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1) O fim da Guerra Fria e o colapso da URSS marcaram uma importante mudança nas relações

internacionais. Discuta as principais consequências de tais transformações para os países da


Europa e para o processo de integração do continente.

O fim da Guerra Fria, que representou o desaparecimento do caráter bipolar do


sistema interestatal, foi capaz de gerar inúmeras consequências, sob diversos
aspectos, para as mais diversas regiões do planeta, fossem elas integrantes da parte
perdedora ou vencedora do processo. Especificamente no que diz respeito ao
continente europeu, cuja centralidade política e estratégica, desde o pós-guerra, foi
disputada durante a bipolaridade, pôde considerar-se não mais palco de disputa direta
entre EUA e URSS, mas nem por isso deixou de ser diretamente afetado pelos efeitos
do fim da Guerra Fria. Nesse sentido, alguns aspectos iniciais, estratégicos e
securitários, políticos e diplomáticos, precisam ser introduzidos a fim de que se
compreenda a maneira pela qual se reestruturou o continente europeu a partir da
última década do século XX. Inicialmente, é necessário situar o papel que a OTAN
passou a desempenhar com o desmanche da União Soviética; observado o fato de
que a razão de sua criação ter sido a contraposição estratégico-militar à influência
comunista, com o fim dessa, aquela passou a garantir a estabilidade do modelo liberal-
burguês contemporâneo: os valores democráticos representativos, o livre-mercado e a
garantia da manutenção das áreas de influência geopolítica dos Estados Unidos, mas
também dos principais países europeus – como Inglaterra e França, por exemplo -,
fazendo com que se tornasse possível que a OTAN pudesse passar a agir prática e
taticamente para além dos limites geoestratégicos dos estadunidenses e europeus.
Em outras palavras, a OTAN passara a ter atuação em escala global. Com efeito,
ainda que o continente europeu houvesse passado por dois gigantescos conflitos
militares, um período de estabilização e uma retomada dos conflitos, mesmo que de
maneira distinta, estivesse em um momento de antimilitarismo, a OTAN era
considerada como uma necessidade, enquanto garantidor da segurança coletiva; da
mesma maneira como os EUA percebiam que a OTAN também seria um instrumento
capaz de estender suas capacidades e influências sobre a porção direita do meridiano
de Greenwich, em específico, a porção mais ao leste da Europa. Ainda sobre os
aspectos estratégicos e securitários, há um evento bélico que inaugura a nova
maneira ocidental – lê-se, do centro capitalista1, EUA e Europa – de pensarr estratégia

