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Sumário
Introdução - 1. O Estado Social - 2. As políticas públicas - 3. As funções do Estado e as
políticas públicas - 4. Os agentes sociais e as políticas públicas - 5. Crise e reformulação
epistemológica - 6. O papel dos agentes sociais não-estatais na implementação das políticas
públicas - 7. Alternativas para a implementação das políticas públicas – Considerações finais
– Referências.
Introdução
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Professor de Introdução ao Estudo do Direito, Hermenêutica e Direito Econômico nos cursos de graduação e
pós-graduação da UNIFACS – Universidade Salvador. Professor convidado do CCJB – Centro de Cultura
Jurídica da Bahia no curso de especialização em Processo Civil. Doutorando pela Universidade do Vale do Rio
dos Sinos – UNISINOS, Mestre em Direito Público e Especialista em Direito do Trabalho e Processo do
Trabalho pela Universidade Federal da Bahia – UFBA. Advogado.
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Amicus Curiae V.5, N.5 (2008), 2011
Desse modo, ao lado da denúncia e da desconstrução, o tema será abordado sob uma
perspectiva epistemológica, buscando, com isso, a possibilidade emancipatória de uma teoria
crítica. Na denúncia, restará latente o domínio da racionalidade instrumental e a decorrente
pauta estratégica em que se resumiu a ação política para, a partir de então, desconstruir as
bases ideológicas dessa racionalidade e propor uma reconstrução pautada em ações dialógicas
decorrentes da crença em um novo paradigma epistemológico. Assim, parte-se de uma análise
sumária do tipo de Estado onde se concebe as políticas públicas, bem como de um
desvelamento fenomenológico destas. Em seguida, busca-se as relações entre os agentes
governamentais e não governamentais com tais políticas para, ao final, ser analisada a
reformulação no tratamento dessas relações.
1. O Estado Social
Normalmente, a análise do Estado Social feita por juristas parte ou, pelo menos,
relaciona-se com o desenvolvimento do constitucionalismo moderno. Além de uma redução à
sua dimensão jurídica, tal enfoque pode provocar análises equivocadas. Resumidamente, a
questão passa pelos seguintes questionamentos: até que ponto o constitucionalismo foi
decisivo para a formação do Estado Social? Mais ainda, até que ponto as demandas sociais
foram determinantes para a formação do Estado Social? Nesse eixo, algumas questões devem
ser “desveladas”.
a) O Estado Social não se manifesta de uma única forma. Em primeiro lugar, temos um
Estado Social de economia planificada (os chamados Estados Socialistas) e os de economia
planejada, de cunho capitalista. Tal observação é importante porque não podemos perder a
idéia – e nas faculdades de Direito isso é corrente – que o Estado Social estudado na nossa
tradição acadêmica é um Estado capitalista. Em segundo lugar, este Estado Social capitalista
se manifestou em formas diferenciadas. Se levarmos em consideração duas características
básicas deste Estado – o intervencionismo na economia e a busca pelo bem-estar social –
perceberemos que, em muitos deles, a exemplo dos Estados latino-americanos, apenas a
primeira característica será marcante. Podemos utilizar a classificação de Gilberto Bercovici
(2003, p. 54) e sustentar a existência de um Estado Social em sentido amplo (bem-estar
social) e de um Estado Social em sentido estrito (apenas intervencionista).
b) O Estado Social surge, efetivamente, no período entre guerras e é impulsionado a
partir da década de 30. Na busca pelos fatores de formação deste Estado se encontrará duas
grandes questões: a crise do capitalismo e a demanda social. Sem fundamentalismos, não há
que se afastar uma em detrimento da outra e sustentar a existência de “uma” causa àformação
do Estado Social. De fato, os dois vetores foram decisivos, contudo, é possível verificar
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aquilo que foi preponderantemente responsável e, para tanto, uma breve análise cronológica
pode revelar alguns detalhes. A chamada “questão social” se mostra muitos anos antes do
momento de formação do Estado Social, fato que pode ser comprovado pela Constituição
francesa de 1848, que já enunciava direitos sociais; pela publicação do Manifesto do Partido
Comunista (Karl Marx) naquele mesmo ano; pelas revoluções socialistas que, muito embora
estouradas na segunda década do séc. XX, já vinham sendo pensadas e preparadas muito antes
e por muitos outros fatos. Ou seja, a ruína do capitalismo liberal já havia se manifestado,
inclusive para o próprio capitalismo, na medida em que o intervencionismo voltado para a
manutenção de mercados já era presente nos Estados Unidos desde a metade do séc. XIX com
a ShermannAct. No entanto, o Estado Social capitalista só surge quando se percebe que a
“questão social” pode representar “revolução social” e quando o capitalismo passa a ver no
Estado a alternativa para a sua crise. Coincidência? Acredito que não. O Estado Social
capitalista é, preponderantemente, uma solução do próprio capitalismo.
