Você está na página 1de 15

da sociedade u r b a n o - i n d u s t r i a l .

A c h o que isso aqui que a F u -


POESIA: A PAIXÃO DA LINGUAGEM na r t e está fazendo é de alta i m p o r t â n c i a , exatamente p o r q u e
chama a a t e n ç ã o sobre u m a e s p é c i e e m d e s a p a r i ç ã o , que é a
Paulo Leminski p a i x ã o , que é que n e m tucano, peixe-boi, aquele peixe-boi r o -
sado que o Cousteau a n d o u entrevistando lá na A m a z ó n i a . E o
b o t o . O b o t o rosado, o m i c o - r e i . A p a i x ã o é que n e m o m i c o -
- r e i , o tucano, o t a m a n d u á - b a n d e i r a , é a jaguatirica, o j a c a r é
T r a g o pra v o c ê s u m a p o r ç ã o de r a c i o c í n i o s que f i z lá n o brasileiro, essas coisas e s t ã o todas em e x t i n ç ã o . E p o r isso que
m e u s i l ê n c i o , na C r u z do P i l a r z i n h o j em C u r i t i b a , u m s i l ênc i o a gente hoje as e s t á recuperando sob f o r m a s í g n i c a de s e m i n á -
t ã o denso que dá pra c o r t a r c o m a faca. D e noite, quando u m rios, e ela comparece c o m t a m a n h a f r e q u ê n c i a n o n o m e d é \
cachorro late, os outros cachorros fazem psiu. A F u n a r t e e o obras c o m o q u e m diz assim: p o r favor, p a i x ã o , venha. Nã.o_sou
A d a u t o me c o n v i d a r a m para dizer a l g u m a coisa d e n t r o desse professor, n ã o sou n e n h u m t e ó r i c o , sou u m artista, u m poeta
C i c l o , e cu fiquei pensando, p o r que essa m a n i a pela palavra £ u e procurava r e f l e t i r sobre o que fez, mas nunca deixei que
p a i x ã o hoje? Os l i v r o s t ê m p a i x ã o n o n o m e , os filmes t ê m p a i - esse m e u t e s ã o p o r r e f l e t i r sobre o que faço prevalecesse. N ã o
x ã o n o n o m e : o D o m i n g o s P e l e g r i n i e d i t o u u m l i v r o chamado sou t e ó r i c o n o sentido c o m o a universidade entende. Sou u m a
Paixões; a A l i c e R u i z , u m l i v r o de poemas chamado Paixão cha- e s p é c i e de pensador selvagem, assim n o sentido que se fala em
ma paixão; o A f f o n s o R o m a n o de Sant'Anna, u m l i v r o chamado capitalismo selvagem. V o u lá, ataco u m lado, ataco o o u t r o lado,
Paixão e política; u m f i l m e do B r u n o B a r r e t o se chama Além da m e u pensamento é u m pensamento a s s i s t e m á t i c o , c o m o , a l i á s ,
paixão. Por que a palavra p a i x ã o e s t á na moda? A c h o que n ã o é eu acho, é o pensamento criador. O pensamento que alimenta
a p a i x ã o que e s t á na m o d a , é a palavra p a i x ã o que e s t á na m o d a . e abastece u m a e x p e r i ê n c i a criativa t e m que ser pensamento
C^omo detetive, cheguei à c o n c l u s ã o , às avessas, de que n ã o é selvagem, n ã o pode ser canalizado p o r programas, p o r r o t ei r o s ,
que a nossa é p o c a seja m u i t o apaixonada. Se a gente e s t á v a l o - t e m que ser mais o u menos nos c a m i n h o s da p a i x ã o . D a í essa
r i z a n d o tan t o isso aí, é p o r q u e e s t á faltando. H o j e , v o c ê fala em coisa assim maluca de fazer poesia que é uma coisa que n ã o d á
b o i de u m jeito que n ã o se falava h á t r ê s meses a t r á s , p o r q u e nada pra n i n g u é m . Se v o c ê pesar e m e d i r à luz da l ó g i c a desse
o b o i e s t á faltando, n ã o p o r q u e esteja sobrando, de u m m o d o m u n d o , c o m o dizia Jesus, é l o u c u r a . E u v o u dedicar agora qua-
geral, d e n t r o do q u a d r o brasileiro. Se v o c ê s o l h a r e m , b e m as- renta anos da m i n h a vida pra desenvolver u m a i n t i m i d a d e c o m
s i m n u ma leitura c o n t e x t u a l da c i v i l i z a ç ã o , o m o m e n t o e m que a palavra que, realmente, n ã o vai me dar nada m a t e r i a l m e n t e .
a gente está vivendo, a gente e s t á v i v e n d o u m a é p o c a da sensa- A poesia, ela traz consigo esse c a r á t e r assim m e i o de, c o m o é
ç ã o , n ã o da p a i x ã o . A p a i x ã o me parece i n c o m p a t í v e l c o m o que eu v o u dizer? U m a coisa m e i o masoquista. V o c ê se dedicar
dez anos a vender banana, m o n t a r u m a banca para vender ba-
t e m p o u r b a n o - i n d u s t r i a l . A nível de performance profissional,
nana o u r e p o l h o , v o c ê vai ganhar m u i t o mais do que fazendo
i m a g i n e m , p o r exemplo, u m p r o g r a m a d o r de computadores
poesia. A poesia n ã o te dá nada e m troca. C h e g o , às vezes, a
apaixonado. Isso s ó pode c o n d u z i r a erros incríveis. J á se o su-
suspeitar que os poetas, os verdadeiros poetas, s ã o u m a e s p é c i e
jeito trabalhar na c o n s t r u ç ã o c i v i l e estiver apaixonado, arrisca-
de e r r o na p r o g r a m a ç ã o g e n é t i c a . Aquele p r o d u t o que saiu c o m
-se a cair do oitavo andar. E b e m mais grave do que u m e r r o
falha, assim, entre dez m i l sapatos u m sapato saiu m ei o t o r t o . E
c o n t á b i l . E n f i m , erros c o n t á b e i s e cair do oitavo andar s ã o c o i -
aquele sapato que t e m c o n s c i ê n c i a da l i n g u a g e m , p o r q u e s ó o
sas que p o d e m acontecer a u m trabalhador apaixonado d e n t r o
323
322
t o r t o é que sabe o que é o d i r e i t o . E n t ã o , o poeta seria, mais o u o u t r o m o m e n t o , n o m o m e n t o s á d i c o do processo, o poeta, o
menos, u m ser dotado de e r r o , e d a í essa t r a d i ç ã o de m a r g i n a - artista, o escritor, o criador, passaria a ser algoz, a ser carrasco
lidade, essa t r a d i ç ã o , m o d e r n a , r o m â n t i c a , d o s é c u l o x i x pra c á , da l i n g u a g e m , e d a í a i n v e r t e r o j o g o . Estava fazendo u m a per-
do poeta c o m o m a r g i n a l , d o poeta c o m o b a n d i d o , d o poeta q u i r i ç ã o e t i m o l ó g i c a da palavra p a i x ã o e cheguei a alginnas
c o m o b a n i d o , perseguido, e n f i m , e m c o n d i ç õ e s , digamos, so- c o n c l u s õ e s que gostaria de socializar c o m v o c ê s . M a i s o u m e -
cialmente adversas, negativas. Pensando nas r e l a ç õ e s entre nos, o seguinte: a palavra p a i x ã o t i n h a , a p r i n c í p i o , u m sentido
poesia e l i n g u a g e m , entre p a i x ã o , poesia e l i n g u a g e m , f o r m u l e i passivo, depois, a d q u i r i u u m sentido ativo. A palavra pnixão v o -
a coisa de que a poesia seria u m a m a n i f e s t a ç ã o , sobretudo, de c ê d i z assim: a P a i x ã o de C r i s t o , quer dizer, aquilo que O i s t o
p a i x ã o pela l i n g u a g e m , p o r causa d o p r ó p r i o c a r á t e r substanti- sofreu, a q u i l o que ele padeceu. H o j e , v o c ê d i z a p a i x ã o r e v o l u -
v o da poesia. U m poema n ã o é c o m o u m c o n t o , n ã o é c o m o u m c i o n á r i a de T r o t s k i . A p a i x ã o , a q u i , n o caso, n ã o é u m a coisa
r o m a n c e . U m c o n t o , u m romance s ã o transparentes, d e i x a m o passiva, é u m a coisa ativa, é u m a coisa que move. E n t ã o essa
o l h a r passar até o sentido. N a poesia, n ã o . O o l h a r n ã o passa, ambiguidade entre u m a coisa que, de repente, f o i passiva e, de
o o l h a r para nas palavras. U m romancista, u m romancista típi- repente, se t o r n o u ativa. " E l e fez isso p o r p a i x ã o a ela", quer
co, u m ficcionista, pra ele, a palavra n ã o é o v a l o r f u n d a m e n t a l , dizer, p a i x ã o aqui, n o caso, significa u m a coisa ativa, é o que
sua m ú s i c a , sua f o r m a , suas r e l a ç õ e s c o m outras palavras n ã o é leva a fazer, n ã o é u m sofrer. E d a í v i que a palavra p a i x ã o em
essencial. O essencial é a escritii que ele e s t á c o n t a n d o . Grandes p o r t u g u ê s v e m do l a t i m , mas existe u m a palavra i n d o - e u r o -
ficcionistas n ã o se pode dizer que f o r a m grandes escritores, o peia, nas l í n g u a s indo-europeias, que significaria u m a e s p é c i e
caso, p o r exemplo, de Balzac. Balzac era u m grande r o m a n c i s - de v o c ê ser objeto de uma ação, e esse v e r b o , essa palavra, n ã o
ta, mas v o c ê n ã o pode d i z e r que era u m grande escritor, n ã o teria passado p r o p r i a m e n t e p r o p o r t u g u ê s , n ã o d o jeito c o m o
u m grande escritor n o sentido de, por exemplo, u m Flaubert, u m eu estou pensando. E m grego, p o r exemplo, existe u m verbo
grande escritor, c o m o Joyce é u m grande escritor o u que Beckett que é o v e r b o "PASKHO", na p r i m e i r a pessoa d o presente d o
é u m grande escritor, p o r q u e n ã o está preocupado c o m os va- i n d i c a t i v o , "ego paskho", quer dizer, "sofro u m a determinada
lores da palavra, ele e s t á preocupado apenas e m c r i a r u m a jane- a ç ã o " , o i n f i n i t i v o seria "PASKHEIN". Desse verbo v e m a pala-
la, u m a t r a n s p a r ê n c i a a t ra vés da qual v o c ê visse o enredo cor- v r a " p a t é t i c o " . A palavra " p a t é t i c o " é d o grego, n ã o d o l a t i m ,
rendo. E n t ã o , o poeta, a poesia, se é que ela t e m a l g u m a r a z ã o mas ela é , n u m e s t á g i o h i s t ó r i c o anterior, aparentada. A gente
de ser, e eu acho que t e m , estaria nisso. A atividade p o é t i c a é d i z que isso é " p a t é t i c o " , ele t e n t o u ser p a t é t i c o . P a t é t i c o s i g n i -
u m a coisa voltada para a palavra enquanto materialidade, a pa- fica t e n t a r sensibilizar a l g u é m . E m grego, esse é o sentido d o
lavra enquanto u m a coisa do m u n d o . O poeta é , na sua ó b v i a adjetivo " p a t é t i c o " . Essa mesma palavra e s t á e m sinijiatia, a n t i -
p a i x ã o pela l i n g u a g e m , p o r q u e u m poema p r o p r i a m e n t e n ã o patia e empatia. Sofrer j u n t o , e x p e r i m e n t a r j u n t o , simpatia,
t e m u m significado, ele é o seu p r ó p r i o significado. P o r isso, os sentir j u n t o ; antipatia, sentir c o n t r a . Esse verbo, e m l a t i m , é o
poetas s ã o i n t r a d u z í v e i s . O poeta teria, e m r e l a ç ã o à l i n g u a - verbopatiorpassivussum, pati, donde v e m p r o p r i a m e n t e a pala-
g e m , u m a transa apaixonada e essa r e l a ç ã o p o d i a se manifestar v r a " p a i x ã o " . Esse verbo, que deve t e r existido e m i n d o - e u r o -
de duas formas, u m a f o r m a masoquista e u m a f o r m a s á d i c a . peu a n t i g o , n ã o passou p r o p o r t u g u ê s enquanto t a l . C>omentan-
Essa p a i x ã o assumiria, e m p r i m e i r o m o m e n t o , u m a f o r m a m a - do c o m u m a m i g o agora, n ó s n ã o temos u m verbo que designe
soquista. O poeta seria u m a v í t i m a da l i n g u a g e m , a l i n g u a g e m o ato de v o c ê ser passivo de uma ação. E m p o r t u g u ê s , temos a
^ exerce u m a v i o l ê n c i a sobre ele e ele sofre essa v i o l ê n c i a . N u m palavra sofrer, mas a palavra sofrer já v e m carregada de u m a c o -

i2í
n o t a ç ã o de dor, de uma c o n o t a ç ã o de d o r que, n o o r i g i n a l , esse
O social na arte é a f o r m a , o c o n t e ú d o é p o r conta de cada ar-
radical n ã o t i n h a . C h e g u e i a pensar assim, é o hdoyin do v e r b o
tista. Cada u m . v o c ê p õ e o c o n t e ú d o que v o c ê quiser, agora, a
fazer. Fazer é yang. E n t ã o existiria, u m d i a , existiu e m i n d o -
f o r m a n ã o depende de v o c ê . V o c ê entra d e n t r o d o j o g o dela o u
-europeu antigo, u m verbo que seria o yin d o verbo fazer, mas
v o c ê n ã o v a i ser nem reconhecido. U m a pessoa que diga assim:
que n ã o trazia consigo u m a c o n o t a ç ã o de dor, n e m negativa,
eu sou u m grande poeta, tive u m a ideia incrível, o meu n e g ó c i o
n e m , c o m o é que eu v o u dizer?, depreciativa. E r a apenas v o c ê
é pegar c a t á l o g o t e l e f ó n i c o , c o r t o c o m tesoura cada p á g i n a ,
ser objeto de irma coisa. M e u d i c i o n á r i o de grego traz n u m a série
g r u d o e p e n d u r o t u d o na parede, e t e c é t e r a e t a l , s ã o poemas
de c i t a ç õ e s de c l á s s i c o s , u m verso d o t r a g e d i ó g r a f o E u r í p i d e s
i n c r í v e i s , eu sou u m poeta r e v o l u c i o n á r i o . E n t ã o , v o c ê vai dizer
que fala: "ew pathei nãos". " E u " a í é o " e u " de b o m , " e u " de e u -
pra ele: desculpe, mas v o c ê n ã o é poeta. M a s c o m o n ã o é poeta?
