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UNIVERSIDADE PEDAGÓGICA

ESCOLA SUPERIOR TÉCNICA


DEPARTAMENTO DE DESENHO E CONSTRUÇÃO

MANUAL DE EDUCAÇÃO ESTÉTICA


(MATERIAL DE APOIO AO ESTUDANTE)

O DOCENTE:
JOSÉ J. A. HOGUANE

MAPUTO
2012
1

ÍNDICE

INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 3
Competências .............................................................................................................. 5
Objectivos Gerais ........................................................................................................ 6

CAPÍTULO I: ................................................................................................................. 7
NOÇÃO DE ESTÉTICA E DE ARTE .......................................................................... 7
1.1. Noção de Estética. ................................................................................................ 7
1.2. Noção de Arte. .................................................................................................... 12

CAPÍTULO II ............................................................................................................... 17
OBJECTIVIDADE E UNIVERSALIDADE DO CONHECIMENTO ARTÍSTICO .... 17
2.1. Experiência, Sensibilidade e Atitude Estéticas .................................................... 17
2.2. Beleza Natural e Beleza Artística ........................................................................ 19
2.3. Juízos Estéticos ................................................................................................... 20
2.4. Concepções filosóficas da Arte. .......................................................................... 21

CAPÍTULO III .............................................................................................................. 23


CARÁCTER HISTÓRICO E ESPECIFICIDADE DO CONTEÚDO ARTÍSTICO .. 23
3.1. A civilização egípcia ........................................................................................... 23
3.2. A civilização grega ............................................................................................. 24
3.3. Da antiguidade clássica à eclosão da Alta Idade Média ....................................... 25
3.4. Emancipação e liberdade expressiva ................................................................... 26

CAPÍTULO IV .............................................................................................................. 27
ACESSO AO MUNDO DA ARTE .............................................................................. 27
4.1. Disponibilidade e benefícios ............................................................................... 27
4.2. O ensino da arte .................................................................................................. 28
4.3. Promoção do acesso da população à arte ............................................................. 29
4.4. Produção e Consumo da Arte de Massas ............................................................. 29

CAPÍTULO V ............................................................................................................... 30
2

CONHECIMENTO, VIVÊNCIA E CRIAÇÃO DAS DIFERENTES LINGUAGENS


ARTÍSTICAS ............................................................................................................... 30
5.1. Conhecimento da Linguagem artística................................................................. 30
5.2. Novas vivências, novos olhares ........................................................................... 30
5.3. Tipos de linguagens artísticas .............................................................................. 31
5.4. Criação da linguagem artística ............................................................................ 31

CAPÍTULO VI .............................................................................................................. 34
DESENVOLVIMENTO E MELHORIA DA SENSIBILIDADE HUMANA ................ 34
6.1. Uma visão em torno da expressão infantil ........................................................... 34
6.2. A evolução do desenho ....................................................................................... 35
6.3. Interpretação e análise do desenho pré-figurativo e figurativo: ............................ 37

CAPÍTULO VII ............................................................................................................. 38


APREENSÃO E COMPREENSÃO DE OBRAS ARTE .......................................... 38
7.1. Níveis de compreensão estética ........................................................................... 38
7.2. Interpretação da Obra de arte. ............................................................................. 40
7.3. Atitudes perante a arte ........................................................................................ 43

CAPÍTULO VIII ............................................................................................................ 45


VALORIZAÇÃO DA FUNÇÃO SOCIAL DA ARTE .................................................. 45
8.1. O efeito moralizador da arte ................................................................................ 45
8.2. Arte como registo histórico ................................................................................. 46
8.3. Arte e Sociedade. ................................................................................................ 47
8.4. Arte e seus papeis actuais .................................................................................... 47

CAPÍTULO IX .............................................................................................................. 49
ESTÉTICA E EDUCAÇÃO ........................................................................................ 49
9.1. Educação da sensibilidade humana aprendente .................................................... 49
9.2. A educação estética no centro da formação humana ............................................ 50
9.3. Necessidade de uma educação estética íntegra .................................................... 51
9.4. A estética na formação docente ........................................................................... 53
9.5. A educação estética na Escola ............................................................................. 53
BIBLIOGRAFIA ........................................................................................................... 55
3

INTRODUÇÃO

A Educação Estética é uma importante dimensão educacional do nosso tempo.


Não podemos esquecer que vivemos numa era de imagem, onde muitas vezes
valemos pela forma em que nos apresentamos, onde a sociedade impõem
padrões de estética e de beleza que devem ser seguidos, imitados e/ou
copiados a qualquer preço.

Durante muito tempo, a educação moçambicana relegou a Educação Estética e


Artística para segundo plano, contribuindo assim para a promoção de uma
educação fragmentada em que se valorizava com particular realce apenas o
lado cognitivo. Na Universidade Pedagógica (UP), defendemos uma formação
integral dos estudantes em que sejam estimuladas as sensibilidades para que a
Universidade possa se transformar num lugar com vida, brilho e prazer.

Muitos educadores, hoje em dia, chamam a atenção para a incorporação das


dimensões estética e lúdica nas escolas, pois elas são muito importantes para a
construção das nossas existências e posturas de vida. A sensibilidade é um
elemento muito importante na construção do conhecimento visto que é
necessário desenvolver a empatia e o prazer no processo de aprendizagem. A
educação deve ser capaz de trabalhar integralmente as dimensões cognitiva,
emocional e sócio-afectiva. A Universidade deve ser capaz de equilibrar a
racionalidade com os afectos e a razão com a emoção, de modo a que os
graduados sejam pessoas sensíveis, lúcidas e envolvidas na construção das
suas próprias existências.

No novo currículo da UP temos de saber reconhecer e desenvolver relações


interpessoais, considerando que a empatia, a congruência, a liberdade e a
criatividade são factores muito importantes para o sucesso do processo de
ensino e aprendizagem (PEA). A educação e a formação na UP devem
favorecer a expressão de sentimentos, o desenvolvimento da liberdade, a
aproximação entre as pessoas e o estímulo de afectos.
4

Os desenvolvimentos da sensibilidade e da expressão são muito importantes na


construção da visão do mundo. É importante que na promoção da educação
estética e artística saibamos envolver sentimento e razão, pensamento,
sensações e emoções. A educação e a formação na UP devem promover a
satisfação e o prazer, pois é o prazer que motiva o desejo de mudança. É
necessário ensinar aos estudantes, sobretudo aos futuros professores, os
sentimentos de conforto, de fascínio estético, de sensação de plenitude e a
sensação do contacto com as artes.

O tema transversal sobre a Educação Estética e Artística deve desenvolver nos


estudantes e docentes o contacto com a arte, a apreciação do belo e a
formulação de juízos de apreciação estética. A incorporação das dimensões
estética e lúdica vai possibilitar o desenvolvimento da auto-estima e do prazer de
construção de um mundo melhor. A abordagem de aspectos estéticos e
artísticos permitirá a humanização dos sentidos e o desenvolvimento da
capacidade sensorial humana. A humanização acontece através do acesso aos
bens culturais, incluindo os bens artísticos. A criação artística é uma condição
essencial do ser humano para que ele possa apreender a realidade e conhecer
o mundo objectivo e construir a sua subjectividade.

O novo currículo da UP visa transformar a instituição num espaço de acesso às


diferentes linguagens artísticas (música, artes cénicas, dança, artes visuais,
etc.). Pretendemos ampliar o repertório cultural do universo cultural da
humanidade. O nosso graduado deve saber vivenciar a arte e saber sonhar,
imaginar, juntar razão e emoção, emocionar-se, questionar, brincar com o
desconhecido, arriscar hipóteses e alegrar-se com as descobertas que faz no
processo de aprendizagem. Pretendemos formar homens mais humanizados.

Ciente da grande importância que o ensino da Estética pode trazer na nossa


sociedade, torna-se imprescindível a leccionação olhando para um horizonte
próximo, na abordagem dos valores morais e estéticos do futuro professor. Os
objectivos globais desta vertente educativa ao nível profissional são dominar,
perceber e comunicar de modo eficiente, através dos meios expressivos
estéticos. Os conteúdos foram cuidadosamente seleccionados, considerando os
5

condicionantes etários, tanto a nível cognitivo e psicomotor e a experiência


media adquirida previamente.

Nas sugestões metodológicas recomendam-se exercícios complementares de


verbalização de experiência estéticas, a desenvolver fora do horário lectivo,
respondendo assim, a necessidade de desenvolver no estudante capacidades
sobre ferramentas ou subsídios a cerca do juízo estético, como a sociedade
sustenta valores estéticos e o papel da escola na formação desses valores.

O presente manual está estruturado em nove (9) capítulos: no primeiro aborda-


se a questão da noção de estética e de arte; no segundo, a objectividade e a
universalidade do conhecimento artístico; no terceiro, o carácter histórico e a
especificidade do conteúdo artístico; no quarto, o acesso ao mundo da arte; no
quinto, o conhecimento, a vivência e a criação das diferentes linguagens
artísticas; no sexto, o desenvolvimento e a melhoria da sensibilidade humana;
no sétimo, a apreensão e a compreensão de obras artísticas; no oitavo, a
valorização da função social da arte; e, no nono capítulo, a arte e a educação.

Trata-se de um manual construído através de consultas bibliográficas, visitas a


museus e galerias de arte, Internet e trabalhos de pesquisa desenvolvidos no
Departamento de Desenho e Construção da Escola Superior Técnica - ESTEC.

Competências

 Entender os conceitos de Educação Estética;


 Conhecer as linguagens estético-artísticas;
 Apreender e compreender as obras artísticas;
 Valorização da função social da arte;
 Desenvolver e melhorar da sensibilidade humana;
 Desenvolver Experiências e comportamentos emocionais que as coisas
belas provocam na pessoa;
 Valorizar a Estética como sinonimo de “teoria de criação”, do ponto de
vista individual, social e histórico.
6

Objectivos Gerais

- Promover hábitos de pesquisa, de descoberta e de diálogo, através de estudos


realizados, quer individualmente, quer em grupo;
- Desenvolver capacidades de percepção estética;
- Desenvolver sensibilidade mais rigorosa de observação estética como meio de
expressão e comunicação;
- Desenvolver a capacidade inovadora em resposta a necessidades do domínio
do imaginário;
- Descobrir a expressividade pessoal.
7

CAPÍTULO I:
NOÇÃO DE ESTÉTICA E DE ARTE

1.1. Noção de Estética.

Há três Teorias sobre um problema central da noção de estética: a Teoria da


Filosofia da Arte, a Teoria do Belo e a Teoria do Gosto.

a) Teoria da Filosofia da Arte


O ramo da Filosofia a que se dá o nome de “estética” inclui um conjunto de
conceitos e de problemas tão variado que, aos olhos daquele que se inicia no
seu estudo, pode parecer uma matéria demasiado dispersa e inacessível. Essa
primeira impressão é compreensível, mas ultrapassável. Uma maneira de
desfazer tal impressão é começar por esclarecer que a “estética” é a disciplina
filosófica que se ocupa dos problemas, Teorias e argumentos acerca da arte. A
estética é, portanto, o mesmo que Filosofia da Arte.
A “estética” é muitas vezes apresentada como a disciplina filosófica que se
ocupa dos problemas e dos conceitos que utilizamos quando nos referimos a
objectos estéticos. Só que isso pouco adianta se não soubermos antes o que
se entende por «objectos estéticos». Podemos, contudo, acrescentar que os
objectos estéticos são os objectos que provocam em nós uma experiência
estética, ou seja, o que resulta da contemplação de objectos estéticos. É
apresentar alguns exemplos daquilo que consideramos ser juízos estéticos,
isto é, juízos acerca de objectos estéticos e que, portanto, exprimem
experiências estéticas.

