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ISSN: 1981-3031

OS GESTORES ESCOLARES E A FORMAÇÃO DE “SUJEITOS SENHORES DE


SUA HISTÓRIA”

Valci Melo Silva dos Santos1

RESUMO
A presente comunicação analisou a capacidade de contribuição dos gestores escolares
(direção e coordenação pedagógica) para a formação de estudantes técnica e politicamente
capazes de fazer frente aos desafios históricos de construção de uma sociedade
qualitativamente superior a capitalista. A investigação teórico-empírica se deu a partir de um
estudo de caso realizado numa escola pública Normal de nível médio, situada no semiárido
alagoano, e teve como método norteador o materialismo histórico-dialético. Durante o
percurso a pesquisa buscou relacionar a produção teórica vinculada aos ideais de emancipação
política a partir da formação para a cidadania e para a democratização da sociedade (esquerda
democrática) com os pressupostos defendidos pela ontologia marxiana, fazendo opção por
esta última corrente em virtude da sua defesa da emancipação humana como horizonte maior
a ser perseguido pelas atividades educativas. Por fim, conclui-se que a atuação dos gestores
escolares está mais comprometida com a formação de cidadãos do que de homens e mulheres
efetivamente livres.
Palavras-chave: Gestão escolar - Projeto societário - Emancipação humana.

Introdução

O debate acerca da natureza e da finalidade da educação, em especial, a escolar/formal


é algo que se estende há bastante tempo e parte dos mais diversos ramos do conhecimento
(pedagogia, filosofia, sociologia etc.), não sendo exagero algum afirmar que “em função das
diversas formas de entender a educação, produziram-se diferentes teorias que embasaram o
nosso ideário pedagógico, ao longo da história” (CAVALCANTE, 2007, p.20).
Na sociedade brasileira, sobretudo após o processo de redemocratização política e
promulgação da Constituição Federal de 1988 e da LDB 9.394/96, tornou-se comum tanto por
parte do discurso oficial quanto da maioria dos intelectuais progressistas a identificação da
função social da educação escolar com a formação para o exercício da cidadania.
No primeiro caso, trata-se do estabelecimento da cidadania como horizonte formativo
numa perspectiva de aperfeiçoamento do sistema de exploração capitalista. Fazendo uma
análise daquilo que chama “discurso modernizador” em torno da qualidade e da cidadania nas
principais reformas educacionais brasileiras, Cavalcante conclui:
[...] no contexto da sociedade global, velhos problemas são re-colocados (de
forma nova), princípios são re-configurados, termos são reciclados. Essa
estratégia de reincorporação de termos em novos contextos denomina-se
recontextualização e faz parte da retórica neoliberal. Cidadania é um desses

1
Graduando do 8º período de Pedagogia pela Universidade Estadual de Alagoas (UNEAL) e educando do
Centro Nacional de Fé e Política “Dom Helder Câmara” (CEFEP). E-mail: valcimelo@hotmail.com.
2

