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A criança e o brinquedo no contexto hospitalar

Child and toy in hospital context

Cláudia Roberta Sossela 1


Fábio Sager 2
Universidade Caxias do Sul, Caxias do Sul, RS, Brasil

RESUMO
O brincar é um direito essencial para a saúde física e emocional da criança.
No enfrentamento da hospitalização, o brinquedo se apresenta como um
recurso para minimizar seus efeitos. Esse estudo tem por objetivo identificar
os benefícios do brincar para a criança hospitalizada e avaliar as
consequências da utilização de diferentes brinquedos nas suas interações.
Para tanto, foi realizada uma pesquisa bibliográfica, exploratória e qualitativa
nas bases de dados Scientific Eletronic Library Online (Scielo) e Google
Acadêmico sobre o tema, privilegiando 26 publicações no período de 1998 a
2012. As informações coletadas foram sistematizadas por meio da Análise de
Conteúdo. Os resultados encontrados, em diferentes números de amostras,
apontaram para a aceitação dos procedimentos necessários à reabilitação da
criança. Conclui-se que o brinquedo pode proporcionar a continuidade do
desenvolvimento, além de se mostrar como um valioso recurso de
ressignificação da dor e do sofrimento vivenciado pelas crianças
hospitalizadas.
Palavras-chave: brincar; criança hospitalizada; reabilitação, desenvolvimento.

ABSTRACT
Play is an essential right to child’s physical and emotional health. In coping
with hospitalization, the toy is presented as a resource to minimize its effects.
This study aims to identify the benefits of play for hospitalized children and
evaluate the consequences of using different toys in their interactions. For
these, a literature, exploratory and qualitative research was performed in
databases Scientific Electronic Library Online (Scielo) and Google Scholar on
the topic, favoring 26 publications in the period 1998-2012. The information
collected was systematized through Content Analysis. The results, in different
numbers of samples, pointed to the acceptance of the necessary procedures

1
Psicóloga graduada pela Universidade Caxias do Sul, RS – E-mail:
claudiarobertasossela@gmail.com.
2
Mestre e Doutor pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul no Programa de Psicologia
do Desenvolvimento e Professor Adjunto Nível II do Departamento de Psicologia da
Universidade de Caxias do Sul, RS – E-mail: fabiosager@gmail.com.

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for the child’s rehabilitation. We conclude that the toy can provide the
continuity of development, besides showing as a valuable resource for
reframing the pain and suffering experienced by hospitalized children.
Keywords: play; hospitalized children; rehabilitation, development.

Introdução
O brincar é essencial para a saúde física e mental do ser humano.
Segundo Winnicott (1971/1975): “É no brincar, e somente no brincar, que o
indivíduo, criança ou adulto, pode ser criativo e utilizar sua personalidade
integral: e é somente sendo criativo que o indivíduo descobre o eu (self)” (p.
80). Conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente (Brasil, 1990) brincar é
um direito que deve ser assegurado para a criança de qualquer idade.
A brincadeira favorece a diversão e a expressão dos sentimentos e das
emoções acerca do que a criança está vivenciando. Para Angelo e Vieira
(2010), por meio da simbolização lúdica, ela transfere suas fantasias,
ansiedades e culpas aos objetos com os quais brinca. A brincadeira suaviza o
impacto provocado pelo adulto e possibilita à criança diminuir o sentimento de
impotência frente ao adoecimento e à hospitalização.
Sabe-se que a internação hospitalar pode ser potencialmente traumática
para a criança, pois traz alterações para sua rotina, o distanciamento do seu
contexto habitual, o afastamento das pessoas queridas e dos brinquedos. O
hospital pode ser entendido como um ambiente desconhecido e ameaçador,
no qual os procedimentos dolorosos são extremamente estressantes e a
criança encontra-se numa situação de fragilidade e sensibilidade, sendo
necessários meios para que a mesma externe seus sentimentos (Dias &
Rocha, 2011; Angelo & Vieira, 2010). Para Berto e Abrão (2009), o brincar
apresenta-se como um recurso de enfrentamento da hospitalização, sendo
facilitador da realização de procedimentos médicos e da comunicação com a
equipe.
Nesse sentido, Angelo e Vieira (2010) defendem que: “Entendendo o
brincar como uma função básica da criança, a brinquedoteca apresenta-se
como uma alternativa rica para atender essa demanda” (p. 85). A importância
de um espaço com brinquedos que acolha o gesto criativo é reforçada por