c) O Estado Social, diferentemente do Liberal, é um Estado que assume um papel ativo
na economia, seja ele meramente interventor ou efetivamente social. Esse novo papel exige
uma nova postura do Estado que passaa planejar suas ações, principalmente a partir do
segundo pós-guerra. A questão do planejamento é o ponto de contato do Estado Social com as
políticas públicas e que, como será demonstrado, encontra-se, hoje,em descompasso. O
planejamento econômico não era uma imposição jurídica, no entanto ele se fez presente no
Estado Social pela necessária racionalização das atividades interventivas, razão pela qual Eros
Grau (2002) entende que o planejamento não é, em si mesmo, uma intervenção, mas sim a
racionalização desta atividade. Portanto, o fato de a teoria constitucional ter percebido a
existência de normas programáticas nas cartas constitucionais inseridas no paradigma social e
o fato de tais normas terem se proliferado nas cartas em razão do surgimento das
“constituições econômicas”, nada tem a ver com a implementação de tais planejamentos. O
próprio constitucionalismo comprova isso na medida em que as teorias constitucionais
vigentes não viam tal formação como efetivamente constitucional e, quando passaram a ver,
não as enxergava com caráter normativo. Ou seja, o planejamento foi uma necessidade do
Estado Social.
De certo modo, o caráter programático e não-normativo da constituição econômica
proporcionou uma certa liberdade na concretização do planejamento. É verdade que, em
muitos Estados, o déficite continuou existindo em face de um enorme distanciamento do que
foi concretizado em face do planejado. Quero dizer apenas que as políticas públicas, por não
serem obrigatórias sob o ponto de vista normativo, podiam ser concebidas de um modo
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orgânico, fazendo com que houvesse uma harmonia entre o planejamento e a execução de
diversas políticas. Neste sentido, afirma Bercovici (2005, p. 60) que:
2. As políticas públicas
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Vide, para tanto, as classificações de José Afonso da Silva e de Maria Helena Diniz, que trabalham com a idéia
de normas constitucionais de eficácia limitada.
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186). Logo em seguida faz, inclusive, referência a uma posição de Andréas Krell e adverte
sobre a necessária cautela na modificação da dotação orçamentária (2004, p. 186).
O próprio Andréas Krell – talvez aquele que na doutrina nacional admita a maior
interferência do Judiciário na implementação das políticas públicas – muito embora rechace a
tese da “reserva do possível”, por se tratar de uma construção da jurisprudência alemã não
aplicável à realidade brasileira (2002, p. 52), traz a problemática do orçamento, estabelecendo
uma crítica à ausência de eficácia no seu cumprimento (2002, p. 99). Cristina M. M. Queiroz,
após sustentar a possibilidade de se extrair de direitos fundamentais econômicos direitos
subjetivos, aduz que “o intérprete se encontra agora limitado, para além da „reserva do
possível‟, por „exigências metódicas mais exigentes‟ que o forçam a procurar uma „relação de
adequação‟ entre o „texto da norma‟ e a „situação concreta‟ a que se aplica” (2002, p. 153).
Para a autora lusitana, “isto implica, entre outras coisas, a verificação da existência de
recursos orçamentais e financeiros disponíveis que garantam a „efectividade óptima‟ desses
direitos e pretensões no quadro de uma „liberdade de conformação‟ a favor do legislador”
(2002, p. 153). Víctor Abramovich e Cristian Courtis (2002, p. 85-92), dão nota sobre os
Princípios de Limburgo e Maastricht, sobre a exigência no cumprimento de obrigações
básicas e, ao mesmo tempo, da possibilidade de escusa do Estado se algum fato impedir a
consecução desse objetivo, ainda que recaia sobre ele o ônus da prova (2002, p. 90-91).
Uma outra alternativa, já sustentada no Brasil por Gustavo Amaral (2001), que é
Procurador do Estado do Rio de Janeiro, segue um outro extremo onde a escassez é
efetivamente demonstrada e a implementação de políticas públicas acabam, na prática, a
mercê de dotações orçamentárias e de juridicização prévia. O autor aponta uma série de
obstáculos para a participação do Judiciário na concretização dos direitos sociais,
especialmente no que diz respeito às situações subjetivas. De fato, ainda que se admita a
eficácia e possibilidade de direitos subjetivos decorrentes das normas em questão, o
deferimento pelo judiciário de prestações materiais em situações subjetivas acaba, no mais das
vezes, proporcionando um desequilíbrio isonômico na distribuição desses recursos, além de
afetar o equilíbrio sistêmico da dotação orçamentária. Por essa razão, visando a resolver o
problema da escassez, defende a inexistência de direitos subjetivos correlatos ao dever
prestacional do Estado. O desequilíbrio isonômico se dá na medida em que, uma vez admitida
a escassez, o deferimento, muitas vezes liminar, de prestações materiais do Estado em nome
de um direito subjetivo a uma prestação material acaba implicando na omissão do Estado
frente a outras prestações. Desse modo, um cidadão obteve a prestação material, ou seja, foi
beneficiário de uma política pública, enquanto outros, que não recorreram ao Judiciário,
acabaram não sendo contemplados.