termos incorporados à Formação Discursiva neoliberal, que necessita ser


investigado e desconstruído, sob pena de cairmos nas malhas sedutoras do
seu discurso (ibidem, p. 121).
É, portanto, na tentativa de desconstrução da forma como o termo cidadania é usado
pelo discurso oficial que se desdobra a produção teórica ligada à esquerda democrática:
Existe hoje uma concepção consumista de cidadania (não ser enganado na
compra de um bem de consumo) e uma concepção oposta que é uma
concepção plena de cidadania, que consiste na mobilização da sociedade
para a conquista dos direitos acima mencionados e que devem ser garantidos
pelo Estado. A concepção liberal e neoliberal de cidadania – que defende o
“Estado mínimo”, a privatização da educação e que estimula a concentração
de renda – entende que a cidadania é apenas um produto da solidariedade
individual (da “gente de bem”) entre as pessoas e não uma conquista no
interior do próprio Estado. A cidadania implica em instituições e regras
justas. O Estado, numa visão socialista democrática, precisa exercer uma
ação – para evitar, por exemplo, os abusos econômicos dos oligopólios –
fazendo valer as regras definidas socialmente (GADOTTI, 2000, p.39).
Ou seja, percebe-se que do primeiro para o segundo caso há uma mudança na forma
como tais sujeitos concebem o termo cidadania, ocorrendo, no último, a utilização do mesmo
vocábulo numa outra acepção conceitual que ora destaca-o como meio para a vivência de
relações efetivamente humanas, ora como estado de convivência humana desejável.
No entanto, no interior deste debate, uma nova questão é colocada: para uma educação
que se proponha a contribuir com a formação de pessoas capazes de se fazerem protagonistas
de sua história basta preparar para o exercício da cidadania? É apenas a concepção neoliberal
de cidadania subjacente ao discurso oficial que não corresponde aos anseios ontológicos de
formação e emancipação humana ou nenhuma forma de cidadania dá conta da formação de
estudantes técnica e politicamente capazes de enfrentar os desafios históricos de construção
de uma nova sociedade?
Para a corrente teórica ligada à ontologia marxiana a resposta às questões ac ima
levantadas é respectivamente negativa e afirmativa. Isto é, para ela, tanto a cidadania quanto a
democracia – emancipação política -, não representam valores a serem cultivados numa
sociedade efetivamente livre e humana por estarem limitados, essencialmente à dinâmica de
aperfeiçoamento e, portanto, de reprodução do capital.
Ora, a construção da cidadania e, nela, a universalização da educação são
partes integrantes da revolução burguesa [...]. O que significa que persegui-
las é o mesmo que correr atrás de uma miragem, de um objetivo desejável,
mas inatingível. Isto não quer dizer que as lutas pelos direitos democrático-
cidadãos não sejam justas e importantes. Quer apenas dizer que não se deve
ter a ilusão de que é possível, no Brasil, alcançar o seu pleno
desenvolvimento burguês e muito menos de que isto poderia significar o
patamar mais elevado possível da emancipação humana. Quer dizer que ela
– cidadania, - com a atual crise, se realizará sempre e cada vez mais de
maneira deformada e precária, avançando em alguns aspectos, mas
3

retrocedendo na maioria deles. Em resumo, criando mais ilusões do que


realidades. (TONET, 2007, p.38).
É, portanto, à luz dessas análises que o presente estudo se lança ao desafio de buscar
compreender até que ponto a atuação dos gestores escolares (direção e coordenação
pedagógica) contribui para a formação de sujeitos conscientes e capazes de se fazerem
“senhores da sua história” 2. Pois, como observa Libâneo,
A organização e os processos de gestão, incluindo a direção, assumem
diferentes significados conforme a concepção que se tenha dos objetivos da
educação em relação à sociedade e à formação dos alunos [...] (2001, p.79).

1 Os gestores escolares: quem são e o que devem fazer

Enquanto organização educacional, a escola mantém com o mundo à sua volta uma
relação de reciprocidade, recebendo dele as demandas sociais e as condições necessárias ao
seu funcionamento, e dando-lhe como resultado o desenvolvimento das habilidades e
competências dos sujeitos entregues aos seus cuidados a partir da produção e socialização dos
conhecimentos historicamente acumulados.
Nesta empreitada, como observa Libâneo, ela “[...] tem a tarefa de promover a
apropriação de saberes, procedimentos, atitudes, e valores por parte dos alunos, pela ação
mediadora dos professores e pela organização e gestão da escola” (ibid., p.111).
3
Este trabalho analisa a contribuição dos gestores escolares no tocante à demanda
educacional de formação de “sujeitos senhores de sua história” (TONET, 2007), comungando
com Paro quando este afirma que
A consideração da estrutura administrativa se justifica porque, para a
educação do homem como ser histórico, em bases democráticas, é preciso
levar em conta não apenas o que ele aprende e como ele aprende, mas
também a medida em que o ambiente ou a instituição em que se dá esse
aprendizado está contribuindo para a efetividade dessa educação (2007,
p.83-4).
Para tal, referencia-se nas atribuições e papeis destes sujeitos apresentadas por autores
cuja produção teórica, embora analise criticamente a escola enquanto local de trabalho
inserido na dinâmica da sociedade capitalista, está comprometida com a formação para o
exercício da cidadania, tendo como horizonte a democracia. No entanto, acredita-se que isto
não constitui um problema teórico-metodológico para o trabalho empreendido pelos seguintes

