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Tombamento: relatos de casos curiosos e aspectos <direitoadm.com.br>, do qual, a propósito, também


jurídicos controvertidos sou leitor [risos]. Quanto aos ônus que o tombamento
traz para os titulares dos bens protegidos, posso
12.12.2018 por Irene Nohara
afirmar seguramente que são muitos e severos. É uma
Fonte :< https://direitoadm.com.br/tombamento- pena, mas o Brasil é um país sem forte tradição na
relatos-e-aspectos-juridicos/> preservação do patrimônio cultural e tal condição é
refletida nos orçamentos públicos. Mesmo numa
Tombamento: relatos de casos curiosos e aspectos entidade federativa como o Estado de São Paulo,
jurídicos controvertidos reconhecida por movimentar os maiores montantes
Entrevista com Daniel Scheiblich Rodrigues financeiros do país na área cultural, pouca gente sabe
que os recursos da Secretaria da Cultura foram fixados
Tombamento é o procedimento administrativo que na Lei Orçamentária Anual de 2018 em míseros três
objetiva inscrever determinado bem, revestido dos décimos por cento da receita estatal estimada para o
requisitos para integrar o patrimônio cultural exercício fiscal. Os números já são bastante
brasileiro, em livro próprio para efeitos de desanimadores em relação à cultura como um todo,
preservação. O objetivo do tombamento é de evitar a mas, quando se fala especificamente sobre ações de
degradação do bem. Trata-se de competência proteção ao patrimônio cultural tombado, as cifras
material comum de todos os entes federativos. são extremamente alarmantes: para o exercício fiscal
Daniel Scheiblich Rodrigues, advogado, mestrando do de 2018, a Lei Orçamentária Anual destinou algo em
PPGDPE da Universidade Presbiteriana Mackenzie, torno de cento e vinte e cinco mil reais à unidade
que atualmente é Subsecretário de Assuntos gestora responsável pelas despesas da Unidade de
Parlamentares do Estado de São Paulo, mas atuou Preservação do Patrimônio Histórico. Ou seja, dos
durante anos na Secretaria da Cultura, tendo quase duzentos e dezessete bilhões de reais que
concluído sua passagem pela Pasta no cargo de Chefe compuseram o orçamento do Estado, pouco mais de
de Gabinete, concedeu esta rica entrevista ao portal cento e vinte e cinco mil reais foram estabelecidos
direitoadm.com.br para compartilhar de relatos para a Unidade responsável tanto pelas pesquisas que
curiosos e dos aspectos jurídicos controvertidos na embasam as decisões quanto pela execução dos
prática do tombamento.Em primeiro lugar, gostaria de próprios acórdãos do Conselho de Defesa do
agradecer à oportunidade e à generosidade de Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e
compartilhar de sua experiência em relação ao relato Turístico do Estado de São Paulo, conhecido pelo
de cases que dizem respeito ao tombamento, para acrônimo CONDEPHAAT. Por isso, quando se versa
analisarmos nessa entrevista aspectos práticos que sobre os ônus dos titulares dos bens protegidos, pode-
nem sempre são devidamente trabalhados na se afirmar, no que concerne aos custos de
literatura jurídica da área, mas que despertam a preservação, tanto no que tange às necessidades
curiosidade dos pesquisadores e estudiosos do tema especiais de manutenção quanto às próprias obras de
do tombamento. restauro, que as responsabilidades são integrais.