foria, eufemismo, aquele p r e f i x o grego que significa " b o m " .
N ã o , n ã o é, porque poeta n ã o corta p á g i n a d o c a t á l o g o t e l e f ó -
''Pathei" é verbo e "naos" s ã o as naves. T i n h a havido u m a t e m -
n i c o , depois cola n o papel, pendura na parede e se chama de
pestade, e as naves t i n h a m sofrido. E n t ã o , ele d i z assim: Bem
poeta. Existe u m a , c o m o é que eu v o u dizer? U m a c o n v e n ç ã o
sofreram as naves. N ã o , n ã o é sofreram, p o r q u e sofreram já quer
social e m r e l a ç ã o à s formas da arte. T o d o artista é l i m i t a d o já a
d i z e r que a l g u m a coisa de r u i m aconteceu e a í n ã o , aí, n o ca-
priori p o r u m a l í n g u a e p o r u m estoque de formas. Qualquer
so, n ã o . £ um verbo que significa o lado yin do verbo fazer. E u faço
coisa que v o c ê faça fora o u contra isso é p o r tua conta e risco.
a l g u m a coisa, e aquilo sobre o qual eu faço isso, ''pathei" isso.
E n t ã o , quando o poeta chega, quando o artista chega, pra m i m
M a s n ã o é "sofre". E m p o r t u g u ê s , a palavra " s o f r e r " já traz a
poesia é a arte feita c o m palavras, e n t ã o , quando v o c ê chega já
c o n o t a ç ã o negativa. E n t ã o , c o m o a gente e s t á e m s o f r i m e n t o , existe u m a série de coisas que te t o r t u r a r n . V o c ê n ã o pode i r
sofre pra cá, sofre j ) r a lá, m e o c o r r e u que o poeta t e m u m m o - a l é m da l í n g u a portuguesa, v o c ê n ã o pode i r a l é m dos l i m i t e s
m e n t o n o qual ele é u m sofredor da l í n g u a , u m a v í t i m a da l í n - gramaticais da t u a l í n g u a , e s t i l í s t i c o s , s e m â n t i c o s , s i n t á t i c o s ,
gua. Isso c o m e ç a na p r ó p r i a c i r c u n s t â n c i a , p o r exemplo, da m o r f o l ó g i c o s . H á uma l i m i t a ç ã o social toda. E n t ã o , existe toda
h i s t ó r i a de cada u m . Q u a n d o v o c ê nasce, já nasce c o m o falante u m a certa i l u s ã o de liberdade, de e x p r e s s ã o , mas é preciso ver
de uma l í n g u a . Quando eu nasci, eu n ã o sabia, quando n ó s nas- n o i n t e r i o r de quanta e s c r a v i d ã o se dá essa liberdade. D e repen-
cemos, a gente n ã o sabia, e daí, lá pelos q u a t r o , c i n c o anos de te, u m pequeno c e n t í m e t r o de liberdade vai a d q u i r i r uma c i n -
idade, seis, sete, a gente v e m a saber que fala u m a l í n g u a cha- t i l â n c i a e x t r a o r d i n á r i a , exatamente p o r q u e u m a l í n g u a , u m a
mada portuguesa. N i n g u é m nos p e r g u n t o u antes que l í n g u a a arte é u m c ó d i g o de e s c r a v i d õ e s , a l g u m a coisa de que a gente é
gente gostaria de falar. Q u a n d o v o c ê v ê , v o c ê é passivo e m r e - v í t i m a . Pegue o caso, p o r exemplo (vou fazer u m l i g e i r o des-
l a ç ã o à q u e l a l í n g u a sobre a qual, c o m o todas as formas sociais, vio), o caso d o destino h i s t ó r i c o de dada l í n g u a . V o c ê s já i m a -
v o c ê n ã o t e m poder. V o c ê já chegou n u m a l í n g u a na qual v o c ê g i n a r a m a d e s g r a ç a que é escrever e m p o r t u g u ê s ? Sometimes, I
d i z , p o r exemplo, n o indicativo- eu estou, t u e s t á s , ele e s t á . V o - wonder. Q u e m é que sabe p o r t u g u ê s nesse planeta, fora Brasil,
cê n ã o pode dizer: eu estejeto, t u estejermes, eles estejarando. A n g o l a , M o ç a m b i q u e , C a b o Verde, Macau? V o c ê já nasce, i n -
Jsso v o c ê n ã o pode fazer. N ã o h á G u i m a r ã e s Rosa que tenha clusive, c o m u m destino h i s t ó r i c o . N i n g u é m pode criar u m a
poderes, o p r ó p r i o Rosa que leva isso a_extremo l i m i t e , e os obra t ã o f o r t e que, realmente, coloque o seu i d i o m a , assim, na
concretos, aquelas tentativas de r o m p e r c o m isso. M a s h á u m b e r l i n d a das n a ç õ e s , isso a í n ã o d á . E n t ã o , de repente, a l g u é m
l i m i t e a l é m d o qual v o c ê n ã o pode i r . As formas s ã o sociais, diz: o m a i o r poema d o s é c u l o XX é u m poema é p i c o incrível
dizia L u k á c s . ^ isso, realmente é a g r a n d e i n t u i c ã a d e L u k á c s . escrito p o r u m basco. E m que l í n g u a ? E s c r i t o e m basco! N i n -

326
327
XX. A vanguarda é o classificado do s é c u l o XX. Esses m o d o s se-
g u é m vai t o m a r c o n h e c i m e n t o do poema, esse cara d a n ç o u . Ele
r i a m m o d o s subversores, modos nos quais o e r r o , p o r exemplo,
deveria ter escrito esse p o e m a e m i n g l ê s , em russo, e m c h i n ê s , passa a ser i n c l u í d o e englobado c o m o fator de c r i a ç ã o . O erro
u m a coisa que tivesse u m a m e l h o r c o t a ç ã o no mercado i n t e r n a - é recuperado, em nível de l í n g u a , em nível de l i n g u a g e m t a m -
cional. E n t ã o , v o c ê é v í t i m a sobretudo do pedigree h i s t ó r i c o , e b é m . E n t ã o , v o c ê pega a palavra depois das vanguardas dos
isso n ã o depende de v o c ê . Quando Shakespeare, no s é c u l o X\ai, anos 50, 60, que houve no Brasil, poesia concreta, praxis, poe-
e m i n g l ê s , escreveu as suas p e ç a s , a I n g l a t e r r a estava n u m p r o - ma processo, aquelas vanguardas que m e x e r a m c o m o tecido
cesso de a s c e n s ã o acelerado de grande p o t ê n c i a m u n d i a l , e isso das coisas. D e p o i s disso, t u d o se t o r n o u lícito. Quer dizer, v o c ê
n ã o é depor contra Shakespeare. O g é n i o dele esteve à altura pode p a r t i r u m a palavra pelo meio. Pega a palavra fragmento,
desse m o m e n t o , mas n ó s n ã o podemos i g n o r a r o fato de que a joga fora a parte mento e dá n o m e p r u m l i v r o de Frag. Esse l i v r o
p r o j e ç ã o de Shakespeare, entre outras coisas, se deve à p r o j e ç ã o seria i m p e n s á v e l há quarenta anos, u m l i v r o chamado Frag, n ã o
da I n g l a t e r r a , da c u l t u r a inglesa. V o c ê n ã o pode ser m u i t o havia lugar para ele. A g o r a há lugar, v o c ê p a r t i u a palavra, t i r o u
m a i o r que sua t r i b o . O J u r u n a n ã o pode ser m a i o r que a t r i b o u m p e d a ç o dele e t r a n s f o r m o u u m f r a g m e n t o n u m frag. E as-
xavante. N ã o adianta bater c o m a c a b e ç a na parede, chorar, s i m p o r diante c o m t u d o aquilo que f o i feito, n ã o s ó pela poesia
e t e c é t e r a , n ã o adianta despacho, nada, nada, nada vai resolver. dita de vanguarda, concreta, s u b v e r s ã o no e s p a ç o , a s u b v e r s ã o
Isso é u m trabalho assim que é a h i s t ó r i a . O artista sozinho, os na c o l o c a ç ã o na p á g i n a , mas a s u b v e r s ã o i n t e r n a t a m b é m . D e
artistas n ã o p o d e m resolver, a gente já nasce n u m a l í n g u a p e r i - repente, se t o r n a m lícitas certas coisas c o m o , p o r exemplo, a
férica, escrever uma coisa em p o r t u g u ê s e ficar calado m u n d i a l - prosa de G u i m a r ã e s Rosa. J á n e m falo do G u i m a r ã e s Rosa do
mente é mais o u menos a mesma coisa. N o s Estados U n i d o s , o Grande Sertão, falo do G u i m a r ã e s Rosa, p o r exemplo, de Pri-
p o r t u g u ê s é estudado assim c o m o o s u b ú r b i o do D e p a r t a m e n t o meiras estarias, onde ele é até mais subversivo em algumas pas-
de L í n g u a s H i s p â n i c a s , que já n ã o é visto c o m bons olhos. Os sagens, no qual realmente se entrega a toda sorte de v i o l a ç õ e s
l i v r o s dos escritores brasileiros, lá, ficam assim, nunca estive lá, e m r e l a ç ã o aos sinais de t r â n s i t o da l i n g u a g e m , n ã o s ó da l i n -
mas me c o n t a r a m que é assim, é o f u n d i n h o dos e s p a n h ó i s . g u a g e m literária mas até da l i n g u a g e m enquanto v e í c u l o de
T e m Vargas Llosa, t o d o m u n d o , t e m G u i m a r ã e s Rosa e D r u m - c o m u n i c a ç ã o entre os falantes da l í n g u a portuguesa. Nesses
m o n d juntos. C o m o é que v o c ê pode alterar isso? É u m quadro m o m e n t o s , o artista, o criador, passa a devolver aqueles golpes
que v o c ê já encontra, o poeta sofre. N ó s , poetas, escrevemos que t i n h a sofrido no início, no qual era u m a v í t i m a da l í n g u a .