2
Expressão usada várias vezes por Tonet tanto no livro Educação, cidadania e emancipação humana (2005)
quanto na obra Educação contra o capital (2007). No primeiro, o termo aparece como senhores do seu destino
e, na segunda, o autor usa tanto uma expressão quanto a outra, ambas significando sujeitos na construção e
usufruto de uma forma de uma forma de sociabilidade na qual podem ser efetivamente humanos (emancipação
humana).
3
São aqui compreendidos não de maneira restrita, relacionada à direção e ao seu papel administrativo-financeiro,
mas de forma a contemplar também a gestão dos processos didático-pedagógicos.
4

motivos: 1) são autores que trabalham diretamente às questões alusivas à gestão das
organizações escolares na perspectiva da participação efetiva e do exercício coletivo do
poder; 2) as categorias utilizadas por eles são importantes senão efetivamente num outro
modo de sociabilidade, ao menos no processo de transição para este.
Mas, afinal, o que é a direção e a coordenação pedagógica da escola e o que lhes cabe
fazer? Que relação existe entre a atuação destes e a formação de sujeitos conscientes,
participativos, livres e comprometidos com a transformação da sociedade na qual estão
inseridos?
No tocante ao segundo questionamento, que diz respeito à dimensão teleológica da
gestão escolar, Libâneo destaca: “[...] o modo como uma escola se organiza e se estrutura tem
um caráter pedagógico, ou seja, depende de objetivos mais amplos sobre a relação da escola
com a conservação ou a transformação social” (2001, p.100).
Paro (2007), por sua vez, comentando os resultados de uma investigação acerca da
qualidade do ensino numa escola pública de nível fundamental – o que também se aplica ao
caso em estudo, mesmo tratando-se de uma instituição de Ensino Médio -, destaca:
[...] Para buscar a qualidade pretendida, é preciso, pois, que a estrutura da
escola [...], tanto em seus aspectos pedagógicos quanto em seus aspectos
organizacionais, esteja em perfeita sintonia com os fins educativos, tanto em
sua dimensão individual quanto em sua dimensão social (p.112).
Já no que se refere à primeira interrogação, faz-se necessário trabalhar, para efeito
didático, separadamente a identidade e as atribuições da direção e da coordenação
pedagógica. No primeiro caso (direção), trata-se das pessoas (diretor/a geral e diretor/a
adjunto/a) responsáveis pela escola nos seus aspectos administrativos, relacionais e
pedagógicos. Isto é, cabe-lhes assumir a co-ordenação/liderança do trabalho desenvolvido
pela e na organização escolar nas suas mais variadas manifestações (gestão de pesso as,
finanças, infraestrutura, materiais, relação com a comunidade, processos político -
pedagógicos, entre outros).
Libâneo (2001), ao tratar da identidade e das atribuições deste sujeito (diretor/a),
salienta que para dar conta de sua função ele/a precisa de conhecimentos relacionados tanto à
área administrativa quanto ao setor pedagógico, uma vez que ambos fazem parte da sua
atuação. No entanto, o mesmo autor destaca que na organização escolar, “[...] ele desempenha
predominantemente a gestão geral da esco la e, especificamente, as funções administrativas
[...], delegando a parte pedagógica ao coordenador ou coordenadores pedagógicos” (p.87).
Se isso é verdade, então, tem-se aí não apenas a definição do papel da direção, como
também, indicadores daquilo que no campo analisado (gestão escolar) cabe à coordenação
5

