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Metodologia do ensino de língua

portuguesa na educação do campo


Revista e Ampliada
UNIVERSIDADE FEDERAL DE RORAIMA - UFRR

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE RORAIMA

Metodologia do ensino de língua


portuguesa na educação do campo
Revista e Ampliada

Jairzinho Rabelo
Luzineth Rodrigues Martins
Organizadores

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Boa Vista - RR
2019
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Luzineth Rodrigues Martins
Coordenação de Curso
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Diagramação
Miquéias Ambrósio
Naiara Cardoso da Silva

Dados Internacionais de Catolagação na Publicação (CIP)


Biblioteca Central da Universidade Federal de Roraima
M593
Metodologia do ensino de língua portuguesa na educação
do Campo (Revista e ampliada) / Jairzinho Rabelo, Luzineth
Rodrigues Martins organizadores. - Boa Vista: Editora da UFRR,
2019. 197 p.: il.

Inclui bibliografias.
ISBN: 978-85-8288-085-2

1 - Língua portuguesa. 2 - Metodologia do Ensino. 3 - Educação no


campo. 4 -Formação de professores. I - Título. II - Rabelo, Jairzinho
(org.). III - Martins, Luzineth Rodrigurs (org.).

CDU - 373.3(1-22)

A exatidão das informações, conceitos e opiniões é


de exclusiva responsabilidade dos autores
SUMÁRIO

PREFÁCIO........................................................................................7
Evandro Ghedin

INTRODUÇÃO.............................................................................11

1 A História do Ensino da Língua Portuguesa


e seus desafios na Atualidade
Luzineth Rodrigues Martins
Jairzinho Rabelo...................................................................................17

2 Novos Olhares Sobre o Processo de


Compreensão Leitora
Luzineth Rodrigues Martins
Ana Aparecida Vieira de Moura............................................................49

3 O processo de Mediação da Escrita: Da


Leitura à Produção de Texto
Luzineth Rodrigues Martins
Luciana dos Reis da Silva....................................................................75

4 Possibilidades de Uso da Variação


Linguística em Atividades de Sala
de Aula da Educação do Campo
Jairzinho Rabelo
Luzineth Rodrigues Martins................................................................101

5 Pesquisa na Formação e na Prática do


Professor
Luzineth Rodrigues Martins................................................................121
6 Material Didático: Uso e Reflexão na
Construção do Conhecimento
Jairzinho Rabelo.................................................................................141

7 Metodologia e Planejamento: A Sequência


Didàtica no Ensino da Língua Portuguesa
Jairzinho Rabelo.................................................................................159

Considerações Finais...................................................195
PREFÁCIO

O conhecimento é nossa condição ontológica. Dele


deriva a possibilidade de sermos tudo que podemos inter-
pretar do que somos no mundo.
O advento da “virada linguística” marca um novo
momento em nossa ontologia e no modo como nos rela-
cionamos com o mundo. Essa relação é sempre mediada.
O que podemos saber de nós mesmos está limitado aos
instrumentos cognitivos (internos a nós) e objetivos.
A principal mediação que nos antecede e se perpetua
para além de nossas limitadas vidas mundanas é a Língua.
Uma língua é integradora do que somos, fomos e seremos.
Ela constitui o instrumento de nossa identidade e media-
dora de nossa relação com o mundo.
Essa relação transforma uma relação de subjetividade
em objetividade, pois “o mundo se divide em fatos”, mas
o próprio fato é divisível: “aquilo que acontece, o fato, é a
existência de fatos atômicos”. E os fatos atômicos são cons-
tituídos por objetos simples: estes são substancia do mundo.
“O fato atômico é uma combinação de objetos (entidades,
coisas)”. O objeto é simples. “Os objetos constituem a subs-
tancia do mundo, por isso não podem ser compostos”. “O
fixo, o consistente e o objeto são uma só coisa”. “O objeto é
fixo, o consistente; a configuração é o mutável, o instável”1.
Nessa lógica, à teoria da realidade corresponde a te-
oria da linguagem, que é uma representação projetória da
1
Wittgenstein, Ludowig. Tractatus logico-philosophicus.

7
realidade. Fazemos representações dos fatos e a represen-
tação é um modelo da realidade e o que a representação
deve ter em comum com a realidade para poder represen-
tá-la é a forma de representação.
A primeira vista não parece que a proposição seja
representação da realidade de que trata. Mas a notação
musical também não parece, à primeira vista, representa-
ção da música, assim como a nossa escritura fonética (ou
letras) também não parece uma representação da nossa
linguagem falada. No entanto, esses símbolos se revelam
representações daquilo que representam. Todas essas
relações estão naquela relação interior representativa que
se estabelece entre língua e mundo. O que é comum a to-
das essas coisas é a estrutura lógica.
Deste modo, o pensamento ou proposição represen-
ta ou espelha projetivamente a realidade. A cada elemento
constitutivo do real corresponde outro elemento no pen-
samento. A realidade consta de fatos que se resumem em
fatos atômicos, compostos por seu turno de objetos sim-
ples. Analogamente, a linguagem é formada de proposi-
ções complexas, que podem ser divididas em proposições
simples ou atômicas (elementares) não ulteriormente
divisíveis em outras proposições. Essas proposições ele-
mentares constituem o correspondente dos fatos atômicos.
São combinações de nomes, correspondentes aos objetos:
o nome significa o objeto. O objeto é o seu significado.
Portanto, não há significado descolado dos objetos
que lhe são correspondentes. Esse constitui um dos critérios
mais significativos para avaliar um programa científico.

8
Nesse sentido, desenvolve-se uma epistemologia da
correspondência entre linguagem, objeto e pensamento. O
real é concreto e pensado. Pensado porque concreto, con-
creto porque pensado. Assim há correspondência entre re-
alidade e abstração e esta não existe sem aquela.
O pensamento é constitutivo do real na mesma pro-
porção em que esta corresponde ao próprio pensamento.
Por essa razão, há a necessidade de dominar a Língua. Ter
domínio da Língua significa tomar posse de si. Ação que
não é possível sem a apropriação do mundo, que não se dá
sem propriedade de pensamento.
O conhecimento plano da Língua significa a posse
do mundo, o poder sobre ele. Não um poder de domínio
e de posse como queiram os modernos, especialmente os
cartesianos. Mas uma relação de conhecimento do mundo
como condição de interpretação compreensiva de nossa
condição de sujeitos que pertencem ao mundo. O mundo
que temos é o mundo que criamos pela linguagem e pela
Língua. Sem língua e linguagem não há mundo. O nosso
mundo depende da existência da língua e da linguagem
como condição de nosso ser.
É nesse sentido que se justifica o esforço que fazem
os autores para expressar a Metodologia do ensino da Língua
Portuguesa na Educação do Campo. Seu conteúdo expres-
sa profundo conhecimento desta nossa condição ontoló-
gica mediada pela Língua e pela Linguagem, condições
de nossa existência. Sem a língua para expressar nossos
sentimentos, emoções, medos, bravura, coragem, virtude,
verdade, amor não há nada disso em nosso mundo. O que

9
as tornam visíveis é a Língua. Nela encontra-se nossa con-
dição, nosso limite e toda nossa potencia. Esse é o sentido
mais profundo deste trabalho, pois faz existir o ser onde
antes havia o NADA. Isso parece matéria de alquimistas.
Parece mágico. Mas essa é justamente a magia de tudo
isso: onde havia o nada a Língua cria o SER.
O ser só existe em sua expressão. Ele só pode expri-
mir-se por meio da Língua e da linguagem. Portanto to-
mar posse delas é tomar posse de si, condição sem a qual
não existe autonomia e essa como condição para a cidada-
nia e a vida social.
Assim sendo, este é um trabalho da mais alta rele-
vância para a população do campo, pois à medida que lhe
dá posse da Língua, lhe permite a expressão de seu ser, de
sua voz, de seu grito. Rompe o silencio da opressão para
em seu lugar fazer emergir o ser da libertação.
Evandro Ghedin

10
INTRODUÇÃO

Promover discussões e reflexões sobre a educação


do campo é enveredar-se por um lócus repleto de desafios
e possibilidades, uma vez que o contexto desta educação
é extremamente rico como cenário de pesquisa, por isso
mesmo, um espaço multifacetado na condição de campo
de formação do professor. Ao mesmo tempo em que de-
manda grandes desafios, seja pela dificuldade de recursos
pedagógicos disponíveis nas escolas de campo, seja pela
necessidade de formação continuada atualizada, inerente
à profissão docente.
Cientes dessa realidade, o objetivo deste livro é for-
necer subsídios teórico-metodológicos para a disciplina
Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa na Educa-
ção do Campo, integrante do curso de Especialização em
Educação do Campo e suas metodologias de ensino, que
tem como desafio de pesquisa para essa disciplina “saber
com quais perspectivas teórico-epistemológicas opera-se
o ensino de Língua Portuguesa na educação do campo, e
como os valores linguísticos da população do campo são
considerados e valorizados neste ensino”.
Com essa perspectiva, o desafio que se propõe nes-
te livro e na disciplina referida é promover uma reflexão
sobre possibilidades de ensino na educação do campo que
sejam produtivas para os alunos, no sentido de que estes
se identifiquem e se reconheçam como sujeitos que estão
na escola com a finalidade de compreender a importância

11
do conhecimento escolar mas, sobretudo, que reconheçam
as competências linguísticas que já possuem e entendam
a necessidade de ampliá-las. Para tanto, utiliza-se funda-
mentos, metodologias e atividades que podem ser ade-
quadas à educação do campo, conforme a necessidade e
realidade de cada professor.
Nessa direção, esperamos dar aos alunos da disci-
plina Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa na
Educação do Campo condições de eles reconhecerem as
competências já desenvolvidas por seus alunos, em seu
convívio cotidiano, mas de reconhecerem, especialmente,
sua capacidade de mediação nas atividades de ensino pro-
postas aos alunos. Além disso, serem capazes de refletir
sobre suas práticas e, ao mesmo tempo, registrar essas re-
flexões em forma de trabalhos acadêmicos que possam ser
socializados com os colegas e demais professores.
A exemplo de uma situação de ensino nesse contexto,
reportamo-nos ao fato da existência de grande variação linguís-
tica produzida pelos sujeitos do campo, que devem chegar a
escola como possibilidade de reflexão e análise linguística do
valor social de determinados usos da língua. Lembramos o caso
do sujeito que produz a variação “mio” no lugar da palavra
milho, assim dicionarizada na língua portuguesa. O papel do
professor neste contexto é conhecer a teoria da variação linguís-
tica, acolher a fala do sujeito, discutir a produtividade dela no
convívio diário do aluno, e apresentar a ele a variante de maior
prestígio social, como aquela que se espera ser produzida por
um sujeito em contexto de escolarização. Com essa postura, o
professor cumpre o papel de mediador da aprendizagem do
aluno, ajudando-o a ampliar a sua capacidade comunicativa.

12
Sendo assim, a língua portuguesa ensinada na escola
deve ser aquela em uso nas mais diversas situações e con-
textos, em que os sujeitos a reconheçam como instrumento
de mediação do homem com o seu meio e, por isso mes-
mo, modifica-se de acordo com a situação de uso.
Imbuídos destes pressupostos, este livro está assim
organizado: no primeiro capítulo, com o título A história
do ensino da língua portuguesa e seus desafios na atualidade,
traz-se a discussão da história do ensino de língua por-
tuguesa, percorre-se um caminho de complexidade, por-
que a prática de ensino está imbricada no contexto social
em que o País se encontra. Nesse percurso, faz-se neces-
sária a reflexão sobre quem aprende, quem ensina, o que
se aprende, o que se ensina, como se aprende a ensinar e
como se ensina. Essa discussão conduz, portanto, a uma
análise dos sujeitos do ensinar e do aprender, e do contex-
to sociocultural em que estes estão submetidos.
Com o título Novos olhares sobre o processo de compreensão
leitora, o capítulo dois traz à baila discussões de forma que a
escola reconheça a prática da leitura e saiba de sua impor-
tância para a inserção social do sujeito. A escola ainda tem
encontrado dificuldades em assumir a leitura como uma ati-
vidade sistêmica, visto que essa prática exige do professor
não somente atuação mais eficaz em sala de aula, mas conhe-
cimento sistematizado de um conjunto de fundamentos que
constituem a prática pedagógica do ensino da leitura, isto é,
procedimentos didáticos e metodológicos que se harmoni-
zem em prol do desenvolvimento da leitura, delimitando, as-
sim, o papel do professor como o de mediador dessa prática.

13
Já o terceiro capítulo, O processo de mediação da escrita:
da leitura à produção de texto, apresenta um relato de expe-
riência com a mediação da escrita ocorrida durante o Está-
gio Supervisionado na Regência do Ensino Fundamental,
disciplina obrigatória do Curso de Letras da Universidade
Estadual de Roraima, realizado em uma turma do 8.º ano
do Ensino Fundamental, de uma escola da rede pública
estadual, da cidade de Boa Vista, capital de Roraima, sob
a supervisão da professora Luzineth Rodrigues Martins.
Uma proposta de compreensão da pesquisa pela prática.
Em Possibilidades de uso da variação linguística em ati-
vidades de sala de aula da educação do campo, o quarto capí-
tulo, faz-se um breve estudo sobre a variação linguística
visando ao entendimento das motivações para essa varia-
ção. Ao mesmo tempo propõe uma orientação de como
podemos entender a variação linguística produzida em
contextos de não monitoramento. Na sequência, faz-se
uma abordagem sociolinguística educacional sobre a va-
riação linguística no ensino, com a finalidade de mostrar
aos professores como podem eles assumir uma postura de
esclarecimento sobre as variações ocorridas nas falas dos
trabalhadores rurais ou dos filhos destes, com o fim de eli-
minar o preconceito linguístico.
Já no quinto capítulo, com o título Pesquisa na forma-
ção e na prática do professor, apresenta-se a relação intrínse-
ca entre ensino e pesquisa. Para tanto, defende-se a pes-
quisa como via de construção do letramento acadêmico,
em seguida, apresentam-se vivências com a pesquisa em
diversos momentos da formação de professor, com o pro-

14
pósito de mostrar como se torna esta aliada na produção
do conhecimento, na análise e no enfrentamento de ques-
tões da prática pedagógica.
O sexto capítulo, Material didático: uso e reflexão na cons-
trução do conhecimento discute o dilema do material didá-
tico de forma a compreender como e quando utilizarmos.
Além disso, faz reflexão sobre o professor e as possibilida-
des de uso de materiais diversificados no ensino de língua
portuguesa em busca de compreender o papel docente na
formação dos alunos. Como também, discute o uso crítico
do material didático e avalia seu uso e construção. Fecha-
-se com a apresentação da produção de material didático e
apresenta-se relato de construção de alguns deles.
Para fechar a discussão, trazemos no capítulo Meto-
dologia e planejamento: a sequência didática no ensino da língua
portuguesa a discussão sobre o ensino da língua materna
não como uma tarefa simples, pois ensinar envolve uma
série de questões, como quem ensina, quem aprende, o
que se ensina, o que se aprende, como se ensina, como se
aprende e tantas outras que se queira acrescentar.
Esperamos que a leitura desta obra seja significati-
va para a formação continuada dos alunos do Curso de
Especialização em Educação do Campo e suas metodolo-
gias de ensino e para os demais professores que sentirem
a necessidade de conhecer os fundamentos teóricos-meto-
dológicos do ensino de Língua Portuguesa na atualidade,
uma vez que a obra discute esses fundamentos e os situa
no ensino de modo geral, convocando os professores a in-
teragirem em seu contexto de ensino.

15
1 A História do Ensino da Língua Portuguesa
e seus desafios na Atualidade
Luzineth Rodrigues Martins
Jairzinho Rabelo

Introdução

Trazer à baila a discussão sobre a história do ensino


de Língua Portuguesa é percorrer um caminho de com-
plexidade, porque a prática de ensino está imbricada no
contexto social em que o país se encontra. Nesse percurso,
faz-se necessária a reflexão sobre quem aprende, quem en-
sina, o que se aprende, o que se ensina, como se aprende
a ensinar e como se ensina. É necessário, pois, discutir a
formação dos professores e a valorização do ato de ensinar
e do objeto do ensino. Essa discussão conduz, portanto,
a uma análise dos sujeitos do ensinar e do aprender e do
contexto sociocultural em que estes estão submetidos.
Propomos, então, uma discussão partindo de um
breve histórico do ensino, seguido de uma reflexão sobre
uma prática legitimada pela formação do professor, ques-
tão ampliada por uma análise das dificuldades da prática
de ensino voltada ao texto. Em seguida, faz-se uma defesa
da efetivação do ensino com o gênero nas aulas de língua
materna. Neste sentido, os professores do campo são con-
vidados a refletir sobre a sua realidade de ensino, conside-
rando as discussões aqui apontadas.

17
1.1 Um pouco da história do ensino de língua portuguesa

Compreender o percurso do ensino de Língua Por-


tuguesa implica o entendimento da história dessa língua,
uma vez que o ensino passa pelo movimento histórico, que,
como se sabe, é marcado pelo processo de colonização do
Brasil pela coroa portuguesa e de seus interesses mais emer-
gentes. O Quadro 1 mostra de forma cronológica os acon-
tecimentos que marcam a história do ensino dessa língua.
Como veremos no referido quadro, os movimentos
que orientam o ensino de língua portuguesa até o surgi-
mento dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) são
marcados por uma busca de entendimento por parte dos
professores e dos especialistas, que se dedicam a pensar o
ensino, sobre o melhor método, capaz de promover a me-
lhoria na qualidade da aprendizagem.

Quadro 1 – Linha do tempo do ensino de Língua Portuguesa no Brasil


LINHA DO TEMPO DO ENSINO DE LÍNGUA
PORTUGUESA NO BRASIL
Língua Portuguesa nas escolas. A intenção é transmitir o
conhecimento da norma culta da língua materna aos filhos das
classes mais abastadas
1800 A linguagem é vista como uma expressão do pensamento e
a capacidade de escrever é consequência do pensar. Na escola, os
textos literários são valorizados, e os regionalismos, ignorados

1850 A maneira unânime de ensinar a ler é o método sintético. As


letras, as sílabas e o valor sonoro das letras servem de ponto de
partida para o entendimento das palavras

18
1860 Desde os primeiros registros sobre o ensino da língua, a escrita
é vista independentemente da leitura e como uma habilidade
motora, que demanda treino e cópia do formato da letra por parte
do aprendiz

1876 O poeta João de Deus (1830-1896) lança a Cartilha Maternal.


Defende a palavração, modelo que mostra que o aprendizado
deve basear-se na análise de palavras inteiras. É um dos marcos de
criação do método analítico
1911 O método analítico torna-se obrigatório no ensino da
alfabetização no estado de São Paulo. A regra é válida até 1920,
quando a Reforma Sampaio Dória passa a garantir autonomia
didática aos professores
1920 Início de uma disputa acirrada entre os defensores dos
métodos analíticos e sintéticos. Alguns professores passam a
mesclar as ideias básicas defendidas até então, dando origem aos
métodos mistos
1930 O termo alfabetização é usado para determinar o processo inicial
de aprendizagem de leitura e escrita. Esta passa a ser considerada
um instrumento de linguagem e é ensinada com a leitura
1940 As primeiras edições das cartilhas Caminho Suave e Sodré são
lançadas nessa década, respeitando a técnica dos métodos mistos, e
marcam a aprendizagem de gerações
1970 A linguagem passa a ser vista como um instrumento de
comunicação. O aluno deve respeitar modelos para construir textos
e transmitir mensagens. Os gêneros não literários são incorporados
às aulas
1984 Lançamento do livro Psicogênese da Língua Escrita, de Emília
Ferreiro e Ana Teberosky. A concepção de linguagem é modificada
nessa década e influencia o ensino até hoje: o foco deveria estar na
interação das pessoas
1997 Publicados os PCNs pelo governo federal para todo o Ensino
Fundamental, defendendo as práticas sociais (interação) de
linguagem no ensino de Língua Portuguesa.

Fonte: Mortatti (2000).

19
Ensinar e aprender são duas questões com relações
intrínsecas permeadas por uma concepção ampla de sujei-
to, de papel das escolas e dos sujeitos que nela se encon-
tram, pois o que se faz no ato de ensinar é reflexo do modo
como se concebe a relação língua, ensino e sociedade. Os
Quadros 2, 3 e 4 detalham um pouco essa relação nas dé-
cadas de 1970, 1980 e 1990.

20
Quadro 2 – Panorama histórico do ensino de Língua Portuguesa
no Brasil na década de 1970
Concepção de Língua Diretriz de Ensino Foco do Ensino
Expressão ou tradução Chegada dos docu- Os estudos gramaticais – a par
do pensamento, isto é, a mentos escolares e dos estudos retóricos – são
capacidade do indivíduo de alguns manuais e aqueles que desenvolverão a
de organizar o seu pensa- livros didáticos, das técnica para falar e escrever
mento. Desse modo, usar ideias da linguística, bem e certo, estabelecendo
a língua portuguesa era o misturando concei- um íntimo diálogo com a vi-
mesmo que pensar e pen- tos estruturalistas e são positivista de mundo. As
sar certo. Seria utilizar a pós-estruturalistas regras no estudo escolar são
linguagem de modo cor- vistas como o modo de orga-
reto, seguir regras univer- Surgem as áreas de nizar o mundo, por meio da
sais (divisão, classificação comunicação e ex- obtenção da ordem, pode-se
e organização) pressão, englobando caminhar para o progresso
Língua Portuguesa,
A dicotomia saussureana Educação Física, A gramática escolar incide,
langue/parole ganha for- Arte, e Língua Es- principalmente, em exercí-
ça dos estudos linguísticos trangeira Moderna, cios estruturais de morfos-
na formação dos professo- sem, contudo, con- sintaxe frasal, na busca da
Década de 1970

res, mas nas escolas, como seguir, de fato, uma internalização inconsciente
na universidade, estuda- aproximação entre da norma culta (tomada
-se sobretudo, a langue, ou esses componentes como variedade de prestí-
seja, sistema estruturado curriculares gio e aquela que promove-
de signos, não a parole, a rá o cidadão)
manifestação individual Na prática, contudo,
da língua foram os vestibula- As regras possibilitam in-
res que se encarre- ternalizar um modo de fa-
Influenciada pelos ideais garam deorganizar zer (aplicação das regras)
de Jakobson, a escola irá o currículo. que será desenvolvido em
valorizar as funções da lin- circunstâncias sociais fora
guagem, preocupando-se Além disso, a for- do ambiente escolar, ou
em categorizar, estruturar mação do professor seja, o como e quando o
o para que o indivíduo começa a priorizar a falante faz uso das regras
utiliza a linguagem de quantidade forma- que aprende na escola não
acordo com quem a uti- da, e não a qualidade é preocupação da discipli-
liza, onde, quando, com docente. O salário da na Língua Portuguesa
quem, a fim de comunicar categoria docente co-
algo meçam a se achatar e Ler e escrever bem são as
as fórmulas prontas consequências do pensar, e
soam preferíveis a as propostas dos professo-
quaisquer escolhas res se baseavam na discus-
consciente dos pro- são sobre as características
fessores normativas da língua.

Fonte: Landeira (2012).

21
Quadro 3 – Panorama histórico do ensino de Língua Portuguesa
no Brasil na década de 1980
Concepção de Língua Diretriz de Ensino Foco do
Ensino
Surgimento dos Parâ- Teoricamente o estudo gramatical dá A década de
metros curriculares Na- vez à análise linguística – processo re- 1980, no que
cionais. Esse documento flexivo dos movimentos dos recursos diz respeito
definirá linguagem como lexical e gramaticais e da construção à documen-
espaço psicossocial em composicional de textos, considerando tação oficial,
que os indivíduos atuam, seu gênero discursivo, suporte, meio/ continua va-
constituem outros e se época de circulação e de interlocução lorizando a
constituem, ou seja, tra- (contexto) e relaciona-se com as ativida- autonomia
balho coletivo (discurso) des (ações) de leitura e escrita (reescrita) do professor
orientado para uma fina- e começa a
lidade em situação de uso O que se deseja é que o conhecimen- dar um es-
to e a reflexão das regras visem à ati- paço maior
O conceito é complexo, vidade (reais e contextualizadas) de ao texto
não imediatamente absor- recepção e produção
vido pelos professores, o A formação
que trouxe uma série de A área de Comunicação e Expressão docente con-
incompreensões e a oposi- é substituída pela área de Lingua- tinua prio-
ção “tradicional/ constru- gem, Códigos e suas Tecnologias, rizando a
Década de 1980

tivista” usualmente mal englobando as disciplinas Língua quantidade


interpretada e aplicada Portuguesa, Educação Física, Artes e e com os bai-
Língua Estrangeira Moderna xos salários
Nesse conceito de lingua- pagos à ca-
gem, contudo, todo discur- A Língua Espanhola ganha grande tegoria. Há
so manifesta-se por meio espaço no cenário educativo e se ini- uma fuga de
de textos e todo texto se ciam movimentos para, efetivamen- talentos na
organiza dentro de deter- te, aproximar as disciplinas entre si, área
minado gênero discursivo constituindo uma área. Tarefa na
qual ainda há muito a fazer A profissão
Os gêneros discursivos passa a ser
são elementos organiza- Merece consideração especial o espa- vista, por al-
dores do processo discur- ço dos estudos literários nesse cená- guns, como
sivo, ou seja, enunciados rio. A visão dominante na escola, era, um “bico”
relativamente estáveis até o surgimento dos PCN, de valo- que com-
caracterizados por: rizar a literatura no ensino médio plementa a
(chamado de 2.º grau), pelo prisma renda
a) conteúdo temático; histórico, centrado em relacionar ca-
b) construção composi- racterísticas de obra de característica Divulga-se a
cional de estilo de época. máxima que
c) estilo (recursos ex- “quem sabe
pressivos e marcas au- O Ensino Fundamental (chamado de faz, quem
torais 1.º grau), priorizava o prazer da leitu- não sabe, en-
ra, conforme visto em obras ditas pa- sina”.
raliterárias de forte cunho moralista
Fonte: Landeira (2012).