A palavra “estética” é originária do grego, “aisthesis”, significando percepção ou


sensação. Como disciplina filosófica, procura definir o “Belo” ou a “Beleza” em
geral e as suas formas de representação nas Artes e na Natureza, assim como
os seus efeitos sobre os receptores. Inicialmente estava intimamente ligada à
ideia do “Bem”, mas também à afirmação de poder dos grupos sociais
dominantes. A contemplação estética e o destino das produções artísticas foram
assumidos como um dos privilégios da classe das elites.
8

As primeiras manifestações artísticas são provavelmente tão antigas como o


próprio Homem, mas o conceito de estética é relativamente recente. A palavra
estética só foi introduzida em 1750 no vocabulário filosófico pelo alemão
Alexander Gottlieb Baumgartem quando publicou uma obra (Estética) onde
procurava analisar a formação do gosto. A reflexão sistemática na Filosofia,
sobre a beleza e a arte é, todavia, muito mais antiga e remonta pelo menos à
antiguidade clássica. Muitos autores preferem o termo filosofia da arte,
entendendo-o como uma reflexão centrada nas obras de arte e nas suas
relações com o criador que as produziu. Esta denominação pretende excluir, por
exemplo, o belo natural.

b) Teoria do Belo
O “Belo” e a “beleza” têm sido objecto de estudo ao longo de toda a história da
Filosofia. A “beleza” está etimologicamente relacionada com "brilhar", "aparecer",
"olhar".

Na antiga Grécia a reflexão estética estava centrada sobre as manifestações do


“belo natural” e o “belo artístico”. Para Pitágoras, a “estética” como sinónimo do
“belo”, consiste na combinação harmoniosa de elementos variados e
discordantes. Para Platão, a “estética” ou “beleza de algo”, não passa de uma
cópia da “verdadeira beleza” que não pertence a este mundo. Para Aristóteles, a
“estética” como sinónimo do “belo” é uma criação humana, e resulta de um
perfeito equilíbrio de uma série de elementos.

Na Idade Média identifica-se a “beleza com Deus”, sendo as coisas belas feitas
à sua imagem e por sua inspiração. Entre os séculos XVI e XVIII predomina
uma estética de inspiração aristotélica: a “beleza” é relacionada à perfeição
conseguida por uma sensata aplicação das regras da criação artística. As
academias a partir do século XVII, garantiram a correcta aplicação dos cânones
artísticos. Kant atribuirá ao sentimento estético as qualidades de desinteresse e
de universalidade. Foi o primeiro a definir o conceito de “belo” e do sentimento
que ele provoca. Hegel verá no “belo” uma “encarnação da ideia”, expressa não
num conceito, mas numa forma sensível, adequada a esta “criação do espírito”.
9

Na "arte carnal" à semelhança da "body art", o corpo funciona como o suporte e


o meio de expressão do artista. Esta arte submeteu-se a várias operações como
forma de provocar uma reflexão sobre os conceitos de “belo” e de “beleza”.

c) Teoria do Gosto
A arte contemporânea colocou problemas radicalmente novos à estética. Os
artistas rompem com os conceitos e as convenções estabelecidas na arte e
sobre a arte. O conceito de experiência estética sofreu grandes alterações e
controvérsias.

Eis alguns exemplos de frases que habitualmente proferimos e que qualquer


pessoa estaria disposta a reconhecer que exprimem juízos estéticos (fruto de
experiência estética):
Frase1: «Aquela casa é bonita»;
Frase2: «O vale do Zambeze é belo»;
Frase3: «O nascer do dia naquela amena manhã de Maio na vila de Marracuene
com o cheiro a terra molhada e os pássaros a chilrear foi sublime»;
Frase4: «A decoração desta montra está com muito bom gosto»;
Frase5: «O último andamento da 9ª Sinfonia de Beethoven é emocionante»;
Frase6: «O quadro Mulher-cão de Paula Rego é uma verdadeira obra-prima»;
Frase7: «O livro Maria de José Craveirinha é uma obra complexa»; etc.

Estas frases parecem trazer de volta a impressão inicial de que os problemas da


estética são heterogéneos. Frases como a frase1 e a frase2 exprimem juízos
acerca do que se considera ser “bonito” ou “belo”, mas nenhuma das outras o
faz.

A imagem que se segue (a casa da cascata), pode ser um exemplo de uma obra
de arte cujo impacto no observador se pretende exprimir com a frase1, o que
não acontece com a frase2 (nesta, o observador admira a Natureza do vale e
não provavelmente as edificações existentes).
10

Casa da cascata, Frank Lloyd Wright.

Por sua vez, frases como as frases 4, 5, 6 e 7 exprimem a opinião de alguém


acerca de algo realizado por outras pessoas, embora as três últimas se refiram
obras de arte, o que não sucede com a frase 4. Quanto às frases 3, 4 e 5,
sabemos que não está em causa o conceito de “belo”, mas apenas o que
sentimos em relação a algo que simplesmente nos agrada.

Se os nossos exemplos se limitassem às frases 1 e 2, a “estética” seria


entendida apenas como “Teoria do belo”, pois o problema parece consistir em
saber o que significa «ser belo»; caso pensemos apenas nas frases 3, 4 e 5, o
que temos como problema já não é rigorosamente o do significado de «ser belo»
mas o de saber por que razão e sob que condições acabamos por formar juízos
de gosto; finalmente, se pensarmos nas frases 1, 5, 6 e 7, o problema com que
nos deparamos não é o do “belo”, nem sequer o do “juízo de gosto”, mas sim o
problema de saber o que é e como se avalia uma obra de arte.

Para o nosso contexto, várias podem ser as denominações ou classificações


que podem ser dadas, por exemplo, a dois locais sobejamente conhecidos na
cidade de Maputo: o edifício do Concelho Municipal, a Catedral e ao lado, o
largo da Praça da Independência.
- Este edifício é pesado;
- Simboliza o poder e o controle da periferia;
- A praça é acolhedora;
- A Catedral branca ao lado, ter ares de calma e leveza; etc.
11

Edifício do Concelho Municipal de Maputo

A praça da Independência – Cidade de Maputo

Em que ficamos, então?


Estamos, assim, em condições de concluir que a estética pode ser uma de três
coisas: Teoria do Belo, Teoria do Gosto ou Filosofia da Arte.
12

Fique claro que a Teoria do Belo não exclui completamente do seu domínio
muitas das obras de arte e, a Filosofia da Arte não se desinteressa
completamente de algumas obras belas, tal como a Teoria do Gosto se pode
aplicar quer a objectos belos, quer a objectos de arte.

Se bem que a estética tenha sido entendida inicialmente como Teoria do Belo e
só depois como Teoria do Gosto, actualmente é entendida como Filosofia da
Arte, pelas seguintes razões:

1. Em primeiro lugar, tanto a Teoria do Belo como a Teoria do Gosto


dirigiram o seu interesse de forma particular para as obras de arte. Para além do
problema de saber o que é o “belo”, um dos problemas colocados pela Teoria do
Belo foi o da distinção entre o belo natural e o belo artístico. No mesmo sentido
também os defensores da Teoria do Gosto procuraram compreender porque é
que a arte está na origem da grande parte dos nossos juízos de gosto.

2. Em segundo lugar, a Teoria do Belo e a Teoria do Gosto não conseguem


dar conta de muitos dos problemas que se colocam com o conceito de “Arte”. É
o caso das obras de arte que dificilmente podemos considerar belas e daquelas
de que não gostamos mas não podemos deixar de considerar obras de arte.

3. Em terceiro lugar, o desenvolvimento da arte consegue levantar


problemas acerca dos conceitos de “belo” e de “gosto” que estes não
conseguem levantar acerca da arte. Isso torna-se evidente quando, por
exemplo, os gostos e a própria noção de belo se podem modificar à medida que
contactamos com diferentes obras de arte (daí a ideia de que a arte educa os
gostos e influencia a nossa própria noção de belo).

1.2. Noção de Arte.

Do latim "ars, artis", termo que, no seu sentido etimológico, tinha uma acepção
muito mais ampla do que aquela em que é hoje usada. Falava-se em arte a
respeito de qualquer actividade na qual se dava valor também ao modo pelo
qual ela se explicitava. Desse sentido amplo participavam expressões e termos
13

como: a arte de bem viver, as artes mecânicas, a poesia, a pintura etc. Por
exemplo, as artes rupestres são um exemplo de arte retratando a vivência da
sua época.

Pintura rupestre em Lascaux, França.

Depois de uma longa elaboração milenar, hoje o conceito de “arte” se torna


menos impreciso, referindo-se mais explicitamente a uma actividade espiritual
criadora de beleza, não subordinada a modelos, resultante de uma visão intuitiva
(não de um conhecimento racional) e tendente a exprimir o espírito na forma
sensível.

A actividade espiritual que especificava a arte se caracteriza por uma exigência


de perfeição que constitui a síntese de três exigências distintas: unidade,
integridade e harmonia. Numa obra perfeita, não se pode tirar, nem
acrescentar, nem modificar nada sem romper um equilíbrio, sem destruir uma
unidade interior e uma proporcionalidade que despertam, em quem aprecia a
obra de arte, o prazer estético. Trata-se de um prazer de ordem espiritual,
determinado precisamente pela vivência do contacto do espírito com a beleza.

A verdadeira arte tem um carácter eminentemente desinteressado, enquanto é


por essência uma busca espontânea e original do belo em si. Isso não significa
que o artista não possa procurar viver a sua arte, vendendo, por exemplo, sua
produção artística ou trabalhando mediante remuneração, para realizar a
encomenda de um cliente. O que o carácter desinteressado da arte exige,
porém, é que o artista não consinta nunca em criar para fins puramente
mercantis. Isso supõe, não raro, um verdadeiro heroísmo de fidelidade à própria
14

vocação artística. Por esse motivo, muitos artistas geniais viveram na miséria,
como antecipadores do seu tempo, não foram compreendidos por uma
sociedade que mal lhes pagava o necessário para sobreviver, mas que anos
depois, revendia suas obras por preços e milhões de vezes mais altos.

A verdadeira arte tem, a seguir, um carácter de universalidade; atinge valores


universais e permanentes, porque atinge a verdadeira essência do humano; não
se confunde com o virtuosismo no qual a técnica de expressão se constitui no
próprio fim da obra de arte; não se reduz a uma técnica (ainda que,
etimologicamente, o vocábulo “techné” fosse o termo que os gregos
empregavam para falar daquilo a que chamamos hoje arte).

Toda arte tem um duplo poder: expressivo e sugestivo. Pelo primeiro, ela
exprime o inteligível no sensível. É capaz de encarnar uma ideia ou um
sentimento, na matéria, seja esta a tinta, o mármore, as palavras, ou o som.
Mesmo uma obra figurativa, quando é realmente artística, exprime muito mais do
que a fotografia.

