainda briga muito).

O art. 10, parágrafo único, do DL 3.365/1941 foi modificado por medida provisória. Hoje, o
texto decorre da MP 2.183/2001 e diz que o prazo prescricional é de cinco anos:

Art. 10 (...) Parágrafo único. Extingue-se em cinco anos o direito de propor ação que vise a

indenização por restrições decorrentes de atos do Poder Público. (Incluído pela Medida

Provisória nº 2.183-56, de 2001)

A redação original do dispositivo foi alterada por sucessivas reedições de medidas provisó-
rias ao longo dos anos. A primeira alteração foi trazida pela MP 2.027/2000, a qual foi objeto
de controle de constitucionalidade na ADI 2280. No julgamento desta ADI, o STF, em sede de
cautelar, suspendeu a eficácia da norma, entendendo que o prazo não poderia ser reduzido
a cinco anos, por ser ação de direito real. Ocorre que houve sucessivas edições de medidas
provisórias modificando a norma, sem aditamento da inicial da ADI, que acabou sendo extin-
ta sem resolução do mérito, por perda de objeto.

Hoje, prevalece que o prazo prescricional é de 20 anos (Súmula 119 do STJ, editada em
1994):

249
Súmula 119 - A ação de desapropriação indireta prescreve em vinte anos.

Há autores defendendo que o prazo de prescrição seria de 5, 10, 15 ou 20 anos. Como dito,
o tema é bastante polêmico, de modo que a questão não deve cair em prova objetiva.

Caso o Estado haja incorporado o patrimônio e o proprietário não tenha ajuizado a ação de
desapropriação indireta, para regularizar a situação a saída é o ajuizamento de ação de usu-
capião pelo Estado.

6.6.3.4 – outras espécies de desapropriação

Os bens oriundos de desapropriação ordinária podem ser alienados. Quando isso ocorre,
podem ser encontradas as seguintes espécies de desapropriação, que variam de acordo com
a destinação dos bens:

i) desapropriação urbanística ou para industrialização:

Ex.: o Poder Público precisa desocupar uma área para a instalação de um parque industrial.
O Estado então retira particulares do local e aliena o bem para quem instalará as indústrias,
cumprindo a finalidade de industrialização. Isso é muito comum, no Brasil, tanto para a in-
dustrialização quanto para a urbanização de determinadas áreas.

ii) desapropriação por zona:

A desapropriação por zona serve para que o Poder Público se aproveite da valorização de
uma obra pública. Ex.: em decorrência da construção de uma grande avenida, os imóveis do
entorno são muito valorizados. O Poder Público, nesse caso, pode instituir contribuição de
melhoria (mais dificultosa, com requisitos mais rigorosos) ou desapropriar a área valorizada
e aliená-la, aproveitando-se do lucro inerente à desapropriação (art. 4º do DL 3.365/1941):

Art. 4º A desapropriação poderá abranger a área contígua necessária ao desenvolvimento

da obra a que se destina, e as zonas que se valorizarem extraordinariamente, em conse-

quência da realização do serviço. Em qualquer caso, a declaração de utilidade pública de-

verá compreendê-las, mencionando-se quais as indispensáveis à continuação da obra e as

que se destinam à revenda.

6.6.4 – procedimento da desapropriação

A desapropriação pode ser resolvida completamente na via administrativa. Somente será


necessária a via judicial em duas hipóteses: i) proprietário desconhecido (a ideia é evitar que
o Estado pague mal); e ii) quando não há consenso quanto ao valor.

250
O procedimento administrativo, como visto, acontece em duas etapas: fase declaratória e
fase executiva.

6.6.4.1 – fase declaratória

Na fase declaratória, o Poder Público decreta a desapropriação. O instrumento mais comum


que ele utiliza para fazê-lo é o decreto expropriatório:

Art. 6º A declaração de utilidade pública far-se-á por decreto do Presidente da República,

Governador, Interventor ou Prefeito.

O DL 3.365/1941, todavia, prevê que ela pode ser declarada também através de lei de efei-
tos concretos:

Art. 8º O Poder Legislativo poderá tomar a iniciativa da desapropriação, cumprindo, neste

caso, ao Executivo, praticar os atos necessários à sua efetivação.

O que se espera de uma lei é que ela seja geral e abstrata, mas a lei que realiza a desapro-
priação foge justamente dessas características. Ela tem “cara” de ato administrativo, mas é
elaborada pelo Legislativo. Serve para que o legislador não dependa exclusivamente do Exe-
cutivo para a desapropriação.

Na medida em que declara a desapropriação, no decreto expropriatório devem estar previs-


tos:

i) o fundamento legal da desapropriação:

Trata-se da justificativa pela qual a desapropriação é realizada. Em prova, deve-se, se possí-


vel, indicar o artigo de lei.

ii) a definição do objeto:

Trata-se da identificação do bem a ser desapropriado, que deve ser determinado. O bem
deve ser bem definido (devem ser estabelecidos os detalhes/as características do bem), pois
depois da decretação da desapropriação somente serão indenizadas as benfeitorias neces-
sárias (todas) e as úteis (desde que previamente autorizadas). Benfeitorias voluptuárias não
são indenizadas depois da decretação da desapropriação.

iii) a destinação do bem desapropriado:

Ex.: desapropriação para a construção de um hospital, uma escola, uma via pública.

251
É possível que, em momento posterior, a destinação do bem desapropriado seja modifica-
da? Foi estudada anteriormente a teoria dos motivos determinantes. Em tese, declarada a
destinação, ela teria de ser cumprida. Todavia, o ordenamento permite a modificação da
destinação. É a chamada “tredestinação”, que é exceção no sistema e ocorre somente no
caso da desapropriação, desde que mantida uma razão de interesse público.

iv) o sujeito passivo da desapropriação:

Trata-se daquele que sofrerá a desapropriação, a perda da propriedade. Havendo dúvidas


sobre quem se trate, o Poder Público deve se valer da via judicial.

v) o recurso orçamentário que custeará a desapropriação:

Trata-se de indicar de onde sairá o dinheiro que pagará a indenização.

Decretada a desapropriação, ou seja, cumprida a fase declaratória, a primeira consequência


importante é a mudança de política no que se refere às benfeitorias: somente serão indeni-
zadas as necessárias e as úteis previamente autorizadas (art. 26, § 1º, do DL 3.365/1941):

Art. 26 (...) § 1º Serão atendidas as benfeitorias necessárias feitas após a desapropriação;

as úteis, quando feitas com autorização do expropriante. (Renumerado do Parágrafo Úni-

co pela Lei nº 4.686, de 1965)

6.6.4.2 – fase executiva

6.6.4.2.1 – noções gerais

É na fase executiva que o Estado paga a indenização e ingressa no bem.

O prazo de caducidade é justamente aquele que tem o Estado para pagar e entrar no bem.
Tem como termo inicial a declaração de desapropriação e como termo final a fase executiva
e existe porque o proprietário não pode ficar por muito tempo nessa situação de angústia.
Uma vez decretada a desapropriação, ninguém mais se interessará pelo bem (ninguém mais
quer alugá-lo etc.).

Em se tratando de desapropriação por necessidade ou utilidade pública, o prazo de caduci-


dade é de cinco anos. Portanto, o Estado pode “levar o sujeito em banho Maria” por cinco
anos. Não realizado o pagamento da indenização nesse prazo (ou seja, não executada a de-
sapropriação), a desapropriação perde o efeito. O Estado tem de esperar um ano de carên-
cia, podendo repetir o decreto desapropriatório.

252
Se a desapropriação for por interesse social, o prazo de caducidade é de dois anos e não há
previsão de repetição do decreto expropriatório.

Esses prazos são muito exigidos em concursos.

6.6.4.2.2 – peculiaridades da ação de desapropriação

Paga a indenização e ingressando o Estado no bem, fica resolvida a desapropriação. Isso


ocorrerá, todavia, se houver consenso quanto ao valor (se a desapropriação for amigável).
Se não há consenso quanto ao valor, a fase executiva vai para a via judicial. Nesse caso, ela
passa a ser chamada de “fase executiva judicial” e a desapropriação dependerá de sentença.

Veja que quem ajuíza a ação de desapropriação é o Estado. Na ação de desapropriação indi-
reta, quem ajuíza a demanda é o proprietário.

Trata-se de uma ação de procedimento especial. Neste tópico, não será estudada propria-
mente a ação de desapropriação, mas algumas de suas peculiaridades (as que mais interes-
sam), necessárias à compreensão de questões envolvendo a indenização:

i) antecipação da prova pericial:

Ao ajuizar a ação de desapropriação, o autor, já na inicial, tem de requerer a perícia e indicar


os quesitos. Veja que, em desapropriação, há uma antecipação da prova pericial. Imagina-se
que o juiz não conhece nada do local, para fins de fixação de pontos controvertidos etc., de
modo que a perícia trará esses elementos.

ii) limitação da cognição:

As matérias discutíveis na ação de desapropriação são limitadas. Nela, somente é possível


tratar de valor e de vícios formais. Não se discute, por exemplo, a destinação do bem ou o
fundamento da desapropriação (matérias que devem ser tratadas em ação autônoma).

iii) possibilidade de imissão provisória na posse:

Em ação de desapropriação, é possível o deferimento de imissão provisória na posse.

Imagine que haja emergência na construção de um hospital. Iniciada a fase executiva, não
há consenso quanto ao valor e o Estado ajuíza ação de desapropriação. Nesse caso, o Estado
pode pedir uma imissão provisória na posse, que nada mais é que uma entrada antecipada
no bem, justamente para evitar que o longo curso do processo prejudique a situação de
urgência.

253
Para a imissão provisória na posse, são necessários dois requisitos: deve se tratar de situa-
ção de urgência e o Estado tem de realizar o depósito do valor que entendia justo para a
desapropriação.

O DL 3.365/1941 determina que o juiz pode deferir ao proprietário o levantamento de até


80% desse valor. A ideia de manter os outros 20% é resguardar qualquer mudança de cená-
rio (ex.: conclui-se que o valor do bem é de 90% do depositado).

Se, na sentença, o juiz definir que o proprietário tinha razão no valor pleiteado, o pagamen-
to da diferença será feito de que forma? Veja que 80% do que o Estado queria pagar pode
ter sido eventualmente levantado em dinheiro na imissão provisória. O restante, conquista-
do pelo proprietário na ação judicial, será pago via regime de precatório.

6.6.4.2.3 – valor da indenização

Na ação de desapropriação, a indenização deve corresponder ao valor de mercado do bem.


Aqui começa a briga. Também são indenizados lucros cessantes (o que o proprietário deixou
de ganhar) e danos emergentes (o que o proprietário perdeu). Ex.: caso o bem desapropria-
do seja um posto de gasolina, haverá uma briga judicial intensa acerca do lucro cessante.
Além do valor de mercado do bem, haverá a incidência de correção monetária, juros com-
pensatórios, juros moratórios, honorários advocatícios e despesas processuais.

Atenção! Somente haverá honorários e despesas processuais se a questão for resolvida na


via judicial. Nesse caso, os honorários são calculados somente sobre aquilo que foi conquis-
tado no processo (ou seja, sobre a diferença entre o que foi conquistado na sentença e o
que o Estado queria pagar).

Os juros compensatórios servem para a compensação da perda antecipada da posse. Conce-


dida a imissão provisória da posse numa ação de desapropriação, como visto, a ação conti-
nua correndo sem que o proprietário usufrua do bem ou receba o dinheiro da indenização.
Para compensar essa perda antecipada do bem, pagam-se juros compensatórios.

Inicialmente, o DL 3.365/1941 previa que os juros compensatórios eram de 12% (Súmula


618 do STF):

Súmula 618 - NA DESAPROPRIAÇÃO, DIRETA OU INDIRETA, A TAXA DOS JUROS COMPEN-

SATÓRIOS É DE 12% (DOZE POR CENTO) AO ANO.

254
Em 11 de junho de 1997, a MP 1.577 (que, hoje, com as reedições, é a MP 2.183/2001) in-
troduziu o art. 15-A no DL 3.365/1945, passando a estabelecer que os juros compensatórios
seriam de até 6%:

Art. 15-A No caso de imissão prévia na posse, na desapropriação por necessidade ou utili-

dade pública e interesse social, inclusive para fins de reforma agrária, havendo divergên-

cia entre o preço ofertado em juízo e o valor do bem, fixado na sentença, expressos em

termos reais, incidirão juros compensatórios de até seis por cento ao ano sobre o valor da

diferença eventualmente apurada, a contar da imissão na posse, vedado o cálculo de ju-

ros compostos. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.183-56, de 2001) (...)

Essa regra foi objeto de controle de constitucionalidade, por meio da ADI 2332. Julgando-a
em sede de cautelar, o STF suspendeu o dispositivo (decisão proferida em 13 de setembro
de 2001), restabelecendo a regra de 12% (Súmula 618 do STF).

Para disciplinar a questão no que se refere às imissões ocorridas entre a publicação da pri-
meira medida provisória e a declaração de inconstitucionalidade, o STJ publicou a Súmula
408, segundo a qual ocorrida a imissão antes de 11 de junho de 1997 e depois de 13 de se-
tembro de 2001, os juros serão de 12%. Se a imissão ocorrer entre 11 de junho 1997 e 13 de
setembro 2001, os juros serão de 6%:

Súmula 408 - Nas ações de desapropriação, os juros compensatórios incidentes após a

Medida Provisória n. 1.577, de 11/06/1997, devem ser fixados em 6% ao ano até

13/09/2001 e, a partir de então, em 12% ao ano, na forma da Súmula n. 618 do Supremo

Tribunal Federal.

Os juros compensatórios começam a incidir a partir do momento em que o sujeito perde o


bem, ou seja, a partir da imissão provisória na posse. Prevalece que ele incide até a expedi-
ção do precatório. Esse marco final decorre da interpretação do art. 100, § 12, da CR, inseri-
do pela EC 62/2009:

Art. 100 (...) § 12. A partir da promulgação desta Emenda Constitucional, a atualização de

valores de requisitórios, após sua expedição, até o efetivo pagamento, independente-

mente de sua natureza, será feita pelo índice oficial de remuneração básica da caderneta

de poupança, e, para fins de compensação da mora, incidirão juros simples no mesmo

percentual de juros incidentes sobre a caderneta de poupança, ficando excluída a inci-

dência de juros compensatórios. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 62, de 2009).

Na medida em que servem para compensar a perda antecipada da posse, os juros compen-
satórios incidirão sobre aquilo que foi perdido por ter o Estado levado a posse antecipada. O

255
art. 15-A dizia que os juros incidiriam sobre a diferença entre o que viesse na sentença e o
que fosse depositado pelo Estado.

A regra, como visto, foi objeto de controle de constitucionalidade (ADI 2332). O STF fez in-
terpretação conforme para dizer que os juros compensatórios devem incidir sobre aquilo
que veio na sentença, subtraído pelo que foi levantado pelo proprietário (e não pelo que o
Estado queria pagar). Para o STF, os 20% que o proprietário não levantou também são preju-
ízo dele, devendo incidir os juros também sobre esse valor. Assim, caso o Estado queira pa-
gar 100, o proprietário levante 80 e a sentença conceda 500, os juros compensatórios incidi-
rão sobre 420.

Os juros moratórios decorrem da mora/do atraso no pagamento. Eles estão previstos no art.
15-B do DL 3.365/1945 e são de 6% ao ano:

Art. 15-B Nas ações a que se refere o art. 15-A, os juros moratórios destinam-se a recom-

por a perda decorrente do atraso no efetivo pagamento da indenização fixada na decisão

final de mérito, e somente serão devidos à razão de até seis por cento ao ano, a partir de

1º de janeiro do exercício seguinte àquele em que o pagamento deveria ser feito, nos

termos do art. 100 da Constituição. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.183-56, de

2001)

A mora somente se constitui (os juros moratórios incidem, portanto) a partir do exercício
financeiro seguinte àquele que deveria ter sido pago o valor da indenização, respeitado o
art. 100 da CR.

Constituído o precatório até 1º de julho de 2011, o Estado tem até 2012 para pagar. Caso
não o faça, os juros moratórios incidirão a partir do exercício financeiro seguinte a que ao
Estado cabia pagar (ou seja, 2013). Se o precatório for constituído após 1º de julho de 2011,
ele será pago somente em 2013. Se o Estado pode pagar em 2013, os juros moratórios inci-
dirão somente a partir de 1º de janeiro de 2014.

A Súmula 12 do STJ, que permite a cumulação de juros moratórios e compensatórios, não


vale mais:

Súmula 12 - Em desapropriação, são cumuláveis juros compensatórios e moratórios.

Ela era possível até a MP que inseriu os arts. 15-A e 15-B ao DL 3.365/1945, mas está supe-
rada. Da imissão à expedição do precatório, incidirão juros compensatórios. Os juros mora-
tórios somente incidirão depois do período para o pagamento dos precatórios. Assim, hoje,
os juros moratórios e compensatórios incidem em momentos diferentes.

256
6.6.4.2.4 – retrocessão

Imagine que o Poder Público tenha desapropriado um bem para a construção de uma esco-
la. No meio do caminho, ele desiste, não tendo mais interesse na escola. Como visto, ele
pode fazer, por exemplo, um hospital (tredestinação). Caso o bem, todavia, não receba des-
tinação de interesse público (fique parado), pode o proprietário pedi-lo de volta? Fala-se,
aqui, em retrocessão.

Há discussão na doutrina a respeito da natureza da retrocessão. Há quem diga que se trata


de direito real, hipótese em que o proprietário teria o direito de pedir o bem de volta (de-
volve a indenização e retoma o bem).

Para aqueles que entendem que se trata de direito pessoal, a situação se resolve em perdas
e danos (parte da doutrina adota essa posição, utilizando como fundamento o art. 519 do
Código Civil):

Art. 519. Se a coisa expropriada para fins de necessidade ou utilidade pública, ou por inte-

resse social, não tiver o destino para que se desapropriou, ou não for utilizada em obras

ou serviços públicos, caberá ao expropriado direito de preferência, pelo preço atual da

coisa.

Há autores, como Maria Sylvia, que defendem que a natureza é mista, cabendo as duas situ-
ações: o proprietário pode pedir o bem de volta ou pedir perdas e danos.

Na jurisprudência, especialmente no STJ, a natureza é real. A ideia é a seguinte: se não for


dada a destinação prevista na desapropriação nem for feita tredestinação lícita, o proprietá-
rio pode pedir o bem de volta. O STJ também entende que, ainda que não seja dada a desti-
nação, se o bem estiver afetado a qualquer finalidade pública (incorporado), ele não será
devolvido e a questão resolve-se em perdas e danos. Esta é a posição que vem caindo em
concurso.

257
PROCESSO ADMINISTRATIVO

1 – Introdução

Processo administrativo é um tema muito importante para fins de concurso. Anteriormente,


foi estudado que o processo administrativo prepara o ato administrativo, ou seja, é condição
de forma dele. Se é assim, e considerando que quase tudo o que a administração faz é ato
administrativo, o estudo do tema é fundamental. O STF possui muitas decisões acerca do
tema.

A Lei 9.784/1999, que representa a norma geral de processo administrativo, é leitura obriga-
tória. Além disso, cada processo administrativo possui sua lei específica (ex.: processo admi-
nistrativo tributário, previsto no CTN; processo administrativo de trânsito, previsto no CTB;
processo administrativo de licitações, previsto na Lei 8.666/1993; processo administrativo
disciplinar etc.).

2 – Processo e procedimento

Segundo os processualistas, processo é o conjunto de atos que leva ao provimento final.


Procedimento é a forma (a maneira) de realização de tais atos.

Em direito administrativo, os doutrinadores (e o legislador) não fazem essa distinção. Ora


fala-se em processo, ora em procedimento, de forma atécnica/acrítica. Esse cuidado termi-
nológico, portanto, não precisa ser tomado.

3 – Objetivos (finalidades) do processo administrativo

Por que tem de ocorrer o processo? O processo administrativo possui diversas finalidades,
as quais serão, em linhas gerais, analisadas a seguir.

3.1 – Preparar do ato administrativo

Imagine que tenha sido expedido determinado decreto expropriatório. Onde será ele arqui-
vado? Não existe, na administração pública, ato administrativo solto. Ele será “guardado”
dentro de um processo. Todo ato administrativo é praticado dentro de um processo.

Portanto, a primeira finalidade do processo é preparar o ato administrativo. Lembre-se que


o processo é condição de forma do ato. É nele que são juntados documentos, alegações etc.

3.2 – Documentar do ato administrativo

258
Os administradores são temporários na administração (possuem mandato, cargo em comis-
são etc.). Mesmo o concursado sai da administração (por aposentadoria, exoneração etc.), e
a administração fica. Assim, é preciso registrar/documentar a história, para que seja possível
contá-la.

Portanto, a segunda finalidade do processo administrativo é servir como mecanismo de do-


cumentação do ato administrativo. Ele é necessário para contar o que aconteceu num dado
momento na administração pública. Resgatar o que ocorreu tempos atrás é algo muito co-
mum.

3.3 – Legitimar a celebração do ato administrativo

Imagine que tenha sido necessária uma contratação emergencial (dispensa de licitação).
Essa situação de emergência terá de ser caracterizada/demonstrada no processo. Assim, a
terceira finalidade do processo administrativo é legitimar/justificar a celebração de determi-
nado ato. Nesse caso, ele representa mecanismo de fundamentação da conduta do adminis-
trador. Ou seja, o processo é também mecanismo de legitimação.

Importante observar que, em se tratando de contratação direta, com dispensa ou inexigibi-


lidade de licitação, o processo é chamado de “processo de justificação”. Ele é fundamental
para a celebração de contratos administrativos dessa natureza.

3.4 – Funcionar como mecanismo de defesa

Nomeado candidato aprovado em concurso, seis meses depois é descoberta uma fraude
(ilegalidade) no certame e ele resta anulado. O candidato tem direito de defesa no processo
em que se pretende tal anulação. Assim, a quarta finalidade do processo é funcionar como
mecanismo (instrumento) de defesa.

Imagine, agora, determinado processo administrativo disciplinar, em que um servidor está


sendo processado por fraude, mas não foi ele quem desviou o dinheiro. Ele se defenderá,
produzindo provas, no âmbito do processo. Assim, o processo administrativo disciplinar
também será mecanismo de defesa. É lá que as provas e as alegações serão apresentadas.

3.5 – Funcionar como mecanismo de controle da atividade administrativa

Se tudo fica documentado, legitimado no processo, ele transmite à administração essa clari-
vidência/transparência da atividade administrativa. Assim, a sexta finalidade do processo
administrativo é funcionar como mecanismo importante de controle (fiscalização) da ativi-
dade administrativa.

259
O processo administrativo tem de ser conforme o modelo constitucional. Ou seja, tem de
observar as normas e os princípios previstos na Constituição, assegurando contraditório,
ampla defesa, devido processo legal etc.

4 – Princípios que regem o processo administrativo

Neste tópico, será analisado justamente o modelo constitucional que deve ser seguido no
processo administrativo. Alguns dos princípios já foram estudados (ex.: contraditório e am-
pla defesa), mas alguns pontos a eles relacionados merecem destaque.

4.1 – Princípio do devido processo legal

O princípio do devido processo legal está previsto no art. 5º, LIV, da CR:

Art. 5º (...) LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido proces-

so legal; (...)

Para muitos autores, ele é considerado um superprincípio, sobrepondo-se aos demais e nor-
teando-os. Ou seja, é o principal princípio, do qual os demais são consequên-
cia/desdobramentos. Ele significa que o processo tem de atender às normas previstas na lei.
Ou seja, tem de cumprir o modelo previsto no ordenamento.

O processo administrativo tem de observar a igualdade e a participação. Ou seja, nele são


asseguradas relações participativas (participação da tomada de decisão) e igualitárias (parti-
cipação em pé de igualdade com a administração).

O devido processo legal afasta a arbitrariedade. Ficam excluídos os processos abusivos.

Isso acontece, na prática? Muitos entes ainda não disciplinaram em lei o seu processo admi-
nistrativo. A lei de processo, portanto, não é uma realidade plena no Brasil. Não havendo lei
de processo, como praticá-lo conforme o modelo previsto na lei? A base para essa orienta-
ção será a aplicação dos princípios do direito constitucional.

Ainda existe na administração pública muito abuso, muita arbitrariedade. O Brasil caminha
para a implantação do devido processo legal em direito administrativo, mas ele ainda não é
uma realidade em todos os lugares.

O processo administrativo abusivo/arbitrário deve ser anulado e retirado do ordenamento,


por possuir ilegalidade.

No tópico seguinte, serão analisados os desdobramentos do devido processo legal: o con-


traditório e a ampla defesa.

260
4.2 – Princípios do contraditório e da ampla defesa

4.2.1 – previsão constitucional

O contraditório e a ampla defesa estão previstos no art. 5º, LV, da CR:

Art. 5º (...) LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em

geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela ine-

rentes;

Perceba que, segundo o dispositivo, tanto o processo judicial quanto o administrativo sujei-
tam-se a esses princípios.

4.2.2 – significado

Contraditório significa ciência da existência do processo. Num Estado Democrático de Direi-


to, ninguém pode ser processado e condenado sem ter conhecimento do processo. Contra-
ditório, portanto, é uma condição/um pré-requisito para a legalidade do processo (ainda
que, na prática, haja servidor processado, punido e até demitido do serviço público sem ter
tido ciência do processo).

O contraditório, portanto, formaliza a bilateralidade da relação jurídica processual.

Consequência da ciência do processo é a necessidade de conceder à parte o direito de se


defender. A oportunidade de defesa da parte, em prazo razoável, é justamente o que se
entende por ampla defesa. O princípio não significa que a parte exercitará tal direito, no
caso concreto. Todavia, observar o princípio é simplesmente dar à parte a oportunidade/a
chance.

4.2.3 – requisitos necessários à amplitude do direito de defesa

Para que o direito de defesa seja verdadeiramente amplo, é necessária a observância de


alguns requisitos:

i) a defesa tem de ser prévia:

Defesa prévia é aquela que antecede o julgamento, a formação da convicção. A defesa tem
de ter a chance de interferir no convencimento do julgador.

ii) o procedimento tem de ser pré-estabelecido (predeterminado):

261
Para que a defesa seja concreta, a parte tem de conhecer o procedimento e as possíveis
sanções. Aquele que conhece o procedimento tem a liberdade de utilização de estratégias
processuais.

No processo penal, há duas oportunidades de defesa (a defesa preliminar e as alegações


finais). Se, por acaso, algum elemento da defesa não for utilizado na defesa preliminar, ele
poderá sê-lo nas alegações finais, até como forma de estratégia processual para resguardar
determinada alegação. Assim, aquele que conhece o procedimento pode se utilizar de estra-
tégias, melhorando sua defesa.

Além disso, o procedimento predeterminado e conhecido visa a evitar a ocorrência de sur-


presas no processo. Daí ser fundamental a existência de uma lei disciplinando o procedimen-
to.

Vale mais uma vez ressaltar que a inexistência de lei prevendo o procedimento administrati-
vo é ainda uma realidade no Brasil. Isso acaba gerando ilegalidades diversas.

iii) deve haver penas (sanções) definidas/determinadas/pré-estabelecidas:

O sujeito processado tem de saber o que poderá ocorrer no final do processo. Ou seja, a
parte já se defende sabendo das consequências/da pena que lhe pode ser aplicada. O admi-
nistrador não pode inventar sanções, mas deve aplicar aquelas estabelecidas na lei.