22
Quadro 4 – Panorama histórico do ensino de Língua Portuguesa
no Brasil na década de 1990
Concepção de Língua Diretriz de Ensino Foco do Ensino
As correntes acadêmicas avan- O ensino não é O foco é a análise dos
çaram e a proposta de Mikhail mais visto como textos, e não o ensino
Bakhtin (1895- 1975) chegou à uma sucessão de da gramática.
educação etapas, e sim um
processo contínuo. As situações didáti-
Bakhtin apresentou uma nova Desse modo, de- cas essenciais para o
concepção de linguagem, a senvolve compe- Ensino Fundamental
enunciativo-discursiva, que tências e habilida- passaram a ser: ler e
Década de 1990

considera o discurso uma prá- des diferentes ao ouvir a leitura do do-


tica social e uma forma de in- longo dos anos. cente, escrever, pro-
teração-tese que vigora até hoje duzir textos oralmen-
O aluno passou a te e fazer atividades
O contexto de produção dos ser visto como su- para desenvolver a
textos, as diferentes situações jeito ativo, e não linguagem oral, além
de comunicação, os gêneros, a um reprodutor de de enfrentar situa-
interpretação e a intenção de modelos, e atuante, ções de análise e re-
quem produz passaram a ser em vez de ser pas- flexão sobre a língua
peças-chave sivo, no momento e a sistematização de
de ler suas características e
Desse modo, a expressão não normas.
era mais vista como uma re-
presentação da realidade, mas
o esforço de quem produziu e
o impacto que terá no receptor
Fonte: Landeira (2012).

Conforme demonstram os Quadros 2, 3 e 4, o foco


do ensino na atualidade deveria ser o texto ou o gênero,
mas essa é uma realidade que ainda não ocorre na maioria
das escolas brasileiras. O que se tem ainda hoje são ações
isoladas, de professores com maior consciência do obje-
to do ensino de Língua Portuguesa, consequência de uma
formação mais atualizada e das condições externas propi-
ciadas a esses professores, que lhes permite pôr em prática
a formação obtida na universidade.

23
1.2 A formação recebida pelo professor torna legítimo o
trabalho com o gênero na sala de aula?

Hemais e Biasi-Rodrigues (2005) denominam o conjun-


to de textos recorrentes em um contexto discursivo como co-
munidade discursiva,1 denominada lócus social, que desen-
volve uma gama de gêneros falados e escritos para orientar e
monitorar os objetivos e as propostas de determinado grupo.
Para os membros dessa comunidade, os gêneros compõem
um sistema ou rede interativa, que tem a função adicional
de validar as atividades da comunidade fora de sua esfera.
É, pois, de se esperar que, na interação de uma comunidade
discursiva, o sujeito adquira conhecimentos que lhe possili-
tem interagir naquela comunidade e possa representar suas
práticas por meio da linguagem. Essa, no entanto, não é uma
lógica tão clara, pois como Figueiredo e Bonini (2006) eviden-
ciam na introduçao do seu texto Práticas discursivas e ensino do
texto acadêmico: concepções de alunos de mestrado sobre a escrita,
muitos alunos, embora já façam parte de um programa de
mestrado há algum tempo, mostram pouca (ou nenhuma)
familiaridade com a capacidade de utilização eficiente dos
gêneros do discurso científico.
A situação supracitada também acontece no univer-
so docente. O professor está tentando entender o como
fazer, como sistematizar e como tornar o uso do gênero
possível na sala de aula. A falta de trabalho com os gêne-
ros na escola, contudo, não é somente uma questão de sis-
tematização de procedimentos, pois, se assim fosse, esse
Para mais esclarecimentos sobre esse tema, ver Biasi-Rodrigues,
1

Araújo e Sousa (2009).

24
problema já estaria solucionado, considerando que há na
literatura obras destinadas a esse enfoque metodológico
em formatos diversos.
A questão é compreender que o trabalho com os gê-
neros não é simplesmente uma opção de metodologia de
ensino, mas o resultado da concepção de língua como uma
prática social, e entendê-la assim é entender que as diver-
sas situações discursivas realizadas pelos sujeitos são or-
ganizadas em forma de gênero, que representa o modo
como esses sujeitos interagem, ou seja, um modo de ex-
pressão do dizer que se materializa pelo texto. Neste caso,
a metodologia de ensino de gêneros é reflexo da concep-
ção de língua, e não uma mera opção de ensino.
Durante anos, a educação concentrou-se em como
ensinar e deixou em segundo plano o aprender. Com in-
fluência dos estudos interacionistas, fica clara a necessi-
dade de a escola, por conseguinte, o professor, olhar para
o processo pedagógico de outra maneira. É importante
entender como os alunos desenvolvem sua aprendizagem
para propor um ensino que possa promovê-la.
É necessária a compreensão de que o conhecimento
não é concebido como uma cópia do real, incorporado dire-
tamente pelo sujeito; pressupõe uma atividade que ocorre
à medida que o indivíduo recebe os conhecimentos, orga-
niza-os e os integra aos já existentes. O aprendiz só se tor-
na sujeito protagonista de seu processo de aprendizagem
quando transforma as informações que recebeu em conhe-
cimento próprio e passa por um processo de reorganização
desse conhecimento. Desse modo, para que a aprendiza-

25
gem ocorra, é necessário um sujeito ativo, que dê sentido
às informações disponíveis, acionando os diversos conheci-
mentos em busca de recursos suficientes para avançar.
Em se tratando de conhecimento sobre a língua, Co-
roa (2003) destaca três formas de entendê-la: 1) concepção
de língua como estrutura, cuja ênfase dá-se na estrutu-
ra morfológica e sintática; 2) concepção de língua como
comunicação, com ênfase na mensagem constituída pela
sentença; 3) concepção de língua como interação ou atua-
ção social, cuja evidência dá-se na unidade do texto.
Nessa última perspectiva, o professor precisa enten-
dê-la como uma atividade interacional eminentemente
humana, que ocorre em contextos sociais reais, de forma
colaborativa, em que o indivíduo atua e se constrói na re-
lação com o outro. Tal concepção reconhece como sujeito
ativo aquele que, nas suas relações interacionais, realiza
um trabalho resultado da exploração dos recursos da lín-
gua postos à sua disposição como falante.
Essa concepção de língua deve atender ao propósi-
to de possibilitar a construção dos discursos sociais, como
instrumento de ação da sociedade, portanto mecanismo
social para atender aos mais diversos propósitos dos sujei-
tos, a depender da necessidade e do contexto de interação.
Sendo assim, o papel do professor é de extrema responsa-
bilidade, pois ele deverá criar situações que permitam ao
aluno vivenciar os usos sociais da linguagem, de acordo
com os diferentes contextos discursivos.
Desse modo, a inclusão de uma abordagem mais
atualizada sobre os estudos linguísticos, especialmente

26
nos cursos de Letras, tem sido defendida por muitos espe-
cialistas, considerando o avanço significativo dessas abor-
dagens nos estudos da linguagem nas últimas décadas.
Ilari (1997, p. 16-17) defende a difusão dos estudos
da linguística moderna nos cursos de formação por várias
razões, entre elas, está a de que ela traz aos professores
que lidam com o ensino de língua portuguesa um suporte
teórico que os ajudará na compreensão do fenômeno glo-
bal da linguagem, e não somente em uma única face da
língua. O autor considera que a linguística:
1. introduz na formação do professor um elemento
formativo porque o ajuda a avaliar as potenciali-
dades e as limitações que caracterizam a expres-
são e a comunicação dos seus alunos;
2. ajuda-o a fixar os objetivos viáveis e possibilitar o
exame crítico dos recursos didáticos que a indús-
tria editorial proporciona;
3. ajuda também a desautomatizar a visão corren-
te dos fatos da língua, bem como proporciona a
oportunidade de método da investigação próprio
das ciências naturais.
4. suscita a todo momento contraste entre cultura
dominante e culturas relegadas entre o material
didático e o “didatizado”.

A relevância dos estudos linguísticos, especialmente


aqueles que se voltam à questão discursiva da língua, resi-
de no fato de que tais abordagens se voltam não somente
para as questões gramaticais e formas textuais; ultrapas-

27
sam essa visão para um olhar sobre o texto na observância
da materialidade linguística e textual, e dos processos dis-
cursivos envolvidos.
As abordagens das teorias do texto e dos discursos
para o ensino da língua materna revelam a compreen-
são do que ocorre no processamento textual, mostrando
a linguagem como a capacidade humana de simbolizar
e de realizar ações também simbólicas, que é própria do
arcabouço teórico das abordagens sociointeracionistas da
aprendizagem e do desenvolvimento da psicologia vi-
gotskyana (MATÊNCIO, 2001). Essas abordagens ajuda-
rão o professor a compreender a dinamicidade da língua
e a assumi-la como prática social interativa, e subsidia a
formação do professor de língua materna tanto do ponto
de vista dos aspectos psicológicos quanto dos aspectos te-
óricos e metodológicos do ensino.
Também a formação sociolinguística do professor o
ajuda a compreender as condições em que as ações de lin-
guagem são produzidas pelos falantes. Mollica (2009, p. 32)
destaca a emergência desses conhecimentos na formação
do professor, como fundamentos para a compreensão “de
traços sociolinguísticos na leitura, na escrita de gêneros e
nos estilos formais”. Não é por acaso, pois, que a inclusão
de abordagens mais atualizadas sobre os estudos linguísti-
cos nos cursos de Letras tem sido defendida por muitos es-
pecialistas. Vejamos o que diz Coroa (2002) a esse respeito:

A formação de um professor apto a transitar


pelos espaços teóricos previstos nos PCNs
deve visar a um profissional capaz de
trabalhar com o discurso – como alvo – e no

28
discurso – como caminho; deve se instaurar
na dialética entre a formação técnica e a
formação ideológica, pois não basta ao
condutor do processo pedagógico conhecer
as bases teóricas de uma abordagem
discursiva, é necessário, sobretudo, querer
e saber se situar como um dos sujeitos dos
discursos que constituem e são constituídos
no espaço escolar. (COROA, 2002, p. 5,
grifos da autora).

A formação é, portanto, uma grande aliada do pro-


fessor na condução de um ensino que tenha como finali-
dade desenvolver competências e habilidades dos alunos.

1.3 Uma análise do que ainda ocorre no ensino de língua


portuguesa nas escolas: a ação do professor diante do texto

Nas instâncias pedagógicas e nos ambientes acadêmi-


cos, a discussão a respeito do ensino da língua materna tem
ocupado muitos especialistas, que não se furtam a considerar
a complexidade dessa atividade em razão das circunstâncias
que envolvem a docência. Ciente desse fato, faremos aqui
um recorte para discutir o ensino da língua materna enfa-
tizando a mediação do professor com os objetos de ensino.
Começamos recorrendo a Matêncio (2001) para a ca-
racterização desse ensino.

Para que se tenha a noção do que é a


língua materna, deve-se ter em mente não
apenas a variação encontrada nas práticas
e atividades discursivas dos diversos
grupos sociais como também o fato de
a materialidade textual ser indicativa

29
dos diferentes modos de apropriação da
realidade, que atualizados nas formas de
interação desse grupo, pela internalização
de recursos linguísticos e mobilização
de estratégias igualmente linguísticas,
produzem a tessitura de seus textos. É
nesse sentido, pois, que se pode dizer que
uma língua nacional se constitui pelos usos
linguísticos que constituem uma realidade
e se materializa pelos usos linguísticos
que constituem os textos e os discursos
produzidos em diferentes instituições.
(MATÊNCIO, 2001, p. 5).

Desse ponto de vista, ensinar a língua materna é en-


sinar os diferentes modos de interação verbal produzidos
nos diversos ambientes discursivos e suas características
linguísticas e interacionais. Dito de outro modo, significa
assumir o gênero como o objeto global do ensino, quando
o objetivo é o desenvolvimento da competência escrita.
Em defesa desse pensamento, muitos argumentos
são apresentados, entre eles, está o fato de o gênero poder
ser assumido como o lugar das correlações sociais, possi-
bilitando discussão de vários aspectos que favorecem as
práticas de letramento. Destacamos a defesa apresenta-
da por Dionísio, Machado e Bezerra (2010), Nascimento
(2009) e Schneuwly e Dolz (2010), que comungam a ideia
do gênero como o megainstrumento de ensino. Apesar
dos muitos argumentos apresentados na literatura atual
e da orientação contida nas Diretrizes Nacionais, o ensino
do gênero ainda é um grande desafio.
A ação do professor diante do texto na sala de aula
pode ocorrer em várias perspectivas e formas, dependen-

30
do de suas condições. Um trabalho de compreensão do
texto implica uma ação complexa, porque muitos pontos
de vista podem ser lançados a ele, de modo a atender aos
vários objetivos que se deseja. Uma ação necessária, no en-
tanto, é a observação da linguagem e do conteúdo comuni-
cativo do texto. Assim, discutir a função social do gênero
e as ações de linguagem nele produzidas, em atendimento
à situação discursiva em que o sujeito está envolvido, é a
condição para que o texto seja compreendido.
Em termos metodológicos, o professor precisa apon-
tar o universo de referência (ANTUNES, 2010) para a aná-
lise que deseja fazer com seus alunos, pois eles precisarão
ter a consciência de quais dimensões serão abordadas no
trabalho de análise. O professor pode selecionar a dimen-
são discursiva do texto, aquela que responde à pertinên-
cia em razão da situação comunicativa e sua eficácia no
contexto discursivo, e a dimensão de construção do texto,
onde residem as escolhas do sistema linguístico-discursi-
vo. Pode ainda selecionar a dimensão informacional, que
responde à análise do nível comunicativo do texto.
Essa ação analítica torna-se um grande subsídio à
produção escrita do aluno, porque direciona o olhar para
o fazer interacional por meio da linguagem. Esse trabalho
é fundamental para que o discente adquira subsídios ne-
cessários à produção textual.
Para exemplificar as dificuldades que ainda perduram
no ensino com o texto, Martins (2012) apresenta um proto-
colo verbal de sala de aula, produzido para a tese de dou-
torado, cujo tema aproxima-se com o que se discute aqui.
Vejamos como o texto é trabalhado nesse evento.

31
Fragmento 04 – Protocolo 072
Evento: Leitura de texto

A professora entra na sala e os alunos que ali se encon-


tram estão bastante dispersos, enquanto os outros vão
chegando.
[...]
(5) P: W, amor, começa a ler pra gente, por favor?
(6) A3: A primeira questão ou o texto.
(7) P: Só o texto. O aluno lê o texto, mas a professora o
corrigiu quase sempre, por errar as palavras. Os alunos
também corrigiram.(8) P: Até aí, ok. Uma mulher que
fica olhando em cima do muro, espiando o morango do
vizinho. Aí puxou uma conversa, dizendo que o moran-
go tava bonito, disse aquilo pra ver se ele oferecia. Ele
não ofereceu e ela, pediu pra ela, né? Pediu.
(9) A4: Cara de pau.
(10) P: É, cara de pau, pediu mesmo. E aí, o que ele fez?
Pegou e mudou de assunto. Disse: eu preciso sair porque
vou trabalhar. Num foi? Aí? Continua.
O aluno continua lendo o texto (Muitos ruídos). Profes-
sora continua ajudando.
(11) P: Tá, ele foi trabalhar, voltou de noite, [...] Só que
ele viu que não podia comer. Vamos ver o porquê que
não podia comer.(O aluno continua lendo).
(12) P: Tá, aí começou a falar de uma certa companheira
dele, falando mal, que era isso, aquilo e tal.
(13) A3: Que era sebosa.
(14) P: Tá, sebosa.
(15) E ainda reclamava que ele ganhava pouco. Aí? Con-
tinua aí. O aluno lê.
(16) P: E aí?
(17) A3: E aí que num entendi nada desse texto! (Risadas)
(18) P: Alguém entendeu?
(19) A4: (? )
(20) P: Enterraram no jardim. E aí?

2
Cf. MARTINS, 2012, p. 55.

32
(21) A3: Fala de novo que eu num entendi não, professo-
ra. (22) P: Ele teve a gentil ideia de plantar os morangos
depois que a enterraram no jardim. (23) A3: Ah tá, mata-
ram a mulher, enterraram ela no jardim e plantaram os
morangos em cima da catacumba.
(24) P: Aí os morangos nasceram, só que não podia co-
mer porque a mulher tava enterrada lá.
(25) A3: Com o adubo da mulher.
(26) P: Só que não diz se ele matou, não diz se ela morreu
de morte matada ou morrida, não diz nada. Diz que ela
morreu e foi enterrada lá. Agora, subentende-se que ele
a matou.
(27) A3: Ele pagou alguém pra matar ela.
(28) P: Como se o salário dela era pouco?
(29) A3: Mas ele a matou.
Os alunos falam ao mesmo tempo.
(30) P: Bora ao que interessa.
(31) A3:Bora.
(32) P: Na frase, [...] a palavra seu é um pronome posses-
sivo, certo?
(33) TA: Certo
(34) P: Aponte uma frase do texto em que o seu tenha
sido usado como um pronome de tratamento
[...]
(42) P: Retire do texto uma frase em que esse pronome de
tra tamento para apareça na sua forma culta.
(43) A5: Senhor ( ?)
[....]
(50) P: Como que eu vou colocar o seu na forma culta
de pronome de tratamento? Quais são os pronomes de
tratamento?

O texto lido foi retirado do livro didático de Ernani


Terra e José de Nicola (2000, p. 26 apud MARTINS, 2012,
p. 55) e apresentado como exercício de fixação. A professo-
ra escreveu esse texto no quadro na aula anterior à leitura.

33
Duas questões relativas a esse momento merecem
reflexão. A primeira delas é o fato de que a cópia do texto
durou o tempo de uma aula inteira, tempo didático que
poderia ser melhor aproveitado com discussões sobre con-
textos e usos da língua no texto. Poderia ser utilizado para
o estudo do texto, considerando que, conforme vimos no
Fragmento 04, Protocolo 07, a professora não dispensou
tempo suficiente para alguns alunos entenderem a infor-
mação implícita do texto: a morte da suposta esposa do
personagem que dialogava com a vizinha.
A segunda questão refere-se à habilidade leitora
do aluno. O sujeito leitor revelou pouca desenvoltura na
leitura, pela dificuldade de pronunciar corretamente al-
gumas palavras do texto, necessitando assim da colabo-
ração de seus colegas e da professora. Expôs seu baixo ní-
vel de leitura quando, ao terminar de ler o texto, afirmou
não tê-lo entendido.
Sabemos que os alunos com baixa proficiência de lei-
tura têm mais dificuldades de compreensão textual por-
que acabam dispensando grande esforço cognitivo no pri-
meiro momento da leitura, fato que compromete a etapa
seguinte, a da compreensão. Eles dispensam muito de sua
concentração ao processo de pronúncia do léxico do texto,
de percepção da organização sintático-estrutural das ora-
ções e da organização discursiva, marcada pela pontuação
do texto, restando pouca energia e capacidade cognitiva
para a compreensão leitora, mas não podemos aqui alon-
gar esse tema, remetemos à leitura de Moura e Martins
(2012). As autoras destacam a necessidade de o professor

34
considerar a leitura uma fonte de interação e de produção
de conhecimentos, centrada em uma metodologia de me-
diação que visa a desenvolver no aluno habilidades cog-
nitivas e metacognitivas, proporcionando, assim, o desen-
volvimento da competência discursiva.
No que tange à mediação da leitura, o estudo do
texto, por meio da análise da situação discursiva que o
suscitou, é um recurso didático favorável à construção da
competência discursiva, uma vez que essa ação permite ao
aluno ir aprendendo, com a leitura do texto, os modos de
agir pela linguagem. Ação que será complementada quan-
do ele tiver a oportunidade de tornar-se também leitor crí-
tico do seu texto.
A respeito da seleção de aspectos para a análise tex-
tual, Antunes (2010, p. 45) diz que precisamos considerar
que as dificuldades apresentadas na análise de texto são
naturais “porque a tarefa de ‘analisar’ implica ‘separar os
elementos’ de um conjunto, e, em um texto, nada é total-
mente separável”. Lembra ainda:
Grosso modo, podemos dizer que tudo
pode ser analisado em textos. De fato, neles
toda a língua, em suas múltiplas dimensões
pode estar presente. Evidentemente, um
determinado texto não abarca todos os fatos
linguísticos e todos os aspectos responsáveis
por sua funcionalidade sociointerativa.
Contudo – repito – os textos são o campo
natural para a análise de todos os fenômenos
da comunicação humana. Neles é que os
aspectos da produção e da recepção de
nossas atuações verbais se tornam acessíveis
à observação. (ANTUNES, 2010 p. 55).

35
A ação da professora, descrita no fragmento anterior,
ficou distante dessa perspectiva, pois o texto foi utilizado
como pretexto para o trabalho gramatical. A ação ocorrida
durante a leitura limitou-se a comentários da professora
sobre algumas ações dos personagens, e quando os alunos
tentaram compreender o homicídio citado no texto, ela
iniciou o exercício de gramática, não permitindo nenhum
diálogo sobre a questão. Apenas explicitou o motivo dos
morangos não poderem ser consumidos.
Nas falas: “Retire do texto uma frase em que esse
pronome de tratamento agora apareça na sua forma cul-
ta” e “Como que eu vou colocar o seu na forma culta de
pronome de tratamento?”, a professora não considerou as
condições de interação em que o pronome seu apresentou-
-se no texto. Assumiu como foco da aula apenas o aspecto
morfossintático da língua. No primeiro enunciado “O se-
nhor não colhe, seu Agenor? Estão no ponto”, o pronome
seu já havia sido usado, no início da oração, na forma de
pronome de tratamento mais formal. Assim, a escolha fei-
ta pelo sujeito produtor do texto pode indicar o uso de
uma variante de mesmo valor, como estratégia de não re-
petição de item lexical; mas o foco do evento não permitiu
uma discussão a esse respeito.
O evento parece revelar também uma compreensão
equivocada sobre o uso do texto na sala de aula, pois ele é
levado à sala para iniciar o trabalho com a gramática, mas-
carando, assim, sua finalidade como produto de uma ação
social de uso da língua. Também destaca que a concepção
de ensino assumida pela professora é de transmissão/co-

36
municação de conhecimentos gramaticais, e não de uma
atividade de mediação da aprendizagem dos alunos que
tem na interação a via de promoção dessa aprendizagem.

1.4 Em busca da efetivação do ensino com o gênero


discursivo

Há muitos anos, os estudos linguísticos procuram subsi-


diar a formação do professor para o desenvolvimento de uma
prática de ensino voltada não somente ao discurso oficial do
ensino da língua, mas, sobretudo, à necessidade de inserção
dos alunos nas práticas sociodiscursivas. Esses estudos pau-
tam-se, segundo Neves (2003), nos dois marcos de alteração
da história do uso e ensino da gramática, promovidos pelo de-
senvolvimento da ciência da linguística, quais sejam:

1. O aparecimento dos estudos


variacionistas (sociolinguística) que
passaram a vincular padrões a usos,
usos a registros, registros a eficácia,
com isso obtendo reverter a avaliação,
no campo da atuação linguística, de
diferença, como possível deficiência,
para diferença, como garantia de
eficiência de comunicação.

2. O desenvolvimento dos estudos sobre


a oralidade (análise da conversação),
que perpassam a relativizar ao padrão
e a vincular escolha de padrão a
modalidade de língua, especialmente
no sentido de satisfação das necessidades
ditadas pelas características particulares
de cada situação, portanto, no sentido
de obtenção de adequação. (NEVES,
2003, p. 34, grifos da autora).

37
Considerando a necessidade de incorporação desses
conhecimentos no ensino da língua materna, Neves (2010)
discute a necessidade de o professor transformar a aula de
gramática em espaço de observação da funcionalidade da
língua, por meio de atividades que visem ao estudo da lín-
gua e da linguagem empregada pelos sujeitos nas diversas
situações de uso.
Também autores como Antunes (2007), Bagno (2001,
2004, 2011) e Silva (2003) têm discutido a necessidade de o
professor ultrapassar a visão restrita da língua, que se faz
pelo ensino da gramática, seja ela normativa, seja descritiva.
Antunes (2007) orienta o ensino da língua por meio
de uma perspectiva que vá além da gramática, conside-
rando que esta representa apenas as normas da língua. A
autora nos complementa pela discussão que faz em seu
livro Muito além da gramática. Entre outros esclarecimen-
tos, ela lembra que ensinar a língua materna vai além do
ensino da gramática, pois esta é somente um dos aspectos
da língua, além do léxico, da composição do texto e da si-
tuação discursiva que promove o uso da língua.
Em complementação a esse ponto de vista, Bagno
(2001) tem orientado o ensino da norma-padrão em um mo-
delo comparativo entre o que prevê a gramática tradicional
e o que é contemplado na fala dos brasileiros. Afirma:
[...] ensinar a norma-padrão não quer dizer
simplesmente levar o aluno a conhecer
todas as regras, a familiarizar-se com elas,
a fazer ele saber aplicá-las com precisão e
adequação. É muito mais do que isso, na
minha proposta. Defendo um ensino crítico
da norma-padrão. E para empreender essa

38
crítica, é necessário despejar sobre o pano
de fundo homogêneo do cânon linguístico
da heterogeneidade da língua realmente
usada. Para tanto, a escola deve dar
espaço ao máximo possível de manifestações
linguísticas, concretizadas no maior número
possível de gêneros textuais e de variedades
de línguas: rurais, urbanas, orais, escritas,
formais, informais, cultas, não-cultas etc.
Proponho como Matos e Silva (1995:37)
‘uma pedagogia voltada para o todo da
língua e não para algumas de suas formas’.
(BAGNO, 2001, p. 156-157, grifos do autor).

Bagno, ao referir-se a esse todo da língua, diz que a esco-


la deve ensinar não somente algumas das formas linguísticas
de prestígio, isto é, as socialmente reconhecidas, mas todas as
variedades de uso da língua. Esclarece que essa abordagem
de ensino ajudará o aluno a refletir sobre a língua e

a ter consciência de que sabe falar a língua


que fala todo dia, mas que precisa saber
mais sobre ela e sobre outras formas de
expressar-se nessa língua e, além disso, que
esse saber pode crescer com ele por toda a
vida. (BAGNO, 2001, p. 37).