São muitas as variedades das artes. Os antigos tinham conseguido classificar


ordenadamente as artes que conheciam em duas categorias fundamentais: as
artes plásticas e as artes rítmicas. As primeiras supunham o esforço de
plasmar a matéria numa forma consciente para exprimir nela o conteúdo
espiritual, e compreendiam a Pintura, a Escultura e a Arquitectura, enquanto as
segundas eram constituídas pela dança, teatro, etc. Os progressos da ciência e
da técnica criaram novas formas de arte, algumas das quais dificilmente
obedecem à divisão clássica. Basta citar como exemplos a Decoração, a
Fotografia Artística e o Cinema.

O conceito de “arte” varia de acordo com a época, a cultura e as necessidades


de cada civilização, que podem separá-la ou não do artesanato, da ciência, da
religião e da técnica (no sentido tecnológico). Assim, entre os povos ditos
primitivos, a arte, a religião e a ciência estavam juntas às figuras do artista
(músico, actor, poeta, etc.), do sacerdote e do médico; a arte era entendida
15

(pelos gregos, século V a.C.) como o produto ou processo em que o


conhecimento é usado para realizar determinadas habilidades.

Tradicionalmente, o termo arte foi utilizado para se referir a qualquer perícia ou


mestria, um conceito que terminou durante o período românico, quando arte
passou a ser vista como "uma faculdade especial da mente humana”. A arte
existe desde que há indícios do ser humano na Terra. Ao longo do tempo, a
função da arte tem sido vista como um meio de espelhar nosso mundo
(naturalismo), para decorar o dia-a-dia e para explicar e descrever a história e os
diversos eus que existem dentro de um só ser (como pode ser visto na
literatura), e para ajudar a explorar o mundo e o próprio Homem.

Hoje, a arte está por todos os cantos. Por exemplo, nas imagens que se
seguem, vemos como o artista faz arte segundo seus sentimentos, suas
vontades, seu conhecimento, suas ideias, sua criatividade e sua imaginação, o
que deixa claro que cada obra de arte é uma forma de interpretação da vida. A
inspiração seria o estado de consciência que o artista atinge, no qual a
percepção, a razão e emoção encontram-se combinados para realizar suas
melhores obras.

Pintura e Escultura: exemplos da Arte como forma de interpretação da vida

Para Ernest Gombrich (historiador de arte), nada existe realmente a que se


possa dar o nome de Arte. Existem somente artistas. Arte é um fenómeno
cultural. Com efeito, regras absolutas sobre arte não sobrevivem ao tempo, mas
em cada época, diferentes grupos (ou cada indivíduo) escolhem como devem
compreender esse fenómeno.
16

Arte pode ser sinónimo de beleza, ou de uma beleza transcendente. Dessa


forma, o termo passa a ter um carácter subjectivo, qualquer coisa pode ser
chamada de arte, desde que alguém a considere assim, não precisando ser
limitada à produção feita por um artista. Como foi mencionado, a tendência é
considerar o termo arte apenas relacionado, directamente, à produção das artes
plásticas. Os historiadores de arte buscam determinar os períodos que
empregam certo estilo estético, denominando-os por “movimentos artísticos.

A arte pode utilizar a imagem para comover, emocionar, consciencializar; ou


palavras profundas para se apaixonar por um certo poema ou livro.
Basicamente, a arte é um acto de expressar nossos sentimentos, pensamentos
e observações. Existe um entendimento de que é alcançado com o material,
como resultado do tratamento, o que facilita o seu processo de entendimento.

A opinião comum diz que para se fazer uma arte que tenha como resultado uma
obra de qualidade, é preciso uma especialização do artista, para ele alcançar um
nível de conhecimento sobre a demonstração da capacidade técnica ou de uma
originalidade na abordagem estilística.
17

CAPÍTULO II
OBJECTIVIDADE E UNIVERSALIDADE DO CONHECIMENTO ARTÍSTICO
Conseguir a “objectividade” numa obra de arte é um desafio pois, não a
explicamos, ajustamo-nos a ela. Ao interpretá-la, fazemos uso dos nossos
próprios objectivos e esforços, dotámo-la de um significado que tem a sua
origem nos nossos próprios modos de ver e de pensar (nossa subjectividade).

Os problemas levantados pela interpretação da obra de arte apresentam-se sob


o aspecto de contradições permanentes. A obra de arte é uma tentativa para
alcançar aquilo que é único; afirma-se como um todo, um absoluto, mas
pertence simultaneamente a um complexo sistema de selecções. É o resultado
de uma actividade independente, traduz um delírio superior e livre, mas é
também um ponto onde convergem as linhas de força das civilizações.

2.1. Experiência, Sensibilidade e Atitude Estéticas

O conhecimento destes conceitos ajudar-nos-á a perceber melhor algumas


motivações que fazem com que os homens se envolvam pouco ou muito em
manifestações artísticas.

a) Experiência Estética
O Homem é razão, mas também emoção. O meio envolvente desperta nele,
emoções de agrado ou desagrado, de prazer ou de tristeza, de beleza ou
fealdade. Mas o Homem, como se vê na imagem a seguir, não se limita a
contemplar, também cria, produz objectos onde procura não apenas expressar
estas emoções, mas fá-lo de forma que outros as possam igualmente
experimentar quando os contemplam.
18

Abraço desconfiado, escultura de Reinata Sadimba.

Nesta obra, a artista denuncia o clima simultâneo de reconciliação e de


desconfiança entre mulheres no período pós guerra civil em Moçambique. Sua
intenção é incitar as mulheres a unirem-se rapidamente pela promoção de seus
direitos.

b) Sensibilidade Estética
O modo como vivemos as diversas experiências estéticas depende da nossa
sensibilidade, a qual é influenciada pela preparação que temos para poder
usufruir uma dada experiência. Algumas formas de arte, como certas
expressões da arte contemporânea requerem uma iniciação prévia para
pudermos entender a linguagem usada pelos artistas.

c) Atitude Estética
As predisposições que o Homem revela para produzir, mas também para
valorizar em termos emotivos os objectos e as situações, constituem o que
designamos por atitude estética. Esta atitude é pois uma das condições
necessárias para pudermos ter uma experiência estética, caso contrário os
nossos sentidos estarão “bloqueados”.

Para que exista uma experiência estética é necessário contemplar as coisas de


forma “desinteressada” e sem preconceitos. O que implica vê-las como são em
19

si mesmas, com distanciamento e desapego. Os nossos sentidos devem estar


libertos e despertos para o diferente ou outras dimensões não familiares. Por
exemplo, ao observarmos o conjunto que se segue, teremos a possibilidade de
termos uma experiência estética ao “separarmo-nos” da sua função (contenção
e transporte de líquidos) e apreciarmos simplesmente as transformações e
detalhes nas formas.

Trabalho de cerâmica – Reinata Sadimba.

2.2. Beleza Natural e Beleza Artística

Os conceitos anteriores tanto podem ser usados quando nos referimos à


natureza ou a obras criadas por seres humanos. Até praticamente ao século
XVIII, não se fazia uma clara distinção entre um e outro tipo de beleza, dado que
os artistas procuravam sobretudo imitar a beleza natural. Com a criação da
estética como disciplina filosófica, no século XVIII, faz-se uma nítida distinção
entre os dois tipos de beleza. O conceito de estética passa a ser reservado à
apreciação das obras criadas pelo Homen.

A definição do conceito de beleza continuou, todavia, a ser um problema central


da estética: É a Beleza definível? A beleza é uma qualidade que pertence às
próprias coisas belas? Ou resulta de uma relação entre elas e a nossa mente?
20

Ou ainda de uma dada predisposição (atitude) que adquirimos para as


reconhecermos como belas (emitirmos um juízo)?

2.3. Juízos Estéticos

Um juízo é a afirmação ou a negação de uma dada relação sobre algo (ex. O


mar é belo; o lixo é feio). Um juízo estético é a apreciação ou valorização que
fazemos sobre algo, e que se traduz em afirmações como "gosto" ou "não
gosto". Nem sempre estes juízos são baseados em critérios explícitos que
permitam fundamentar as nossas afirmações. Em termos gerais todos os juízos
estéticos baseiam-se nos seguintes pressupostos:

a) Objectividade das apreciações.


Pressupõe que a beleza é eterna, sendo independente dos juízos individuais
(subjectivos). A beleza não está nas nossas apreciações, mas constitui uma
propriedade dos próprios objectos estéticos. Que propriedade ou propriedades
são estas que tornam os objectos belos? Apesar de todas as tentativas para
definir a “Belo” ou a “Beleza”, nunca se chegou a nenhum consenso. Alguns
autores procuram contornar a situação, afirmando que para género artístico, ao
longo dos tempos, têm vindo a ser apurados certos "cânones" específicos que
nos permitem ajuizar do valor estéticos das diversas obras.

b) Subjectividade das apreciações.


Pressupõe que o valor estético atribuído a um objecto não pode ser separado do
contexto sócio-cultural a que está ligado. O belo é o que “eu gosto” ou aquilo
que me agrada. A beleza funda-se assim numa relação subjectiva, sensorial,
entre sujeito e o objecto.

A arte ou o valor de cada obra é sempre vista em função de um dado contexto.


A história tem-nos mostrado que nem sempre existe um acordo entre os méritos
de uma obra de arte e os juízos sobre a mesma, produzidos na época em que
foi criada, daí que muitos artistas que foram considerados geniais no seu tempo
são hoje considerados artistas menores, enquanto que outros que passaram
despercebidos são agora valorizados.
21

2.4. Concepções filosóficas da Arte.

O que designamos por criações artísticas, isto é, as obras criadas por artistas
nem sempre tiveram o mesmo sentido. Ao longo dos tempos têm sido muito
diversas as concepções sobre o que é uma obra de arte. Entre as concepções
explicativas sobre a arte destacam-se as seguintes:

a) Arte como imitação


Na antiga Grécia, Platão afirmava que as obras de arte não eram mais do que
“cópias” mais ou menos perfeitas de modelos que a alma captara noutra
dimensão da realidade. A criação artística é assim uma descoberta ou
reencontro com a beleza que trazemos escondida dentro de nós. Na arte nada
se cria de novo, mas apenas se dá forma a modelos preexistentes na mente dos
artistas.

Aristóteles introduz o conceito de "mimésis": as produções artísticas situam-se


na fronteira entre o imaginário e a imitação da realidade. A arte não imita
portanto a natureza, mas corrige-a, exalta-a ou rebaixa-a, transfigurando-a
naquilo que ela deveria ser.

No Renascimento, ressurge o conceito do Homem como criador, divulgando-se


o conceito da arte como imitação da realidade. Concepção que irá preponderar
até ao século XIX. Nos princípios do século XX, face ao advento da fotografia e
depois do cinema, assiste-se à progressiva desvalorização da dimensão
imitativa da arte, em favor da sua dimensão expressiva (emotiva, formal,
simbólica, etc.), que veremos de seguida.

b) Arte como expressão


A arte é a expressão das emoções, sentimentos dos artistas. Durante a Idade
Média, os artistas encaram as suas produções artísticas como a expressão de
um louvor à Deus, o único e efectivo criador. A concepção programática de arte
como expressão emerge no século XIX valorizando a dimensão subjectividade
22

da criação artística, primeiro com o impressionismo e depois com o


expressionismo.

c) Arte como forma


A arte é vista como um vasto conjunto de técnicas de expressão que cada artista
faz uso consoante o meio específico em que trabalha. Cada artista cria ou
combina símbolos ou signos visuais, auditivos ou outros destinados a provocar
nos receptores ideias e emoções. O pintor combina cores e figuras, o compositor
sons e silêncios, o coreografo movimentos e figuras, o arquitecto espaços e
volumes, etc.

d) Arte institucionalizada
Aquilo que pode ser abrangido pelo conceito de arte é determinado em última
instância por uma comunidade de pessoas ligadas à sua produção, venda e
difusão, entre os quais os críticos, historiadores, galeristas, etc.