No processo administrativo disciplinar, é muito comum a imposição de pena de prisão (ad-


ministrativa) ao final do processo39.

iv) deve ser possível o acesso às informações do processo:

O direito à extração de cópias existe desde que o interessado arque com as despesas. A lei
determina que a administração deve “viabilizar” as cópias. Isso significa o seguinte: ou a
administração disponibiliza uma máquina de cópias (cobrando por elas), ou acompanha o
interessado a uma loja especializada.

39 Marinela participou de um processo em que uma testemunha saiu presa. No meio do procedimen-
to, os julgadores entenderam que a ré do processo era a testemunha. Ela foi condenada sem a opor-
tunidade de defesa (simplesmente veio a surpresa da sua condenação). O processo foi anulado e o
sujeito libertado.

262
Em processo administrativo não se faz carga. O processo administrativo não pode sair da
repartição pública. Para a obtenção das informações, o interessado tem direito de vista e de
extração de cópias, na própria administração.

Infelizmente, na via administrativa isso ainda é algo bastante complicado, especialmente em


se tratando de licitações. O administrador tem pavor da concessão de vista, por imaginar
que, com as informações, será ajuizada eventual medida judicial cabível, prejudicando o
serviço na administração. Na prática, os administradores tendem a criar uma série de obstá-
culos ao direito de informação.

v) a parte tem de ter direito à produção de provas:

Que espécie de prova pode ser produzida em processo administrativo? A lei determina que
podem ser utilizadas todas as provas possíveis/permitidas em direito (ex.: perícia, acarea-
ção, oitiva de testemunhas, depoimento pessoal etc.). A lei não especifica, fazendo tal men-
ção genérica. Obviamente, se são utilizadas todas as provas permitidas em direito, é vedada
a utilização de provas ilícitas.

Claro que, havendo, por exemplo, uma escuta telefônica sem autorização judicial, em que
reste identificada uma fraude ao processo licitatório (infração funcional, crime e ato de im-
probidade administrativa), ainda que tal prova não possa ser usada para punir o servidor40,
ela provocará uma suspeita, que desencadeará uma investigação.

vi) a prova tem de ser avaliada no processo:

Ocorre muito na via administrativa a produção de prova para o cumprimento de formalida-


de. Um servidor qualquer não pode ouvir uma testemunha, reduzir a termo o depoimento e
simplesmente juntá-lo no processo.

A prova tem de ser avaliada, tem de interferir no convencimento do julgador.

vii) defesa técnica em processo administrativo:

No que diz respeito à defesa técnica, há divergência. O advogado não tem presença obriga-
tória em processo administrativo, mas facultativa.

40
Checar essa informação.

263
A partir da CR/88 e da Lei 8.112/1990, prevalecia que a presença do advogado no processo
administrativo era facultativa. Naquela época, dizia-se que, apesar dessa facultatividade, a
administração deveria viabilizar a presença do advogado, não somente permitindo como
não criando obstáculos à atuação do defensor.

No entanto, com o passar dos anos, a jurisprudência do STJ foi sendo gradativamente cons-
truída no sentido de que o advogado, na medida em que contribui com a validade, fiscaliza-
ção e regularidade do processo administrativo, teria de obrigatoriamente estar presente
(Súmula 343):

Súmula 343 - É obrigatória a presença de advogado em todas as fases do processo admi-

nistrativo disciplinar.

Essa discussão formou-se especialmente nos processos administrativos disciplinares. Segun-


do a Súmula, o advogado teria de estar presente em todas as fases do processo.

A matéria foi objeto de análise no STF, o que culminou na edição da Súmula Vinculante nº 5,
em sentido diametralmente oposto, tendo o Supremo concluído que o advogado tem pre-
sença facultativa no processo administrativo disciplinar:

Súmula Vinculante 5 - A FALTA DE DEFESA TÉCNICA POR ADVOGADO NO PROCESSO AD-

MINISTRATIVO DISCIPLINAR NÃO OFENDE A CONSTITUIÇÃO.

Concluiu o STF que a falta de defesa técnica não viola a Constituição. Marinela considera que
essa decisão foi muito mais econômica do que jurídica. O raciocínio foi o seguinte: se um
servidor foi processado sem advogado, sob a égide da Súmula 343 do STJ, esse processo
seria ilegal e, portanto, nulo. Desse modo, a demissão resultante desse processo também
seria ilegal e o servidor teria direito à reintegração (que significa retornar ao cargo de ori-
gem, com todas as vantagens do período em que esteve afastado, ou seja, “com poupan-
ça”). É um prêmio para a safadeza. Além disso, essa conta ficaria cara demais e inviabilizaria
a administração.

Pensando nesse saldo devedor, o STF editou a Súmula Vinculante nº 5. A Súmula 343 do STJ
não foi cancelada, mas sua aplicação restou evidentemente prejudicada, em razão do efeito
vinculante a todos os órgãos do Judiciário.

Veja que a Súmula Vinculante nº 5 representou ao menos dez anos de retrocesso na juris-
prudência brasileira. O STF poderia ter modulado os efeitos da decisão. Não seria destruída
uma evolução gradativa da jurisprudência e se resolveriam os problemas econômicos do
administrador.

264
viii) direito à interposição de recurso:

O direito de recurso está previsto na parte final do art. 5º, LV, da CR (“e recursos a ela ine-
rentes”). Além disso, ele é decorrente do direito de petição, previsto no art. 5º da CR. Assim,
no processo administrativo, a parte terá direito de recurso independentemente de previsão
específica, ou seja, havendo ou não um recurso típico para aquela situação determinada.

Isso torna absurda a regra que proíbe o direito de recurso, muito comum em editais de con-
curso, que muitas vezes preveem que determinada etapa é irrecorrível. A regra viola a iso-
nomia.

Há uma Resolução do CNJ que trata das regras de concurso. Ela diz que a prova oral tem de
ser gravada, mas a parte não tem direito de recurso. Isso é constitucional? Se não cabe re-
curso, para que gravar?

ix) é fundamental conhecer a decisão e a motivação:

Para a interposição de um recurso, é necessário conhecer a decisão e a motivação (as razões


que levaram à tomada da decisão). A jurisprudência é bastante forte nesse sentido. Em se
tratando de provas de concurso público, é ferramenta de motivação da decisão, para o direi-
to de recurso, a apresentação do espelho de prova. Ele é necessário à justificação da nota
aplicada e viabiliza o direito de recurso do candidato41.

Houve edital prevendo que o recurso poderia conter no máximo 1000 caracteres. Para Ma-
rinela, essa restrição viola o princípio da ampla defesa, na medida em que restringe o direito
de defesa e de recurso. Ela não viu ainda nenhuma decisão nesse sentido, mas certamente é
absurda.

Outra questão discutida diz respeito à disponibilização do espelho de prova corrigida, no


balcão da repartição, por 15 minutos, sem direito de cópia. A matéria foi levada aos tribu-
nais, e restou decidido que isso viola a ampla defesa. Tem de ser dada vista da prova, com
direito à extração de cópias, sob pena de violação ao princípio.

4.2.4 – inconstitucionalidade da exigência de depósito prévio

41 No que diz respeito ao espelho de prova, a vinculação e o controle do Poder Judiciário, há um


artigo no site de Marinela, cuja leitura é recomendada.

265
O direito de recurso não pode estar condicionado a depósito prévio (ou seja, à capacidade
financeira do administrado). A discussão iniciou-se na seara tributária, mas se estendeu aos
demais processos administrativos. A matéria já está prevista na Súmula Vinculante 21:

Súmula Vinculante 21 - É INCONSTITUCIONAL A EXIGÊNCIA DE DEPÓSITO OU ARROLA-

MENTO PRÉVIOS DE DINHEIRO OU BENS PARA ADMISSIBILIDADE DE RECURSO ADMINIS-

TRATIVO.

O recurso não pode ser condicionado a depósito prévio (capacidade financeira) na medida
em que somente poderá recorrer aquele que tiver dinheiro para tanto.

4.2.5 – Súmula Vinculante nº 3

A Súmula Vinculante nº 3 já foi analisada anteriormente. Ela se divide em duas partes:

Súmula Vinculante 3 - Nos processos perante o tribunal de contas da união asseguram-se

o contraditório e a ampla defesa quando da decisão puder resultar anulação ou revoga-

ção de ato administrativo que beneficie o interessado, excetuada a apreciação da legali-

dade do ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma e pensão.

No Brasil, era muito comum que um sujeito fosse atingido por um ato administrativo sem
que tivesse participado da decisão (contraditório e a ampla defesa). Com a CR/88, esses
princípios passaram a ser exigidos nos processos administrativos.

No final de seu mandato, o administrador tem de prestar contas. Prestadas as contas, o Tri-
bunal de Contas passava a analisá-las. Verificada a possibilidade de fraude, o administrador
era chamado a se manifestar. Havia uma discussão entre o Tribunal de Contas e o adminis-
trador, por exemplo, acerca de um contrato, sem que o outro contratante tivesse a oportu-
nidade de participar da discussão sobre tema que lhe afetaria. A Súmula Vinculante nº 3 foi
editada justamente para dar ao interessado a possibilidade de participar do processo, nesses
casos. Serviu para corrigir problema que ocorria com frequência nos Tribunais de Contas.

A parte final da Súmula (em verde) excetua a regra. Segundo ela, em se tratando da aprecia-
ção da legalidade do ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma e pensão, a parte
não terá direito ao contraditório e à ampla defesa no Tribunal de Contas da União. Isso não
significa, todavia, que ela não terá assegurados esses direitos, o que ocorrerá na administra-
ção pública. Isso ocorre porque o ato inicial de aposentadoria, reforma e pensão é um ato
administrativo complexo (aquele que depende de duas manifestações de vontade emanadas
de órgãos diferentes).

266
O Tribunal de Contas, nesse ato complexo, realiza o que a Súmula chama de “controle de
legalidade”. O ato somente se aperfeiçoa (ou seja, o direito somente se concretiza) a partir
do momento em que há as duas manifestações de vontade. Imagine que o servidor público
dirija-se à administração e peça a aposentadoria. Se entender que tem direito, a administra-
ção defere a aposentadoria. O servidor vai para a casa, viver a vida de aposentado, mas o
ato ainda não está aperfeiçoado (o ato é precário, ou seja, é uma aposentadoria precária). O
servidor somente terá o direito após a manifestação do Tribunal de Contas. Validado o ato
pelo Tribunal, ele está aposentado.

A discussão (o contraditório e a ampla defesa), a produção de provas etc. ocorrem na admi-


nistração, e não no Tribunal de Contas. É isso o que diz a Súmula. Mais uma vez, ela não diz
que o administrado não terá contraditório e ampla defesa.

Era muito comum que a administração deferisse o pedido e mandasse, de forma precária, o
servidor para casa, que aguardava a decisão do Tribunal de Contas. O Tribunal, todavia, não
decidia. Dez anos depois, ele poderia acabar dizendo que o ato era ilegal. Nesse caso, o ser-
vidor teria de voltar a trabalhar. Imagine receber essa notícia depois de dez anos em casa,
sem trabalhar.

Por isso, a jurisprudência do STF, no início de 2011, proferiu decisão que não modifica a Sú-
mula Vinculante nº 3, mas determina que se o Tribunal de Contas demorar demais para de-
cidir, ele terá de dar ao administrado contraditório e ampla defesa. O STF faz um chamado
“temperamento” da Súmula, estabelecendo uma exceção em nome da segurança jurídica42.

4.3 – Princípio da verdade real

O princípio da verdade real (também conhecido como “princípio da verdade material”) vem
da dicotomia verdade real versus formal, que ocorria nos processos civil e penal, a qual já
está superada. Entre os processualistas, a ideia é que nenhuma dessas verdades é possível.
Em direito penal, a verdade do crime jamais será real. Em processo civil, ninguém pode se
contentar em perder seu patrimônio com a mera verdade que ocorre no processo.

Hoje, prevalece que não é possível chegar à verdade absoluta, mas deve haver verossimi-
lhança, ou seja, a maior aproximação possível com a verdade.

42 Ver vídeo no site de Marinela acerca desse tema. Há uma possibilidade de modificação da Súmula,
que está sendo analisada pelo STF.

267
Apesar de ser ideia superada, o princípio da verdade real ainda cai em prova de concurso,
por se tratar de tema trazido por Hely Lopes Meirelles. A despeito de inaplicável/inacessível,
ainda há entendimento no sentido de que no processo administrativo vigora o princípio da
verdade real.

4.4 – Princípio da celeridade

O processo administrativo deve ser o mais rápido possível. Isso significa que ele deve obser-
var o prazo razoável (art. 5º, LXXVIII, da CR, inserido pela EC 45/2004):

Art. 5º (...) LXXVIII - a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoá-

vel duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação. (Incluí-

do pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) (...)

Para o processo administrativo, o que significa “prazo razoável”?

Ao contrário do que ocorre na via judicial, a maioria dos processos administrativos tem pra-
zo de conclusão. A lei estabelece prazos curtos e predeterminados. Ex.: um processo admi-
nistrativo disciplinar deve durar no máximo 60 dias, prorrogáveis por mais 60. Ainda que
essa regra não possa ser generalizada para todos os processos, em virtude da diversidade de
leis, em geral os prazos são determinados e preclusivos. Não sendo concluído o processo
administrativo disciplinar em 120 dias, ele será extinto.

Dentro dessa ideia de celeridade, em processo administrativo aplica-se o “princípio da oficia-


lidade”, que significa impulso oficial. Assim, independentemente de requerimento das par-
tes, o processo anda. Na via judicial, se não houver requerimento das partes, o processo fica
parado.

Para o processo administrativo, vale a informalidade (como regra), em favor do administra-


do (ou seja, somente para beneficiá-lo). Em favor da administração, vale a formalidade. É
por essa razão, por exemplo, que dificilmente aparece em prova de segunda fase peça rela-
cionada a processo administrativo (em tese, ele poderia ser feita de qualquer modo).

5 – A Lei nº 9.784/1999

5.1 – Generalidades

A Lei 9.784/1999 é a Lei Geral de Processo Administrativo. Tem aplicação subsidiária (art.
69), no silêncio da lei específica:

Art. 69. Os processos administrativos específicos continuarão a reger-se por lei própria,

268
aplicando-se-lhes apenas subsidiariamente os preceitos desta Lei.

Dificilmente serão exigidos prazos processuais em concurso, em razão da diversidade de leis


de processo administrativo (é muito difícil decorar todos). Esse não é o foco principal das
provas.

Os processos administrativos são públicos. Eles têm de observar o princípio da publicidade,


salvo, evidentemente, as hipóteses previstas em lei (processos que correm em sigilo, na
forma da lei, segurança da sociedade e do Estado etc.).

Em processo administrativo, a contagem de prazo é feita da mesma forma que na via judici-
al. Exclui-se o dia do início e inclui-se o dia do final. Um prazo de cinco dias em que a publi-
cação tenha ocorrido na segunda-feira terminará na próxima segunda-feira, uma vez que
eles não começam nem terminam em dia não útil. Sábado não é dia útil na administração.
Dia útil, em direito administrativo, é aquele em que a repartição está funcionando. Se a pu-
blicação sair na sexta-feira, o prazo de cinco dias vencerá na próxima sexta-feira, na medida
em que eles também não se iniciam em dia não útil, mas no próximo dia útil subsequente.

No silêncio da lei, o prazo será de cinco dias.

Os atos, no processo administrativo, não dependem de forma específica, salvo exigência


legal expressa. Além disso, eles devem ser praticados em dias úteis e no horário de funcio-
namento do órgão público. O horário de funcionamento pode ser ultrapassado, caso a inter-
rupção prejudique a finalidade do ato (ex.: licitação que não termina até o final do expedien-
te).

Os atos processuais devem ser praticados na própria repartição, salvo se por alguma razão
de interesse público a realização tenha de ocorrer em outro local. Ex.: licitação com muitos
participantes pode ter de ser realizada em auditório maior, de que não disponha a reparti-
ção.

O servidor acaba levando o expediente para casa por conta do excesso de trabalho. Entre-
tanto, ele deve colocar a data de sexta ou de segunda-feira no ato praticado no final de se-
mana, sob pena de comprometer a sua validade. Trabalho de fim de semana não é o ideal,
mas ocorre.

A intimação desses atos ocorre de que forma? Inicialmente, cumpre destacar que não há,
em processo administrativo, diferença entre citação e intimação. Fala-se em intimação e
notificação, tendo ambas o mesmo efeito e significado. Para obrigar ao comparecimento, a
intimação/notificação deve ocorrer com pelo menos três dias úteis de antecedência. Pode

269
ser realizada de todas as formas permitidas em direito, não havendo qualquer formalidade
especial (intimação pessoal, pelo correio com AR, via diário oficial etc.).

Dada ciência à parte do processo, o desatendimento (não comparecimento, ausência de


defesa) não gera o principal efeito da revelia no processo civil. Não há, em processo admi-
nistrativo, a confissão ficta nem a renúncia ao direito pela ausência de comparecimento da
parte.

5.2 – Fases (etapas) do processo administrativo

O processo administrativo tem fases um pouco diferentes da via judicial. Vale lembrar que
cada processo administrativo tem sua lei própria, mas, pela regra geral, a sequência do pro-
cesso é a seguinte:

i) instauração:

O processo administrativo inicia-se com a instauração, que pode ser realizada pela própria
administração (ex.: processo de trânsito, lavratura de auto de infração em processo tributá-
rio, portaria em processo administrativo disciplinar, após o conhecimento de determinada
infração disciplinar, processo licitatório etc.) ou a requerimento do interessado (ex.: o admi-
nistrado requer uma licença para construir).

ii) nomeação da comissão processante:

Os componentes (número e integrantes) que formarão a comissão processante dependerão


de cada processo.

iii) transferência do processo da autoridade para a comissão;

iv) instrução do processo:

Na instrução, são produzidas todas as provas permitidas em direito.

v) oportunização da defesa:

Produzidas as provas, abre-se ao interessado a possibilidade de defesa, a ser exercida no


prazo de 10 dias, caso não haja outro previsto na lei específica.

vi) elaboração de um relatório:

A comissão processante encerra seus trabalhos elaborando um relatório, que é basicamente


um resumo do processo. Todavia, não basta resumir o feito, como ocorre numa sentença. O

270
relatório tem de ser conclusivo, na medida em que o processo não será julgado pela comis-
são processante, mas pela autoridade que determinou o processamento.

Na medida em que se exige que o relatório seja conclusivo, a autoridade julgadora está vin-
culada àquelas conclusões? Via de regra, não. Cuidado, todavia, pois há uma exceção: se
esse relatório estiver no processo administrativo disciplinar, ele vinculará o julgador. Ele
somente não será vinculante, num processo administrativo disciplinar, quando for contrário
às provas dos autos.

Caso se tratasse apenas de um processo administrativo disciplinar, caberia uma observação


adicional: nesses processos, da instauração parte-se para o “inquérito administrativo”, que
nada mais é que esse “miolo” do processo, composto pelas etapas “iv”, “v”, e “vi” (instru-
ção, defesa e relatório). São as mesmas etapas, com outro nome. Em processo administrati-
vo disciplinar, a investigação prévia (paralelo do inquérito policial), é chamada de “sindicân-
cia”. “Inquérito administrativo”, portanto, não é sinônimo de “inquérito policial” nem de
“investigação prévia”.

vii) julgamento pela autoridade superior:

Elaborado o relatório, o processo é enviado à autoridade superior, para proferir julgamento.

viii) interposição de recurso:

Desse julgamento, há a possibilidade de interposição de recurso administrativo. Proferida a


decisão, a parte apresenta, num primeiro momento, um pedido de reconsideração, endere-
çado à própria autoridade julgadora, que tem o prazo de cinco dias para reconsiderar sua
decisão.

Se a autoridade entender que não é o caso de reconsideração, ela converte esse pedido no
chamado “recurso hierárquico”. A parte, ao elaborar o recurso, tem de formular ambos os
pedidos: a reconsideração (em cinco dias) e, não sendo esse o entendimento, a conversão
do pedido em recurso hierárquico a ser encaminhado à autoridade superior.

Quem julga o recurso hierárquico é a autoridade superior. Vale ressaltar que não é a parte
que requer e remete o recuso à autoridade superior. Isso é feito automaticamente pela au-
toridade recorrida, que realiza a conversão e a remessa.

O recurso hierárquico traz uma subdivisão: se encaminhado a uma autoridade superior que
esteja dentro do próprio órgão (dentro da própria estrutura), ele é chamado de “recurso
hierárquico próprio”. Se estiver em outra estrutura, é chamado de “recurso hierárquico im-

271
próprio”. Essa questão de recuso próprio e impróprio é muito exigida em concurso público
(a FCC adora essa distinção).

Na via administrativa, é possível o recurso em até três instâncias. Não necessariamente ha-
verá três, a depender (do tamanho) da estrutura da administração. O prazo para a interposi-
ção será de dez dias, se a lei específica não determinar outro.

Quando a autoridade recebe o recurso, ela tem o prazo de 30 dias para proferir julgamento.

Ocorre muito na administração pública o problema relacionado à autoridade competente


para decidir. A via direta ao recurso hierárquico (sem pedido de reconsideração) é possível.
O desafio é descobrir (conseguir acertar) a autoridade superior competente. Muitas vezes,
as regras de competência são confusas. Se o recurso hierárquico for direto a uma autoridade
incompetente, a própria autoridade que não é competente deve encaminhá-lo à competen-
te. Como a competência não é questão fácil, o recorrente não será prejudicado com o erro:
a autoridade incompetente corrige o vício de competência, encaminhando o processo a
quem deve proferir o julgamento.

Em direito administrativo, é possível a reformatio in pejus. Ex.: aprovada em concurso com


nota 8, a candidata não obteve das melhores colocações. Ela então recorre da correção da
prova, para poder ser logo convocada. A banca examinadora decide reduzir sua nota, repro-
vando-a no concurso, após a reforma. É possível discutir na via judicial essa questão, mas a
lei prevê a possibilidade da reformatio in pejus em recurso administrativo.

Se não há mais como recorrer, ocorre a chamada “coisa julgada administrativa”. Como visto,
trata-se da imutabilidade da decisão na via administrativa. Coisa julgada administrativa não
é uma verdadeira coisa julgada. Ela significa que, na via administrativa, nada poderá ser fei-
to. Entretanto, a matéria pode ser levada à via judicial.

Caso uma decisão tenha produzido coisa julgada administrativa e surja fato novo, que modi-
fica o contexto, o que pode ser feito? Na via administrativa, existe a possibilidade de revisão
do processo.

A revisão em processo administrativo, cumpre observar, pode ser realizada a qualquer tem-
po. Neste caso, não se admite a reformatio in pejus. Ocorrido o trânsito em julgado, a re-
forma não pode piorar a situação da parte.

Cuidado: no recurso hierárquico, é possível a reformatio in pejus; na revisão, ela não é possí-
vel. Os concursos misturam as hipóteses, para a confundir os candidatos.

272
6 – Processo administrativo disciplinar

A Lei 8.112/1990 será estudada adiante. Contudo, uma parte dela, relacionada ao processo
administrativo disciplinar, será aqui analisada. Portanto, este estudo ficará circunscrito ao
processo administrativo disciplinar dos servidores públicos da União, o que não significa que
não seja possível a existência de outros (estados e municípios podem ter seus próprios esta-
tutos).

6.1 – Sindicância

O processo administrativo disciplinar pode ter uma investigação prévia, denominada sindi-
cância.

Inicialmente, ela surge como uma investigação prévia (que antecede o processo administra-
tivo), assim como o inquérito policial antecede o processo penal. É chamada de sindicância
inquisitiva/preparatória, justamente porque serve para preparar o futuro processo.

Por ser inquisitiva/preparatória, nela não há preocupação com o contraditório e a ampla


defesa.

Pois bem, instaurada a sindicância inquisitiva em decorrência da suspeita de uma infração


funcional, a conduta imputada pode ou não restar comprovada. Demonstrada a inexistência
da infração, a sindicância é arquivada.

Todavia, com o passar dos anos a sindicância adquiriu uma segunda finalidade. Demonstra-
da a existência de uma infração, o processo caminhará no sentido da aplicação da sanção.
Surgem então duas opções:

i) infração leve:

se a infração for leve (punível com advertência ou suspensão de até 30 dias), o procedimen-
to seguirá com a instauração de uma nova sindicância, chamada “sindicância contraditória”.

Ela não é mais uma mera investigação, podendo nesse procedimento ocorrer a aplicação da
sanção. Em virtude dessa possibilidade, na sindicância contraditória devem ser observados o
contraditório e a ampla defesa.

Uma sindicância deve ter a duração máxima de 30 dias, prorrogável por mais 30 (fala-se,
portanto, num prazo final de 60 dias).

ii) infração grave:

273
Em se tratando da aplicação de sanção grave (ou seja, de infração que não é punível com
advertência ou suspensão de até 30 dias), tem de ser instaurado o processo administrativo
propriamente dito.

6.2 – Do processo administrativo disciplinar propriamente dito

O processo administrativo propriamente dito divide-se em sumário e ordinário.

6.2.1 – processo administrativo disciplinar sumário

6.2.1.1 – conceito

Processo administrativo disciplinar sumário é aquele em que há provas pré-constituídas.


Aqui, a prova é documental, ou seja, já está pronta. Ele é mais célere, justamente em virtude
da redução da fase instrutória.

O procedimento sumário terá duração máxima de 30 dias, prorrogável por mais 15 dias.
Como normalmente a prorrogação é por igual período, esse prazo diferenciado de prorroga-
ção acaba caindo em concurso.

6.2.1.2 – espécies

Há três espécies de procedimento sumário:

i) procedimento sumário de acumulação ilegal:

Como visto, no Brasil não é possível a acumulação de cargos, exceto nas hipóteses autoriza-
das pela CR, previstas no art. 37, XVI e XVII (regime da não acumulação):

Art. 37 (...) XVI - é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando

houver compatibilidade de horários, observado em qualquer caso o disposto no inciso XI:

(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

a) a de dois cargos de professor; (Incluída pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

b) a de um cargo de professor com outro técnico ou científico; (Incluída pela Emenda

Constitucional nº 19, de 1998)

c) a de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regu-

lamentadas; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 34, de 2001) (...)

Caso um servidor esteja acumulando ilegalmente, a primeira medida para a correção desse
defeito, antes da instauração do processo, é dar à parte o direito de realizar a opção, no
prazo de dez dias (art. 133 da Lei 8.112/1990):

274
Art. 133. Detectada a qualquer tempo a acumulação ilegal de cargos, empregos ou fun-

ções públicas, a autoridade a que se refere o art. 143 notificará o servidor, por intermédio

de sua chefia imediata, para apresentar opção no prazo improrrogável de dez dias, conta-

dos da data da ciência e, na hipótese de omissão, adotará procedimento sumário para a

sua apuração e regularização imediata, cujo processo administrativo disciplinar se desen-

volverá nas seguintes fases: (Redação dada pela Lei nº 9.527, de 10.12.97) (...)

Feita a escolha, reconhece-se a boa-fé do servidor e ele é exonerado (e não demitido) do


cargo que não quer mais. Não tem de devolver nada e não há processo.

Todavia, se em dez dias o servidor não realizar a opção, é instaurado o processo disciplinar
sumário de acumulação ilegal. Nesse caso, o servidor tem até o prazo da defesa para realizar
a escolha. Feita a escolha pelo servidor, reconhece-se que ele estava de boa-fé e ele é exo-
nerado do cargo que não quer mais. Trata-se da segunda oportunidade que ele tem para sair
em paz.