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terceiro setor, basicamente, pelo fato de ser seu foco, preponderantemente, a demanda e não a
prestação, não impedindo que ações assistencialistas sejam percebidas. Em seu entorno,
estariam o mercado e o Estado, este ocupando preponderantemente o espaço público. A
sociedade civil possui uma ligação direta com as políticas públicas porque ela é, no fundo, a
sua principal destinatária. Mesmo quando as políticas públicas são voltadas para o mercado,
possuem, em tese, como pano de fundo, a função social da iniciativa empresarial.
Os movimentos sociais, por sua vez, também se ligam às políticas públicas a partir das
demandas sociais, razão pela qual poderiam ser inseridos na própria sociedade civil. Contudo,
os movimentos sociais possuem um nível de organização mais elevado, demandas mais
pontuais e objetivos mais definidos. Para Maria da Glória Gohn (1997, p. 251), os
"movimentos sociais são ações sociopolíticas construídas por atores coletivos pertencentes a
diferentes classes e camadas sociais articuladas em certos cenários da conjuntura sócio-
econômica e política de um país, criando um campo político de força social na sociedade
civil".
Diante desse quadro, percebe-se que os agentes sociais não-governametais se colocam
frente às políticas públicas a partir de três relações distintas, ainda que possam se manifestar
cumulados em um mesmo grupo. São elas: a) relação de prestação; b) relação de destinatário
e c) relação de demandante. Sendo assim, partindo desses três modos de interação, caberá a
seguinte pergunta: qual o papel que os agentes sociais não-estatais poderiam exercer? Aqui se
inicia a tentativa reconstrutiva do presente trabalho.
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medida em que é um ponto de partida, a própria verdade sobre o ser. O princípio epocal que
sobre a qual funda a racionalidade moderna é, conforme denúncia de Heidegger, a “técnica”.
Estudos contemporâneos mais analíticos, que vão além de Marx, Hegel e Nietzsche,
auxiliam a compreensão do fenômeno que estaria por trás da racionalidade. Neste sentido,
situa-se a relação entre conhecimento, interesse e ideologia em Habermas3 e os cálculos de
correspondência de Boaventura de Souza Santos4. Tais estudos apontam para uma
domesticação do mundo da vida pela racionalidade instrumental, o que permite a conclusão
de que a técnica proporciona boas bases para uma racionalidade instrumental, ao tempo em
que não suporta uma racionalidade moral-prática. Desse modo, é comum se preconizar a
superação da técnica e de sua racionalidade instrumental e um retorno à racionalidade moral-
prática. Concordamos com essa proposta, contudo, não é possível perder de vista que os
estudos analíticos voltados para a desmistificação da racionalidade não negam a existência de
uma racionalidade instrumental, mas apenas nega a sua hegemonia. Isso quer dizer que o
movimento de um corpo celeste ou de uma partícula pode ser racionalizado pelas leis da física
(instrumental), o que não significa que as ações sociais obedeçam à mesma lógica. A questão,
no entanto, se torna problemática quando o mundo da vida envolve ações práticas em meio a
determinantes naturais, inviabilizando sua racionalização a partir de um único paradigma, sob
pena de se perder em algum dos pontos. Conformá-los, portanto, acaba sendo o grande
desafio da epistemologia e, em sendo assim, somente a ruptura com os padrões
epistemológicos da modernidade pode conferir respostas satisfatórias.
A rigor, é necessário construir um paradigma que seja universal, para que dentro dele se
movimentem todas as formas de racionalidade, que poderiam ser resumidas em três: estética-
expressiva, moral-prática e cognitiva-instrumental (SANTOS, 2003, p. 77). Qualquer
tentativa de adaptação nos remeterá a fundamentalismos, o que pode ser percebido nas
propostas de desconstrução pós-modernas, que acabam, no fundo, partindo da maior
liberalidade estética e domesticando outras; no funcionalismo instrumental, que privilegia a
racionalidade cognitiva ou em um fundamentalismo axiológico que ignora a diversidade e
quer romper, inocentemente, barreiras naturais. Um paradigma epistemológico que se volte
para essa universalidade deve, portanto, fugir dos ditames de uma metafísica clássica, que vê,
no ente, essências, bem como de uma ontologia representacional, que acredita na reconstrução
3
Vide, em Habermas, Teoría y práxis: estúdios de filosofia social (2000), Ciência y técnica como “ideologia”
(1999), dentre outros escritos que estão na base do pensamento habermasiano, fator determinante para a
construção de sua proposta epistemológica, qual seja, a “teoria da ação comunicativa” e seus desdobramentos na
ética e no direito.