Sob o tratamento dado à gramática, Possenti (2006)


defende-o como um recurso para o aluno galgar novos
modos de uso da língua, aquela socialmente prestigia-
da, para ampliar a competência discursiva dele. Martins
e Moura (2014) também discutem o ensino da gramática
na escola. Pelo viés da sociolinguística educacional, tra-
tam o caráter didático reflexivo no âmbito da sala de aula,
com a ideia de apresentar uma abordagem de ensino que
permita ao aluno entender melhor nossa língua e seu uso,

39
utilizar com proficiência a variedade padrão do português
quando necessário e, ao mesmo tempo, permita ao pro-
fessor assumir um ensino efetivamente mais próximo da
realidade linguística brasileira.
Essas posturas e orientações didáticas para o ensino
da língua materna convergem para o entendimento de que
as normas gramaticais da língua não podem ser isoladas
da situação discursiva que suscitou o seu uso.
Em sua pesquisa de doutorado, Martins (2012) ana-
lisou em um grupo focal, a compreensão dos professores
a respeito do ensino com o gênero. A esse respeito, os
professores acreditam que é necessário mudar o foco do
ensino da gramática para o gênero, mas revelam suas li-
mitações, mesmo quem disse já ter alguma experiência de
ensino com o gênero, caso citado a seguir.

Evento: Grupo Focal – Protocolo 193


[...]
(27) C7: Eu não acho ruim e não tenho dificuldade em
trabalhar com o gênero não. Mas assim, quando você
entra numa sala de aula hoje e a visão é a nota, fica difícil
realmente fazer com que eles queiram aprender. Mas eu
acho que tudo é questão de contexto, professora [...]. Pra
mim é complicado assim. Como é que eu vou trabalhar
só gênero na sala de aula, né? Aí eu acho difícil, [...] fica
difícil você trabalhar em muitas salas a produção de texto.

Como vimos, a professora em um primeiro momen-


to declara sentir-se bem com a proposta de gênero, mas
em seguida revela sua falta de compreensão, mostrando
3
Cf.: MARTINS, 2012, p. 141.

40
que o gênero não é entendido como um modo de agir pela
linguagem, que congrega questões de natureza diversa.
Outro aspecto igualmente preocupante para os pro-
fessores é a seleção e a progressão dos gêneros, nas vá-
rias etapas da escolarização básica, questão abordada pela
mesma professora.

Evento: Grupo Focal – Protocolo 194


[....]
(30) C7: Mas aí eu pergunto a questão da sequência
didática no ensino médio. Por exemplo, eu tenho salas de
primeiro ano, de segundo ano, aí eu aplico no primeiro
e no segundo ano, e as dificuldades geralmente são as
mesmas, então não tem sequência didática?
(31) P: ...
(32) C7: Quer dizer assim, em relação ao primeiro ano,
segundo ano e terceiro ano? É em relação a isso.
(33) P: Você tá falando de quais gêneros escolher?
(34) C7: Não. Gêneros pra mim pode ser qualquer um
né? Qualquer um pode ser utilizado. Tô dizendo assim,
que sequência didática se dá? Por exemplo, eu trabalho
gênero esse ano, aí ano que vem tem o segundo ano, e
eu trabalho de novo o gênero, e terceiro ano novamente.
Então, como vai ser a documentação disso? Primeiro,
segundo e terceiro o mesmo assunto?
(35) P: Não.
(36) C7: A minha dúvida é essa.
(37) P: Você está falando do programa do ensino com
gêneros, né?
(38) C7: [...] Pela sequência lógica, se existe. Quinta,
sexta série existe uma sequência.
(39) P: Você tá falando de programa.

4
Cf. MARTINS, 2012, p. 141

41
Esta é uma questão bastante inquietante nos estudos
dos gêneros, apesar de encontrarmos na literatura contri-
buições a esse respeito. Antunes (2009) apresenta um es-
boço de proposta para o ensino com os gêneros nas sé-
ries iniciais do Ensino Fundamental, e Schneuwly e Dolz
(2010) sistematizam metodologicamente uma proposta
provisória de gêneros partindo de cinco agrupamentos
que abrangem os domínios sociais de comunicação, os as-
pectos tipológicos e as capacidades de linguagem domi-
nantes, com os respectivos exemplos.

Quadro 5 – Proposta provisória de agrupamento de gêneros


AGRUPAMENTO CICLO
1.º e 2.º 3.º e 4.º 5.º e 6.º 7.º, 8.º e
9.º
-O conto -O conto do -A paródia de
Narrar -O livro para mavilhoso porquê e do conto
completar -A narrativa como -A narrativa
de aventura -A narrativa de de ficção
aventura -A novela
fantástica

-O -A nota

-O relato de testemunho biográfica


Relatar xperiência de uma -A notícia -A
vivida experiência reportagem
vivida radiofônica

-A carta de -A carta de -A petição


-A carta de resposta ao leitor -A nota
Argumentar solici- leitor -Apresentação crítica de
tação -O deromance leitura
debate regrado -O ponto de
vista
-O debate
público

42
-A
-Como -Exposição apresentação
Transmitir funciona? -O artigo escrita à nota de
conhecimentos Apresentação ciclopédico de síntese documentos
deum -A entrevista -A exposição -O relatório
brinquedo radiofônica oral científico
e de seu -A exposição
funcionamento oral à
Entrevista
radiofônica

R e g u l a r -A receita de -A descrição -As regras do


comportamentos cozinha de um jogo
itinerário

Fonte: Schneuwly e Dolz (2010,106).

A orientação dada pelos autores à seleção e à pro-


gressão dos gêneros é que, em cada fase escolar, devemos
contemplar alguns gêneros de cada um dos agrupamen-
tos, de modo a atender a princípios didático-pedagógicos,
psicológicos e sociais conforme objetivos, interesses e fina-
lidades do processo de ensino.
O professor pode fazer as adaptações necessárias à
realidade dos alunos. O importante é contemplar os agru-
pamentos para poder possibilitar aos alunos aquisição das
competências inerentes a cada capacidade de linguagem.
A mediação do professor, nesse sentido, ajuda o alu-
no a compreender melhor a prática do campo discursivo
do texto, ação que colabora no entendimento do modo
como os sujeitos produzem suas interações por meio da
linguagem. Essa ação torna-se objeto de estudo quando
discutimos o texto como produto de interação social, que
reflete lugares e intenções de quem o produz.
Também é necessário discutir as finalidades do
agir pedagógico pautado por princípios que sistemati-

43
zam a ação do professor: a legitimidade do ensino, a
pertinência e a solidificação dos saberes escolares na
sua relação com o contexto sociodiscursivo dos alunos
(SCHNEUWLY; DOLZ, 2010).
Diante do exposto, estamos cientes de que outros
aspectos podem e devem ser acrescentados, assim como
temos consciência também de que a prática cotidiana des-
sa perspectiva de trabalho docente precisa ser construída
em processos de formação, e assumidos na sala de aula.
Também parece ser questão fulcral incluir o trabalho de
mediação na proposta escolar para que a ação do profes-
sor seja mais viável.

1.5 Considerações finais

Como vimos, discutir o ensino sob qualquer que seja a


perspectiva é enveredar-se por um caminho de muitas nuan-
ces, que obriga necessariamente uma discussão sobre a relação
formação e prática do professor. Esses dois eixos são realmen-
te o que define a melhoria da relação ensino-aprendizagem.
Neste texto iniciamos com um breve histórico com
a finalidade de provocar nos leitores a compreensão das
ações dos sujeitos historicamente situados. Devemos pen-
sar na possibilidade de uma prática de ensino em conso-
nância com o contexto cultural atual e assim compreender
as necessidades dos alunos e o papel do ensino na melhoria
da vida dos sujeitos. Isso implica compreender as relações
sociais da atualidade, situando o ensino nessa relação.

44
Na educação do campo, o ensino deve partir das prá-
ticas de letramento vivenciadas pela comunidade escolar
e ir até aquelas que, de modo geral, são mais utilizadas
na sociedade moderna, como um recurso de ampliação da
competência comunicativa dos alunos, em cumprimento
ao papel social da escola.

Questões para debate

1. Faça uma análise comparativa entre as práticas


de ensino que você conhece e os quadros do pa-
norama e do processo histórico do ensino de lín-
gua portuguesa e suas concepções.
2. Reflita sobre sua prática de ensino na relação com
a prática que privilegie o texto como a unidade
de ensino e descreva as dificuldades que devem
ser superadas para a assunção de um ensino com
ênfase na língua, e não da gramática.
3. Analise a proposta de agrupamentos de gêneros
e avalie em que medida ela pode adaptar-se à ne-
cessidade da sua turma.
4. Reflita sobre o ensino com base na interação dos
alunos com a língua em uso e descreva um pro-
cesso de ensino pautado na interação por meio da
linguagem.
5. Explique de que modo a ação da professora, no
Protocolo 07, poderia ter sido organizada para o
estudo da linguagem, e não apenas do texto como
pretexto para ensinar a gramática.

45
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48
2 Novos Olhares Sobre o Processo de
Compreensão Leitora
Luzineth Rodrigues Martins
Ana Aparecida Vieira de Moura5

Introdução

A leitura é tema recorrente no cenário social con-


temporâneo dado a sua relevância na aquisição e propa-
gação do saber social. Nas sociedades letradas, estamos
constantemente envolvidos em práticas e contextos que
demandam a leitura para a compreensão do mundo que
nos rodeia. No contexto atual, saber ler passou a ser me-
canismo de defesa e de luta, ao considerar as manobras
de enculturação polarizadas na produção e bens culturais
que predominam nos meios de comunicações sociais.
Embora, no contexto educacional, essa prática seja
reconhecida e valorizada à inserção social do sujeito, edu-
cadores, de um modo em geral, ainda encontram dificul-
dades em assumir a leitura como uma atividade sistêmica
inerente ao trabalho pedagógico, visto que essa prática
exige do professor não somente atuação mais eficaz em
sala de aula, mas conhecimento sistematizado de um con-
junto de fundamentos constituintes ao ensino da leitura,
5
Doutora em Linguística pela Universidade de Brasília com a tese
Sociolinguística e seu lugar nos letramentos acadêmicos na formação
de professores do campo, sob a orientação da professora Stella Maris
Bortoni-Ricardo. Mestre em Educação do Ensino Superior. Pesquisadora
do Grupo de Pesquisa SOLEDUC – Sociolinguística, Letramentos e
Educação, UnB/LEdoC/CAPES. Professora de língua portuguesa do
Instituo Federal de Roraima, Campus Boa Vista – Centro.

49
isto é, procedimentos didáticos e metodológicos que se ar-
ticulem em prol do ensino da leitura, desenvolvimento e
formação de leitores, delimitando, assim, o papel do pro-
fessor como o de mediador dessa prática.
Em conformidade com os Novos Estudos do Letra-
mento (STREET, 2001), as práticas sociais da leitura devem
atender às necessidades dos sujeitos nelas envolvidos, rela-
cionam-se com as práticas sociais de letramentos de deter-
minada realidade e comunidade. Além de considerar que
os sujeitos devem formar-se protagonistas das transforma-
ções inerente à própria realidade, a educação deve ponde-
rar e reconhecer quem são os sujeitos que ali frequentam.
É no sentido de colaborar para uma mediação de lei-
tura mais coerente com as práticas sociais dos sujeitos que
adaptamos este trabalho, resultado da pesquisa do Projeto
Leitura e Mediação Pedagógica, coordenado pela professora
Stella Maris Bortoni-Ricardo (2012), pesquisadora da UnB/
CNPq, e que traz ideias desenvolvidas em dois textos an-
teriores: A sequência didática aplicada à leitura: os explícitos, os
implícitos e a mediação do professor, de autoria de Moura, Mar-
tins e Caxangá (2010) e A mediação da leitura: “fritando o peixe
e olhando pro gato” de Martins e Moura (2010).6
O texto, entre outras coisas, enfatiza que todo profes-
sor deve atuar como mediador de leitura, visando a desen-
volver nos alunos habilidades discursivas e cognitivas no
sentido de tornarem-se autônomos e críticos no ato de ler
6
Os textos referidos foram apresentados no III Congresso Latino
Americano de Compreensão Leitora –COMLEI, Brasília. E como
resultam de projeto do Projeto de Leitura e Medicação Pedagógica
Coordenado pela Professora Stella Maris Bortoni-Ricardo estão
disponíveis no site <www.stellabortini.com.br>.

50
para aprender. Para essa proposição, argumentamos que
a mediação do professor precisa ocorrer de maneira siste-
mática, contextualizada e seguir alguns parâmetros, como
por exemplo o da interação aluno-professor, no momento
da leitura, pois essa abordagem possibilitará ao aluno en-
tender não só o que está na superfície do texto, mas tam-
bém o implícito.
Dessa forma, organizamos o texto dando destaque
à relação entre leitura e compreensão leitora; bem como
os fundamentos teóricos e metodológicos da compreensão
leitora; o processo de organização didática para mediação
pedagógica; Dimensões da compreensão leitora e conside-
rações finais

2.1 Leitura e compreensão leitora

O conceito de leitura vem incansavelmente sendo


debatido nos diferentes âmbitos sociais, o que lhe imputa
diferentes sentidos, haja vista a produção acadêmica de
monografias, dissertações e teses referentes ao tema, isso
também pode nos dar indicativo da importância para a
formação de professores. Diferentes visões ou abordagens
sobre a leitura podem ser encontradas da literatura, isto é,
o ato de ler pode ser compreendido a partir de diferentes
modelos de leitura.
De modo geral, segundo Kato (1985) os distintos mo-
delos sobressaem-se devido as seguintes hipóteses de pro-
cessamento de informações: hipótese ascendente (bottom-
-up) e a hipótese descendente (top-down). A primeira dá

51
mais importância ao texto; enfatiza o texto e os dados con-
tidos como ponto de partida para a compreensão; provém
de uma visão estruturalista e mecanicista da linguagem. A
segunda dá importância ao leitor; vê o leitor como a fon-
te única de sentido, de forma que o sentido seria apenas
como confirmador de hipóteses.
A partir de Kato (1985), é possível definir o perfil do
leitor em conformidade com os modelos de leitura ado-
tados e, para essa autora, o leitor maduro é aquele que
utiliza das duas formas de processamento de informações.
Os estudos do letramento, na década seguinte, pas-
saram a subsidiar a pesquisa sobre a leitura, nesse cená-
rio, iniciaram-se trabalhos a partir do conceito de leitura
como prática social com o pressuposto de que o desen-
volvimento de capacidades no leitor o possibilitaria in-
teragir com diferentes gêneros textuais, contínuos e não
contínuos, pertencentes a múltiplos domínios discursi-
vos, e o tornaria capaz de usar a leitura como instrumen-
to para continuar aprendendo.
Segundo Koch e Elias (2008), a leitura é uma ativi-
dade altamente complexa de produção de sentidos que
se realiza com base em elementos textuais e requer a mo-
bilização de um vasto conjunto de saberes. Considera-se,
portanto, um modelo interativo de leitura que conside-
ra o leitor situado historicamente em um contexto social
complexo e dialético, caso dos educandos da Educação do
Campo. Dessa forma, a leitura passou de uma atividade
meramente de decodificação, ou centrada unicamente no
leitor, para uma atividade de compreensão, envolvendo
texto, autor, leitor.

52
As estratégias que o sujeito mobiliza, segundo Koch
e Elias (2008), no ato da leitura, para realização do proces-
samento textual, envolvem três grandes sistemas de co-
nhecimentos: o linguístico, o enciclopédico e o interacio-
nal. O conhecimento enciclopédico corresponde ao capital
cultural do sujeito, ao conhecimento prévio do leitor sobre
o que lê, enquanto o conhecimento linguístico refere-se ao
que se conhece sobre a gramática, o léxico, os meios coesi-
vos que são importantes para o entendimento do texto. Já
o conhecimento interacional envolve as formas como esse
sujeito interage por meio da linguagem. Diz respeito ao
seu conhecimento sobre as diversas formas de interação
mediadas pela linguagem.
A leitura, comprovadamente, não é uma das ope-
rações cognitivas mais simples de fazer, pois o ato de ler
consiste, segundo González Fernández (1992), em um con-
junto de habilidades que vão desde a motora mais simples
como a ação ocular até as ações cognitivas mais comple-
xas, como o domínio do léxico, das estruturas sintáticas
gerais da língua e, principalmente, dos objetivos de leitura
a serem alcançados, entre outras.
A ação de leitura do texto e das relações que o permeiam
é ao mesmo tempo uma ação de leitura do mundo pelo texto,
porque na produção textual estão embutidas as marcas do
sujeito produtor e de sua relação com o mundo, por isso há a
negação de que a leitura seja uma ação individual, e sim uma
tríade autor-texto-leitor (KOCH; ELIAS, 2008).

53
2.2 Fundamentos teóricos e metodológicos da
compreensão leitora

A leitura é considerada como uma atividade que ne-


cessita de um conjunto amplo de habilidades e estratégias
encaminhadas a compreender e a aprender a partir do tex-
to. As diretrizes curriculares nacionais, os PCNs dos dife-
rentes níveis de ensino e uma série de outros documentos
oficiais referentes à educação no Brasil têm colocado – em
consonância com uma tendência mundial – a necessidade
de centrar o ensino e aprendizagem no desenvolvimento
de competências e habilidades por parte do aluno, em lu-
gar de centrá-lo no conteúdo conceitual. Isso implica mu-
dança de todos que fazem parte da escola.
Para que tais mudanças se efetivem, são necessárias
discussões acerca da compreensão e do processo em que
todos estarão envolvidos. Nesse conjunto de mudanças,
merece atenção a forma como a leitura é trabalhada. Como
vimos no capítulo anterior nas discussões dos protocolos
de leitura (MARTINS e RABELO, p. 18-19) a atenção é
retida nas ações mecânicas de decodificação de símbolos
gráficos e não desencadeiam aprofundamentos e compre-
ensões críticas das leituras, uma evidência de que na es-
cola tem-se dificuldades de lidar com as competências e
habilidades da leitura.
Para superar essa problemática é necessário que o
leitor aprendiz transforme os sinais gráficos em sonoros,
mas que compreenda o significado da mensagem escrita
(ação mecânica x ação cognitiva). Desse modo, é impor-

54
tante que a escola se responsabilize pelo desenvolvimen-
to de ações cognitivas, levando os alunos, no processo de
construção dos seus conhecimentos, a comparar, classifi-
car, analisar, discutir, opinar e julgar. Além disso, a fazer
generalizações, analogias, diagnósticos de tal forma que
solidifiquem sua criticidade.
Discutir o tema sobre leitura no contexto da Educa-
ção do Campo é de extrema relevância, haja vista vir ao
encontro das necessidades dos povos campesinos, já que
essa população se encontrou durante muito tempo à mar-
gem do processo de uma educação de qualidade. Assim,
para considerar a melhoria do quadro de superação das
dificuldades há que se pensar que o processo formativo
seja visto de forma contextualizada.
A mediação do professor é fundamental para que
ocorra a leitura compreensiva. Kleiman traz a visão de
Vygotsky, ao dizer que: a aprendizagem é construída na
interação de sujeitos cooperativos que têm objetivos co-
muns, (contextualizamos aqui na Educação do Campo).
Como, no caso, trata-se de aprender a ler no sentido cabal
da palavra (em que ler não é o equivalente a decifrar ou
decodificar), a aprendizagem que se dará nessa interação
consiste na leitura com compreensão. Isso implica que é
na interação, isto é, na prática comunicativa em pequenos
grupos, com o professor ou com seus pares, que é criado
o contexto para aquele sujeito que não entendeu o texto,
entenda. (KLEIMAN, 1998, p. 10.)
Com efeito, para que a prática pedagógica não per-
maneça estática, é preciso estabelecer diálogos entre sujei-

55
tos da comunidade, educandos e professores das diferen-
tes áreas do conhecimento. Considerando a falta de acesso
aos bens materiais e imateriais, o interesse pelos livros não
é algo que aparece de repente, para que isso aconteça é
preciso ajudar ao aluno a descobrir o que eles [os livros]
podem oferecer, a descobrir que cada livro pode trazer no-
vas ideias, dessa forma aos poucos o aluno ganha intimi-
dade com o objeto/livro.
Com isso, observamos que há a necessidade de o profes-
sor ter embasamento que norteie sua prática de mediação de
leitura. Para tanto, apresentamos alguns desses fundamentos.

1. Leitura como prática social – é a leitura contex-


tualizada e constituída de significado para o gru-
po que a utiliza. A prática social da leitura ganha
sentido quando exercida autonomamente nos di-
versos domínios da vida, seja na escola, em uma
biblioteca, na igreja, na comunidade, no grupo
social, nos assentamentos. Ler implica construir
sentido de um texto integralmente, localizar infor-
mações pretendidas e poder compará-las; possibi-
lita ao sujeito desenvolver-se melhor e situar-se so-
cialmente, conforme as circunstâncias lhe exigem.
Para tanto é preciso aprender a ler e posicionar-se
criticamente sobre o que se lê, buscando relações
intertextuais nos textos e nos gêneros textuais, ou
seja compreender que a produção de sentido se dá
social e culturalmente, na produção de inferências
geradas pela interação do leitor com os demais lei-
tores, além do professor mediador.

56
O texto não é visto como um produto, mas como um
processo, como um trabalho que deve ser explorado,
valorizado e vinculado aos usos sociais, isto é, segundo
Mascuschi (2008), como um evento comunicativo em
que convergem ações linguísticas, sociais e cognitivas.

A interação pela linguagem é concebida em um dado


contexto sócio-histórico e ideológico, em que o indivíduo
realiza ações por meio da linguagem, agindo e atuando
sobre o interlocutor. Tal concepção reconhece um sujeito
ativo em sua produção linguística, que realiza um trabalho
resultado da exploração, dos recursos formais e expressi-
vos que a língua põe à disposição do falante.
São múltiplos os objetivos destinados à leitura que o
leitor pode propor-se no ato de ler, por exemplo: obter a ideia
principal, anotar informações específicas, tomar nota e recor-
dar instruções precisas, prever a continuação ou a conclusão
de um texto, avaliar o material, reproduzi-lo em forma de
resumo, comparar com outro texto, ou simplesmente estudá-
-lo, ou ainda entreter-se com ele. É o refinamento desses ob-
jetivos que condiciona o processo de compreensão do leitor
em níveis mais profundos, pois será em consonância com
esses objetivos que o sujeito adaptará suas ações de leitura
(GONZÁLEZ FERNÁNDEZ, 1992). Apesar dos avanços dos
estudos sobre os objetivos de leitura, segundo González Fer-
nández, os que recebem maior atenção das investigações são
a localização de informação e a leitura compreensiva para re-
cordar. Tais estudos destacam a necessidade de um trabalho
sistemático de mediação do professor com vista à promoção
da competência leitora do aluno.

57
II. A mediação do professor
Inicialmente, o termo mediação adveio da Psicologia
de Vygotsky (1998) sobre a zona de desenvolvimento real e
proximal, tendo nos signos o principal mediador para o de-
senvolvimento das funções superiores. Oliveira, Almeida e;
Arnoni (2007, p. 101) atribuem “à mediação o dever ou a
possibilidade de eliminar ou minimizar a diferença entre os
termos ensino e aprendizagem, conhecimento sistemático e
experiência cotidiana entre o professor e seus alunos”.
Didaticamente abordado por Pimentel (2007), esse
processo de fornecimento de ajuda objetiva contribuir
para a reestruturação das funções psíquicas que consti-
tuem o processo de aprendizagem, favorecendo o acesso a
um nível superior de desenvolvimento cognitivo.
O papel do professor é ser um interlocutor, encaran-
do o aluno como sujeito de seu discurso, questionando,
sugerindo, provocando reações, exigindo explicações so-
bre as informações ausentes no texto, refutando, polemi-
zando, concordando e negociando sentidos mediante as
pistas deixadas no texto, para que ele alcance o efeito de
sentido proposto pelo autor.
Em se tratando da ação do professor na promoção do
desenvolvimento da leitura, Bortoni-Ricardo, Machado e
Castanheira (2010) referem-se a um tipo de leitura tutorial
como aquela em que o professor assume a condição de me-
diador fazendo as intervenções necessárias para que o alu-
no atinja a compreensão leitora. Seja como for, é consenso
na posição desses autores o fato de que a ação do profes-
sor é indispensável na promoção do desenvolvimento da

58
compreensão leitora. Ele [o professor] se insere como mais
um elemento do processo de leitura, representado assim:
autor-texto-mediador-leitor. Embora, para efeito didático,
os elementos estejam organizados dessa forma, não pres-
supõe uma interação linear.
Uma postura mais ativa do professor em relação
ao ensino da leitura exige conhecimentos e procedimen-
tos didáticos que se harmonizem em prol do desenvolvi-
mento da leitura, delimitando, assim, seu papel como o
de mediador dessa prática. Essa mediação exige grande
interação com o aluno e o texto. Como consequência, os
resultados positivos aparecerão no caminho da formação
do aluno e no crescimento profissional do professor.
O professor, na verdade, precisa compreender as
possibilidades e os caminhos de diferentes métodos e ma-
teriais, conhecer o leitor em desenvolvimento, o que já foi
superado e o que necessita superar, além de compreender
como o leitor deve aprender a ler, caso contrário, ele não
poderá tomar decisões sobre os métodos ou as estratégias
que deve usar.
Além da interação do professor com o aluno e o tex-
to, a medição requer também postura de conhecedor dos
processos interativos que ocorrem em sala de aula e no ato
de leitura. Exige a compreensão do seu papel social, o que
implica a responsabilidade por uma formação continua-
da e a percepção da necessidade de realizar a mediação.
Pressupõe estratégias didáticas consonantes à perspectiva
teórica adotada pelo professor, pois no cotidiano da sala
de aula, surgem as mais diversas situações que possibili-
tam o desenvolvimento de um diálogo pedagógico com a

59
finalidade de ensinar e aprender (FREIRE, 1996); e o pro-
fessor deve ter consciência de suas escolhas pedagógicas,
visando a facilitar a articulação dos conhecimentos citados
anteriormente para a construção do conhecimento.