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Brunello, Murasaki e Nóbrega (2010), enfatizando um local que permita à


criança mostrar sua capacidade de atuar para transformar a si e ao mundo
que a rodeia. Santos (2000) entende a importância deste espaço lúdico e
refere:
Falar sobre Brinquedoteca é, portanto, falar sobre os mais
diferentes espaços que se destinam à ludicidade, ao prazer,
às emoções, às vivências corporais, ao desenvolvimento da
imaginação, da criatividade, da autoestima, do autoconceito
positivo, da resiliência, do desenvolvimento do pensamento,
da ação, da sensibilidade, da construção do conhecimento e
das habilidades. (p. 58)

De acordo com o Ministério da Saúde (2005), a Lei nº 11.104/2005


define que os hospitais que oferecem atendimento pediátrico devem contar,
obrigatoriamente, com uma brinquedoteca. Para Angelo e Vieira (2010), é
nesse espaço que as crianças podem compartilhar brinquedos, alegrias e
tristezas a respeito de sua condição, compreender suas vivências diminuindo
os efeitos negativos da hospitalização. Alguns autores reforçam que estas
salas de recreação são fontes de prazer e diversão para as crianças e podem
reconectar vínculos rompidos com a internação (Viegas, 1997; Goulart &
Morais, 2000). Maia et al. (2000) defendem que a brinquedoteca hospitalar no
setor da pediatria pode proporcionar às crianças atividades lúdicas
terapêuticas para atenuar as sequelas emocionais e dar continuidade ao ritmo
do seu desenvolvimento.
O desenvolvimento psíquico da criança está atrelado às diferentes
possibilidades que lhe são apresentadas que, segundo Suárez e Reyes
(2000), possuem elementos integradores e de crescimento. A atividade lúdica
realizada no hospital apresenta-se como um valioso recurso para a
ressignificação da experiência da criança, no qual o brincar torna-se um fator
de proteção e, portanto, deve ser estimulado (Monteiro & Corrêa, 2012). Para
Angelo e Vieira (2010): “O lúdico é algo prazeroso que traz alegria e resgata a
condição de ser criança.” (p. 87) e pode ser realizado de diversas formas e
com diferentes materiais. De acordo com Mizunuma e Paula (2009), a arte
oferece a possibilidade da liberdade de expressão, auxiliando no
desenvolvimento emocional e social da criança. Por meio do desenho, ela

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concretiza suas ideias e seus pensamentos, pois ele promove a descoberta