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Vide, em Boaventura de Souza Santos, a estrutura analítica do projeto de modernidade e suas relação com o
capitalismo na obra Crítica da razão indolente (2000).
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dessas essências na consciência com o auxílio da lógica. Essa busca acaba nos remetendo ao
giro lingüístico pragmático.
Não seria aqui possível tratar de todas as variáveis epistemológicas que se enquadrariam
nessa tendência. Contudo, guardadas as especificidades, os estudos voltados para a construção
de uma racionalidade a partir do giro lingüístico têm como marca a idéia de que a linguagem
deixa de ser uma coisa que se interpõe entre o sujeito e o objeto, deixando de ser um cálculo
da natureza e assumindo a condição de um meio ambiente (mitte ou medium)5. Desse novo
modo de ver a linguagem, surgem, portanto, concepções de racionalidade que podem ser tidas
como dialógicas6. A racionalidade dialógica – se é possível estabelecer uma noção dissociada
de um autor ou, pelo menos, de uma corrente – é caracterizada pela preocupação com o outro,
ou seja, pela alteridade. Tem como base a idéia de que a verdade não pode ser encontrada no
objeto, nem que no sujeito que se coloca diante de um objeto e que se utiliza de métodos para
conhecê-lo. As coisas deixam de ter uma “natureza” e passam a ter um “significado”, este
construído em uma relação sujeito-sujeito(s) em contraposição a estrutura cognitiva sujeito-
objeto. Supera-se, portanto, a chamada filosofia da consciência.
Heidegger foi, certamente, determinante para esse giro, na medida em que retoma a
discussão do ser e reconstrói a ontologia a partir do que passou a ser chamado de diferença
ontológica. Nela, “ser” e “ente” não se confundem, sendo aquele o significado deste. Este
significado é, em Heidegger, construído na faticidade, no encontro dos sujeitos com as coisas.
O sujeito será, necessariamente, um ser-aí com os outros e, nesse mundo vivido pelo sujeito,
ele incorpora o horizonte de sentido que já é dado às coisas desde e sempre. A alteridade, em
Heidegger, é, portanto, prévia ao momento cognitivo. O conhecimento para Heidegger, muito
embora se dê no indivíduo, já contempla a presença do outro. Muito embora Heidegger não
fale em um diálogo, isso não significa que ele ignora a questão da alteridade7. Em Gadamer o
diálogo já surge de modo mais expresso na medida em que, na sua hermenêutica filosófica, a
compreensão se dá a partir de uma fusão de horizontes. Um horizonte histórico, construído
nos moldes heideggerianos, e um horizonte novo trazido pelo “texto”. O diálogo com o texto,
de que trata Gadamer, é, em última medida, o diálogo com um novo horizonte proporcionado
pelo outro8. Na nova retórica de Perelman a ação dialógica já se mostra com maior
intensidade, muito embora ele ignore alguns limites impostos pela nosso movimento
5
Sobre a noção de linguagem como cálculo e como medium,vide Martin Kusch (2003).
6
Insiro neste âmbito, tanto Gadamer quanto Habermas, muito embora faço a ressalva de suas inúmeras
diferenças.
7
Vide Ser e tempo de Martin Heidegger (2005).
8
Gadamer coloca os traços fundamentais de sua hermenêutica filosófica em Verdade e método (2003). Sobre o
diálogo em Gadamer, vide a leitura feita por Luiz Rohden (2003).
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cognitivo9 e proponha, inspirado na “velha” retórica uma ação voltada para o convencimento
e não para um entendimento ou para a revelação de uma verdade já presente em um horizonte
histórico10. Será em Habermas, contudo, que o diálogo assumirá uma posição de destaque,
fato que pode ser constatado em uma de suas principais obras, a Teoría de
laaccióncomunicativa, e que marcará a partir de então todo o seu pensamento. A proposta
epistemológica de Habermas, no entanto, trará alguns problemas. Destaca-se o fato de ele
traçar para a ação dialógica uma série de condições para a validade do discurso, sob pena de o
resultado não ser considerando válido. Tais condições de validade seriam a priori e
desprovidas de conteúdo moral, neutralidade que gera muitos debates, em especial com
Apel11, um dos seus principais inspiradores. Além disso, a racionalidade prática proposta por
Habermas é, em verdade, uma prática comunicativa, fazendo com que a validade – já que
Habermas não trata de verdade – encontre lugar em enunciados, deixando em segundo plano o
nível fenomênico. Habermas promove também uma cisão entre juízos de fundamentação e de
aplicação, o que provoca uma incompatibilidade com a aplicatio hermenêutica, além de tentar
superar um horizonte histórico com o fito de estabelecer uma “hermenêutica” crítica12.