pedagógica. Esta, por sua vez, é tratada pelo autor como um “aspecto da direção” (LIBANEO,
2001, p. 179) que
[...] tem como principal atribuição a assistência pedagógico-didática aos
professores, para se chegar a uma situação ideal de qualidade de ensino
(considerando o ideal e o possível), auxiliando-os a conceber, construir e
administrar situações de aprendizagem adequadas às necessidades
educacionais dos alunos (ibid., p.183).
Silva Jr (2007), por sua vez, chama a atenção para a necessidade de que o trabalho
deste sujeito se constitua num espaço coletivo e compartilhado, criando condições para a
manifestação e o reconhecimento daquilo que efetivamente é: “coordenador de uma escola
que busca a elaboração de uma nova visão de mundo [...]” (ibid., p.96).
No mesmo raciocínio diz Zieger (2009),
É essencial, então, que o supervisor entenda a importância de seu estímulo à
ampliação dos marcos da prática docente, de modo a ser compreendida
como prática sociopolítica e cultural e, consequentemente, a importância de
não só oferecer oportunidades de formação, como também formar a cultura
de atualização constante e a reflexão sobre uma educação contextualizada e
socialmente comprometida (2009, p.89).

2 O caso representativo em estudo

2.1 Caracterização da escola e do percurso teórico-metodológico4

A presente pesquisa se deu numa organização escolar da rede pública estadual, nível
médio, situada no Território do Médio Sertão Alagoano 5. Ela existe há 19 anos e concentra
sua maior atuação na oferta do Ensino Médio, modalidade Normal6, no intuito de contribuir
para a formação de professores/as aptos a atuar na Educação Infantil e nos Anos Iniciais do
Ensino Fundamental, seja este último regular ou na modalidade Educação de Jovens e
Adultos.
A investigação foi realizada durante os meses de outubro a dezembro de 2010, no
período noturno em que a instituição conta com 08 turmas em funcionamento,
correspondendo a 321 estudantes. Destes, 75 (23, 36%) participaram do estudo através da

4
Usa-se aqui a expressão “percurso teórico-metodológico” porque se está trabalhando a partir do referencial
marxiano e, como destaca Netto (2009), em Marx, não existe uma separação entre “elaboração teórica e
formulação metodológica” (p. 26), mas sim, uma unidade cuja desconsideração compromete a qualidade tanto
de uma dimensão quanto da outra.
5
Trata-se de uma estratégia usada pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário – MDA no intuito de “promover
o desenvolvimento econômico e universalizar programas básicos de cidadania”. O estado de Alagoas é divido
em 06 territórios e o do Médio Sertão abrange 09 municípios e uma população de aproximadamente 148 mil
habitantes, dos quais mais de 55% vivem na área rural.
6
A Educação Infantil e os Anos Iniciais do Ensino Fundamental funcionam como campo de estágio para os
estudantes do Ensino Médio que chegam a 78% do universo trabalhado pela organização.
6

realização de questionário, sendo 64% oriundos do município onde fica localizada a escola
campo de pesquisa.
Em sua maioria (67%) matricularam-se na instituição pelo fato de que o curso por ela
oferecido já possibilita sair do Ensino Médio com uma profissão, sendo considerável o
percentual (39%) daqueles que já concluíram o Ensino Médio.
No tocante à questão socioeconômica, 32% dos estudantes têm renda familiar abaixo
do salário mínimo e 46% buscam conciliar trabalho e estudo.
Os professores/as têm, em sua maioria (59%), vínculo efetivo e, tanto a direção quanto
a coordenação pedagógica, além de formação superior em pedagogia, tem especialização em
docência. Além disso, os gestores apresentam experiência profissional na área administrativa
e pedagógica tanto na instituição em análise quanto em organizações educacionais da esfera
pública municipal.
Já o pessoal do setor administrativo, em sua totalidade é servidor efetivo, sendo que
75% deles têm o Ensino Médio completo, 12,5% apenas o Ensino Fundamental e o mesmo
percentual o Ensino Superior.
Para a coleta dos dados, fez-se uso de técnicas e instrumentos7 como observações (de
aulas, intervalo, palestras, comunicados, eleição para a direção, entre outros), entrevistas
semiestruturadas (com vigilante, professores, diretora adjunta e coordenação pedagógica) e
aplicação de questionários (com estudantes). O foco desta consistiu na busca de elementos
que possibilitasse traçar um perfil do contexto e dos sujeitos nele presentes e identificar os
fatores que pudessem representar os limites e as possibilidades da atuação dos gestores no
tocante à formação de estudantes capazes de se fazerem “senhores de sua história” 8.