Embora exista um Decreto Estadual do ano de 1979
ENTREVISTA que assegure aos proprietários hipossuficientes o
direito de comunicar ao CONDEPHAAT sua carência de
Em primeiro lugar, quais são os ônus que um
recursos, para que o Conselho determine a execução
tombamento acarreta em relação ao proprietário do
estatal das obras necessárias, a situação orçamentária
bem?
da Secretaria da Cultura costuma representar
Daniel Scheiblich Rodrigues. Primeiramente, Dr.ª verdadeira cláusula de reserva do possível, fazendo
Irene, eu gostaria de agradecer pelo honroso convite com que, na prática, os particulares fiquem
para conceder esta entrevista. Sou leitor de suas obras desamparados em relação a qualquer subsídio estatal
jurídicas e, por isso, como grande admirador de seu para a preservação dos bens. Trata-se, portanto, de
trabalho, posso dizer que é uma imensa satisfação conjuntura fática em que a pessoa física ou a pessoa
poder falar para o público do portal jurídica de Direito Privado respondem integralmente
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pela consecução do interesse coletivo, ainda que não suportar o ônus de conservá-la sob o regime do
haja amparo jurídico para tal desproporcionalidade. tombamento. Por isso, no Estado de São Paulo, a mera
instauração de procedimento administrativo para o
Há tombamento feito por diversas esferas
estudo de eventual tombamento já é o suficiente para
federativas. Quais são os problemas práticos dessa
tutelar a inalterabilidade do bem, cuja modificação
situação?
poderá causar a incriminação do respectivo agente
Daniel Scheiblich Rodrigues. De fato, há casos de por dano a coisa de valor artístico, arqueológico ou
imóveis que figuram como objeto de duplo histórico, conforme tipificado no Código Penal. Repare
tombamento, entre os quais podemos citar, no que as legislações estadual, de 1979, e municipal, de
âmbito paulistano, a Casa do Sítio do Tatuapé – sobre 1985, adotaram a mesma linha de tombamento
a qual recaem tombamentos concomitantes pelo provisório estabelecida pela legislação federal, de
Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio 1937, ou seja, aplica-se o regime de proteção sumária.
Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São
Existem limitações práticas em relação ao que pode
Paulo, conhecido pelo acrônimo CONPRESP, e pelo
ser alegado pelo particular dentro de um processo de
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional,
tombamento? Já teve contato com algum
conhecido pelo acrônimo IPHAN –, o antigo Instituto
contraditório exercido em que o particular reverteu a
de Educação Caetano de Campos, no qual está situada
intenção de tombar seu bem? Qual a situação mais
a sede da Secretaria da Educação do Estado de São
comum na prática?
Paulo – caso em que há tombamentos coincidentes
pelo CONPRESP, e pelo CONDEPHAAT –, e a Estação Daniel Scheiblich Rodrigues. Embora a legislação não
da Luz – na qual há tombamentos simultâneos pelo delimite expressamente o que pode ser alegado, o
CONDEPHAAT e pelo IPHAN. O principal problema da procedimento de tombamento deverá ter como
sobreposição de poderes é o risco de decisões objeto bens de valor arqueológico, artístico,
contraditórias entre os órgãos competentes dos bibliográfico, etnográfico, histórico, paisagístico ou
distintos entes federados. Além disso, ainda que não turístico, seja por seu interesse público ambiental ou
sejam contraditórias as decisões prolatadas por cultural, de modo que o particular poderá contestar a
autoridades investidas em distintos poderes, há existência de tal valor. Haja vista que qualquer bem é
também o risco de hipertrofiar de tal modo os vinculado a determinado contexto natural ou
trâmites burocráticos, decorrentes de procedimentos momento histórico, a prova da falta de valor é
administrativos simultâneos e independentes, que as excepcionalmente difícil, quase leonina. Em suma, o
prerrogativas do titular do bem se tornem que deve ser avaliado é se o ônus da preservação é
excessivamente limitadas, numa situação que se proporcional em relação à memorabilidade do bem,
aproxima perigosamente da desapropriação indireta. pois a violação à proporcionalidade – que integra a
Haja vista que os bens tombados pelo IPHAN são principiologia constitucional – feriria não apenas o
também tombados pelo CONDEPHAAT, em ato direito do proprietário do bem, mas também o
administrativo de ofício, a possibilidade de hipertrofia interesse da coletividade, uma vez que o aparato
é enorme. estatal não deve ser manejado sem respaldo do
interesse público. A propósito, eu jamais tomei ciência
A que o Poder Público deve ficar atento, quando há a
de um caso em que a contestação ou de recurso
intenção de tombar um bem?