Nesta concepção, o entendimento do que é a arte, assim como do que deve ser
considerado artístico é remetido para comunidade que a produz, avalia, promove
e difunde. Os critérios seguidos por esta comunidade são em geral muito
distintos dos usados pelo público não especializado.
23

CAPÍTULO III
CARÁCTER HISTÓRICO E ESPECIFICIDADE DO CONTEÚDO ARTÍSTICO

As artes, sobretudo as artes visuais, acompanham o Homem desde sua génese.


Da magia ao utilitarismo, elas evoluíram passando por todos os momentos da
história da humanidade. Estudiosos consideram artes apenas as produzidas na
Grécia clássica e a partir da civilização do Renascimento, pois só a partir de
então elas foram executadas com uma explícita consciência estética.

Não estamos em condições de dizer se, nos tempos pré-históricos, existia algum
tipo de diferenciação social entre os pintores que realizavam pinturas rupestres
nas cavernas e os escultores que davam forma aos utensílios de uso quotidiano.
Não é provável que os pintores rupestres fossem diferenciados dos restantes
membros da comunidade e o carácter mágico – instrumental das suas pinturas
parece comprovar o facto de que estes povos caçadores e nómadas plasmavam
signos e imagens com uma faceta integrada no conjunto de suas actividades
básicas: a caça, a reprodução e o combate. A consciência mágica do Homem foi
crescendo graças à maior complexidade espiritual que ele ia adquirindo.

As circunstâncias do fazer arte modificaram-se substancialmente com a


substituição da consciência mágica pela consciência místico – religiosa e com o
sedentarismo, que possibilitou o surgimento dos impérios arcaicos. A
objectivação crescente do espaço de representação artística, que culminou com
a origem dos espaços arquitectónicos, prefigurou as funções da arte e do artista.
A edificação de tumbas, templos e palácios exigiu uma especialização rigorosa
que transformou o artista em construtor. De facto, nos impérios arcaicos o
desenvolvimento da escultura e da pintura dependeu do desenvolvimento da
arquitectura.

3.1. A civilização egípcia

No antigo Egipto, a rígida hierarquização da sociedade egípcia, baseada no


poder teocrático do Faraó e das castas sacerdotais, distinguia a arte, vinculada
ao poder político-religioso, do artesanato popular, vinculado à vida doméstica.
24

Esta distinção qualitativa entre as práticas artísticas destinadas à elite e as


destinadas ao povo – distinção provavelmente inexistente nas culturas primitivas
– se prolongou ao longo da história e marcou a diferença entre as Belas Artes e
as Artes Aplicadas.

No Egipto a arte estava ao serviço da estrutura político-religiosa (o Faraó, a


ordem sacerdotal e a corte). Esta circunstância deu lugar a um conceito
oficialista da arte que embora tenha favorecido a especialização e diferenciação
dos artistas não contribuiu para fomentar a sua capacidade criativa e a sua
liberdade expressiva, pois a tarefa dos artistas durante milénios foi de reproduzir
formas básicas, perpetuando o mesmo legado estilístico

A situação dos escultores e pintores, devido ao carácter físico do seu trabalho,


nunca ultrapassou o estatuto de meros artífices ou artesãos aos quais não se
outorgava a dignidade espiritual. Distinta foi a situação dos arquitectos que pela
importância de suas obras na perpetuação do poder teocrático, podiam cingir-se
à função de projectistas e sem obrigação de usar as mãos no seu trabalho.

3.2. A civilização grega

A civilização grega, baseada na dualidade entre homens livres e escravos,


estabelecia um dualismo semelhante entre os homens que em suas profissões
não exerciam trabalho físico e aqueles que o exerciam. A cultura homérica
estabeleceu uma categorização das artes, que persistiu ao longo da civilização
helénica e mesmo na civilização romana, em artes nobres e artes manuais. As
artes nobres, alheias ao trabalho físico, integravam a música e a poesia. As
artes manuais são as que sua execução exige trabalho físico (pintores,
escultores, ferreiros, etc.). A própria mitologia diferenciou cuidadosamente as
artes ao fazer contrastar a formosura de Apolo – príncipe das Musas – e a
virtude de Orfeo – símbolo da música – com o a tosco de Hefaistos, ferreiro e
representante dos artesãos. Todos os comentários estéticos, desde Platão e
Aristóteles a Cicerón, insistiram no apoio à superior dignidade social dos poetas
e músicos. Sócrates, filho de um escultor, desprezava as artes visuais e Platão,
25

apoiando-se numa tradição proveniente de Homero e Hesíodo, reservou a


possibilidade de inspiração divina aos poetas e músicos.

3.3. Da antiguidade clássica à eclosão da Alta Idade Média

Na antiguidade clássica a arte helénica sofreu mudanças. Em primeiro lugar o


desenvolvimento da estrutura sócio-económica, com o assentamento das polis,
exerceu um considerável aumento na demanda de obras. A descentralização
grega provocou competição entre as cidades, aumentando grandemente o nível
dos encargos artísticos. Em segundo lugar, as tendências antropomórficas e
naturalistas, consubstanciais à formação da arte helénica facilitaram o
desenvolvimento da expressividade individual e, portanto, da liberdade criativa.

A cultura romana nunca aceitou a integração das artes visuais nas artes liberais
(ou seja no conjunto de conhecimentos que devia possuir um Homem livre).
Porém, o ambiente de Roma, com seu poder imperial, suas colecções e suas
modas, propiciou o livre trabalho artístico. Com a decadência de Roma e a
eclosão da Alta Idade Média cristã tudo mudou, tendo surgido factores adversos
à continuidade da arte em sua concepção clássica. Destaquemos três destes
factores:

- Em primeiro lugar, no plano da Teoria, as primeiras e mais autorizadas


considerações estéticas cristãs, enunciadas por Santo Agostinho – seguindo a
Platão e Plotino – continuaram fazendo prevalecer a música e a poesia em
detrimento da escultura e da pintura;
- Em segundo lugar, o anti naturalismo da arte cristã e seu retorno à cópia de
formas arcaicas destruíram a necessidade da criação e da expressão
individualizadas, anulando a possibilidade de renovação estilística e de
competitividade artística;
- Em terceiro lugar, a severa moral do cristianismo dos primeiros séculos não
aventava a menor possibilidade de um mercado de arte. Estes factores
anularam a figura do artista. Seu lento ressurgimento, ao longo da Idade Média,
se realizará, primeiro, vinculado à actividade do monge e, logo, sob o estatuto de
artesão.
26

Entre os séculos V e XII os mosteiros foram os únicos redutos da cultura na


Europa ocidental. Os monges se dedicavam à cópia de livros. O trabalho copista
deu origem à uma nova actividade artística: a ilustração dos livros. Os monges
irlandeses, devido à sua tradição artística própria de raiz céltica, sobressaíram
na tarefa de conservação cultural e nos trabalhos artísticos. Não só ilustravam
livros mas também produziam obras artísticas tais como esmaltes, tecidos,
ourivesaria e imagens (icónicas) esculpidas. Porém todas estas actividades
artísticas eram concebidas para o serviço das comunidades religiosas e dentro
do conjunto de suas actividades gerais. Graças aos artesãos itinerantes surgiu
um estilo internacional: o românico. Por outro lado o trabalho artístico dos
monges deixou de ser interno e muitos mosteiros se converteram em centros de
adestramento artístico para artesãos que trabalhavam em cortes, feudos e, com
o andar do tempo, nas cidades.

3.4. Emancipação e liberdade expressiva

O surgimento das cidades medievais, entre os séculos XII e XIII, mudou


drasticamente o panorama da arte europeia. O românico deu passo ao gótico e
a construção de mosteiros e igrejas rurais deu passo à construção de grandes
catedrais. A partir dos finais do século XIII começou um processo de
emancipação da escultura e da pintura com relação à arquitectura, que abriu o
caminho para uma maior liberdade expressiva e um maior ânimo competitivo.

No século XIV, ao assentar-se em cidades uma numerosa classe média capaz


de encomendar obras particulares, tanto sagradas como profanas, plasmou-se
um novo mercado de arte e impulsionou-se movimentos de “moda” e “gostos”
que debilitaram a estereotipação figurativa da arte medieval. O estabelecimento
de oficinas e a acção do mercado de arte obrigou os artesões a se juntarem em
associações gremiais. Porém, com o decorrer do tempo, o monopólio, o
proteccionismo e o intervencionismo gremiais, resultaram atentatórios contra
desejos crescentes de individualismo e liberdade criativa, da livre iniciativa e
expressividade.
27

CAPÍTULO IV
ACESSO AO MUNDO DA ARTE

A democratização da arte se preocupa em fazer da cultura um importante


instrumento para o desenvolvimento sócio-cultural da população e assim
contribuir para formação de indivíduos mais sensíveis e atentos aos seus
deveres inerentes como cidadãos.

4.1. Disponibilidade e benefícios

Mesmo sem saber, o povo moçambicano convive com a arte há muito tempo.
Em muitas esquinas de nossas cidades, aldeias, bairros, etc. tem uma
reprodução de algo semelhante a arte, uma estampa, muita ornamentação. Por
outro lado, nos dias comemorativos e em outros tipos de cerimónias, é frequente
a organização e apresentação de actividades culturais como dança, poesia,
teatro, canto, etc. Sem precisar necessariamente de comprar obras de arte, ou
pagar bilhete de ingresso, pode-se vivenciar a arte, indo a um museu e ficar
contemplando a diversidade lá existente, ou participando das manifestações
artísticas locais.

Quando se tem acesso à arte, tem-se acesso ao desenvolvimento científico, à


informação. A execução da arte também elimina o stress, faz-nos mais
humanos, menos agressivos. Estudos mostram que quando se trabalha com
arte em indivíduos mal-humorados, percebe-se, em seguida, que eles estão
mais calmos, porque eles encontram canais para se expressar.

Há alguns anos para se ter acesso às actividades culturais como dança, teatro,
música e artes plásticas, era necessário preencher uma série de requisitos,
entre eles poder pagar para se ter acesso há algo estritamente necessário ao
desenvolvimento do indivíduo, a cultura. No entanto, de alguns anos para cá
esse paradigma tem sido quebrado, através de projectos e iniciativas que
proporcionam à população menos favorecida ter acesso às mais diversas áreas
que a cultura possa abranger.
28

4.2. O ensino da arte

O Ensino de Arte ou Arte-educação é a educação que dá oportunidade ao


indivíduo, preferencialmente desde criança (como a seguir ilustramos), de
acesso à arte como linguagem expressiva de suas emoções e forma de
conhecimento da sua cultura.

Desenho de criança.