2.3 A organização didática

Solé (1998) defende o uso de estratégias didáticas


como procedimentos de caráter elevado, que envolvem
a presença de objetivos a serem realizados e o planeja-
mento das ações que são desencadeadas para atingi-los,
assim como sua avaliação e possível mudança. Segundo
a autora: “Se as estratégias de leitura são procedimentos
e os procedimentos são conteúdos de ensino, então é pre-
ciso ensinar estratégias para a compreensão dos textos.”
(SOLÉ, 1998, p. 69).
Nesse contexto, ainda se tratando de organização di-
dática, as estratégias metacognitivas são definidas por Fla-
vell e Wellman (apud GONZÁLEZ FERNÁNDEZ, 1992)
como o conhecimento que o sujeito tem sobre o seu conhe-
cimento, ou seja, o conhecimento dos próprios processos e
produtos cognitivos. Segundo esses autores, a metacogni-
ção envolve a sensibilidade para adequar a estratégia cog-
nitiva à exigência da tarefa, o conhecimento sobre as carac-
terísticas pessoais do aprendiz e sobre a tarefa proposta,
e o controle sobre essas habilidades. Para ter controle e
domínio de sua aprendizagem, o aluno tem de aprender
a fazê-lo: aprender a estudar, a selecionar informações, a
elaborar fichas de estudos, fichas de acompanhamento de

60
objetivos, entre outros, que são estratégias de metacogni-
ção indispensáveis para tornar o aluno autônomo.
Além disso, e não menos importante, é primordial
observar que as estratégias de mediação adotadas pelo
professor consistem em ajudar o aluno a estabelecer as re-
lações entre o texto e seu conhecimento de mundo; a reco-
nhecer os elementos linguísticos; a perceber a progressão
temática, por meio de elementos sequenciadores, a desen-
volver a metacognição, ou seja, controle sobre as informa-
ções já obtidas com a leitura do texto, sinalizando, quando
necessário, pontos de inferências.
Essa ação ajuda o aluno a buscar, em seu conhecimen-
to de mundo, referências que permitam estabelecer a co-
nexão entre o que é dito e o que ele já conhece sobre o que
foi dito. Um pouco mais além, a percepção da intertextuali-
dade: o diálogo do texto com outros textos, que pode estar
claro ou nas entrelinhas. A compreensão do aluno mantém
relação estreita com a capacidade de perceber esses outros
textos; para tanto, a medição do professor é fundamen-
tal, pois “quanto mais conhecimento textual o leitor tiver,
quanto maior a sua exposição a todo tipo de texto, mais fácil
será sua compreensão” (KLEIMAN, 2004, p. 20).
Habilidades Cognitivas permitem desenvolver as fun-
ções psíquicas superiores como a atenção, análise, síntese,
generalização e abstração (Vigotsky, 1998).
Para tornar mais claro como se processa a mediação
de leitura, organizamos em dois grupos algumas habilida-
des cognitivas e metacognitivas a serem trabalhadas com
os alunos. Dentre elas, podemos citar:

61
Habilidades cognitivas:
1. Acionar os conhecimentos prévios, podendo ser:
enciclopédicos, linguístico e cultural, por meio de
perguntas direcionadas, estabelecendo previsões
sobre o texto; explorando o tema e a área abran-
gente. Essa abordagem ajuda o aluno a estabele-
cer relações e a confrontar os conhecimentos pré-
vios com os que virão; ajuda os alunos a prestar
atenção a determinados aspectos do texto que
podem ativar seu conhecimento prévio; ajuda os
alunos a expor o que já sabem sobre o tema.
2. Construir a linearidade do texto, percebendo a
progressão das informações do texto, na conti-
nuidade temática.
3. Fazer inferências sobre o texto, acionando os co-
nhecimentos culturais para que ele perceba a di-
ferença entre real e ficcional, e relacione o conteú-
do do texto com sua realidade.
4. Desenvolver determinadas habilidades necessá-
rias à compreensão leitora, dentre elas: a relação,
a analogia, a síntese, a classificação, a ordenação
hierárquica, a descoberta da coerência global do
texto, a comparação e a avaliação.
5. Estabelecer uma relação de sentidos entre o texto
e a experiência (universo comunicacional do alu-
no) procurando torná-lo mais real possível
Seguem algumas das estratégias metacogni-
tivas utilizadas.
1. Reconhecer a estrutura do texto, para que ele
aprenda a perceber o objetivo da leitura.

62
2. Identificar o objetivo da leitura e persegui-lo ao
longo do texto.
3. Retomar as aprendizagens construídas por meio
da leitura do texto de modo a ampliar sua visão
de mundo.
4. Retomar de forma sintética as informações con-
tidas no texto, para que o aluno o reelabore sem
que se sinta incapaz de fazê-lo.
5. Identificar as informações novas aprendidas com
a leitura do texto.

Há muitas ações que podem e devem ser feitas para


ajudar o aluno a realizar a compreensão leitora de um tex-
to e adquirir conhecimento com e sobre ele. Desde que
essas ações sejam planejadas e o professor tenha domí-
nio do objeto de seu trabalho e conhecimento sobre dois
importantes momentos do desenvolvimento da compre-
ensão leitora: primeiro, há várias habilidades cognitivas
e metacognitivas que constituem a compreensão leitora;
segundo, há significativas estratégias de leitura (já discuti-
das por Solé, 1998) quando o leitor se depara com o texto e
elabora hipótese por meio dessas estratégias.
Dentre os diversos questionamentos dos professo-
res que atuam em todas as séries, aquele que se destaca é:
“Como encaminhar a leitura?” O professor precisa de uma
formação que vai além da academia. Nesse sentido, uma
das compreensões necessárias é a de que a compreensão
leitora do aluno deve ir além da superficialidade do texto;
no entanto, para que ele adentre o texto, o professor deve
acionar as informações de forma que o aluno construa a

63
compreensão leitora. Assim, o professor tem o papel de
intervir no processo, na relação entre o aluno, como leitor,
e o texto como objeto a ser desvendado.
De acordo com Marcuschi (2008), em uma análise da
atividade de compreensão, três questões são importantes:
a noção de língua, a noção de texto e o conceito de infe-
rência, como o da própria compreensão leitora. A compre-
ensão de língua como fenômeno cultural, histórico, social
e cognitivo – que varia ao longo dos tempos e de acordo
com os falantes e com o contexto em que ela ocorre – é
um elemento indicativo para o trabalho de compreensão
leitora. Em se tratando da noção de texto como evento co-
municativo deve levar em conta que “o sentido do texto
não está no leitor, nem no texto, nem no autor, mas se dá
como efeito das relações entre eles e das atividades de-
senvolvidas”. Já “as inferências na compreensão de texto
são processos cognitivos nos quais os falantes ou ouvintes,
partindo da informação textual e considerando o respecti-
vo contexto constroem uma nova representação semânti-
ca” (MARCUSCHI, 2008, p. 242, 249).
Diante disso, vimos que a noção de texto, contexto e
inferência é fundamental para a compreensão leitora; a ela
associamos a noção de intertexto como uma possibilidade
de diálogo com textos diversos. Ao mesmo tempo, obser-
vamos que há necessidade de referências para a efetivação
do trabalho do professor com a compreensão leitora. De
tal forma, apresentamos a seguir as dimensões da compre-
ensão leitora e os indicativos para questionamentos que
podem orientar o trabalho do professor para uma media-
ção, partindo dessa relação multidimensional do texto.

64
2.4 Dimensões da compreensão leitora

A compreensão leitora é fundamental para a for-


mação intelectual do aluno. Ter a clareza sobre o modo
como se deve desenvolvê-la deveria ser parte inerente da
formação do professor, porque não construímos nossa
compreensão somente por meio das leituras que faze-
mos, e sim, muito mais, dentro do processo de interação
em que estamos envolvidos, o qual inclui a leitura e a
compreensão leitora.
É então sobre a ação do professor diante da leitura que
se apresenta a Sequência Didática, termo conhecido princi-
palmente no âmbito da pedagogia. Segundo Zabala (1998),
Sequência Didática é considerada um modelo para subsi-
diar a análise da prática pedagógica do professor com res-
peito aos procedimentos de ensino referentes a conteúdos
conceituais, procedimentais e atitudinais, vista como uma
metodologia articulada das atividades do ensino. Schneu-
wly e Dolz (2010, p.82) utilizam o mesmo termo (Sequência
Didática) referindo-se a “conjunto de atividades escolares
organizado de maneira sistemática em torno de um gênero
textual oral e escrito”. Vê-se que a proposta dos autores
citados tem em comum o princípio de sistematização da ati-
vidade pedagógica. É esse princípio que está sendo adota-
do aqui como proposta para o ensino da leitura.
Essa proposta didática de trabalho com a leitura, por-
tanto, toma como referência, além dos procedimentos se-
quenciais para o ensino defendido por Zabala (1998), a me-
todologia de trabalho com o gênero, apoiada nos estudos

65
do grupo de pesquisa em Didática da Língua da Universi-
dade de Genebra e que se refere ao procedimento sequência
didática (SD) sugeridos por Schneuwly e Dolz, (2010).
Para a mediação da leitura, acreditamos que deve-
mos reconhecer algumas dimensões da compreensão lei-
tora, visto que isso colaborará nas atividades de leitura em
sala de aula e na atuação social dos alunos. Assim, eles te-
rão outros olhares, farão leituras diferenciadas, desenvol-
verão a prática do questionamento, em busca de respostas
a determinado texto ou contexto dado.
Ao pensar na leitura no contexto escolar e nas pos-
sibilidades de desenvolvimento das habilidades consti-
tuintes da compreensão leitora, é necessário que a escola
mude o foco atual referente ao ato de ler. Assumir a leitura
como uma atividade em que alunos e professores passam
a ser sujeitos ativos e colaborativos implica novos proce-
dimentos e comportamentos realizados por esses sujeitos.
Como procedimento de mediação da leitura desse
gênero, o professor necessitará fazer a exploração das di-
mensões presentes no texto: o cotexto, o contexto, o infra-
texto e o intertexto.
O cotexto compreende os elementos linguísticos e a
estrutura que definem a materialidade do próprio texto.
É essa dimensão que caracteriza as escolhas gramaticais e
lexicais que remete o leitor à compreensão das intenções
do autor. O contexto, segundo Koch e Elias (2008, p. 64),
“é um conjunto de suposições, baseadas nos saberes dos
interlocutores, mobilizadas para a interpretação de um
texto”. Para que haja compreensão do texto, é necessário

66
que autor e leitor compartilhem, pelos menos parcialmen-
te, conhecimentos, tais como enciclopédico, sociointera-
cional, textual, entre outros. Já o infratexto, diz respeito
ao processo de inferência, que, segundo Marcuschi (2008),
corresponde à geração semântica de novas informações
por meio daquelas que já possuímos em um dado contex-
to. A noção de inferência é fundamental na compreensão
leitora, considerando que ela permite ao leitor ampliar seu
conhecimento sobre o objeto de leitura de que trata o tex-
to. O intertexto corresponde ao pressuposto de que todo
texto é resultado de confluência de outros textos.
Dentro de cada dimensão, há um conjunto de orien-
tações que podem transformar-se em questionamentos
aplicados a cada texto a ser trabalhado pelo professor. A
proposta é que ele seja um mediador entre o leitor, o texto
e o evento comunicativo que resultou na produção do tex-
to. Dessa forma, as orientações a seguir ajudarão o profes-
sor a ampliar a compreensão leitora do aluno.

67
Sequência Didática Aplicada à Leitura
Antes de iniciar a leitura do texto, é importante que o professor
oriente o aluno a fazer uma leitura silenciosa para avaliar o
nível de dificuldade do texto. Em seguida, discuta a técnica de
leitura adequada ao objetivo do texto: sublinhar as informações
importantes, anotar as palavras desconhecidas.
Ajudar o aluno a:
-Reconhecer o gênero do texto, a organização estrutural do
texto, para que ele aprenda a perceber o objetivo da leitura
-Identificar o objetivo da leitura e persegui-lo ao longo do texto
-Acionar os conhecimentos prévios: enciclopédicos, linguístico e
interacional, por meio de perguntas direcionadas estabelecendo
previsões sobre o texto; explorando o tema e a área abrangente
-Localizar informações explícitas no texto e inferir o sentido de
uma palavra ou expressão
-Expor o que já sabe sobre o tema
-Prestar atenção a determinados aspectos do texto que podem
ativar seu conhecimento prévio
-Levantar hipóteses sobre alguns aspectos do texto
-Perceber as relações de hierarquia das informações nos
Cotexto

parágrafos: ideias central e secundárias


-Perceber a linearidade do texto; a progressão das informações
e da distribuição nos parágrafos e a identificação dos elementos
gramaticais que colaboram na construção da progressão do texto
-Estabelecer relações lógico-discursivas marcadas por
sequencializadores
-Distinguir um fato da opinião relativa a esse fato
-Utilizar os recursos multimodais apresentados no texto (tabelas,
gráficos, figuras etc.) como elementos que ajudam na construção
de sentido do texto
-Identificar o efeito de sentido decorrente do uso da pontuação
e de outras notações
-Identificar as marcas linguísticas que evidenciam o locutor e
interlocutor de um texto
-Desenvolver determinadas habilidades necessárias à
compreensão leitora, dentre elas: a relação, a analogia, a síntese, a
classificação, a ordenação hierárquica, a descoberta da coerência
global do texto, a comparação e a avaliação
-Buscar as relações existentes nas informações presentes no
texto: principalmente as de causa e consequência
-Avaliar seu nível de metacognição, identificando as informações
novas aprendidas com a leitura do texto

68
Ajudar o aluno a:
-Perceber a função social do texto
-Reconhecer autor, a intenção, o interlocutor, o suporte, a
situação de produção (época, local, fatos relacionados)
-Estabelecer uma relação de sentidos entre o texto e a experiência
Contexto

(universo comunicacional do aluno) procurando torná-lo mais


real possível
-Fazer a relação entre as informações do texto e o conhecimento
já consolidado (o texto e a experiência)
-Reconhecer diferentes formas de tratar uma informação na
comparação de textos que tratam do mesmo tema, em função
das condições em que ele foi produzido e que será recebido

Ajudar o aluno a:
-Perceber o implícito no texto, acionando os conhecimentos
Infratexto

culturais para que ele perceba a diferença entre real e ficcional


-Relacionar o conteúdo do texto com sua realidade
-Fazer as inferências a partir das pistas oferecidas pelo autor: as
analogias podem ser feitas

Ajudar o aluno a:
Intertextoo

-Buscar outros textos que tratam sobre o mesmo tema;


-Perceber diferentes formas da intertextualidade: elementos no
texto que remetem a outros textos;
-Analisar paráfrases e paródias em diferentes situações

Ajudar o aluno a:
-Retomar as aprendizagens construídas a partir da leitura do
texto de modo a ampliar sua visão de mundo
Registro da leitura

-Retomar de forma sintética as informações contidas no texto,


para que o aluno o reelabore sem que se sinta incapaz de fazê-lo
-Sistematizar em forma de resumo as informações principais do
texto, para que ele desenvolva as habilidades de compreender,
distinguir, hierarquizar, questionar, descobrir a estrutura textual
e outras. Além da capacidade de organização da escrita, esse
momento gera também a oportunidade de refletir sobre a leitura
realizada. Pode ocorrer através das seguintes possiblidades:
atividades orientadas para a compreensão do texto (perguntas);
resumo do texto e mapa conceitual.

69
2.5 Considerações finais

Os sujeitos do campo têm direito a uma educação


pensada desde o seu lugar e de forma participativa, que
esteja vinculada à sua cultura e as suas necessidades hu-
manas e socais. Silva Santos (2011) argumenta que a edu-
cação no campo deve ser entendida como uma ação estra-
tégica para a emancipação e cidadania de todos os sujeitos
que vivem nas áreas rurais e ainda como parte da revalo-
rização do campo, que pode colaborar com a formação das
crianças, jovens e adultos.
Nesse sentido, para que a leitura e a escrita sejam ine-
rentes à formação dos sujeitos do campo, é necessário que
as práticas sociais de letramentos das comunidades campe-
sinas sejam consideradas como ponto de partida e que aos
professores/educadores do campo ofereçam formação de
qualidade no sentido de formar um quadro formativo para
o enfrentamento de dificuldades do cotidiano escolar.
Um novo olhar para a compreensão leitora em uma
perspectiva da mediação pedagógica amplia as possibi-
lidades diante do processo de aprendizagem, ao mesmo
tempo em que potencializa nossa tarefa como mediadores
do conhecimento.
A leitura está presente na vida de todas as pessoas,
até mesmo daquelas que não a dominam. Já a compreen-
são leitora no espaço escolar, deve ser de maneira sistêmi-
ca, uma atividade organizada pelo professor, porque os
resultados são imediatos na produção textual dos alunos.
Dessa forma, o professor precisa conhecer as estratégias

70
necessárias de mediação e dar oportunidade ao aluno de
conhecer todas as dimensões da leitura. O diálogo do alu-
no com o texto deve ser mediado pelo professor. Desse
modo, ele atinge os objetivos da construção do conheci-
mento e contribui para que os novos olhares aconteçam no
processo de compreensão leitora e sejam postos em práti-
ca em suas atividades cotidianas.

Questões para reflexão

1. A realidade do campo, por vários fatores, não


tem acesso aos bens culturais produzidos e difun-
didos socialmente. Diante disso, como é possível
articular leitura e prática social do campo?
2. Qual a importância de considerar todas as di-
mensões do texto no planejamento da leitura?
3. Muitos alunos que vivem do e no campo, não de-
senvolveram suas potencialidades de leitura, vis-
to a estrutura escolar que lhes é oferecida. Consi-
derando essa realidade, como é possível ser um
professor mediador da leitura dos alunos?
4. Apresente um pequeno roteiro de como você tra-
balha a leitura com seus alunos. Faça reflexões so-
bre essa prática e indique pontos em que ela pode
ser melhorada.
5. Como é possível fazer para que seus alunos
desenvolvam a capacidade de metacognição
na leitura?

71
Referências

BORTONI-RICARDO, Stella Maris (Org.). Leitura e mediação


pedagógica. São Paulo: Parábola, 2012.

______; MACHADO, Veruska Ribeiro; CASTANHEIRA, Salete


Flores. Formação do professor como agente letrador. São
Paulo: Contexto, 2010.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à


prática educativa. 25. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

GONZÁLEZ FERNÁNDEZ, Antônio. Estrategias


metacognitivas en la lectura. Tesis (Doctorado) – La
Facultad de Psicologia, Universidad Complutense de
Madrid, Madrid, 1992.

MARY, Kato. O aprendizado da leitura. São Paulo:


Martins Fontes, 1985.

KLEIMAN, Ângela B. Texto e leitor: aspectos cognitivos


da leitura. 9. ed. Campinas, SP: Pontes, 2004.

KLEIMAN, Ângela. Oficina de leitura: teoria e prática. 6ª Ed.


São Paulo: Pontes, 1998.

KOCH, Ingedore; ELIAS, Vanda M. Ler e compreender:


os sentidos do texto. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2008.

MARCUSCHI, Luiz Antônio. Produção textual, análise


de gêneros e compreensão. São Paulo: Parábola, 2008.

MARTINS, Luzineth Rodrigues; MOURA, Ana Aparecida


Vieira de. A mediação da compreensão leitora: “fritando o
peixe e o olhando pro gato”. 2010. Disponível em: <fritando o
peixe.pdf - Stella Bortoni>. Acesso em: 19 jul. 2014.

72
MOURA, Ana Aparecida Vieira de; MARTINS, Luzineth
Rodrigues; CAXANGÁ, Maria do Rosário Rocha. A sequência
didática aplicada à leitura: os explícitos, os implícitos e a mediação
do professor. 2010. Disponível em: <a sequência didtica aplicada
leitura.pdf - Stella Bortoni>. Acesso em: 19 jul. 2014.

OLIVEIRA, Edilson Moreira de; ALMEIDA, José Luís Vieira


de; ARNONI, Maria Eliza Brefere. Mediação dialética na
educação escolar: teoria e prática. São Paulo: Loyola, 2007.

PIMENTEL, Susana Couto. Mediação para compreensão


leitora: uma estratégia didática. Sitientibus, Feira de
Santana, BA, n. 37, p.151-171, jul.-dez. 2007.

SCHNEUWLY, Bernard; DOLZ, Joaquim. Gêneros orais e


escritos na escola. Tradução de Roxane Rojo e Glaís Sales
Cordeiro. 2. ed. Campinas-SP: Mercado das Letras, 2010.

SILVA SANTOS, Vera Lúcia Souza. A atuação da regional


AECOFABA – Associação das escolas das comunidades e famílias
agrícolas da Bahia, na educação do campo. IN: BRASIL. Revista
da Formação por Alternância. Brasília: União Nacional das Escolas
Famílias Agrícolas do Brasil, 2011.

SOLÉ, Isabel. Estratégias de leitura. Tradução de Cláudia


Schilling. 6. ed. Porto Alegre: Artmed, 1998.

STREET, Brian. V. Literacy and development: Ethnographic


perspectives. London/ New York: Routledge, 2001

VYGOTSKY, Liev Semionovitch. Pensamento e linguagem.


São Paulo: M. Fontes, 1998.

ZABALA, Antonio. A prática educativa: como ensinar. Porto


Alegre: Artimed, 1998.

73
3 O processo de Mediação da Escrita: Da
Leitura à Produção de Texto
Luzineth Rodrigues Martins
Luciana dos Reis da Silva7

Introdução

O processo de mediação da escrita é discutido aqui


por meio da ampliação de um relato de experiência ocor-
rido durante o Estágio Supervisionado na Regência do
Ensino Fundamental, disciplina obrigatória do Curso de
Letras da Universidade Estadual de Roraima (UERR), rea-
lizado em uma turma de 8.º ano do Ensino Fundamental,
de uma escola da rede pública estadual, da cidade de Boa
Vista, capital de Roraima, sob a supervisão da professora
Luzineth Rodrigues Martins.
Seguindo a proposta metodológica de Sequência Di-
dática (DOLZ; NOVERRAZ; SCHNEUWLY, 2010), este
trabalho tem como princípio norteador a interação na sala
de aula (ANTUNES, 2003); o texto como unidade de ensi-
no (GERALDI, 2002); e a mediação da leitura e da escrita
(BORTONI-RICARDO, 2012; BORTONI-RICARDO; MA-
CHADO, 2013).
Destacamos, nesse processo, a mediação da escrita,
cuja finalidade atendeu à tentativa de superação de três,
dos doze trabalhos de Hércules, apontados por Bortoni-
-Ricardo, isto é, o “ensino de redação assistemático, es-
7
Licenciada em Letras pela Universidade Estadual de Roraima.

75
pontaneísta e improvisado; a correção inócua de trabalhos
escolares sem discussão (feedback) nem refacção posterio-
res; e a pouca ênfase no reforço de habilidades letradas,
supostamente previstas apenas para séries anteriores”
(BORTONI-RICARDO, 2011, p. 5).
Para apresentar essa experiência, na primeira seção, ex-
plicitamos o processo de planejamento do estágio; na segun-
da, registramos o processo de mediação da escrita; e na ter-
ceira, evidenciamos os resultados alcançados e as dificuldades
encontradas na realização do trabalho. Com isso, a discussão
que se propõe pode e deve ser levada ao contexto da educação
do campo, pois nesta realidade a escrita é menos utilizada, de-
mandando ao professor uma mediação mais intensa.

3.1 Pensando o ensino de gêneros: o planejamento


do estágio

O ato de planejar é algo natural, envolve todos os


aspectos da existência humana, e faz parte do cotidiano do
homem, pois tal ação representa

[...] um processo de previsão de


necessidades e racionalização de emprego
dos meios materiais e dos recursos humanos
disponíveis, a fim de alcançar objetivos
concretos, em prazos determinados e em
etapas definidas, a partir do conhecimento
e avaliação científica da situação original.
(MARTINEZ; apud PICONEZ, 1991, p.17).

Esse ato norteia o ensino e abre caminhos para que a


aprendizagem do aluno seja satisfatória, e o professor ob-

76
tenha êxito em sua função, pois como disse Paulo Freire, é
necessário ao professor “saber que ensinar não é transferir
conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua pró-
pria produção ou a sua construção” (FREIRE, 1996, p. 47).
Com a tarefa de realizar o estágio supervisionado
do Curso de Letras, instituímos o planejamento como a
primeira ação a ser realizada, e não mais fácil do que a
regência. Ensinar por meio de gêneros era uma novidade,
exigiu muito tempo de estudo e de transposição do co-
nhecimento adquirido para o planejamento solicitado na
disciplina de Estágio.
Também exigiu que ancorássemos a proposta de tra-
balho em dois eixos: um teórico e outro metodológico. Na
dimensão teórica, o planejamento foi norteado pela con-
cepção interacionista da linguagem, isto é, aquela que con-
cebe a ação de linguagem como resultado da apropriação,
pelo homem, das propriedades da atividade social.
Segundo Vygotsky (1998), o sujeito age sobre a reali-
dade e interage com ela, construindo seus conhecimentos
por meio das relações inter e intrapessoais, internalizando
conhecimentos, papéis e funções sociais. Nesse entendi-
mento, as práticas sociais de uso da linguagem tornam-se
as práticas discursivas que chegarão à escola mediante o
gênero, sendo este o objeto primordial do ensino, especial-
mente quando se trata do desenvolvimento da escrita.
No campo da didática do ensino, a ênfase recai nas
relações entre a linguagem e a atividade na sala de aula.
Nessa concepção, a relação ensino-aprendizagem está
constituída nos pressupostos da Psicologia vigostkiana,

77
sendo a ação do professor centrada na mediação da escri-
ta, visando possibilitar ao aluno o contato com diversos
contextos de uso da linguagem, para ele aprenda a adap-
tá-la às diversas situações vividas em seu cotidiano.
Assumir a interação como o princípio norteador da ativi-
dade docente (ANTUNES, 2003) e o texto como a unidade de
ensino (GERALDI, 2002), traz implicações teóricas e práticas.
A primeira mudança é a ação de “priorizar o texto como uni-
dade de ensino, além de reorientar os objetos (ou conteúdos)
de trabalho”, e a segunda requer recolocar “sob novo foco as
relações de ensino-aprendizagem” (COROA, 2002, p. 4).
O uso do texto na sala de aula demanda para o professor
um trabalho que não se reduz somente a abordagem gramatical,
indo além dessa perspectiva no sentido de discutir e analisar os
usos linguísticos presentes no texto e as condições de interação
que suscitaram o contexto de sua produção. Isso significa que o
professor necessita realizar junto com seus alunos um trabalho
analítico e pragmático da situação de interação textual.
O trabalho com texto na perspectiva apontada anterior-
mente, o professor e o aluno são sujeitos que interagem de
forma ativa na tentativa de construção do sentido do texto.
Todavia, isto requer diálogos, aceitação do outro e mediação
do professor, validada por uma proposta institucional.
Partindo desses pressupostos, o planejamento do
estágio seguiu a metodologia conhecida por Sequência
Didática (SD) que, segundo Dolz, Noverraz e Schneuwly
(2010, p. 89), trata-se de “um conjunto de atividades es-
colares organizadas, de maneira sistemática, em torno de
um gênero textual oral ou escrito”.