Se ainda assim o servidor não fizer a opção e ficar caracterizada a ilegalidade da acumula-
ção, ele será demitido de todos os cargos que estiver exercendo. Neste caso, trata-se de
pena/sanção.

ii) procedimento sumário de abandono de cargo:

O abandono de cargo exige que o servidor fique ausente, pelo prazo de 30 dias consecuti-
vos, sem qualquer justificativa e com o animus de abandonar.

iii) procedimento sumário de inassiduidade habitual:

A inassiduidade habitual acontece quando há ausência do servidor, não justificada, pelo


prazo de 60 dias, interpoladamente (pulando/não consecutivamente), durante doze meses.

6.2.2 – processo administrativo disciplinar ordinário

O procedimento administrativo disciplinar ordinário é o mais extenso. O prazo de duração é


de 60 dias, prorrogável por mais 60 dias.

Ao tomar ciência de uma infração funcional, a administração tem a obrigação de instaurar o


processo administrativo disciplinar. Trata-se de um dever/uma decisão vinculada. Não há
liberdade ao administrador (análise de conveniência e oportunidade).

275
A instauração acontece através de uma portaria, expedida pela autoridade superior, que
realiza a nomeação de uma comissão processante. Nesse caso, os fatos são descritos de
forma genérica.

Em processo penal, a denúncia tem de descrever a conduta criminosa de forma clara. Em


processo administrativo, a infração não é descrita em pormenores, podendo sê-lo de forma
genérica. Há a preocupação de não responsabilizar o servidor. Conta-se uma história e inves-
tigam-se os fatos.

Há outra oportunidade, chamada de “indiciamento”, em que a conduta do suspeito tem de


ser pormenorizada.

Instaurado o processo e nomeada a comissão processante, o processo segue para o inquéri-


to administrativo (aquele “miolo” do processo, visto anteriormente, que no caso do proces-
so administrativo disciplinar recebe outro nome). Em processo disciplinar, quem produz o
inquérito administrativo é a Comissão. Ele é composto de:

i) instrução:

Trata-se da produção de provas, ou seja, da realização do conjunto probatório, podendo ser


produzidas todas as provas permitidas em direito.

ii) indiciamento:

No indiciamento, deve ser apontada exatamente a infração supostamente praticada. Não é


possível a descrição de fatos e infrações de modo genérico.

iii) defesa:

Realizado o indiciamento, é aberta ao servidor a oportunidade de defesa, normalmente no


prazo de dez dias. Veja que a defesa só é feita após o “fechamento” da infração.

iv) relatório:

Apresentada a defesa, a comissão processante elabora o relatório, um resumo conclusivo do


processo que vincula, salvo se contrário à prova dos autos.

v) julgamento;

vi) recurso:

Tudo quanto visto anteriormente acerca dos recursos é aplicável aqui.

276
CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO43

1 – Introdução

Controle é fiscalização. Controle da administração, portanto, é a fiscalização dos atos por ela
praticados. Trata-se do instrumento através do qual ela própria corrige/revê os erros e as
ilegalidades que comete. É um instrumento de transparência da atividade administrativa.

O controle administrativo ganha cada vez mais força, como se percebe, por exemplo, com o
advento do CNJ e do CNMP44. Os Tribunais de Contas e o Ministério Público, órgãos com
poder de controle, já haviam ganhado força com a CR/88.

O próprio povo (a sociedade) exerce o controle dos atos administrativos de maneira mais
intensa. Trata-se de decorrência de uma maior consciência política da sociedade.

2 – Controle político e controle administrativo

No direito, há dois tipos de controle, o político e o administrativo.

No primeiro, são controlados os entes políticos (a atividade política), com a finalidade de


manutenção das instituições democráticas. É o controle que um poder exerce sobre o outro,
baseado no sistema de freios e contrapesos. Exemplos:

i) o Executivo realiza controle político do Legislativo (revê a conduta do Legislativo enquanto


atividade política) por meio da sanção e do veto;

ii) o Legislativo revê os atos do Executivo por meio da superação (rejeição) do veto, do im-
peachment etc.;

43 O controle da administração é um tema exigido em concurso, muito embora não esteja em todos
os programas. O principal controle que aparece nos concursos é o dos atos administrativos, enquanto
controle de legalidade e de mérito, já estudado anteriormente. Neste tópico, serão recapituladas e
reorganizadas aquelas ideias.

44 Lembre-se que o CNJ e o CNMP realizam, respectivamente, o controle da atividade administrativa


do Judiciário e do Ministério Público.

277
iii) o Executivo controla politicamente o Judiciário através da nomeação dos Ministros do
STF pelo chefe do Executivo;

iv) o Judiciário controla o Executivo e o Legislativo por meio das diversas ações judiciais
(ações ordinárias, ações constitucionais, controle concentrado etc.);

v) o Legislativo controla o Executivo e o Judiciário através da aprovação das leis orçamentá-


rias (ferramenta poderosa no que diz respeito ao controle de gastos públicos): plano pluria-
nual, lei de diretrizes orçamentárias e lei orçamentária anual.

Os mecanismos inerentes ao controle político são estudados em direito constitucional. Nes-


te curso, será analisado o controle da atividade administrativa, ou seja, quem pode revê-
la/fiscalizá-la. O foco é diverso.

3 – Formas (ou tipos) de controle da atividade administrativa (classificação)

Juntamente com as formas de controle da atividade administrativa, serão analisadas quais


as ferramentas (os instrumentos) que podem ser utilizadas (os) para a realização desse con-
trole.

3.1 – Quanto ao órgão controlador

3.1.1 – controle legislativo

3.1.1.1 – noções gerais

O Poder Legislativo tem a incumbência de rever a atividade administrativa dos demais pode-
res (e não a sua própria atividade administrativa). Esse controle pode ser realizado de forma
direta (o próprio Legislativo controlando) ou indireta (através do Tribunal de Contas, seu
longa manus).

3.1.1.2 – ferramentas

São ferramentas desse tipo de controle:

i) julgamento anual das contas prestadas pelo administrador:

A Casa Legislativa, nesse julgamento anual, pode pedir esclarecimentos, informações adicio-
nais, aprovar as contas com ressalvas etc. Enfim, ela tem o poder de questionar as contas
prestadas.

ii) fiscalização permanente da atividade administrativa, com possibilidade de avocação do


ato administrativo:

278
Além do julgamento das contas prestadas, com a ajuda do Tribunal de Contas o Legislativo
pode realizar o controle diário da atividade administrativa, durante todo o exercício finan-
ceiro. Percebendo alguma irregularidade, ele pode avocar o ato e fiscalizá-lo. Ex.: verificando
uma fraude numa grande licitação, o Legislativo pode avocar o processo licitatório e contro-
lá-lo, mesmo antes da prestação de contas.

iii) convocação do administrador para prestar esclarecimentos:

O Legislador pode, durante todo o exercício financeiro, convocar o administrador para pres-
tar esclarecimentos à Casa ou à sociedade. Ex.: ele pode chamar o Secretário de Obras de
um estado para prestar informações acerca da opção por determinada obra. Convocado, o
administrador tem a obrigação de comparecer. Houve um caso em que um Governador re-
cusou-se. Houve uma confusão, inclusive com a expedição de ordem de prisão.

iv) Comissão Parlamentar de Inquérito:

A CP é uma ferramenta importante para o controle da atividade administrativa. Exemplo de


CPI que fez sucesso é a que culminou na “descoberta” do mensalão. O seu objeto era a fisca-
lização da atividade administrativa dos Correios (uma empresa pública, integrante da admi-
nistração indireta). A CPI denunciou o caminho da fraude, ou seja, o modo como ela aconte-
cia e teve importante consequência para a ECT, culminando com o reconhecimento de di-
versos privilégios e obrigações a ela (ex.: obrigação de realização de processos administrati-
vos, tratamento de Fazenda Pública etc.).

v) possibilidade de sustação dos atos que exorbitem o poder regulamentar:

O Legislativo também faz o controle dos atos normativos do Executivo que exorbitem o po-
der regulamentar. Nesse caso, ocorre a sustação dos atos normativos com essa característi-
ca (art. 49, V, da CR):

Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional: (...)

V - sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar

ou dos limites de delegação legislativa; (...)

Há uma PEC buscando alterar esse dispositivo, para permitir que o Legislativo também reali-
ze esse controle em relação à atuação do Poder Judiciário. É possível que tal controle ocorra.
De fato, o Judiciário anda extrapolando em sua conduta, mas isso decorre da omissão do
próprio Legislativo. A ideia dessa PEC é colocar um freio na atuação do Judiciário, evitando
que um Poder exorbite outro, prejudicando a democracia. Para Marinela, o correto não é a

279
criação de uma nova ferramenta de controle, mas simplesmente que o Legislativo realize
seu papel.

vi) controle prévio da declaração de guerra e da celebração da paz.

3.1.1.3 – Tribunal de Contas45

O Tribunal de Contas é auxiliar (longa manus) do Legislativo.

A criação de um tribunal de revisão de contas no Brasil sempre foi um sonho. Ela se inicia em
1826, com a criação do Tribunal de Revisão de Contas.

Em 1889, o Tribunal de Contas começa a se concretizar, a virar realidade, mas é efetivamen-


te criado em 1890, com a Proclamação da República. Desde então, ele vem ganhando mais
força e espaço como mecanismo de controle.

A CR/88 coloca o Tribunal de Contas em posição mais importante do que ele possuía anteri-
ormente.

3.1.2 – controle judicial

Controle judicial é o Poder Judiciário, no exercício da função jurisdicional, revendo a ativida-


de administrativa, ou seja, os atos do administrador.

Há a discussão clássica acerca dos limites do controle judicial dos atos administrativos. O
Poder Judicial realiza controle de legalidade, não de mérito. Vale lembrar que essa legalida-
de é entendida em sentido amplo (leis e regras constitucionais)46.

45
Marinela sugere, quanto ao tema, especialmente a leitura do texto constitucional. Quem tem inte-
resse em concursos para o TCU deve realizar a leitura dos informativos do TCU. A JusPodivm editará
obra acerca das Súmulas por ele expedidas.

46
Acerca do tema, recomenda-se a leitura da ADPF 45, que fala do controle judicial de políticas públi-
cas. No site de Marinela, há também a íntegra do voto em que o STF reconheceu, em repercussão
geral, o direito do candidato, aprovado em concurso dentro do número de vagas abertas, de ser no-
meado (jurisprudência já sólida no STJ).

280
As ferramentas de que dispõe o Judiciário para realizar esse controle são as diversas ações
judiciais, sendo algumas fundamentais: i) Mandado de Segurança; ii) Ação Popular; iii) Ação
Civil Pública; iv) Ação de Improbidade; v) Mandado de Injunção; vi) Ações ordinárias.

Vale lembrar que o mandado de injunção agora tem nova cara, pois a jurisprudência do STF
evoluiu para dar a ele efeitos concretos, e não o efeito meramente declaratório (lembre dos
exemplos da greve dos servidores e da aposentadoria especial dos servidores públicos).

Silêncio administrativo: nesse caso, o administrado vai à administração e pede uma licença
para construir, por exemplo, mas a administração não responde, configurando o silêncio
legislativo. A falta de resposta do administrador é um nada jurídico: não é resposta positiva
ou negativa. Em algumas situações, a lei prevê o que configurará o silêncio do administra-
dor, porém, na falta de previsão legal, a falta de resposta não produz efeitos. Ou seja, o si-
lêncio administrativo somente produz efeitos por determinação legal.

O administrado pode ir ao Judiciário buscar uma resposta. Hoje o entendimento é que a


falta de resposta do administrador pode ser discutida no Judiciário através do Mandado de
Segurança, por violação ao direito líquido e certo de petição. Na verdade, a CR prevê o direi-
to de pedir e também o de obter uma resposta. Assim, se o administrado vai à administra-
ção pede e não obtém resposta, violado está o direito de petição.

A orientação que prevalece hoje é que o Judiciário, ao receber essa ação não resolverá de
imediato a questão: o juiz deve fixar um prazo para que o administrador se manifeste, sob
pena da tomada de providências, como multa diária, configuração do crime de desobediên-
cia etc.

Cuidado, pois Celso Antônio tem posição minoritária no sentido de que se a hipótese for de
ato estritamente vinculado (mera conferência de requisitos), então o Judiciário pode resol-
ver a questão, conferindo os requisitos e autorizando o ato.

Infelizmente, a CR não estabelece prazo para a duração dos processos administrativos, di-
zendo apenas que eles devem durar prazo razoável. A definição de prazo razoável, todavia,
não existe.

3.1.3 – controle administrativo

Controle administrativo, obviamente, é aquele realizado por quem administra. Quando a


própria administração revê seus atos, dá-se o nome “autotutela”. Vale observar que a admi-
nistração pode controlar tanto os atos ilegais quanto os inconvenientes.

281
Se o Judiciário produz um ato administrativo, ele próprio poderá rever os seus atos? Ex.:
Poder Judiciário realizando concurso para prover seus cargos ou licitando para compra de
materiais. Obviamente, ele poderá rever seus atos administrativos – é o controle administra-
tivo, apesar de realizado pelo Judiciário. Note que nesse caso o Judiciário é o próprio admi-
nistrador.

O controle judicial ocorre quando o Judiciário revê os atos dos demais Poderes; quando revê
os seus próprios atos realiza controle administrativo.

Dessa forma, o controle administrativo pode ser feito pelo Judiciário, Legislativo e Executivo,
na hipótese em que o poder revê os seus próprios atos.

Dois órgãos importantes que realizam controle administrativo: Corregedoria-Geral da União


e Corregedorias de forma geral. Lembrar ainda do CNJ e CNMP que controlam a atividade
administrativa do Judiciário e Ministério Público, respectivamente. Eles nasceram com a EC
45/04.

3.2 – Quanto à extensão do controle

3.2.1 – controle interno

Controle interno é o que ocorre dentro da própria estrutura, dentro do próprio órgão res-
ponsável pela prestação da atividade. A autoridade pratica o ato e ele é fiscalizado pelo pró-
prio órgão que ela integra.

O controle interno tem uma ferramenta importante, chamada de “fiscalização hierárquica”.


Ela pressupõe, evidentemente, a existência de hierarquia. É o chefe revendo os atos de seus
subordinados.

Nem todo controle interno tem como base a hierarquia. A fiscalização hierárquica é um
exemplo de controle interno. É muito importante que se verifique, nesse controle, o atingi-
mento de metas, a aplicação das regras orçamentárias, o cumprimento de ordens dos supe-
riores etc.

3.2.2 – controle externo

Controle externo é aquele realizado por outros poderes. Exemplos são os exercidos pelas
Controladorias, pelos Tribunais de Contas etc.

282
Uma ferramenta que vale ser ressaltada, acerca deste tema, é o “controle externo popular”.
No Brasil, não há ainda a utilização ideal desse tipo de controle. Não há aqui essa cultura,
ainda que o país esteja caminhando nesse sentido. São exemplos de controle dos cidadãos:

i) audiências e consultas públicas:

O contrato de licitação de grande vulto, por exemplo, depende da realização de audiências


públicas. A consulta pública não é o momento de “bater panelas”. Esse tipo de reclamação
enseja o encerramento imediato da consulta popular, o que acaba por prejudicar o meca-
nismo. Havendo protestos, ninguém escuta o que fala o administrador, não são prestadas
adequadamente as informações e o ato acaba prejudicado.

As parcerias público-privadas também exigem a realização de consultas públicas. Trata-se de


outro importante exemplo de mecanismo de controle externo popular.

Na elaboração de algumas leis importantes (como a Lei de Responsabilidade Fiscal), é possi-


bilitada a participação popular, por meio de consultas públicas. Trata-se de importante ins-
trumento de controle popular da atividade legislativa.

ii) ação popular.

3.3 – Quanto à natureza do controle

3.3.1 – controle de legalidade

O controle de legalidade é entendido em sentido amplo: leis e regras e princípios constituci-


onais.

Podem realizar esse tipo de controle o Judiciário e a administração.

A consequência do controle de legalidade é a anulação do ato ilegal, ou seja, a retirada dele


do mundo jurídico. Diante de um ato ilegal, antes de tudo, o administrador tem de tentar
recuperá-lo. A primeira providência, portanto, é tentar salvar o ato, convalidando-o. Isso,
todavia, somente poderá ocorrer se o vício for sanável, ou seja, se o defeito estiver na forma
ou na competência (vale lembrar que nem todos os vícios de forma e competência são saná-
veis). Não tendo conserto, o ato deve ser anulado.

283
Se a anulação do ato causar mais prejuízo que a sua manutenção, há entendimento juris-
prudencial no STJ (não pacífico) no sentido de que ele deve ser mantido. É a chamada “esta-
bilização dos efeitos do ato”. Trata-se de tema novo e não pacífico, surgido especialmente
no STJ47.

3.3.2 – controle de mérito

Controle de mérito é o controle da conveniência e da oportunidade do ato, ou seja, da liber-


dade do administrador. É realizado pela própria administração e tem como ferramenta a
revogação do ato inconveniente ou inoportuno.

O Judiciário só faz controle de conveniência de seus próprios atos administrativos, não po-
dendo revogar atos discricionários dos demais Poderes.

Em regra, a revogação produz efeitos ex nunc, ou seja, não retroage.

Qual o prazo do qual dispõe a administração para revogar os seus atos? Para a revogação,
não há prazo. O controle pode ocorrer a qualquer tempo. O que se tem são limites materiais
(de conteúdo): não se admite, por exemplo, revogação de ato vinculado, ato que já exauriu
seus efeitos ou atos que produziu direito adquirido. São limites de conteúdo, mas não de
prazo temporal.

3.4 – Quanto à oportunidade

Oportunidade relaciona-se ao momento em que o controle é realizado.

3.4.1 – controle prévio (ou preventivo)

Prévio é o controle que ocorre antes da prática do ato. Ex.: a audiência pública ocorre antes
da realização do processo.

3.4.2 – controle concomitante

Concomitante é o controle que ocorre durante a prática do ato. Ex.: durante uma licitação, o
Tribunal de Contas verifica uma fraude e decide avocar o processo.

3.4.3 – controle subsequente, corretivo ou superveniente

47
Acerca do tema, ver artigo de Jacinto Arruda, no site de Marinela.

284
Subsequente é o controle que ocorre depois da prática do ato. Ex.: julgamento das contas
pelo Legislativo, controle feito pelo judiciário. Nele, haverá basicamente a anulação e a re-
vogação do ato.

3.5 – Quanto à hierarquia

3.5.1 – controle hierárquico

Hierárquico é o controle baseado na relação de subordinação, que tem como principal me-
canismo a fiscalização hierárquica (que também é ferramenta de controle interno). É o chefe
revendo as condutas de seus subordinados.

3.5.2 – controle finalístico

Finalístico é o controle que ocorre quando não há hierarquia. Verifica-se se o ente está
atendendo a finalidade para a qual foi criada. Instrumento importante de controle finalístico
é a supervisão ministerial, que ocorre quando a administração direta controla a indireta.

O controle finalístico estabelece-se entre a administração direta e a administração indireta e


em relação aos particulares. Fala-se, aqui, especialmente em hipótese de descentralização.

A supervisão ministerial pode representar controle de finalidade, de receitas e pode levar à


destituição dos dirigentes da administração indireta. Em regra, o chefe do Executivo nomeia
e exonera livremente os dirigentes da administração indireta, mas há exceções (nas agências
reguladoras, nas universidades públicas e no Banco Central os dirigentes não são livremente
nomeados ou exonerados).

285
RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO

1 – Introdução

No Brasil e no mundo, o Estado é um sujeito responsável. Não mais se concebe o Estado


ausente de capacidade e de responsabilidade.

As atividades prestadas pelo Estado na forma de serviços públicos são impostas à sociedade.
Os cidadãos não podem contestar, por exemplo, a prestação do serviço de segurança públi-
ca. O mesmo com relação à saúde pública, à educação, ao controle alfandegário, ao controle
de velocidade, ao controle de pesos e medidas, etc.

Se a atuação estatal é colocada para a sociedade de maneira impositiva, ou seja, se o cida-


dão tem de aceitar a realização das atividades pelo Estado, nada mais justo que a existência
de responsabilidade sobre a realização desse serviço.

Assim, se por um lado o Estado presta o serviço compulsoriamente, ele tem de ser por ele
responsabilizado. Isso justifica, inclusive, que haja maior rigor na responsabilização estatal,
comparativamente à privada (do direito civil), sujeitando-se o Poder Público a princípios
próprios e específicos no que concerne ao tema.

2 – Fundamento teórico da responsabilidade civil do Estado

Imagine que um Delegado de Polícia, durante o cumprimento de um mandado de prisão,


tortura o suspeito. Nesse caso, cabe responsabilidade civil do Estado em virtude do descum-
primento do dever de legalidade por parte do administrador (o Estado terá de indenizar).
Portanto, o grande fundamento teórico para a responsabilização do administrador, em de-
corrência das condutas ilícitas por ele praticadas, é o princípio da legalidade.

Imagine, agora, que o administrador construa um cemitério, um presídio ou um viaduto (ex.:


Minhocão) ao lado da casa de um sujeito, desvalorizando seu imóvel. Trata-se de uma con-
duta lícita e que beneficia a sociedade. Há o dever de indenizar, pelos prejuízos sofridos? É
justo que um saia perdendo para que todos ganhem? Perceba que, não sendo aquele sujeito
indenizado, haverá violação ao princípio da isonomia. Portanto, é exatamente esse funda-
mento da responsabilidade civil do Estado em decorrência de atividades lícitas: a sociedade
terá de indenizar para restabelecer o princípio da isonomia.

286
Assim, quando a questão disser respeito a uma conduta ilícita, o fundamento teórico da
responsabilidade civil do Estado é o princípio da legalidade; em se tratando de conduta líci-
ta, o fundamento teórico é o princípio da isonomia.

3 – Evolução da responsabilidade civil

Conforme se verificará, a responsabilidade civil do Estado evoluiu sempre com a finalidade


de proteger a vítima.

3.1 – Teoria da irresponsabilidade

No primeiro momento da evolução da responsabilidade do Estado, era o rei quem ditava as


regras, dizendo o que era certo e errado. O monarca jamais admitiria seu erro. Considerava-
se que ele nunca errava. Não se falava, portanto, em responsabilidade civil e indenização.

3.2 – Estado: um sujeito responsável em situações pontuais

A evolução do Estado como um sujeito responsável foi gradativa. Ele passa a ser responsabi-
lizado em situações específicas/pontuais/determinadas. Não se trata dessa responsabilidade
geral que há hoje.

Segundo a doutrina brasileira, a evolução da matéria no país começa aqui. O Brasil não pas-
sou pela fase da irresponsabilidade. Em 1889, já se imaginava o Estado como sujeito respon-
sável, em situações pontuais.

3.3 – Teoria subjetiva

A responsabilidade subjetiva envolve a presença de quatro elementos:

i) conduta estatal lesiva;

ii) dano: indenização sem dano é enriquecimento ilícito;

iii) nexo causal entre a conduta e o dano;

iv) elemento subjetivo: a prova da culpa ou do dolo do agente.

Veja que a responsabilidade subjetiva não depende somente do dolo ou da culpa. Num con-
texto de teoria subjetiva, para receber indenização, um sujeito atropelado por um carro do
Estado tem de demonstrar a presença de todos esses elementos. Da mesma forma, para a
exclusão da responsabilidade, basta o Estado demonstrar a ausência de um deles.

287
A responsabilidade subjetiva, portanto, somente pode ser aplicada em se tratando de con-
dutas ilícitas. Na época em que vigorava apenas a teoria subjetiva, não se indenizavam con-
dutas lícitas.

Imagine que, em virtude do risco de desabamento de uma encosta, a administração constrói


um muro de arrimo. Numa tempestade, o muro é destruído, causando prejuízos a uma cau-
sa que ficava na encosta. Num primeiro momento, para a caracterização da responsabilida-
de do Estado, a vítima tinha de demonstrar a culpa do agente responsável pela obra realiza-
da. Ocorria um verdadeiro jogo de empurra-empurra, que ia do Prefeito ao engenheiro e
chegava até o mestre de obras. A vítima, que não integrava a administração, tinha muita
dificuldade para demonstrar de quem efetivamente era a culpa, e acabava ficando muitas
vezes sem a indenização.

3.4 – Teoria da culpa do serviço

Por conta da dificuldade exposta no item anterior, surgiu a teoria da culpa do serviço. Nessa
fase, a vítima não precisava mais se preocupar em demonstrar quem era o agente e a culpa
com que ele teria agido. Bastava demonstrar a culpa do serviço, ou seja, que o serviço não
fora prestado, fora prestado de forma ineficiente ou com atraso. Não era mais necessário
que a vítima apontasse a pessoa física do agente.

Esta teoria também foi chamada de “culpa anônima”, pois passou a não mais interessar a
pessoa do agente prestador do serviço. Ela foi criada na França, onde foi chamada de “teoria
da faute du service”. No Brasil, ela passa a ser utilizada a partir do Código Civil de 1916.

3.5 – Teoria objetiva

Com o objetivo de proteger ainda mais a vítima, a responsabilidade civil do Estado evolui
para a teoria objetiva. No Brasil, ela foi reconhecida a partir da Constituição de 1946. É a que
prevalece ainda hoje.

A teoria objetiva depende da observância de somente três elementos: conduta lesiva, dano
e nexo. Não é necessária a prova do elemento subjetivo: a culpa ou o dolo.

A responsabilidade objetiva passa a gerar dever do Estado de indenizar tanto condutas ilíci-
tas como lícitas. Foi um salto importante, uma grande evolução em tema de responsabilida-
de civil do Estado.

Há basicamente duas teorias relacionadas às excludentes da responsabilidade na teoria ob-


jetiva:

288
i) teoria do risco integral:

A teoria do risco integral não admite excludentes de responsabilidade, ainda que a escolha e
o risco adotados tenham sido da própria vítima. Quando essa teoria for aplicada, o Estado
terá necessariamente de indenizar. Ex.: um sujeito resolve praticar suicídio em tanque de
substância nuclear. Pela teoria do risco integral, o Estado responde.

ii) teoria do risco administrativo:

É a teoria adotada no Brasil. Na teoria do risco administrativo, admitem-se excludentes de


responsabilidade. Aqui, o raciocínio é o mesmo para a exclusão da responsabilidade subjeti-
va: se faltar um dos elementos do tripé (conduta, dano e nexo), a responsabilidade resta
afastada.

Como se diz, a exclusão da responsabilidade objetiva ocorreria somente havendo caso for-
tuito, força maior ou a culpa exclusiva da vítima. Ocorre que, nesses três casos, não há con-
duta do Estado. Essas três hipóteses são exemplos de exclusão (trata-se de um rol exemplifi-
cativo). Caso não haja dano, por exemplo, não haverá responsabilidade.

Imagine um motorista da administração, dirigindo o carro da administração como um louco,


que atropela cinco pessoas na calçada. Há conduta do Estado, dano e nexo causal, de modo
que o Estado responderá. No mesmo exemplo, se o sujeito, ao revés, está dirigindo o carro
de forma cautelosa, seguindo as normas de trânsito, e atropela um maluco que pula na fren-
te do carro, para a prática de suicídio, o Estado não responderá. Por fim, caso, ao mesmo
tempo, o motorista estatal esteja dirigindo loucamente e o maluco pule na frente do carro,
haverá culpa concorrente (ambos contribuíram para o evento). A culpa concorrente não
exclui a responsabilidade do Estado, mas a indenização será reduzida: cada um (Estado e
indivíduo) indenizarão de acordo com a sua participação no evento. Caso não seja possível
estimar a parcela de cada um, a jurisprudência entende que a indenização tem de ser dividi-
da no meio (no exemplo, o Estado pagará 50%).