A educação em arte, assim como a educação geral e plena do indivíduo,


acontece na sociedade de duas formas:
Assistematicamente através dos meios de comunicação de massa e das
manifestações não institucionalizadas da cultura como as relacionadas ao
folclore (entendido como manifestação viva e em mutação, não limitado apenas
à preservação de tradições);
e sistematicamente na escola ou em outras instituições de ensino.

A arte-educação tem por objectivo propiciar o desenvolvimento do pensamento


artístico e da percepção estética, que caracterizam um modo próprio de ordenar
e dar sentido à experiência humana: o aluno desenvolve sua sensibilidade,
percepção e imaginação, tanto ao realizar formas artísticas quanto na acção de
apreciar e conhecer as formas produzidas por ele e pelos colegas, pela natureza
e nas diferentes culturas.
29

4.3. Promoção do acesso da população à arte

As revoluções democráticas mundiais do século XIX promoveram o acesso da


população à Arte, que até aí era confinada a uma minoria social. Começaram a
ser criados museus, organizadas exposições e espectáculos e muitos outros
eventos culturais, com a finalidade de promoverem a fruição estética e educação
artística da população. O problema que desde logo se colocou é que a
disponibilidade destes meios, não significa só por si uma efectiva
democratização da arte. Sem uma formação e atitude estética adequada, por
mais meios que sejam disponibilizados à população, a experiência estética pode
continuar a ser medíocre, estando apenas reservada a uma minoria social.

O turismo de massas, característico das nossas sociedades aumentou, o


contacto das pessoas com grandes valores culturais, tende a criar uma cultura
superficial e redutora das experiências estéticas. O seu impacto é por vezes de
tal modo negativo que chega destruir os próprios bens culturais que pretendia
promover o acesso.

4.4. Produção e Consumo da Arte de Massas

A industrialização do mundo que começou no século XVIII, tem vindo a alterar


profundamente a nossa relação com a ate. A peça única, característica da
produção artesanal, tem vindo a ser substituída pela peça em série própria da
produção industrial. O artesão deu lugar ao "designer" (desenhador industrial).
Muitos críticos deste sistema, têm afirmado que a reprodução em massa de uma
obra, provoca perda do carácter único dos objectos, banalizando-os, e desta
forma diminuiu o seu valor e autenticidade.

A arte passou ser estar subordinada às estratégias comerciais e ao consumo


imediato. As novas formas de comercialização da arte (exposições, galerias,
feiras, agentes, negociantes, promoção, etc.) alteraram por completo a nossa
relação com a arte, assim como a relação dos artistas com o público.
30

CAPÍTULO V
CONHECIMENTO, VIVÊNCIA E CRIAÇÃO DAS DIFERENTES LINGUAGENS
ARTÍSTICAS

5.1. Conhecimento da Linguagem artística

Antes de mais nada, a compreensão desta expressão está dependente do


conhecimento do conceito de linguagem. Linguagem é o uso da língua como
forma de expressão e comunicação entre as pessoas. Esta não é somente um
conjunto de palavras faladas ou escritas, mas também de gestos e imagens.

Sendo assim, podemos definir a Linguagem artística como a linguagem verbal


(quando se utiliza palavras para a fala ou quando se escreve) e não verbal
(quando se utilizam gestos, placas, figuras, gestos, objectos, cores, dos signos
visuais e outros) usadas pelo Homem para se comunicar.

5.2. Novas vivências, novos olhares

Cada linguagem artística que conhecemos possibilita-nos um novo olhar e uma


nova vivência do mundo. A linha, a cor, a textura, o volume, propostos pelas
artes visuais possibilitam-nos a leitura do mundo de imagens em que vivemos.
As formas, a ocupação do espaço, as qualidades do movimento presentes na
linguagem da dança, abrem as portas para o corpo no mundo, para o ser
corpóreo que somos. Os timbres, ritmos, melodias da linguagem da música, por
sua vez, abrem as janelas dos sons, das diversas paisagens sonoras que
compõem o nosso quotidiano. Pelo teatro, abrimos as portas das relações
pessoais, das personagens, do texto, do espaço cénico. A visualização, a
sonoridade e forma das palavras tomam novo sentido ao estudarmos a
linguagem da poesia.

Por intermédio do conhecimento e vivência das linguagens artísticas, tornamo-


nos seres mais amplos, mais profundos, mais complexos, mais múltiplos e,
consequentemente, mais conscientes e comprometidos. Mas a quem interessa
tudo isso? A todos nós que vivemos num mundo cheio de imagens e de formas
variadas para melhor entendermos o nosso meio envolvente.
31

5.3. Tipos de linguagens artísticas

Existem vários tipos de linguagens artísticas, que partem de elementos capazes


de darem formas e ideias com valores estético-artísticos dentre as quais
podemos mencionar a música, dança, teatro e artes visuais. Esses elementos
unem-se a conhecimentos técnicos provenientes de escolas de arte ou da
experiência no dia-a-dia do artista em sua comunidade.

Para qualquer tipo de forma artística temos 5 linguagens visuais, que são: ponto
linha, forma, movimento e cor. Eles pedem ser inseridos em qualquer movimento
artístico, seja eles das belas artes, ou contemporâneos. Esses 5 são fáceis de
perceber em pinturas, desenhos e gravuras, mas podem ser vistos em
esculturas e objectos. E sem falar do movimento, sendo o principal, e os demais,
em fotos e vídeos.

5.4. Criação da linguagem artística

As imagens que se seguem, dão-nos a ideia de dois indivíduos em estados


diferentes: um admirado ou espantado e outro curioso ou preocupado.

Estas simples interpretações são muito usadas na iniciação à linguagem


artística, principalmente em Bandas Desenhadas e em pequenas placas de
orientação. Num estágio mais evoluído, os sinais dos artistas tornam-se mais
complexos e subjectivos, como vimos anteriormente.

Enquanto que a Linguagem verbal usa palavras para explicar a mensagem


desejada, a não verbal é toda e qualquer comunicação em que não se usa
palavras. Por exemplo: Você está num ambiente fechado, onde existe uma placa
32

de proibição para fumar e não há nenhum nome referindo-se a placa. Você sabe
que aquela sinalização significa que é proibido fumar, sem que haja nenhum
nome de identificação. O Símbolo do masculino e feminino também é um
exemplo dessa linguagem.

A linguagem não verbal

Existem diversos textos não verbais no nosso dia-a-dia. Não precisam


necessariamente estarem contidos em placas de sinalização. O objectivo de
uma linguagem não verbal é fazer com que você descubra a mensagem que
aquele texto quer mostrar. Vale ressaltar que a linguagem não verbal tem que
ser bem elaborada (em caso de um anúncio de produto principalmente), para
que não haja ambiguidade ou que a mensagem não seja passada erradamente.
A Linguagem não verbal tem o grande poder de prender a atenção do leitor bem
mais do que um texto comum.
33

Nas três imagens anteriores temos exemplos de mensagens não verbais. Na


primeira, vemos a imagem de um Homem segurando uma lâmpada sobre sua
cabeça. A mensagem passada é que o jovem teve uma ideia; na segunda,
vemos diversas imagens de mulheres e homens iguais e apenas dois diferentes.
Essa imagem quer mostrar que existem pessoas diferentes realmente. A última
imagem é um pouco mais complexa, mas dá a ideia de que o mundo é
consumista.

Estas ajudam-nos a perceber a linguagem visual. Apartir destes conhecimentos


será preciso prestar bastante atenção nas linguagens não verbais, pois como
diz o ditado “ Uma imagem vale mais que mil palavras”.
34

CAPÍTULO VI
DESENVOLVIMENTO E MELHORIA DA SENSIBILIDADE HUMANA

6.1. Uma visão em torno da expressão infantil

O desenvolvimento da sensibilidade e da expressão humana são questões que


acompanham o Homem em toda a sua existência. A expressão infantil tem a ver
com o interior (sentimentos, alegria, felicidade, tristeza, angústia). É uma forma
de linguagem não verbal, porque a linguagem verbal está associada a um lado
racional. As crianças têm necessidade de desenhar para mostrarem o que são
ou o que querem.

A arte serve como uma terapia e como uma higiene porque os desenhos fazem
com que a criança transmita os seus desejos e os seus recalcamentos. A arte é
uma forma de educar a criança. A arte tem de ser livre. Sem liberdade não há
expressão porque é um reflexo interior de todas as emoções, desejos e
sentimentos. Nós temos sempre mensagens para transmitir. A criança está
sempre a falar dela própria. Se não há liberdade, a criança não pode expressar
o que sente. Para além da liberdade, tem de haver disciplina. A expressão tem
de ter constante exercício e uma certa orientação da vontade. Quanto mais se
desenhar, mais pintura e expressão plástica se fizer, mais se evolui.

A expressão livre é contra o método tradicional. Os adultos obrigavam as


crianças a serem mini-adultos, quanto mais próximo do real, mais estavam na
perfeição. Mas elas não tinham capacidade e ficavam frustradas porque não
gostavam do desenho. O adulto é que deve encontrar a criança que tem dentro
dela própria. O adulto tem que ter uma postura e atitude muito cuidada. Não se
deve fazer um desenho e depois por ao lado para elas copiarem. A criança não
deve ser influenciada, ao ponto de perder as características dela porque depois
os ritmos evolutivos são influenciados.
35

6.2. A evolução do desenho

As crianças têm ritmos diferentes da evolução, e são influenciados com o meio


ambiente em que vivemos. A evolução do desenho para, divide-se em 2 partes:
a pré-figurativa e a figurativa.

a) Pré-figurativa
Este momento apresenta três fases:
1ª fase (18 meses) - A criança não quer exprimir nada.
2ª fase (2 a 2.5 anos) - A criança já tem maior controlo em relação ao material.
Já faz com densidades diferentes, a linha já é traçada de uma forma mais
controlada.
3ª fase (3 a 3.5 anos) - Controlo absoluto em termos de material. Faz
ziguezague, pintam com tintas, carimbagens, aglomerados, recortes, aprende a
trabalhar com as mãos (barro, massa de pão), tem percepção não só visual,
mas também física, tem necessidade de dizer o que escreve e o que faz, mas
não quer dizer que seja verdade o que diz.

b) Figurativa
Este momento apresenta três fases:
1ª fase (4 a 5 anos) - Faz a figura humana (casas, árvores), mas continua
associar a cor à afectividade. Quando deixa de pintar em relação à afectividade,
passa a desenhar com as cores em relação à realidade.
2ª fase (6 a 7 anos) - Começa por fazer o céu e a terra no desenho, dão
características humanas a seres inanimados (humanização). Os tamanhos dos
bonecos estão associados à afectividade (quanto mais gosta, maior os faz).
3ª fase (7 a 8 anos) - Ocupa a folha toda de desenho porque é tímida ou porque
os professores disseram que a criança desenhava mal. A partir desta idade, as
crianças caracterizam mais os bonecos (totós, saltos altos, ganchos, laços).
4ª fase (9 a 12 anos) - Faz linha de horizonte, superfície vista de cima,
preocupação de fazer o realismo.

O estudioso Arno Stern divide a criança em 2 situações: criança pequena e


criança grande: a criança pequena é até aos 3 a 4 anos, corresponde à fase
36

pré-figurativa; a criança grande é dos 5 aos 12 anos, e corresponde à fase


figurativa. Ele estuda a criança grande e pequena em ritmos.