administrativos do titular do bem, fundamentados na
Daniel Scheiblich Rodrigues. Sempre que o Poder carência de valor, que tenha sido responsável pela
Público visar ao tombamento de um bem, a primeira descontinuidade ou reversão do tombamento. Vale
medida que deverá adotar é a sua proteção sumária. lembrar que a carência de valor difere da perda de
Isso se deve ao fato de que, em decorrência das materialidade do bem, pois, nesta segunda hipótese, o
restrições a que se sujeitam os titulares de bens que que se alega é que, embora outrora o bem tornasse
venham a ser tombados, mormente na hipótese de palpável um fato ou contexto memorável, sua
imóveis, existe o risco de que o proprietário de uma integridade material foi prejudicada de tal sorte que o
edificação de valor cultural prefira destruí-la a ter de
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bem não tem mais o condão de expressar o valor de imagem; mesmo assim, o Grupo de Estudos de
outrora. Inventário e Reconhecimento do Patrimônio Cultural e
Natural, a Consultoria Jurídica e a Assessoria Técnica
do Gabinete da Secretaria da Cultura – da qual eu
Além de imóveis, existem tombamento de bens fazia parte, sendo-me atribuída a tramitação do caso –
móveis? Poderia nos dar exemplos de tombamentos se alinharam em relação à viabilidade jurídica e aos
relevantes de bens móveis? imperativos de interesse coletivo relativos ao
tombamento. A conclusão a que chegamos era a de
Daniel Scheiblich Rodrigues. Os exemplos mais que o tombamento jamais poderia vedar a exposição
importantes de tombamentos de bens móveis são e a fruição do bem, pois estas eram suas principais
aqueles incidentes sobre acervos inteiros, casos em finalidades; contudo, ao CONDEPHAAT incumbiria
que todo um cabedal constituinte de um mesmo estabelecer tecnicamente as condições adequadas
contexto é tombado em conjunto. Lembro-me que para seu uso litúrgico, que não deveria ser restritivo a
são tombados, pelo CONDEPHAAT, os acervos de ponto de comprometer o direito constitucional à
diversos museus paulistas, assim como da Capela do liberdade religiosa, mas também não poderia deixar
Hospital da Clínicas. Contudo, o exemplo com o qual desprotegido o caráter cultural daquela obra artesanal
tenho mais familiaridade é o do acervo do Palácio dos de madeira, que tem como acessórios o manto
Bandeirantes, onde trabalho e tenho o prazer de ver confeccionado para a festa de coroação realizada no
diariamente as obras; neste caso, o tombamento foi início do século XX, bem como a própria coroa, doada
realizado pelo IPHAN.Houve no Estado de São Paulo por ninguém menos que a Princesa Isabel. Eu mesmo
toda uma discussão sobre a questão do tombamento preparei para o Secretário da Cultura, Marcelo Mattos
da imagem de Nossa Senhora de Aparecida, dado que Araujo, a decisão que conheceu da contestação
ela tinha de se deslocar em procissões, o que poderia subscrita pelo Dom Raymundo Damasceno Assis, mas
gerar um desgaste ou degradação. lhe negou provimento. Aproximadamente um mês
Como foi resolvida no Estado essa questão? depois, finalizamos o procedimento administrativo e
publicamos a decisão de tombamento na véspera do
Daniel Scheiblich Rodrigues. O caso da imagem de Ano Novo. Apesar das dificuldades que a preservação
Nossa Senhora de Aparecida exigiu bastante cautela de um bem móvel tombado traga para seu titular,
porque se trata de um bem que – como você bem entendo que, desde que não haja desapropriação
disse – exige deslocamento, de modo que indireta ou qualquer outra perpetração
reconhecíamos haver restrições à própria imposição desproporcionalmente restritiva, é possível conciliar a