A despeito de a teoria do risco administrativo ser a aplicada no Brasil, a doutrina tradicional


(Hely Lopes Meirelles) já defendia que, excepcionalmente, seria possível a aplicação da teo-
ria do risco integral, em se tratando de danos nucleares, dano decorrente de material bélico
e dano ambiental. Os autores modernos divergem sobre isso, mas a matéria ainda cai em
concurso dessa forma.

O que diferencia, portanto, a teoria subjetiva da objetiva são: a ausência de um elemento na


sua configuração (culpa ou dolo) e a possibilidade de indenização em decorrência de condu-
ta lícita, em se tratando da teoria objetiva.

289
4 – Tipos de responsabilidade

A análise dos tipos de responsabilidade será aprofundada por ocasião do estudo da impro-
bidade administrativa. Aqui, vale observar que uma mesma conduta praticada pelo agente
público pode caracterizar três ilícitos diferentes, que serão apurados em três processos dife-
rentes:

i) ilícito administrativo:

Trata-se de uma infração funcional prevista no Estatuto. Para processá-la e puni-la, deve
ocorrer a instauração de um processo administrativo disciplinar.

ii) ilícito penal (crime):

Para a punição de um crime, evidentemente é necessária uma ação penal.

iii) ilícito civil:

Para processar e punir o ilícito civil, é ajuizada uma ação de natureza civil.

Veja que a regra é a independência das instâncias, de modo que pode haver decisões diver-
gentes em cada uma delas. Excepcionalmente, todavia, haverá comunicação. A hipótese
primeira diz respeito à absolvição na esfera penal por conta da inexistência de fato e da ne-
gativa de autoria: nesses casos, o agente será absolvido nos âmbitos civil e administrativo.

Há uma segunda situação em que haverá comunicação entre os processos: se no processo


penal restar reconhecida uma excludente de ilicitude, essa decisão faz coisa julgada no cível.
Isso não significa, entretanto, que no cível haverá a absolvição. Significa simplesmente que a
excludente não será rediscutida no cível.

5 – Quadro atual da responsabilidade civil do Estado no Brasil

Como visto, desde 1946 a regra no Brasil é a da responsabilidade objetiva. Vale ressaltar que
este estudo trata da responsabilidade aquiliana ou extracontratual. Havendo contrato, a
responsabilidade será a que nele estiver prevista.

O fundamento da responsabilidade civil do Estado brasileiro está previsto no art. 37, § 6º, da
CR:

Art. 37 (...) § 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestado-

ras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, cau-

sarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de do-

290
lo ou culpa.

6 – Elementos definidores da responsabilidade

6.1 – Sujeitos

O art. 37, § 6º, da CR diz que as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado
prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualida-
de, causarem a terceiros.

Da análise do dispositivo, é possível identificar diferentes sujeitos:

i) pessoa jurídica de direito público e pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviço
público:

São pessoas jurídicas de direito público da administração direta os entes políticos: União,
estados, DF e municípios. São pessoas jurídicas de direito público da administração indireta:
autarquias e fundações públicas de direito público.

São pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público: as empresas públicas
e sociedades de economia mista (que prestem serviços públicos, e não as exploradoras de
atividade econômica), as fundações públicas de direito privado, as concessionárias, permis-
sionárias e autorizatárias de serviço público.

ii) agentes:

As constituições anteriores falavam em “empregados”, “servidores”, “funcionários” etc., o


que gerava dúvidas acerca da aplicabilidade de eventual instituto a um tipo de agente ou
outro. Havia sempre quem tentasse escapar da previsão de responsabilidade. A CR/88 solu-
ciona essa séria questão, falando simplesmente em “agente”, que é todo aquele que exerce
função pública, de forma temporária ou permanente, com ou sem remuneração.

Importante verificar que o Estado responde pelos atos de seus agentes que nesta qualidade
(de agente) exercem função pública e causam prejuízo a terceiro.

Como regra, a indenização é cobrada da pessoa jurídica.

Imagine um motorista do INSS que atropela uma vítima. Quando a autarquia responde pelo
ato de um agente seu, tal modalidade de responsabilidade é chamada de “primária”.

O que ocorre, todavia, se a autarquia não tiver dinheiro para pagar? O serviço público é de-
ver do Estado. Quando o Estado descentraliza o serviço, ele permanece responsável (a des-

291
centralização é problema do Estado), de modo que, na ausência de recursos da autarquia
para pagar a indenização, o Estado é chamado à responsabilidade.

Veja que essa responsabilidade do Estado pela dívida da autarquia é subsidiária: ele somen-
te pagará se a autarquia não tiver dinheiro. No exemplo, na medida em que o Estado será
responsabilizado pelo motorista da autarquia (pelo ato de um agente de outra pessoa jurídi-
ca), tal responsabilidade será chamada de “secundária”.

Assim, na responsabilidade primária, o agente é próprio da pessoa jurídica. Na responsabili-


dade secundária, ele pertence a pessoa jurídica diversa da que está pagando a conta. Em
outras palavras, na responsabilidade secundária, haverá subsidiariedade do Estado na res-
ponsabilização pelo ato do agente pertencente à outra pessoa. Vale lembrar que a respon-
sabilidade subsidiária não se confunde com a solidária.

Processualmente falando, entretanto, como funcionará a questão? Caso o Estado, no caso


acima, não tenha participado da ação de conhecimento, ele não poderá ser chamado na
execução. Em virtude da subsidiariedade da responsabilidade estatal, ele não pode ser cha-
mado de início (a responsabilidade não é solidária, mas subsidiária). Será necessário, dessa
forma, ajuizar outra ação contra o Estado. O problema é que a prescrição continua correndo.
Na prática, portanto, apesar do reconhecimento da responsabilidade subsidiária, ela é letra
morta, pois não há um instrumento jurídico para fazê-la valer.

iii) vítima:

A vítima da responsabilidade civil objetiva do Estado (art. 37, § 6º, da CR) pode ser o usuário
e o não usuário do serviço.

Houve uma decisão isolada do STF, posição essa de que o Tribunal já reconsiderou, em que
restara reconhecida a responsabilidade objetiva para o usuário do serviço e subjetiva para o
não usuário. Tratava-se de uma colisão de um ônibus com um carro: para os passageiros, foi
reconhecida a responsabilidade objetiva; para o veículo, foi determinada a responsabilidade
civil. O entendimento despencou em concurso.

Em vista dos problemas que essa orientação gerou, relativa principalmente à dificuldade
para a determinação de quem seja ou não usuário, ela mudou: a responsabilidade será obje-
tiva sempre, quer se trate de usuário ou de não usuário do serviço (RE 591.874, em que foi
reconhecida repercussão geral, com julgamento de mérito).

6.2 – Conduta lesiva

292
Há três tipos de condutas lesivas que podem chamar o Estado à responsabilidade:

i) conduta comissiva:

A conduta comissiva é uma ação. No Brasil, em se tratando de um fazer do administrador, a


teoria aplicável é a objetiva. Como dito, a teoria admite a responsabilização por condutas
lícitas (pelo princípio da isonomia) e por condutas ilícitas (em virtude do princípio da legali-
dade).

Se, durante uma perseguição policial, o agente requisitar o automóvel de um terceiro e ba-
ter num poste, o Estado terá de indenizar pelos prejuízos, ainda que sua conduta seja lícita
(na medida em que autorizada constitucionalmente). Caso, agora, um Delegado torture um
preso ao cumprir o mandado de prisão, a responsabilidade estatal decorrerá de ilícito prati-
cado por seu agente. Caso a administração apreenda determinadas revistas sendo vendidas
em desacordo com as determinações e as destrua, sem contraditório e ampla defesa, tal
conduta será também considerada ilícita.

ii) conduta omissiva

Para a maioria da doutrina, em se tratando de conduta omissiva, prevalece que a teoria apli-
cável é a subjetiva.

Todavia, em decisões recentes da jurisprudência, percebe-se um reconhecimento da teoria


objetiva na omissão. Marinela considera que a responsabilidade, nesse caso, é subjetiva,
mas há uma linha tênue entre ela e a objetiva. Provavelmente, essa orientação majoritária
se alterará em breve.

De todo modo, na omissão, a teoria subjetiva possui alguns requisitos a mais. Como visto,
ela depende de conduta ilícita. No caso do administrador que não faz, a ilicitude da conduta
está no descumprimento de um dever legal de agir.

Além do descumprimento do dever legal, na responsabilidade por omissão o dano tem de


ser evitável. No caso de um veículo furtado na rua, por exemplo, o Estado não responde
pelo descumprimento do dever de segurança. Contudo, se na rua houvesse uma guarita,
com dois policiais, que assistissem à subtração, o Estado poderia ter evitado o dano, de mo-
do que haverá a responsabilidade do ente público.

Por fim, caso detento pratique suicídio com os lençóis (ou a roupa) do colega, o Estado res-
ponde? Veja que o preso está sob a tutela do Estado e houve o descumprimento de um de-
ver estatal segurança. Todavia, o dano não era evitável. O Estado não é salvador universal,
anjo da guarda, de modo que ele não responde, nesse caso. Entretanto, se o sujeito pratica

293
o suicídio com uma arma que entrou no bolo da visita, o Estado responde, pois a entrada da
arma era evitável.

O Estado deve estar dentro do que é possível, ou seja, deve prestar o serviço nos termos do
princípio da reserva do possível. Somente haverá responsabilidade se a atividade foi presta-
da fora do padrão normal, fora do que era possível.

iii) risco criado pelo Estado (ou risco suscitado):

São situações em que o Estado cria um risco maior que o necessário. Trata-se de uma con-
duta comissiva estatal, uma ação geradora de risco, de modo que a teoria aplicável nesse
caso é a objetiva.

Quando o Estado cria um cruzamento e coloca um semáforo, ele assume (cria/suscita) o


risco pelo defeito do equipamento. Por isso, terá de responder objetivamente.

No caso do preso que foge do presídio, mata uma pessoa, rouba o carro e os bens do vizinho
do presídio, o Estado responde? Para a jurisprudência, quando o Estado coloca um presídio
no meio de uma cidade, ele assume o risco, de modo que sua responsabilidade será objeti-
va.

Entretanto, caso a vítima seja uma pessoa que reside longe do presídio, a responsabilidade
estatal será subjetiva. Quebra-se, aqui, o nexo de risco. A responsabilidade do Estado será
por omissão (subjetiva).

Por fim, caso tenha sido construído presídio longe da cidade e as pessoas lá vão morar pos-
teriormente, ainda assim a responsabilidade será objetiva, na medida em que incumbe ao
Estado a concessão de licenças para construir.

6.3 – Dano indenizável

Imagine a construção de um museu em determinado local. No entorno, são construídas lojas


e lanchonetes. Com a mudança do museu de lugar, esses comerciantes quebrarão. Entretan-
to, esse dano econômico não gera responsabilidade. O Estado não indeniza dano econômico
por si só, somente o jurídico (a lesão a um direito). Os comerciantes não tinham direito à
manutenção do museu.

O dano indenizável também tem de ser certo, entendido como aquele determinado ou de-
terminável.

294
Em se tratando de responsabilidade por conduta lícita, além de certo e jurídico, o dano terá
de ser especial e anormal. Especial é o dano particularizado. Ex.: o prefeito de uma cidade é
um péssimo administrador. Ele prejudica, nesse caso, toda uma cidade. O Estado, entretan-
to, não terá de indenizar, pois o dano não é particularizado. O mesmo ocorrerá no caso de
uma obra causando trânsito imenso ou na responsabilidade do Estado pela poluição da ci-
dade. Todos sofrem, nesses exemplos (o dano não é especial). Também, nesses casos, o
dano não é anormal.

7 – Ação judicial

7.1 – Sujeito passivo

Imagine que a vítima de um acidente de trânsito ajuíza ação de indenização contra uma
pessoa jurídica de direito público. O Estado, se condenado a indenizar, tem direito de re-
gresso contra o agente causador do dano. A CR diz, entretanto, que o agente somente res-
ponderá se agir com culpa ou dolo.

Assim, na relação entre o Estado e o agente, aplica-se a teoria subjetiva: deve haver prova
do elemento subjetivo.

Partindo desses pressupostos, pode a vítima escolher contra quem ajuizará a ação? Para a
doutrina majoritária e para o STJ, ela pode escolher. Se ajuizar contra a pessoa jurídica, tem
o benefício da objetividade. Se ajuizar contra o agente, terá de comprovar o elemento subje-
tivo.

No STF, entretanto, a posição é contrária: a vítima tem de ajuizar ação contra a pessoa jurí-
dica, e não contra a pessoa física. O STF traz dois fundamentos: i) princípio da impessoalida-
de: os atos não são do agente, mas da pessoa jurídica, ou seja, o ato administrativo é impes-
soal; e ii) teoria da imputação: quando o agente manifesta sua vontade é como se o próprio
Estado o estivesse fazendo.

Marinela recomenda a adoção da posição do STF em concurso, apesar de não concordar


com ela.

7.2 – Denunciação da lide

Pode o Estado, na ação indenizatória, denunciar a lide ao agente causador do dano? Lembre
que a denunciação da lide é uma forma de intervenção de terceiros que tem como um de
seus fundamentos o direito de regresso.

295
Para a doutrina brasileira não, por duas razões: i) ao trazer o agente ao processo, abre-se a
possibilidade de discussão do elemento subjetivo, e isso representaria trazer fato novo no
processo, incabível na denunciação; ii) a denunciação atrasará o processo, produzindo efeito
procrastinatório para a vítima.

Essa não é a posição da jurisprudência. Para o STJ, a denunciação da lide é possível e até
aconselhável, por representar economia e celeridade processual. Para o Tribunal, entretan-
to, quando o Estado denuncia, ele assume a culpa do agente (e, por consequência, sua res-
ponsabilidade), devendo necessariamente indenizar a vítima. Trata-se de uma decisão que
deve fazer o do Estado-réu.

7.3 – Prescrição

De acordo com o art. 1º do Decreto 20.910/1932, o prazo prescricional contra o Estado é de


5 anos:

Art. 1º As dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e

qualquer direito ou ação contra a Fazenda federal, estadual ou municipal, seja qual for a

sua natureza, prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se origi-

narem.

Com o advento do CC/2002, o art. 206, § 3º, passou a determinar que o prazo prescricional
para a reparação civil seria de três anos:

Art. 206. Prescreve: (...)

§ 3º Em três anos: (...)

V - a pretensão de reparação civil; (...)

O STF sempre decidiu e continua decidindo que o prazo é de 5 anos. O STJ, que no passado
decidia pelo prazo de 5, passou a decidir pelo de 3 anos.

Marinela sempre entendeu que o prazo seria de cinco anos, mas em determinada edição do
seu livro mudou de ideia. Isso porque o Decreto 20.910/1932 determina que o prazo é de
cinco anos se outro mais favorável não houver:

Art. 10. O disposto nos artigos anteriores não altera as prescrições de menor prazo, cons-

tantes das leis e regulamentos, as quais ficam subordinadas às mesmas regras.

Ocorre que as posições do final de 2010 e 2011 do STJ passaram a ficar com os 5 anos. O
mesmo Ministro, que defendia o prazo de 3 anos, passou a defender o de 5.

296
No Informativo nº 512, a Primeira Seção decidiu, sob a sistemática dos recursos repetitivos,
que o prazo prescricional aplicável às ações indenizatórias ajuizadas contra a Fazenda Públi-
ca é o quinquenal, previsto no art. 1º do Dec. nº 20.910/1932. Entenderam os Ministros que
o Decreto é lei especial, devendo prevalecer (REsp 1.251.993-PR, julgado em 12/12/2012).
Aparentemente, esse é o posicionamento que prevalecerá para fins de concurso.

A ação de regresso em face do agente, entretanto, é imprescritível (art. 37, § 5º, da CR):

Art. 37 (...) § 5º - A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por

qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respec-

tivas ações de ressarcimento.

297
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

O estudo da improbidade divide-se em duas partes, a material e a processual. Neste tópico,


será analisada a parte material, ainda que alguns pontos do processo venham a ser tratados,
sem, contudo, serem aprofundados. A parte processual será estudada em direito processual
civil.

1 – Conceito de probidade administrativa

Probidade é integridade. Administrador probo, portanto, é aquele que age com honra, ho-
nestidade, retidão de conduta, correção, lealdade. É o que se deseja, o que se espera de
alguém que gere a coisa pública. Quando o administrador desrespeita essas características,
ele age com improbidade administrativa.

Para fins de concurso, o posicionamento majoritário da doutrina afirma que moralidade e


probidade, enquanto princípios, são expressões sinônimas, em razão de a CR ter menciona-
do em seu texto a moralidade como princípio no art. 37, caput e a improbidade como lesão
ao mesmo princípio.

2 – Conceito de improbidade administrativa

Improbidade administrativa é o designativo técnico para corrupção administrativa. Ela pro-


move o desvirtuamento da função pública e o desrespeito à ordem jurídica (ex.: desobedi-
ência aos princípios da ordem jurídica, como a legalidade).

A improbidade administrativa revela-se de várias formas:

i) enriquecimento ilícito:

A forma mais visível de improbidade é aquela de que decorre enriquecimento ilícito.

ii) exercício nocivo da função pública:

Além do enriquecimento ilícito, a improbidade pode se revelar através do exercício nocivo


da função pública. Ex.: administrador faltoso, que engaveta processos, que não cobra ou
executa quando deveria fazê-lo, enfim, que trabalha negativamente aos interesses da admi-
nistração.

iii) tráfico de influências:

298
A improbidade também é muito comum de se revelar no Brasil através do tráfico de influên-
cias. É, por exemplo, o aproveitamento de amigos e parentes de informações privilegiadas
etc.

iv) desprestígio da maioria em benefício da minoria:

Por fim, fala-se em improbidade administrativa com o desprestígio da maioria em benefício


da minoria. Ex.: uma estrada que passa por um caminho “X” não por ser benéfica à popula-
ção local, mas por margear exatamente a fazenda do político, valorizando-a.

3 – Fonte constitucional da improbidade

Na CR, há pelo menos quatro dispositivos que falam de improbidade:

i) art. 14, § 9º:

Art. 14 (...) § 9º Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os pra-

zos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para

exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legiti-

midade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de

função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta. (Redação dada pela

Emenda Constitucional de Revisão nº 4, de 1994)

O dispositivo trata da improbidade no período eleitoral, praticada pelo político candidato à


eleição. Caracterizada, essa improbidade eleitoral poderá inclusive implicar na perda do
mandato. Este ponto será estudado em direito eleitoral.

ii) art. 15, V:

Art. 15. É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos

casos de: (...)

V - improbidade administrativa, nos termos do art. 37, § 4º.

O dispositivo veda a cassação e a suspensão dos direitos políticos, permitindo a suspensão


em razão de improbidade administrativa.

iii) art. 85, V:

Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem

contra a Constituição Federal e, especialmente, contra: (...)

V - a probidade na administração;(...)

299
O dispositivo trata dos crimes de responsabilidade do Presidente da República e prevê que a
prática de improbidade administrativa pelo Presidente configura uma hipótese de crime de
responsabilidade. Neste caso, ele será processado em processo de impeachment e, se con-
denado, haverá a cassação de seu mandato e a suspensão de seus direitos políticos.

iv) art. 37, § 4º:

Art. 37 (...) § 4º - Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos di-

reitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento

ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.

O art. 37, § 4º é o dispositivo que mais importará neste estudo. Ele trata das medi-
das/sanções de improbidade: perda de função, ressarcimento, suspensão dos direitos políti-
cos e a indisponibilidade de bens, além das medidas penais cabíveis.

Para regulamentar a improbidade administrativa, disciplinando o dispositivo constitucional,


foi promulgada a Lei 8.429/1992. Também chamada de Lei do Colarinho Branco, é leitura
obrigatória. Ela ainda é o que preocupa os administradores no Brasil. É uma lei boa, mas cuja
aplicação passou por um longo período de suspensão. Por essa razão, a jurisprudência não é
consolidada acerca de diversos assuntos (ex.: foro por prerrogativa para o julgamento das
ações de improbidade, sujeição dos agentes políticos, questões relacionadas à inconstituci-
onalidade formal e material etc.).

A lei foi objeto de controle de constitucionalidade por meio da ADI 2182, que discutia a sua
inconstitucionalidade formal (não foi a única ADI). Dizia-se que houve falhas no procedimen-
to de elaboração da lei, mas o pedido foi julgado improcedente, tendo o STF afastado a dis-
cussão de inconstitucionalidade.

Hoje, ainda há alegação de inconstitucionalidade material da lei, pois os atos de improbida-


de não são tipificados. Ou seja, não há o verbo, a descrição clara das condutas ímprobas. Até
agora, todavia, nada ocorreu de concreto no sentido de se declarar tal inconstitucionalidade.

As demais discussões (foro privilegiado na ação de improbidade e a sujeição dos agentes


políticos) serão tratadas adiante.

A Lei 8.429/1992 amplia as medidas (sanções) de improbidade previstas na CR. O rol legal é
bem maior, prevendo, por exemplo, sanção civil, proibição de contratar com o Poder Público
e outras que serão vistas adiante.

300
A Lei de Improbidade é de âmbito nacional ou federal? Caso se entenda que é nacional, ela
servirá para todo o território brasileiro e para todos os entes da Federação; caso se entenda
que é federal, ela somente será usada para a União.

A competência legislativa para tratar de improbidade não está expressamente prevista em


um dispositivo da CR. Na verdade, ela é definida por exclusão (por vias tortas). Veja, a CR diz
que são medidas de improbidade o ressarcimento, a suspensão de direitos políticos, a indis-
ponibilidade de bens. Trata-se, portanto, de direito civil, eleitoral etc., matérias de compe-
tência legislativa privativa da União (art. 22, I, da CR):

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:

I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, es-

pacial e do trabalho; (...)

Na medida em que compete “privativamente” à União legislar sobre esses temas, ou seja, se
a União disciplina medidas de improbidade, ela também tem de disciplinar a improbidade.

A doutrina, na verdade, acha um caminho para a definição dessa competência, exercitada


pela União na Lei 8.429/1992, que é norma é de âmbito nacional, servindo a todos os entes,
e não somente à União.

4 – Natureza jurídica do ilícito de improbidade

O ilícito de improbidade tem natureza civil, penal ou administrativa?

A CR, no art. 37, § 4º, diz que são medidas de improbidade aquelas ali previstas, sem prejuí-
zo da ação penal cabível. Assim, é possível concluir de plano que o ilícito de improbidade
não tem natureza penal. É proibido, portanto, falar “crime de improbidade”, ainda que a
imprensa assim o faça. A designação correta é ato ou ilícito de improbidade. As sanções de
improbidade são diferentes das sanções penais.

Todo crime contra a administração é um ato de improbidade, mas nem todo ato de impro-
bidade é crime contra administração. Com efeito, pode haver ato de improbidade que não
configure uma das condutas tipificadas como delito no CP, pois o ato de improbidade pode
ser praticado por simples desrespeito a um princípio. O rol de improbidade, portanto, é mais
amplo.

É possível que uma mesma conduta esteja prevista como ilícito de improbidade administra-
tiva na Lei de Improbidade e como crime no CP. Ou seja, a mesma conduta pode tipificar
ambos os ilícitos.

301
O ilícito de improbidade também não tem natureza administrativa. Para processar e punir
um ilícito de improbidade, existem as medidas previstas na Lei 8.429/1992 (sanções próprias
da improbidade: ressarcimento, multa civil, proibição de contratar etc.). Para processar e
punir este ilícito, é necessária uma ação judicial.

Para que determinada conduta seja um ilícito administrativo, deve-se perquirir se ela está
enquadrada dentre as infrações funcionais previstas no Estatuto do Servidor. Para processar
e punir esse ilícito, é necessário um processo administrativo disciplinar.

A improbidade não tem as mesmas características do ilícito administrativo. As sanções de


improbidade são diferentes das funcionais (advertência, suspensão, demissão), assim como
o processo para julgamento. Assim, um ilícito de improbidade também não tem natureza
administrativa.

Portanto, o ilícito de improbidade tem natureza civil. Assim decidiu o STF, na ADI 2797.

Atenção! É importante repetir que a mesma conduta pode ser caracterizada, ao mesmo
tempo, como ilícito penal (crime), definido no CP, processado e punido através de uma ação
penal; ilícito administrativo, representando uma infração funcional determinada pelo Estatu-
to do Servidor (processado e punido via processo administrativo disciplinar); e ilícito civil,
caracterizado como ato de improbidade pela Lei de Improbidade (processado e punido atra-
vés de uma ação de natureza civil).

Não há bis in idem nessas diferentes punições, pois são ilícitos de naturezas diferentes, que
gerarão sanções em searas diversas.

Como visto, é possível haver decisões diferentes em cada um desses processos, pois entre
eles ocorre o que se chama de “independência das instâncias”. Essa é a regra. Todavia, ex-
cepcionalmente haverá comunicação. A principal hipótese, que interessa neste estudo, é
aquele em que o sujeito é absolvido na esfera penal por inexistência do fato ou por negativa
de autoria. Nesses dois casos, haverá também absolvição nas demais instâncias (art. 935 do
CC, art. 126 da Lei 8.112/1990 e art. 66 do CPP):

Art. 935. A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar

mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões

se acharem decididas no juízo criminal.

Art. 126. A responsabilidade administrativa do servidor será afastada no caso de absolvi-

ção criminal que negue a existência do fato ou sua autoria.

302
Art. 66. Não obstante a sentença absolutória no juízo criminal, a ação civil poderá ser

proposta quando não tiver sido, categoricamente, reconhecida a inexistência material do

fato.

Uma segunda excludente que vale ressaltar, mas que não gera absolvição total, está prevista
no art. 65 do CPP, que trata do reconhecimento de excludente penal:

Art. 65. Faz coisa julgada no cível a sentença penal que reconhecer ter sido o ato pratica-

do em estado de necessidade, em legítima defesa, em estrito cumprimento de dever legal

ou no exercício regular de direito.

Se no processo penal ficar reconhecida uma excludente penal, esse reconhecimento faz
coisa julgada para o processo civil. Isso não significa que o sujeito será absolvido no civil,
mas que o assunto não mais será discutido naquela esfera.

A discussão acerca da existência de bis in idem ocorreu no que se refere aos crimes de res-
ponsabilidade. Como visto, o ilícito de improbidade tem natureza civil. Parte da doutrina,
todavia, diz que as sanções de improbidade atingem também a seara política, e o crime de
responsabilidade é sancionado através de punições de natureza política. Isso deu causa à
discussão segundo a qual o agente político não responderia por improbidade, pois estaria
respondendo duas vezes com sanções políticas (a seara política estaria sendo duplamente
atingida). Então, para essa parcela da doutrina, haveria bis in idem na punição por improbi-
dade e por crime de responsabilidade. O tema será tratado com mais detalhes adiante.

5 – Elementos constitutivos (definidores) da improbidade

Os sujeitos ativo e passivo do ato de improbidade não são os mesmos da ação de improbi-
dade.

O sujeito passivo do ato de improbidade é a vítima, aquela que sofre o desvio/a lesão. O
sujeito ativo do ato de improbidade é o agente ímprobo, aquele que desvia o dinheiro.

Relativamente à ação de improbidade, a vítima do ato (a pessoa jurídica que sofreu a lesão)
é parte legítima para ajuizar a ação de improbidade. O agente ímprobo, por sua vez, será réu
naquele processo.