78
Esclarecemos que a escolha do gênero foi feita pela
professora titular da turma e, por uma questão de limita-
ção de espaço e tempo, destacaremos, neste trabalho, so-
mente a mediação da escrita.

3.2 O processo de mediação da escrita

A mediação é um conceito advindo da Psicologia vi-


gotskiana e significa o auxílio que um sujeito experiente
pode oferecer a outro menos experiente. No processo de
mediação da escrita, a leitura sobre o gênero a ser produ-
zido é uma das primeiras etapas da produção textual, haja
vista que “a leitura [...] alimenta a escrita” (MOTTA-RO-
TH; HENDGES, 2010, p. 14).
Partindo dessa compreensão, as aulas do estágio come-
çaram pela ação de leitura de um texto intitulado O Avarento,
uma fábula de Esopo, um dos mais renomados autores desse
gênero. Para apresentar o registro dessa atividade, utilizamos
a metodologia dos protocolos verbais (TOMITCH, 2008) como
recurso para a análise e visualização dos dados construídos
ao longo das aulas. Tais protocolos são assim identificados: a)
Protocolo 01 – Exploração do texto; b) Protocolo 02 – Explo-
ração da organização do gênero fábula; c) Protocolo 03 – Pri-
meira versão da escrita; d) Protocolo 04 – Segunda versão da
escrita. Neles utilizamos os seguintes códigos: (P) para profes-
sor-estagiário; (A1, A2, A3, etc. ) para alunos e para supressão
de alguma fala ou texto: utilizamos parênteses.
Para a mediação da leitura, a estagiária fez os seguin-
tes questionamentos:

79
Protocolo n.º 01: Exploração do texto
[...]
(P): Vocês gostaram do texto?
(A1): Sim.
(P): Vou fazer uma leitura aí com vocês, tá?
[...]
(P): O que vocês puderam entender com esse texto? Vamos começar
pelo título. O que vocês entendem como “avarento”?
(P): Alguém já conhecia essa palavra?
(A1): Não.
(P): Mas assim, pelo contexto, pelo enredo da estória, vocês conse-
guem entender o que é avarento?
(A2): Miserável.
(P): O que vocês puderam entender dessa estória? O que aconteceu?
(A2): Ele perdeu o ouro dele!
(P): Ele guardou tanto ouro pra no final ele ser.
(A3): Roubado!
(P): Ele tinha um ouro, mas ele não fez uso desse ouro. Alguém foi lá
e pegou...Então...vocês conseguem fazer essa relação do título com
o texto?
(A2): Não!
(P): Não conseguem visualizar isso?
(A4): Não.
(P): Uma pessoa avarenta ou um homem avarento, no caso o que tá
sendo colocado aqui no texto, é uma pessoa que tem posses, ele tem
dinheiro, e não utiliza. Por isso que o título do texto é “O Avarento”
(A5): O Avarento
(P): Mostra justamente isso, né?
(A5): Ei professora, isso aí é conhecido como miserável!
(P): Também pode ser utilizado como uma pessoa miserável, mas
não é perfeitamente esse o significado. Mas pode ir por esse sentido
aí. Ele foi tão ruim consigo mesmo que ele acabou perdendo o bem
que ele tinha sem desfrutar.
(P): O que mais vocês acharam de interessante nesse texto? Vocês
conseguem visualizar que tipo de texto é esse?
(A6): Uma fábula!
(P): Uma fábula! Por que que é uma fábula?
(A6): Porque ela tem uma moral.
[..]

80
Sabemos que a compreensão leitora exige uma ação sis-
temática do professor para que o aluno atinja esse fim, por
isso, faz-se necessário esclarecermos que, nesse protocolo, fi-
zemos apenas um recorte do processo de mediação da leitu-
ra, mas a interação com os alunos foi muito mais abrangente.
A respeito do modo como se processa a interação na
sala de aula, Cox e Assis-Peterson (2003, p. 128) declaram:
Uma pessoa, investida da função de
professor, adquire poder de determinar
ações aos alunos. Estes, por sua vez,
legitimam esse poder [...] Embora o professor
seja gente de controle social na sala de aula,
a interação se dá de forma compartilhada,
produzida também pelos alunos: melhor,
produzida na relação professor/alunos,
alunos/alunos.

Para orientar a interação por meio da leitura do texto,


incluímos no planejamento os seguintes questionamentos:
• Você sabe quem é o autor do texto?
• O que você entendeu na primeira leitura do texto?
• Você conhece ou conheceu alguma pessoa com a
mesma atitude do personagem principal da fábula?
• Você tem algum pertence que não utiliza? Tem
dinheiro guardado em algum lugar?
• O que você achou de estranho no texto?
• Você consegue relacionar o texto com a sua vida?
Como isso ocorre?
• O autor expõe sua posição acerca do que ocorreu
no texto?
• Você consegue perceber o motivo de o persona-
gem da história estar tão decepcionado?

81
• Você obteve uma nova informação, com a leitura
desse texto. Qual?
Os questionamentos ajudaram a explorar o texto de
modo detalhado. Direcionou-se 8as perguntas sobre o tex-
to, visando relacioná-lo com o cotidiano dos alunos, as-
pecto importante para a compreensão leitora. Também
explorou-se o gênero do texto, o que possibilitou aos alu-
nos o contato com a fábula, ponto imprescindível à com-
preensão do texto, do conteúdo, da composição e do estilo
do texto (BAKHTIN,1979).
Como atividade, solicitou-se aos alunos que marcas-
sem, no texto, as partes que julgassem mais interessantes.
Também pediu-se que retirassem do texto as palavras des-
conhecidas e as reescrevessem em seu caderno. Assim, foi
possível também ampliar o vocabulário, com a utilização do
dicionário e estudo dos sinônimos, um dos objetivos alme-
jados com a realização desse trabalho. Após esse momento,
partiu-se para a exploração da organização do texto a fim
de fornecer aos alunos o entendimento necessário à produ-
ção. Nessa etapa, mostrou-se como o texto foi construído
e quais suas características, conforme o protocolo a seguir.

Protocolo n.º 02: Exploração da organização do gênero fábula


(P) Gente bom dia! Vocês trouxeram o texto que nós trabalha-
mos na aula passada? Peguem aí, por favor!
(P) Nós temos aqui o texto “O Avarento”. O autor da fábula
é Esopo, certo?

8
A mudança de pessoa do discurso, observada deste ponto em diante,
marca a ação da aluna no seu Estágio.

82
(P) Temos aqui uma narração! Estão sendo narrados fatos,
acontecimentos acerca de um certo personagem. As persona-
gens são em geral animais e a história encerra de modo explí-
cito.
(P) Neste texto, a moral está escrita aqui bem embaixo, mas
existem fábulas que você precisa ler e compreender pra você
poder entender esse fundo moral.
(P) Aqui, nesse primeiro parágrafo, há uma apresentação, no
início do texto. Exemplo: “Um avarento tinha enterrado seu
pote de ouro no lugar secreto do seu jardim”. Aqui já está
sendo feita uma apresentação do que o personagem estava
fazendo.
(P) Prestem atenção, porque estou mostrando como o texto
deve ser construído, como vocês devem construir o de vocês.
(A1) É em grupo?
(P) Não! Cada um vai fazer a sua, mas não é agora. Por isso,
prestem atenção no que estou explicando, ok?
(P) Então nós tivemos aí a apresentação que é o início do tex-
to. A história ocorreu no jardim do avarento que é o persona-
gem da fábula, ok?
(P) Temos também a narração dos fatos. Essa narração nós po-
demos chamar de enredo. Temos aqui “e todos os dias antes
de dormir ele ia até o ponto”. Temos uma narração dos fatos,
pois não está sendo contada uma história? O que é narração?
(A2) É contar uma história que não aconteceu com a pessoa...
(A3) Claro que é contar, mas é resumir uma história que acon-
teceu no texto.
(A4) É um fato ou acontecimento
(P) É um fato ou acontecimento! Aqui nós temos esse trecho
da fábula [...] Vocês podem ver que a história vai sendo cons-
truída, vai sendo narrada. Já pensou se fossem algumas pa-
lavras soltas, sem nexo nenhum. Não teria um enredo né?
O enredo é justamente essa questão do desenvolvimento da
história.

83
(P) Temos o ambiente que é o local onde ocorreu a história
“um avarento tinha enterrado seu pote de ouro no lugar se-
creto do seu jardim”. A gente pode ver aqui o local onde
aconteceu essa história?
(A5) Jardim!
(P) No jardim! Muito bem! Então vocês visualizem isso.
(P) Temos o tempo em que a história vai se desenvolvendo.
Temos “ele fez tantas viagens ao local que um ladrão que já o
observava há bastante tempo curioso para saber o que o Ava-
rento estava escondendo veio uma noite e sorrateiramente
desenterrou o tesouro levando-o consigo”. Nós temos aqui o
que está sendo narrado e em que tempo. Está se referindo ao
passado ou ao presente?
(A6) Passado!
(P) É uma história que está sendo narrada no passado. Mas
vejam aqui: “Quando o Avarento descobriu sua grande perda
foi tomado de aflição e desespero”. Onde está o personagem
aqui?
(A7) O Avarento!
(P) Vocês estão vendo que a gente está fazendo uma expla-
nação do que é uma estrutura da fábula. É importante vocês
entenderem porque vocês vão produzir uma fábula, por isso
estou explicando toda essa estrutura pra vocês entenderem
como é construído, tá bom?
(P) Temos ainda o Clímax? Vocês já ouviram falar no Clímax?
(A8) É o maior ponto de tensão da narrativa!
(P) Ou seja, é aquele momento que você diz: “e agora?” Nós
temos “comprar! Exclamou furioso o Avarento! Você não
sabe o que diz! Ora eu jamais usaria aquele ouro!”
(P) O personagem do texto é canguinhas, ele era apegado ao
bem material dele, no caso, o ouro, que não quis gastar. Então,
o clímax está nesse momento aqui. É o momento que o escri-
tor expõe a maior tensão. Qual o sentido de ter dinheiro e não
gastar? De acordo com o texto, alguém que viu o desespero
dele, disse:

84
- “Por que você não gastou? Porque não deixou na sua casa
onde você teria um acesso fácil pra poder gastar?” Aí ele ficou
espantado: “Gastar!” É isso que a gente espera de um avaren-
to. Então, esse aqui é o clímax da história.
(P) Temos também o desfecho. O desfecho já está dizendo é
final da história, é o resultado final da fábula. Temos aí a...
(A9) A moral!
(P) Moral: “Uma coisa ou posse só tem valor quando dela fa-
zemos uso”.
[...]
(P) Agora que vocês conseguiram entender como foi organi-
zado o texto, vocês vão produzir uma fábula, certo? Vão esco-
lher se vão pegar animais, objetos ou seja, fazer diálogos... e
vão desenvolver uma fábula.

Essa fase teve a finalidade de expor aos alunos as


características da fábula. Também visou à exposição das
ideias principais e secundárias e a linguagem utilizada no
texto, embora esse momento não apareça no recorte feito.
Ainda para ajudar na compreensão leitora dos alunos, fez-
-se uma atividade de análise do texto O Avarento, o que
tornou mais possível o entendimento da organização do
gênero. Também entregou-se aos alunos dois textos inti-
tulados Um apólogo, de Machado de Assis 9e A cigarra e a
formiga de Esopo10, para que tivessem outros modelos de
fábula e assim pudessem desenvolver, de maneira mais
consciente, a produção textual.
Percebeu-se que essa atividade contribui de manei-
ra significativa para a produção textual dos alunos, pois
9
ASSIS, Machado de. Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar,
1994, v II.
10
Esopo. Fábulas completas. Tradução de Maria Celeste Consolin
Desotti. Ilustrações de Eduardo Berliner e apresentação de Adriane
Duarte. São Paulo: Cosac Naify, 2013. P. 86.

85
quando eles conhecem melhor o gênero, torna-se mais fá-
cil o processo de escrita.
Após o término dessa fase, os alunos iniciaram, de
fato, o processo de produção do texto. Deu-se orientações
quanto à estrutura e características do gênero solicitado,
organizadas em estratégias metacognitivas a serem obser-
vadas durante a produção do texto, para que fizessem as
correções do seu texto, quando os terminassem.

1. Sua fábula tem título?


2. Há diálogos entre os personagens?
3. Há presença de seres humanos ou animais?
4. Você utilizou sua criatividade na produção do
texto?
5. Seu texto possui moral?
6. Sua letra está legível?
7. Você respeita as margens no momento da produção?
8. Você mantém o espaçamento entre os parágrafos?
9. Seu texto tem pontuação adequada?
10. Seu texto tem sequência e sentido? As ideias es-
tão organizadas?
11. Seu texto tem concordância verbal e nominal?
12. Você utilizou os sinônimos para evitar repetição
de palavras?
13. Você escreveu corretamente as palavras?
O protocolo a seguir explicita esse momento.

86
Protocolo n.º 03: Primeira versão da escrita
[...]
(P) Gente! Prestem atenção! Essas perguntas entregues pra
vocês vão direcionar a correção do texto de vocês!
(P) Vocês vão verificar se o texto de vocês possui todas essas
informações. Elas são para orientar a correção dos textos de
vocês. Você vai verificar se seu texto tem um título, se possui
diálogo, se realmente é uma fábula. Vai ver se ele está todo
alinhado, se possui margem, tudo isso tá?
(P) Olhem só, temos aí a primeira pergunta: Sua fábula possui
um título? Se tiver, ótimo! Há diálogos entre os personagens?
Há presença de seres humanos ou animais? Você utilizou
a criatividade na produção do texto? Seu texto possui uma
moral? Sua letra é legível? Ou seja, dá pra entender o que você
escreveu? É importante, gente! Caprichem na letra porque
fica ruim pra gente entender o que vocês escreveram. Você
respeita as margens na hora da produção? Você mantém o
espaçamento entre os parágrafos? Seu texto tem pontuação
adequada? No lugar do ponto de exclamação alguns colocam
interrogação, às vezes colocam vírgula quando é um ponto
final, ou ponto contínuo. Seu texto possui sequência e sentido?
Ou seja, precisa ter lógica, nexos entre os diálogos, tá? Possui
concordância verbal, nominal? Você utilizou sinônimos?
Vejam que nós estudamos os sinônimos também, que é um
dos recursos para evitar repetição de termos, repetição de
palavras. Você procurou escrever corretamente as palavras?
[...]

O texto a seguir foi escrito por um dos alunos, e repre-


senta a primeira versão da escrita, sem as devidas correções.

87
Quadro 1: Primeira versão do texto
A cobra Invejosa

Era uma vez a cobra invejosa ela tinha muita inveja da


onça pois a onça além
de ser bonita era muito respeitada por todos, já a cobra
não tinha nada nem
ninguém pois a sua arrogancia e ignorancia faz com que
todos se afastem
dela.
Um certo dia a Cobra chegou perto da onça e perguntou
por que ela era tão
respeitada aí ela respondeu:
“ E por que eu tenho amor no coração e respeito as pes-
soas com quem eu falo
e as que eu conheçor.
Então depois que a onça falo aquilo ela pesou e tentou
mudar no primeiro dia
depois que ela mudou ela teve mais respeito com as pes-
soas e parou de
ser arrogante e ignorante então ela em troca o respeito
que ela sempre quiz da
cobra.
Moral: Nunca seja ignorante com alguém pois você não
gostaria de ser tratado
com ignorancia.

O texto revela o que o aluno é capaz de fazer, em


um primeiro momento da escrita, evidenciando, assim, a
necessidade de intervenção do professor nesse processo.
Observamos que, mesmo após as orientações, o aluno não
conseguiu produzir um texto com a qualidade esperada,
por isso, a intervenção do professor é fundamental, como
destacaremos a seguir.

88
Protocolo n.º 04: Segunda versão da escrita
(P) Agora nós vamos pegar um texto que eu selecionei pra
gente trabalhar a correção, e depois vocês vão trabalhar da
mesma forma no texto de vocês, certo?
(P) Agora, nós vamos partir para a correção!
(P) “Era uma vez a Cobra invejosa ela tinha muita inveja da
onça”. Se já está dizendo que ela é invejosa, precisa repetir
inveja de novo?
(A1) Não!
(A2) “Era uma vez a Cobra invejosa que não gostava da Onça,
pois a Onça, além de ser bonita, era muito respeitada por todos”
(A3) Aí, depois de bonita deveria ter uma vírgula também!
(P) Isso! Muito bem! Aqui também “era muito respeitada por
todos”. E aqui, é uma vírgula? Prestem atenção na leitura do tex-
to “Era uma vez uma Cobra invejosa que não gostava da Onça,
pois a Onça, além de ser bonita, era muito respeitada por todos”
(A4) É um ponto!
(P) Vamos apagar a vírgula e colocar um ponto. “Já a Cobra
não tinha nada nem ninguém” e aí?
(A4) Vírgula!
(P) Onde é a vírgula?
(A4) Nem ninguém!
(A5) Depois de “ninguém” também tem.
(P) “Não tinha nada, nem ninguém, pois a sua arrogância e
ignorância [...]”
(A5) Acento circunflexo em arrogância e ignorância.
(P) Isso mesmo.
(P) “Faz com que todos se afastem dela”. Vocês viram que
nós já mudamos o sentido desse primeiro parágrafo. Vocês
perceberam aí que nós já mudamos um pouco o texto. Ele já
ganhou uma nova aparência.
(P) Só dá uma atenção aí ao tempo, não tá contando ali “era
uma vez?” e era uma vez não é no passado? Leia aí pra mim.
(A6) “Era uma vez a Cobra invejosa que não gostava da Onça,
pois a Onça , além de ser bonita, era muito respeitada por
todos”
(P) Pois é, já no próximo parágrafo.
(A7) “Já a Cobra não tinha nada, nem ninguém, pois a sua
arrogância e ignorância faz com que todos se afastem dela”

89
(P) Esse “faz” é “fazia” ...
(A8) “Com que todos se afastassem dela”
(P) Muito bem!
(P ) “Um certo dia a Cobra chegou perto da Onça e perguntou
porque ela era tão respeitada, aí ela respondeu” Como a gente
pode melhorar esse trecho?
(A9) “Um certo dia a Cobra chegou perto da Onça e pergun-
tou”. Aí coloca dois pontos, e na outra linha travessão.
(P) Muito bem! “Um certo dia a Cobra chegou perto da Onça e
perguntou “ porque ela era tão respeitada”. Temos uma pergunta.
(A10) Interrogação!
(P) O que mais a gente pode melhorar aqui, nesta frase?
(A11) É “P” maiúsculo.
(P) “Um certo dia a Cobra chegou perto da Onça e perguntou
porque ela era tão respeitada”
(A12) Esse “por que” não tem acento não, professora?
(P) “Por que” para início de perguntas, o que nós vimos?
(A) “Por que” separado e sem acento.
(A13) Professora, “Aí ela respondeu [...]” Coloca “Então ela
respondeu”
(P) Muito bem! Vamos colocar esse diálogo de uma forma
mais direta? Quando a gente quer perguntar alguma coisa pra
pessoa, a gente não fala mais direto? Exemplo: “ Por que o I.....
está com boné em sala de aula? Então vamos colocar essa per-
gunta de maneira mais direta, como se estivesse se dirigindo
diretamente à Onça!
(A14) “Por que você é tão respeitada?”
(P) Muito bem! “Então ela respondeu:”
(A15) Esse “ela” nem tá identificando quem é.
(P) Quem foi que falou isso aqui? Quem é ela?
(A15) Onça!
(P) Vamos colocar aqui “Então a onça respondeu:” A Onça aqui
pessoal, escreve-se com letra maiúscula, por ser personagem. A
Cobra também. Ok! “Então a Onça respondeu:” “E por que eu
tenho amor no coração e respeito às pessoas com quem eu falo.
(A16) Professora, é “ porque”, com acento, e tem travessão!
(P) Travessão! Muito bem!
(A16) Aí tem aspas? Tem que tirar!
(P) Tira as aspas?

90
(A17) Tira!
(P) “É por que eu tenho amor no coração”. Esse “por que”
separado como resposta, tá correto?
(A17) Não!
(A18) É “porquê” com acento e junto.
(P) “Porquê” junto e com acento é utilizado quando pode ser
substituído por “motivo”. Está substituído por motivo?
(A19) Não!
(P) Então é um “porque” junto e sem acento, utilizado para
respostas. E a Onça não está respondendo? Então vamos colo-
car “É porque eu tenho amor no coração e respeito às pessoas
com quem eu falo”. E aí, como a gente pode melhorar aqui?
(A20) Professora, “É porque eu tenho amor no coração e respeito
ás pessoas com quem eu falo”. Tira o “eu” e fica “com quem falo”.
(P) “É porque eu tenho amor no coração e respeito às pessoas
com quem falo”. Muito bem! O que mais? “E as que eu conhe-
ço”. E aí?
(A21) Professora! Aí tá “as pessoas com quem eu falo e conhe-
ço”. As pessoas que ela fala, é claro que ela conhece, então tira
“as que eu conheço”.
(P) Tira aqui? “É porque eu tenho amor no coração e respeito
às pessoas com quem falo”. Pronto!
(P) Prestem atenção. Que pontuação eu poderia colocar pra
chamar mais a atenção no texto?
(A22) Exclamação!
(P) “ É porque eu tenho amor no coração e respeito às pessoas
com quem falo!” Dá uma ênfase na fala da personagem. São
recursos que você pode utilizar pra melhorar o seu texto, certo?
(P) E aqui nós temos “então depois que a Onça falo”
(A23) Falou!
(P) Isso mesmo!
(P) Esse “então” está correto, nessa colocação?
(A24) Não!
(P) O que nós temos que fazer com ele aí?
(A25) Tirar!
(P) Não.
(A25) Espaço.
(P) Espaço! Muito bem, então vamos dar um espaço nele. Essa
questão de espaçamento dentro do texto é importante para não

91
não deixar o texto todo bagunçado. “Então...” Aqui depois de
“então” temos uma vírgula não é? “Então, depois que a Onça
falo aquilo”
(A26) Falou
(P) “Falou!” Quando vocês estiverem escrevendo um texto
fiquem atentos a essa questão da oralidade, ou seja, a fala de
vocês dentro do texto. A situação aqui foi essa: a pessoa escre-
veu do jeito que ela costuma falar.
(A27) E esse “aquilo”?
(P) “Aquilo” o quê? Está sem sentido, a gente pode substituir
por qual situação?
(A28) “ Então, depois que a Onça falou o motivo de ser res-
peitada..” vírgula!
(P) A Cobra pensou e tentou mudar no primeiro dia. E aí?
(A29) Esse “pensou e tentou mudar no primeiro dia” é uma
afirmação professora!
(P) Isso, é uma afirmação! Prestem atenção “Então depois que a
Onça falou o motivo de ser respeitada, a Cobra pensou e tentou
mudar no primeiro dia”. Pronto! Finalizou. Não finalizou?
(A30) Ponto parágrafo!
(P) Nós não vamos finalizar aí com um ponto parágrafo. Va-
mos dar continuidade, porque aqui um parágrafo só com
duas linhas não faz muito sentido, tá? Vamos continuar.
(A31) Puxa o “depois” pra cima com letra maiúscula.
(P) “Depois que ela mudou”. Vamos corrigir aí! “Depois que
ela mudou...”
(A32) Vírgula.
(P) “Depois que a Cobra mudou, ela ganhou mais respeito
com as pessoas”. Pessoas?
(A33) Animais!
(P) Olha só, outra correção aí. Ela ganhou mais respeito dos
animais ou com os animais?
(A34) Dos animais!
(P) Olhem só, lembrem-se de que ela passou a ter respeito e
obter respeito também. Então tem que colocar duas informa-
ções. Pensem aí como vai ser
(A35) Ela ganhou mais respeito dos animais.
(P) E também passou a...
(A36) Respeitá-los!

92
(P) Olhem só! Vejam bem! Vocês lembram que esse pará-
grafo estava todo desestruturado, não tinha virgula, não
tinha ponto. Era um trecho que não dava pra entender.
Agora olhem como ficou.
(P) “Então, depois que a Onça falou o motivo de ser res-
peitada, a Cobra pensou e tentou mudar no primeiro
dia. Depois que a Cobra mudou, ela ganhou mais respei-
to dos animais e também passou a respeitá-los.”
(P) Vamos para a moral “Nunca seja ignorante com al-
guém, pois você não gostaria de ser tratado com igno-
rância”.
(P) Tem a ver essa moral?
(A37) Não tem nada a ver com o texto, pode apagar tudo.
(A38) Professora, fica assim: “Se você quiser obter res-
peito, não seja ignorante ou arrogante com ninguém”.
(P) Muito bem!
[...]