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Tornou-se uma expressão quase vulgar, no sentido de sofrer um certo esvaziamento teórico-
metodológico, designar o centro do poder mundial de “centro capitalista”, pois, infelizmente, a alguns
daqueles que se pretendem críticos, falta a consideração das especificidades e contradições regionais
inerentes ao próprio desenvolvimento capitalista, fazendo com que o termo denote uma certa (errada)
concepção monolítica de como se estabelece o poder mundial. Em suma, não é neste sentido equivocado
que uso o termo, mas no sentido criado por Fernand Braudel, em “A dinâmica do capitalismo.” Rio de
Janeiro: Rocco. 1987, o qual é atento às assimetrias e contradições regionais.
no pós-guerra fria, a primeira Guerra do Iraque de 1990/1991. Motivada pelos EUA,
com aprovação das Nações Unidas, da grande maioria dos Estados europeus,
inclusive da Rússia, a excursão beligerante de George W. Bush pai é considerada o
primeiro símbolo da tênue unipolaridade estadunidense; em que a questão do petróleo
disputada por Saddam Hussein, que colocava em risco a segurança energética e, por
consequência, a economia europeia (pela 3ª vez, se considerássemos os 2 choques
do petróleo dos anos 1970 e todas as suas repercussões críticas). Tanto se fazia
presente tal vulnerabilidade energética e econômica europeia que, após a operação,
verificou-se um aumento das atividades das empresas anglo-saxônicas do setor
energético na região. Em síntese, a partir da ideia de uma tênue unipolaridade do
bloco capitalista ocidental, para desestabilizar a concepção neorrealista estruturalista –
no pior sentido do termo – de que a bipolaridade garantiria estabilidade ao sistema, o
mundo europeu voltara a estar garantido: tanto em sua segurança coletiva interna,
quanto em sua capacidade e, por que não, necessidade, de agir out of área; em
detrimento da estabilidade de outras regiões – em especial o Oriente próximo e a
África. No que tange aos aspectos políticos e diplomáticos, o fim do século XX
representa uma série de consideráveis avanços do processo de integração europeu,
passemos a analisa-los. Reduzidas de maneira drásticas as animosidades externas
causadas pela presença continental soviética, a Europa pode concentrar-se em dar
seguimento ao processo de integração, capitaneado de maneira mais incisiva pelos
maiores países, Alemanha Ocidental e França, seguidos pelos de menor relevância e
antagonizado pelas características da potência atlântica que ainda representava a
Grã-Bretanha. Não obstante à obstaculização inglesa, a estabilização do sistema de
estados do leste europeu, que só foi possível devido à grande desestabilização
soviética, garantiu relativa estabilidade ao projeto integracionista, visto que permitia à
Alemanha o estabelecimento não do lebensraum bismarkiano, mas o início da criação
de um sistema de dependência econômico-financeira por partes desses países à
Alemanha, fato que garantiu poder e estabilidade ao projeto alemão. Por outro lado,
também é necessário considerar que a reunificação da Alemanha oriental, bancada
pela porção germânica ocidental, fez com que as regras de austeridade econômica
estabelecidas no Sistema Monetário Europeu – tanto os mecanismos cambiais quanto
os fiscais – não fossem seguidas à risca, atrasando uma década o que talvez
representasse o ineditismo institucional europeu mais aguardado e relevante: a união
monetária. Entretanto, é com a assinatura do Tratado de Maastricht em fevereiro de
1992, que foi criada a União Europeia fundada, conforme Pecequilo (2014), em 5
princípios basilares:
1)Fortalecer a legitimidade democrática das instituições; 2) Melhorar a
eficiência das instituições; 3) Estabelecer a união econômica e monetária; 4)
Desenvolver a dimensão social da Comunidade; 5) Estabelecer uma política
externa e de segurança comum.
Uma peculiaridade histórica, afinal, era composta por um grupo de países cujos
interesses ao longo dos últimos 600 anos tinham sido muito mais divergentes,
chegando ao caso de se traduzirem em inúmeras guerras, do que divergentes; cujas
assimetrias socioeconômicas vinham se agravando nos últimos 20 anos, tanto no que
diz respeito à dimensão interna dos países quanto quando comparados entre si. No
entanto, o período que sucede a assinatura do Tratado de Maastricht, que é
compreendido pelos especialistas muito mais como uma reafirmação institucional do
que já vinha sido tentado ser colocado em prática nos últimos 30 anos, é caracterizada
como o período em que se constrói a institucionalidade, isto é, em que as regras
econômicas, políticas, diplomáticas e até estratégicas são amplamente debatidas e
desenvolvidas, chegando até a assinatura do Tratado de Amsterdã, em 1997, que tem
por objetivo reduzir as assimetrias institucionais e dar seguimento ao processo de
integração, ampliando a possibilidade de expandir a União Europeia ao leste do
continente; facilitando o acesso dos Estados-membros às instituições estabelecidas
durante a década e, por fim, possibilitando a manutenção da institucionalidade
democrática, isto é, fazendo com que a elaboração de políticas e as tomadas de
decisões, em âmbito político e econômico, fossem executadas da maneira mais
homogênea possível.

2) A primeira década do Século XXI foi marcada por importantes inflexões no posicionamento
internacional dos EUA. Explique tais mudanças e discuta de que forma elas impactaram as (e
foram impactadas pelas) relações atlânticas.