Veja, portanto, que há inversão dos papéis, caso se olhe para o ato de improbidade ou para
a ação de improbidade. Deve-se atentar para essa diferença nas provas de concurso. Neste
tópico, será analisado o ato de improbidade. A ação será estudada em processo civil.

5.1 – Sujeito passivo do ato de improbidade

303
Sujeito passivo, como visto, é aquele que pode sofrer o ato de improbidade. Para a existên-
cia de improbidade administrativa, é essencial imaginar um cenário público. O empregado
de uma empresa privada que embolsa dinheiro não pratica ato dessa natureza.

5.1.1 – art. 1º, caput, da Lei de Improbidade

O art. 1º, caput, prevê as possíveis vítimas de atos de improbidade:

Art. 1º Os atos de improbidade praticados por qualquer agente público, servidor ou não,

contra a administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União,

dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Território, de empresa incorporada

ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorri-

do ou concorra com mais de cinquenta por cento do patrimônio ou da receita anual, se-

rão punidos na forma desta lei. (...)

i) as pessoas da administração direta (União, estados, Distrito Federal e municípios);

ii) as pessoas da administração indireta;

Veja que o dispositivo fala em “administração direta, indireta ou fundacional”. A administra-


ção indireta é composta por autarquias, fundações públicas, empresas públicas e sociedades
de economia mista. A fundação pública, portanto, já está na administração indireta. Precisa-
va o legislador dizer “fundacional”? Hoje não, mas em 1992, quando foi editada a lei, havia
discussão sobre se a fundação estava ou não na administração indireta. Para que não hou-
vesse dúvidas, a administração fundacional inserida no dispositivo.

iii) territórios;

iv) pessoas jurídicas incorporadas pelo Poder Público (são as empresas adquiridas pelo Po-
der Público);

v) entidades para cuja criação (constituição) ou custeio o erário haja concorrido ou concorra
com mais de cinquenta por cento do patrimônio ou da receita anual (manutenção corrente,
despesa diária).

Então, se quando da criação da entidade o Estado tiver concorrido com mais de 50% do pa-
trimônio, ou se para a manutenção da entidade o Estado participe com mais de 50% de sua
receita anual, trata-se da entidade prevista no art. 1º, caput.

5.1.2 – art. 1º, parágrafo único

304
Além das pessoas previstas no caput, a Lei de Improbidade, no art. 1º, parágrafo único, pre-
vê outros dois possíveis sujeitos passivos:

Art. 1º (...) Parágrafo único. Estão também sujeitos às penalidades desta lei os atos de im-

probidade praticados contra o patrimônio de entidade que receba subvenção, benefício

ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público bem como daquelas para cuja criação

ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com menos de cinquenta por cento do

patrimônio ou da receita anual, limitando-se, nestes casos, a sanção patrimonial à reper-

cussão do ilícito sobre a contribuição dos cofres públicos.

i) aquelas mesmas entidades previstas no caput (item “v” acima), mas para as quais o Erário
haja concorrido com menos de 50% (veja que no caput a lei fala de mais, e no parágrafo
único a Lei fala de menos de 50%);

Portanto, o que diferencia as entidades que estão no caput e no parágrafo único do art. 1º?

Imagine uma entidade, para cuja criação o Erário haja concorrido com mais de 50%, que
tenha sofrido um desvio de R$ 100.000,00. Veja que esse desvio não foi todo de dinheiro
público. Imagine que, desse valor desviado, apenas R$ 80.000,00 correspondia a dinheiro
público. Os outros R$ 20.000,00 eram dinheiro privado. A ação de improbidade, nesse caso
discutirá, cobrará e imporá sanção patrimonial pelos R$ 100.000,00 ou apenas pelo R$
80.000,00? Nesse caso, a ação de improbidade discutirá a totalidade do desvio (a repercus-
são da sanção será sobre os R$ 100.000,00).

Caso se tratasse de entidade prevista no parágrafo único, para a qual o Estado concorre com
menos de 50%, desviados os mesmos R$ 100.000,00 e imaginando-se que somente R$
30.000,00 eram efetivamente dinheiro público, indaga-se: a ação de improbidade discutirá
quanto? Veja que, em se tratando de entidade para a qual o Erário concorra com menos de
50%, a ação de improbidade somente irá discutir aquilo que repercutiu nos cofres públicos.
Ou seja, somente será pedida a devolução dos R$ 30.000,00.

ii) pessoas jurídicas que recebam subvenção, benefícios ou incentivos, fiscais ou creditícios:

Ex.: imagine uma cidade que está implantando uma política de desenvolvimento e decide
conceder isenção para as entidades que cumpram o programa (ex.: isenção de ISS para
quem empregue “X” pessoas ou que resguarde “Y” empregos para idosos ou aprendizes). As
entidades que recebem essa isenção estarão sujeitas à Lei de Improbidade. Mas cuidado:
essa entidade é a do parágrafo único da lei, de modo que a sanção patrimonial restringe-se à
repercussão nos cofres públicos.

305
A parte final do art. 1º, parágrafo único, é muito importante. Em se tratando das hipóteses
ali previstas, caso haja desvio na entidade, mas sem repercussão aos cofres públicos, não
haverá ação de improbidade.

5.1.3 – exemplos de sujeito passivo

Os partidos políticos estão sujeitos à improbidade, pois recebem dinheiro oriundo do fundo
partidário (repasse do Poder Público). Além deles, estão também sujeitos à improbidade os
sindicatos, por receberem contribuição sindical, e os entes de cooperação (OS e OSCIP), pois
também recebem recurso público (benefício/subvenção).

5.2 – Sujeito ativo do ato de improbidade

5.2.1 – sujeito ativo na Lei de Improbidade

Dois dispositivos da Lei de Improbidade falam do sujeito ativo:

i) art. 1º, caput:

Art. 1º Os atos de improbidade praticados por qualquer agente público, servidor ou não,

(...)

O agente público, conceituado no art. 2º da lei, é o primeiro sujeito ativo do ato de improbi-
dade. Perceba que o dispositivo utiliza conceito bastante abrangente:

Art. 2º Reputa-se agente público, para os efeitos desta lei, todo aquele que exerce, ainda

que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contrata-

ção ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou fun-

ção nas entidades mencionadas no artigo anterior.

É agente público todo aquele que exerce, de modo transitório ou permanente, com ou sem
remuneração, com qualquer tipo de vínculo (mesário, jurado etc.), cargo, emprego ou fun-
ção nas pessoas mencionadas como sujeito passivo no art. 1º da lei.

ii) art. 3º:

Também praticam atos de improbidade as pessoas mencionadas no art. 3º:

Art. 3º As disposições desta lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não

sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele

se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta.

306
Veja que a lei usa a partícula alternativa: sujeita-se à lei o terceiro que, ainda que não seja
agente público, concorrer, induzir ou se beneficiar da prática do ato. Veja, que o terceiro
pode se beneficiar de forma direta ou indireta.

Ex.: se, numa licitação, o licitante, mancomunado com o presidente da comissão licitante,
altera documento constante do envelope, ambos responderão por improbidade, tanto o
agente público como o licitante.

Segundo decidiu a 1ª Turma do STJ, para que o terceiro seja responsabilizado pelas sanções
da Lei 8.429/92, é indispensável que seja identificado algum agente público como autor da
prática do ato de improbidade. Logo, não é possível que seja proposta ação de improbidade
somente contra o terceiro, sem que figure também um agente público no polo passivo da
demanda (Informativo 535, REsp 1.171.017).

5.2.2 – questões polêmicas

5.2.2.1 – agentes políticos

Os agentes políticos respondem por improbidade?

5.2.2.1.1 – conceito de agente político

Agente político é aquele que está no comando de cada um dos Poderes, ou seja, é aquele
que manifesta a vontade do Estado. São eles:

i) os chefes do Executivo (Presidente, governadores e prefeitos), seus respectivos vices e os


auxiliares do chefe do Executivo (ministros, secretários de estado ou de município);

ii) membros do Poder Legislativo (senadores, deputados federais, deputados estaduais e


vereadores;

iii) magistrados e membros de Ministério Público:

Para o STF, desde 2002, os magistrados e membros do MP são agentes políticos, não pela
manifestação de vontade estatal, mas pela força de suas decisões. Mas a esse respeito há
grande polêmica na doutrina.

Também há divergência quanto aos Ministros e Conselheiros dos Tribunais de Contas e às


carreiras diplomáticas.

5.2.2.2.2 – polêmicas relacionadas aos agentes políticos

307
Duas polêmicas envolvem os agentes políticos:

Se eles respondem por crime de responsabilidade, também responderão por improbidade?


Não há bis in idem, nesse caso? Em outras palavras, é possível processar e condenar por
ambos os motivos ou deve-se escolher um?

Caso se entenda que é possível condenar por improbidade, de quem é a competência para o
julgamento da ação? Os agentes políticos são julgados em primeira instância ou têm foro
por prerrogativa de função, aplicado ao crime comum?

Para a maioria da doutrina (na qual Marinela se inclui), agente político responde por impro-
bidade e pelo crime de responsabilidade, não havendo que se falar em bis in idem, pois são
ilícitos julgados em órgãos diferentes, com consequências diversas. Muitos agentes políticos
são julgados pelas Casas Legislativas, havendo simplesmente a cassação do mandato, sem as
demais sanções da improbidade. Além disso, esta corrente defende que os agentes políticos
não têm foro privilegiado, sendo julgados em primeira instância.

Nas ADI’s 2797 e 2860, o STF julgou que não há foro privilegiado para julgamento das ações
de improbidade, sendo a competência da primeira instância.

Já na Reclamação 2138, quando enfrentou a questão relativa ao agente político e à ação de


improbidade, o STF decidiu que haveria bis in idem se o agente político respondesse pelo
crime de responsabilidade e por improbidade administrativa. Naquele julgado, restou defi-
nido que prevaleceria o crime e não há improbidade.

Ocorre que, quando a Reclamação 2138 chegou ao final, a nova composição da Casa já não
concordava com a posição expressa no julgamento. Quando o Ministro vota e se aposenta,
aquele que entra em seu lugar não pode mais alterar o posicionamento do substituído, e
vários Ministros que votaram na Reclamação 2138 se aposentaram antes do final do julga-
mento.

Por isso, meses depois, com a nova composição, o STF voltou atrás, reconhecendo que o
agente político responde pelo crime de responsabilidade e por improbidade administrativa.
Isso, entretanto, não é pacífico no Tribunal. Quando reconhece que o agente político res-
ponde pela improbidade, o Supremo somente deixa de fora o Presidente da República. Foi a
única exceção expressa no julgado, decorrente da interpretação do art. 85, V, da CR, que diz
ser o ato de improbidade um crime de responsabilidade (haveria, nessa hipótese, bis in
idem, de modo que o Presidente não poderia responder duas vezes).

308
O problema é que em março de 2008, discutindo improbidade do próprio Ministro do STF, o
Supremo entendeu que o membro da Corte responde por improbidade, mas no próprio STF.
Ou seja, os demais agentes políticos não têm foro privilegiado, mas os Ministros do STF têm.
O Ministro do STF não pode, segundo esse entendimento, ser julgado na primeira instância.

O raciocínio é o seguinte: o Ministro do STF, no crime comum, é julgado no próprio STF; no


crime de responsabilidade ele é julgado no Senado, sendo que em ambos os casos ele perde
o cargo. Como o Ministro poderá perder o cargo, em razão da improbidade, na primeira
instância? Desse modo, pela dinâmica das regras de competência, ele é julgado pelo próprio
STF. Assim, o STF, que já tinha se manifestado diversamente em sede de ADI, entendeu em
2008 que o Ministro do STF tem foro privilegiado.

Por fim, no STJ a questão não está fechada, mas para a maioria dos Ministros prevalece que
o agente político responde pela improbidade.

A competência para julgamento dessa ação, entretanto, não será da primeira instância. O
STJ reconheceu que o agente político tem foro por prerrogativa de função. Na Reclamação
2790, o STJ utilizou a “deixa” do STF para estender o privilégio ao Governador. Veja que essa
não é a única orientação. A matéria é divergente. O STJ também afasta o Presidente da Re-
pública da improbidade, por interpretação do art. 85, V, da CR.

Em concurso, como a situação não está resolvida, o melhor é torcer para o tema não cair.
Em prova discursiva, vale explicar todas as posições. Marinela ficaria com a primeira corren-
te, caso não seja determinada a explicitação das posições dos Tribunais Superiores.

5.2.2.2 – pessoa jurídica

A pessoa jurídica pode ser sujeito ativo de improbidade, se for terceira beneficiária.

5.2.2.3 – herdeiro

O herdeiro também responde por improbidade. Ele pode ser sujeito passivo da ação de im-
probidade, mas será responsabilizado até o limite da herança, com sanções patrimoniais.

5.3 – Ato de improbidade

Para ser de improbidade, o ato não precisa ser administrativo propriamente dito (ex.: prati-
cado por um servidor público). Pode haver improbidade com uma conduta ou uma mera
omissão (ex.: embolsar o grampeador, o cartucho da impressora etc.). Pela lei, o rol dos atos
de improbidade é meramente exemplificativo.

309
A lei prevê três modalidades de atos de improbidade:

i) atos de enriquecimento ilícito (art. 9º):

Marinela considera que não é necessário decorar a lista, que representa rol meramente
exemplificativo. O ato, para ser de improbidade, não precisa estar ali presente. Basta se
enquadrar em uma das hipóteses do caput (essas sim devem ser memorizadas).

O rol do art. 9º é o de atos mais graves, com sanções mais intensas. É possível que o ato se
encaixe em mais de um artigo do rol. Em prova para o Ministério Público, deve-se buscar,
sempre que possível, enquadrar a conduta numa das hipóteses do art. 9º (a previsão mais
gravosa).

ii) atos que geram dano ao patrimônio público (art. 10):

Prevalece na jurisprudência que dano ao patrimônio público não é simplesmente o econô-


mico (dinheiro, Erário, cofres públicos). O patrimônio público tem de ser entendido em sen-
tido amplo (ex.: moralidade, patrimônio histórico, artístico, cultural etc.). Há certa divergên-
cia na doutrina e na jurisprudência, mas há diversos julgados no sentido de que a moralida-
de estaria prevista neste art. 10.

O rol do art. 10 é de condutas de gravidade média. As sanções são intermediárias (não tão
graves quanto o anterior e não tão leves como as do art. 11).

iii) atos que representam violação a princípios da administração pública (art. 11) 48:

Os atos administrativos devem ser publicados, nos termos do que determina o art. 37, § 1º:

Art. 37 (...) § 1º - A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos ór-

gãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não

podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de au-

toridades ou servidores públicos.

A ausência de publicação de atos praticados sujeita o administrador à previsão do art. 11 da


Lei de Improbidade. Ex.: caso o administrador faça corretamente uma licitação, celebre o
contrato e não o publique, o contrato será considerado válido, porém não eficaz. E o admi-
nistrador responderá pela improbidade administrativa.

48
A lista de atos de improbidade do art. 11 cai muito em prova.

310
Muitas provas discursivas (ex.: pareceres) merecem uma observação final acerca da impro-
bidade. Em geral, no “fechamento” deve-se fazer menção à improbidade do ato praticado.

O administrador que, em suas publicações, pratica promoção pessoal (publicando nomes,


símbolos e imagens), viola diversos princípios da administração (impessoalidade, legalidade)
e, consequentemente, pratica improbidade.

A jurisprudência já decidiu que viola princípios administrativos o ato administrativo pratica-


do com defeito na finalidade (ex.: nomeação de servidor para cargo “X”, com finalidade di-
versa da legalmente prevista para o ato). Nesse caso, pode o administrador ser punido por
improbidade. A finalidade do ato tem de ser a determinada pela lei. O defeito na finalidade
viola o princípio da legalidade.

A jurisprudência entende que fraude em concurso (ex.: vazamento de provas, provas com
fiscalização inadequada etc.), a concessão de privilégios e prerrogativas que violam a com-
petitividade (ex.: previsão de pontos a mais para aqueles exercendo cargos públicos etc.) e
nomeação sem concurso público caracterizam atos de improbidade, com fundamento no
art. 11.

A conduta ilícita praticada pelo administrador pode se enquadrar nos três artigos. Se isso
ocorrer (enriquecimento ilícito, dano ao erário e violação a princípio administrativo) somen-
te é possível a aplicação de um deles, devendo-se ficar com a conduta mais grave (primeiro
o art. 9º, depois o 10 e, por fim, o 11).

O que caracteriza o ato de improbidade é a ação do agente público. Ex.: o presidente da


licitação, mancomunado com um dos licitantes, pratica alguma fraude à licitação. O ato de
improbidade é a ação do referido presidente. Se ele ganhou um milhão de reais, enriqueceu-
se às custas do patrimônio público, enquadrando-se o ato no art. 9º. Não se deve olhar para
a conduta do terceiro (ex.: do empresário mancomunado).

Caso a licitação tenha sido superfaturada, mas o agente público não haja se enriquecido, a
conduta de improbidade representará um dano ao patrimônio público. O ato de improbida-
de, importante relembrar, define-se pela ação do agente. Como, na prática, os agentes sem-
pre se enriquecem, será a conduta enquadrada no art. 9º.

O art. 21 determina que, para ser considerado de improbidade, o ato independe de dano
patrimonial efetivo ou de controle pelo Tribunal de Contas:

Art. 21. A aplicação das sanções previstas nesta lei independe:

I - da efetiva ocorrência de dano ao patrimônio público, salvo quanto à pena de ressarci-

311
mento; (Redação dada pela Lei nº 12.120, de 2009).

II - da aprovação ou rejeição das contas pelo órgão de controle interno ou pelo Tribunal

ou Conselho de Contas.

O Tribunal de Contas analisa as contas por amostragem, ou seja, não confere todos os atos,
todos os contratos celebrados por todos os administradores. Portanto, ainda que ele tenha
aprovado as contas prestadas, é possível que haja improbidade. No entanto, quando há
rejeição ou aprovação das contas com ressalvas, há sérios indícios de improbidade adminis-
trativa, hipótese em que o Ministério Público tem mais elementos para processar.

Hoje está muito em voga a questão relacionada à evolução patrimonial incompatível. Inicia-
do o exercício do cargo, o administrador tem determinado patrimônio. A cada ano, ele tem a
obrigação de declarar seu patrimônio. Essa é uma questão para a qual o Tribunal de Contas
atenta: ele não pode possuir patrimônio acima do pertinente ao seu salário. A evolução pa-
trimonial incompatível é um grande indício de enriquecimento ilícito49.

Pode o ato de improbidade ser praticado de forma culposa (com negligência, imprudência
ou imperícia)? No que diz respeito ao elemento subjetivo (dolo e culpa), a Lei de Improbida-
de é expressa, em seu art. 10, no sentido de que o ato pode ser praticado nas duas formas,
dolosa ou culposa:

Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer

ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação,

malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º

desta lei, e notadamente: (...)

No que diz respeito aos arts. 9º e 11, não há previsão expressa na lei. Prevalece, em razão
disso, que tais atos somente podem ser praticados na forma dolosa. Dessa forma, o adminis-
trador que não publica um contrato por incompetência de seus assessores não poderá ser,
por regra, processado por improbidade.

O MP luta muito para a mudança dessa orientação, em especial no que se refere ao art. 11.
A ausência de previsão expressa de culpa no art. 9º não gera muitos problemas, pois é muito
difícil imaginar que o agente público consiga se enriquecer ilicitamente de forma culposa. A

49
O site da transparência publica com frequência esses acréscimos patrimoniais. Houve candidatos
que acresceram 200% em seu patrimônio (isso sem contar os valores transferidos aos “laranjas”).

312
grande pretensão do MP é mudar a orientação no que se refere à improbidade praticada
com violação aos princípios da administração.

A razão pela qual o Ministério Público briga pela mudança de postura do Judiciário é que, a
prevalecer o entendimento atual, o administrador nunca zelará pela competência de seus
assessores ou com as formas prescritas em lei para a prática dos atos administrativos. O MP
entende que o art. 11 acaba por não ter a eficácia que dele se espera, porque a maioria dos
atos ali previstos é praticada de forma culposa.

Em concurso, como dito, deve-se realizar o fechamento da questão com um parágrafo final
relacionado à necessidade de punição pela improbidade. Ao fazê-lo, deve-se atentar pela
questão do elemento subjetivo. De todo modo, importante colocar sempre a necessidade de
apuração da responsabilidade.

Para o pagamento de suas obrigações, o administrador pratica um ato administrativo sim-


ples, chamado “nota de empenho”. Trata-se de uma formalidade. Muitas vezes, contudo, o
administrador realiza pagamentos sem observá-la. Nesses casos, ele está desrespeitando
princípios da administração (art. 11). Todavia, em muitos casos, a não utilização da nota de
empenho ocorre de forma culposa, e não com a intenção de gerar dano ou se enriquecer.

5.4 – Sanções de improbidade50

As sanções de improbidade estão previstas no art. 12 da lei. A lista representa um rol de


sanções mais amplo que o previsto na CR. O dispositivo prevê três conjuntos de sanções: i)
medidas aplicáveis ao art. 9º; ii) medidas aplicáveis ao art. 10; e iii) medidas aplicáveis ao
art. 11.

O juiz, ao aplicar a pena, não pode misturar listas. Ele pode aplicar uma, alguma ou todas as
sanções de uma mesma lista, desde que não utilize mais de uma. Verificando a gravidade do
ato, o magistrado pode dosar a pena, mas, repita-se, sempre da mesma lista.

50
Como visto, os arts. 9º, 10 e 11 não têm de ser decorados, bastando decorar o caput e ler os inci-
sos. Todavia, o mesmo não ocorre com as sanções de improbidade, previstas no art. 12. O rol do dis-
positivo é muito exigido em prova. No material de apoio, há um quadro comparativo, que deve ser
memorizado.

313
Havia uma tese do MP que defendia a aplicação das penas em bloco. Segundo esse enten-
dimento, se o ato fosse enquadrado em determinado artigo, deveriam ser aplicadas todas as
medidas ali previstas. O entendimento está completamente superado. O juiz pode aplicar
uma, algumas ou todas as sanções da mesma lista, dosando a pena de acordo com a gravi-
dade do ato.

5.4.1 – prática de ato previsto no art. 9º

Se o administrador pratica ato previsto no art. 9º (enriquecimento ilícito), serão a ele aplicá-
veis as seguintes medidas:

i) devolução do acrescido ilicitamente;

ii) ressarcimento dos prejuízos causados aos cofres públicos:

O administrador que leva o carro para casa, além de se enriquecer com o veículo, pratica
dano ao erário, na medida em que a administração terá de adquirir ou locar outro.

iii) perda da função:

Trata-se de uma das mais graves penas da improbidade.

iv) suspensão dos direitos políticos:

A CR veda a cassação de direitos políticos, mas admite a suspensão por prazo que varia de
oito a dez anos, em virtude da prática de atos de improbidade administrativa.

A perda de função e a suspensão dos direitos políticos, por serem as duas sanções mais gra-
ves, somente podem ser aplicadas após o trânsito em julgado da sentença condenatória.

v) multa civil:

O valor da multa será fixado pelo juiz, podendo ser de até três vezes o valor do enriqueci-
mento, ou seja, daquilo que o administrador acresceu ilicitamente (no exemplo acima, três
vezes o valor do carro). Veja que a lei dá muito valor à questão econômica, de recomposição
do prejuízo causado ao patrimônio público.

vi) proibição de contratar com o Poder Público;

vii) proibição de receber benefícios e incentivos fiscais ou creditícios, por dez anos.

Cumpre lembrar, mais uma vez, que o magistrado dosará as penas, dentro da lista, de acor-
do com a gravidade do ato.

314
5.4.2 – prática de ato previsto no art. 10

O ato administrativo praticado com base na lista do art. 10 (dano ao erário) acarretará as
seguintes sanções:

i) devolução do acrescido ilicitamente:

Pode parecer um contrassenso falar em devolução do acrescido em se tratando de improbi-


dade baseada no dano ao patrimônio sem enriquecimento do agente, pois, como visto, no
caso do art. 10, o dano ao patrimônio não envolve enriquecimento ao agente. Todavia, pode
ocorrer de o dano gerar enriquecimento ilícito a um terceiro (ex.: a empresa que se enrique-
ceu em decorrência do superfaturamento de determinada obra). Nesse caso, deverá o
acrescido ser devolvido.

ii) ressarcimento do prejuízo;

iii) perda da função;

iv) suspensão de direitos políticos, por cinco a oito anos;

v) multa civil, de até duas vezes o valor do dano;

vi) proibição de contratar e receber benefícios e incentivos, pelo prazo de cinco anos.

5.4.3 – prática de ato previsto no art. 11

O ato administrativo praticado com base na lista do art. 11 (condutas que violam princípios
da administração) acarretará as seguintes sanções51:

i) ressarcimento dos prejuízos causados (por parte do terceiro causador do dano);

ii) perda da função pública;

iii) suspensão de direitos políticos, por três a cinco anos;

iv) multa civil, de até 100 vezes a remuneração mensal do servidor;

v) proibição de receber benefícios ou incentivos fiscais, pelo prazo de até três anos.

51
Observação: a lei não prevê a devolução do acrescido.

315
6 – Apontamentos relacionados à ação de improbidade administrativa

6.1 – Introdução

Verificada uma infração funcional, a autoridade competente deve instaurar o processo ad-
ministrativo disciplinar, comunicar o Tribunal de Contas e o Ministério Público, para apurar
eventual crime e, se o caso ajuizar ação de improbidade.

Note que a mesma conduta de improbidade pode gerar efeitos em diversas instâncias (civil,
criminal e administrativa) e será processada na seara administrativa e na judicial, que não se
confundem e são independentes entre si.

Neste tópico, serão tratadas questões relacionadas ao processo judicial da improbidade


administrativa. O processo administrativo disciplinar já foi anteriormente analisado.

6.2 – Natureza

A ação de improbidade, para a maioria dos processualistas, tem natureza de ação civil públi-
ca. Marinela considera que não se deve chamar a ação de improbidade de “ação civil públi-
ca”, mas somente de “ação de improbidade”.

Para a maioria, apesar de ter essa natureza jurídica, a ação de improbidade tem lei própria,
não sendo necessário citar na prova a LACP. Dessa forma, não há briga com o examinador,
não se ingressa na discussão e não é necessário prestar nenhuma explicação. Em questão
discursiva, todavia, Marinela recomenda a adoção da posição majoritária.

6.3 – Inquérito civil

A ação de improbidade pode ou não ser precedida de inquérito civil. Ele ocorrerá se neces-
sário. Havendo provas suficientes (ex.: informações do Tribunal de Contas, provas produzi-
das no processo administrativo disciplinar etc.), não se realiza o inquérito civil.

6.4 – Legitimidade

Têm legitimidade para o ajuizamento da ação de improbidade:

i) o MP:

Trata-se do grande legitimado ativo para a ação de improbidade. É ele quem ajuíza a ação,
na maioria dos casos.

ii) a pessoa jurídica lesada:

316
Diversamente do que ocorre na LACP, a pessoa jurídica lesada pode ajuizar ação de improbi-
dade. Não se trata de qualquer pessoa jurídica, mas da pessoa jurídica do art. 1º da Lei de
Improbidade (aquele que pode ser sujeito passivo do ato de improbidade). Uma pessoa jurí-
dica que haja sofrido prejuízos indiretos (ex.: perda da concorrência), por exemplo, não tem
legitimidade.