O processo de mediação apresentado no protoco-


lo anterior é um desafio para os professores, pois requer
tempo e interação constante dos alunos. Para tanto, o pro-
fessor precisa ter assumido a perspectiva interacionista
de ensino de forma que a aprendizagem do aluno resulte
da discussão e construção coletiva do texto. Verificou-se
que o momento da mediação da escrita foi o mais difícil
porque exigiu paciência, controle da turma e domínio dos
diversos aspectos da língua.
O texto a seguir é resultado da mediação da escrita
do aluno, conforme vimos no Protocolo n.º 04.

93
Quadro n.º 2: Segunda versão do texto
A Cobra invejosa

Era uma vez a Cobra invejosa que não gostava da


Onça, pois a Onça, além de ser bonita, era muito res-
peitada por todos. Já a Cobra não tinha nada, nem nin-
guém, pois a sua arrogância e ignorância faziam com
que todos se afastassem dela.
Um certo dia, a Cobra chegou perto da Onça
e perguntou:
- Por que você é tão respeitada?
Então a Onça respondeu:
- É porque eu tenho amor no coração e respeito às
pessoas com quem falo.
Então, depois que a Onça falou o motivo de ser
respeitada, a Cobra pensou e tentou mudar no primeiro
dia. Depois que a Cobra mudou, ela ganhou mais res-
peito dos animais e também passou a respeitá-los.
Moral: Se você quer obter respeito, não seja igno-
rante ou arrogante com ninguém.

Procuramos, neste trabalho, realizar uma ação siste-


mática para que o aluno pudesse ampliar o conhecimento
acerca do gênero, por meio dos seguintes procedimentos:
1. leitura e compreensão do texto.
2. compreensão do gênero.
3. orientações para a produção do texto.
4. análise e refacção do gênero.

Também tivemos a intenção de conscientizar os alu-


nos sobre a importância da reconstrução do texto, possi-
bilitando-lhes o entendimento, na prática, de como ocorre
esse processo. Além disso, possibilitou-se a inclusão de

94
temas traversais que corroboram na formação do aluno,
na compreensão do assunto e na interação dos conheci-
mentos partilhados.

3.3 O resultado das experiências do ensino e da


aprendizagem no estágio

Durante o percurso do estagio, encontrou-se mui-


tas dificuldades relacionadas ao empenho dos alunos na
realização das atividades, fato que compromete a apren-
dizagem e o bom rendimento nos trabalhos. No primeiro
momento em que os alunos tiveram contato com o texto,
alguns o acharam interessante, e outros não entenderam
bem. Prova disso é que nem todos conseguiram relacionar
o título com o conteúdo do texto.
Apesar de toda a explicação sobre a estrutura da fábu-
la, alguns alunos, na primeira versão da escrita, produziram
textos mais próximos de dissertação, outros simplesmente
entregaram textos que não eram de sua autoria, mas outros
chegaram bem próximos da proposta da escrita. Essa situ-
ação precisa gerar reflexões e decisões sobre que atitudes
tomar, isto é, seguir em frente avançando na proposta de
ensino ou retomar a atividade até que o processo de apren-
dizagem tenha sido efetivado para todos os alunos.
Sabemos que o ato da escrita nem sempre é bem-
-vindo pelos alunos, pois fatores como indisposição, falta
de compromisso, dificuldade na realização da atividade,
entre outros, dificultam esse processo. Esses e outros as-
pectos tornam o processo de mediação da escrita difícil,
exigindo do professor paciência e dedicação.

95
Embora tenha sido um processo cansativo, a propos-
ta de refacção coletiva do texto proporcionou aos alunos
a participação na aula e os ajudou a conhecer as possibili-
dades para melhorar seus textos. O resultado que se foi a
participação significativa dos alunos no processo de análi-
se e refacção coletiva do gênero.
Percebemos que o ensino planejado produz diferen-
ça na aprendizagem do aluno, e essa ação só existe verda-
deiramente quando, de fato, alunos e professores partici-
pam e comungam da mesma intenção: a interação com o
fim de gerar aprendizagem.

3.5 Considerações finais

O objeto do ensino da língua materna tem sido muito


discutido, nas últimas décadas, e ao lado dessa discussão
está a concepção assumida pelo professor e materializada
nas ações didáticas de sala de aula.
Mudar o objeto de ensino, isto é, ir além da gramáti-
ca para o texto, exige uma nova prática interativa na sala
de aula e na sua estrutura organizacional, porque uma das
mudanças mais perceptíveis é o tempo destinado às au-
las, em consequência da finalidade da interação. Ensinar e
aprender são processos que demandam diálogos, ajustes,
reajustes e tempo para que as atividades sejam compreen-
didas e realizadas com êxito.
Nesse trabalho percebemos a importância de o pro-
fessor realizar a mediação planejada como ação contínua,
orientada por um processo metodológico sistemático de

96
sequência didática, para a eficiência do processo de pro-
dução textual dos alunos.
Precisamos alimentar a esperança que nutrem Borto-
ni-Ricardo e Machado (2013) de uma guerra santa no ensi-
no da língua, para a resolução dos problemas que afetam
tanto alunos quanto professores. Realizamos este trabalho
com a intenção de responder a esse chamado, que, a prin-
cípio, parece-nos um grande desafio, mas, sobretudo, uma
tarefa possível e satisfatória. Vimos que ações didáticas
planejadas e realizadas com paciência e disposição, na sala
de aula, podem ajudar a realizar os trabalhos de Hércules
apontados por Bortoni-Ricardo e Machado (2013), e tornar
o ensino brasileiro uma ação efetiva de cidadania.
No contexto da educação do campo a mediação da
escrita deve ser constante e significativa para que os alu-
nos assumam essa prática como um instrumento de inser-
ção social e de luta pelos seus direitos. Assim, os conhe-
cimentos servirão tanto para a formação continuada do
professor como para a ampliação do conhecimento intera-
cional dos alunos.

Questões para reflexão

1. Qual é o significado que a mediação da escrita


produz em você?
2. Por que o gênero deve ser considerado o objeto
do ensino da língua materna?
3. Quais procedimentos devem ser adotados na
prática de mediação da escrita?

97
4. Em quais das fases da escrita a mediação do pro-
fessor é mais significativa?
5. A situação apresentada no texto pode ser aplica-
da no contexto da sua sala de aula. Como você
faria isso?

Referências

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São Paulo: Parábola, 2003.

BAKHTIN, Michail. Estética da criação verbal. São Paulo: M.


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pedagógica. São Paulo: Parábola, 2012.

______. Projeto Pontes: entre a pesquisa acadêmica de


sociolinguística educacional e a formação de professores.
Brasília: CNPQ, 2011.

______; MACHADO, Veruska Ribeiro (Org.) Os doze trabalhos


de Hércules: do oral para o escrito. São Paulo: Parábola, 2013.

COROA, Maria Luiza. Linguística, discurso e ensino. Revista do


Gelne, v.4, n.1, 2002. Disponível em: <http://www.gelne.ufc.
br/revista_ano4_no1_10.pdf>. Acesso em 12 jul. 2015.

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Cenas de sala de aula. Campinas, SP: Mercado das Letras, 2003.

DOLZ, J.; NOVERRAZ, M.; SCHNEUWLY, B. Sequências


didáticas para o oral e a

98
escrita: Apresentação de um procedimento. In: SCHNEUWLY,
B; DOLZ, J. Gêneros

orais e escritos na escola. Tradução de Roxane Rojo e Glaís


Sales Cordeiro. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2010.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à


prática educativa. 25. Ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

GERALDI, João Vanderlei (Org.). O texto na sala de aula. São


Paulo: Ática, 2002.

MOTTA-ROTH, Désirée; HENDGES, Graciela. Produção


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PICONEZ, Stela C.B. A prática de ensino: o estágio


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TOMITCH, Leda Maria Braga (Org.). Aspectos cognitivos e


instrucionais da leitura. Bauru, SP: Edusc, 2008.

VYGOTSKY, Liev Semionovitch. Pensamento e linguagem.


São Paulo: M. Fontes, 1998.

99
4 Possibilidades de Uso da VariaçãoLinguística
em Atividades de Sala de Aula da Educação
do Campo
Jairzinho Rabelo
Luzineth Rodrigues Martins

Introdução

A variação linguística é tema recorrente nas discus-


sões sobre as questões de uso da língua porque está sujeita
às condições socioculturais do falante, fato que produz va-
riabilidades e, por isso mesmo, enorme riqueza; mas nem
sempre essa situação é vista como questão positiva, oca-
sionando o preconceito linguístico.
A língua varia de acordo com o contexto em que o fa-
lante está inserido e a fala carrega fortes traços da sua con-
dição sociocultural. Sabemos, também, que o estudo da
variação linguística na sala de aula deve ter a finalidade
de conscientizar os alunos sobre a riqueza e variabilidade
da língua com a finalidade última de ajudá-los a ampliar
sua competência comunicativa.
Embasados pelo pressuposto da variabilidade lin-
guística, discutiremos a importância de o professor conhe-
cer a variação linguística presente na fala do povo brasi-
leiro, e de promover estudos desse tema na sala de aula,
especialmente em contextos de fala no qual as variações
são mais iminentes, como o contexto rural.
A proposta é fazer um breve estudo sobre a variação
linguística visando ao entendimento das motivações para

101
essa variação. Em seguida, propomos uma orientação de
como podemos entender a variação linguística produzi-
da em contextos de não monitoramento. Na seção seguin-
te, fazemos uma abordagem sociolinguística educacional
sobre a variação linguística, com a finalidade de mostrar
aos professores como eles podem assumir uma postura de
esclarecimento sobre as variações ocorridas nas falas dos
trabalhadores rurais ou dos filhos destes, com o fim de eli-
minar o preconceito linguístico.

4.1 A variação linguística: o que é e por que acontece

A variação linguística é uma característica inerente


às línguas naturais em razão das diversas possibilidades
de usos de que dispõem os falantes para suas interações
sociais. É um recurso importante para compreensão da
identidade linguística dos sujeitos, como afirmam Borto-
ni-Ricardo e Machado (2013, p. 56):
A variação é de sua própria natureza e
é um recurso fundamental para que os
falantes marquem suas identidades, seus
papéis sociais, seu alinhamento com o
interlocutor. Estamos conscientes de que
a variação linguística é uma situação real
e abrangente, e que a simultaneidade
da língua padronizada pela gramática
normativa e a existência das diversas
formas que o falante usa para a efetivação
da comunicação, divergem no campo da
praticidade oral e escrita. (BORTONI-
RICARDO; MACHADO 2013, p. 56).

102
Ter consciência da variação linguística ajuda-nos a
encarar com tranquilidade as variações produzidas por
qualquer sujeito, mesmo aquelas que nos parecem mais
estranhas possíveis. Isso acontece porque, no Brasil, a lín-
gua portuguesa utilizada não é uniforme, pelo contrário,
como afirma Bagno (2007, p. 27, 37), é constituída de:

[...] muitas variedades dialetais, pois embora


no Brasil haja relativa unidade linguística
e apenas uma língua nacional, notam-se
diferenças de pronúncia, de emprego de
palavras, de morfologia e de construções
sintáticas, as quais não somente identificam
os falantes de comunidades linguísticas
em diferentes regiões, como ainda se
multiplicam em uma mesma comunidade de
fala. [...] Ou melhor, a língua é ‘heterogênea’
por isso que existem variações.

Bagno (2007) ainda complementa essa informação


esclarecendo que a língua está em constante mudança, e
ao contrário do que se pensa, ela é heterogênea, produzida
por sujeitos diversos em contextos também diversos. Para
esclarecer essa questão, apresenta ainda alguns fatores
que podem ocasionar a variação linguística.

Quadro 1 – Motivações para a variação linguística


Causas Motivações
1. Origem geográfica A língua varia de um lugar para o outro

As pessoas que têm um nível de renda


baixo não falam do mesmo modo das
2. Status socioeconômico que têm um nível de renda médio ou
muito alto e vice-versa

103
O acesso maior ou menor à educação
formal, e com ele, à cultura letrada,
à prática da leitura e aos usos da
3. Grau de escolarização escrita é um fator muito importante na
configuração dos usos linguísticos dos
diferentes indivíduos

Os adolescentes não falam do mesmo


modo como seus pais, nem os pais
4. Idade falam do mesmo modo como as pessoas
das gerações anteriores

Homens e mulheres fazem usos


5. Sexo diferenciados dos recursos que a língua
oferece

O vínculo do sujeito com determinadas


profissões e ofício condiciona seu
modo de falar, sua prática linguística.
Exemplo: um professor fala diferente
de um advogado por ele utilizar um
léxico e um comportamento linguístico
6. Mercado de trabalho construído socialmente no exercício
daquela profissão. Assim, cada grupo
social tem seu modo de interagir por
meio da língua

Os sujeitos interagem de acordo com o


7. Redes sociais meio social em que estão inseridos.
Fonte: Bagno (2007, p. 43).

Certamente já tivemos a experiência de interagir em


contextos de fala com pessoas que produziram variações
nas situações descritas por Bagno. É muito provável que,
em nossa família, em contato como nossos avós, tenha-
mos presenciado alguma palavra diferente daquela que
usaríamos naquele mesmo contexto de fala. Essa situ-

104
ação se aplica aos demais fatores, a origem, o sexo e o
status socioeconômico.
Além desses fatores citados por Bagno, encontram-
-se na literatura outras denominações atribuídas às causas
das variações linguísticas. Segundo Bagno (2007), há cinco
tipos de variação linguística: diacrônica, diatópica, diafá-
sica, diamésica e diastrática. A seguir destacaremos cada
uma delas.
Variação diacrônica – trata-se das mudanças inter-
nas e externas que ocorrem na língua. No primeiro caso,
ocorrem em decorrência da mudança em sua gramática,
isto é, na morfologia, na fonologia, na sintaxe e no léxico.
Já a mudança externa, diz respeito à evolução que a língua
vai passando ao longo dos tempos em suas funções, em
suas relações sociais e em suas relações com determinada
comunidade linguística.
Variação diatópica – é aquela que se verifica na com-
paração entre os modos de falar de diferentes lugares.
Variação diafásica – é a variação estilística, isto é,
o uso diferenciado que cada indivíduo faz da língua de
acordo com o grau de monitoramento que ele confere ao
seu comportamento verbal.
Variação diamésica – é o uso diferenciado que se faz
entre a língua oral e escrita. Está ligada à situação de produ-
ção de interação social.
Variação diastrática – é aquela que se verifica na com-
paração entre os modos de falar das diferentes classes sociais.
As variedades que a língua apresenta são classifi-
cadas como dialeto para caracterizar uma linguagem de

105
determinado lugar; socioleto para designar a linguagem
própria de um grupo; cronoleto para designar a língua fa-
lada em determinada faixa etária; e idioleto para denomi-
nar a linguagem própria de um indivíduo.
Essas possibilidades diversas de adequação da língua
ao contexto de uso garante a variabilidade e faz com que ela
seja adequada à comunidade que a utiliza. Pois são justa-
mente as situações e os contextos diversos de uso da língua
que ocasionam, sob o olhar de algumas pessoas, o precon-
ceito linguístico. Tal preconceito ocorre porque o modo de
falar de uma pessoa relaciona-se com sua condição social,
assim as pessoas que possuem renda muito baixa tornam-
-se alvo de preconceitos por causa do seu modo de falar.
Segundo Bagno (1999, p. 13), “o preconceito linguís-
tico fica bastante claro numa série de afirmações que fa-
zem parte da imagem negativa que o brasileiro tem de
si mesmo e da língua falada por aqui”. Os sujeitos que
possuem renda maior e que tiveram os melhores estudos
são os mais valorizados pela sociedade, por isso recebem
o mérito de que falam melhor o português.
A esse respeito, Bortoni-Ricardo (2005, p. 29), explica
que “no Brasil, a língua padrão é associada ao grupo so-
cial que goza de melhor status”. Assim é comum ver que
a televisão, o rádio e outras mídias dão maior prestígio
a variante padrão e passam a ideia de inferioridade aos
sujeitos que não dominam aquela forma de falar prestigia-
da por eles. Bagno (2004, p. 24) discorda dos julgamentos
postos pela sociedade dizendo: “A língua falada é a ver-
dadeira língua natural, a língua que cada pessoa aprende

106
com sua mãe, seu pai, seus irmãos, sua tribo, seus grupos
sociais etc.” Ninguém tem o direito de julgar os outros por
ter tido pouca educação, pelo contrário, as pessoas devem
ser respeitadas. Bagno complementa que, de acordo com
os estudos da linguística, não existem erros na língua, o
único erro refere-se ao que possa comprometer a comuni-
cação das pessoas.
Bagno (2014) orienta o uso de um modelo com três
tipos de nomenclatura para o tratamento linguístico, des-
crito a seguir, a fim de evitar o preconceito linguístico.

1. Variedade padrão – modelo ideal de língua ins-


pirada na tradição literária e no falar da aristo-
cracia, assumido como objeto de trabalho pelos
autores da gramática normativa.
2. Variedades prestigiadas – conjunto de varieda-
des linguísticas faladas e escritas pelos cidadãos
urbanos mais letrados e de maior poder aquisiti-
vo.
3. Variedades estigmatizadas – conjunto de varie-
dades linguísticas empregadas predominante-
mente pelos falantes das camadas sociais de me-
nor poder aquisitivo e de menor escolarização.

Diante disso, é importante saber que o português


do Brasil tem muitas variedades dialetais e seus falantes
são identificados pela sua geração, comunidade e cultura
a que pertence. Bagno (2007) explica que o fator que mais
ocasiona as variações da língua é o grau de escolarização
do sujeito. Esse fato conduz-nos ao pensamento de que a

107
escola tem um papel imprescindível na orientação de de-
terminados usos linguísticos adequados ao contexto de in-
teração social, no qual o sujeito está inserido.

4.2 Como podemos entender a variação linguística


produzida em contextos de não monitoramento11?

Tomemos aqui alguns exemplos de uma coleta de da-


dos feita por alunos de graduação, como atividade propos-
ta na disciplina Linguística Aplicada ministrada pelo pro-
fessor Jairzinho Rabelo, no município de Iracema em 2013.
As variações produzidas por falantes da zona rural desse
município foram coletadas em contexto de explicação sobre
a produção agrícola mais comum naquela localidade.

Quadro 2 – Perfil extralinguístico dos sujeitos pesquisados


Pronúncia
Informantes das Escolaridade Idade Sexo Estado de
palavras origem
J. R. S miio: 3.ª série
fêjão: do ens. 63 Masculino Maranhão
abóbra fundamental
J. V. S. S mii 3.ª série
fêjão do ens. 47 Masculino Maranhão
fundamental
M. A. S mii, 4ª série
tumate, do ens. 52 Feminino Maranhão
aboba fundamental
macaxera
I. S. fêjão, 4.ª série
macaxera do ens. 80 Masculino Maranhão
mii fundamental
11
Entende-se por não monitoramento a falta de cuidado do sujeito
com a produção de sua fala e a não consideração da adequação da
língua ao seu contexto social.

108
Miiu, 4.ª série
C. P. M Macaxera do ens. 63 Masculino Maranhão
fundamental
fêjão, 4.ª série
J. A. A. S mii do ens. 42 Masculino Maranhão
macaxera fundamental
Milho, 4.ª série
R. P. S fêjão do ens. 74 Masculino Piauí
macaxera fundamental
Fonte: Adaptado de Rabelo (2013). 12

No Quadro 2, pode-se observar que o fator prepon-


derante das variações linguísticas produzidas pelo sujeito
é a escolaridade e o meio sociocultural.
Todos os entrevistados possuem apenas o primeiro
ciclo do ensino fundamental e são moradores de comuni-
dades rurais, áreas em que o letramento escolar é precário e
limitado, às vezes, ao ensino fundamental. Outro fator que
se deve levar em consideração, nessa amostra, é a idade dos
entrevistados. Somente dois entrevistados estão abaixo da
faixa etária dos 50 anos. Nesse caso, a idade tem relação
direta com a forma de falar porque se pressupõe que esses
sujeitos, pelo contexto em que estão situados, tiveram pou-
cas oportunidades de estudo em virtude de ocuparem seu
tempo com o labor do campo, além de pertencerem à época
em que o letramento não era tão valorizado como agora.
É essa análise que precisamos fazer quando estamos
discutindo a variação linguística, pois o uso da língua está
intimamente relacionado com questões sociais.
Atividade realizada com alunos do curso de Letras da Universidade
12

Estadual de Roraima - UERR, Núcleo Iracema, na disciplina Linguística


Aplicada ao Ensino de Línguas.

109
Vejamos o entendimento sobre as variações produzi-
das pelos sujeitos entrevistados:

1. mii – vocalização da consoante lateral palatal /lh/


ou despalatalização, seguido de supressão de vogal;
2. miio – vocalização da consoante lateral palatal /
lh/ ou despalatalização;
3. fêjão – monotongação de ditongos orais decrescentes;
4. abóbra – síncope ou supressão de um fonema no
interior da palavra;
5. aboba – síncope ou supressão de um fonema no
interior da palavra;
6. tumate – elevação da vogal /o/ para /u/  ,
troca de vogal;
7. macaxera – síncope ou supressão de um fonema
no interior da palavra.

A fala desses sujeitos não reproduz a convenção or-


tográfica da língua portuguesa, seja porque no processo de
fala não monitorada o sujeito realiza certas produções foné-
ticas pelo descuido com a sua fala ou porque é pouco esco-
larizado e vive em ambientes de pouco letramento escolar.
As variações linguísticas apresentadas no Quadro 2
não são exclusivas do município de Iracema. Muito já se
pesquisou sobre elas na fala dos brasileiros. A esse respei-
to, Pereira (2006) nos apresenta um quadro de algumas
variáveis do português brasileiro e a denominação refe-
rente ao processo fonológico, no que diz respeito aos tra-
ços graduais e descontínuos (Quadro 3).

110
Quadro 3 – Algumas regras variáveis do português brasileiro
TRAÇOS GRADUAIS
Aférese ou supressão de um ou está > tá; estava > tava; você > cê
mais fonemas iniciais
Síncope ou supressão de um para > pra; xícara > xicra
fonema no interior da palavra
Apócope ou supressão de um correr > corrê; almoçar > almoçá;
fonema final, como o /r/ senhor > senhô
Epêntese ou adição de um ritmo > ritimo; decepção >
fonema no interior da palavra decepição

Ditongação das vogais “a” e “e”, Goiás > Goais; faz > faiz; vez >
seguidas do fonema /s/ veiz

Formação de grupos de força de repente > derepente; por isso >


porisso
Monotongação do ditongo não é > num é; não tem > num
nasal “ão” na palavra ‘não’, que tem
aparece em posição átona no
grupo de força
Supressão /s/ nós fazemos > nós fazemu

Elevação da vogal /e/ para /i/ azeite > azeiti; leite > leiti

Elevação da vogal /o/ para /u/  comeu > cumeu; quando >
quando

Monotongação de ditongos orais ouro > oro; beijo > bejo; caixa >
decrescentes caxa
TRAÇOS DESCONTÍNUOS
Prótese ou adição de um fonema levantar > alevantar
no início da palavra
Epêntese ou adição de um bandeja > bandeija; caranguejo >
fonema no interior da palavra ou carangueijo
hipercorreção
Síncope ou supressão de um número > numru; lâmpada >
fonema no interior da palavra lãpda; porque > puque

111
Metátese ou troca de posição estupro > estrupo; muçulmano >
de um fonema para melhor mulçumano
acomodação fônica

Rotacismo ou neutralização - /l/ planta  >  pranta; bloco > broco;


> /r/ alto > arto

Lambdacismo ou neutralização - garfo > galfo


/r/ > /l/
Supressão do /l/ em palavras carnaval > carnavá
oxítonas
Desnasalização de sílabas finais homem > homi; fizeram > fizeru

Nasalização de sílabas iniciais identidade > indentidade

Assimilação de um fonema sobre falando > falanu; também >


o outro tamém

Supressão do ditongo crescente meio > mei; veio > vei;


oral na sílaba final
Uso do morfema (-im), em geladinho > geladim, beijinho >
substituição a (-inho) beijim

Concordância não-redundante, nós estávamos > nóis tava; nas


tanto nominal quanto verbal bicicletas > nas bicicleta

Vocalização da consoante lateral mulher > muié; velho > véio; galho
palatal /lh/ ou despalatalização > gaio
Fonte: Pereira (2006, p. 124).

Como se observa, são muitas as variações fonéticas


produzidas pelos brasileiros, e como se viu, elas podem ser
decorrentes de muitos fatores; por isso uma análise socio-
linguística da fala desses sujeitos não pode ser assumida do
ponto de vista de um erro, mas de variações existentes no

112
processo linguístico de fala dos brasileiros, e que são moti-
vadas por fatores que vão além da questão linguística.

4.3 Quais são os pressupostos da pedagogia


linguística para o ensino da variação linguística?

A compreensão da variação linguística implicada na


prática do professor foi tratada por Bortoni-Ricardo (2005)
por meio de seis princípios para o desenvolvimento das
ações da Sociolinguística Educacional, vistos como guias
de alcance dos objetivos para a ampliação da competência
comunicativa, com o objetivo de tornar mais eficaz o ensi-
no da norma padrão nas escolas brasileiras. Martins (2012)
os sistematiza, conforme o Quadro 4, para uma reflexão
do trabalho pedagógico do professor de Língua Portugue-
sa do Ensino Médio de uma escola Pública no estado de
Roraima, capital Boa Vista, em sua tese de doutoramento.

Quadro 4 – Princípios da sociolinguística educacional


Princípios para o desenvolvimento das ações da Sociolinguística
Educacional

Atribui à escola a importância de considerar


um planejamento da ação linguística na sala de
1.º aula, com a finalidade de possibilitar aos alunos
Princípio a aquisição de estilos formais monitorados,
de modo a incorporar recursos comunicativos
ao repertório linguístico quando a situação
comunicativa assim o exigir.