n u m a l í n g u a que é mais que basco, mas é menos que espanhol, A g o r a , passa a ser algoz, passa a t o r t u r á - l a , a q u e b r á - l a , passa
convenhamos, em nível p l a n e t á r i o é. É mais que basco e mais p r u m o u t r o m o m e n t o de sua p a i x ã o . G o s t a r i a de colocar, pra
que c a t a l ã o , mas é menos que espanhol. E m a l e m ã o , isso ia ter coroar isso, u m a coisa u t ó p i c a , que seria o m o m e n t o , digamos
u m a a u d i ê n c i a incrível. E n t ã o a gente sofre, há u m m o m e n t o assim, de amor entre o poeta e a l í n g u a . As l í n g u a s a m a m seus
e m que v o c ê sofre, e sofre essa p r e s s ã o , esse quadro t o d o te poetas porque, nos poetas, se realizam os seus p o s s í v e i s . U m
m a r t i r i z a . E u acho, é p o s s í v e l u m a atitude que devolva isso, Eernando Pessoa, u m M a i a k ó v s k i , u m P o u n d , u m C u m m i n g s ,
u m a atitude que eu c h a m e i de s á d i c a q u a n d o o sujeito c o m e ç a u m C a b r a l , u m K h l i e b n i k o v , u m A u g u s t o de Campos, são^jioe-
a devolver os golpes. E essa atitude estaria, mais o u menos, l i - tas que conduzem sua l í n g u a aos extremos l i m i t e s de e x p r e s s ã o
gada à ideia de e x p e r i m e n t a l , de i n v e n ç ã o o u de vanguarda, dela, quas^ assim na f r o n t e i r a , no abisrno do i n c o m u n i c á v e l .
c o m o se queira que seriam aqueles m o d o s de ser a r t í s t i c o s já E n t ã o , as l í n g u a s a m a m seus poetas c o m o se fossem seus filhos
codificados no s é c u l o XX, o m o d o de ser e s p e c í f i c o do s é c u l o
329
328
mais atrevidos, e os poetas devolvem, evidentemente, aquele
derado u m a e s p é c i e de m a l d i ç ã o . A gente e n c o n t r a nos poetas
a m o r de f i l h o pela m ã e , d á vontade de estrangular, n ã o é mes-
gregos, nos poetas latinos, C a t u l o , P r o p é r c i o , T í b u l o , que a
mo? E e n t ã o eu i m a g i n o se seria p o s s í v e l , f i c o m e p e r g u n t a n d o
p a i x ã o , aquele a l u g u e i z ã o mesmo, era c o m o u m a e s p é c i e de
se seria p o s s í v e l u m m o m e n t o , digamos assim, de amor, entre o
feitiço. O i n g l ê s t e m e x p r e s s õ e s de "bewitched", "encantado", " e u
poeta e a l í n g u a , a l í n g u a e o poeta. A í v i r i a a q u e s t ã o de per-
estou encantado c o m essa garota", quer dizer, h á toda u m a l i -
g u n t a r se pode existir u m a m o r sem sadismo n e m masoquismo.
g a ç ã o entre magia, b r u x a r i a e esse a l u g u e i z ã o que a gente esta-
E u n ã o sei. N ã o sei p o r q u e , inclusive, o a m o r é u m sentimento
va falando. Que leva as pessoas a f i c a r e m juntas? A poesia seria
m u i t o recente. N ã o sei se v o c ê s j á se d e r a m conta, mas o a m o r
c ú m p l i c e , desde o começo^^ desse s e n t i m e n t o que se chama
é u m a coisa que nasceu, era u m esporte m u i t o praticado pela
amor. E u acho que é u m a coisa perfeitamente l ó g i c a , n a t u r a l ,
aristocracia p r o v e n ç a l n o s é c u l o Xll, o a m o r t a l q u a l n ó s enten-
p o r q u e a poesia, sc v o c ê s o l h a r e m b e m , ela é o a m o r entre os
demos, o a m o r i d í l i c o , esse amor, p o r exemplo, que sustenta as
sons e os sentimentos. E l a já é na sua s u b s t â n c i a , i n t r i n s e c a -
novehis da Janete C l a i r , n o h o r á r i o das o i t o , o a m o r da f o t o n o -
m e n t e , ela já é amor, já é a p r o x i m a ç ã o , n o sentido que é a m o r
vela, esse a m o r presente na nossa vida hoje de u m m o d o quase
entre os sons e os sentidos, n u m sentido que a prosa n ã o é. E
obsessivo, a tal p o n t o que chega assim: b e m , v o c ê s e r á feliz n o
p o r isso que a poesia n ã o m o r r e . P o r que essa coisa t ã o inútil
t r a b a l h o e n o amor. O a m o r e t a l , isso pareceria u m a coisa as-
que n ã o consegue sequer se t r a n s f o r m a r decentemente e m
sim absolutamente a n ó m a l a p r a u m r o m a n o , p r a u m g r e g o o u
mercadoria n u m m u n d o m e r c a t ó r i o , esse m u n d o e m que v i v e -
pra u m xeque á r a b e . A gente tende de repente a achar que as
mos? Qualquer e d i t o r p r i n c i p i a n t e sabe: poesia n ã o vende.
nossas coisas s ã o universais. O a m o r n ã o é u m a coisa que nas-
Existe este hiato, realmente poesia n ã o vende, e é b o m que n ã o
ceu c o m a e s p é c i e h u m a n a , q u a n d o o h o m e m deixou de ser
venda! Sabe aqueles que r e c l a m a m dizendo, é u m absurdo, u m
macaco e desceu da á r v o r e . O a m o r nasceu, t a l q u a l n ó s o c o n -
p a í s c o m o o nosso, n ã o sei o q u ê , t c h ê , t c h ê , p á , p á , e poesia n ã o
cebemos hoje, c o m seus r i t u a i s , o a m o r idílico, o a m o r entre
vende. Vamos nos rejubilar. Poesia n ã o v e n d e . Poesia é u m ato
um homem e uma mulher, u m homem e u m homem, uma m u -
de a m o r entre o poeta e a l i n g u a g e m . E esse é u m t e r r i t ó r i o
lher e uma m u l h e r , n o sentido i d í l i c o , r o m â n t i c o , e r ó t i c o e se-
c o m o se fosse assim u m a reserva e c o l ó g i c a d o mercado e m que
xual. F o i u m a coisa que f o i cultivada pelos poetas p r o v e n ç a i s ,
vivemos que resiste ao fato de se t r a n s f o r m a r e m mercadoria.
na aristocracia da nobreza p r o v e n ç a l n o Su\a F r a n ç a n o s é c u -
N ã o é u m a infelicidade e n e n h u m a i n f e r i o r i d a d e da poesia es-
lo XII, o a m o r c o r t ê s . D a í , sai toda a poesia portuguesa c o m as
c r i t a , falando da poesia escrita, da poesia, escrita, da poesia l i -
cantigas de a m i g o , D . D i n i s , ele era o c o n t e ú d o , a s u b s t â n c i a da
v r o , a d i f i c u l d a d e dela em se t r a n s f o r m a r e m mercadoria é u m a
poesia dita p r o v e n ç a l na o r i g e m de toda a poesia europeia e,
grandeza. Q u e m n ã o entender isso n ã o entendeu a verdadeira
p o r t a n t o , da nossa m o d e r n a , dos s é c u l o s XI, XII, XIII, pra c á . E r a
natureza da poesia, ela é feita de u m a s u b s t â n c i a que é , basica-
u m esporte, amar era u m esporte a r i s t o c r á t i c o que depois se
mente, rebelde à t r a n s f o r m a ç ã o e m mercadoria. A gente pode
p o p u l a r i z o u . E o caso p o r exemplo d o boxe. N o c o m e ç o , era
c r i a r u m m u n d o assim, o i m p é r i o t o t a l da mercadoria, t u d o
u m esporte s ó da nobreza inglesa, hoje é coisa de p o r t o - r i q u e -
pode ser v e n d i d o , coisas, s e n s a ç õ e s , as coisas mais incríveis, os
nhos, negros de N o v a Y o r k , houve u m processo de a s c e n s ã o e
m o m e n t o s mais emocionantes. U m a coisa, p o r é m , n ã o pode ser
de d e m o c r a t i z a ç ã o e de g e n e r a l i z a ç ã o d a q u i l o . N ã o que o h o -
transformada e m mercadoria, que é o amor. A m o r é dado de
m e m e a m u l h e r , a m u l h e r e o h o m e m nunca t e n h a m sentido
g r a ç a , a l g u é m pode c o m p r a r amor? Pode-se c o m p r a r sexo de
aquela coisa u m pelo o u t r o , mas na A n t i g u i d a d e isso era consi-
o u t r a pessoa, mas o a m o r a gente sabe q u e é o ú l t i m o r e d u t o

330
331
que resiste à t r a n s f o r m a ç ã o e m mercadoria. E n t ã o , eu acho que colocar o seguinte: esse amor, ele f o i recuperado pela b u r g u e -
realmente a p a i x ã o d o poeta pela l i n g u a g e m , da l i n g u a g e m pe- sia. T e r i a sido, vamos dizer assim, t r a n s f o r m a d o n ã o n u m a
lo poeta, é coisa que t e m amplas i m p l i c a ç õ e s s o c i o l ó g i c a s , h i s - mercadoria mas n u m a r e l a ç ã o , n u m a troca, n u m n e g ó c i o t i p o
t ó r i c a s , transcendentais... Que v o c ê s acham? Passei n o teste? i m o b i l i á r i o , n u m a coisa que seria mais o u menos u m a e s p é c i e
de e g o í s m o a dois, t r a n s f o r m a d o n u m a s o l i d ã o a dois. O s poe-
tas e r e v o l u c i o n á r i o s d o i n í c i o do s é c u l o pra cá p r e g a m dizendo
DEBATE que a c o n t r a d i ç ã o b á s i c a é que existe u m o u t r o amor, o a m o r
t o t a l , o u seja, u m a m o r que seria pela h u m a n i d a d e , u m amor,
Paulo Leminski: M e p i n t o u u m hoje de m a n h ã n o h o t e l :
que v o c ê falou, p o r exemplo, o a m o r da r e l a ç ã o d o poeta c o m a
hotel é aquela coisa terrível. V o c ê fica d e n t r o daquele c a i x o t i -
l i n g u a g e m , u m a coisa que é m a i o r , mais generosa, c o m o é que
n h o , todos s ã o iguais, c o m o as mulheres, n é ?
v o c ê veria isso?
Público: A h n ?
Paulo Leminski: V e j o isso d e n t r o d o h o r i z o n t e das utopias.