Ajuizada a ação pela pessoa jurídica, o MP deve obrigatoriamente participar do processo, na


condição de fiscal da lei. Ajuizada a ação pelo MP, a pessoa jurídica lesada tem de participar
do processo? A orientação é a de que a pessoa tem de ser chamada. Todavia, ela não tem de
necessariamente participar, podendo abster-se. Ou ela auxilia o MP, ou não se manifesta.

Até porque o Prefeito, que representa a pessoa jurídica lesada e pode ser o sujeito ativo da
improbidade, não produzirá provas contra ele mesmo e provavelmente acabará por tumul-
tuar o processo. O que não ocorrerá se a improbidade for contra seu adversário político, em
que ele terá bastante interesse em auxiliar o parquet.

6.5 – Competência

A competência para julgar a ação de improbidade é controversa. Em prova objetiva, deve-se


defender que é da primeira instância. Foi anteriormente analisada a polêmica trazida pelos
recentes julgados acerca do tema: o STF proferiu decisão para dizer que seus Ministros não
podem ser julgados em primeira instância, mas somente por seus próprios Ministros. Apro-
veitando-se dessa posição, o STJ vem reconhecendo que há foro por prerrogativa de função
da ação de improbidade, que é igual à do julgamento por crimes comuns (isso restou reco-
nhecido, por exemplo, para Governador).

Nas ADI’s 2797 e 2860, a questão havia sido pacificada no sentido da inexistência de foro
por prerrogativa de função. Todavia, recentemente ela foi reaberta e merece atenção. O STF
provavelmente voltará a ela no caso de outras autoridades.

6.6 – Cautelares

Relativamente às cautelares na ação de improbidade, há uma que merece destaque: a de


afastamento do agente. Trata-se de medida importante para resguardar a regularidade do
processo. O agente, todavia, é afastado sem prejuízo da remuneração.

Outra cautelar muito comum é a de indisponibilidade de bens, que visa a evitar o esvazia-
mento patrimonial e, como consequência, a inviabilização do ressarcimento dos prejuízos ao
Erário.

317
Também é possível a cautelar de sequestro (ex.: o avião indevidamente adquirido). Há di-
vergência na doutrina sobre se seria o caso de arresto ou sequestro, mas a lei fala em se-
questro52.

Também são possíveis, como medidas cautelares utilizadas na ação de improbidade para
garantir a efetividade do provimento final, a investigação e o bloqueio de contas bancárias.

6.7 – Termo de ajustamento de conduta

Em ação de improbidade, diversamente do que ocorre na ação civil pública, qualquer tipo de
acordo/transação/composição é vedado. Não existe termo de ajustamento de conduta na
ação de improbidade.

O condenado por ação de improbidade é obrigado a ressarcir prejuízos, restituir bens e ain-
da recebe multa. Diversamente da sistemática da ACP, em que o dinheiro vai para um fundo
especial, na ação de improbidade o dinheiro é destinado à pessoa jurídica lesada, que se vê
recomposta dos prejuízos sofridos.

6.8 – Prescrição

Se o agente exercer mandato eletivo, cargo em comissão ou função de confiança, o prazo


prescricional para o ajuizamento da ação de improbidade será de cinco anos, contados da
data em que ele deixar o cargo.

Para os demais casos, o prazo de prescrição será o mesmo das infrações que têm como san-
ções a demissão a bem do serviço público. Para saber o prazo respectivo, deve-se verificar
os Estatutos. A maioria deles fala também em prescrição de cinco anos. O ponto crucial é o
termo inicial: o conhecimento da infração (e não o dia em que o agente deixa o mandato ou
o cargo). Isso porque o agente é servidor permanente (ele não deixará o cargo).

Mesmo que prescrita a ação de improbidade, o ressarcimento ainda pode ser cobrado.
Lembre-se que essa pretensão é imprescritível (art. 37, § 5º, da CR) e será deduzida através

52
O sequestro, vale lembrar, serve para bens determinados; o arresto, para bens indeterminados.

318
de ação de reparação. As demais sanções das listas do art. 12 é que não poderão ser aplica-
das.

7 – Jurisprudência dos Tribunais Superiores

7.1 – Superior Tribunal de Justiça

Informativo 539: “A indisponibilidade de bens não pode recair sobre os bens absolutamente
impenhoráveis, pois eles não poderão assegurar uma futura execução”. Isso inclui as verbas
salariais investidas em aplicação financeira, mas não abrange o rendimento em si (REsp
1.164.037).

Vale ressaltar que esse entendimento acima exposto (REsp 1164037/RS) é contraditório com
julgados do STJ que afirmam que é possível que a indisponibilidade recaia sobre bem de
família, por exemplo, que, como se sabe, é impenhorável (REsp 1204794/SP, Rel. Min. Eliana
Calmon, Segunda Turma, julgado em 16/05/2013).

Melhor posição para concursos: a medida de indisponibilidade de bens deve recair sobre a
totalidade do patrimônio do acusado, excluídos, contudo, os bens impenhoráveis.

Em relação à indisponibilidade de bens, apesar de o art. 7º da LIA mencionar que somente


cabe nas hipóteses previstas nos arts. 9º e 10, o STJ já decidiu (Informativo 523) que não se
pode conferir uma interpretação literal a esse dispositivo. Assim, mesmo no silêncio do art.
7º, deve ser feita uma interpretação sistemática que leva em consideração o poder geral de
cautela do magistrado, o que induz a concluir que a medida cautelar de indisponibilidade
dos bens também pode ser aplicada aos atos de improbidade que impliquem violação dos
princípios da administração pública (art. 11).

A decretação da indisponibilidade e do sequestro de bens, em improbidade administrativa, é


possível antes do recebimento da ação (AgRg no REsp 1317653/SP). Ainda, o STJ já decidiu
que é admissível a concessão de liminar inaudita altera pars para a decretação de indisponi-
bilidade e sequestro de bens, visando a assegurar o resultado útil da tutela jurisdicional, qual
seja, o ressarcimento ao erário. Desse modo, o STJ entende que, ante sua natureza acautela-
tória, a medida de indisponibilidade de bens em ação de improbidade pode ser deferida nos
autos da ação principal sem audiência da parte adversa e, portanto, antes da notificação
para defesa prévia (art. 17, §7º, da LIA).

Para que seja decretada a indisponibilidade dos bens da pessoa suspeita de ter praticado ato
de improbidade, não é necessária a demonstração de fumus boni iuris e periculum in mora.
Basta que se prove o fumus boni iuris, sendo o periculum in mora presumido (implícito).

319
Assim, é desnecessária a prova do periculum in mora concreto, ou seja, de que os réus este-
jam dilapidando seu patrimônio, ou na iminência de fazê-lo, exigindo-se apenas a demons-
tração de fumus boni iuris, consistente em fundados indícios da prática de atos de improbi-
dade. A medida cautelar de indisponibilidade prevista na LIA consiste em uma tutela de evi-
dencia, de forma que basta a comprovação da verossimilhança nas alegações, pois, pela
própria natureza do bem protegido, o legislador dispensou o requisito do perigo da demora.

A indisponibilidade pode ser decretada ainda que o acusado não esteja se desfazendo de
seus bens, pois visa, justamente, a evitar que ocorra a dilapidação patrimonial. Não é razoá-
vel aguardar atos concretos direcionados à sua diminuição ou dissipação. O Min. Herman
Benjamin afirmou que a exigência poderia tornar inócua a medida ou de difícil efetivação.
Vale ressaltar, no entanto, que não se trata de medida de adoção automática, devendo ser
adequadamente fundamentada pelo magistrado, sob pena de nulidade, sobretudo por se
tratar de constrição patrimonial.

A indisponibilidade pode recair sobre bens adquiridos tanto antes como depois da prática do
ato de improbidade. Além disso, é possível que se determine a indisponibilidade de bens em
valor superior ao indicado na inicial da ação, visando a garantir o integral ressarcimento de
eventual prejuízo ao erário, levando-se em consideração, até mesmo, o valor de possível
multa civil como sanção autônoma. Isso porque a medida tem por finalidade a reparação
integral dos danos (REsp 1.176.440/RO).

A jurisprudencia do STJ entende que é desnecessária a individualização dos bens sobre os


quais se pretende recair a indisponibilidade, sendo necessária somente para a concessão do
sequestro de bens (art. 16).

320
ESTATUTO DOS SERVIDORES PÚBLICOS FEDERAIS53

1 – Considerações iniciais acerca dos agentes públicos (revisão)

Agente público é aquele que exerce função pública, de forma temporária ou permanente,
com ou sem remuneração.

1.1 – Agentes Políticos

Os agentes políticos encontram-se no topo da estrutura estatal. Estão no comando de cada


um dos Poderes, constituindo e representando a vontade estatal: Presidente, governadores,
prefeitos e respectivos vices, auxiliares imediatos do Executivo (ministros e secretários),
membros do Poder Legislativo (senadores, deputados federais, deputados estaduais e vere-
adores), magistrados e membros do MP, ministros e conselheiros dos Tribunais de Contas.

Quanto aos magistrados e membros do MP, a questão não é pacífica. Como são escolhidos
por concurso, alguns doutrinadores entendem que eles estariam fora do conceito de agente
político. Todavia, segundo o STF, eles são considerados agentes políticos pelo poder de sua
vontade (pelo “peso da sua caneta”), e não pela forma de escolha. Há divergência, mas re-
comenda-se a adoção desta corrente para fins de concurso.

Agente político está sujeito ao regime legal/estatutário (regime jurídico administrativo), e


não ao contratual (celetista/empregatício). São titulares de cargo público. O regime jurídico
dos agentes políticos é aquele previsto na Constituição ou na lei específica, e não na Lei
8.112/1990. Há diversos estatutos próprios (Estatuto dos congressistas, do MP, da Magistra-
tura etc.).

1.2 – Servidor estatal

53
O estudo do Estatuto dos Servidores Públicos Federais (Lei 8.112/1990) é de suma importância para
os concursos federais, inclusive Magistratura e MPF. As questões vêm ficando cada vez mais comple-
xas e a lei é bastante extensa. Para concursos estaduais e municipais, não é leitura obrigatória, reco-
mendando-se checar o edital respectivo. É possível que o ente acolha subsidiariamente o Estatuto dos
Servidores Públicos Federais (apesar de não ser o desejado, já que o ideal é que cada ente tenha seu
estatuto).

321
Servidor estatal é aquele que trabalha no Estado (em sentido amplo), seja na administração
direta, seja na indireta. Os servidores estatais podem ser divididos em dois grupos:

i) servidores públicos:

São aqueles que atuam em pessoa jurídica de direito público, ou seja, na administração di-
reita, nas autarquias e nas fundações públicas de direito público.

ii) servidores de ente governamental de direito privado (os empregados)

São aqueles que atuam em pessoas jurídicas de direito privado. Recomenda-se não utilizar a
expressão “empregado público”, na medida em que os servidores de ente governamental de
direito privado atuam perante pessoas jurídicas de direito privado (empresas públicas, soci-
edades de economia mista e fundações públicas de direito privado).

Lembre-se que os servidores de entes governamentais de direito privado não são servidores
públicos (caso contrário, estariam na lista de cima), mas equiparam-se aos servidores públi-
cos em algumas situações (concurso público, sujeição a regime de não acumulação, teto
remuneratório, nos casos em que haja repasse para custeio, sujeição à Lei de Improbidade,
equiparação a funcionário público para fins penais e sujeição a remédios constitucionais,
como a ação popular). Eles não têm a estabilidade do art. 41 da CR, podendo sofrer dispensa
imotivada.

1.3 – Regime jurídico dos servidores públicos

O servidor público está sujeito a regime estatutário ou celetista?

O texto original da CR, de 1988, dizia que o servidor público estava sujeito a regime jurídico
único, o que significava, à época, regime unicamente estatutário ou unicamente celetista,
naquela determinada ordem política (ou seja, no âmbito federal, estadual ou municipal). Ex.:
no âmbito federal, havia um só regime; em Salvador, um só regime, seja na administração
direta, nas autarquias ou nas fundações públicas de direito público; no Estado de São Paulo,
também um só regime.

Veja que não havia a obrigação do regime estatutário, ainda que ele tenha predominado,
pois há no serviço público brasileiro uma clara preferência por ele, decorrente de uma teoria
segundo a qual o servidor estatutário teria mais direitos e, por essa razão, seria mais feliz e,
consequentemente, mais eficiente.

A EC 19/1998 alterou o art. 39 da CR para abolir o regime único e admitir o regime múltiplo.
A partir de então, passou a ser possível a coexistência (a “mistura”) dos dois regimes. Com a

322
edição da emenda, o legislador poderia, na mesma pessoa jurídica, criar cargos e dar regime
estatutário e criar empregos, dando a eles o regime celetista. Lembrando, sempre, que o
que determina a opção por um, outro ou ambos é a lei.

A regra foi objeto de controle de constitucionalidade (ADI 2135), que até hoje somente tem
decisão em sede de cautelar. O STF reconheceu liminarmente a inconstitucionalidade formal
dessa nova redação do art. 39. Uma emenda constitucional tem de ser aprovada nas duas
Casas, em dois turnos, com três quintos em cada. O dispositivo foi rejeitado pelo Plenário de
uma das Casas, mas a Comissão de Redação, ao preparar a emenda, inseriu novamente o
artigo no texto rejeitado. A inconstitucionalidade formal foi reconhecida somente dez anos
depois pelo STF, que restabeleceu o regime único.

Decisão em sede de cautelar, normalmente, tem efeitos ex nunc, salvo reconhecimento em


contrário do próprio STF. Os entes que já misturaram os regimes (dez anos depois) terão seu
destino definido no mérito da ação. Sabe-se lá quantos anos isso demorará (se é que tal
mérito será definitivamente julgado).

Voltou, portanto, o texto original, de modo que hoje o servidor público será celetista (titular
de emprego) ou estatutário, a depender da escolha legalmente feita pelo ente político.

Daqui em diante, será estudado apenas o regime jurídico dos servidores públicos federais
titulares de cargo (estatutários). O Estatuto dos Servidores Públicos Federais (Lei
8.112/1990), nada mais é que uma lei específica para os cargos federais. Esses servidores
eram antigamente chamados de “funcionários públicos”. A CR/88 aboliu essa expressão, que
não deve ser utilizada (deve-se chamá-los de “servidores públicos titulares de cargos”).

1.4 – Particulares em colaboração

Por fim, além dos agentes políticos e dos servidores estatais, há os particulares em colabo-
ração. São aqueles que não perdem a qualidade de particular, mas, num dado momento,
exercem função pública.

Exemplos:

i) os requisitados

Trata-se dos convocados para trabalhar: mesário, jurado e aquele que presta serviço militar
obrigatório. Eles não perdem a condição de particular, mas em determinado momento são
compulsoriamente convocados a exercer função pública.

ii) voluntários:

323
São também chamados de “particulares em sponte propria” ou, para Hely Lopes Meirelles,
“agentes honoríficos”. Ex.: médico voluntário em hospital público, Amigos da Escola, Diri-
gentes de Conselho de Classe etc.

iii) sujeito que trabalha em concessionária ou permissionária prestando efetivamente um


serviço público. Ex.: motorista, cobrador;

iv) delegação de função (art. 236 da CR):

Art. 236. Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delega-

ção do Poder Público. (...)

Trata-se de situação ímpar no Brasil. São os prestadores de serviços notariais. A CR estabele-


ce que o serviço notarial tem de ser privatizado. Brasil afora há designações precárias atribu-
indo tal serviço a pessoas que não prestaram concurso. O sujeito que presta serviço em vir-
tude de delegação de função não é servidor público, mas particular em colaboração.

Essa é uma questão que foi amplamente discutida, no que se refere à aposentadoria. A ju-
risprudência é consistente no sentido de que aquele que recebe delegação de função não
está sujeito à aposentadoria compulsória, por não estar na condição de servidor público.
Evidentemente, esses sujeitos não querem se submeter à compulsória.

v) particulares que praticam atos oficiais:

São os particulares que atuam na área do ensino e da saúde. Quem presta tais serviços é
titular do serviço. Não se trata de delegação. Mas são serviços públicos, que não perdem
essa natureza por serem praticado por particular. Por isso é que é possível impetrar MS con-
tra diretor de hospital particular ou de universidade.

Como dito, daqui em diante será estudado apenas o regime jurídico do servidor público, ou
seja, daquele que atua em pessoa pública e é titular de cargo (regime estatutário). Vale re-
lembrar que o servidor público não precisa ser estatutário, mas tem de ter regime único. No
âmbito federal, o Brasil optou pelo Estatuto, que é justamente a Lei 8.112/199054.

2 – Cargo público, emprego público e função

54
Leitura obrigatória, a lei sofreu alteração em 18 de novembro de 2011, pela Lei 12.527/2011. Foram
três pequenas mudanças, nada substancial.

324
2.1 – Cargo público

Cargo público é a mais simples e indivisível unidade de competência. É um conjunto de atri-


buições e responsabilidades atribuídas a um servidor público e que tem um lugar nos qua-
dros da administração pública.

Esse conceito “conjunto de atribuições e responsabilidades” nada mais é que uma função
pública. Assim, cargo público é uma função pública com lugar no quadro. Função não tem
lugar no quadro. Todo cargo, portanto, contém uma função pública dentro de si.

Veja que a expressão “lugar” não significa espaço físico, mas uma posição no organogra-
ma/na estrutura da administração.

Cargo público necessariamente tem de ser criado e extinto por meio de lei. A assessoria do
Poder Legislativo, excepcionalmente, é criada por Resolução da Casa, e não por meio de lei.
Por isso é que se todas as pessoas que exercem cargos no Poder Legislativo forem trabalhar,
elas não caberão no Congresso. Quando a lei cria um cargo público, eles têm de ter denomi-
nação determinada e número certo.

O cargo público somente pode ser remunerado por pessoa jurídica de direito público.

2.2 – Emprego público

Emprego nada mais é do que o núcleo de encargo de trabalho (responsabilidades) definido


de forma permanente. Quando se fala de emprego, deve-se lembrar que ele está sujeito ao
regime trabalhista (celetista). Na administração pública, a presença do emprego pode ocor-
rer em pessoa jurídica de direito público, em âmbito estadual e municipal e em pessoa jurí-
dica de direito privado.

Quando o empregado atua na administração pública, haverá inevitavelmente influência do


regime público (regime jurídico administrativo), assim como ocorre nas sociedades de eco-
nomia mista e empresas públicas. Ex.: regime de não acumulação. Em relação à pessoa jurí-
dica de direito público, vale o regime único.

2.3 – Função

Função é o conjunto de atribuições e responsabilidades, que não tem lugar nos quadros da
administração pública. A única função autorizada na CR é a função de confiança. Lembrar
que a função também será criada por meio de lei.

Diferenciação entre função de confiança e cargo de confiança (cargo em comissão):

325
O cargo, como visto, nada mais é do que o conjunto de atribuições e responsabilidades, que
tem lugar no quadro da administração. É o que antigamente se chamava de “posto”. Quan-
do o cargo é baseado na confiança, recebe o nome de cargo em comissão. A CR acabou com
a denominação “cargo de confiança”. Serve para direção, chefia e assessoramento. É de livre
nomeação e exoneração (exoneração ad nutum), podendo ser ocupado por qualquer pes-
soa, a depender da confiança do administrador. Em razão da constante mudança dos diri-
gentes dos órgãos, a CR determina uma cota mínima, prevista em lei, que será atribuída
apenas àqueles que são servidores de carreira (o constituinte estava preocupado com a
constante troca de pessoal na administração), em nome do princípio da continuidade.

A função de confiança, por sua vez, não tem lugar nos quadros da administração. Função,
vale lembrar, é o conjunto de atribuições e responsabilidades. A CR determina que só pode
ser atribuída função de confiança a quem já possui cargo efetivo nos quadros da administra-
ção. O servidor ganha um acréscimo em suas atribuições. Assim como o cargo em comissão
é baseada na confiança e serve para direção, chefia ou assessoramento. Ex.: servidor de
cargo efetivo ganha uma função de confiança. Pelo cargo que exercia, o servidor já possuía
atribuições, responsabilidades e um lugar nos quadros da administração e recebia uma re-
muneração. Com a função de confiança, ele ganhará mais atribuições e responsabilidades e,
em consequência, receberá um “plus” na remuneração. Esse plus é a chamada gratificação
por função de confiança.

Cargo em comissão Função de confiança


Serve para direção, chefia e assessoramento. Serve para direção, chefia e assessoramento.
É baseado na confiança. É baseada na confiança.
Pode ser ocupado por qualquer pessoa, reserva- Só pode ser atribuída a quem já possui cargo
da cota mínima prevista em lei, que só pode ser efetivo nos quadros da administração.
atribuída a servidores efetivos.

3 – Classificação dos cargos públicos

3.1 – Quanto à posição estatal

Quanto à posição estatal, os cargos podem ser isolados ou de carreira.

Cargo isolado é aquele que não tem plano de ascensão funcional. O servidor não tem chance
de crescimento. Ele começa “Procurador X” e termina “Procurador X”. Está estagnado.

326
Os cargos de carreira são aqueles que têm possibilidade de ascensão funcional/chance de
crescimento. Ex.: juiz substituto, juiz de primeira, segunda e terceira entrâncias e desembar-
gador.

Veja que a ascensão funcional ocorre na mesma carreira. No exemplo acima, não há altera-
ção de carreira: o sujeito será sempre Juiz. Não é possível mais “pular” de carreira (Súmula
685 do STF):

Súmula 685 - É INCONSTITUCIONAL TODA MODALIDADE DE PROVIMENTO QUE PROPICIE

AO SERVIDOR INVESTIR-SE, SEM PRÉVIA APROVAÇÃO EM CONCURSO PÚBLICO DESTINA-

DO AO SEU PROVIMENTO, EM CARGO QUE NÃO INTEGRA A CARREIRA NA QUAL ANTERI-

ORMENTE INVESTIDO.

Antigamente, o sujeito era escrivão e virava delegado; era escrevente e virava juiz. Hoje isso
não pode mais ocorrer.

Crescendo na carreira, a remuneração também terá acréscimo. A ideia é que o servidor bus-
que eficiência para ascender. No Brasil, a maioria dos cargos já é de carreira, mas ainda há
resquícios de cargos isolados.

3.2 – Quanto à vocação para retenção

Vocação para retenção é garantia de permanência. Há três espécies de cargos dentro desta
classificação: i) cargo em comissão; ii) cargo efetivo; e iii) cargo vitalício.

3.2.1 – cargo em comissão

Cargo em comissão é aquele baseado na confiança. Serve para direção, chefia e assessora-
mento. Antes da CR/88, ele era chamado de “cargo de confiança”.

Quem exerce cargo em comissão não tem garantia de nele permanecer. É de livre nomeação
e livre exoneração (exoneração ad nutum, ou seja, que não precisa de motivo). O sujeito vai
dormir no cargo e acorda fora dele.

Pode exercer cargo em comissão no Brasil qualquer cidadão, com uma ressalva feita pela
própria Constituição: a lei deve prever que um número mínimo de cargos somente podem
exercidos por servidores de carreira. A ideia é garantir a continuidade/manutenção do servi-
ço, em virtude da estabilidade dos servidores de carreira.

3.2.2 – cargo efetivo

327
Cargo efetivo é aquele que depende de prévia aprovação em concurso público. O servidor
público é nomeado em caráter definitivo e tem a possibilidade de adquirir estabilidade.

A efetividade é uma característica do cargo; a estabilidade é uma qualidade do servidor. Não


se pode falar em “cargo estável” ou em “servidor efetivo”. O cargo é efetivo e o servidor é
estável. O cargo efetivo é pré-requisito (condição/pressuposto) para a aquisição da estabili-
dade. Mas a estabilidade é uma qualidade da pessoa física, do servidor.

Para o servidor publico ocupante de cargo efetivo que adquire estabilidade ser dispensado,
é necessário processo administrativo, com contraditório e ampla defesa, ou processo judicial
com trânsito em julgado.

Este cargo evidentemente dá mais garantia que o cargo em comissão.

3.2.3 – cargo vitalício

O cargo vitalício é aquele que dá maior garantia ao servidor, pois ele somente poderá ser
retirado do serviço público através de processo judicial. Por isso que ele é o mais seguro.

4 – Provimento

4.1 – Conceito

Provimento é o ato administrativo através do qual é atribuído um cargo a um servidor.

4.2 – Modalidades

Há duas modalidades de provimento: i) originário (também chamado de autônomo); e ii)


derivado.

4.2.1 – provimento originário (ou autônomo)

Originário é o provimento do servidor que ingressa pela primeira vez na carreira, ou seja,
que não tinha relação jurídica anterior com ela. O sujeito que vira técnico do TRT, por exem-
plo, entra por provimento originário. Se for aprovado em concurso para analista do TRT, o
provimento continuará sendo originário.

O provimento originário, portanto, ocorre quando o servidor estabelece o primeiro vínculo


na carreira. Ele depende de prévia aprovação em concurso público.

328
Segundo a Lei 8.112/1990, a única hipótese que há no Brasil de provimento originário é a
nomeação, compreendida como a atribuição de cargo a um servidor. A posse nada mais é
que a aceitação do cargo por tal servidor, com o compromisso de bem servir.

Aceito o cargo pelo servidor, constitui-se uma relação jurídica. Ocorre o que se chama de
“investidura”. Investidura, portanto, nada mais é que a formação da relação jurídica, a partir
da posse.

O STF entende que quando o servidor é nomeado, ele tem direito subjetivo à posse (Súmula
16):

Súmula 16 - FUNCIONÁRIO NOMEADO POR CONCURSO TEM DIREITO À POSSE.

Tomando posse, o servidor tem de entrar em exercício. A partir da daí, ele terá direito à
remuneração.

O servidor nomeado tem o prazo de 30 dias para tomar posse, o qual pode ser suspenso,
excepcionalmente, em virtude de alguns impedimentos legalmente previstos.

Caso o servidor nomeado não tome posse no prazo de 30 dias, a consequência jurídica não
pode ser a exoneração, que é uma modalidade de desinvestidura (a quebra da relação jurí-
dica) e somente pode ocorrer quando houver investidura. O consectário da ausência de pos-
se é tornar sem efeito a nomeação.

Caso o servidor tome posse, formando a relação jurídica (investidura), ele tem o prazo de
quinze dias para entrar em exercício. Se nesse prazo ele não o fizer, aí sim a consequência
jurídica será de exoneração (desinvestidura). É a chamada “exoneração de ofício”.

Candidato aprovado em concurso tem direito à nomeação? Decidindo o mérito em sede de


repercussão geral, o STF reconheceu que candidato aprovado em concurso tem direito à
nomeação dentro do número de vagas constantes do edital. O Supremo reconheceu, toda-
via, que esse direito não é absoluto. Em caso de excepcional interesse público, o administra-
dor pode não nomear (RE 598.099).

O candidato aprovado em concurso público tem direito subjetivo à nomeação em três casos:
i) preterição (Súmula 15 do STF); ii) vínculos precários – há concurso válido com candidatos
aprovados e o administrador, ao invés de nomeá-los, faz contratação temporária, por exem-
plo; iii) dentro do número de vagas previstas no edital e no prazo de validade do concurso.

Súmula 15 - Dentro do prazo de validade do concurso, o candidato aprovado tem o direito

à nomeação, quando o cargo for preenchido sem observância da classificação.

329
4.2.2 – provimento derivado

No provimento derivado, há atribuição de um novo cargo, mas dentro da mesma carreira.


Ex.: o juiz que se promove de uma comarca “X”, de entrância inicial, para uma comarca “Y”,
de entrância intermediária, abandona o cargo anterior e é nomeado para novo cargo. A cada
promoção, há um novo provimento, dentro da mesma carreira. Esse provimento é derivado.