de limites ao uso do bem. Em novembro de 2014, eu realização teleológica do bem e o interesse social
tive contato profundo com os autos do procedimento existente em sua preservação. Sei que uma das
administrativo que levou ao tombamento da imagem medidas adotadas pela Igreja Católica, para assegurar
em âmbito paulista e me lembro de que a a preservação daquele patrimônio cultural, é a
Arquidiocese de Aparecida, representada pelo Dom utilização de uma réplica em determinados atos
Raymundo Damasceno Assis, protocolizou uma públicos, limitando o uso do bem original a
contestação que nos deixou bastante pensativos. À determinadas ocasiões de menor risco à sua
época, o CONDEPHAAT estudava o tombamento não integridade. Parece-me uma solução adequada do
apenas da imagem de Nossa Senhora de Aparecida, ponto de vista do Direito Cultural.O §1º do art. 216 da
mas também do porto onde ela havia sido Constituição dá o fundamento jurídico constitucional
encontrada, além da basílica e do seminário do tombamento, enfatizando que a proteção do
missionário locais, embora a recomendação imediata patrimônio cultural brasileiro também pode ser feita
do colegiado se referisse apenas ao tombamento da por meio de inventários, registros, vigilância e pela
imagem, tendo os autos sido desmembrados para a desapropriação.
continuidade, em apartado, do estudo referente aos
outros itens. Evidentemente, o tombamento Poderia explicar como se dão os inventários, qual a
implicaria em cuidados restritivos para a realização de diferença entre registro e tombamento e em que
peregrinações que envolvessem o deslocamento da hipótese a desapropriação pode ser utilizada para
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efeitos de promoção e proteção? Existem outras acautelamento, a legislação federal de proteção ao


formas de acautelamento e preservação, conforme patrimônio cultural prevê que, em se tratando de
induz a interpretação desse dispositivo bens móveis tombados, a Administração Pública pode,
constitucional? no exercício da autoexecutoriedade, promover o
sequestro das coisas que se tentarem exportar sem a
devida autorização. As legislações municipais, às quais
Daniel Scheiblich Rodrigues. Os artigos 215 e 216 da incumbe regulamentar a concessão de licenças e
Constituição Federal são trunfos do Estado alvarás que envolvam obras de Engenharia, também
Democrático de Direito, que fortalece o exercício da podem prever casos de embargo, quando se
cidadania por meio da valorização da identidade detectarem prejuízos ao patrimônio cultural. Apesar
cultural do povo brasileiro. Em 2012, a Emenda disso, em geral, as medidas de acautelamento
Constitucional n.º 71 incluiu ainda o artigo 216-A na costumam ser adotadas judicialmente, pelo bom
Seção da Constituição que trata da cultura nacional, trabalho que o Ministério Público desenvolve nesta
especificamente para tratar do Sistema Nacional de seara.Em diversos casos de tombamento, há uma
Cultura. A Constituição do Estado de São Paulo série de restrições nas reformas e restauros. No
também aborda com profundidade a temática da entanto, os próprios órgãos públicos entram em
cultura nos artigos 259 e seguintes. Por esse motivo, conflito quanto às exigências legais. Por exemplo,
podemos dizer que o ordenamento jurídico brasileiro acessibilidade, determinações de segurança do Corpo
normatizou a ideia de cidadania cultural. Os de Bombeiros etc.
inventários, então, são instrumentos que permitem a
Poderia nos relatar algumas situações similares e
catalogação, a descrição e até mesmo a interpretação
como equacionar essas questões?