A criança pequena produz desenhos em grandes quantidades. A criança quer


agradar o adulto, quer receber elogios. Ela é totalmente desinibida. O processo
a nível do desenho tem uma evolução a nível ascendente, o ritmo dela é
constante (tem a ver com o facto de ser desinibida), no entanto a evolução do
desenho é lenta (em termos de imagem é lento).

Por sua vez, a criança grande faz desenhos figurativos, logo, tem poder de
autocrítica. Têm uma evolução oscilante (o facto dela ter autocrítica regride,
progride, regride... a evolução é irregular). Ela é muito inibida e muito cautelosa
no que faz. O facto de ser muito cuidadosa, demora mais tempo a fazer os
desenhos, o facto de demorar mais tempo nota-se uma maior evolução no
desenho. O facto da criança regredir, não quer dizer que vá para trás, pode ter a
ver com os sentimentos, mudança de técnica.

Como educadores, temos de ajudar a criança instável a ser estável e a tímida a


não ser tímida. Os progressos são mais notados pelo educador quando a
criança é instável. O facto da criança ser instável faz com que ela nunca acabe
os desenhos, são pobres e mal executados, as formas também estão mal
executadas. O educador sente-se melhor realizado porque através de uma
criança instável conseguimos torná-la estável e é mais notório. Ela deve acabar
o desenho até ao fim, nunca deve rasgar nem deitar fora, nem virar a página.
Estamos a denegrir o desenho. Se ela não quer fazer o desenho nesse
momento, guarda-se o desenho e ela acaba-o depois. Para tentar acabar o
desenho, ela vai pôr muitos pormenores, vai ficar com o desenho muito rico
(muitas formas, cores).

A criança tímida não quer mostrar o seu interior, tem falta de segurança. Tem
uma folha grande e faz desenhos muito pequenos. Para aumentar o desenho é
muito complicado. Temos de ter uma atitude de encorajamento, estimular a
criança, dar-lhe autoconfiança, dizer que o desenho é bonito.
37

O processo criativo das crianças divide-se em 2 partes: na 1ª criança faz um


desenho com uma ideia preestabelecida, escolhe um tema e faz um desenho,
ou mesmo um tema imposto pelo educador; e, na 2ª pode fazer um desenho ao
acaso, apenas associado à intuição, vai construindo conforme lhe apetece. Pode
começar com uma cor.

6.3. Interpretação e análise do desenho pré-figurativo e figurativo:

No pré-figurativo temos de analisar as manchas de cor, a sobreposição dessas


manchas, o tamanho, as linhas, a densidade das manchas, a cor e a maneira
como preenchem a folha (se enchem tudo, se deixam espaço vazio...)

No figurativo, para além de se analisar tudo o descrito acima, analisamos


também os tamanhos da figura (perspectiva afectiva), analisa-se os signos, os
símbolos e as leis. Depois a evolução (como preenchem a folha, as cores...)

Em ambos casos, o educador nunca deve ensinar pela teoria, mas sim pela
prática. Através dos próprios erros, ela vai aprender. Na criança ensina-se
primeiro a prática e depois a teoria. Ex.: quando se pinta na horizontal, a tinta
escorre, e ela pergunta ao professor porquê. Mas ele não responde. Tem a ver
com a quantidade de água. Ela tem de saber por experiência própria que a tinta
com muita água, escorre.
38

CAPÍTULO VII
APREENSÃO E COMPREENSÃO DE OBRAS ARTE

O tema de leituras de obras de arte e imagens têm suscitado bastante interesse


aos profissionais que trabalham em torno da arte, dentre eles os professores de
artes. No contexto do ensino contemporâneo da arte, a leitura das imagens tem
um papel tão importante quanto o da produção artística na sala de aula. No
entanto, a maioria dos materiais de apoio têm uma abordagem formalista,
priorizando a percepção dos elementos e princípios da composição artística, em
detrimento da possibilidade de atribuição de sentidos pelo leitor.

Actualmente, as propostas de leitura de imagens se reduzem a uma tabela


preestabelecida de perguntas que não respeitam a construção dos alunos no
domínio e compreensão estética, assumindo que os conteúdos formais e as
informações históricas podem dar conta da compreensão estética.

7.1. Níveis de compreensão estética

Uma nova abordagem foi introduzida na compreensão da imagem, aquilo que as


pessoas pensam diante de uma obra de arte. Por existir uma crescente
complexidade e sofisticação pode-se denomina-los de “níveis” de pensamentos
ou de compreensão estética que caracterizam os estudantes de idades que
variam de seis à dezoito anos de idade. Podemos encontrar três de níveis:

a) Nível I
O nível I é definido pelas características do pensamento concreto em acção
durante a leitura estética, gerando uma interpretação orientada pela concretude
do mundo que estaria representada na obra. O observador vê na obra de arte o
próprio mundo representado. Se a obra de arte apresenta-nos duas mulheres
juntas olhando-se ela diz, a mesma coisa que se observa no quadro.

A qualidade das imagens são as características do mundo, que para as crianças


não passa de uma cópia do mundo real passado para o quadro. Assim, os
critérios priorizados no julgamento estético no nível I são bastante simples:
39

quanto a cor, a resposta comum é que a imagem é boa porque é bem colorida,
não é boa porque as cores não são alegres.

b) Nível II
O nível II tem como característica o deslocamento da responsabilidade da
existência da obra do mundo físico para o mundo interior do artista. Neste caso
é o mundo interno, subjectivo e particular do produtor que determina a natureza
e a qualidade da obra. Porque só um artista alegre é que pode elaborar uma
obra bonita, embora podemos encontrar casos inversos. Geralmente o artista
transmite aquilo que está sentindo, por essa razão, se ele encontra-se em
estado de espírito triste dificilmente pode produzir algo alegre.

Para Parsons, a origem do significado vem do mundo do observador, mas há


também o mundo daquele que envia, isto é do artista Quando interpretamos
tentamos perceber qual foi o significado que tinha o artista, mas trazemos esse
significado ao nosso mundo. Há dois mundos que se devem encontrar: do artista
e do apreciador; quando o apreciador cria esta conexão, só terá sentido se toca
o seu mundo mas, que haja um contacto com o mundo do artista.

c) Nível III
No nível III a interpretação revela sentidos mais abstractos e abrangentes. Neste
caso, para manter a coerência no julgamento, o apreciador despreza os critérios
ligados aos atributos do mundo representado e dá prioridade à expressividade
da obra em si. A obra tem que transmitir uma mensagem, uma ideia, que faça
reflectir questões que estão no seu subconsciente. Esta fase depende de cada
um, porque a imagem deve exprimir um sentimento, e para cada um de nós o
que é necessário para exprimir sentimento? Diríamos que deve ser boa, mas
este “boa” é relativo a cada um de nós.

Destes três níveis, podemos concluir que os apreciadores mostram concepções


diversas durante uma mesma leitura, dependendo da sua faixa etária, ideias,
teorias, intuições e todo um conjunto de concepções adquiridas ao longo da
vida. Portanto, o desenvolvimento da compreensão estética apresenta uma
alternância entre ideias complexas e sofisticadas (mentalísticas) e limitadas
40

(realistas). Embora um certo tipo de complexidade possa aparecer em


determinado depoimento de um apreciador, a maioria pode ser enquadrada
nestes níveis abordados.

Fica evidente aos educadores, a não linearidade do pensamento estético dos


apreciadores assim como dos demais interessados nas artes. Três níveis podem
ser encarados como uma estrutura explícita à natureza do desenvolvimento da
compreensão estético-visual dos estudantes. A leitura de imagens é necessária
para a construção do conhecimento e o desenvolvimento crítico de qualquer
indivíduo.

7.2. Interpretação da Obra de arte.

A linguagem artística é por natureza polissémica, isto é, admite uma pluralidade


de sentidos, apelando à nossa capacidade para os descobrir. Não existe pois
uma única forma de as interpretar, como não existe uma maneira de as sentir.
De seguida são apresentados alguns elementos que podem nos guiar na
interpretação das obras de arte:

Elementos para abordagem de uma obra de arte pictórica

Integração da obra no contexto da história da arte;


Integração da obra na época histórica (sociedade,
mentalidade, concepções filosóficas, científicas e técnicas
Dimensão
dominantes);
Contextual
Integração da obra no contexto da produção do artista;
Conhecimento da biografia do artista (origem, formação,
influências, concepções artísticas, etc).

Dimensão Materiais e técnicas utilizadas;


Técnico-formal Cor, Desenho, Luz, Perspectiva, Composição, Dimensão, etc
41

Tema, Iconografia, Códigos, etc.;


Para a interpretação simbólica da arte ocidental é fundamental
Dimensão conhecer as Lendas e Mitos da Antiguidade Clássica, a Bíblia
Simbólica e a vida de Cristo, os Santos e os seus milagres, mas também
símbolos da Natureza (frutos, plantas, árvores, animais, etc).
Eles foram largamente utilizados pelos artistas.

a) Exemplo de Leitura de uma obra de arte


Observe atentamente à imagem que se segue. Vamos procurar fazer alguns
comentários que nos ajudem a interpretá-la.

Guernica de Pablo Picasso

Fazendo uma leitura contextual vemos como Pablo Picasso comprometeu-se a


pintar um grande mural para o pavilhão da República Espanhola, em que o
objectivo era representar a trágica situação provocada pela Guerra Civil
Espanhola. Desse modo, Picasso começa a fazer esboços, os quais chamou
“Sonhos e Mentiras de Franco”. No entanto, o ataque italiano à vila de Guernica,
a serviço de Franco, inspirou o pintor. Picasso pinta “Guernica” em forma de
protesto à brutalidade e falta de compaixão de Franco, sobre os espanhóis,
essas denotadas evidentemente pelos ataques de experimentação sobre a vila.

Fazendo uma leitura técnico-formal vemos que esta obra tem claramente
tratamento cubista. Denota-se alguma influência em vários trabalhos anteriores
42

de Picasso, em que o pintor explora este mesmo tratamento. É uma pintura


monocromática só em tons de cinzento.

Fazendo uma leitura simbólica vemos que esta obra tem um simbolismo
bastante vincado, sendo que há uma preocupação do autor em representar o
terror sem sentido, esse provocado pelo ataque a Guernica apenas para testes.

Durante toda a obra, denotamos sempre uma dualidade clássica entre vida e
morte, tal como entre desespero e esperança. Para demonstrar essa intenção,
Picasso representou várias personagens evidentes: Da direita para a esquerda,
encontramos uma personagem de braços para o ar que representa a dor física e
a súplica. No entanto, e por os seus braços fazerem um movimento ascendente,
revelam-nos um pequeno cubo, esse que pode representar uma janela. Da
mesma forma verificamos que a personagem se encontra sobre uma base
obliqua, que pela sua direcção nos conduz para uma porta aberta,
imediatamente à sua direita. Como se a personagem encontrasse uma saída,
mas não pudesse fugir, essa impossibilidade é claramente evidente pelo
personagem estar desprovido de pernas.