Paulo Leminski: C o m o os homens t a m b é m . V o c ê s n ã o
Esse a m o r de que estou falando, ele é t ã o g e n é r i c o , t ã o vasto
d i z e m : ah, os homens s ã o todos iguais? D e i x a ver se consigo m e
que a arte é apenas u m t e s t e m u n h o dele. A c r e d i t o que esse
lembrar. D i z i a u m a coisa descabeladamente r o m â n t i c a , assim:
a m o r t o t a l pode e x i s t i r mas, de repente, u m h o m e m e u m a
Meu coração lá de longe/ faz sinal que vai voltar/ mas meu peito
mulher, u m homem e u m homem, uma mulher e uma mulher,
escreve em bronze/ não há vaga nem. lugar/ para que me serve um
se e n c o n t r a m e a l i nasce u m a eletricidade ú n i c a . Isso se c o l o -
negócio/ que não para de bater/ até parece um relógio/ que acabou de
ca n o p l a n o d o m i s t é r i o . Existe realmente a l g u m a coisa, u m
enlouquecer/pra que serve quem chora/ quando estou tão bem assim/
clique t a l s ó q u e m já sentiu sabe. O a m o r é u m a a n o m a l i a
o vazio vai lá fora/ cai macio dentro de mim?
e n g r a ç a d a . Estava conversando c o m u m a m i g o m e u , que é
Ouvinte: Queria que v o c ê falasse u m pouco a í , de n o v o , o u m b r i l h a n t e m é d i c o e p s i q u i a t r a , e interessado p o r esses
que v o c ê falou d o amor... assuntos, eu d i z e n d o p r a ele o seguinte: n ã o existe n e n h u m a
Paulo Leminski: Pega na m ã o , m e u Deus, manda b i l h e t i n h o , d i s c i p l i n a c i e n t í f i c a que t e n h a o a m o r c o m o objeto. O a m o r
guarda a f l o r d e n t r o do l i v r o , essa coisa, esse r i t u a l todo... n ã o é estudado n e m pela p s i q u i a t r i a , n e m pela p s i c a n á l i s e , n e m
Ouvinte: E n t ã o , é u m a reserva e c o l ó g i c a , tá? E n t ã o , te per- pela psicologia social. O a m o r é u m a coisa que v o c ê v a i ter que
g u n t o , h á duas c o n c e p ç õ e s , dois lados d o amor. T e m o a m o r p r o c u r a r nos artistas, na t e l e v i s ã o , n o c i n e m a , e, p r i n c i p a l -
c o m o a u r é o l a p r o i b i d a e h á u m a c o n c e p ç ã o que eu n ã o sei m e n t e , na poesia. Se a e s p é c i e h u m a n a desaparecesse, e seres
donde v e m , mas acredito que v e m mais o u menos, esteja v i n d o i n t e r g a l á c t i c o s descobrissem a T e r r a , u m d i a , e dissessem:
aí da R e v o l u ç ã o Francesa, R e v o l u ç ã o Russa e batendo c o m a esquisito, v i v e r a m seres a q u i , estranhos e t a l , e eles pareciam
revolução imperialista. ser afetados p o r u m a coisa gozada chamada amor. E se esses
Paulo Leminski: M e u Deus do C é u ! seres extraterrenos quisessem r e c o n s t i t u i r u m q u a d r o d o que
Ouvinte: Que é o a m o r t o t a l . V a m o s dizer assim, u m a m o r seja o a m o r eles t e r i a m que r e c o r r e r aos poetas. Saber c o m o
que u m a crítica mais atual seria assim u m a m o r c o m u m e g o í s - o a m o r nasce, a p r i m e i r a p a i x ã o , o a m o r à p r i m e i r a vista, a
m o a dois. A m o r , hoje e m dia, u m e g o í s m o a dois, quer dizer, c o i u i n u a ç ã o da p a i x ã o , o auge da p a i x ã o , a l o u c u r a da p a i x ã o ,
de u n i a certa m a n e i r a , u m a m o r capitalista, u m a coisa fechada, o f i m da p a i x ã o , o f i m d o amor, isso eles t e r i a m que i r buscar
surrealista, d a d a í s t a , c o m u n i s t a , o diabo a q u a t r o . A g o r a , v o u nos poetas, p o r q u e n ã o existe n e n h u m a c i ê n c i a , c o m toda a

332 333
Paulo Leminski: Isso f o i a favor o u contra? D i z , diz n o
sua a m b i ç ã o t o t a l i t á r i a , aquela c i ê n c i a ocidental que nasceu do m i c r o f o n e que d a í fica... Fica mais s o v i é t i c o assim.
Organon de A r i s t ó t e l e s , ela e n g l o b o u todos os t e r r i t ó r i o s , t o d o Ouvinte: O problema é que sou p e q u e n i n i n h a . Queria que
o real, t o d o o real, ele é u m objeto do saber que cabe d e n t r o de v o c ê falasse u m p o u q u i n h o sobre o a m o r entre sons e sentidos,
u m a coisa que a gente chama c i ê n c i a , né? O q u a d r o das c i ê n - e gostaria, se fosse p o s s í v e l , de fazer t a m b é m u m a c o m p a r a ç ã o ,
cias. O r a , o a m o r n ã o cabe d e n t r o desse q u a d r o . N ã o c o n h e ç o já que v o c ê falou em arte n u m a m a n e i r a geral, e, para a poesia,
n e n h u m a c i ê n c i a que tenha o a m o r c o m o objeto. Essa coisa existe u m a g r a m á t i c a , à qual v o c ê disse que t o d o poeta estaria
que v o c ê falou, eu acho i m p o r t a n t í s s i m a , e isso me preocupa e preso...
me interessa c o m o hippie e c o m o socialista. Interessa essa coisa
Paulo Leminski: C o m certeza.
d u m a m o r t o t a l , d u m a m o r c o l e t i v o , d u m a m o r geral, mas isso
Ouvinte: D e n t r o de qualquer t i p o de arte, seja ela m ú s i c a ,
n ã o vai acabar c o m a e x i s t ê n c i a daquela o u t r a coisa. A m ú s i c a
seja p i n t u r a o u escultura, o poeta, o artista, aquele que a t e m p o -
p o p u l a r t a m b é m é u m v e í c u l o de t r a d u ç ã o e e x p r e s s ã o desse
ralmente faz a l g u m a coisa que fique, ele t a m b é m fica u m pouco
sentimento único.
preso a essa g r a m á t i c a , n ã o fica? M a s h á t a m b é m u m a r e l a ç ã o
Uma ouvinte: Fala mais a l g u m a coisa sobre o poeta ser algoz de amor. N ã o há?
da palavra.
Paulo Leminski: S ó h á .
Paulo Leminski: B e m , s e r á algoz n o m o m e n t o em que c o n - Ouvinte: E n t ã o gostaria que v o c ê explicasse m e l h o r , se
t r a r i a r as t e n d ê n c i a s da l i n g u a g e m . E m que ele pegar a palavra pudesse. Esse a m o r entre sons e sentidos e d e n t r o t a m b é m das
e p a r t i - l a . E m que pegar u m a t r a d i ç ã o herdada, e pegar a l g u m a outras artes, já que v o c ê a b o r d o u arte de u m a m a n e i r a geral.
coisa recebida e ele realmente for assim craque o suficiente para Paulo Leminski: Posso tentar.
alterar aquele q u a d r o e i m p o r a sua marca, que é u m a carac- Ouvinte: Esse, esse a m o r t a m b é m , porque eu acho que sem
terística do s é c u l o XX, nessa arte do s é c u l o XX, as vanguardas. a p a i x ã o n ã o existe u m a obra de arte, é f u n d a m e n t a l . O amor, o
M a s é u m a coisa que já c o m e ç a n o f i n a l do s é c u l o passado, do a m o r p a i x ã o . Para que o artista possa colocar sua e m o ç ã o .
S i m b o l i s m o pra cá, M a l l a r m é , R i m b a u d já c o m e ç a r a m u m a
Paulo Leminski: B e m , vejo essa coisa de a m o r entre sons
a g r e s s ã o , o poeta c o m e ç a a devolver. O grande m o t o r seria o
e palavras, entre sons e sentidos, c o m o u m resultado da p r ó -
p r ó p r i o s u r g i m e n t o da R e v o l u ç ã o I n d u s t r i a l , o m u n d o i n d u s -
p r i a m a t e r i a l i d a d e do fazer p o é t i c o , n o qual, n ã o i m p o r t a ,
t r i a l , ele p r o p i c i o u essa possibilidade de o artista devolver a
o u i m p o r t a menos, v o c ê apresentar sentidos do que v o c ê
a g r e s s ã o , a s u b m i s s ã o às formas, de d i n a m i t a r as formas, u m a
trabalhar. Os sentidos t e r ã o que v i r depois de u m a materia-
l ó g i c a meio terrorista líbia.
lidade, digamos, musical, o u p l á s t i c a , i c ô n i c a , c o m o se q u e i -
Ouvinte: Posso? P a i x ã o , c a i x ã o , p a i x ã o . N u m f u n d o m e r - ra, da palavra. O sentido v i r á depois disso, senso é apenas
cantilizante, o culpado é sempre o c h i n ê s , o s u l t ã o á r a b e , ver prosa e m p i l h a d a e m versinhos, c o m o e s t á cheio o Brasil. H á
Limite do M á r i o Peixoto, os surfistas n ã o s ã o poetas. Isto é u m a f i g u r a s , pessoas que passam p o r grandes poetas, n ã o apenas
p e r g u n t a , certo? Para a a s s o c i a ç ã o p a i x ã o / l o u c u r a , vai a í o m e u prosadores, que c o l o c a m a sua prosa e a d i v i d e m , a r b i t r á r i a
r e m é d i o : sentir "a v i s ã o da e x t r a ç ã o da pedra da l o u c u r a " do e farsisticamente, n o papel c o m o u m verso. M a s u m verso é
Borges, as similidades, acoplar c o m as flores, o craque é pensar u m a entidade a r t í s t i c a . V a m o s fazer verso, t u d o b e m , mas t e m
o a m o r c o m o coisa, c o m o t e n d o u m a p o s s í v e l s u b s t â n c i a . Se que saber fazer u m verso, u m a u n i d a d e musical i m a g é t i c a . Se
extraio a l g u m a s u b s t â n c i a s e r á sempre u m a m e t á f o r a c o m o a n ã o , vai fazer j o r n a l i s m o , vai fazer teses de sociologia. Poesia
pedra filosofal. É isso aí.
335
334
t e m o seu e s p e c í f i c o . D e s c o n f i o que a coisa do a m o r e n t r e sons d é c a d a , cinquenta, sessenta anos no Brasil, t e m gente fazendo
e sentidos estaria nisso, o poeta p r o d u z u m a coisa na q u a l a soneto até hoje. D e repente, o a m o r pela poesia se c o n f u n d e
i n t i m i d a d e entre a materialidade do som da palavra e o sentido c o m o a m o r pela f o r m a do soneto. A ideia de que a poesia possa
que ele passa é m u i t o mais í n t i m o do que n o caso da prosa, ser p u r o t r a n s b o r d a m e n t o de e m o ç õ e s c o n f l i t a c o m esse dado
onde essa materialidade n ã o i m p o r t a . C i t e i o caso de Balzac, de que ela vai ter que ter u m a f o r m a e as formas s ã o sociais.
que seria u m romancista g e n i a l , mas n ã o é u m grande estilista N ã o existe t r a n s b o r d a m e n t o e m estado p u r o . Os surrealistas
c o m o F l a u b e r t , o u c o m o o p r ó p r i o Stendhal, o caso de u m propuseram escrita a u t o m á t i c a . V o c ê pega u m papel e c o m e ç a
G u i m a r ã e s Rosa, de u m Joyce, daqueles que t r a t a m a p r ó p r i a a escrever o que lhe vier na c a b e ç a . Acontece que a escrita au-
prosa c o m o objeto de arte, u m a prosa na q u a l a palavra é t r a - t o m á t i c a é mais pobre do que qualquer soneto. A n d r é B r e t o n ,
balhada c o m o m a t é r i a - p r i m a a r t í s t i c a . A coisa de a m o r e n t r e quando fez o p r i m e i r o texto e m escrita a u t o m á t i c a era genial,
os sons e os sentidos, esse ato de a m o r se passaria na m e n t e do o segundo que o fez é u m i d i o t a , porque realmente aquilo e s t á
poeta na hora e m que ele c r i a , naquele l u g a r os sons e os sen- feito já. N ã o existe nada mais parecido c o m u m texto escrito e m
tidos p r a t i c a m u m ato de amor. Poesia é isso, u m ato de amor, escrita a u t o m á t i c a do que u m o u t r o texto e m escrita a u t o m á t i c a .