Inicialmente é necessário considerar, ainda nos últimos anos do século XX, com a
crescente ascensão dos neoconservadores norte-americanos e a consequente
pressão ao governo democrata de Clinton, suas respectivas invasões no Oriente
Médio, que os EUA se distanciaram da Europa, que também passava por um exitoso
processo de expansão rumo ao leste. Então, o século XXI começa com a porção
setentrional do atlântico em relativa assimetria de interesses. Passemos a analisar as
diferenças nas agendas governamentais para o início do século XXI.
Para os Estados Unidos, a política externa era pensada inegavelmente a partir
da lógica de ameaças, isto é, o paradigma securitário relativo à dimensão interna do
país – preocupado com a hostilidade de grupos intitulados de terroristas, ou mesmo
com a garantia da ordem interna em detrimento da participação popular em
manifestações -, mas principalmente em relação à dimensão externa – cuja
representação típica é o que acontece no 9º mês do primeiro ano do século, o
atentado às Torres Gêmeas – era levado ao centro do planejamento do Estado
quando da elaboração da agenda internacional; ao passo que a política externa
europeia, muito influenciada pelo então paradigma da integração, centrava-se em
solucionar problemas relativos à segurança e à garantia da plena realização do
homem, isto é, com assuntos que colocavam em risco a dignidade da pessoa humana:
fome, doenças alimentares, questões climáticas etc. constituindo, assim, um
paradigma muito mais universalista – por certo influenciado pela mundialização do
capital, que se intensifica nos anos 70 mas se capilariza a partir dos anos 90 -, do que
propriamente beligerante e conflitivo como o estadunidense. Destarte, as posições
tomadas pelos EUA em uma série de organismos multilaterais – como as questões
referentes à OMC, ao Tratado de Quioto, ao Tribunal Penal Internacional – fazem com
que a desconfiança e o desgaste das relações atlânticas setentrionais se
intensifiquem. A inflexão desta relação desgastada se dá quando do ataque ao
território estadunidense, no dia 11 de setembro de 2001, fazendo com que ambos
lados do atlântico convirjam em direção ao interesse minimamente comum:
imediatamente a OTAN e a União Europeia declaram apoio e solidariedade aos EUA,
e o então presidente Sr.George W. Bush, filho, passa a considerar alternativas
multilaterais como viáveis ao exercício da política externa americana e, portanto, aos
interesses do Estado estadunidense. A manifestação material desse estreitamento de
interesses é conhecida como Operação Liberdade Duradoura, um eufemismo para
Guerra do Afeganistão, capitaneada pela OTAN, cujo objetivo era opor-se por meio da
imposição da força ao poder do Talibã, grupo islâmico, no país. O alinhamento dos
interesses atlânticos foi transbordado para outros organismos internacionais, como na
Rodada Doha na OMC, por exemplo; no entanto A convergência de tais interesses foi
minada já em 2002, quando o presidente Bush filho pretende estender suas excursões
bélicas para além do Afeganistão, em direção ao Iraque de Husseim. A partir deste
momento, há uma separação do bloco europeu: Grã-Bretanha aliasse à estratégia
beligerante do Sr.Bush Filho, ao passo que as potencias europeias continentais –
França, Alemanha e Rússia aliam-se a ideia de não concordar com a “invasão
preventiva” – um outro eufemismo para a Segunda Guerra do Iraque. Criam-se,
portanto, dois grupos: o “Grupo da Vontade”, daqueles favoráveis à invasão; em
oposição ao “Eixo da Paz”, configurado pelas potências continentais do velho
continente. É evidente que a dimensão simbólica dos nomes não esconde os
interesses estratégicos de ambos os grupos; afinal, não interessava ao Eixo da Paz
que a invasão norte-americana fosse bem sucedida, pois isso representaria uma
presença importante dos EUA no Oriente médio – ruim para a Europa central -, e uma
projeção considerável dos estadunidenses na Ásia central – péssimo aos russos.

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