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RESUMO
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
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Programa de Mestrado em Linguística da Universidade Cruzeiro do Sul.
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A poesia é caracterizada como o gênero em que a linguagem humana destina-se a
fins estéticos. “Poesia, segundo o modo de falar comum, quer dizer duas coisas. A arte, que a
ensina, e a obra feita com a arte; a arte é a poesia, a obra poema, o poeta o artífice ”
(ALMEIDA, sXVI, apud MUHANA, 2006). Em suma, a poesia é o sentimento expresso através
do poema criado pelo poeta com a finalidade de encantar e dispertar emoções no leitor.
Por conseguinte, ARISTOTELES (IX, 50) aduz que “o sentido da mensagem poética
também pode ser", ainda que a forma estética defina um texto como poético. A poesia
compreende aspectos metafísicos2 e possibilita que esses elementos transcendam ao mundo
fático. Tais elementos revelam-se nas camadas mais profundas do poema, fruto das escolhas
linguísticas subjetivas do poeta, que observadas em contexto pelo leitor atribui valor
expressivo e sentido.
É através da Estilística que podemos observar o modo como tais escolhas linguísticas
compõem a expressividade decorrente de um emprego particular. A Expressividade,
entretanto, não possui uma definição precisa, mas não diverge entre os teóricos o fato dela
consistir justamente desse emprego individual da língua e que “se revela por meio de traços
situados na escolha do vocabulário, na ênfase dos termos concretos e abstratos, na
preferência por formas nominais ou verbais, na escolhas de figuras de linguagem, tudo
diretamente relacionado à organização do que se diz ou escreve” (HATZELD, 1989).
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Sentido de imaterialidade.
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Sujeito empírico. De acordo com a teoria polifônica da enunciação proposta por Ducrot (1987), existem um ou mais sujeitos
que seriam a origem da enunciação e há, portanto, a necessidade de se fazer a distinção entre locutores e enunciadores. O
locutor é o responsável empírico pela enunciação (quem fala) e o enunciador é o ser que se expressa por meio da enunciação
(vozes/ideias presentes no discurso).
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A figura do leitor é relevente ao passo que ninguém comunica algo para si mesmo,
ou seja, todo discurso propõe uma troca e elege um “tu”. Nesse aspecto, considerando que
nossa pesquisa foca o enunciado, não deixamos de abarcar o discurso.
Por outro lado, a Análise do Discurso está mais focada para a questão argumentativa
presente no texto, não obstante também inclua o discurso literário, seu foco são os elementos
externos à língua, voltados para as questões ideológicas e sócio-históricas. Segundo
ORLANDI:
Por esse tipo de estudo se pode conhecer melhor aquilo que faz do homem um ser
especial com sua capacidade de significar e significar-se. A Análise do Discurso
concebe a linguagem como mediação necessária entre o homem e a realidade natural
e social. Essa mediação, que é o discurso, torna possível tanto a permanencia e a
continuidade quanto o deslocamento e a transformação do homem e da realidade em
que ele vive. O trabalho simbólico do discurso está na base da produção da
existência humana. (...) Levando em conta o homem na sua história, considera os
processos e as condições de produção da linguagem, pela análise da relação
estabelecida pela língua com os sujeitos que a falam e as situações em que se produz
o dizer. Desse modo, para encontrar as regularidades da linguagem em sua
produção, o analista do discurso relaciona a linguagem e sua exterioridade.
(2006, p. 15-16) Grifo nosso
Ao optar pelo gênero poesia o autor enfatiza seu discurso para os aspectos
relacionados à emoção, o nível de subjetividade é profundo e nem sempre as escolhas
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linguísticas são claras e homogêneas, por vezes os signos carregam maior valor semântico,
não permitindo que transpareça de imediato a formação ideológica do sujeito. Assim, não é
possível realizar uma análise mais profunda sob o prisma de uma única corrente teórica, é
necessário a utilização de estudos diversos, desde que sejam compatíveis.
Os signos5 recebem valor resultante de oposição e interação com outros signos, não
existindo valor absoluto e por si só. É por meio do contexto6 que atualizamos seu valor
expressivo.
Segundo o autor uma obra literária não deve ser análisada apenas sob a ótica da
linguística, é necessário destacar suas funções e os traços que as tornam elementos estilísticos,
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Para a análise do discurso o leitor equivale ao coenunciador (MAINGUENEAU, 1997).
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Segundo Benveniste: Elemento primordial do sistema linguístico, constituído por um significante e um significado cuja
ligação deve ser reconhecida como necessária, sendo esses dois componentes consubstanciais em com o outro.
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O autor distingue dois tipos de contexto interior e exterior do processo estilístico: o microcontexto, que é formado pelos
elementos não marcados no texto. E o macrocontexto, que “precede o processo estilístico e é exterior a ele.” É o responsável
por reforçar o efeito estilístico do processo, bem como equilibrar os efeitos de contraste, restabelecendo o nível do contexto
como um todo.