113
Assenta-se na compreensão, pelo professor,
do caráter sociossimbólico das regras variáveis
2.º da língua. Essa compreensão rejeita a visão do
Princípio preconceito linguístico e permite a análise da ação
linguística situada em um contexto sociolinguístico
do falante, ao tempo em que reconhece a valoração
social de determinadas estruturas linguísticas.
Refere-se à compreensão da mediação do professor
focado em uma pedagogia culturalmente sensível,
capaz de acolher a variante estigmatizada
3.º socialmente produzida pelo aluno, como o resultado
Princípio de sua inserção em determinada comunidade
linguística, mas também reconhece a importância
de uma ação efetiva do professor na promoção
de oportunidades de uso da variante de prestígio,
como resultado da aprendizagem escolar.
Considera a necessidade de percepção do sujeito
sobre a adequação das escolhas linguísticas em
razão do contexto em que são produzidas. A ação
4.º de monitoramento da língua deve ocorrer quando se
Princípio tratar de eventos que exijam o seu uso formal, assim
o erro de português passa a ter outro sentido na
assunção de uma prática de linguagem monitorada,
em situações de formalidade de uso da língua, e não
monitorada, nas cotidianas informais.
Postula que a variação não pode ser dissociada da
análise etnográfica e interpretativa do uso da variação,
5.º considerando que a língua é produzida em contextos
Princípio de interação e que, portanto, qualquer análise a esse
respeito deve considerar os significados que as escolhas
linguísticas produzidas adquirem no contexto.
Refere-se à contribuição das pesquisas linguísticas na
capacidade de produzir o empoderamento do sujeito.
Considera que as pesquisas transpostas didaticamente
6.º para a sala de aula tornam-se instrumentos de
Princípio autorreflexão e análise crítica das ações de linguagem
produzidas pelos sujeitos. Elas devem possibilitar a
professores e alunos uma conscientização crítica sobre a
variação e a desigualdade social que ela produz.
Fonte: Martins (2012, p. 27 apud Bortoni-Ricardo, 2005, pp 130,133)

114
Tais princípios orientam a ação pedagógica visando
fornecer ao professor a compreensão de uma pedagogia da
variação linguística que vise dar condições para a inserção
social dos alunos, por meio de escolhas linguísticas que se-
jam valorizadas socialmente, sem, no entanto, inferiorizar as
demais variantes e as situações em que elas são produzidas.
É preciso que o professor entenda seu papel no ensino
da variação linguística, que assuma a pedagogia cultural-
mente sensível e trabalhe no sentido de rejeitar o precon-
ceito linguístico, e no sentido de ajudar o aluno a ampliar
sua competência comunicativa. É necessário o entendimen-
to de que as escolhas linguísticas realizadas pelos sujeitos
associam-se ao contexto social em que estes se inserem e
que elas podem ser analisadas de modo reflexivo visando
promover a conscientização dos sujeitos das relações de po-
der presentes nas escolhas linguísticas que fazem.

4.4 Como essas variações podem ser consideradas


no ensino da Língua Portuguesa? Uma análise
sociolinguística

Entender a variação linguística como um fenôme-


no natural da língua, que mantém estreita relação com
as questões sociais, é a primeira ação positiva para a re-
alização de uma abordagem pedagógica desse ensino;
pois uma vez conhecidas as motivações para a variação
linguística e a realidade linguística do povo brasileiro, o
professor pode, a partir desse conhecimento, iniciar um
estudo de pesquisa sobre a variação linguística utilizada

115
pelos alunos e por seus familiares e apresentar como con-
teúdo a ser ensinado.
Para facilitar a compreensão dessa metodologia, Pe-
drosa (2014) também orienta, a seguir, o trabalho do pro-
fessor com a variação linguística.

Figura 1 – Variação e ensino

Análise de erros

Perfil Trabalho pedagógico


sociolinguístico
dos alunos

Elaboração de
material didático

Fonte: Bortoni-Ricardo, (2005, p. 50).

Conforme explicita a Figura 1, é necessário que o


professor conheça as variações produzidas e as relacione
com o perfil sociolinguístico dos alunos ou da comunida-
de, em que a escola está situada, faça um registro sistemá-
tico dessas variações e as transforme em objeto de estudo
na sala de aula.
Pode registrar todas as variações apresentadas pelos
alunos e iniciar o estudo da língua, discutindo com eles
os motivos da realização das variantes apresentadas nas
pesquisas, como questões de natureza da língua brasileira,
explicando essas variantes para os alunos e apresentando

116
a ortografia oficial para cada caso. Nesse sentido, o pro-
fessor deve explicar a norma ortográfica brasileira como
recurso político para a homogeneidade da escrita.
É nesse momento que o professor deverá discutir o
papel do letramento na sociedade atual e conscientizar o
aluno de que a escola é um ambiente institucional que tem
por finalidade promover a melhor inserção social dos alu-
nos. Para isso, deve discutir com os alunos a necessidade de
monitoramento da fala considerando a situação de produ-
ção discursiva em que se encontra o sujeito. O termo moni-
toramento é utilizado para indicar a ação de cuidado com
o uso adequado da língua que deve ter o sujeito em razão
da situação de interação. Por exemplo, uma situação de fala
cotidiana com um colega de classe admite uma linguagem
mais informal, mas se a situação de uso de fala for um semi-
nário, o sujeito deve utilizar uma linguagem mais formal,
sob a pena de ser mal avaliado por seus interagentes.
Tomar consciência do modo adequado de uso da
língua no contexto de interação, tanto na fala quanto na
escrita, e fazer o monitoramento estilístico, isto é observar
a adequação da língua para receber valoração positiva dos
sujeitos da interação, é a melhor maneira de não cometer
inadequações no uso da língua.
Discutindo essa questão, Bortoni-Ricardo (2014)
orienta os professores a ficarem atentos ao modo de falar
dos alunos para que possam intervir de maneira positi-
va, para poder ajudar o aluno a ampliar sua competência
comunicativa, que diz respeito ao aprendizado adquirido
na escola com o fim de alcançar a melhor inserção social.

117
A autora faz um alerta de que o professor, ao não intervir
de forma positiva para adequação de uso da língua pelo
aluno, deixa-os sujeitos a críticas e estigma social.

4.5 Considerações finais

A variação linguística é tema recorrente no ensino


da língua materna, mas ainda não alcançou o lugar que
deveria na agenda do professor por três motivos: primei-
ro, ainda há muito preconceito linguístico por parte do
professor, apesar de ser ele o sujeito promotor do estudo
linguístico na escola; segundo, o professor tem dificulda-
des de trabalhar com a variação linguística, pois ela exige
coleta, análise e sistematização dos dados em forma de
atividades; terceiro, fazer estudo da língua em uso exige a
atuação do professor em um contexto de ensino bem mais
interativo do que o ensino da gramática.
O professor, no entanto, precisa buscar a superação
de todas essas dificuldades para poder atuar como agente
de letramento, pois ampliar a competência comunicativa
do aluno é o papel primordial da escola.
Com o intuito de colaborar nas abordagens discutidas
neste capítulo apresentamos a seguir algumas questões que
também ampliarão os caminhos ora apresentados.

Questões para reflexão

1. Em que medida você considera importante dis-


cutir a variação linguística produzida por seus

118
alunos? De que modo é possível inserir a varia-
ção linguística nas aulas de língua materna?
2. Que variações são mais frequentes na sua comu-
nidade e/ou sala de aula? De que forma é pos-
sível aproveitar a presença delas para ensinar a
língua materna?
3. Quais procedimentos o professor pode adotar
para a prática de uma pedagogia culturalmente
sensível no tratamento da variação produzida
por seus alunos?
4. Como é possível ajudar o aluno a fazer o monitora-
mento estilístico em contexto de uso formal da língua?

Referências

BAGNO, Marcos. Nada na língua é por acaso: por uma


pedagogia da variação linguística. São Paulo: Parábola, 2007.

______. Português ou brasileiro: um convite à pesquisa. 4. ed.


São Paulo: Parábola, 2004.

______. Preconceito lingüístico: o que é como se faz. 9. ed. São


Paulo: Loyola, 1999.

______. Sete erros aos quatro ventos: a variação linguística no


ensino do português. São Paulo: Parábola, 2014.

BORTONI-RICARDO, Stella Maris. Manual de sociolinguística.


São Paulo: Contexto, 2014.

______. Nóis cheguemu na escola, e agora? São Paulo:


Parábola, 2005.

119
______; MACHADO, Veruska Ribeiro (Org.) Os doze trabalhos
de Hércules: do oral para o escrito. São Paulo: Parábola, 2013.

ILARI, Rodolfo, BASSO, Renato. O português da gente: a língua


que estudamos, a língua que falamos. São Paulo: Contexto, 2007.

MARTINS, Luzineth Rodrigues. O processo interacional nas


aulas de língua materna: a mediação e a competência discursiva.
2012. 233 f. Tese (Doutorado em Linguística) – Instituto de
Letras, Departamento de Linguística, Português e Línguas
Clássicas, Universidade de Brasília, Brasília, 2012. Disponível
em: <http://repositorio.unb.br/handle/10482/13672>. Acesso
em: 23 set. 2014.

PEDROSA, Juliene Lopes. Variação-fonético-fonológica e


ensino do português. In: MARTINS, Marco Antônio; VIEIRA,
Sílvia Rodrigues; TAVARES, Maria Alice (Orgs). Ensino de
português e sociolinguística. São Paulo: Contexto, 2014.

PEREIRA, Ana Dilma de Almeida. A formação (sócio) linguística


de professores das séries iniciais do ensino fundamental no
programa de formação continuada: pró-letramento. JORNADA
DE ESTUDOS LINGUÍSTICOS, 21, 2006 João Pessoa. Anais...
João Pessoa, PB: Editora da UFPB/Idéia, 2006; p.

120
5 Pesquisa na Formação e na Prática do
Professor
Luzineth Rodrigues Martins

Introdução

A necessidade de articular a pesquisa ao ensino tem-


-se tornado nos últimos anos, sobretudo após a promulga-
ção da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e
das Diretrizes para Formação de Professores, quase de for-
ma uníssona, a voz de professores formadores e de alunos
em Formação. São muitos os professores que defendem a
pesquisa como prática da profissão, sob o argumento de
que o fato de ensinar exige necessariamente a pesquisa,
posição que também defendemos, mas fazemos a defesa
de que a pesquisa da prática pedagógica precisa repercutir
necessariamente na melhoria da qualidade do ensino.
Acreditamos que esse propósito de assumir a pes-
quisa como ação que promove a construção do conheci-
mento dará ao professor a condição de promover mudan-
ças em sua prática. Dessa forma, a “ação-pesquisadora”
não só deve ajudar o docente a conhecer melhor sua práti-
ca, como também a promover a transformação qualitativa
dela. Defendemos, pois, a pesquisa como processo e pro-
duto, entendendo esse último aspecto como fator de pro-
moção da qualidade do ensino em qualquer das esferas,
seja na universidade, seja na educação básica, ação que
deve ser cada vez mais frequente e responsável.

121
Para propor uma discussão a esse respeito, este capí-
tulo está assim organizado: primeiro apresentamos a rela-
ção intrínseca entre ensino e pesquisa; em seguida defen-
demos a pesquisa como via de construção do letramento
acadêmico, para, em seguida, apresentar vivências com a
pesquisa em diversos momentos da formação de profes-
sor, com o propósito de mostrar como esta se torna aliada
na produção do conhecimento, na análise e no enfrenta-
mento de questões da prática pedagógica.

5.1 Ensino e pesquisa: quando dois se transformam em um

A pesquisa, como elemento inerente à prática de en-


sino, desde os anos 1990, tem sido muito difundida nos
cursos de licenciatura, tornando-se um dos grandes desa-
fios postos a professores e alunos de graduação. Rompe-se
com a ideia de que a ação de pesquisa é legítima apenas na
pós-graduação, com a promulgação da Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional e das Diretrizes para Forma-
ção de Professores. Os professores formadores têm assu-
mido e realizado grandes esforços no sentido de construir
coletivamente essa prática.
Dessa forma, a pesquisa da prática pedagógica en-
contra lugar na LDB, quando esta trata que uma das in-
cumbências do professor é conhecer o ensino que está sob
sua responsabilidade, portanto, tornar-se um pesquisador
da própria prática. Conhecer o ensino requer estudo, ob-
servação, reflexão e ação; requer capacidade de alterá-lo
para adaptar às necessidades dos alunos. Esses procedi-

122
mentos podem e devem ser realizados pelo prisma da pes-
quisa, que desenvolve no professor a atitude vigilante e
indagativa e o leva a tomar decisões sobre o que fazer e
como fazer nas situações de ensino.
Pesquisar a prática significa planejar, observar, agir
e refletir de maneira mais consciente, mais sistemática e
mais rigorosa o que fazemos na nossa experiência diária.
A pesquisa da prática provoca o esclarecimento de uma
situação para uma tomada de posição de consciência pelos
próprios pesquisadores, dos seus problemas e das condi-
ções que os geram, a fim de elaborar os meios e estratégias
de resolvê-lo.
Essa ação, além de nos trazer grande conhecimento
do tema tratado, cumpre um princípio metodológico in-
dispensável à atuação docente, que é ação-reflexão-ação,
uma vez que todo fazer implica uma reflexão e toda refle-
xão implica um fazer, ainda que nem sempre este se ma-
terialize. No processo de construção de sua autonomia, o
professor, além de saber e de saber fazer, deve compreen-
der o que faz. Esses fundamentos reafirmam os objetivos
e as finalidades da proposta de pesquisa sobre a temática
do professor reflexivo, investigador e/ou pesquisador da
sua ação, como defendido por Ghedin (2015), Pimenta e
Ghedin (2002) e Freire (1996)
São muitos os autores que defendem a pesquisa
como ação de fundamental importância na formação, por-
que provoca consciência crítica questionadora e, sobretu-
do, atitude política emancipatória, postura defendida por
Demo (2001). Em atendimento ao seu papel social, o pro-

123
fessor pesquisador assume a pesquisa como ação capaz
de dar ao ensino um corpo estruturado de conhecimen-
to, tornando-se produtor desse conhecimento e agente de
transformação da realidade na sua sala de aula.
Freire (1996) vê a pesquisa e o ensino como ações in-
dissociáveis, quando afirma que não há ensino sem pes-
quisa e pesquisa sem ensino. Comungamos dessa visão,
pois entendemos que, ao deparar com as dificuldades
inerentes à docência, o professor precisará encontrar alter-
nativas para solucioná-las e não poderá fazê-la de modo
assistemático. Ou seja, os benefícios da pesquisa sobre o
processo de ensino-aprendizagem só surgirão quando o
professor souber relacionar objetivos e meios adequados
às necessidades de sala de aula, ação que deve ser constru-
ída conscientemente.
A pesquisa na formação inicial do professor só terá
sentido se produzir melhorias na sala de aula, como afir-
ma Perrenoud (1993). Esse autor cita três dessas melhorias
provocadas pela experiência da investigação: 1. a possibi-
lidade de confrontar-se com dúvidas e incertezas de um
determinado campo de conhecimento e de ser iniciado nos
métodos e na epistemologia da investigação; 2. a promo-
ção de algumas habilidades e atitudes que a investigação
promove; 3. oportunidade de aprender a olhar e escutar
com mais atenção, ou seja, de tornar-se mais observador e
crítico de suas ações e das ações dos outros.
Nessa mesma direção, tem-se defendido na literatu-
ra vigente que a pesquisa na formação do professor é im-
portante não somente porque dá acesso ao conhecimento,

124
mas porque na vivência dela o professor aprende a apren-
der os processos de produção de conhecimento em sua
área específica.
O professor pesquisador, agente de mudança e pro-
dutor de conhecimento, necessita de três condições míni-
mas para efetivar sua ação investigativa: a primeira delas
é a disposição pessoal para investigar sua prática, pois a
pesquisa não se impõe, assume-se. Nesse aspecto, o fator
tempo disponível à atividade de pesquisa é fundamental; a
outra condição é a formação adequada para formular pro-
blemas, selecionar métodos e instrumentos de observação e
de análise, ou seja, o professor precisa ter domínio dos co-
nhecimentos inerentes à sua área e conhecer os problemas
que a afetam, para que possa conduzir determinada pes-
quisa; a outra condição é que o ambiente institucional seja
favorável à constituição de grupos de estudos e que tenha
bom suporte para a realização da pesquisa, tais como acesso
a materiais, fontes de consulta e bibliografia especializada.
Entendemos que a falta de algumas condições afeta
a realização da pesquisa, mas não a elimina. Das condi-
ções apresentadas, as duas primeiras relacionam-se com
decisão pessoal do professor, se ele dá prioridade à busca
de superação. A formação inicial voltada para a pesquisa
é importante em nosso contexto atual, porém a atuação
investigativa na prática pedagógica poderá ser a resposta
para os problemas que aparecem no cotidiano escolar.

125
5.2 O papel da pesquisa na construção do letramento
científico do acadêmico

O letramento científico dos alunos é uma preocupa-


ção dos professores de graduação considerando a realida-
de em que os alunos do ensino médio ingressam na univer-
sidade. Assim, ao assumir a pesquisa como um princípio
educativo, os professores assumem o compromisso com
uma política de letramento científico dos alunos, pois a
formação discente na universidade deve ter como conse-
quência para o acadêmico a construção do seu letramento,
compreendido como a condição do sujeito que interage de
modo produtivo com as práticas sociais do universo cien-
tífico, as quais se referem, segundo Motta-Roth e Hendges
(2010, p. 10), à ação de

desenvolvimento de competências escritas


do aluno para interagir com o mundo
na posição de escritor e leitor de textos
científicos [....] focado no uso da linguagem
para determinada ‘ação acadêmica’ de
avaliar, relatar ou descrever informações e
dados gerados em pesquisa, para influenciar
o leitor e, consequentemente, subsidiar a
prática acadêmica subsequente de pesquisa
e de publicação.

O ato de pesquisar envolve processos sociocogniti-


vos como o domínio dos métodos científicos, a leitura e o
processo da sistematicidade da escrita acadêmica, pois “a
leitura e a escrita são instrumentos imprescindíveis para
que possamos elaborar conhecimentos, refletir sobre as

126
informações e sistematizá-las em uma perspectiva dialó-
gica” (GHEDIN, 2010, p. 49).
Galiazzi (2002, p. 301-302 apud GHEDIN, 2010, p.
50) diz que
A proposta de pesquisa como princípio
didático [...] assume a escrita e a leitura como
dois princípios articuladores do ensino e
da aprendizagem [...] a sala de aula com
pesquisa que propomos [...] considera que o
conhecimento e o poder são compartilhados
e surgem do compromisso mútuo entre
professores e alunos. A aprendizagem é
entendida como um processo de construção
que é resultado das interações entre o que
cada um conhece com a nova informação,
criando uma rede mais complexa de
significados. Com esse entendimento, o
processo de aprender a ler e a escrever
nunca se finaliza, vai se tornando mais
complexo com a escolaridade.

Pensar, pois a pesquisa inserida no ensino é uma boa


estratégia para atingir tanto a exigência da produtivida-
de acadêmica quanto a de inserção social dos discentes no
universo do saber científico.

5.3 O que e para que pesquisar?

Como integrante do magistério superior, vivi 13experi-


ências significativas com a pesquisa, primeiro no Curso Nor-
mal Superior, que foi substituído pela pedagogia, e depois
no curso de Letras da Universidade Estadual de Roraima.
A mudança da pessoa do discurso acontece deste ponto em diante,
13

em razão da apresentação de vivências da autora.

127
Em atendimento às diretrizes de formação de profes-
sores, o Curso Normal Superior foi organizado de modo a
possibilitar aos alunos uma vivência de pesquisa, partin-
do das necessidades enfrentadas por eles na sua prática de
sala de aula. A disciplina Seminário do Desenvolvimento
da Prática Profissional distribuída ao longo do curso teve
o papel de agregar professores e alunos no estudo siste-
mático de um determinado problema pedagógico.
Nesse percurso os alunos tinham o perfil de profes-
sor atuante nas séries iniciais do ensino fundamental, e
logo no primeiro semestre foram orientados a identificar
um problema pedagógico relevante em sua prática peda-
gógica. Dada a identificação desse problema, eles foram
organizados em grupos com interesses afins, e sob a orien-
tação de um professor, realizaram estudos teóricos relati-
vos ao tema. A cada semestre, uma etapa do processo de
investigação da prática pedagógica foi sistematizada, de
modo a encontrar, dentre os tipos de pesquisas, aquele que
respondesse ao problema pedagógico, como foi chamado
no currículo. Essa definição, na prática, deu-se a partir da
análise do objeto de estudo e definiu o tipo de pesquisa a
ser abordada pelos alunos. Esse processo transcorreu nos
oito semestres de formação do aluno-professor.
Como referência para esse processo, há vasta lite-
ratura para subsidiar as pesquisas de cunho pedagógi-
co: André (2003), Brandão (1999), Demo (2001), Fazenda
(2000), Lüdke e André (1986), Thiollent (2003), entre ou-
tros. A exemplo, apresentamos as vivências a seguir.
Vivência 1. A pesquisa colaborativa (interventiva)

128
Como professora formadora do Instituto Superior
de Educação de Roraima, no período 2001-2005, tive, por
meio dos objetivos traçados nos grupos de Desenvolvi-
mento Profissional, como chamávamos os grupos de es-
tudos, a possibilidade de realizar pesquisas etnográficas,
pesquisa-ação e estudo de caso. O que nos possibilitou a
experiência construtiva em relação à formação do perfil do
professor investigador com intuito de refletir sua prática,
construir e/ou reconstruir seus conceitos e transformar
sua ação pedagógica. Passo a descrever essa experiência e
seus resultados.
No caso da pesquisa colaborativa, no primeiro mo-
mento, foi conveniente em razão do tipo comum de proble-
ma pedagógico apresentado pelos alunos. Na maioria dos
casos, muitos problemas foram apontados, por exemplo,
“problemas de aprendizagem”. O grupo em questão ado-
tou o procedimento de realização coletiva de diagnósticos
sobre os problemas apontados pelos professores; análise
quantitativa e qualitativa dos dados obtidos visando co-
nhecer as reais dificuldades dos alunos; estudos teóricos
sobre os determinados temas, discussão sobre a relação
entre os fundamentos teóricos e o diagnóstico elaborado.
Descobrimos, na verdade, que o entendimento que
os alunos de graduação [professores] tinham em relação
a “problemas de aprendizagem” configurava-se em “difi-
culdades de aprendizagem”, “procedimentos metodológi-
cos adotados pelo professor”, “formação do professor em
relação ao conteúdo trabalhado” e “a relação harmoniosa
do professor com a leitura”, entre outros.

129
Evidenciamos uma nova configuração em relação
aos encaminhamentos para responder às necessidades dos
professores, tais como a elaboração de materiais a serem
utilizados em sala de aula para trabalhar as dificuldades
encontradas e aplicação de um projeto de intervenção na
realidade detectada. Conforme a execução dos projetos de
intervenção, como professora orientadora, fazia visitas às
salas de aulas, nas escolas que chamamos de escolas-cam-
po, para acompanhamento das atividades programadas.
Por sua vez, conforme orientação, os alunos organizaram
um portfólio com todos os dados coletados, como uma das
formas de registro sobre a prática realizada, além da ela-
boração de relatório de pesquisa.
As dificuldades em construir um perfil de professor
pesquisador tornaram-se um grande desafio para os pro-
fessores orientadores dos grupos de estudo, mas também
foi um momento ímpar na construção do entendimento da
pesquisa como atividade inerente à docência. Além disso,
foi fundamental investir na formação de um professor que
vivenciasse experiência de trabalho coletivo, fosse forma-
do na perspectiva de ser reflexivo em sua prática, e que se
orientasse pelas demandas de sua escola e de seus alunos.

Vivência 2. Estudo de caso

Outra experiência relevante relacionada à pesquisa


desenvolvida durante o período que nos referimos ante-
riormente o foi o estudo de caso realizado por uma aca-
dêmica em 2005, que trabalhava com alunos adolescentes

130
com deficiência auditiva, que cursavam as primeiras sé-
ries do Ensino Fundamental na rede pública estadual.
Um dos primeiros desafios de quem trabalha com
essa realidade é a necessidade de conhecer como os alunos
aprendem, já que a ausência da audição gera dificuldades
na compreensão e no uso da escrita.
O trabalho realizou-se com um aluno de 18 anos,
estudante do 4.º ano, com deficiência auditiva, com um
quadro de baixa estima, histórico de inúmeras repetências
a ponto de cursar cada série em dois anos, um comporta-
mento muito hostil com todos que dele se aproximavam e
se sentia alheio ao que era proposto pelos professores.
Nesse contexto, a professora teria de alfabetizá-lo,
pois não conhecia a relação que a língua portuguesa tem
com a realidade. O aluno conversava, compreendia e res-
pondia a todas as atividades exclusivamente na Língua
Brasileira de Sinais (LIBRAS), mas como demonstrava
aversão e resistia a todas as propostas de trabalho que uti-
lizassem a língua portuguesa, foi necessário sensibilizá-lo
e estimulá-lo a novas possibilidades de leitura e escrita.
Foi necessário criar uma “cartilha” que estimulasse o
gosto pela leitura e o significado da escrita para o aluno. Essa
proposta necessitou observação do que ele gostava e como
agia em diversos momentos sociais; também foi necessária
a realização de um mapeamento sobre o que era importante
para ele. Por meio desses dados, foram elaborados textos que
tivessem significados pare ele e o desafiasse a avançar.
Com a implementação desse trabalho, o aluno passou
a interessar-se pelas aulas, a não faltar e a não ter vergonha

131
de falar perto de seus colegas. Todo dia chegava com pa-
lavras ou frases que coletava em comerciais e/ou cartazes.
Os resultados foram visíveis e satisfatórios, tanto
para o aluno quanto para a professora. Para o aluno, hou-
ve mudanças na escola e no ambiente familiar de forma
que, no fim do período, estava motivado, lendo, compre-
endendo e produzindo textos orais e escritos. Por outro
lado, para a professora, o trabalho lhe proporcionou redi-
mensionar sua prática em uma perspectiva que atendesse
à necessidade do aluno, tornando-a reflexiva em relação
aos encaminhamentos de textos significativos.