de fantasias, a expressividade, a mobilização e a exteriorização dos
sentimentos. Além disso, no desenho a criança conhece a si e a seu mundo,
comprometendo-se com a arte, sentindo-se produtiva e tornando-se mais
comunicativa. Ribeiro (1998) defende que o brinquedo diverte, socializa,
estimula a criação da criança e, também, cumpre uma função terapêutica.
Segundo Ribeiro (1998) e Jansen, Santos e Favero (2010) o brinquedo
terapêutico proporciona à criança a redução da ansiedade nas situações de
dor e sofrimento vivenciadas, auxiliando-a no preparo dos diversos
procedimentos a que é submetida, tendo efeito sobre o comportamento de
aceitação das mesmas. Os autores classificam o brinquedo terapêutico como:
Dramático, Capacitador de Funções Fisiológicas e Instrucional. O Brinquedo
Terapêutico Dramático permite à criança externar seus medos, sentimentos e
necessidades através da verbalização das experiências difíceis, de forma a
aliviar a tensão. O Brinquedo Terapêutico Capacitador de Funções
Fisiológicas auxilia a criança no autocuidado, de acordo com a fase de
desenvolvimento e as condições físicas, preparando-a para a aceitação da
sua atual condição de vida. Já, o Brinquedo Terapêutico Instrucional, prepara
e informa a criança sobre os procedimentos a que ela vai ser submetida
proporcionando a compreensão dos mesmos. Para Jansen et al. (2010) o
brinquedo terapêutico pode ser considerado como um recurso facilitador,
proporcionando a redução do estresse da hospitalização e o desenvolvimento
físico, mental, emocional e social das crianças.
Segundo Santos e Ferreira (2003), os jogos também podem contribuir
na reabilitação da criança hospitalizada, por oferecer um espaço diferenciado
de desenvolvimento durante a atividade lúdica e transformar a angústia em
prazer. As autoras entendem que os jogos permitem a elaboração dos
desejos, a expressão da agressividade e a associação entre liberdade e
limite. Ainda referem que o jogo “é considerado um reflexo da autenticidade
absoluta da criança” (p. 39), e reveste-se de um significado funcional: no jogo
de exercício a criança se apropria da realidade transformando-a em função de
seus hábitos motores; no jogo simbólico, em função das suas próprias

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necessidades; e no jogo de regras, em função das exigências da socialização


no relacionamento com outras pessoas.
Efron, Fainberg, Kleiner, Sigal e Woscoboinik (1999), por sua vez,
entendem que o brinquedo não estruturado, como a sucata, é o mediador que
vai expressar o sentimento da criança sem ser invasivo, oferecendo à criança
a possibilidade de significar e construir, pois por meio da atividade
espontânea, a sua subjetividade vai determinar a funcionalidade dos objetos.
Affonso (2012) defende que é com a manipulação desses objetos que as
crianças procuram elaborar e construir sua psique interna. Para a autora,
esses materiais podem ser alvos de significações intensas, pois facilitam a
sua expressão e a sua criatividade e não direcionam a criança a assuntos que
podem ser difíceis de lidar.
Segundo Weiss (1993), Machado (1995), Valladares e Carvalho (2006),
Pacheco, Peters, Cord e Brzezinski (2009) e Brunello et al. (2010), a sucata é
um elemento que possibilita a construção e a ressignificação de objetos, no
qual a criança tem autonomia para utilizá-los livremente trabalhando suas
fantasias na interação com o ambiente. Os autores relatam que, enquanto a
criança manipula e explora um objeto amassando, empilhando,
transformando-o ela tende a refletir seu universo e atribuir valor afetivo aos
objetos, bem como aos brinquedos que produz, imprimindo neles sua
intenção e seu desejo. Sossela, Sager, Pahim e Marcolin (2012) ressaltam
que o brinquedo-sucata pode ser um importante recurso estimulador da
criação infantil, pois proporciona à criança: “transformar objetos, entender o
mundo que a cerca e desenvolver o pensamento simbólico.” (p. 1)
Pedrosa, Monteiro, Lins, Pedrosa e Melo (2007) consideram a
possibilidade de transformação da sucata pela criança no ambiente hospitalar
como um recurso para a continuidade do seu desenvolvimento, apesar da
situação desagradável na qual se encontra. Tendo em vista que, quando
internada, ela deixa para trás seu mundo e as pessoas que a cercam, se
forem oportunizadas estas brincadeiras o ambiente pode tornar-se mais
acolhedor. Freitas, Silva, Carvalho, Pedigone e Martins (2007), defendem a
necessidade de higienização dos materiais utilizados nas atividades lúdicas e,

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por isso, as sucatas seriam apropriadas pelo seu uso único e descartável.
Alves, Silva e Moraes (2002) entendem que atividades bem elaboradas
desenvolvidas a partir do aproveitamento de sucatas podem trazer muitos
benefícios ao paciente por promover uma terapia diferente e alegre.
Nesse sentido, esse artigo tem como objetivo identificar os benefícios do
brincar para a criança hospitalizada, por meio das publicações voltadas a este
tema. Pretende-se, outrossim, sinalizar a utilização de diferentes tipos de
brinquedos quanto às suas especificidades e contribuições para a experiência
da criança neste contexto.