i n t r i n s e c a m e n t e , substancialmente. A q u i l o que pareceria ser u m m o m e n t o da m a i o r liberdade passa
Ouvinte: A c h o que a p a i x ã o é coisa que v o c ê faz sem p e n - a ser o m o m e n t o simplesmente do m a i o r i g u a l , o m o m e n t o do
sar, s ó s e n t i m e n t o . A c h o que pra v o c ê fazer pelo menos u m a diferente passa a ser o m o m e n t o do idêntico. N a d a mais fácil do
boa poesia, n ã o sei n e m se isso existe, acho que v o c ê n ã o pode que pegar dez pessoas e m a n d a r p ô r n o papel t u d o o que lhes
estar t o m a d o pela p a i x ã o p o r q u e , s e n ã o , t u d o que v o c ê colocar vier na c a b e ç a , n ã o c o n t r o l e nada, n e m ligue para p o n t o , v í r g u -
n o papel, q u a n t o mais emocionado v o c ê esteja, q u a n t o mais e n - la, nada, vai m a n d a n d o pau, p á - p á - p á , que n e m n u m sonho, que
tregue ao seu caos i n t e r n o , à sua e m o ç ã o , é v o c ê . . . M e l h o r seria n e m n u m delírio, mas dez delír i o s s ã o iguais que n e m dez ovos.
o seu poema. A c h o que a palavra mais adequada seria o amor. O que fez a marca, o d i s t i n t i v o , é a f o r m a , e essa f o r m a n ã o é
N ã o consigo entender que u m poeta possa fazer hoje u m a poe- nossa, esta f o r m a existe d e n t r o do nosso quadro social. O so-
sia sem entender o m o m e n t o e m que e s t á v i v e n d o . Ele pode até neto existia antes da gente nascer. Depois que passarmos desta
usar a p a i x ã o c o m o u m v e í c u l o pra isso, ele t e m esse d o m , cer- para m e l h o r , o soneto c o n t i n u a r á existindo, ele é m a i o r do que
to? M a s n ã o pode fazer s ó apaixonadamente a poesia. A c h o que n ó s . O soneto, a f o r m a do soneto é m a i o r d o que os poetas. Ela
é mais u m ato de a m o r c o m a palavra, c o m o v o c ê disse, onde sobrevive a eles, c o m o u m a p r e s e n ç a social, c o m o u m a p r e s s ã o
muitas vezes v o c ê t e m a ver u m p r é pra isso, v o c ê n ã o pode s i m - social, é aquele m o m e n t o de masoquismo, e m que o poeta sofre,
plesmente se entregar à p a i x ã o . v o c ê t e m que sofrer essa p r e s s ã o social. N ã o consigo sequer en-
Paulo Leminski: H á formas sociais que te i m p e d e m de fazer xergar a ideia de que a poesia seja u m t r a n s b o r d a m e n t o do cora-
isso. E m 1891, a p a i x ã o pela poesia n o Brasil se c o n f u n d i a c o m ç ã o , porque esse t r a n s b o r d a m e n t o vai ter que ser feito através de
a p a i x ã o , p o r exemplo, pelo soneto, pela f o r m a do soneto. E r a tamanhas s u b s t â n c i a s coletivas t ã o acentuadas, t ã o n í t i d a s , que,
u m a f o r m a social, v o c ê nasceu e m 1891, poesia entre outras n o f u n d o , o seu i n d i v i d u a l vai ser m í n i m o d e n t r o disso. E p o r
coisas é o soneto. Bilac era D e u s neste país c o m o f o i , durante isso que a pr á t i c a das artes, sob u m certo aspecto, é, c o m o é que
d é c a d a s , o mestre consumado do soneto. E n t ã o , aquela p o r r a eu v o u dizer? S ã o c e r i m ó n i a s . C o m o missas, novenas, procis-
daquela c a i x i n h a , q u a t r o versos, q u a t r o versos, t r ê s , t r ê s , aqui- s õ e s . E u m a r e p e t i ç ã o de gestos socialmente codificados.
lo realmente exerceu u m a t i r a n i a durante mais de quase meia Ouvinte: E n t ã o o poeta e s t á preso à f o r m a . . .

336 337
Paulo Leminski: A gente e s t á preso, preso mesmo, preso
à forma, c o m o preso à l í n g u a portuguesa. M i n h a formação fazem novas t r i b o s , eles n ã o s ã o t ã o ligados verdadeiramente,
p o é t i c a v e m dos anos 60 pros 70. V i , p o r exemplo, aparecer s ó e m certos esquemas gramaticais. Sinto assim, a g r a m á t i c a do
nos anos 1970, e m p a r t i c u l a r , u m a t e n d ê n c i a p o é t i c a brasileira poeta seria a g r a m á t i c a da sua criatividade. As vezes, ele pode
generalizada que ainda n ã o acabou, a chamada poesia m a r g i n a l , ser até m a i o r que a sua p r ó p r i a t r i b o .
alternativa, u m a poesia, c o m o é que eu v o u dizer, de manga da Paulo Leminski: E l e seria apenas o m e l h o r que a sua t r i b o
camisa, poesia feita assim sem n e n h u m a a p a r ê n c i a de r i g o r f o r - p ô d e p r o d u z i r naquele m o m e n t o , m e s m o quando parecesse que
m a l , u m a poesia que se queria a c o n t e s t a ç ã o de t o d o u m r i g o r e s t á sendo m a i o r d o que a sua t r i b o . U m G u i m a r ã e s Rosa, u m
f o r m a l . Mas isso s o z i n h o n ã o resolve. H o j e eu sinto, p o r exem- J o ã o C a b r a l de M e l o N e t o s ã o possibilidades do povo e da c u l -
p l o , que se desenvolve u m a t e n d ê n c i a n o sentido da recupera- t u r a brasileira, n ã o c a í r a m d o c é u n e m f o r a m trazidos p o r u m
ç ã o de u m certo r i g o r f o r m a l pra caracterizar o p r ó p r i o fazer disco voador. E u m a s o m a t ó r i a de coisas brasileiras que possi-
p o é t i c o , que t e m meio c o m o p a d r i n h o o J o ã o C a b r a l de M e l o b i l i t a , de repente, o s u r g i m e n t o de u m grande artista, de u m
N e t o , que acho que qualquer u m concordaria é o m a i o r poeta H é l i o O i t i c i c a , de u m G l á u b e r Rocha. N ã o creio que ele, que
brasileiro v i v o , escrito, n o papel, porque cantado, pra m i m , é a l g u é m , seja maior. E que v o c ê , realmente, representou naquele
Caetano Veloso. J o ã o C a b r a l de M e l o N e t o seria u m a e s p é c i e m o m e n t o , naquela t u a coisa, u m m á x i m o , mas u m m á x i m o da
de p a t r o n o dessa r e c u p e r a ç ã o de u m r i g o r p o é t i c o e a p r ó p r i a tua t r i b o . R e c o n h e ç o que c r i e i u m a e s p é c i e de d e t e r m i n i s m o ,
m ú s i c a popular, p o r q u e a m ú s i c a marca o lance da m é t r i c a , e o a l g u é m p o d i a dizer assim: mas se eu aprender outras l í n g u a s ,
lance da r i m a c o m o a l g u m a necessidade. I m p o s s í v e l fazer u m a p o r exemplo? Se eu r o m p e r a barreira da m i n h a l í n g u a e i n v a d i r
letra absolutamente i r r e g u l a r e sem r i m a s . A q u i , temos conos- o u t r a , t i p o Conrad? E l e era polaco, chamava-se K o r z e n i ó w s k i ,
co, hoje à noite, nosso a m i g o A n t ô n i o C í c e r o , i r m ã o e parceiro saiu da P o l ó n i a , f o i para a I n g l a t e r r a , se b r i t a n i z o u p o r c o m -
da M a r i n a , cujo t r a b a l h o vejo c o m o u m a coisa m u i t o exemplar pleto e v i r o u u m grande escritor da l i t e r a t u r a inglesa. M a s n ã o
nesse sentido, p o r q u e ele faz p o r exemplo, enquanto letrista, vejo que isso seja exequível de u m m o d o geral. N ã o vejo c o m o
u m a letra, c o m o é que eu v o u dizer, e m m á x i m a sensibilidade, eu poderia m e t o r n a r u m grande poeta e m l í n g u a ucraniana.
em nível de c o m p r e e n s ã o da m ú s i c a , o o u v i d o t e m u m t e m p o V o c ê , mais o u menos, expressa u m a c o m u n i d a d e .
e o o l h o t e m o u t r o . E ele faz t a m b é m u m a poesia do o l h o , que Ouvinte: Queria te p e r g u n t a r ainda sobre essa r e l a ç ã o com
é u m a poesia rigorosa, quando escrita. A poesia d o A n t ô n i o a palavra. T e n h o estudado esse assunto e m r e l a ç ã o à carta
C í c e r o procura recuperar esses valores, p o r exemplo, de arte- de amor. E mais o u menos o inverso disso que v o c ê disse aí.
sanato, que me interessam, e que eu acredito v ã o caracterizar a Aquele que escreve a carta de amor, ele, na verdade, n ã o quer
m i n h a p r o d u ç ã o p o é t i c a , n ã o sei até quando. J á faz m u i t o t e m - escrita, ele detesta a escrita, ele escreve pra dizer "eu escrevo
po que venho no sentido da r e c u p e r a ç ã o desse r i g o r . Sob alguns para que t u o u ç a s " .
aspectos, estou f a r t o da i n c o m p e t ê n c i a t é c n i c a dos anos 1970.
Paulo Leminski: D e v e ser.
Ouvinte: C o n c o r d o c o m o que v o c ê disse que o poeta n ã o Ouvinte: O riso, essas coisas que a gente n ã o pode remeter.
pode ser m a i o r que sua t r i b o . A o m e s m o t e m p o e m que eu E n t ã o ele n ã o gosta da escrita, é u m a r e l a ç ã o m u i t o difícil.
c o n c o r d o c o m isso, acho que n e m p o r causa disso o poeta deve C o m essa materialidade da escrita na verdade, ele escreve é pra
deixar a sua t r i b o castrar, vamos dizer assim, sua criatividade. reapropriar-se da p r e s e n ç a d o o u t r o distante, essa coisa toda.
T e n h o a i m p r e s s ã o de que, à s vezes, certos poetas apaixonados E n t ã o , existe toda u m a p a r a n ó i a m e s m o e m r e l a ç ã o à c i r c u -
lação disso, porque já estava previsto u m d e s t i n a t á r i o . T e n h o
338
339
l i d o assim as cartas de amor. E m K a f k a , e m todos eles assim há personagem, que v o c ê quer encarnar. É esse personagem que
u m a verdadeira p a r a n ó i a em relação a correio. O c o r r e i o n ã o s e r á o emissor da tua obra. A obra s e r á sempre o m o m e n t o
e s t á f u n c i o n a n d o , n ã o sei o q u ê . J á contratei t r ê s pessoas pra segundo depois da c r i a ç ã o . T e m muitas pessoas talentosas que
t r a z e r e m as cartas p o r aí. acabam n ã o dando em nada, p o r q u e n ã o c o n s e g u i r a m c r i a r seu
Paulo Leminski: E l a m e n t á v e l . personagem, quer dizer, aquele que s e r á , realmente, o emissor
Ouvinte: T o d o esse problema da c i r c u l a ç ã o . E a l é m do mais da sua obra.
do registro. Isso t e m que ser registrado, e n t ã o submete a c a r i m - Ouvinte: O que eu queria te p e r g u n t a r é se t e m a l g u m a
bo, selo, toda u m a i n s t i t u c i o n a l i z a ç ã o da palavra. transitividade nessa r e l a ç ã o .