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ou seja, o melhor é aplicar os métodos linguísticos atentando-se tanto para a questão
linguística quanto estilística. Para tanto, Riffaterre entende “o estilo como um reforço
(emphasis) – expressivo, afetivo ou estético – acrescentado à informação transmitida pela
estrutura lingüística, sem alteração de sentido.” (1971, p. 32) “Vale dizer que a linguagem
exprime e o estilo realça” (1971, p.33)
Com relação aos elementos da linguagem literária, o autor as utiliza com finalidade
precisa, tornando-as unidades de seu estilo e o que depreende atenção é esta realização
particular do valor de tais elementos.
Nosso intuito, enquanto analistas, não é o de limitar a investigação a uma única linha
teórica, mesmo porque atualmente já nos é permitido considerá-las combinatórias e
complementares. A intenção é verificar alguns usos expressivos da linguagem através do
material gramatical apreendido no texto.
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O corpus de nossa pesquisa, O Amanhecer das Criaturas, é um poema que possui 21
versos distribuídos simetricamente em três quartetos e três tercetos. Não obstante apresente
forma fixa, o poema é extremamente rico em sonoridade e aspectos semânticos atribuídos
pelo léxico, ele nos permite transitar pela fonoestilística transpassando para a estilística da
palavra e da frase.
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Por fim, observamos com relação ao nível frasal a manifestação e organização do
pensamento em unidades de sentido maiores ou menores, Segundo Bally “a frase é a forma
mais simples possível de manifestação do pensamento”, e acrescenta:
E ainda, no interior das frases é relevante investigar a ordem dos termos, pois tais
posições demonstram a intencionalidade e o valor emocional que o autor quis empreender ao
enunciado. As pausas são outro elemento que merece abordagem, pois de sua combinação
com a sonoridade determina-se o ritmo e por meio dos sinais gráficos revelam-se sentidos
precisos (exclamar, interrogar, interromper, declarar), sentidos esses mensurados pelo
analista.
Destacamos que nosso intuito até aqui não é o de inventariar as diversas formas de
abordagem teórica da Estilística, mas sim conceder-lhe o espaço devido dentre as categorias
de análise do campo linguístico. As tendências de análises atuais têm privilegiado mais
amplamente a análise do discurso, a nova retórica, os estudos enunciativos, semânticos e
pragmáticos, todavia, a estilística se mostra sempre bastante flexível e atemporal, uma vez
que seus estudos estão sempre voltados para os usos da língua na construção de sentido, o que
a permite se adaptar continuamente a quaisquer novas teorias.
O estudo do poema que segue abarca todos os aspectos abordados. Partimos de sua
estrutura, ou seja, de todas as marcas convergentes elencadas por Riffaterre, com o objetivo
de demonstrar possíveis interpretações e, consequentemente, instaurar a expressividade.
A mão incerta
deixa na rósea
carne dormida
o gesto equívoco.
Tudo é lilá
na luminosa
e vã partilha.
No dia imenso
nascem tesouros:
curvos, redondos.
O pão à porta,
depois o leite,
e o erguer dos corpos
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O poema demonstra dois aspectos relevantes, quais sejam: o uso recorrente de
imagens (concretas, sensíveis e imaginativas) e a sonoridade, que determina o ritmo e as
impressões, ambas produzem valores expressivos. Nota-se também, a utilização de verbos no
presente do indicativo (que correspondem à ação não acabada) e duas principais figuras de
linguagem: a metáfora e a metonímia7.
Por conseguinte, na segunda estrofe, nota-se a assonância da vogal aberta /a/, que
remete a sons nítidos e a ideia de brancura, claridade e vastidão, habituais no momento em
que o sol começa a raiar o dia (o sol que raia, a luz acesa, no arranha céu, que a aurora
lava). Também é marcante a presença de aliteração das consoantes constritivas vibrantes /R/ e
/r/, sugerindo algo deslizante, que remete a fluidez (o sol que raia, a luz acesa, no arranha
céu, que a aurora lava).
De certo, a aliteração das consoantes constritivas vibrantes /R/ e /r/ estão presentes
em todo o poema, pois é uma forma de marcar o fluir (progressão) do amanhecer. Destarte, a
partir da quarta estrofe estes sons são menos frequentes, quando dão lugar a aliteração das
consoantes constritivas laterais /l/ e /lh/ que também transmitem a ideia de fluidez, bem como,
a sensação de rapidez ou aceleração do processo de transformação do dia (Tudo é lilá, na
luminosa, e vã partilha).
Na quinta estrofe, a assonância das vogais orais fechadas /o/ e /u/, marcam ou
sugerem, seguindo os mesmos exemplos de Martins, a ideia de redondez e fechamento,
ratificando a imagem anterior citada do sol no pino do dia e das curvas que compõem o corpo
feminino (No dia imenso/ nascem tesouros:/ curvos, redondos).