Continuando da direita para a esquerda, verificamos um outro cubo mas desta


vez de fundo escuro, e com uma cara e um braço alongados, que dão a ideia de
estarem a entrar na pintura, por esse mesmo cubo, possivelmente outra janela.
No entanto esta janela já não nos remete para a ideia de saída, mas de entrada.
Verificamos que o braço está a segurar numa lamparina, isso que faz alusão à
Estátua da Liberdade, sendo por isso uma alusão à ideologia maçónica em que
a justiça social era um dos valores implícitos.

Podemos dizer assim, que é uma entrada de esperança para os outros


personagens desta obra. Isso que pode ser denotado, quando observamos a
personagem feminina que se encontra logo abaixo da cara que entra pela
“janela”, essa que apesar de devastada, o que podemos concluir pelo seu corpo,
a sua posição e a forma como parece caminhar em direcção à luz da lamparina,
esse esforço que contrasta com o olhar da personagem, aqui verificamos
claramente a ideia de esperança. Se verificarmos, no plano inverso, ou seja em
43

baixo, e vindo da esquerda para a direita, há um outro braço, mas este caído e a
segurar um punhal e uma flor, que pode significar, que mesmo depois da luta, e
sem forças (punhal partido), ainda há esperança (flor). Essa dualidade, pode
também ser demonstrada pelo facto de o punhal estar partido em V, dando por
isso a ideia de dois caminhos.

Mais a cima e à esquerda, temos um candeeiro, que pela sua forma, remete-nos
para a ideia de olho, que por cima, pode representar o olhar divino. Essa
analogia, é mais ampla quando se verifica, que a lamparina indicada acima, tem
a sua projecção de luz direccionada para um único lugar, mas já a luz deste
candeeiro é uniforme que se propaga pela tela inteira, dado por isso a tal ideia
de olhar divino, que tudo vê.

No plano imediatamente abaixo do candeeiro, verificamos um cavalo, que


sugere uma aflição, como se estivesse a ser sufocado pela arma que tem dentro
da sua boca. Podemos dizer assim que é o sofrimento do povo. À esquerda da
cabeça do cavalo, encontramos uma pomba abatida, esta que pode representar
a falta de entendimento entre os espanhóis, sendo que a pomba branca é
símbolo de esperança, o abatimento da mesma, pode representar o final da
mesma.

No plano inverso à pomba, há uma caixa com uma seta, essa seta que aponta
para a mãe com a criança ao colo, como se nos tivesse a direccionar entre a
pomba e as mesmas, de forma a concluir que a falta de entendimento leva
inocentes ao sofrimento. Por último temos a representação de um touro, que
parece proteger a mulher com a criança ao colo. No entanto e pelo seu porte,
representa também a brutalidade e o poder, que protege mas continua a luta.

7.3. Atitudes perante a arte

Já vimos que a nossa sensibilidade artística é adquirida através do contacto com


as obras de arte, a educação do gosto, a compreensão das correntes estéticas e
formas de expressão artística. Nas apreciações que fazemos sobre estas obras,
44

não deixa de se reflectir os gostos dominantes da sociedade, ou os padrões


correntes nos grupos sociais em que nos movemos.

A nossa atitude pode variar se nos colocarmos (separadamente) como


espectadores, artistas, críticos de arte, historiadores de arte, sociólogos da arte,
etc.
45

CAPÍTULO VIII
VALORIZAÇÃO DA FUNÇÃO SOCIAL DA ARTE

8.1. O efeito moralizador da arte

Todas as artes têm uma importante função social. Criando sempre novas formas
de beleza, elas podem despertar no povo os mais puros e nobres sentimentos e
oferecer-lhe uma das maneiras mais elevadas para ocupar dignamente as horas
de lazer. À medida que o progresso social e tecnológico liberta o Homem de
ocupações produtivas, assume gravidade crescente o problema da cultura
popular.

A actividade artística, do mesmo modo que qualquer outra actividade humana,


está sujeita a imperativos morais. É claro que o artista, na sua actividade
criadora, goza e deve poder gozar de uma suprema liberdade. Só os regimes
totalitários receiam esta liberdade criadora e a procuram confinar dentro de um
enquadramento ideológico. Mas liberdade criadora não pode ser confundida com
libertinagem. Não é má fé exprimir o mal de maneira artística, o que só poderia
ter como consequência um efeito altamente moralizador. O mal é exprimir o mal
como um bem, com prazendo-se nele, exaltando-o e até quase procurando
justificá-lo. Para resguardar a liberdade criadora e limitar seus eventuais efeitos
nocivos, o direito e o dever que cabem à sociedade, responsável pela moral
pública, de exercer uma censura inteligente e eficaz.

Em muitas sociedades, a arte é utilizada como forma de homenagear os deuses,


ou seja, está ligada à religião. Observe como as igrejas, os templos e os túmulos
são locais em que a arte se manifesta em todos os tempos. Indumentárias,
objectos que são usados em rituais, instrumentos musicais, adereços, imagens,
completam os cenários das cerimónias religiosas.

Em outras culturas e épocas, a arte surge, independente de religião, unicamente


como forma de expressão para quem produz, e como oportunidade de
experiência especial para quem aprecia. Qualquer que seja sua direcção, a arte
46

está em toda parte e é um elemento definidor da identidade de um povo, de um


grupo social e de um indivíduo.

8.2. Arte como registo histórico

A arte regista as ideias e os ideais das culturas e etnias, sendo uma importante
fonte para a compreensão da história do Homem e do mundo. Formas artísticas
podem extrapolar a realidade, exagerar coisas aceites ou simplesmente criar
novas formas de se observar a realidade. Em algumas sociedades, as pessoas
consideram que a arte pertence à pessoa que a criou. Geralmente consideram
que o artista usou o seu talento intrínseco na sua criação. Essa visão
(geralmente da maior parte da cultura ocidental) reza que um trabalho artístico é
propriedade do artista. Outra maneira de se pensar sobre talento é como se
fosse um dom individual do artista. Outras sociedades consideram que o
trabalho artístico pertence à comunidade. O pensamento é levado de acordo
com a convicção de que a comunidade deu ao artista o capital social para o seu
trabalho. Nessa visão, a sociedade é um colectivo que produz a arte através do
artista, que apesar de não possuir a propriedade da arte, é visto com
importância para sua concepção.

Existem contradições quanto à honra ou ao gosto pela arte, indicando assim o


tipo de moral que a sociedade exerce. Também pode ser definida, mais
genericamente, como o campo do conhecimento humano relacionado à criação
e crítica de obras que evocam a vivência e interpretação sensorial, emocional e
intelectual da história de vida em todos os seus aspectos.

Assim, as manifestações artísticas de uma sociedade numa determinada época


é a maneira como os homens nela vivem e pensam. Na roupa, nos edifícios, na
literatura, estão inscritos os valores da sociedade, seus hábitos e sua
mentalidade. Sendo a arte a passagem directa de uma tendência nascida de
uma raça, modificados pelo clima social e pelo momento histórico, a sua função
é manifestar as qualidades étnicas e psíquicas dos povos e condensar os
aspectos significativos das etapas da evolução da humanidade.
47

8.3. Arte e Sociedade.

As relações entre a arte e a sociedade têm sido encaradas de múltiplas formas.


Uns encaram os artistas como simples seres mais ou menos passivos que se
limitam a expressar ou espelhar as ideias da sociedade e seus grupos
dominantes, ou ainda a servirem os interesses do poder, nomeadamente em
termos propagandísticos. Outros, autonomizam a função dos artistas e encaram-
nos como intérpretes das preocupações ou dos valores de uma sociedade,
muitas vezes antecipando-se mesmo à sua própria evolução, revelando as
consequências de determinadas tendências sociais. Neste sentido, a arte tem
funcionado como um instrumento de crítica social.

Não podemos, como é óbvio, reduzir as criações artísticas apenas ao tempo em


que foram produzidas. A arte manifesta essa invulgar capacidade também de
superar o tempo. Para a compreensão da criação artística, temos que levar em
conta dois planos essenciais: (1) a sociedade onde decorrem as vivências e as
aprendizagens do artistas; (2) o imaginário real ou fictício que o artista
materializa em cada obra; (3) o próprio artista que nunca deixa de pôr tudo
aquilo que é no mínimo que faz (parte do seu ser).

8.4. Arte e seus papéis actuais

Andando pelas ruas, passamos por uma praça e vemos uma escultura, em um
edifício vemos um mural de azulejos ou de pintura, em uma igreja vemos um
mosaico ou um vitral colorido. Se for observador, sensível, com certeza gosta de
ficar olhando para tudo isso. Essas formas, diferentemente dos objectos
utilitários que se usa no dia-a-dia, têm função de encantar, de provocar a
reflexão e admiração, de proporcionar prazer e emoção. Essas sensações são
despertadas por um conjunto de elementos: a imaginação do artista, a
composição, a cor, a textura, a forma, a harmonia e a qualidade da ideia.

Observamos então, que, a Arte tem diversas funções na vida do Homem. Uma
das funções tem como finalidade possibilitar os processos de percepção,
sensibilidade, cognição, expressão e criação, fazendo que o Homem se
48

desenvolva em todos os aspectos; é uma função individual trabalhando com o


próprio eu.

Podemos também perceber a arte como uma linguagem que ultrapassa a função
da comunicação simples e pura, pois transmite as ideias, os sentimentos e as
informações que transformam as ideias, os sentimentos e as informações já
existentes influenciando culturalmente o meio, fazendo assim uma interacção
Homem – Sociedade.

Existe ainda a função ambiental cuja alfabetização estética, leva o Homem a


observar o meio que o cerca, reconhecendo a organização de suas formas,
luzes e cores, suas harmonias e desequilíbrios, a sua estrutura natural, bem
como a construída. O Homem transforma e conserva a natureza com o seu
trabalho.
49

CAPÍTULO IX
ESTÉTICA E EDUCAÇÃO

9.1. Educação da sensibilidade humana aprendente

Qualquer projecto Político – Pedagógico que se preze não pode deixar de


considerar a dimensão estética em sua trama curricular. Entretanto, é evidente
que não existe um conceito de estética que não se limite a designar os
preconceitos de gosto relativos aos padrões de beleza vigentes e dominantes.
Deste modo, em primeiro lugar, apresentaremos um conceito de estética que
não se restrinja à ideia de aquisição de valores formais ditados por este ou
aquele comércio de bens de consumo, mas sim, um conceito que garanta a
abertura necessária para a educação da sensibilidade, em consonância com a
multiplicidade humana.

A palavra estética refere-se ao sensível, ao perceptível, ao sensual. Falar, então,


de estética e educação, ou melhor, de educação estética na formação do
indivíduo, é o mesmo que falar em educação da sensibilidade humana
aprendente. Nitidamente, isso não é qualquer coisa. Pelo contrário, é algo que
toca o cerne da condição humana vivente e vivida. Portanto, algo da ordem dos
acontecimentos implicados e não apenas daqueles hipotéticos e fantasiosos.

Em nossa cultura, marcada pela racionalização dos processos de produção e


socialização do conhecimento e pela mecanização das objectividades seriais, a
sensibilidade foi sempre tratada como coisa menor ou secundária, não sendo
devidamente reconhecida em seu funcionamento natural. Em um mundo
dominado por uma racionalidade tecnocientífica, a sensibilidade é tida como
serva da razão.