Método
Delineamento
Na pesquisa, que possui como objetivo geral identificar os benefícios do
brincar no desenvolvimento da criança hospitalizada, optou-se por uma
pesquisa bibliográfica, exploratória e qualitativa acerca da atividade lúdica
durante a hospitalização. Essa escolha justifica-se por se buscar a
familiarização com o fenômeno investigado e, para tal, envolve um
levantamento bibliográfico que tem como resultados dados qualitativos sobre
o tema.

Amostra
Nesse estudo privilegiaram-se 26 artigos localizados em periódicos
especializados publicados no período de 1998 a 2012, que foram escolhidos
por se alinharem ao tema investigado abordando a atividade lúdica e sua
importância para a criança hospitalizada.

Instrumentos
Na pesquisa que buscou identificar os benefícios do brincar no
desenvolvimento da criança hospitalizada foram utilizadas as bases de dados
Scielo e Google Acadêmico para a busca e identificação das publicações
científicas. Foram preenchidas fichas de catalogação para conhecimento do

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material selecionado e, a partir dessas fichas, foi construída uma tabela dos
referidos estudos a fim de contemplar os objetivos do presente artigo.

Procedimentos
1) Busca das publicações nas referidas bases de dados a partir das
palavras-chave: criança hospitalizada, atividade lúdica na hospitalização,
brinquedoteca hospitalar; 2) primeira leitura dos artigos para realização de
uma pesquisa exploratória; 3) realização de uma segunda leitura para o
preenchimento da ficha de catalogação; 4) descrição e interpretação dos
dados coletados tendo por base o referencial de análise escolhido; 5)
categorização dos dados coletados.

Referencial de Análise
Nesse estudo, optou-se como referencial de análise dos dados a Análise
de Conteúdo proposta por Moraes (1999), a fim de sistematizar as
informações coletadas tendo como etapas essenciais a categorização, a
descrição e a interpretação da matéria prima. Com base em estudos
realizados com crianças (Sager & Sperb, 1998; Sager, Sperb, Roazzi &
Martins, 2003), os pesquisadores definiram a priori três categorias de análise:
tipo de brinquedo, tipo de materiais e benefícios.

Resultados
Os periódicos nos quais se encontram os 26 artigos analisados refletem
áreas específicas de formação profissional: Psicologia, Enfermagem,
Medicina, Pedagogia e Fisioterapia; alguns deles especificam mais ainda:
Oncologia Pediátrica, Arteterapia, Terapia Ocupacional e Psicopedagogia.
Os artigos defendem o brincar no contexto hospitalar como essencial
para a continuidade do ritmo do desenvolvimento das crianças internadas,
bem como para a minimização dos traumas, da dor e do sofrimento das
mesmas frente às situações vivenciadas. Além disso, tratam da
obrigatoriedade de uma brinquedoteca nas instituições que têm internações
pediátricas e da importância da humanização no atendimento.