Por fim, a sexta e última estrofe conclui todo o processo de nascer e raiar do dia, é
o amanhecer que temos, evidente pela sonoridade expressa pelas consoantes oclusivas
surdas /p/ e /t/, que produzem ruídos duros, de pancadas, passos pesados, que remetem ao
barulho do dia a dia que as pessoas produzem (O pão à porta, depois o leite, e o erguer dos
corpos).
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A metáfora é o emprego de um significante com um significado secundário ou a aproximação de dois ou mais significantes,
estando nos dois casos, os significados associados por semelhanças, contiguidade, inclusão. ( MARTINS, 2008, p. 125). A
metonímia ocorre apenas com o substantivo, é a figura pela qual uma palavra que designa uma realidade “A” é substituída
por uma palavra que designa uma realidade “B”, em virtude de uma relação de vizinhança, de coexistência, de
interdependência, que une “A” e “B”, de fato ou no pensamento ( MORIER, apud MARTINS, 2008, p. 132).
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Iniciamos a análise pela estilística fônica, ao tratar do amanhecer o autor
empregou palavras cujos sons transpassam todas as sensações e impressões que resgatamos de
nossa memória quando pensamos na maneira que iniciamos as manhãs todos os dias nos
centros urbanos.
As imagens: seio nu/ por entre pálpebras; representam tanto o despontar do sol,
quanto o próprio corpo feminino ao amanhecer, ou seja, pode-se dizer que são imagens de
duas vertentes, sendo que a imagem do sol nascendo é estabelecida metaforicamente ( o nascer
do sol é como um seio nu por entre as pálpebras ), enquanto a da mulher é apresentada por meio de
uma metonímia (o seio representa a mulher em si – parte pelo todo).
Na última estrofe, surge uma nova imagem, que confirma o paralelo entre o
amanhecer da natureza e do homem (este representado pela mulher): No dia imenso/ nascem
tesouros:/ curvos, redondos.
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A mulher simboliza o amanhecer do ser humano, formando um paralelo com o
amanhecer da natureza. O processo do amanhecer ocorre de maneira suave, delicada, assim
como a ideia que se tem do corpo feminino, da mulher em todos os seus gestos.
Além disso, pode-se afirmar que há vários aspectos descritivos no poema (A mão
incerta/ deixa na rósea/ carne...), marcados pelos verbos, em sua maioria, no presente do
indicativo, os quais, diga-se de passagem, além do aspecto descritivo, são empregados como
recurso para a retomada do processo de repetição ou recursividade do amanhecer. A
descrição é feita simultaneamente, por meio de imagens que se desmembram em metáforas e
metonímias.
A claridade do sol também fecunda a vida, assim como a mulher, portanto, nada
mais natural do que comparar os dois elementos, razão que nos leva a crer na “ode à mulher”
implícita no poema.
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A expressão “que a aurora lava”, demonstra mais uma simbologia do elemento
feminino, posto que, Aurora é a Deusa da Manhã, em sentido etimológico é a claridade que
antecede o nascimento do sol. Destarte, estão presentes, por meio das expressões: “seio”,
“Sol”, “luz”, “aurora”, “lilá” (cor da intuição e espiritualidade) e “nascem”, as várias
mulheres (a Mulher humana; a Mulher natureza - que fecunda e dá vida - a Mulher Deusa,
etc.) que o poema revela.
Observamos também que, o homem é gerido pela posição do sol: “o sol que raia,
a luz acesa no arranha-céu”, determina o esfregar de rosto, o despertar; “o dia imenso”, o sol
a pino, determina o momento de se levantar.
Quanto mais detalhada for uma imagem, mais se tornará concreta, imaginativa e,
consequentemente, própria da criação de cada individuo, despertando suas emoções pelo
vigor da evocação.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
- ISER, Wolfgang. O ato de leitura: uma teoria do efeito estético. Tradução: Johannes Kretschmer.
São Paulo: Ed. 34, 1996, v. 1.
- ISER, Wolfgang. O ato da leitura: uma teoria do efeito estético. Tradução: Johannes Kretschmer.
São Paulo: Ed. 34, 1999, v. 2.
- LIMA, Renira Lisboa de Maura. A forma soneto. 1ª edição. São Paulo: EdUFAL, 2007.
- MARTINS, Nilce Sant’anna. Introdução à Estilística. São Paulo: Edusp, 4ª edição, 2008.
- MICHELETTI, Guaraciaba. Estilística: um modo de ler poesia. 2ª edição São Paulo: Andross,
2006.
- ORLANDI, Eni P. Análise de Discurso. 5ª edição. Campinas: Pontes, 2006. (Coleção Princípios &
Procedimentos).
- PEIXOTO, Sérgio Alves. Melhores Poemas de Lêdo Ivo. São Paulo: Global, 1995.
- VARGAS, Maria Valíria. Verbo e Práticas Discursivas. São Paulo: Contexto, 2011.
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