Paulo Leminski: V o c ê b o t a r uma carta de a m o r n o SEDEX Paulo Leminski: T r a n s i t i v i d a d e de q u e m pra quem?
hoje... Ouvinte: D o poeta. N a r e l a ç ã o do poeta c o m a l i n g u a g e m ,
Ouvinte: E n t ã o t u d o isso, essa escrita é u m a escrita, quer d i - nessa r e l a ç ã o apaixonada.
zer, ele n ã o gosta da escrita. V o c ê falou o c o n t r á r i o . A relação de Paulo Leminski: Essa é a ideia.
poesia c o m o poeta seria de p a i x ã o . Quando ele falou de trans- Ouvinte: ...tem, claro. S ó pra a t i n g i r u m terceiro. E u queria
b o r d a m e n t o , t r a n s b o r d a m e n t o estaria mais pra carta de amor. saber, na poesia, se e s t á presente essa coisa do d e s t i n a t á r i o .
Paulo Leminski: M e s m o u m a carta t e m u m a f o r m a precisa, Paulo Leminski: N a l i t e r a t u r a , o d e s t i n a t á r i o é sempre p r o -
" v e n h o p o r meio desta dizer que m e u c o r a ç ã o é seu". b l e m á t i c o . V o c ê i n v o c o u , inclusive, u m exemplo que é, exa-
Ouvinte: V o c ê e s t á adulterando o que d i g o . tamente, o oposto da l i t e r a t u r a . A carta de a m o r teria c o m o
Paulo Leminski: N ã o há álibi possível. Escrevi u m a resenha, d i f e r e n ç a em r e l a ç ã o a u m poema de a m o r o fato de ter u m
a semana passada, sobre Os Cantos do E z r a P o u n d , em que falo d e s t i n a t á r i o preciso. N ã o acredito m u i t o n o escritor que v o c ê
dessa coisa que ele trazia e m si u m a proposta de transborda- diz assim: pra q u e m v o c ê escreve? Ele diz: b e m , eu escrevo
m e n t o . O poema dele se chama Cantos. N a realidade, é e m pra fulano, b e l t r a n o , sicrano. E u escrevo para a classe o p e r á r i a
prosa, porque o verso é u m p r i n c í p i o de r a c i o n a l i z a ç ã o . N ã o h á consciente da faixa salarial de sete s a l á r i o s até doze. N i n g u é m
p a i x ã o que resista a u m b o m d e c a s s í l a b o . O dia e m que eu b o t a r escreve desse j e i t o , isso é j o r n a l i s m o . N ã o é l i t e r a t u r a . N ã o é a
t u d o em d e c a s s í l a b o , realmente a sinceridade f o i p r o brejo. alta p r o d u ç ã o verbal. A alta p r o d u ç ã o verbal já traz i m p l í c i t a em
Ouvinte: E aquele que p o d e s u b s t i t u i r a p r e s e n ç a do si u m a e s p é c i e de i n d e t e r m i n a ç ã o em r e l a ç ã o ao seu d e s t i n a t á -
o u t r o , né? r i o . V a m o s dizer assim: pra q u e m G u i m a r ã e s Rosa escreveu a
Paulo Leminski: E aquela coisa da r e l a ç ã o entre o v i v i d o e " T e r c e i r a m a r g e m do rio"? Pra D e u s . Pra h u m a n i d a d e . Qual
a obra, ela é mediatizada, t o d o escritor projeta a i m a g e m de é a l i n g u a g e m que n ã o se escreve, qual é a l i n g u a g e m onde a
u m emissor que pode n ã o c o i n c i d i r c o m ele. D a í , realmente, poesia nunca chega? A q u i , a gente t e m que fazer a d i s t i n ç ã o
o n e g ó c i o e x t r a o r d i n á r i o do Eernando Pessoa de ter explicita- l í n g u a / l i n g u a g e m . D é c i o P i g n a t a r i é u m t e ó r i c o que v e m i n -
do isso através daquele mecanismo de h e t e r ô n i m o s , p o r q u e é sistindo m u i t o na d i f e r e n ç a , é o i d i o m a , a l í n g u a o r a l , a c ú s t i c a ,
realmente isso. O escritor, que escreve, a pessoa Jorge A m a d o , que a gente aprende c o m a m ã e , c o m o leite m a t e r n o , a l í n g u a
o cara, o escritor, o autor, o emissor Jorge A m a d o e sua obra m a t e r n a . A l i n g u a g e m s ã o as outras, a l i n g u a g e m visual, a ges-
s ã o t r ê s m o m e n t o s , e n ã o dois. N ã o sei, sai d i r e t o da vida pra t u a l etc. Essa d i s t i n ç ã o é semioticamente b e m , b e m clara hoje.
o b r a . E n t r e a vida e a obra, há u m a m e d i a t i z a ç ã o , que é a p r i - A l i n g u a g e m verbal é o lugar do pensamento s i m b ó l i c o p o r
meira obra que t o d o artista t e m que criar, a sua persona, o seu e x c e l ê n c i a , quer dizer, do pensamento, as palavras s ã o s í m b o -

340 341
se escrevem, faz-se outras coisas. E qual é a l i n g u a g e m onde a
los. E n u m sentido e m que a cor n ã o é, p o r exemplo. A l í n g u a ,
poesia n u n c a chega? A p e r g u n t a é m a i o r do que eu. O que n ã o
o i d i o m a , é o ú n i c o v e í c u l o do conceito. V o c ê n ã o pode e m i t i r
é h e r m é t i c o é novela das sete.
conceitos c o m cores, v o c ê n ã o pode e m i t i r conceitos c o m ges-
Ouvinte: G o s t a r i a de c r i a r u m a p o l e m i c a z i n h a agora. E u
tos, v o c ê n ã o pode e m i t i r conceitos c o m b o r r õ e s de l u z , s ó as
acho que é saudável, né? A q u i n o R i o , eu vejo o R i o de Janeiro
palavras s ã o v e í c u l o s de conceitos, o conceito que A r i s t ó t e l e s
u m a e s p é c i e de c o r a ç ã o e S ã o Paulo, a c a b e ç a , u m a coisa m e i o
dizia ser a grande a r m a do pensamento para captar a l ó g i c a da
e s q u i z o f r ê n i c a isso que estou falando, mas me passa m u i t o
realidade. D u r a n t e m u i t o t e m p o , c o m p a r t i l h e i de u m a certa
isso. S ã o Paulo pensa paca e o R i o sente. D e certa m a n e i r a , as
i l u s ã o que se deve à m i n h a a d m i r a ç ã o p o r D é c i o P i g n a t a r i , a da coisas que acontecem n o Brasil s ã o m u i t o direcionadas p o r essa
ideia de se combater o l o g o c e n t r i s m o , a palavra n o c e n t r o das dualidade que ainda persiste. O R i o é u m exemplo p r o Brasil
coisas e t u d o o mais e m volta. As outras m a n i f e s t a ç õ e s de l i n - sempre e eu gostaria de falar isso para v o c ê c o m o carioca. E
guagem f i c a r i a m s u b m a n i f e s t a ç õ e s e o i d i o m a c o m o a manifes- c o m o paulista; quer dizer, n ã o u m paulista, mas u m a pessoa
t a ç ã o p o r excelência. D u r a n t e m u i t o t e m p o , realmente, defendi que e s t á v i v e n d o n u m m u n d o de S ã o Paulo c u l t u r a l . N ã o f i q u e i
isso, hoje, já n ã o acho mais. A c h o hoje, c o m a m a i o r clareza satisfeito c o m a tua resposta q u a n d o f i z aquela c o l o c a ç ã o do
d o m u n d o , que existe u m e s p e c í f i c o do i d i o m a , da l i n g u a g e m a m o r t o t a l . V o c ê colocou que eu t i n h a posto as coisas c o m o
c o m a palavra que n ã o t e m paralelo, e n e m outras linguagens. u m a u t o p i a , utopia dos comunistas, socialistas e t a l , eu acho
A palavra pode falar de u m q u a d r o , u m q u a d r o n ã o pode falar que n ã o é b o m . A c h o que o p r ó p r i o e s p a ç o da p a i x ã o a m o -
das palavras. As palavras p o d e m falar de u m e s p e t á c u l o teatral rosa é u m e s p a ç o u t ó p i c o n o m u n d o que a gente vive. Queria
ou de u m e s p e t á c u l o de d a n ç a , u m e s p e t á c u l o de d a n ç a n ã o colocar uns exemplos, eu, pessoalmente, faço cinema. E n t ã o ,
pode falar de palavras. As palavras t ê m u m a e s p é c i e de estatuto pra m i m , poesia n ã o t e m nada a ver c o m palavra, entendeu?
m e t a l i n g u í s t i c o , u m estatuto c r í t i c o , u m estatuto de dizer sobre, Isadora D u n c a n fazia poesia c o m o c o r p o e eu faço poesia c o m
que é seu e s p e c í f i c o . A c h o que f o i u m a e s p é c i e de ultraesquer- a i m a g e m . E n t ã o , de m a n e i r a n e n h u m a aceito, posso aceitar,
d i s n i o i c ô n i c o , o h , boa e x p r e s s ã o . F o i u m ultraesquerdismo i c ô - que a poesia, a p o é t i c a , seja colocada d e n t r o dos l i m i t e s da
n i c o que v i v i d u r a n t e m u i t o t e m p o , de pensar assim, de colocar l i n g u a g e m v e r b a l , da l í n g u a . E u acho que a poesia hoje, d e n t r o
u m a e s p é c i e de h o r i z o n t a l dada e m todos os c ó d i g o s , e m todas de u m a c o n c e p ç ã o m o d e r n a , é u m a coisa que abrange a m a n i -
as linguagens. H o j e , n ã o , hoje eu acho que a l i n g u a g e m verbal f e s t a ç ã o de l i b e r t a ç ã o do ser h u m a n o , seja a t r a v és do teatro, da
t e m u m i n t r a n s f e r í v e l , u m e s p e c í f i c o . A p r ó p r i a poesia que fa- m ú s i c a , do cinema. P a s o l i n i é u m puta poeta, n ã o s ó escreven-
ç o , a que p r o c u r o fazer hoje, é u m a poesia n ã o i m a g é t i c a , n ã o do c o m o t a m b é m c r i a n d o cenas e imagens. E s t u d e i d u r a n t e
melopaica, quer dizer, n ã o musical, quer dizer, n ã o e x c l u i n d o seis anos m u i t o a vida de u m paulista e f i z u m f i l m e sobre ele,
esses valores, mas u m a poesia, sobretudo, feita de pensamento, que é o M á r i o de A n d r a d e , u m puta poeta m u i t o pouco falado
quer dizer, r a c i o c í n i o s . M i n h a poesia, meus amigos, as pessoas pelas ditas vanguardas modernistas, p o r q u e ele escrevia m u i t o
que leem as coisas que v e n h o fazendo, v ê m observando cons- m o d e r n i n h o , n ã o escrevia c o m manga de camisa. E n t ã o , ele f o i
tantemente que, n u m poema, eu p r o c u r o , a poesia n u m a girada assim m e i o relegado. H o j e e m dia, f e l i z m e n t e , já existem v á r i o s
de pensamento, n ã o p r o p r i a m e n t e n u m a e x p l o s ã o de cores o u trabalhos, h á m u i t a gente reavaliando a p o é t i c a do M á r i o , que
de imagens. O r e d o n d o r o l a r daquele pensamento que sai, e a ela é m u i t o mais i m p o r t a n t e e p r o f u n d a do que aparentemente
l o u c u r a l ó g i c a dele é que a sua poeticidade. Q u a l é a l i n g u a g e m pareceu nestes ú l t i m o s anos. E s t u d a n d o o M á r i o , eu descobri
que n ã o se escreve? T i r a n d o os idiomas, todas as outras n ã o
343
342
que o M á r i o f o i u m exemplo do cara que m o r r e u de amor, mas
vra poesia e s t á sendo usada n o sentido de criatividade m á x i m a ,
de a m o r pelo seu povo, pelo seu p a í s , pela sua c u l t u r a . O seu
conduzida em qualquer á r e a . E n t ã o , se diz t a l p i n t o r é u m
a m o r era m u i t o mais t o t a l , v o l t o a essa palavra, do que amor,
verdadeiro poeta da cor. T a l cineasta é u m verdadeiro poeta do
essa r e l a ç ã o de f i l i g r a n a entre u m a pessoa e o u t r a . Esse a m o r
relacionamento. M a s aí v o c ê percebe logo o c a r á t e r m e t a f ó r i c o
gerava c o n h e c i m e n t o , ele nascia de u m c o n h e c i m e n t o . U m
da palavra. Quando eu falo de poesia, eu falo de u m e s p e c í f i c o
o u t r o cara que eu t a m b é m f i z u m f i l m e é o C â m a r a Cascudo.