Ainda que o paradigma dialógico esteja em construção e cause alguns desencontros, o
diálogo é, de fato, o fio condutor da epistemologia contemporânea. Desse modo, mesmo que
não seja aqui possível esboçar uma teoria que sirva como proposta paradigmática, é possível
dizer que a fenomenologia hermenêutica é mais apropriada para essa quadra da história. São
muitos os motivos, dentre eles o fato de ser ela a única que consegue trabalhar com os planos
apofântico (relacionados ao juízo, ao discurso) e fenomenal (relativo ao ente, ao fato, às
coisas). A fenomenologia hermenêutica constitui uma base para a construção de uma teoria
crítica sem ignorar o inafastável horizonte histórico, ao tempo em que desmascara a
artificialidade de discursos. Além disso, a fenomenologia hermenêutica pode ser viabilizada
sem as condições utópicas do discurso habermasiano, não sendo, por isso, incompatível com
uma ação dialógica. Neste caso, teremos que ir além da fenomenologia hermenêutica traçada
por Heidegger na sua ontologia fundamental, que é descrita em Ser e tempo. Temos que ir
além de sua teoria da verdade e encontrar, no espaço reservado à nossa finitude, as
possibilidades e limites de um diálogo. Será a partir de um método fenomenológico que se
tornará possível equacionar as racionalidades modernas (ética, estética e instrumental) em um
9
Refiro-me à denúncia hermenêutica de que nós compreendemos dentro da nossa finitude e a partir de uma
antecipação de sentido.
10
Sobre a nova retórica, vide Tratado da argumentação (PERELMAN, 2005).
11
Sobre o debate Habermas e Apel, vide Com Habermas, contra Habermas: direito, discurso e democracia
(MOREIRA, 2004).
12
A crítica hermenêutica sobre o pensamento de Habermas pode ser vista em Verdade e consenso: Constituição,
hermenêutica e teorias discursivas, de Lenio Streck (2006).
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único movimento metodológico e, com isso, impedir a colonização do mundo da vida pela
racionalidade instrumental da ciência. Com isso, romper o princípio epocal da técnica, sem
ignorar sua utilidade frente a questões de ordem natural.
Neste ponto, voltamos à estrutura analítica relativa à relação existente entre os agentes
sociais não-estatais com as políticas públicas e, a partir delas, propor, com base na ruptura
paradigmática já esboçada, novas formas de atuação. Em síntese, tal ruptura representará a
substituição de ações estratégicas, que pressupõem a crença em uma racionalidade atingida
por lógicas dedutivas e verdades metafísicas, pela ação “dialógica fenomenal”, que pressupõe
a inexistência de fundamentalismos e a aplicação de um significado às situações concretas.
Isso significa, portanto, levar em conta tanto verdades decorrentes do mundo da natureza, a
exemplo da lei da gravidade, bem como verdades de significado humano e, no mesmo
movimento metodológico, conformá-las na ação prática.
No que se refere à relação de prestação, por ela estar mais próxima do papel exercido
pelo próprio Estado, acabará assumindo algumas das críticas dirigidas a este. A necessária
organicidade das políticas implementadas pelo terceiro setor deve ser buscada em relação às
políticas implementadas pelo Estado, uma vez que essa harmonia proporcionará uma maior
eficácia na concretização dos direitos fundamentais. Essa articulação de complementariedade,
contudo, não deve ser levada a cabo se as políticas desenvolvidas pelo primeiro e terceiro
setores não forem discutidas a partir de um processo de abertura democrática. Nestes casos, a
confrontação ou oposição deve ser levada adiante (SANTOS, 2006). Deve-se, também, ter o
cuidado para que essas organizações, justamente por se aproximarem do Estado, não passem
a incorporar os mesmos vícios que levaram à sua própria criação. A abertura democrática e a
discussão com os agentes sociais que demandam as políticas públicas devem ser
consideradas, evitando o corporativismo de instituições voltadas para a defesa de interesses
alheios àqueles construídos a partir do processo democrático.
A relação de destinatário exige a compreensão das efetivas possibilidades de prestação
e, portanto, a necessidade de participação efetiva nas escolhas das políticas. Como foi dito, o
orçamento da União de 2006 só foi aprovado na segunda quinzena de abril. Pergunta-se: a
sociedade civil fez algum tipo de manifestação na porta do Congresso Nacional? Quantas
horas a imprensa dispensou ao tema? Alguém estava, efetivamente, preocupado com a ponte
que seria construída em Sergipe? Os destinatários do planejamento econômico e futuros
beneficiários da dotação orçamentária estão preocupados com as metas traçadas? Discutiram
o que ficaria de fora e o que não ficaria de fora? A preocupação com o planejamento e com
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seus consectários não representa, nos moldes paradigmáticos apresentados, uma submissão à
racionalidade instrumental presente na economia. Também não significa que não seja possível
dizer, em determinadas situações, que a Administração Pública estará sendo mais eficiente
construindo uma escola em um determinado lugar, ao invés de construí-la em outro. A ação
moral-prática se dá no mundo e o mundo impõe limites. Ninguém discute se é ético ou não ir
à lua de bicicleta, pelo simples motivo que não é possível ir à lua de bicicleta. Há verdades no
mundo, sejam naturais, sejam de significação humana, basta acreditarmos que elas existem.