7
Segundo Severino (2007), as técnicas enquanto ferramentas “[...] podem ser utilizadas em pesquisas
conduzidas mediante diferentes metodologias e fundadas em diferentes epistemologias” (p. 124). No caso em
destaque, trata-se de uma pesquisa cujo paradigma teórico-metodológico orientador é o Materialismo histórico-
dialético.
8
Para tal, partiu-se de três pressupostos que são fundamentais para o desafio ao qual o estudo se propôs, a saber:
1) as relações de produção (trabalho) constituem a base sobre e a partir da qual se desenvolvem as demais
relações sociais (educacionais, artísticas, políticas, etc.), num movimento constante de “determinação
reflexiva” (TONET, 2007) em que a primeira (relações sociais de produção) é decisiva; 2) o ser social, como
resultado das relações dos homens entre si e para com a natureza é historicamente construído e, deste modo,
tanto tem na educação uma das possibilidades de “Ser Mais” (FREIRE, 1987) como também a forma
organizacional por ele construída, mediante seu trabalho, pode ser radicalmente transformada; 3) a realidade
educacional, enquanto esfera secundária que tem no trabalho seu ato fundante, é uma “totalidade constitutiva”
que mantém uma relação articulada com a “totalidade concreta” (sociedade em geral) (NETTO, 2009, p. 27 -
28). No entanto, no caso da sociedade de classes, especialmente a burguesa, essa relação é conflituosa e
contraditória porque o trabalho, na medida em que é explorado pela classe dominante, deixa de estar a serviço
da humanização para constituir-se em instrumento de alienação, tendo na prática educativa, sobretudo a
escolar/formal, uma mediação importante para a legitimação dos interesses da burguesia e/ou afirmação dos
anseios da classe trabalhadora (PIRES, 1997, p. 87-90).
7

2.2 Descrevendo a atuação dos gestores e outras questões afins

Ao longo dos dois meses e meio em que se deu a coleta de dados para este estudo,
pode-se acompanhar, além de outras atividades 9, duas palestras realizadas pelos gestores,
sendo uma alusiva à abertura dos trabalhos comemorativos ao Dia da Consciência Negra e
outra em virtude do processo eleitoral para a renovação da diretoria da organização.
Ambos os momentos se deram no pátio da instituição escolar e tiveram a liderança da
coordenação pedagógica. No primeiro caso, tratou-se da exposição de um vídeo sobre a lei
que versa acerca da implantação do ensino de História e Cultura Afro-Brasileira no currículo
escolar (Lei 10.639, de 09 de janeiro de 2003) e da leitura de um texto destacando a história
dos negros no Brasil, sobretudo, no âmbito da educação formal. Já no segundo, a coordenação
pedagógica apenas introduz o momento, falando da importância do processo de “gestão
democrática10 ” na escola, e logo passa a palavra para a diretora adjunta e candidata, em chapa
única, a nova direção da organização. Esta, por sua vez, apresenta os pontos principais de seu
plano de gestão, no qual figura com destaque, a ideia de “construção coletiva”. Explicando as
atribuições da direção, destaca ela que é papel seu “assinar documentos e administrar bem os
recursos”, sendo a descentralização destes, segundo a mesma, o elemento que torna
indispensável a existência de um gestor na instituição.
Nos dois momentos descritos, a desatenção por parte da maioria dos estudantes foi
escandalosa: circulavam pelo pátio e conversavam com os colegas ao mesmo tempo em que
as gestoras estavam falando. No primeiro caso, a diretora adjunta, única pessoa a fazer uso da
palavra facultada pela coordenação pedagógica, chama a atenção para o fato de que o assunto
trabalhado pode ser temática de algum vestibular. Já no segundo, apenas olha para a
movimentação dos estudantes e tenta deixar a conversa mais atrativa apresentando uns slides
sobre “A paixão de ser professor/a”.
Ainda cabe ressaltar que, na atuação dos gestores, parece predominar a dedicação aos
aspectos burocrático-administrativos do cargo (assinatura de papeis, verificação de
documentos, “apagamento de incêndios”, etc.), sendo escasso e de maneira bastante informal
o tratamento específico das questões político-pedagógicas. Algumas situações ilustram bem a
afirmação acima, a saber: 1) distribuição de panfletos sobre desenvolvimento infantil pela