O provimento derivado subdivide-se em vertical, horizontal e por reingresso.

4.2.2.1 – provimento derivado vertical

Provimento derivado vertical é aquele em que o servidor muda de cargo com ascensão fun-
cional. A única hipótese prevista pela Lei 8.112/1990 é a promoção.

Antigamente, havia institutos como a transposição e o acesso, que permitiam “pular” de


carreira e eram estudados neste tópico, mas não existem mais. Era o caso do escrivão que
virava delegado (Súmula 685 do STF).

4.2.2.2 – provimento derivado horizontal

Horizontal é o provimento derivado sem ascensão na carreira. A única hipótese prevista na


Lei 8.112/1990 é a readaptação, compreendida como a recolocação de um servidor em ra-
zão de uma limitação física. Ex.: telefonista fica surda e é recolocada em cargo que permita
conciliar sua situação com a nova atividade; digitador que desenvolve LER; professora que
adquire problema cardíaco e é readaptada na biblioteca.

4.2.2.3 – provimento derivado por reingresso55

No caso do provimento derivado por reingresso, o servidor retorna para o serviço público.
Há quatro modalidades de provimento dessa natureza: reintegração, recondução, aprovei-
tamento e reversão.

4.2.2.3.1 – reintegração

Reintegração é o retorno do servidor quando comprovada a ilegalidade de sua desinvestidu-


ra, por decisão administrativa ou judicial. Trata-se de uma garantia dada ao servidor estável,
que tem o direito de retornar para o cargo de origem com todas as vantagens do período

55
Acerca do tema, recomenda-se a leitura dos arts. 25 a 32 da Lei 8.112/1990.

330
em que esteve afastado. Se o cargo de origem sofrer transformação, ele retornará para o
resultante da transformação.

Imagine três cargos da administração pública, “I”, “II” e “III”, preenchidos, respectivamente,
por “A”, “B” e “C”. “A” é demitido do serviço público (uma das modalidades de desinvestidu-
ra). Seu cargo fica então vago (fala-se no instituto da “vacância”) e é ocupado por “B”, que
deixa vago o cargo “II”; com a vacância do cargo “II”, “C” é convidado a ocupá-lo, deixando
vago o cargo “III”.

Reconhecida a ilegalidade da demissão (ex.: ocorrida sem processo administrativo, sem


oportunizar a produção de provas etc.), por decisão proferida em processo administrativo
ou judicial, o servidor terá direito de retornar para o cargo de origem. Portanto, “A” terá o
direito de retornar a seu cargo de origem, ou seja, ao cargo “I” (lembre-se que esse é um
direito de servidor estável), com todas as vantagens que teria auferido se estivesse traba-
lhando (salários, promoções etc.).

Se, durante o tempo de afastamento, a lei tiver transformado o cargo “I”, “A” retornará para
o cargo resultante da transformação. “B” será reconduzido.

4.2.2.3.2 – recondução

Recondução é o retorno do servidor ao cargo por ele anteriormente ocupado quando restar
inabilitado em estágio probatório relativo ao novo cargo ou ocorrer a reintegração do antigo
ocupante do novo cargo.

Trata-se de uma garantia do servidor estável, que dá a ele o direito de retornar ao cargo de
origem, se estiver vago. Não estando vago, ele poderá ocupar um cargo equivalente, que
esteja vago. Não havendo, o servidor fica em disponibilidade.

Trata-se da segunda hipótese de provimento derivado por reingresso. No exemplo acima,


sendo estável, “B” teria direito de ser reconduzido ao cargo “II”, se ele estivesse vago. Como
no exemplo não há vacância (o cargo “II” fora ocupado por “C”), “B” tem o direito de nome-
ação a um cargo equivalente que esteja vago. Supondo que o cargo “III” seja um equivalente
vago, “B” terá direito a nele ingressar. Caso também o cargo “III” tiver sido preenchido (ex.:
por um aprovado em concurso público), “B” ficará em disponibilidade.

Essa ideia de recondução serve exatamente para estimular o servidor a arriscar, podendo
seguir um novo cargo e ter a chance de voltar ao anterior, se algo der errado no futuro.

4.2.2.3.3 – aproveitamento

331
Aproveitamento é o retorno do servidor que estava em disponibilidade.

O servidor em disponibilidade recebe proporcionalmente ao tempo de serviço, e não de


contribuição (cuidado com as pegadinhas de concurso). Surgindo uma vaga na administra-
ção, ele é chamado para trabalhar.

4.2.2.3.4 – reversão

A reversão pode ocorrer em dois casos:

i) quando forem comprovadamente insubsistentes os motivos da aposentadoria:

Ex.: o servidor aposenta-se por invalidez. Vem então uma junta médica e verifica que a inva-
lidez do servidor não é permanente. Nesse caso, ele será revertido e terá de retornar ao
trabalho.

ii) retorno do servidor, a pedido dele e no interesse da administração:

Esta hipótese é muito criticada pela doutrina. Ocorre quando o servidor se aposenta de for-
ma voluntária, se arrepende e pede para voltar. A administração defere ou não o pedido, de
acordo com a conveniência e a oportunidade. Nesta hipótese, a lei traz uma lista de requisi-
tos para permitir a reversão (aposentadoria voluntária, prazo máximo de cinco anos etc.).

5 – Formas de deslocamento

A Lei 8.112/1990 traz três formas de deslocamento de servidor: i) remoção; ii) redistribui-
ção; e iii) substituição.

5.1 – Remoção

Remoção, prevista no art. 36 da Lei 8.112/1990, é deslocamento do servidor por necessida-


des de serviço, com ou sem mudança de localidade:

Art. 36. Remoção é o deslocamento do servidor, a pedido ou de ofício, no âmbito do

mesmo quadro, com ou sem mudança de sede. (...)

No texto original da Lei 8.112/1990, havia dois institutos: a remoção e a transferência. O que
as diferia era a mudança ou não de localidade (de sede). A única hipótese que há hoje, que
abarca todas as hipóteses, é a remoção.

5.2 – Redistribuição

332
A redistribuição, prevista no art. 37 da Lei 8.112/1990, vem da ideia de realocação dos car-
gos:

Art. 37. Redistribuição é o deslocamento de cargo de provimento efetivo, ocupado ou va-

go no âmbito do quadro geral de pessoal, para outro órgão ou entidade do mesmo Poder,

com prévia apreciação do órgão central do SIPEC, observados os seguintes preceitos: (Re-

dação dada pela Lei nº 9.527, de 10.12.97) (...)

Imagine a extinção de determinadas comarcas. Os juízes que nelas atuavam terão seus car-
gos realocados a outras comarcas. Isso é a redistribuição, o deslocamento dos cargos de
provimento efetivo, com o objetivo de reorganizar os quadros.

Ela é muito comum em escolas que ficam sem alunos, cujos professores acabam redistribuí-
dos a outras escolas. Serve a redistribuição, vale repetir, para rearrumar os cargos da admi-
nistração.

5.3 – Substituição

A substituição não serve para todos os cargos, ocorrendo apenas nos de direção, chefia e de
natureza especial, que a lei assim o definir. O substituto também dependerá da lei que cria
os cargos, a qual normalmente já estabelece a substituição natural (ex.: saindo o chefe,
substituirá o diretor “A”, “B” ou “C”). Portanto, a substituição é abstratamente prevista pela
lei, mas a definição do substituto dependerá da lei que cria o cargo.

6 – Modalidades de desinvestidura

A desinvestidura é o rompimento da relação jurídica estabelecida pela investidura. Ocorre


com a demissão e a exoneração.

6.1 – Demissão

Demissão é pena/sanção, aplicada em decorrência da prática de infração grave pelo servi-


dor. Se o sujeito sair da administração sem ser demitido, o fará através da exoneração.

Para a Lei 8.112/1990, são infrações graves, passíveis de pena de demissão, as elencadas no
art. 132 (cuja lista vale decorar). São condutas bem previsíveis. São as mais graves situações
no serviço público (ex.: improbidade, abandono do cargo, acumulação ilegal etc.).

No Estatuto dos Servidores Públicos Civis do Estado de São Paulo, o art. 256 lista as hipóte-
ses de demissão:

Artigo 256. Será aplicada a pena de demissão nos casos de:

333
I — abandono de cargo;

II — procedimento irregular, de natureza grave;

III — ineficiência no serviço;

IV — aplicação indevida de dinheiros públicos, e

V — ausência ao serviço, sem causa justificável, por mais de 45 (quarenta e cinco) dias, in-

terpoladamente, durante 1 (um) ano.

§ 1º — Considerar-se-á abandono de cargo, o não comparecimento do funcionário por

mais de (30) dias consecutivos "ex-vi" do artigo 63.

§ 2º — A pena de demissão por ineficiência no serviço, só será aplicada quando verificada

a impossibilidade de readaptação.

Ninguém pode ser punido sem processo. O servidor público que pratica infração grave tem
de ser submetido a processo administrativo disciplinar, com observância do contraditório e
da ampla defesa, no interior do qual será aplicada a pena de demissão.

Cuidado com as informações prestadas nos noticiários: ministro de estado não pode ser
demitido do serviço público, por praticar infração grave. Não há condenação por processo
disciplinar, prova de infração grave, pena ou demissão, pois eles são exonerados.

A expressão “demissão a bem do serviço público” está prevista na Lei 8.027/90, que estabe-
lece normas de conduta a serem observadas no âmbito federal. Nessa modalidade, que tra-
ta de hipóteses mais graves, não há possibilidade de retorno do servidor ao serviço público.

6.2 – Exoneração

A exoneração ocorre quando o servidor deixa a administração sem que tal saída seja pe-
na/sanção. Há uma lista de hipóteses em que ela ocorre:

i) exoneração a pedido:

O servidor púbico pede exoneração quando passa noutro concurso ou não quer mais ser
servidor público.

ii) exoneração de ofício:

Exoneração de ofício é aquela realizada pela administração, de forma unilateral (ela decide e
exonera). Ocorre nas seguintes hipóteses: falta de exercício, em 15 dias; exoneração ad nu-
tum (trata-se de uma hipótese imotivada de exoneração); inabilitação do servidor no estágio
probatório (veja que não há natureza de pena).

iii) reprovação do servidor na avaliação periódica;

334
iv) racionalização da máquina administrativa (art. 169, §§ 3º e 4º, da CR, incluídos pela EC
19/1998):

Art. 169 (...) § 3º Para o cumprimento dos limites estabelecidos com base neste artigo,

durante o prazo fixado na lei complementar referida no caput, a União, os Estados, o Dis-

trito Federal e os Municípios adotarão as seguintes providências:

I - redução em pelo menos vinte por cento das despesas com cargos em comissão e fun-

ções de confiança;

II - exoneração dos servidores não estáveis.

§ 4º Se as medidas adotadas com base no parágrafo anterior não forem suficientes para

assegurar o cumprimento da determinação da lei complementar referida neste artigo, o

servidor estável poderá perder o cargo, desde que ato normativo motivado de cada um

dos Poderes especifique a atividade funcional, o órgão ou unidade administrativa objeto

da redução de pessoal.

v) acumulação ilegal, com servidor de boa-fé:

Como visto, no Brasil vale o regime da não acumulação, sendo a cumulação admitida apenas
em casos excepcionais. Imagine que determinado servidor está ilegalmente acumulando
cargo. É dada a ele a oportunidade de escolha, que acaba optando por um dos cargos. Reco-
nhece-se então a boa-fé do servidor e ele é exonerado daquele que opta por não mais exer-
cer.

Caso a opção não seja realizada, é instaurado um processo administrativo disciplinar, hipó-
tese em que o servidor tem o direito de realizar a opção até a defesa. Realizada a opção,
mais uma vez se reconhece a boa-fé do servidor e ele é exonerado de um dos cargos. Caso
até a defesa a opção não seja feita, é reconhecida a acumulação ilegal, que é falta grave, e o
servidor será demitido de todos os cargos que estiver exercendo (art. 133 da Lei
8.112/1990).

O parágrafo 1º, do art. 86, do Estatuto dos Funcionários Públicos Civis do Estado de São Pau-
lo prevê as seguintes hipóteses da exoneração:

§ 1º — Dar-se-á a exoneração:

1 —a pedido do funcionário;

2 — a critério do Governo, quando se tratar de ocupante de cargo em comissão; e

3 — quando o funcionário não entrar em exercício dentro do prazo legal.

7 – Vacância

335
A vacância está prevista no art. 33 da Lei 8.112/1990:

Art. 33. A vacância do cargo público decorrerá de:

I - exoneração;

II - demissão;

III - promoção;

IV - ascensão; (Revogado pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)

V - transferência (Revogado pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)

VI - readaptação;

VII - aposentadoria;

VIII - posse em outro cargo inacumulável;

IX - falecimento.

Ocorre quando o servidor é demitido, exonerado, promovido (a promoção é um novo pro-


vimento, derivado), readaptado, falece, se aposenta ou toma posse em outro cargo inacu-
mulável (ex.: o técnico do TRE que passa para analista do TRE pode pedir a vacância do cargo
de técnico, para ser a ele reconduzido se restar inabilitado no estágio probatório do cargo
de analista).

Como visto, cargo público é criado e extinto por lei. Todavia, cargo público vago pode ser
extinto por decreto do Presidente da República (art. 84, VI, “b”):

Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: (...)

VI – dispor, mediante decreto, sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 32,

de 2001) (...)

b) extinção de funções ou cargos públicos, quando vagos; (Incluída pela Emenda Constitu-

cional nº 32, de 2001) (...)

Trata-se do chamado “decreto regulamentar autônomo”, que o STF já entendeu constituci-


onal.

O Estatuto dos Funcionários Públicos Civis do Estado de São Paulo dispõe sobre as hipóteses
de vacância:

Artigo 86— A vacância do cargo decorrerá de:

I— exoneração;

II— demissão;

III— transferência;

IV— acesso;

V— aposentadoria; e

336
VI — falecimento.

8 – Direitos e vantagens do servidor público federal56

8.1 – Remuneração

Os aspectos constitucionais relacionados à remuneração do servidor público já foram anali-


sados anteriormente. Aqui, será realizada uma revisão acerca da parte legal do tema.

A remuneração do servidor público está prevista nos arts. 40 a 48 da lei. Não se admite que
a totalidade da remuneração de servidor seja inferior ao salário mínimo. Ex.: o servidor que
perceba R$ 300,00 de salário-base receberá o pagamento de um acréscimo, chamado de
“abono”, que complementará o salário até chegar ao mínimo. Portanto, os adicionais, grati-
ficações etc. que façam com que a remuneração supere o salário mínimo permitirão a exis-
tência de um salário-base inferior ao mínimo.

Acerca do assunto, cumpre destacar as seguintes Súmulas Vinculantes:

Súmula Vinculante 4 - SALVO NOS CASOS PREVISTOS NA CONSTITUIÇÃO, O SALÁRIO MÍ-

NIMO NÃO PODE SER USADO COMO INDEXADOR DE BASE DE CÁLCULO DE VANTAGEM

DE SERVIDOR PÚBLICO OU DE EMPREGADO, NEM SER SUBSTITUÍDO POR DECISÃO JUDI-

CIAL.

O servidor não pode ganhar menos que o mínimo, mas o salário mínimo não poderá servir
como indexador para base para o cálculo de vantagem. Ou seja, não pode, por exemplo, ser
criada gratificação com base no salário mínimo, mas somente com base no salário do pró-
prio servidor.

Súmula Vinculante 6 - NÃO VIOLA A CONSTITUIÇÃO O ESTABELECIMENTO DE REMUNE-

RAÇÃO INFERIOR AO SALÁRIO MÍNIMO PARA AS PRAÇAS PRESTADORAS DE SERVIÇO MI-

LITAR INICIAL.

A remuneração do servidor público deve ser fixada por lei, de iniciativa do ente detentor do
cargo. Excepcionalmente, o Congresso Nacional, por decreto legislativo fixará a remunera-
ção do Presidente da República e seu Vice, Ministros de Estado, Senadores e Deputados
Federais.

56
Acerca do tema, recomenda-se a leitura de quadro no material de apoio.

337
Os praças são os únicos que podem receber menos que salário mínimo. Marinela discorda
desta Súmula.

Súmula Vinculante 15 - O CÁLCULO DE GRATIFICAÇÕES E OUTRAS VANTAGENS DO SERVI-

DOR PÚBLICO NÃO INCIDE SOBRE O ABONO UTILIZADO PARA SE ATINGIR O SALÁRIO MÍ-

NIMO.

Como visto, se o servidor ganha, por exemplo, R$ 300,00 de salário-base, é pago um abono,
para que o total da remuneração chegue ao mínimo. A Súmula Vinculante determina que,
concedida determinada gratificação, ela será calculada sobre os R$ 300,00, e não sobre o
abono.

A remuneração de servidor goza de irredutibilidade. Ela não pode, portanto, sofrer cor-
te/redução, salvo uma exceção: quando ultrapassar o teto remuneratório. Pelo texto origi-
nal da CR, de 1988, a irredutibilidade da remuneração não existia. Ela veio somente via
emenda. Muitos autores dizem que tal alteração seria inconstitucional, na medida em que
modificativa de cláusula pétrea. A jurisprudência, no entanto, é bastante tranquila no senti-
do de que, ultrapassado o teto, a remuneração tem de ser cortada.

Além do teto remuneratório geral, há subtetos, criados pela EC 45. No âmbito da União, vale
o teto geral que é a remuneração dos Ministros do STF. No âmbito estadual, há três subte-
tos: no Poder Executivo, o teto é o do Governador; no Poder Legislativo, do Deputado Esta-
dual e; no Poder Judiciário, do Desembargador.

Vale lembrar que o teto dos Desembargadores também é aplicado para os Procuradores e
Defensores Públicos. O teto do Desembargador não pode ser superior a 90,25% da remune-
ração dos Ministros do STF. Essa regra sofreu interpretação conforme pela ADI 3854. Já no
âmbito municipal, não pode haver teto maior que o do Prefeito, independentemente do
Poder a que o servidor encontre-se vinculado.

O STF também já decidiu que não há direito adquirido à forma de cálculo da remuneração.
Assim, desde que não ocasione redução nominal, pode ser alterada a forma de cálculo.

A CR diz também que, no estabelecimento da remuneração do servidor, ficam vedadas a


vinculação e a equiparação. Exemplo de vinculação: servidor público que recebe remunera-
ção equivalente a três salários mínimos (vinculação do salário do servidor ao salário míni-
mo). Exemplo de equiparação: servidor “X” ganhará igual ao servidor “Y”. A ideia, em ambos
os casos, é evitar os aumentos automáticos (aumentando-se um, aumenta-se automatica-
mente o outro).

338
A lei estabelece a possibilidade de alguns descontos na remuneração: i) faltas injustificadas;
ii) faltas justificadas (nesse caso, a autoridade competente pode decidir por descontar ou
compensar); iii) atrasos (os atrasos serão descontados de forma proporcional ao tempo
atrasado, mediante o cálculo da hora trabalhada).

A lei também permite a consignação em folha de pagamento (o desconto direto da folha), a


critério da administração e autorizada pelo servidor.

Se o servidor tiver débitos com o Erário, no valor correspondente a mais de cinco vezes sua
remuneração, e for demitido ou exonerado, terá de pagá-lo em sessenta dias, sob pena de
inscrição na dívida ativa. Se continuar trabalhando, o débito será abatido da remuneração.

A remuneração do servidor é insuscetível de penhora, arresto ou sequestro, salvo se se tra-


tar de débito de natureza alimentar. Na verdade, a remuneração do servidor tem natureza
alimentar, daí a razão por que somente o débito dessa natureza enseja a penhora.

8.2 – Vantagens

8.2.1 – indenizações

A indenização serve para recompor uma despesa. As verbas dessa natureza não incorporam
a remuneração do servidor e terão, cada uma das quais, valores definidos em regulamento
próprio, não havendo previsão expressa na Lei 8.112/1990.

Há quatro formas de indenizar o servidor: i) ajuda de custo; ii) diárias; iii) transporte; e iv)
auxílio-moradia.

8.2.1.1 – ajuda de custo

A ajuda de custo é uma verba indenizatória que serve para compensar as despesas com des-
locamento do servidor, no caso de remoção por necessidades do serviço. A administração
decide remover o servidor e, para compensar as despesas com mudança do domicílio (ex.:
caminhão de mudança, nova instalação dos móveis, matrícula das crianças em escola etc.),
paga a ajuda de custo, que corresponde a três vezes a remuneração do servidor.

8.2.1.2 – diárias

Em determinadas situações, o servidor tem de se deslocar, esporádica, transitória e tempo-


rariamente para outra cidade. A diária é então utilizada para essas hipóteses de desloca-
mento, em caráter eventual. Se o servidor trabalha fora todos os dias, não tem direito a
diária. Essa verba indenizatória serve para compensar despesas com alimentação, hotel,

339
deslocamento na cidade etc. (ex.: o agente trabalha em São Paulo e tem de prestar um de-
terminado serviço em Campinas).

Cada carreira define, em regulamento próprio, o valor das diárias.

8.2.1.3 – transporte

O transporte é verba indenizatória utilizada para compensar as despesas com deslocamento


do servidor, quando ele tem de se deslocar em razão do serviço, mas utiliza meio próprio
(carro próprio) para a locomoção. Ex.: Oficial de Justiça executor de mandados.

8.2.1.4 – auxílio-moradia

O auxílio-moradia serve para compensar aquilo que o servidor utiliza com aluguel ou com
hotelaria. Ex.: para prestar o serviço, o servidor tem de alugar uma casa para morar ou se
hospedar num hotel.

A cada período de doze anos, o servidor tem direito a 8 anos de auxílio-moradia. Não é pos-
sível ultrapassar esse prazo a cada período, ou seja, o servidor não pode receber auxílio-
moradia para todo sempre.

Trata-se de verba indenizatória utilizada para cargo em comissão, função de confiança e


cargo de ministro. É calculada de acordo com a remuneração do cargo e paga no prazo de
um mês após a comprovação da despesa. Se falece o servidor, a família terá o direito a mais
um mês de auxílio-moradia, que é o período necessário à reorganização e à desocupação do
imóvel.

O auxílio-moradia foi introduzido pela Lei 11.355/2006. Trata-se de tema novo para a Lei
8.112/1990. Houve mudanças na sua regulamentação, em 2007 e 2008.

O auxílio-moradia terá o valor de até 25% do valor pago ao cargo em comissão ou função de
confiança, ou ainda cargo do Ministro de Estado.

Cuidado, pois se o Estado conceder moradia (ex.: apartamentos institucionais) não haverá
pagamento de auxílio-moradia.

8.2.2 – gratificações e adicionais

O rol de gratificações e adicionais da Lei 8.112/1990 é extenso. Tais vantagens podem ou


não incorporar na remuneração do servidor, a depender de previsão na legislação específica.
Ou seja, a incorporação não é garantida nem vedada.

340
8.2.2.1 – gratificação por função de confiança

A gratificação por função de confiança é uma vantagem concedida a quem ocupa função de
direção, chefia ou assessoramento.

A função de confiança somente pode ser atribuída a quem tem um cargo efetivo. Ou seja,
por conta do cargo efetivo, o servidor faz jus a uma remuneração, mas recebe um acréscimo
remuneratório em decorrência do exercício da função de confiança. O raciocínio é que ao
acréscimo na responsabilidade deve corresponde um acréscimo na remuneração.

Essa gratificação tem de ser criada por lei específica e o valor depende de previsão nessa
própria lei.

8.2.2.2 – gratificação natalina

A gratificação natalina corresponde ao 13º salário. Ela é paga ao servidor público até o dia
20 de dezembro de cada ano. Paga-se a gratificação natalina na proporção de 1/12 por mês
trabalhado, ou seja, proporcionalmente ao período em que o servidor trabalhou no ano.

8.2.2.3 – adicional por atividade insalubre, perigosa ou penosa

A definição de atividade insalubre, perigosa ou penosa, relativamente a cada atividade, será


realizada em lei específica. Mas a ideia geral é a seguinte: se coloca em risco a saúde ou a
vida do servidor, há o direito ao adicional. Mas dirá a lei específica se a atividade é ou não de
risco, penosa ou insalubre. A Lei 8.112/1990 somente define a existência desse adicional.

A MP 568, publicada em 11 de maio de 2012, estabeleceu alguns parâmetros para o valor a


ser pago a título de adicional por atividade insalubre, perigosa ou penosa. Foi editada para
regulamentar a questão do pagamento.

a) regra para casos de insalubridade: se a exposição for em grau mínimo, o servidor terá
direito a receber R$ 100,00; se o grau for médio, receberá R$180,00 e; se a exposição se der
em grau máximo, o servidor receberá R$ 260,00.

b) regra para casos de periculosidade: o servidor recebe o adicional no valor de R$ 180,00.

Essa MP ainda não foi convertida em lei, mas já existem diversas críticas, pois estabeleceu
adicional sem considerar a remuneração mensal do servidor.

A MP alterou ainda o art. 87 da Lei 8.112: partindo-se do princípio de que a remuneração do


servidor não pode ser reduzida, se com este novo valor o servidor tiver uma redução na sua

341
remuneração, a diferença será paga de forma provisória, a título de vantagem pessoal no-
minal com a nomenclatura de adicional provisório.

Ex.: imaginando-se a remuneração do servidor no valor de R$ 5.000 mensais. Destes 5.000


mil, trezentos reais eram pagos a título do adicional. O cálculo do adicional mudou e se este
servidor tiver uma exposição mínima, ele passa a ter direito a apenas R$ 100. Se forem pa-
gos os R$ 4.700 (remuneração sem o adicional), mais os R$ 100 (novo adicional estabelecido
pela MP), ele receberá valor menor do que recebia antes. Esse adicional será pago até che-
gar aos 5 mil, mas se o servidor tiver aumento em sua remuneração que cubra o valor do
adicional, ele será extinto. O adicional será pago até que o salário do servidor sofra aumen-
tos em sua remuneração que alcancem o valor do adicional provisório. É obviamente uma
regra injusta com o servidor.

8.2.2.4 – adicional por horário extraordinário

O adicional de serviço extraordinário nada mais é que a hora-extra. Ele não pode ser regra,
ocorrendo todos os dias do mês. O próprio nome já demonstra que tem de ser algo extraor-
dinário/excepcional.

Somente é possível realização de duas horas por dia de horário extraordinário. Além disso, a
hora extraordinária custa 50% mais que a normal. Assim, se uma hora trabalhada custa dez
reais, a hora extraordinária custará quinze.

8.2.2.5 – adicional noturno

O adicional noturno serve, obviamente, para remunerar o trabalho no período noturno, que
é aquele compreendido entre as 22 horas e um dia as 5 horas do dia seguinte.

O valor dessa hora também é diferenciado, recebendo acréscimo de 25%. Portanto, se a


hora normal é dez reais, a noturna será de doze reais e cinquenta centavos. Além disso, a
hora noturna não se conta como as demais. A duração dela não é de sessenta minutos, mas
de 52 minutos e trinta 30 segundos.

8.2.2.6 – adicional de férias

O adicional de férias corresponde a um terço da remuneração do período de férias, pago


juntamente com as férias. É um acréscimo remuneratório para que o servidor possa curti-las
melhor. A remuneração das férias, juntamente com o respectivo adicional, são pagos dois
dias antes do início do período de gozo de férias.