Quanto às demandas, além dos problemas que foram retratados na abordagem quanto à
relação de destinatários, outra questão é extremamente relevante. A Constituição tem, de
certo modo, servido de vetor para o pleito. Hoje não é possível separar os movimentos sociais
dos direitos fundamentais. A Constituição passou a ser, portanto, a pauta para as demandas,
fato que mostra um importante papel da Carta no processo de concretização destes direitos.
Evidentemente, se a Constituição não enunciasse direitos sociais, o movimento não deixaria
de existir, contudo, ele poderia se dar de modo menos articulado e em seu discurso estaria,
antes mesmo da concretização, a juridicização. Contudo, do mesmo modo que a aplicação da
Constituição é vista por correntes teóricas mediante paradigmas que impedem a sua visão
orgânica, o mesmo ocorre nos movimentos de demanda. Todos seguem posturas estratégicas
na busca pela implementação de políticas públicas, distanciando as demandas da noção de
organicidade.
A ação estratégica, bem ao estilo kantiano, é, no entanto, a única possível se permanece
subjacente a toda práxis um paradigma epistemológico pautado em fundamentalismos
metafísicos. Enquanto não nos convencermos de que não existem essências e de que o
significado das coisas e de nossas ações só pode ser conquistado a partir do diálogo; e que
esse diálogo nos levará, necessariamente, ao meio termo, pneus continuarão sendo queimados
na beira da estrada, muitas vezes em vão. Ou seja, enquanto ecologistas, na tentativa de
reduzir os danos a uma determinada reserva a serem provocados pela passagem de uma
estrada, buscarem tal resultado através da luta contra a construção da estrada na tentativa de,
no final, conseguir apenas desviar parte de sua rota; enquanto os trabalhadores continuarem
pedindo um aumento de 100% do salário mínimo para que, ao final, possam chegar em 20%;
enquanto continuarmos pedindo R$ 20.000,00 em nosso carro usado, para que o comprador
leve-o por R$ 18.000,00, tudo continuará como está. A pauta de demanda dos movimentos
sociais são políticas públicas que, como vimos, tem como telos a concretização dos direitos
fundamentais. Enquanto não assumirmos que tais direitos não são absolutos, uma vez que
devem conviver com outros “estados de coisas” – a velha questão da ponderação – e enquanto
não levarmos em conta que sua relatividade passa também pela contextualização das efetivas
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prestações voltado para a garantia desse núcleo duro de direitos sociais e econômicos 13. Neste
aspecto, devemos estar atentos ao fato de que ele não representa uma prestação material ou
uma política pública determinável a priori. O conjunto de prestações materiais mínimas
constitui um meio para se atingir um “estado de coisas”, ou seja, uma “condição humana”.
Logo, verificar se um cidadão tem o seu “mínimo existencial” atendido implica em verificar a
sua “condição humana” e não aquilo que ele está recebendo. Essa ressalva é importante
porque cada um terá necessidades diferenciadas e, assim, as prestações materiais deverão ser
diferenciadas. Além dessa variável subjetiva, a garantia desse “mínimo existencial”, ou seja,
dessa “condição humana”, pode, como foi visto, ser atingida por diversos meios, por diversas
prestações e por diversas políticas. No que toca à saúde, por exemplo, o objetivo é amenizar o
sofrimento e a dor, garantindo uma vida digna, consequentemente, isso pode ser obtido a
partir de políticas preventivas e curativas, sendo que, cada uma delas admitirá diversas formas
de campanhas e de tratamentos. Assim, encontramos variáveis subjetivas, variáveis relativas
às diversas formas de política e variáveis relativas às diversas prestações que essas políticas
podem abarcar. A eficiência da política pública e, por conseguinte, o atendimento aos
princípios da administração, passa pela conformação sistemática de todos esses elementos,
logo, a manipulação de apenas uma variável pode representar um desequilíbrio.
Além disso, sabe-se que a dimensão positiva dos direitos fundamentais admite uma
maior liberdade de concretização14 justamente pelas inúmeras possibilidades apresentadas.
Isso significa que a moldura hermenêutica proporcionada pelas normas constitucionais
relacionadas aos direitos sociais e econômicos confere uma grande amplitude política.