9
Trata-se de intervalos, conversas (com professores, estudantes e estagiários), atividades burocráticas, entre
outras.
10
Este parece ser constituído apenas da eleição direta para a direção da escola, das reuniões mensais do
Conselho Escolar e dos encontros semestrais do Conselho de Classe, tendo sido este último constituído durante
o primeiro semestre de 2010 e cuja atuação ainda apresenta-se bastante incipiente.
8

diretora, nas salas de aula, sem maiores informações acerca do material e/ou das temáticas
abordadas, bem como na ausência de muitos estudantes que se encontravam fora da sala; 2)
comunicação acerca da mudança de horário do intervalo e do lanche, feita pela diretora, sala a
sala, sem nenhuma consulta a opinião dos estudantes; 3) correria por parte da direção e da
coordenação pedagógica em virtude de demandas operacionais para dar conta, entre outros.
Já durante o processo de eleição para a nova direção da escola, vale destacar que, fora
a palestra já citada e a fixação de dois cartazes comunicando a data e convidando a
“comunidade” escolar para “exercer a sua cidadania”, nada mais se viu. Ou seja, nenhuma
sala de aula tomou o processo como objeto de estudo, sendo o caso tratado, na melhor das
hipóteses, a título de informe como se os estudantes já fossem conscientes e preparados o
suficiente para tomar parte efetivamente neste. E os dados, por sua vez, mostram o contrário,
quando revelam que, numa escala avaliativa de péssimo à excelente, passando por razoável e
bom, 56% dos educandos consideram a participação da categoria nas questões da escola de
péssimo (17%) a razoável (39%), sendo o principal motivo para tal conceito o desinteresse e a
falta de colaboração da própria categoria11.
Já a relação dos gestores entre si, para com os/as professores/as, o setor administrativo
e os estudantes mostrou-se bastante positiva – embora com maior expressão no que tange aos
aspectos informais e não no sentido estrito da ação pedagógica. Uma ilustração clássica disso
é a grande dificuldade da coordenação pedagógica em reunir os docentes num grupo de
estudo e para fazer formação continuada em serviço, uma vez que grande parte destes – e
também ela - tem vínculos empregatícios não apenas com a instituição pesquisada.
Isto, por sua vez, juntamente com o pouco envolvimento de muitos professores nos
projetos pedagógicos, figura como um dos principais problemas ligados aos docentes no
Plano de Ação da instituição para o ano letivo 2010 e como um dos limites da atuação dos
gestores identificado por esta pesquisa, uma vez que, como observa Silva Jr, sem uma
estrutura que possibilite aos professores dedicarem todo o seu tempo de trabalho apenas a
uma escola, não estarão postas as condições necessárias para a “reelaboração do sentido da
ação supervisora” (2007, p.106).
Por fim, acrescenta-se que: 1) de forma unânime os pesquisados não foram muito
claros ao referir-se à qualidade do ensino, a função social da escola e a relação entre a sua