de modos de vida ou formatações culturais relevantes
para exteriorização da identidade de determinado Daniel Scheiblich Rodrigues. Sim, é muito comum que
nicho social. Se bem utilizados, os inventários podem o Corpo de Bombeiros determine adequações que
fornecer os elementos necessários para o bom conflitem com as diretrizes de restauro existentes
direcionamento das políticas culturais. O IPHAN para imóveis tombados. Nestes casos, ponderando-se
desenvolve um trabalho importantíssimo de as regras de segurança que visam a garantir a vida e a
inventariança nacional, compilado no Inventário integridade física das pessoas com as posturas de
Nacional de Referências Culturais. No Estado de São restauro que visam a preservar as características
Paulo, a Unidade de Preservação do Patrimônio originais do bem, há de se dar preferência para a
Histórico, conhecida pela sigla UPPH, dispõe de um segurança. O mesmo vale para os casos de normas de
centro permanente de estudos voltados para a acessibilidade, que visam a assegurar o direito de
inventariança e para o reconhecimento do patrimônio igualdade. Em geral, pelo menos no Estado de São
cultural paulista. Diferentemente do tombamento, o Paulo, a Administração Pública tem conseguido obter,
inventário não impõe restrições ao direito de junto aos órgãos de controle, maiores prazos para a
propriedade, mesmo quando trata de bens materiais. adaptação dos imóveis preservados, de modo que se
O registro, por sua vez, limita-se à proteção conferida possa realizar um projeto de restauro que consiga
a bens imateriais, mas, por ser equivalente ao viabilizar as condições de intervenção de Engenharia
tombamento, pode implicar – pelo menos em tese – menos impactantes no que concerne às características
em restrições a certas atividades. A desapropriação é culturais mais elementares da edificação. E isso exige
uma das medidas permitidas pela Constituição, com estudo, exige tempo. As Promotorias de Justiça do
vistas à preservação de bens de reconhecido valor Patrimônio Público e Social e do Meio Ambiente, por
cultural, embora, para evitar novos custos de exemplo, são bastante sensíveis à necessidade de
manutenção, a Administração Pública raramente se dilação de prazos nos inquéritos civis, de modo que,
valha desta prerrogativa. Para falar a verdade, não me sem prejuízo da garantia de segurança e de
recordo de caso algum em que o Poder Público tenha acessibilidade para os usuários, não haja
motivado o ato desapropriatório na necessidade de descaracterização do bem protegido, o que lesaria o
preservação do patrimônio cultural. Quanto ao patrimônio cultural.
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mas sim de rendas familiares incapazes de fazer frente


aos elevados preços de uma obra de restauração. De
qualquer modo, os proprietários ou possuidores
sempre podem noticiar as necessidades de reparo ao
CONDEPHAAT, que tem o poder de determinar a
Como você interpreta essa tentativa de alguns execução das obras de Engenharia. Ainda que o
movimentos no sentido de tombar o mico-leão- orçamento estadual não possibilite a imediata
dourado ou o fundo do mar? Haveria uma distorção? contratação dos serviços de restauro, o particular terá
É adequado usar do tombamento para fins cumprido seu dever de adotar as medidas cabíveis,
ambientais? dentro de suas possibilidades, para impedir a
Daniel Scheiblich Rodrigues. Esses casos são deterioração do bem. Aliás, em se tratando de
interessantes porque, à época em que foram hipossuficiente, a notificação ao CONDEPHAAT é um
suscitados em sessões do CONDEPHAAT, o colegiado dever, pois a inércia causadora de deterioração pode
era presidido pela grande ambientalista Fernanda configurar responsabilização penal por deterioração
Falbo Bandeira de Mello, com quem eu convivi culposa, uma vez que, embora o Código Penal não
durante anos na área cultural e por quem eu tinha preveja a culpa como elemento subjetivo de lesão ao
grande respeito – ela faleceu em 2017. Entendo que a patrimônio cultural, a legislação penal especial que
pauta ambiental é extremamente importante não trata de crimes contra o meio ambiente tipifica a
apenas para o país, mas também para a humanidade, hipótese culposa de deterioração de bem protegido
e compreendo a necessidade de se adotarem medidas por ato administrativo.