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Alguns estudos (Rodriguês, Luz & Villela, 2007; Berto & Abrão, 2009;
Abreu & Fagundes, 2010; Dias & Rocha, 2011; Paula & Marques, 2011;
Monteiro & Corrêa, 2012) relatam que o brincar tem função terapêutica como
agente facilitador dos procedimentos e como fator de proteção para as
crianças hospitalizadas. Os autores entendem o brincar como uma
oportunidade para a criança expressar livremente sentimentos e emoções.
Valladares (2004), Mizunuma e Paula (2009), Sei e Pereira (2005)
defendem a utilização da arteterapia como importante estratégia de
transformação de significados de dor e sofrimento em alegria e prazer para a
criança.
Todos os 26 artigos estudados preconizam a utilização do brinquedo no
ambiente hospitalar como essencial ao atendimento das necessidades
emocionais das crianças. Os autores entendem como positiva a contribuição
de recursos como: desenho, pintura, livros de histórias, jogos, construção com
sucatas domésticas e hospitalares, dramatização, etc.
Contudo, apenas cinco estudos (Ribeiro, 1998; Maia et al., 2000;
Valadares & Carvalho, 2006; Pedrosa et al., 2007; Jansen et al., 2010)
contemplaram pesquisas de campo realizadas com números variados de
crianças hospitalizadas. Nos referidos estudos foram utilizados diferentes
tipos de brinquedos: brinquedo estruturado, brinquedo não estruturado,
brinquedo simbólico e materiais lúdicos. Dentre os materiais utilizados, foram
citados: materiais hospitalares (luvas, máscaras, seringas), brinquedos
terapêuticos (dramático, capacitador de funções fisiológicas e instrucional),
sucatas hospitalares (caixas de medicamentos, mangueiras e embalagens
plásticas) e livros de histórias infantis. As pesquisas apontaram como
benefícios: a redução da tensão e do medo, a liberação da raiva, a segurança,
a alegria, a aceitação dos procedimentos e a ressignificação da experiência.
Esses resultados estão resumidos na Tabela 1.

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Tabela 1 - Análise dos Estudos

Autores Amostra Categorias


Tipos de Brinquedos Tipos de Materiais Benefícios
Ribeiro 1 criança Brinquedo BT Dramático Aceitação dos
(1998) simbólico procedimentos
Brinquedo Materiais Alegria
estruturado hospitalares Diminuição da
Resistência
Maia 359 Brinquedo Sucata Atenuação dos
et al. crianças de não hospitalar traumas da
(2000) 0 a 13 anos estruturado hospitalização
Valladares 20 Brinquedo Sucata Ressignificação
& crianças de não hospitalar de objetos
Carvalho 0 a 7 anos estruturado Subjetividade
(2006) Alívio: tensão

Pedrosa, 60 Materiais Livros de Liberação de


Monteiro, crianças lúdicos história sentimentos de
Lins, portadoras de raiva
Pedrosa neoplasias Brinquedo Materiais Conhecimento
& Melo malignas estruturado hospitalares do corpo e
(2007) dos processos
Jansen, 10 Brinquedo BT Dramático Redução da
Santos 7 crianças de simbólico BT Capacitador tensão
& 0 a 5 anos de funções Aumento da
Fávero 3 crianças de fisiológicas aceitação e
(2010) + de 5 anos BT Instrucional segurança
Brinquedo Materiais Sentimentos
estruturado hospitalares positivos

Discussão

A partir dos dados elencados nos cinco estudos selecionados (Tabela


1), verifica-se que a utilização do brinquedo simbólico e estruturado pode ser
um recurso facilitador da aceitação dos procedimentos, podendo auxiliar na
minimização da resistência e no aumento da alegria da criança hospitalizada.

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Por meio da vivência proporcionada pelo brinquedo, associado ao manuseio


de materiais hospitalares, com a dramatização dos procedimentos, o
brinquedo pôde ser percebido como uma estratégia útil na criação de vínculos
seguros entre o paciente e a equipe cuidadora, bem como na promoção dos
cuidados emocionais e físicos necessários à recuperação da criança.
A utilização do brinquedo não estruturado contribuiu para a diminuição
da intensidade dos traumas emocionais provenientes da hospitalização. A
manipulação e a transformação da sucata hospitalar proporcionaram às
crianças a ressignificação de objetos que tinham uma conotação negativa por
gerar dor e desconforto que, com nova forma e sentido, puderam servir como
brinquedos facilitadores da criação e da expressão infantil. A montagem e
desmontagem estimularam construção da objetividade e da subjetividade: a
imaginação, a fantasia, o desejo e a realização de brincadeiras. Ao reutilizar o
material, as crianças puderam lidar com seus medos e tensões, se
comunicando de forma não verbal e trabalhando aspectos emocionais,
mudando seus comportamentos. Desta forma, houve o encontro do mundo
externo com o mundo interno, contribuindo com o enriquecimento dos
recursos das crianças para lidar com os desafios enfrentados no período de
internação.
Com a utilização dos brinquedos verificou-se, também, a liberação de
sentimentos de raiva, como uma forma de minimização dos efeitos do
processo de hospitalização. Os materiais lúdicos permitiram tornar o ambiente
mais favorável e o prazer de brincar pôde dar continuidade ao
desenvolvimento físico, afetivo, cognitivo, pessoal e social da criança. A
diversidade dos materiais lúdicos oferecidos, mesmo não impedindo as
vivências de momentos dolorosos, pôde auxiliar a liberação de sentimentos
hostis decorrentes do tratamento, o conhecimento do corpo e dos
procedimentos terapêuticos por parte das crianças.
A possibilidade de escolha dos materiais hospitalares estimulou a
iniciativa das crianças que se tornaram mais independentes e comunicativas.
A emergência de sentimentos de segurança e a redução da tensão gerada
pela hospitalização foram identificadas, nas quais o brinquedo auxiliou na