t a l c o m o a nossa c i v i l i z a ç ã o concebe. Poesia, na realidade, é
U m cara c o m o o C â m a r a Cascudo m o r r e , os jornais d ã o u m a
u m a coisa feita c o m palavras, t a n t o que a palavra poesia f o i
n o t i n h a desse t a m a n h i n h o , escondidinho, u m cara que deveria
desenvolvida n o â m b i t o das artes verbais e, depois, p o r u m a
ter e s t á t u a em p r a ç a p ú b l i c a , devia ser l i d o , recitado. O caso
e x t e n s ã o , hoje, a gente a aplica ao caso de dizer o poeta da f o t o -
do C â m a r a Cascudo é u m caso t í p i c o , pra m i m , f o r t í s s i m o ,
grafia, mas a fotografia dele t e m u m c l i m a , t e m u m a coisa... N a
do a m o r t o t a l . A atitude dele f o i m u i t o mais p o é t i c a do que
falta de m e l h o r t e r m o , v o c ê invoca a palavra poesia. Poesia é
m i l h õ e s de poetas que eu c o n h e ç o , p o r q u e ele d e d i c o u a vida
u m a palavra da á r e a verbal e u m poema é u m ser feito de pala-
dele i n t e i r a ao c o n h e c i m e n t o da c u l t u r a do p o v o brasileiro. É
vras. Q u a n d o a gente diz que u m a cena t e m u m c a r á t e r p o é t i c o
u m cara que ia lá pra feira conversar c o m o feirante, ia bater u m
e t a l , é p o r q u e houve cenas iguais às que v o c ê leu e m palavras.
papo c o m a puta, o v i o l e i r o , a vida dele f o i dedicada a isso, a
Poesia e poema s ã o palavras da á r e a verbal que, p o r e x t e n s ã o , a
resgatar essa c u l t u r a , f o r t í s s i m a , que existe, mas que n ã o sai
gente aplica a outras artes. A c h o perfeito, p o r q u e , pra m i m , ela
n o C>aderno B do Jornal do Brasil. E p o d e r i a citar i n ú m e r o s
representa u m a e s p é c i e de supremo, u m m á x i m o .
exemplos, u m o u t r o a m i g o m e u pessoal, G l á u b e r Rocha, que,
pra m i m , f o i o u t r o cara que m o r r e u de a m o r p o r esse p a í s , Ouvinte: V o c ê faz u m a c o l o c a ç ã o , u m texto seu, de que a
foi e n g o l i d o que n e m M a c u n a í m a . V o l t o a insistir, existe u m a poesia f o i cooptada pela l i t e r a t u r a a p a r t i r de G u t e m b e r g , que
d i a l é t i c a , u m a c o n t r a d i ç ã o f u n d a m e n t a l entre o a m o r b u r g u ê s , na sua e s s ê n c i a a poesia n ã o seria l i t e r a t u r a . J u n t o a isto, c o m o
e g o í s t a , d i s c r i c i o n á r i o , e o a m o r que eu c h a m o t o t a l . O a m o r v o c ê v ê a p r o v o c a ç ã o do Caetano quando ele d i z que a poesia
que v o c ê aprende na r e l a ç ã o h o m e m - m u l h e r t e m m i l h õ e s de e s t á para a prosa assim c o m o o a m o r e s t á para a amizade?
r e l a ç õ e s ali envolvidas, inclusive sociais e e c o n ó m i c a s , p o l í t i c a s . Paulo Leminski: A í , t e m dois assuntos. Essa coisa de que a
U m a r e l a ç ã o u m h o m e m / u m a m u l h e r n ã o é u m feitiço que cai poesia n ã o é l i t e r a t u r a v e m do fato de que ela sempre se passa
do c é u , eu gostei dela, t ô apaixonado p o r q u e b a i x o u u m santo. n u m a á r e a l i m í t r o f e entre u m a o u t r a arte. A poesia era letra de
Isso t u d o faz parte de u m p r o j e t o , de u m a p r á t i c a de vida, de m ú s i c a na Idade M é d i a , volta a ser hoje c o m a m ú s i c a p o p u -
a m a d u r e c i m e n t o . A c h o que era m u i t o i m p o r t a n t e eu colocar lar. O u e n t ã o , p o r exemplo, n o caso dos poetas concretos, que
isso p o r q u e , de repente, a d i s c u s s ã o c o m e ç o u a cair assim n u m t r o u x e r a m a t ó n i c a p r o lance p l á s t i c o , visual, a poesia c o m o
n e g ó c i o da t é c n i c a da poesia. E n t ã o eu falo assim, p o r r a , eu poster. A poesia c o m o c a n ç ã o , a poesia c o m o poster, ela n ã o é
f a ç o m e u cinema, acho que é poesia, mas eu n ã o estou f i l m a n - mais palavra porque é a palavra a t r i t a n d o c o m u m a outra coisa,
do, e n t ã o , c o m o é que v o c ê poderia enquadrar isso? E n t ã o o é a palavra c r u z a n d o o o u t r o c ó d i g o . A poesia seria o lugar onde
cinema n ã o pode fazer poesia? Pode ser u m m a l - e n t e n d i d o , a palavra cruzada c o m outros c ó d i g o s se abre para outros c ó d i -
mas a p o l é m i c a tá provocada, tá? gos, p o r isso os poetas s ã o interessados por cinema, fotografia,
desenho. Isso é u m fato que a gente pode constatar o t e m p o
Paulo Leminski: O que ele falou é verdadeiro. E u acho que aí
t o d o . Os prosadores n ã o sabem n e m c o m o seus livros s ã o feitos.
a gente e s t á c o m u m p r o b l e m a verbal, que é o seguinte: a pala-
Os poetas se p r e o c u p a m c o m a capa, se vai ser em duas cores.
344
345
prazer. M i n h a s i n t u i ç õ e s se d i r i g e m pra certas formas, u m a
Existe, na atividade p o é t i c a , u m c r u z a m e n t o c o m outros c ó d i g o s
delas, a ú n i c a realmente codificada na m i n h a sensibilidade, é o
que faz c o m que a poesia seja mais o u menos d o que a literatura,
haicai, que t a m b é m n ã o t e m r i g i d e z n e n h u m a . M e u s haicais n ã o
a q u é m o u a l é m da l i t e r a t u r a . A g o r a , quanto a essa c o l o c a ç ã o do
t ê m aquela f o r m a japonesa de u m verso de c i n c o s í l a b a s , o d o
Caetano de que a poesia está para a prosa assim c o m o o a m o r
m e i o de sete e o de baixo de c i n c o . P r o c u r o m a n t e r vagamente
e s t á para a amizade, eu gostaria de ent end ê- l a d e n t r o de t o d o
u m certo esquema de t r ê s o u q u a t r o , mas mais guiado pela u n i -
o seu m i s t é r i o . A í quer dizer que há u m a e s p é c i e de c o n f r o n t o
dade da i n t u i ç ã o d o que p r o p r i a m e n t e p o r u m a f o r m a . Se acon-
h i e r á r q u i c o , o a m o r seria m a i o r e a amizade menor? N ã o vejo
tecer, p o r exemplo, de dar certo essa m é t r i c a , essa m e t r a g e m n o
isso da parte d o Caetano. Isso n ã o é u m a frase de u m professor
caso de u m haicai m e u , é p u r o acaso, eu n ã o c o n t o versos nos
u n i v e r s i t á r i o , Caetano n ã o e s t á fazendo u m a p r o p o s i ç ã o cientí-
dedos. Ser poeta é t e r nascido c o m u m e r r o de p r o g r a m a ç ã o
fica, quando diz que a poesia tá pra prosa assim c o m o o a m o r t á
g e n é t i c a que faz c o m que, e m lugar de v o c ê usar as palavras pra
pra amizade. Ele j o g o u u m verso, quer dizer, u m a obra de arte,
apresentar o sentido delas, v o c ê se c o m p r a z e m ficar m o s t r a n d o
cuja força está, exatamente, na capacidade de deflagrar toda sor-
c o m o elas s ã o bonitas, t e m u m r a b i n h o gostoso, s ã o u m t e s ã o
te de i n t e r p r e t a ç õ e s e de deixar a c a b e ç a da gente naquele estado
de palavra. O poeta é aquele que deglute a palavra c o m o objeto
p s i c o d é l i c o que os versos d o Caetano c o s t u m a m deixar.
sexual mesmo, c o m o u m objeto e r ó t i c o . P r a m i m , a poesia é a
Ouvinte: E u queria p e d i r a v o c ê para fazer u m c o m e n t á r i o e r o t i z a ç ã o da l i n g u a g e m , o p r i n c í p i o de prazer na l i n g u a g e m .
c o m p a r a t i v o entre a l i t e r a t u r a ocidental e a l i t e r a t u r a o r i e n t a l V a m o s evocar o esqueminha de Freud, p r i n c í p i o d o prazer,
sob esse aspecto de p a i x ã o . Por exemplo, n o caso d o haicai, que p r i n c í p i o da realidade. A prosa estaria a s e r v i ç o d o p r i n c í p i o da
é u m a f o r m a s u p e r - r í g i d a de t r ê s l i n h a s e dezessete s í l a b a s , realidade, a poesia, basicamente, d o p r i n c í p i o do prazer. Todas
c o m o é que p a i x ã o cabe n o haicai? aquelas pessoas que q u e r e m que a poesia sirva para a l g u m a
Paulo Leminski: Cabe n o haicai t ã o b e m q u a n t o coube n u m coisa n ã o gostam de poesia n o emprego errado.
soneto, d u r a n t e s é c u l o s e s é c u l o s n o O c i d e n t e . V o c ê n ã o v a i
Ouvinte: E s t o u u m p o u c o preocupada. D e repente, as coisas
d u v i d a r da autenticidade d o a m o r de Petrarca p o r L a u r a p o r q u e
f i c a r a m assim m u i t o , m u i t o arrumadas, quando v o c ê fala nas
Petrarca expressou esse a m o r e m sonetos. N e m da autenticida-
formas sociais, n ó s somos até obrigados a concordar c o m v o c ê ;
de d o a m o r de C a m õ e s p o r D i n a n e n e o u qualquer u m a das suas
mas s ó a t é certo p o n t o . P o r que v o c ê n ã o pode esquecer que
amadas porque ele c o l o c o u esse a m o r d e n t r o de u m soneto.
essas formas sociais, o soneto, os versos d o d e c a s s í l a b o s . . .
As formas s ã o sociais, sentimentos t a m b é m s ã o sociais, eles
Paulo Leminski: O haicai... elas f o r a m , o haicai, elas s ã o f o r -
se expressam socialmente. A gente, desde o r o m a n t i s m o , v e m
mas inventadas... E n t ã o , se nascemos e m d e t e r m i n a d o m o m e n -
vivendo u m a e s p é c i e de i l u s ã o c a ó g e n a , u m a t e n d ê n c i a assim
t o h i s t ó r i c o e m que h á determinadas formas inventadas, n ã o
para a e x p r e s s ã o c a ó g e n a , c o m o sendo s i n ó n i m o de a u t e n t i c i -
quer dizer que essas formas n ã o possam ser quebradas o u , n e m
dade. P r a m i m , u m soneto o u u m haicai s ã o mais sinceros do
sei se o t e r m o é b o m , superadas, pelo menos, que a p a r e ç a m
que simplesmente u m b o r r ã o de palavras desconexas colocadas
outras formas... É a vida que inventa novas formas, a gente...
n o papel. A "sinceridade" é u m a c e r i m ó n i a .