11
Apesar disso, na mesma escala avaliativa, 52% dos estudantes consideram a qualidade do ensino oferecido
pela instituição como boa, sendo o principal motivo o fato de preparar para o mercado de trabalho no setor
educacional, o que, por sua vez, revela a desconsideração da categoria participação estudantil como um dos
indicadores da qualidade do ensino – fato também presente na fala de todos os entrevistados (gestores e
vigilante).
9

atuação e estas categorias de análise; 2) a avaliação da qualidade do ensino oferecido pela


escola não toma como referencial, na fala dos entrevistados, o papel social12 da instituição
escolar, mas o exemplo de outras organizações que, em suas análises, estão em pior situação;
3) os estudantes que representam a categoria nos órgãos de gestão da escola, quando não têm
dificuldade de saber se estão no Conselho de Classe ou no Conselho Escolar, sentem-se
angustiados por fazer parte de uma instância na qual não sabem ao certo o que lhes cabe,
“além de assinar papeis”.

Conclusão

Como já expresso ao longo do texto, buscou-se com esse trabalho apontar os limites e
as possibilidades de contribuição dos gestores escolares (direção e coordenação pedagógica)
para a formação de sujeitos capazes de se fazerem “senhores da sua história”.
A partir dele é possível dizer que a atuação dos gestores escolares tem como limites,
considerando-se o caso estudado: 1) a indisponibilidade docente para a constituição de grupo
de estudo e realização de encontro pedagógico; 2) a restrição do processo de gestão
democrática à eleição para diretores e as reuniões com os conselhos da Escola e de Classe; 3)
o tarefismo, a ação episódica e a predominância das atividades burocrático-administrativas
sobre as de cunho político-pedagógicas; 4) a pouca clareza acerca da relação entre a sua
atuação e a função social da escola; 5) a desarticulação das atividades pedagó gicas da
instituição com as lutas sociais mais amplas.
Já como possibilidades, podem ser destacadas: 1) a coerência entre a formação dos
gestores e o cargo/função que ocupam na instituição; 2) o nível de formação e vínculo
empregatício dos profissionais; 3) o percentual de estudantes que já tem formação em nível
médio; 4) o relacionamento horizontal para com os demais sujeitos da escola; 5) a existência
de instrumentos e mecanismos de participação dos estudantes e dos pais na gestão da escola.
Por fim, considerando que a organização escolar não se situa de forma neutra dentro
da sociedade, mas expressa, pela forma como é organizada e dirigida, a opção e o
compromisso com um projeto societário, é possível afirmar que não há por parte dos gestores

12
O papel e a função social da escola são usados aqui como termos sinônimos, ambos significando aquilo que
cabe a esta organização no processo de reprodução da vida social. E, como já exposto noutros momentos desse
trabalho, o fato da função/papel social da educação escolar não ser algo autônomo, mas ontologicamente
orientado pela produção material, não significa dizer que a ela [a escola] esteja totalmente predestinada a ser,
na sociedade capitalista, um mero instrumento a serviço dos interesses dominantes. Por isso, consideramos que
a pouca clareza acerca dessas questões constitui-se num empecilho ao empreendimento de “atividades
educativas que apontem no sentido da emancipação”, uma vez que, como destaca Tonet, “como, então,
contribuir para atingir um objetivo do qual se tem uma ideia tão vaga?” (2007, p. 34).
10

investigados nenhuma intenção de fazer frente ao sistema aí posto no sentido radical de


transformá-lo, mas apenas o desejo de zelar para que os estudantes egressos da instituição que
gerenciam se insiram satisfatoriamente nos espaços “existentes” (emprego e/ou estudos
posteriores) e contribuam para o aperfeiçoamento desta forma de sociedade, o que, segundo
Tonet (2007), na melhor das intenções, ainda se trata de uma espécie de aperfeiçoamento da
forma de exploração do homem pelo homem.

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