8.2.2.7 – gratificação por encargo em curso ou concurso público

342
A gratificação por encargo em curso ou concurso público compreende duas situações. Tem
direito a ela:

i) o servidor que é instrutor em curso de capacitação:

Esses cursos de capacitação devem ser regulamentados de forma predeterminada e regu-


larmente oferecidos.

ii) o servidor que participa de banca examinadora em vestibular ou concurso público:

No caso do concurso público, o servidor faz jus à gratificação se participar da banca (comis-
são de análise), como fiscal ou como avaliador (de provas, de currículos etc.)

Esta gratificação também será estabelecida em regulamento próprio, que deve observar
alguns parâmetros fixados pela Lei 8.112/1990 (ex.: pagamento da gratificação em horas e
de acordo com a complexidade da atividade desenvolvida).

O máximo que se pode pagar ao servidor são 120 horas anuais. O valor máximo da hora
trabalhada corresponderá a uma lista com limite máximo de percentuais, definidos pela Lei
8.112/1990, que tem de ser observada.

A maioria das verbas indenizatórias, vantagens e adicionais, como visto, depende de regu-
lamento próprio, na lei de cada carreira, por conta das especificidades inerentes a cada uma
delas. A regulamentação da gratificação por curso ou concurso é recente (art. 76-A da Lei
8.112/1990). A ideia é estimular a participação do servidor nos certames.

Valores:

i) tratando-se de atividade de instrutor: 2,2,% incidentes sobre o maior vencimento básico


da administração.

ii) tratando-se de atividade na banca examinadora: 1,2,% incidentes também sobre o maior
vencimento básico da administração.

Essa vantagem não é incorpora à remuneração do servidor.

8.3 – Férias

As férias do servidor público federal são de, no máximo, trinta dias, não se podendo acumu-
lar mais do que dois períodos. Vencido o segundo, ele terá de ser indenizado. Essas férias
podem ser parceladas em até três períodos. A ideia é que tal parcelamento seja deferido, a
pedido do servidor, no interesse da administração.

343
O servidor que trabalha com substâncias radioativas e Raios-X tem direito a 20 dias de férias
a cada período de seis meses. Nesse caso é vedada a cumulação de dois períodos.

A interrupção das férias do servidor é possível, mas em caráter excepcional, podendo ocor-
rer em caso de calamidade pública, comoção interna, convocação para júri, serviço militar
ou eleitoral ou, ainda, por necessidade do serviço, declarada pela autoridade superior.

Se o servidor for exonerado do serviço, ele tem direito a indenização do período de férias,
proporcional ou integral, conforme tenha ou não completado o período aquisitivo de doze
meses. Ultrapassado esse período de doze meses, daí em diante o servidor terá direito aos
períodos proporcionais. As férias, como visto, devem ser pagas dois dias antes do início do
gozo.

8.4 – Licenças

Há dois tipos de licenças: i) as que são vantagens do servidor; e ii) as que são da Seguridade
Social. Inicialmente, serão analisadas as licenças enquanto vantagens do servidor. Mais adi-
ante, as da Seguridade Social.

Acerca do tema, é importante guardar os períodos (30, 60 dias etc.) e se o servidor terá ou
não direito a remuneração enquanto estiver licenciado.

Concedida nova licença num intervalo não superior a 60 dias (ex.: o servidor fica de licença
e, 15 dias depois, tira uma nova licença), entende-se que se trata de uma prorrogação da
anterior.

8.4.1 – licença em razão de doença em família

Note que, na licença em razão de doença na família, não é o servidor que fica doente, mas
alguém de sua família. Quando o servidor é quem fica doente, a licença é a da Seguridade.

São familiares que dão direito a essa licença: cônjuge, companheiro, pais, filhos, padrasto,
madrasta, enteado e dependentes (já constituídos como tais no cadastro funcional do servi-
dor).

O servidor somente terá direito à licença se o ente familiar doente depender dos cuidados
dele. Se existir alguma pessoa que possa prestar assistência ao doente (ex.: a esposa do ser-
vidor, que não trabalha), não haverá direito a essa licença.

344
O prazo de licença em razão de doença em família é de até sessenta dias, com remuneração,
podendo chegar a até noventa dias, mas agora sem remuneração. Podem ser dias consecu-
tivos ou não (ou seja, pode haver um intervalo).

O início desses sessenta ou noventa dias computa-se no período de doze meses (os sessenta
ou noventa dias têm de estar dentro de um período de um ano), os quais se contam do dia
do deferimento da primeira licença. Ex.: se o servidor saiu de licença em 1º de dezembro de
2011, serão contados doze meses a partir de então, podendo ele tirar 60 dias, remunerados,
ou até noventa, sem remuneração, até 31 de novembro 2012.

8.4.2 – licença em razão de afastamento de cônjuge ou companheiro

A licença em razão de afastamento de cônjuge ou companheiro é concedida quando ambos,


marido e mulher, ou companheiro e companheira, são servidores, e um deles é removido
por necessidades do serviço, para prestar serviço em outra localidade ou no exterior. Pode,
inclusive, ocorrer de o servidor assumir mandato eletivo em outra localidade (ex.: o servidor
é eleito como Senador e vai morar em Brasília). Removido o marido por necessidades do
serviço, a sua esposa terá direito de acompanhá-lo, e para isso tira licença.

Essa licença pode ser concedida, mas também permite o exercício de trabalho de forma
provisória. A ideia é que aquele que acompanha o cônjuge garanta sua remuneração. Isso
ocorrerá se, na nova localidade, houver trabalho compatível.

A ideia é que a licença corresponda um tempo necessário à reorganização da família.

8.4.3 – licença em razão do serviço militar

A licença em razão do serviço militar é de até trinta dias. É concedida por lei específica,
quando concluído o serviço militar. Ex.: o servidor é convocado e passa um ano no serviço
militar. Antes de voltar ao trabalho normal, tem uma licença de 30 dias. Trata-se de umas
“férias”, mas o servidor não tem direito a remuneração, nesse caso.

8.4.4 – licença em razão de atividade política

O servidor público tem direito a duas licenças ligadas à candidatura. São diversas, com tra-
tamento diferente: i) a prevista na Lei 8.112/1990; e ii) a prevista no Código Eleitoral.

São marcos dessas licenças: a escolha do servidor pela convenção, o registro da candidatura
e a realização do pleito.

345
Escolhido o servidor em convenção partidária, o servidor tem direito a uma licença, para a
preparação dos documentos necessários ao registro da candidatura. Tal licença, portanto,
vai até o registro da candidatura. Trata-se de um período bastante atribulado, em razão da
enorme quantidade de documentos a serem recolhidos. Esta é a licença de atividade política
da Lei 8112/1990, e é sem remuneração.

Do registro da candidatura até dez dias após o pleito, o servidor tem direito a uma segunda
licença, prevista no Código Eleitoral, com remuneração.

8.4.5 – licença para capacitação

Esta modalidade de licença serve para o servidor que vai fazer um curso de capacitação.
Pode ser concedida por um período de três meses, a cada cinco anos (ou seja, a cada cinco
anos o servidor tem direito a se licenciar por três meses) e é com remuneração.

8.4.6 – licença para interesse particular

A licença para tratar de interesse particular é vedada para o servidor em estágio probatório.
Ela tem o prazo máximo de três anos consecutivos e é sem remuneração.

8.4.7 – licença para mandato classista

A licença para mandato classista ocorre na hipótese de servidor que exerce mandato em
confederação, federação, associação de classe, sindicato ou entidade fiscalizadora (conselho
de classe). Não se trata do velho mandato classista da Justiça do Trabalho.

Esta licença é sem remuneração e a duração é a do mandato. Se o candidato for reeleito, é


cabível a prorrogação da licença, por uma única vez.

8.5 – Afastamentos

8.5.1 – afastamento para servir em outro órgão ou entidade

O servidor tem direito a afastamento para servir em outro órgão ou entidade. Isso pode
ocorrer em se tratando de cargo em comissão, de função de confiança ou em outros casos
previstos em lei específica.

Aqui, é importante analisar quem pagará a remuneração do servidor. Se o servidor da União


for afastado para exercer determinado cargo no estado-membro, município ou no DF, ele
terá o direito de optar pela remuneração que lhe for mais vantajosa. Se optar pela remune-
ração, por exemplo, da União, quem pagará a conta é o cessionário (ou seja, o estado, o DF

346
ou município que receber o serviço). Se esse mesmo servidor prestar a atividade em outro
órgão da União, pagará a remuneração a própria União.

Se o servidor da administração direta da União afasta-se para atuar em empresa pública ou


sociedade de economia mista federal, como essas entidades têm natureza privada, elas te-
rão de reembolsar a União pelo ônus da remuneração. Ou seja, a União pagará o servidor e
a empresa ou a sociedade de economia mista a reembolsará.

8.5.2 – afastamento em razão de mandato eletivo

Como visto, em regra os cargos públicos são inacumuláveis. Por conta disso, o servidor que
assume mandato eletivo deve se afastar do cargo que exerce.

A acumulação de cargo público com mandato eletivo está prevista no art. 38 da CR e no art.
94 da Lei 8.112/1990:

Art. 38. Ao servidor público da administração direta, autárquica e fundacional, no exercí-

cio de mandato eletivo, aplicam-se as seguintes disposições: (Redação dada pela Emenda

Constitucional nº 19, de 1998)

I - tratando-se de mandato eletivo federal, estadual ou distrital, ficará afastado de seu

cargo, emprego ou função;

II - investido no mandato de Prefeito, será afastado do cargo, emprego ou função, sendo-

lhe facultado optar pela sua remuneração;

III - investido no mandato de Vereador, havendo compatibilidade de horários, perceberá

as vantagens de seu cargo, emprego ou função, sem prejuízo da remuneração do cargo

eletivo, e, não havendo compatibilidade, será aplicada a norma do inciso anterior;

IV - em qualquer caso que exija o afastamento para o exercício de mandato eletivo, seu

tempo de serviço será contado para todos os efeitos legais, exceto para promoção por

merecimento;

V - para efeito de benefício previdenciário, no caso de afastamento, os valores serão de-

terminados como se no exercício estivesse.

Art. 94. Ao servidor investido em mandato eletivo aplicam-se as seguintes disposições:

I - tratando-se de mandato federal, estadual ou distrital, ficará afastado do cargo;

II - investido no mandato de Prefeito, será afastado do cargo, sendo-lhe facultado optar

pela sua remuneração;

III - investido no mandato de vereador:

a) havendo compatibilidade de horário, perceberá as vantagens de seu cargo, sem prejuí-

347
zo da remuneração do cargo eletivo;

b) não havendo compatibilidade de horário, será afastado do cargo, sendo-lhe facultado

optar pela sua remuneração.

§ 1º No caso de afastamento do cargo, o servidor contribuirá para a seguridade social

como se em exercício estivesse.

§ 2º O servidor investido em mandato eletivo ou classista não poderá ser removido ou re-

distribuído de ofício para localidade diversa daquela onde exerce o mandato.

Se o mandato for federal, estadual ou distrital, o servidor não pode acumular. Ele então será
afastado do cargo de origem e exercerá o novo cargo (ex.: professor em universidade fede-
ral é eleito presidente). O servidor, nessa hipótese, não tem a chance de optar, pois se trata
das maiores remunerações do Brasil. Ele receberá a nova remuneração (no exemplo, a de
Presidente).

Imagine, agora, que o professor da universidade federal se candidata a cargo de prefeito, em


município pobre, e resta eleito. Ele não pode acumular os cargos. Veja que, agora, ele tem a
chance de ganhar menos como prefeito que como professor. Por conta disso, ele tem o di-
reito de optar pela remuneração.

Se, por fim, o professor é eleito vereador, se o horário for compatível, ele poderá acumular
os cargos. Veja que esta é a situação mais cômoda ao servidor. Se houver a acumulação, ele
receberá pelos dois. Todavia, em caso de incompatibilidade de horário, será aplicada a
mesma regra do prefeito: não poderá haver a acumulação, o servidor deve se afastar do
primeiro e optar pela melhor remuneração.

Em todos os demais mandatos eletivos, ocorrerá o afastamento.

8.5.3 – afastamento em razão de curso ou programa de pós-graduação em sentido estrito

Trata-se de afastamento para a realização de curso ou programa de pós-graduação. Veja,


entretanto, que esta hipótese somente cabe para a pós-graduação em sentido estrito (mes-
trado, doutorado ou pós-doutorado). Não cabe para pós-graduação lato sensu. O servidor
afasta-se com remuneração.

Para que o servidor possa exercer este afastamento, ele tem de ter um tempo anterior no
serviço público: três anos, em se tratando de mestrado, e quatro anos, caso se trate de dou-
torado ou pós-doutorado. Computa-se, nesse prazo, o período de estágio probatório.

348
O servidor não pode ter gozado de licença para assuntos particulares ou para capacitação,
no caso de mestrado e de doutorado, nos últimos dois anos; no caso de pós-doutorado, o
servidor não podem ter tirado as licenças nos quatro anos anteriores.

Os servidores beneficiados pelo afastamento terão de permanecer no serviço, após o térmi-


no do programa, pelo mesmo período em que estiveram afastados. Se o mestrado durar
dois anos, o servidor terá de ficar no cargo por dois anos. Se ele quiser sair, nesse tempo,
terá de indenizar o período de afastamento.

8.5.4 – afastamento para estudo ou missão no exterior

O afastamento para estudo ou missão no exterior não poderá exceder quatro anos e é com
remuneração. A ideia é a mesma do anterior: o servidor terá de permanecer no cargo pelo
mesmo período de afastamento, sob pena de indenizar todo o período em que ficou fora.

8.6 – Concessões

8.6.1 – concessão para doação de sangue

O servidor tem direito de se ausentar, para doação de sangue, pelo período de um dia.

8.6.2 – concessão para alistamento eleitoral

O servidor tem direito de se ausentar, para alistamento eleitoral, pelo período de dois dias.

8.6.3 – concessão para casamento

No caso de casamento, o servidor tem concessão de oito dias de ausência.

8.6.4 – concessão em razão de falecimento

No caso de falecimento de pessoas da família, o servidor tem a liberalidade de oito dias de


afastamento. Família, aqui, é cônjuge, companheiro, pais, padrasto ou madrasta, filhos ou
enteados e menores que vivam sob a guarda do servidor.

8.6.5 – horário especial

Têm direito a horário especial:

i) o estudante:

O estudante tem direito a horário especial, mas tem de compensá-lo (ex.: se sai uma hora
mais cedo, terá de entrar uma hora antes).

349
ii) o deficiente físico:

O horário especial do deficiente físico independe de compensação, se demonstrada a neces-


sidade do horário especial por junta médica.

iii) servidor com deficiente físico na família:

O servidor com deficiente físico na família (cônjuge ou companheiro, filhos ou menor que
viva sob as expensas do servidor), que dependa dos cuidados daquele, pode ter direito a
horário especial. Caso haja outra pessoa que possa cuidar do deficiente, o servidor não terá
o direito ao horário especial.

Aqui, o horário especial é compensado. Somente não haverá necessidade de compensação


quando o próprio servidor for o dependente (hipótese anterior).

iv) servidor instrutor de curso de formação ou participante de banca de vestibular ou con-


curso:

Nestas hipóteses, o servidor terá também direito a horário especial. Também se trata de
hipótese de compensação.

8.6.6 – matrícula em instituição de ensino congênere

A matrícula em instituição de ensino congênere ocorre quando o servidor é removido por


necessidades do serviço. Ex.: o servidor faz faculdade em uma universidade federal, mas é
removido e vai para outro endereço. Ele tem direito à matrícula em uma instituição do
mesmo gênero: em uma universidade pública, se estudava numa pública; em uma universi-
dade privada, se cursava uma universidade privada.

O direito do servidor, nesta hipótese, independe da existência de vagas e é extensível tam-


bém ao cônjuge, companheiro, filhos, enteados ou menores sob a guarda dele.

8.7 – Tempo de serviço

O tempo de serviço na administração pública é calculado em dias, que, somados, são con-
vertidos em anos. Cada ano corresponde a 365 dias.

A lei estabelece duas regras para o tempo de serviço:

i) há tempos de serviço computados para todas as vantagens;

ii) há tempos de serviço que somente se calculam para a hipótese de aposentadoria ou a de


disponibilidade.

350
O tempo de serviço prestado às Forças Armadas será contado em dobro. A EC 20/98 proibiu
o tempo ficto para a contagem do tempo de serviço. Por isso, alguns doutrinadores enten-
dem que essa regra não fora recepcionada, porém, não há consenso.

Marinela considera que não vale a pena decorar toda a lista, mas vale uma lida nas hipóte-
ses.

Importante guardar que o tempo de serviço não pode ser calculado de forma cumulativa,
quando prestado concomitantemente. Ex.: o servidor, em 2011, prestou serviços concomi-
tantemente à União e ao estado. Esse ano não será contado duas vezes, mas como um ano
só. Não é porque o servidor trabalhou em dois lugares que ele terá o tempo contado em
dobro.

8.8 – Direito de petição

A matéria é objeto de estudo em direito constitucional. O direito de petição do servidor é o


de pedir e obter uma resposta. A prescrição da pretensão de exercê-lo conta-se a partir da
ciência, subdividindo-se o prazo em:

i) cinco anos, se a hipótese for de demissão, de cassação ou da afetação de direitos patrimo-


niais ou creditícios do servidor, inerentes à relação de trabalho;

ii) 120 dias, em todos os demais casos.

9 – Seguridade Social

A União tem a obrigação de manter um sistema (um plano) de previdência. Trata-se do


chamado “regime próprio de previdência social”.

Os benefícios que tem o servidor na seguridade serão estudados nos tópicos a seguir.

9.1 – Auxílio-natalidade

O direito ao auxílio-natalidade decorre do nascimento de filho do servidor. O pagamento é


disciplinado em regulamento próprio e calculado em valor equivalente ao menor vencimen-
to do serviço público. O benefício será pago inclusive no caso de natimorto. Em caso de par-
to múltiplo, haverá acréscimo de 50% para cada nascimento.

9.2 – Salário-família

351
O salário-família é pago tanto ao servidor ativo quanto ao inativo, quanto houver dependen-
tes, que podem ser tanto o cônjuge ou companheiro quanto os filhos (incluídos, aqui, os
enteados).

Em caso de filhos ou enteados, o pagamento ocorre até os 21 anos, salvo na hipótese de


estudante, em que pagamento poderá ser feito até os 24 anos.

9.3 – Licença por doença

A seguridade social dá ao servidor direito a licença para tratamento de saúde. Nesta hipóte-
se, é o próprio servidor quem está doente.

A lei estabelece uma série de regras para esta licença: i) depende de inspeção médica (perí-
cia oficial), se o afastamento tiver de ser superior a 15 dias; ii) a que exceder o prazo de 120
dias, no período de doze meses, a contar do afastamento, dependerá de análise por junta
médica oficial.

A ideia é que, se o servidor não tiver condições de deslocamento, o médico vá até ele para a
realização da perícia.

9.4 – Licença-gestante

A licença-gestante tinha como regra o prazo de 120 dias consecutivos, que poderia ser exer-
cido a partir do primeiro dia do nono mês (evidentemente, a servidora poderia postergar o
afastamento e, como consequência, o início da contagem do prazo). Se o parto ocorresse
antes, a licença começaria a contar do parto.

A licença gestante pode ter prorrogação, por mais 60 dias, a pedido da servidora, o que dá a
correspondência de seis meses de licença.

Se o bebê nascer morto, ou em caso de aborto, a servidora terá o direito a trinta dias de
licença, que também poderá ser prorrogado.

Em caso de adotante, o prazo em se tratando de criança de até um ano é de 90 dias; se a


criança tiver mais de um ano, o prazo será de 30 dias.

Todas essas licenças podem ser prorrogadas.

Se a gestante estiver amamentando, ela tem direito a uma hora por dia de descanso, para
amamentação, que pode ser parcelada ao longo da carga horária diária, por duas vezes.

9.5 – Licença paternidade

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O pai tem direito a licença paternidade, pelo prazo de cinco dias.

9.6 – Licença por acidente em serviço

O servidor tem direito a licença em caso de acidente comprovadamente ocorrido em servi-


ço. A remuneração será integral.

9.7 – Assistência à saúde

Na seguridade social, o servidor tem direito a assistência à saúde. Não se trata propriamente
de SUS, mas de instituições criadas pela União, pelos estados ou pelos municípios, cada qual
recebendo um nome diferente.

9.8 – Direitos dos dependentes

A seguridade social também prevê alguns direitos aos dependentes: i) pensão, vitalícia ou
temporária, a depender de regulamentação específica; ii) auxílio-reclusão; iii) auxílio-funeral;
e iv) assistência à saúde.

Marinela considera que não vale a pena aprofundar-se nos direitos dos dependentes.

10 – Regime disciplinar dos servidores

O art. 116 da Lei 8.112/1990 prevê os deveres do servidor público. Não é necessário decorá-
los todos, mas vale uma lida no dispositivo. O art. 117, por outro lado, traz uma lista de pro-
ibições do servidor. Dos arts. 118 a 120, há o regime de acumulação, já estudado anterior-
mente. Por fim, a lei fala na responsabilidade do servidor.

Relativamente à responsabilidade, importante destacar a independência das instâncias (art.


126), segundo a qual se a mesma conduta caracteriza, ao mesmo tempo, ilícito penal, civil e
funcional, poderá haver três diferentes processos, com decisões diferentes em cada um
deles, sendo que apenas excepcionalmente haverá comunicação.

São hipóteses excepcionais de comunicação das instâncias: i) absolvição penal em decorrên-


cia da inexistência do fato; ii) absolvição penal decorrente da negativa de autoria.

A Lei 8.112/1990, nesse ponto, ganhou artigo novo, o art. 126-A, inserido em 18 de novem-
bro de 2011, pela Lei 12.527:

Art. 126-A. Nenhum servidor poderá ser responsabilizado civil, penal ou administrativa-

mente por dar ciência à autoridade superior ou, quando houver suspeita de envolvimento

desta, a outra autoridade competente para apuração de informação concernente à práti-

353
ca de crimes ou improbidade de que tenha conhecimento, ainda que em decorrência do

exercício de cargo, emprego ou função pública. (Incluído pela Lei nº 12.527, de 2011)

O dispositivo, na opinião de Marinela, nada acrescenta à lei (ele é ridículo, pois diz o que
todo mundo já sabe). Sempre que o servidor toma ciência de um crime ou de um ilícito de
improbidade, é dever dele comunicar à autoridade (art. 116). O art. 126-A diz que ele não
poderá ser responsabilizado se comunicar o crime ou a improbidade à autoridade superior.
Isso é óbvio, pois é dever do servidor (em se tratando de obrigação, não poderá haver res-
ponsabilização). O legislador, na verdade, quis resguardar o servidor que temer retaliações
decorrentes da comunicação.

Praticada a infração funcional (violação aos arts. 116 e 117), são penalidades que podem ser
aplicadas ao servidor:

i) advertência:

A advertência, em regra, tem de ser feita por documento escrito. É pena leve, aplicável nos
casos de infrações leves. Em caso de advertência, o registro nos apontamentos do servidor é
cancelado em três anos.

ii) suspensão, de até noventa dias:

Aplica-se a pena de suspensão, de até noventa dias, em caso de reincidência de infração


passível de advertência e nas infrações não puníveis com pena de demissão (as chamadas
infrações médias).

A suspensão pode ser convertida em pena de multa. O servidor permanece no serviço e terá
desconto de 50% por dia em sua remuneração. Ou seja, ele não fica afastado, mas trabalha
com desconto.

A pena de suspensão é cancelada do registro no prazo de 5 anos.

iii) demissão:

São sujeitas à pena de demissão as infrações graves, previstas no art. 132 da Lei 8.112/1990
(crime contra a administração, inassiduidade habitual etc.)

iv) cassação:

Na mesma situação de demissão, se o servidor já estiver aposentado ou se estiver em dispo-


nibilidade, a pena de demissão é convertida para a de cassação. Na verdade, a pena é a
mesma, mas o sujeito perderá os proventos ou a remuneração, conforme o caso.

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Se o servidor ocupar cargo em comissão ou função de confiança, as infrações puníveis com
suspensão (médias) e com demissão (graves) têm pena própria, chamada de “destituição”.

Os prazos prescricionais das penas são os seguintes:

i) pena de advertência: 180 dias, contados do conhecimento;

ii) pena de suspensão: dois anos;

iii) demissão, cassação e destituição: cinco anos.

11 – Processo disciplinar (PAD)

O processo administrativo disciplinar já foi analisado anteriormente. Será concluído, aqui, o


estudo da matéria.

11.1 – Processo administrativo disciplinar sumário

O procedimento sumário (mais célere/resumido) subdivide-se em:

i) sindicância:

A sindicância pode ser entendida em duas acepções diferentes: como investigação prévia e
como processo. Como investigação prévia, a sindicância equivale ao inquérito policial. Trata-
se da investigação que ocorre antes do processo, podendo ser inquisitiva. Quando nela ficar
comprovada a prática de infração punível com pena de suspensão de até 90 dias, a sanção
poderá ser aplicada na própria sindicância, equivalendo ela ao próprio processo. Nesta
acepção, a sindicância deverá respeitar o contraditório e a ampla defesa.

ii) processo de acumulação ilegal (art. 133 da Lei 8.112/1990):

Como visto, havendo acumulação ilegal, o servidor tem o direito de optar, em dez dias, pelo
cargo em que deseja permanecer. Reconhece-se a sua boa-fé e ele é exonerado do outro.
Caso não opte em dez dias, instaura-se o PAD, com base no art. 133. O servidor, nesse caso,
tem até a defesa para realizar a opção, hipótese em que também será reconhecida sua boa-
fé. Se até a defesa a opção não for realizada e ficar comprovada a acumulação ilegal, ele
será demitido de todos os cargos que ocupar.

Portanto, a opção é mais segura para o servidor, pois ele não terá de devolver nada e não
será demitido.

iii) abandono de cargo e inassiduidade habitual:

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O processo administrativo sumário também ocorrerá nas hipóteses de abandono de cargo e
de inassiduidade habitual, infrações graves, puníveis com pena de demissão. O procedimen-
to é sumário por serem infrações comprováveis através de prova meramente documental (o
livro de ponto).

Se o servidor desaparecer do serviço por mais de trinta dias consecutivos, com ânimo de
abandono, há abandono de cargo. A inassiduidade habitual, por sua vez, decorre da falta do
servidor. Resta caracterizada se o servidor, dentro de doze meses, faltar mais de sessenta
dias, intercalados.

11.2 – Processo administrativo disciplinar ordinário

O processo administrativo disciplinar ordinário, mais longo/extenso, é o procedimento ad-


ministrativo propriamente dito. Ocorre se, instaurada a sindicância, verifica-se a possibilida-
de de imposição de pena por infração grave. Ele já foi, em linhas gerais (princípios, objetivos,
etapas, afastamento etc.), analisado por ocasião do estudo do processo administrativo.

Fases do processo:

i) instauração do processo pela autoridade superior;

ii) realização do inquérito administrativo, que se divide em instrução, defesa e relatório. Este
último deve ser conclusivo e vincula a autoridade superior;

iii) julgamento;

iv) abre-se a oportunidade para interposição de recurso, que admite reformatio in pejus;

v) há também possibilidade de revisão, na hipótese de fato novo. A revisão pode ser inter-
posta a qualquer tempo e não admite a reformatio in pejus.

De acordo com o STF (Informativo 743, MS 23.262), é inconstitucional o art. 170 da Lei
8.112/90, por ferir os princípios da presunção de inocência e da razoabilidade:

Art. 170. Extinta a punibilidade pela prescrição, a autoridade julgadora determinará o re-

gistro do fato nos assentamentos individuais do servidor.

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