Consequentemente, seguindo a linha já defendida neste trabalho, a gradação entre o político e
o jurídico, no particular, reduz, na nova configuração de divisão de poderes, uma maior
liberdade para o Executivo e uma menor liberdade para o Judiciário. Isso, porém, não
significa que o problema da implementação das políticas públicas seja, exclusivamente, um
problema político. No particular, nenhum fundamentalismo é bem vindo. Neste ponto, a
solução exigirá uma quebra no paradigma epistemológico voltado para a construção de uma
metodologia jurídica. Partindo dos aportes da fenomenologia hermenêutica, que aqui não
poderão ser demonstrados a contento, a interpretação não deverá partir do texto, tendo em
vista a impossibilidade de identificação “da” política adequada, mas, diante da política
efetivamente implementada (fato) é perfeitamente possível verificar sua constitucionalidade
ou não. Normalmente, quando se analisa a eficácia das normas constitucionais, utiliza-se
13
Quanto ao mínimo existencial como um núcleo duro de direitos fundamentais, equiparando-se à densidade
suficiente dos direitos fundamentais, vide Walber de Moura Agra em a Reconstrução da legitimidade do
Supremo Tribunal Federal (2005).
14
Neste sentido, Canotilho, Lenio Streck, Víctor Abramovich e Cristian Courtis, entre muitos outros.
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apenas o sentido norma-fato, não se atentando para o sentido fato-norma, o que é explicado
pela influência de teorias que viam no fato um objeto da prova, apenas. Interpreta-se fatos,
sendo que a interpretação do texto é, apenas, uma interpretação indireta de um fato
(hipotético).
Isso abre, no que toca ao “mínimo existencial”, possibilidades de controle pelo
Judiciário, sem, com isso, atingir o equilíbrio entre os poderes. Se não é possível ao Judiciário
determinar “a” política, afinal ele não possui um aparelho estatal apto a conformar todas as
variáveis; se não é possível identificar essa política a partir do texto constitucional, uma vez
que o alto grau de abstração e a própria mobilidade social impedem tal conclusão; é
perfeitamente possível verificar a constitucionalidade das políticas efetivamente
implementadas e, com isso, exercer o controle de constitucionalidade. No que toca ao
mecanismo processual, se o centro do controle se desloca do texto para o fato, perceberemos
na jurisdição constitucional o deslocamento da ADIN (Ação direta de inconstitucionalidade)
para a ADPF (Ação de descumprimento de preceito fundamental), tendo em vista que ela
abarca não só atos normativos, mas, também, “atos e omissões não normativos” (CUNHA
JÚNIOR, 2004, p. 590).
A “reserva do possível” também merece esclarecimentos. Algumas prestações estão
notoriamente abarcadas pelas possibilidades do Estado, do mesmo modo que outras, com
elevados custos, estão certamente fora das possibilidades de um determinado Estado. Para
ambas, não há problemas, na medida em que a demanda judicial é atendida ou rechaçada, não
gerando o conflito. Contudo, há prestações que ficam em uma zona nebulosa, onde não é
possível identificar se ela se encontra dentro ou fora das reais possibilidades do Estado. Tais
prestações – a exemplo de medicamentos de médio custo ou determinados exames e
procedimentos médicos – são, considerando-se o valor absoluto, sempre passíveis de
cumprimento pelo Estado, contudo, se ultrapassarem as reais possibilidades do Estado
provocarão um tratamento não isonômico entre aqueles que demandaram o Judiciário e
aqueles que não o provocaram. Além disso, como a prestação relativa ao “mínimo
existencial” não foi determinada previamente, mas identificada no caso concreto para garantir
uma “condição humana”, resta saber se o provimento judicial se adequa ao contexto orgânico
das políticas públicas a ele relacionado.
Disso tudo, percebe-se que, quando sustentamos a possibilidade de o Estado se escusar
de uma prestação necessária ao “mínimo existencial” de um indivíduo, fazemo-lo sem saber
quais são as efetivas possibilidades do Estado. A “reserva do possível”, no que diz respeito às
prestações materiais do Estado, não possui outro conteúdo que não seja o econômico, afinal,
não se trata de uma impossibilidade ligada à vontade política ou à consciência ética. Trata-se
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de saber se é ou não é possível fazer algo sob a ótica das efetivas possibilidades econômicas
do Estado. É justamente aí que encontramos a parcela de verdade referida por Canotilho no
tocante ao orçamento – e planejamento, seria possível completar, afinal, não há outro
mecanismo que nos permita afirmar se algo está dentro ou fora das possibilidades econômicas
do Estado além do orçamento. Neste aspecto acentua Fábio Conder Komparato (2003, p. 255-
256) que “toda política pública, com efeito, enquanto programa de ação governamental
financiado com recursos públicos, deve concretizar-se nas três modalidades de orçamento
previstas na Constituição Federal: o plano plurianual, as diretrizes orçamentárias e os
orçamentos anuais (art. 165)”. Certamente não será esse orçamento que aí está – ou que
muitas vezes nem existe, mas um orçamento que deixe de ser uma mera peça de contabilidade
pública; que assuma a magnitude de ser uma opção de justiça15 e que garanta sua legitimidade
através da participação direta da sociedade civil em sua elaboração, como demonstrado na
análise da relação com os agentes não-governamentais.