Ouvinte: Somos n ó s c o m o nosso m u n d o , n ã o vamos aqui
Ouvinte: T e n h o a i m p r e s s ã o de que v o c ê t e m u m a p r e f e r ê n -
r e d u z i r isso o u a q u i l o . O fato é que, d e n t r o dos nossos m o m e n -
cia pela f o r m a d o haicai o u até u m a certa o b s e s s ã o . . .
tos h i s t ó r i c o s , as formas, algumas já foram inventadas n o pas-
Paulo Leminski: E u m a das formas que p r a t i c o , u m a das sado e n ó s inventamos outras n o presente e outras s e r ã o i n v e n -
formas nas quais m i n h a sensibilidade se expressa, na qual sinto
347
346
tadas n o f u t u r o . A c h o que isso é u m a coisa m u i t o i m p o r t a n t e . ç ã o de criar u m a nova f o r m a . A t é que p o n t o v o c ê t e m u m r i g o r ,
D e repente, pelo seu discurso, daria a i m p r e s s ã o que t e r í a m o s u m r i g o r i n t e r n o pra organizar a tua p r ó p r i a p a i x ã o e c o m essa
que seguir necessariamente, isso é e x t r e m a m e n t e a c a d é m i c o e p a i x ã o criar, dar a mensagern de u m a nova p e r c e p ç ã o d o m u n -
perigoso, a m e u ver. do, que é f o r m a l t a m b é m ? E isso que eu quero dizer, p o r q u e
Paulo Leminski: A c h o que coloquei ê n f a s e excessiva n o s e n ã o c a i r í a m o s na prosa, e a poesia enquanto t a l , enquanto
c a r á t e r social das formas. N a realidade, ao lado disso, existe, palavras e s p e c í f i c a s , enquanto u m a arte e s p e c í f i c a , se d i l u i r i a .
p o r exemplo, c o m o é que eu v o u dizer, t o d o u m percurso m e u E u acho que a q u e s t ã o é m u i t o s é r i a .
que sempre estava associado c o m o m o v i m e n t o de vanguardas, Paulo Leminski: Essa q u e s t ã o dialética que ela levantou
de r e n o v a ç ã o , quer dizer, u m a p r o c u r a de i n v e n ç ã o , d o novo. agora t e m aspectos curiosos. A c h o essa coisa de r o m p i m e n t o
E n t ã o , eu apresento o social das formas c o m o u m a praga e n ã o de c ó d i g o c o m o p r o g r a m a u m a coisa meio discutível. V o c ê
c o m o u m a b ê n ç ã o . Realmente, p o r t e n d ê n c i a , p o r tempera- t e m que r o m p e r c o m esses c ó d i g o s quando, e n f i m , o i m p u l s o
m e n t o , eu estou mais pra K a d a f i d o que p r a Olavo Bilac. Quis a u t ê n t i c o e sincero de d e n t r o de v o c ê te leva a r o m p e r . V o c ê
apenas colocar u m dado que, de repente, d e n t r o desse contexto n ã o r o m p e u apenas p o r r o m p e r . R o m p e r aos c ó d i g o s e m n o m e
meio l i b e r t á r i o m o d e r n o , a gente esquece, o q u ã o sociais s ã o as de q u ê ? R o m p e r p o r romper? A m o m e n t o s de intensa c r i a t i v i -
formas. N ã o estou defendendo isso, estou constatando até c o m dade e i n o v a ç ã o c o s t u m a m suceder certos p e r í o d o s de u m certo
certa melancolia, p o r q u e vejo isso n ã o apenas nas artes, vejo n o remanso f o r m a l p o r q u e exatamente o novo e p r o g r a m á t i c o se
c o m p o r t a m e n t o , na vida. Somos m u i t o mais c l á s s i c o s d o que a t r a n s f o r m a n o n o v o sistema. Isso aconteceu inclusive c o m a
gente i m a g i n a . poesia concreta, a coisa mais radical que apareceu na l i t e r a t u r a
Ouvinte: E u acredito que a q u e s t ã o c e n t r a l da criatividade brasileira, n o texto brasileiro, na segunda metade d o s é c u l o XX.
na poesia, e m termos da l í n g u a mesmo, da palavra, é que v o c ê H o j e , a l g u é m fazer u m poema concreto, c o m cara de poema
t e m u m a f o r m a p r o n t a e aprende nas escolas, nas escolas de concreto, é coisa previsível. N a realidade, a grande força de u m
poesia. E n t ã o , c o m o v o c ê v a i quebrar esta f o r m a e m favor da poema concreto, em 1956, era o fato de que ele era surpresa, n ã o
criatividade de u m a o u t r a f o r m a , de u m a que significaria u m a estava previsto na p r o g r a m a ç ã o . Que acontece se, de repente,
o u t r a p e r c e p ç ã o d o m u n d o , que é absolutamente social t a m - essa s u l j v e r s ã o agora e s t á i n c l u í d a d e n t r o da p r o g r a m a ç ã o ? D a í
b é m , naquele momento? Q u e b r a n d o u m a f o r m a , até que p o n t o v e m o u t r o m o m e n t o d i a l é t i c o , o u t r o t i p o de f u s ã o , m o m e n t o
v o c ê e s t á de fato criando u m a o u t r a forma? V o c ê pode cair na de s í n t e s e entre u m a coisa e o u t r a coisa. H o j e , p o r exemplo, eu
prosa, inclusive, e temos bons poetas que eu fico e m d ú v i d a se acho que e s t á s u r g i n d o na poesia brasileira u m a r e c u p e r a ç ã o
s ã o realmente poetas o u se fazem b e m u m poema e m prosa. de r i g o r , mas que n ã o se c o n f u n d e mais, p o r exemplo, c o m o
E u n ã o sei bem o que é isso, v o c ê e s t á percebendo o que estou r i g o r a c a d é m i c o antigo, é u m r i g o r que já passou p o r poesia
querendo dizer? concreta, p o r t u d o e e s t á recuperando isso, n u m m o m e n t o de
Paulo Leminski: Essa a m b i g u i d a d e é p r ó p r i a da p r ó p r i a ideia riqueza lá adiante.
de poesia, essa ambiguidade. Ouvinte: ( p e r g u n t a inaudível)...
Ouvinte: O q u ê ? Paulo Leminski: ...porque ela v i r a mercadoria. P r a m i m , o
Paulo Leminski: Essa ambiguidade é p r ó p r i a da poesia. c r i t é r i o é quando v i r o u mercadoria. E viável, agora n ã o repre-
Ouvinte: M i n h a q u e s t ã o é que eu acho que h á dificuldade senta, n ã o é o m á x i m o . A p a r t i r desse m o m e n t o , temos que
real n o m o m e n t o e m que v o c ê r o m p e c o m u m a f o r m a e m f u n - tocar pra diante, isso a í já é mapeado, esse t e r r i t ó r i o . E m b o r a

348 349
eu t a m b é m hoje n ã o tenha n e n h u m t i p o de preconceito e m
r e l a ç ã o a a l g u é m que realmente seja u m a r t e s ã o . U m b o m arte- ÉDIPO E A PAIXÃO
s ã o hoje é d i f i c í l i m o de encontrar, a l g u é m que realmente, e m
qualquer t e r r i t ó r i o da arte, n ã o e s t á a f i m de revolucionar m u i - Hélio Pellegrino
t o , faz seu p r o d u t o d e n t r o de quadros já meio p r e v i s í v e i s , mas
c o m u m a p e r f e i ç ã o f o r m a l c c o m acabamento, sem o que isso
que se chama c u l t u r a n ã o existe. C u l t u r a n ã o é s ó vanguarda.
D e p o i s há u m d i á l o g o entre essas formas já aceitas e as novas V a m o s falar de É d i p o , h e r ó i de u m a velha legenda tebana,
formas. Isso recupera o passado, porque o f u t u r o t e m isso de na q u a l se a p o i o u S ó f o c l e s para escrever sua t r a g é d i a i m o r -
m a r a v i l h o s o , ele recupera o passado, quer dizer, é o s u r g i m e n - tal, Édipo-Rei. É d i p o , f i l h o de L a i o e Jocasta, soberanos de
t o de u m Caetano Veloso que nos p e r m i t e o u v i r de verdade Tebas. A o casar-se c o m Jocasta, recebeu L a i o , de u m o r á c u l o ,
e c o m o que pela p r i m e i r a vez a voz de u m L a m a r t i n e Babo, UM) v e r e d i c t o t e r r í v e l . Seu f i l h o ú n i c o , que lhe nasceria do
de u m N o e l Rosa, de u m Ismael Silva, de u m A t a ú l f o Alves...
m a t r i m ó n i o , c o m e t e r i a p a r r i c í d i o e incesto, casando-se c o m
A s s i m , o ciclo se fecha, e o O u r o b o r o s , a serpente, m o r d e a
a mãe.
p r ó p r i a cauda. D e n t r o do computador, passado e f u t u r o aca-
A o nascer a c r i a n ç a , L a i o e Jocasta resolveram e l i m i n á - l a .
baram n u m G r a n d e Presente. O c o m p u t a d o r d e t é m o passado
i'ara t a n t o , entregaram-na a u m pastor de Tebas, para que a
enquanto m e m ó r i a . E c o n t é m o f u t u r o enquanto p r o g r a m a .
matasse. A q u i se pode perceber u m ú l t i m o sopro de piedade
N ã o há mais t e m p o . O t e m p o acabou. E n ã o apenas o t e m - em Jocasta. F o i ela q u e m e n t r e g o u o f i l h o ao pastor, incapaz
po deste nosso e n c o n t r o . de a s s a s s i n á - l o c o m as p r ó p r i a s m ã o s . O pastor, para c u m p r i r a
N o E t e r n o R e t o r n o , n o t e m p o c i r c u l a r do p ó s - m o d e r n o , s e n t e n ç a dos reis de que era s ú d i t o , dirigiu-se, c o m a c r i a n ç a ,
n ã o há mais lugar para a p a i x ã o . A p a i x ã o é o desejo p r o j e - para o m o n t e C i t e r o n . L á , t a m b é m apiedado, ao invés de m a t á -
tado para a frente. N ã o há mais nada lá na frente, apenas o la, f u r o u - l h e os p é s e, trespassando-os c o m u m a corda, amar-
Apocalipse. N ã o há mais frente. Nosso c o r a ç ã o e nossa i n t e l i - rou-a a u m a á r v o r e , para que as aves de rapina consumassem o
g ê n c i a t ê m que inventar, já e s t ã o inventando, a l g u m a coisa para i n i a n t i c í d i o . Nessa s i t u a ç ã o s i m b ó l i c a se p r e f i g u r a o destino de
colocar em lugar da p a i x ã o . N e m que seja a saudade da p a i x ã o . {'(lipo. Ele seria sempre o f i l h o a m a r r a d o à á r v o r e - m ã e , inca-
paz de nascer e de inventar seus c a m i n h o s . A t a d o , p r i s i o n e i r o ,
preso à m ã e pelo c o r d ã o u m b i l i c a l — essa pode ser a l e i t u r a
simb(')lica do pequeno infante dependurado n u m a á r v o r e , n o
monte C i t e r o n .
U m pastor de C o r i n t o , cidade v i z i n h a , ao passar p o r a l i ,
viu a c r i a n ç a enforcada pelos p é s e, apiedado, resgatou-a para
Ifvá la à cidade. Esse pastor c u m p r i u a f u n ç ã o do pai s i m b ó l i c o ,
cuia m e d i a ç ã o separa a c r i a n ç a da m ã e , pelo corte do c o r d ã o
i i n i l i i l u a l i]ue os une. A o c o r t a r a corda que prendia É d i p o ,
iniidnu seu destino e c o n t r a r i o u o veredicto t o d o - p o d e r o s o de
J i K .isia, (lue o condenara à m o r t e .
350
351

Você também pode gostar