Portanto, a sensibilidade é compreendida como matéria-prima para realizações


cognitivas consideradas superiores, como fazer a guerra e ir à lua, controlar e
dominar os princípios produtivos de uma maquinação qualquer.
Lastimavelmente, a sensibilidade não foi ainda devidamente reconhecida em
sua originalidade vivente. Nesta medida, a palavra estética precisaria ser
50

destituída de sua significação instituída imediata, e sofrer uma torção conceptual


para que possa significar algo efectivamente fundamental na formação humana
em geral, independentemente do contexto e das circunstâncias específicas de
cada caso.

O estético assim compreendido relaciona-se com valores éticos, ambientais,


laborais, políticos, culturais, produtos do desenvolvimento social, portanto,
complexos fundamentais e actuantes na elevação do género humano.

9.2. A educação estética no centro da formação humana

Educar é realizar a formação e o desenvolvimento do ser humano. Se pudermos


considerar a sensibilidade como uma das dimensões capitais dos modos de ser
que caracterizam a espécie humana, então é preciso deixar de lado toda e
qualquer ideia de modelo estético preestabelecido, como se apenas um fosse o
Belo, justamente aquele experimentado pela esplendorosa cultura grega. Esse
modo centralizador de significar o estético é nada mais do que um caso histórico
determinado, nunca, porém, o modelo ideal imperativo para todo o género
humano. Em outras palavras, este modo de conceber o estético é expressão de
uma dominação ideológica que custa muito caro poder libertar-se.

De maneira criticamente corrigida, o estético não pode ser medido pelos


cânones de uma cultura que se impõe às outras com violência e prepotência.
Neste sentido, se quisermos levar a sério a educação da sensibilidade, a
educação estética, é preciso, em primeiro lugar, fazer e aprender a sentir as
formas que constituem nosso modo de ser e de estar com os outros no mundo,
estimulando à criatividade, dando vazão às emoções e aos sentimentos.

Por natureza, somos seres estéticos, isto é, sensíveis. Portanto, a educação


estética não é algo que se presta para regular o comportamento pela limitação
dos padrões estabelecidos e dominantes de gosto, é sim, algo essencial à
existência efectiva - afectiva dos seres humanos. O estético, neste sentido, não
é o supérfluo e o meramente fugaz. Pelo contrário, é o campo onde a
51

experiência humana alcança o seu supremo grau de realização. Tudo o que


vemos e percebemos é naturalmente sensível.

Nosso ser é, também, aquilo que percebe e sente. Felizmente, não somos
apenas razão discursiva e prepositiva, somos também sensibilidade encarnada.
Nossa carne é a morada do sensível. Por que, então, não damos a devida
atenção à educação da sensibilidade e não mais a consideramos como algo de
menor importância na educação humana?

Agora coloca-se uma questão de natureza crítica em forma de um desafio aos


educadores das gerações, e pode ser expressa do seguinte modo: uma vez
admitida a dimensão estética como constitutiva do ser e estar com os outros no
mundo, como fazer para torná-la objecto de aprendizados significativos, capazes
de constituir um fundamento potencializador da acção humana inventiva e
altiva?

Pensamos que se deva começar por reconhecer a multiplicidade da espécie


humana, em todas as suas dimensões e sentidos. Assim, não há como dizer ou
afirmar apenas uma ou algumas formas de beleza ou realização sensível dos
seres humanos. São infinitas as formas de dizer e de sentir o mundo, e não há
motivos para se acreditar em hegemonias axiológicas de nenhuma espécie.
Aliás, qualquer que seja a hegemonia, ela só é indicativa de uma única coisa:
dominação e prepotência de uns sobre outros. Nesta medida, uma educação
estética haverá de fundar-se no primado das diferenças dos constituintes da
humanidade, e não em uma ou apenas algumas de suas formas de ser. Toda
forma de ser, afinal, é modo de ser sensível, e não há razão suficiente que
explique ou justifique a prepotência ideológica de alguns em querer impor seus
modelos estéticos a todos, como se fossem os únicos autorizados pelos deuses
para tal fim.

9.3. Necessidade de uma educação estética íntegra

Como dávamos a entender, todo ser manifesta a sensibilidade. Portanto, não há


razão suficiente que justifique a prepotência ideológica de alguns em querer
52

imporem os seus modelos. Deste modo a educação Ética e estética devem se


orientar pela potencialidade humana e não pela uniformidade de um modelo
específico. Para o efeito, educação estética haverá de orientar-se pela
multiplicidade da potência humana e não pela uniformidade de suas
modulações. Isto requer uma atitude crítica de base, capaz de accionar o
aprendizado das diferenças pelo acolhimento das singularidades próximas. De
nada adianta uma educação estética em indivíduos que não saibam valorizar a
efervescência criadora e plural das possibilidades de beleza e dignidade dos
grupos humanos historicamente enraizados em suas tradições celebrativas e
rituais próprias.

De forma acolhedora, é preciso que a educação estética não se limite à


transmissão da cultura de massa dominante e centralizadora, mas que, com
mestria e autonomia, possa reunir em futuras gerações todas as possibilidades
genuínas de ser e de estar com os outros no mundo, porque o que importa não
é a afirmação de uma ideologia dominante, mas o aprendizado das diferenças,
que fazem da espécie humana o lugar de infinitas maneiras de celebrar a vida
em seu furor fulgente e incorrigivelmente imprevisível.

Para a consecução do que foi acima pressuposto, a educação estética não pode
dissociar-se da educação ética e da educação profana, muito menos pode ser
pensada fora de condições culturais específicas e históricas. E porque vivemos
em um meio cultural marcado pela multiplicidade e pela riqueza étnica, não seria
inteligente articular uma educação estética que não possa contemplar em sua
dinâmica o acolhimento das distintas formas de sentir e celebrar a vida, seja por
rituais religiosos ou artísticos, seja por rituais epistémicos ou conceituais.

O importante, é ter presente que não se trata de uma questão supérflua e


periférica. Pelo contrário, esta é uma questão que não pode ser esquecida em
nenhuma formação que vise ultrapassar o horizonte pedagógico instituído e
regular, atendendo ao primado da diferença humana em sua constituição
ontológica originária.
53

9.4. A estética na formação docente

Pensamos, pois, que a estética na formação docente deve atender ao primado


da diferença ontológica (estudo do ser) como seu horizonte compreensivo. Isto
significa, antes de tudo, que cada educador, para que possa influenciar
positivamente seus alunos, haverá de desenvolver-se esteticamente a partir da
sua própria singularidade vivente, o que acarreta uma complexa trama de inter
relações aprendentes a serem experimentadas em atenção ao primado da vida,
e não das coisas dadas e supostamente imperantes e dominantes.

É preciso, então, ultrapassar o actual horizonte cultural em que o singular não é


conjugado, ainda, como acréscimo de potência e de valor, mas como algo que
deve alienar-se de si mesmo para enquadrar-se na massificação generalizada e
cruel que tem marcado a era da comunicação de massa da sociedade
globalizada contemporânea.

E porque somos seres sensíveis e singulares, precisamos justamente formar


docentes que aprendam a cultivar e a preservar vontades e valores humanos
que não dependem das oscilações do mercado ou dos media para se firmarem
como tais, mas apenas dependem da genuinidade de nosso modo do bem
desejar e da vontade de mais vida, para além de incutir os docentes para que
evitem atitudes de avaliação ou descriminação de culturas ou vontades que não
os toque e ainda não desejem ter distinção de valores que os tornem iguais aos
deuses, como garantia da condição inalienável de nossa liberdade concreta.

9.5. A educação estética na Escola

A educação estética nas escolas deverá valorizar a agitação da criação, a


pluralidade da beleza e a elevação dos grupos humanos. Portanto, educar
esteticamente hoje é ensinar os alunos a ver, a ouvir criticamente, a interpretar a
realidade envolvente. É também permitir que desde cedo crianças e jovens
percebam o valor de uma obra e aprendam a observá-la.

Esta forma de educação deverá primar pelo individual, pela sensibilidade, pela
beleza na sua dimensão mais ampla, pelo que, a educação estética não pode
54

dissociar-se da educação ética das crianças e jovens, nem das suas condições
históricas e culturais.

Trata-se de uma forma de educação que deverá ser levada a cabo por toda a
comunidade escolar (e não simplesmente pelos professores da área) de modo
que, muito cedo, crianças e jovens percebam a necessidade, demonstrem
interesse e intervenham activamente na conservação e organização do meio
envolvente.

Acreditamos que as acções educativas a serem desenvolvidas na escola,


concomitantemente com as Políticas Públicas, sejam capazes de promover uma
relação entre o indivíduo/aluno e a Sociedade de forma a promover esta
intersecção, na busca pelo respeito mútuo, pela empatia e pela Inclusão Social:

 Contemplar no Projecto Político – Pedagógico e no Currículo, o debate e a


reflexão sobre estas questões polémicas, pois a estética relaciona-se com os
valores e as virtudes sociais;
 Trabalhar a prevenção de forma criativa reforça o comportamento saudável;
 Brincando o aluno consegue vivenciar e mediar as consequências dos seus
actos;
 Complementando as acções educativas por meio de palestras, de cartazes,
do material didáctico e pelos Ambientes de Recreação com certeza se obterá
sucesso.

A convicção pessoal da criança e do jovem deve orientar a sua conduta,


modelando sua ideia, dando um direccionamento aos projectos pessoais e
comunitários em que se encontra inserido, organizando a reflexão destes
indivíduos em torno do que se julga como o bem ou o mal, respeitando outras
questões éticas relevantes, as quais se identificam e organizam de acordo com
os objectivos, os valores e as virtudes dos povos.
55

BIBLIOGRAFIA

 A experiência e o juízo Estéticos, Cap. 11, in A Arte de Pensar, disponível


em http://www.didacticaeditora.pt/arte_de_pensar/leit_funcsenti.html;

 A experiência e o juízo Estéticos, Cap. 12, in A Arte de Pensar, disponível


em http://www.didacticaeditora.pt/arte_de_pensar/leit_expestetica.html;

 Breve história da Estética, disponível em


http://afilosofia.no.sapo.pt/histestestica.html;

 http://criticanarede.com
 http://pt.wikipedia.org

 PEREIRA, Paula Cristina, “Da Sensibilidade como Acolhimento”. Sentidos


Contemporâneos da Educação, Adalberto Dias de Carvalho (org.), pp.
219-258. Editora Afrontamento, Porto, 2002;

 PEREIRA, Paula Cristina, “A experiência Estética ou a Realidade


Humanizada”. Sentidos Contemporâneos da Educação, Adalberto Dias
de Carvalho (org.), pp. 103-116. Editora Afrontamento, Porto, 2006;

____________________________
Para estudos complementares:

ALMEIDA, Aires e MURCHO, Desidério, Estética, in Textos e Problemas de


Filosofia, Cap. 5. Plátano, Lisboa, 2006;
D’OREY, Carmo, A Lógica da Avaliação Crítica in A Exemplificação na Arte,
Cap. XI, Gulbenkian, Lisboa, 1999;
GOODMAN, Nelson, A Arte e a Compreensão in Linguagens da Arte. Trad. de
Desidério Murcho e Vítor Moura, Cap. VI. Gradiva, Lisboa, 2006;
GRAHAM, Gordon, Hume e o Padrão do Gosto e Kant e o Belo in Filosofia
das Artes: Introdução à Estética. Trad. de Carlos Leone, Cap. I,
Edições 70, Lisboa, 2001.

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