Desse modo, chegamos ao nosso terceiro elemento: ao planejamento e dotação
orçamentária. Ninguém respeita o orçamento que aí está. O Executivo não o respeita; o
Legislativo é condescendente com o descumprimento do orçamento pelo Executivo e o
Judiciário, por sua vez, afirma que não será ele quem irá respeitar. Se vamos admitir uma
“reserva do possível” ao Estado, não podemos dissociá-la da questão orçamentária, a não ser
que criemos outros mecanismos para essa análise. Nem mesmo o “Juiz Hércules” de Dworkin
conseguirá a partir do texto da Constituição e da realidade do Estado brasileiro saber o que é e
o que não é possível ao Estado se um mecanismo de verificação não for instituído. Esse
mecanismo existe e é o orçamento, muito embora ele deva ser encarado como tal.
O respeito ao orçamento não implica nem inviabiliza a atuação judicial, na medida em
que uma lei, inclusive a orçamentária, pode (e deve) ter o seu controle de constitucionalidade
verificado. Se a sociedade, através das suas entidades representativas e legitimadas para
propor a ADIN, levar a questão aojudiciário, poderá ele determinar uma nova alocação de
recursos que atenda à moldura constitucional. Essa forma de atuação é muito mais radical do
que qualquer outra que vem sendo exercida pelo Judiciário, afinal, ela pode representar um
controle em sede de macro-justiça e não de micro-justiça. A questão é saber se o Supremo
Tribunal Federal está disposto a assumir essa responsabilidade, afinal, a atuação judicial
voltada para a concretização dos direitos sociais e econômicos tem sido posta em prática, no
mais das vezes, por juízes de primeira instância. Quando a questão envolve valores absolutos
que exigem uma efetiva modificação da estrutura orçamentária, e não apenas uma simples
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Sobre o papel do orçamento na sociedade contemporânea, vide Ricardo Lobo Torres, Tratado de Direito
Constitucional, Financeiro e Tributário.
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Considerações finais
Ainda que as conclusões tenham sido colocadas já ao longo do texto, creio que seja
necessária uma melhor sistematização, principalmente pelo fato de terem sido abordados
diversos temas, cuja complexidade impedia um tratamento adequado no âmbito deste artigo.
I – As políticas públicas nascem como uma forma de atuação do Estado Social e, ao
lado delas, percebe-se a necessidade de planejamento das ações estatais. Esse planejamento
vem sendo deixado de lado e as ações estratégicas vêm tomando o lugar de ações orgânicas,
fato que auxiliado por uma idéia de aplicabilidade imediata de normas constitucionais. Essa
aplicabilidade tem como pressuposto a possibilidade de se extrair do texto normativo uma
verdade, pautada em métodos de interpretação constitucional.
II – As políticas públicas são vistas a partir de um conceito normativo que esconde sua
complexidade fenomenal. Elas são meios voltados para um determinado fim e não um fim em
si mesmo. Esse fim, além de tudo, sequer pode ser extraído do texto constitucional,
principalmente quando essa “extração” é legitimada por métodos que geram a ilusão de uma
racionalidade.
III – Esse desencontro proporcionado pelo encobrimento da complexidade fenomenal
provoca uma série de contradições secundárias, principalmente quanto à divisão de poderes
do Estado e ao exercício de suas respectivas funções. Ora se preconiza a impossibilidade de
intervenção do judiciário, em face de uma divisão radical entre o político e o jurídico; ora se
preconiza a possibilidade de intervenção judicial na implementação das políticas públicas
justamente por se ignorar a fronteira do político e do jurídico.
IV – As teses que sustentam a possibilidade de intervenção judicial acabam ignorando o
problema da escassez de recursos do Estado, justamente por ignorar o paradigma econômico
sobre o qual o Estado Social se consolida e, com isso, não perceber que outrora se admitia
orçamentos deficitários, o que hoje seria inadmissível em face do ordenamento jurídico
brasileiro. As teses que não ignoram a escassez, por sua vez, preconizam o total respeito ao
orçamento, sem refletir sobre a forma e o modo como ele é feito. Desse modo, o orçamento
continua sendo tratado como uma peça de contabilidade pública.
V – A pauta estratégica que domina a política, aliado ao desprestígio do planejamento
econômico, acaba proporcionando a falta de organicidade no trato das políticas públicas, o
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