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compreensão e na aceitação dos procedimentos realizados, oportunizando à


criança a lidar com a realidade. O brinquedo terapêutico foi utilizado como
recurso facilitador permitindo o esquecimento da dor e tornando-se benéfico
por ser capaz de promover sentimentos positivos e alívio das ansiedades da
criança.

Considerações Finais
Este artigo fez a análise de estudos onde o brincar no contexto
hospitalar é apresentado como uma forma de ressignificar a experiência das
crianças internadas. Por meio da análise do conteúdo dos artigos com foco no
tema proposto, identificou os benefícios proporcionados pelo brinquedo como
recurso na recuperação e na aceitação dos procedimentos pelas crianças.
Entende-se que, quando o brinquedo é oportunizado à criança doente,
ela se compromete a produzir uma brincadeira onde expressa seus
sentimentos e vivencia com menos sofrimento e trauma a hospitalização. Com
a ação terapêutica do brinquedo elas têm uma considerável melhora no
quadro clínico, o que pode reduzir seu tempo de internação.
Os resultados encontrados nas pesquisas de campo, com diferentes
números de amostras, sinalizam que os benefícios podem ser potencializados
se os brinquedos forem utilizados pelos profissionais no ambiente hospitalar,
de forma a minimizar as sequelas que a internação pode trazer às crianças
hospitalizadas.
Por meio dessa pesquisa, pôde-se perceber a relevância do brincar e o
do estímulo à criatividade como essenciais para a continuidade do
desenvolvimento infantil em ambientes hospitalares. Conclui-se que a
utilização de todos os tipos de brinquedos pode trazer benefícios, porém, a
sucata hospitalar pode oferecer à criança maiores oportunidades de diversão
pela facilidade de seu acesso e certa segurança quanto à contaminação, por
ser um material de uso único e descartável. Destarte, além de proporcionar
uma brincadeira criativa, a sucata hospitalar oferece a possibilidade de
manipulação, construção e simbolização sendo facilitadora da expressão
infantil no contexto onde a criança se encontra.

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Destaca-se, ainda, que a utilização de materiais não estruturados pode


ser importante na construção da subjetividade da criança, influenciando seu
desenvolvimento físico e emocional. Este recurso pode ser de grande valia ao
oportunizar a ressignificação de objetos hospitalares que, a princípio, têm
somente o significado de sofrimento e de dor. A possibilidade de criação por
meio do manuseio da sucata hospitalar auxilia a elaboração da experiência
vivida pela criança hospitalizada na qual ela estabelece relações entre o
ambiente externo e o hospital, entre o fazer e o sentir, que podem representar
uma forma de enfrentamento da doença, ampliando a perspectiva de vida e
podendo diminuir o período de internação.
Esse estudo realizou uma análise restrita de publicações a respeito do
tema proposto, dessa forma percebe-se a importância de mais pesquisas de
campo que possam agregar maiores conhecimentos da utilização do
brinquedo como recurso terapêutico que possibilita a transformação do
aspecto negativo da internação infantil em algo prazeroso.

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