urgentes para que ainda possamos reverter alguns dos Em uma visão de futuro, tendo em vista os escassos
males que temos infligido ao planeta, mas há recursos que os órgãos públicos dispõem para zelar e
mecanismos jurídicos adequados, no âmbito do cuidar de todo patrimônio cultural brasileiro, há
Direito Ambiental, para que tutelemos a fauna e o sugestões de adaptação do tombamento para que
ecossistema. O Direito Cultural, quando abraça o ele seja mais efetivo e equilibrado do ponto de vista
patrimônio natural como objeto de sua proteção, o faz das exigências feitas e da viabilidade de que todos os
para fins paisagísticos e turísticos, o que justifica o envolvidos sejam contemplados com deveres
tombamento da Serra do Mar, por exemplo. Logo, por razoáveis e exequíveis?
mais virtude que haja na tentativa de ampliar a tutela
ao mico-leão-dourado e do fundo do mar, há um Daniel Scheiblich Rodrigues. As técnicas de restauro
desvio de finalidade quando se busca uma medida exigem know-how bastante qualificado, que, a
exclusivamente ambiental por meio do Direito depender das especificações históricas e estéticas do
Cultural. Além disso, como bem pontuou à época a bem, pode ser dominado por um número muito
advogada Marília Alves Barbour, que coordenava a restrito de profissionais. Isso invariavelmente
UPPH, a fiscalização do fundo do mar parece estar encarece a prestação dos serviços. Porém, uma
fora do campo funcional daquele órgão. solução seria a adoção de fundos especiais de
despesas voltados para o patrimônio público, os quais
Há exemplos, no Estado de São Paulo, de pessoas de ainda são um tema de discussão tímida no Brasil. Se os
baixa renda proprietários de imóveis tombados? fundos existissem em todos os entes federados que
Como proceder diante do custo de manter um imóvel ativamente promovem tombamento e sua lei
tombado? instituidora contasse com disposições generosas em
Daniel Scheiblich Rodrigues. Sim, temos exemplos de relação à origem de suas receitas, eles poderiam ser
imóveis residenciais que estão sob a titularidade ou a um excelente instrumento para a atuação estatal em
posse de famílias hipossuficientes, como é o caso dos casos em que a hipossuficiência do titular ou
conjuntos arquitetônicos da Vila Itororó e da Vila possuidor de bem tombado é combinada com a
Maria Zélia, no Município de São Paulo. Às vezes, não insuficiência do orçamento público anual. Na verdade,
se trata de famílias cuja condição financeira se os fundos são assunto de pouca repercussão porque o
enquadre tecnicamente em patamares de pobreza, brasileiro ainda não compreende bem o poder da
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cultura para o exercício da cidadania plena – não é discussão sobre tombamento, ficamos muito
verdade? Estou certo de que, se o Poder Público se contentes com sua disponibilidade em compartilhar
valesse do fomento estatal para fomentar com o público do portal direitoadm de seus
significativamente a cidadania cultural – e não apenas conhecimentos e relatar casos e experiências que
as artes propriamente ditas – muitos dos problemas fazem parte de nossa história e das formas de
decorrentes da falta de autocompreensão de nosso preservação do rico patrimônio cultural paulista e
povo seriam solucionados.Muitíssimo obrigada Daniel brasileiro!
Scheiblich Rodrigues pela rica e aprofundada
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Daniel Scheiblich Rodrigues

Graduado em Direito, pós-graduado em Direito Processual Civil e mestrando em Direito Político e Econômico pela
Universidade Presbiteriana Mackenzie. Advogado, Subsecretário de Assuntos Parlamentares do Estado de São
Paulo; membro titular do Comitê de Elegibilidade e Aconselhamento da Empresa Paulista de Planejamento
Metropolitano S/A (EMPLASA). No Estado de São Paulo, foi Vice-Presidente da Comissão de Avaliação da Execução
dos Contratos de Gestão das Organizações Sociais da Área da Cultura e Chefe de Gabinete da Secretaria da Cultura

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