Vivência 3. A pesquisa-ação

A partir das experiências vivenciadas, pudemos di-


recionar nosso fazer pedagógico com um caráter investi-
gativo, como professora de Língua Portuguesa do curso
de Letras da Universidade Estadual de Roraima. Orga-
nizamos o grupo “Sociolinguística, letramento e ensino”
(2013) com o propósito de fomentar nos demais profes-
sores o interesse pela investigação e, ao mesmo tempo,
ampliar a discussão sobre o ensino da Língua Portuguesa
no estado, considerando que a Universidade tem o papel
preponderante em responder aos anseios da sociedade na
qual está inserida, em particular, nas questões de ensino,
que, no caso da Língua Portuguesa, se coloca em um qua-
dro desfavorável em relação a resultado na aprendizagem,
como apontam os índices divulgados nacionalmente.

132
O objetivo da pesquisa é estudar o ensino da Língua
Portuguesa em Roraima envolvendo professores das áreas
de Letras da Universidade Estadual de Roraima, em uma
metodologia de pesquisa-ação. A escolha dessa metodologia
é proposital por experimentar uma possibilidade concreta de
articulação do Ensino Superior com a Educação Básica, o que
possibilitará novos trabalhos nas escolas públicas.
A investigação assumida caracteriza-se pela metodolo-
gia de pesquisa-ação por requerer que os sujeitos pesquisa-
dores se percebam como parte integrante da pesquisa e, as-
sim, intrinsecamente envolvidos em seu problema-objeto. As
etapas do processo de pesquisa constam de mobilização para
pesquisa, diagnóstico e análise do problema, plano de ação
para discutir os resultados da pesquisa e busca de alternati-
vas que visem à resolução dos problemas encontrados. Nesse
processo vivenciamos a construção de conhecimento partindo
de uma perspectiva dialética do problema, que permita aos
sujeitos envolvidos a análise de questões relacionadas com o
ensino de Língua Portuguesa em suas múltiplas relações.
Pesquisar os problemas enfrentados pela sociedade
roraimense e dispor de respostas científicas para tais ques-
tões foi o desafio dos profissionais envolvidos no projeto.
Os resultados da pesquisa suscitaram discussões e
encaminhamentos práticos como um curso de extensão vi-
sando à apresentação de propostas teórico-metodológicas
que respondessem aos problemas detectados. Esse curso
já foi desenvolvido em uma turma de professores com o
perfil da pesquisa e será realizado em outras turmas, com
o fim de alcançar o maior número possível de professores.

133
Vivência 4. A etnografia

No segundo caso, do Curso de Letras (2013, 2014),


a experiência com pesquisa ocorreu na disciplina Prática
Profissional III e IV. Essas disciplinas têm o propósito de
ajudar os alunos de letras a consolidarem o perfil de pro-
fessor pesquisador. O acadêmico deve recortar um proble-
ma de seu interesse, relacionado com a prática de ensino
de Língua Portuguesa ou nas habilitações do curso para
fazer sua pesquisa. O grupo de alunos atendidos estava
cursando Letras com habilitação literatura, logo as pesqui-
sas foram voltadas para essa área.
As pesquisas são consideradas etnográficas porque
os objetos de estudo são as situações de ensino que só po-
dem ser analisadas por meio de observação direta e de um
processo descritivo, que será registrado em forma de pro-
tocolos verbais (TOMITCH, 2008). A pesquisa etnográfi-
ca (BORTONI-RICARDO, 2005) é um bom recurso para
o conhecimento e a análise dos processos que ocorrem no
ambiente de sala de aula; por isso é comum que muitas
utilizem os procedimentos desse tipo de pesquisa.
Apresentaremos a seguir um quadro-resumo das
pesquisas realizadas pelos alunos das disciplinas citadas.

134
Quadro – Resumo das pesquisas realizadas pelos alunos das disciplinas citadas(continua)
Título Problema Objetivo Asserção Procedi-mentos de coleta
de dados
Uma análise Os alunos que Avaliar o nível de Os alunos não apresentam 1. Entrevista com a professora
etnográfica terminam o ensino leitura dos alunos do um nível desejável de para conhecer o modo como
do processo fundamental e 9.° ano “A” do ensino leitura porque esse ensina a leitura
de leitura e médio, na maioria, fundamental e o processo não ocorre de 2. Observação direta em sala
m e d i a ç ã o não são capazes de processo de mediação modo sistemático na de aula
pedagógica na ler, interpretar ou pedagógica da Escola escola 3. Teste para avaliar o nível da
escola Estadual compreender de Estadual Desembar- leitura dos alunos
Dembargador maneira satisfatória, gador Sadoc Pereira
Sadoc Pereira textos mais complexos
O lugar da Muitos alunos Analisar os fatores A capacidade oral 1. Observação direta durante
oralidade na a p r e s e n t a m e as dificuldades dos alunos do 8.° ano a aula para conhecer como
sala de aula dificuldade na que causam o mau pode ser dificultada ocorre o processo de oralidade
oralidade e a escola desempenho na por causa do próprio 2. Entrevista com as
oralidade dos alunos sistema escolar que dá professoras do 8° ano para
tem demonstrado
do 8.° ano da Escola pouca ênfase à oralidade saber os meios que elas
pouco interesse
Estadual e também porque utilizam para trabalhar a
em discutir este os professores dão oralidade
Desembar-gador
problema. Sadoc Pereira prioridade à escrita, e 3. Exercícios sobre oralidade
não à oralidade para avaliar o nível dos alunos
A produtivida- O tempo utilizado Investigar a produtivi- Se o professor gastasse 1. Entrevista com professores,
de do nsino da nas aulas de Língua dade do tempo utilizado menos tempo com alunos e coorde-
Língua Portu- Portuguesa não é nas aulas de Língua atividades de gestão nadores
guesa: uma ná- suficiente Portuguesa na turma da sala de aula, teria 2. Obser-
lise do tempo e para a de 8.º ano do Ensino mais oportu-nidade vação e filmagem de algumas
das atividades aprendi- Funda- de realizar atividades aulas para
de língua zagem qualitativa mental da Escola produtivas em sala de realização de um mapa de
portuguesa Estadual Desembar- aula eventos

135
gador Sadoc Pereira
Quadro – Resumo das pesquisas realizadas pelos alunos das disciplinas citadas(conclusão)

136
Título Problema Objetivo Hipótese Metodologia
As variações A variação Analisar o tratamento Uma abordagem 1. Observação em sala de aula
linguísticas na linguística não tem que o professor de adequada da 2. Entrevista com a professora
Escola Estadual espaço merecido Língua Portuguesa variação linguística 3. Teste sobre variação linguística
Desembargador na agenda atribui à variação no ensino da Língua
Sadoc Pereira na do professor Portuguesa está
de Língua
linguística na Escola relacionada com
turma do 9.º ano Estadual Desem-
Portuguesa a formação do
bargador Sadoc professor.
Pereira, nas turmas do
9.º ano, no muni-cípio
de Alto Alegre
Práticas de Os professores Investigar as práticas O ensino da 1. Observação direta na sala de
ensino de Língua de Língua de ensino de Língua Língua Portuguesa aula
Portuguesa e Portuguesa e Portuguesa e Literatura e Literatura não 2. Gravação em áudio e vídeo de
Literatura Literatura ainda adotados pelos tem alcançado os algumas aulas
c o n t i n u a m professores da Escola índices satisfa- 3. Diário de bordo
u t i l i z a n d o Desem-bargador Sadoc tórios porque os 4. Entrevista com as professoras
metodologia Pereira, por meio professores, quase das turmas pesquisadas.
de ensino, das meto-dologias e sempre, recorrem às
que, segundo conteúdos adotados práticas tradicionais
alguns autores, é pelos professores do 9.º e desatuali-zadas,
arbitrária e insufi- ano do ensino funda- em virtude de
ciente para desen- mental e 3.ª série do falta de formação
volver nos alunos ensino médio continuada que dê
compe-tência de subsídio ao desen-
leitura e produção volvimento de
de textos práticas contem-
porâneas do ensino
da língua materna
Fonte: a autora.
A experiência com a produção de conhecimento por
meio da pesquisa é significativa para os alunos em forma-
ção que veem nos procedimentos de pesquisa os instru-
mentos para o estudo e análise de determinado problema
pedagógico. Especialmente esse tipo de ação cumpre o
propósito de buscar alternativas para a melhoria da quali-
dade do ensino.

5.4 Considerações finais

Discutir a necessidade de melhorar qualitativamente


o ensino requer que a prática pedagógica atual seja repen-
sada para que o professor atenda ao perfil exigido na con-
temporaneidade e conheça as incumbências do ensino que
está sob sua responsabilidade, ou seja, conhecer o ensino re-
quer estudo, observação, reflexão e ação; requer capacidade
de alterá-lo para adaptar às necessidades reais dos alunos.
Para isso, o professor não pode se revestir apenas do
papel de professor que ensina, mas também de pesquisa-
dor, com atitude vigilante e investigativa que o leva a tomar
decisões sobre o fazer e como fazer nas situações de ensino.
Dessa forma, ao discutir o ensino é preciso que se ana-
lise a função da pesquisa na formação do professor como
ferramenta necessária à melhoria da qualidade do ensino, es-
pecialmente no contexto da educação no estado de Roraima.
Com o propósito de suscitar uma reflexão sobre a
importância na pesquisa na prática do professor, para dar-
-lhe a condição de professor-pesquisador, apresentamos a
seguir algumas questões.

137
Questões para reflexão

1. Foi demostrada a importância de assumirmos


a postura de professor pesquisador. Apresente
uma reflexão sobre a medida dessa importância
na sua prática.
2. Comente de que forma(s) a pesquisa pode ser
aliada na melhoria da sua prática pedagógica.
3. Um dos argumentos apresentados no texto, para
o desenvolvimento da pesquisa na docência, é a
condição de ela promover o desenvolvimento do
letramento. Explique como ela pode ser uma alia-
da da construção do letramento dos seus alunos?
4. Reflita sobre qual das pesquisas citadas você con-
sidera ser a mais adequada ao seu contexto de en-
sino. Justifique.

Referências

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escolar. 9. ed. Campinas, SP: Papirus, 2003.

BORTONI–RICARDO, Stella Maris. O professor pesquisador.


São Paulo: Parábola, 2005.

BRANDÃO, Carlos Rodrigues (Org.). Repensando a pesquisa


participante. São Paulo: Brasiliense, 1999.

DEMO, Pedro. Pesquisa: princípio científico e educativo. 8. ed.


São Paulo: Cortez, 2001.

138
FAZENDA, Ivani Catarina Arantes. Interdisciplinaridade:
história, teoria e pesquisa. 5. ed. São Paulo: Papirus, 2000.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à


prática educativa. 25. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

GHEDIN, Evandro. Estágio com pesquisa na formação


inicial de professores. Relatório final de pesquisa. –
Programa de Pós-Doutorado, Faculdade de Educação,
Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010.

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LUDKE, Menga. ANDRÉ, Marli E. D. A. Pesquisa em educação:


abordagens qualitativas. São Paulo: EPU, 1996.

MOTTA-ROTH, Désirée; HENDGES, Graciela. Produção


textual na universidade. São Paulo: Parábola, 2010.

PERRENOUD, Philippe. Práticas pedagógicas, profissão


docente e formação: perspectivas sociológicas. Lisboa: Dom
Quixote, 1993.

PIMENTA, Selma Garrido e GHEDIN, Evandro (orgs).


Professor Reflexivo no Brasil: gênese e crítica de um conceito.
2 ed. São Paulo: Cortez, 2002.

THIOLLENT, Michel. Metodologia da pesquisa-ação. 12. ed.


São Paulo: Cortez, 2003.

TOMITCH, Leda Maria (Org.) Aspectos cognitivos e


instrucionais da leitura. São Paulo: Edusc, 2008.

139
6 Material Didático: Uso e Reflexão na
Construção do Conhecimento
Jairzinho Rabelo

Introdução

A escassez e/ou falta de instrumentos para trabalhar-


mos o ensino de Língua Portuguesa na escola é algo corri-
queiro. Muitas vezes temos somente o livro didático ou
textos fotocopiados como referências para nossa prática pe-
dagógica. Como contribuição para esta questão, este capítulo
tem o propósito de demonstrar as possibilidades de constru-
ção de materiais pedagógicos diversos por meio da disponi-
bilização de elementos simples, que servirão de suporte para
as aulas de Língua Portuguesa. Ajuda-nos também a refletir
sobre a importância da participação dos alunos na constru-
ção e na execução das atividades e, ainda, colabora na análise
crítica desses materiais para que sirvam à formação integral
dos alunos e à reflexão contínua do professor.
Os recursos didáticos, na educação do campo, podem
até estar disponíveis, mas se os professores não os domi-
narem, dificilmente colaborarão na construção do conheci-
mento dos alunos. Exemplo disso é o grande número de
laboratórios de informática, netbooks do projeto um com-
putador por aluno (UCA), salas de multimeios, salas de
leitura, bibliotecas, que não se utilizam porque o profes-
sor, além da falta de domínio, tem dificuldades no plane-
jamento das aulas utilizando esses recursos. Diante dessas
e de outras adversidades, a construção de material didático

141
é premente, para dinamizar e potencializar o trabalho do
professor, e servir de referência na formação dos alunos.
Diante desse panorama, surge uma gama de ques-
tões, mas a principal é: Como elaborar e/ou utilizar o ma-
terial didático? Quando estávamos na graduação sempre
ouvíamos que o professor deve ser criativo e construir seu
próprio material de trabalho, mas a criatividade tem limi-
tes e a sobrecarga de trabalho faz com que o professor fi-
que limitado ao uso do material que está disponível.
Dessa forma, discutiremos o dilema do material didá-
tico, de forma a compreender como e quando utilizarmos.
Além disso, refletiremos sobre o professor e as possibilida-
des de uso de materiais diversificados no ensino de Língua
Portuguesa, em busca de compreender o papel do docente
na formação dos alunos. Mais adiante trataremos acerca do
material didático, em uma perspectiva de instrumento de
ensino e de aprendizagem, discutindo seu uso crítico e ava-
liando seu uso e construção. Finalmente, refletiremos sobre
a participação dos alunos na produção de material didático
e apresentaremos relato de construção de alguns materiais:
a) livros artesanais; b) vídeos; c) histórias por meio de ma-
pas; d) jogos de letras; e) registros fotográficos.

6.1 Como e quando usar: o dilema do material didático

O uso do material didático está diretamente relacio-


nado ao planejamento e aos objetivos de ensino. É fun-
damental que o professor defina os passos a serem se-
guidos ao trabalhar com seus alunos durante o ano. Para

142
isso, existem os instrumentos de planejamento, sejam eles
anuais, bimestrais ou diários. No processo de elaboração
desses planejamentos, surgem dúvidas de quando e como
utilizar o material didático.
Segundo Garcia (2011), o material didático é media-
dor entre professor, alunos e os conhecimentos. Ainda
precisa ser alvo de mais pesquisas, principalmente como
elemento da formação dos professores. É necessário que
compreendamos e discutamos a presença de material di-
dático na aula e na formação dos nossos alunos; no en-
tanto, será que nossos professores estão preparados para
utilizá-lo e/ou produzi-lo?
Dentre os diversos materiais, observamos que o com-
putador tem ganhado bastante espaço no contexto escolar.
Segundo Ripper (1996, p. 66), na construção do conheci-
mento, o computador tem uma importância essencial.

Entre as novas tecnologias, o computador


ocupa um lugar de destaque pelo poder de
processamento da informação que possui.
O computador é ao mesmo tempo uma
ferramenta e um instrumento de mediação.
É uma ferramenta porque permite ao
usuário (aluno ou professor) construir
objetos virtuais, modelar fenômenos em
quase todos os campos de conhecimento.

É necessário, contudo, compreender como os profes-


sores lidam com as novas tecnologias que fazem parte do
cotidiano escolar.
As escolas do campo, mesmo a despeito das adversi-
dades, têm acesso a algum tipo de tecnologia, dentre elas,

143
o uso do computador como um instrumento de construção
dos conhecimentos. Diante disso, perguntamos se nossos
professores estão preparados adequadamente para o uso
das tecnologias em favor da formação dos alunos.
Os questionamentos listados anteriormente nos le-
vam a reflexão de como o material didático está sendo
utilizado no espaço escolar, visto que a maioria dos pro-
fessores não tem e/ou não utilizam seus conhecimentos
para colaborar com seu trabalho. Diante disso, colocamos
em discussão as formas como o professor lida com o com-
putador na escola, o que remete às novas modalidades do
uso do computador na educação, visto que apontam para
uma nova direção: o uso dessa tecnologia não como má-
quina de ensinar, mas como ferramenta educacional, de
complementação, de aperfeiçoamento e de possível mu-
dança na qualidade do ensino, enriquecendo ambientes
de aprendizagem.
Não é somente o computador, no entanto, que deve
ser considerado como veremos mais adiante, outros re-
cursos serão propostos, visto que “recurso didático é todo
material utilizado como auxílio no ensino-aprendizagem
do conteúdo proposto para ser aplicado pelo professor a
seus alunos” conforme define Souza (2007, p. 111).
Em alguns casos, o computador pode ser um cola-
borador, por exemplo, para construção de uma linha do
tempo contando a história de uma comunidade de traba-
lhadores rurais. No caso do ensino de Língua Portuguesa
em escolas do campo, as possibilidades de ensino e apren-
dizagem são ampliadas, visto que é possível um trabalho

144
interdisciplinar, de maneira mais facilitada, com todas as
áreas. Como veremos adiante, essas possibilidades têm
não somente o professor como agente na construção do
conhecimento, mas o aluno tem seu papel de ampliar suas
formas de apreender.

6.2 A relação professor e aluno no uso do material


didático

Apesar de ainda existir, não é aceitável que, na rela-


ção professor-aluno, somente o primeiro seja considerado
o único detentor do conhecimento. O aluno, ao ter respei-
tada sua história e ter considerado seus conhecimentos
prévios, por parte do professor, torna-se efetivamente um
dos detentores do conhecimento e pode compartilhá-lo.
Seja na construção de um livro artesanal, seja na produ-
ção de vídeos, a participação dos alunos é essencial para
o sucesso da atividade. Com isso, entendemos que, para
que professor e aluno tenham sucesso no uso do material
didático, são necessários processos colaborativos e cons-
trutivos desde o planejamento até a avaliação.
O professor deve motivar e incentivar seus alunos,
despertando-os para o conhecimento e obtendo resultados
positivos de aprendizagem não somente com sua vontade e
competência profissional, mas com seu carisma e a manei-
ra como interage com seus alunos; isso porque melhor do
que qualquer material didático é o professor conversar com
o aluno sobre o conteúdo. O professor ainda tem um papel
importantíssimo. Não existe assim nada que o substitua, por

145
isso é que na relação aluno-professor, mediada pelo material
didático, aquele não deve sobrepor a esse e vice-versa.
Para isso, é importante que as formações inicial e con-
tinuada dos professores sejam repensadas, visto que devem
considerar não somente o ideário pedagógico existente so-
bre essa utilização do material didático como também os
saberes e experiências vividas por esses profissionais na es-
cola. Assim, ao considerarmos importantes os saberes dos
professores sobre o material didático, abriremos mais um
espaço para vermos esses profissionais como sujeitos de
sua prática, portanto capazes de refletir e colaborar com a
construção do material didático na sala de aula.
Consideramos que o conjunto de saberes, valores e
significados construídos em torno de um objeto é que o
faz tornar-se útil ao processo de ensino-aprendizagem,
transformando-o em um material didático, e que esses sa-
beres criam “regimes de verdade” dominantes, capazes de
orientar nossa visão e pensamento sobre “como” ensinar.
Assim, em torno do material didático, tem-se construído,
ao longo da história da educação brasileira, um discurso
que legitima sua utilização em sala de aula, salientando
suas potencialidades rumo a um ensino moderno, renova-
dor, eficiente e eficaz.
Somente a presença do material didático na sala de
aula não é capaz de transformar positivamente o proces-
so de ensino-aprendizagem. Cabe ao professor saber de
maneira adequada incorporá-lo à sua prática cotidiana, de
acordo com as condições estruturais de sua escola e as ne-
cessidades de seus alunos.

146
6.3 O papel do material didático como instrumento de
ensino e aprendizagem

Historicamente, a evolução do material didático,


como propõe Wilbur Schramm (apud SANT’ANNA,
2004), passa por quatro gerações: a) primeira geração: ex-
plicação no quadro, mapas; b) segunda geração: manuais,
livros, e textos impressos; c) terceira geração: gravações,
fotografias, filmes, fixos, rádio e televisão; d) quarta ge-
ração: laboratórios linguísticos, instrução programada,
emprego de computador. Além disso, há a geração atual,
que é a da inserção dos avanços tecnológicos nas salas de
aulas, seja por meio da internet ou de outros instrumentos
que revolucionem as formas de ensinar e de aprender.
Em se tratando dos recursos de utilização do mate-
rial didático, Cerqueira e Ferreira (2000) informam que
eles se dividem em três, que são: elementos naturais, ou
seja, tirados da própria natureza (água, pedra e animais),
também recursos pedagógicos: quadro, cartaz, gravura,
flanelógrafo, álbum seriado, maquete, slide, etc., e recur-
sos tecnológicos: internet e seus dispositivos como labora-
tórios de línguas, softwares e outros.
Garcia (2011), ao tratar da importância do material
didático, diz que, como artefatos incorporados ao trabalho
escolar, ele contribui para estabelecer algumas das condi-
ções em que o ensino e a aprendizagem se realizam e, nes-
se sentido, ele tem uma grande valia e pode cumprir fun-
ções específicas, dependendo de suas características e das
formas pelas quais ele participa da produção das aulas.

147
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) dizem
que “o material didático é um instrumento de trabalho na sala
de aula, informa, cria, induz à reflexão, desperta outros inte-
resses, motiva, sintetiza conhecimentos e propicia vivências
culturais” (BRASIL, 1998). Com isso, podemos dizer que o ma-
terial didático se constitui elemento mediador da relação entre
professor, alunos e o conhecimento a ser ensinado e aprendi-
do. Se for assim entendido, não é difícil compreender que um
dos elementos fundamentais da relação que estabelecemos
com esse material está na intencionalidade que guia a escolha
e a utilização dele, em diferentes situações e com diferentes
finalidades. Dessa forma, é fundamental que o professor saiba
selecionar e utilizar de maneira adequada os materiais.
O material didático, ao ser utilizado de forma diver-
sificada e contínua, demonstra a capacidade de renovação
pedagógica do professor. Com isso, ele se sente ator das
mudanças necessárias na educação, e sua prática docente
revela-se inovadora e para além das expectativas. Com o
intuito de tornar o processo de ensino-aprendizagem mais
concreto, menos verbalístico, mais eficaz e eficiente, é que
o uso de material didático em sala de aula tomou grande
importância. Assim, os professores ganharam o papel de
efetivadores da utilização desse material, de maneira a con-
seguir bons resultados na aprendizagem de seus alunos.
O uso do material de didático de forma adequada
por professores e alunos faz com se criem oportunidades
de maior participação dos alunos e os torne ativos nas au-
las. É necessário que seja quebrado o excesso de verbalis-
mo do professor, com intenção de prender a atenção dos
alunos, mas causa cansaço tanto a ele quanto ao aluno.

148
Em razão disso, um dos propósitos de uso do material di-
dático é facilitar a aprendizagem do aluno e colaborar na
organização do planejamento do professor, visto que con-
cretiza os assuntos a serem trabalhados. Com isso, torna a
aula mais interessante e prazerosa para ambos.

6.4 O uso crítico do material didático

Utilizar o material didático não se constitui em uma


simples operação de pegá-lo e apresentá-lo aos alunos. O
professor tem a grande responsabilidade de analisar criti-
camente a função do material na relação ensino-aprendiza-
gem, pois é uma questão central entendermos quais são os
objetivos que pretendemos atingir ao escolher um ou outro
material. Essa escolha tem repercussão em todo o percurso
que faremos durante o ano com nossos alunos. É imprescin-
dível que, ao aplicar os meios didáticos, o professor consi-
dere a importância de compartilhar os conhecimentos den-
tro das necessidades e priorizar a cultura do discente. Deve
conhecer bem, portanto, a realidade do aluno para propor o
uso ou construção de qualquer material didático.
Assim, devemos pensar que, muitas vezes, trata-
mos os materiais como artefatos que poderiam ser usados
para qualquer conteúdo ou disciplina, mas isso talvez seja
verdadeiro apenas em um pequeno número de situações.
Como eles são mediadores, cada conteúdo a ser ensinado
e aprendido necessita um tipo específico de material, que
possa efetivamente contribuir para estabelecer algumas
condições favoráveis para o ensino e a aprendizagem. Há

149
materiais que podem ser – e são – usados em diferentes dis-
ciplinas, como os filmes, por exemplo, mas a forma como o
professor organiza o trabalho deve privilegiar a especifici-
dade do conhecimento que deseja ensinar/aprender, por
exemplo, o conhecimento linguístico, artístico ou o histó-
rico, para lembrar três áreas de conhecimento nas quais o
uso desse material é altamente indicado.

6.5 Avaliação da construção e do uso do material


didático

Como vimos, ao professor não cabe somente utilizar


o material, por isso é necessário que ele crie um ambiente
propício para que haja possibilidade de avaliação de todo
material construído e utilizado com os alunos. Essa avalia-
ção é fundamental para a continuidade das atividades de-
senvolvidas. Reconhecer os avanços e corrigir as possíveis
falhas trará ganhos imensuráveis na formação dos alunos
e prática cotidiana dos professores. Em se tratando do en-
sino de Língua Portuguesa, todas as etapas do processo de
construção e avaliação dos conhecimentos serão ao mes-
mo tempo produto e processo na formação dos alunos.
Segundo Malmann (2006), a mediação pedagógica
nos materiais envolve situações comunicativas entre as
pessoas reunidas em torno dos saberes a ensinar e apren-
der. Compreende a ação educacional como movimento ca-
racterizado pela interação dos professores com os alunos
sob os signos da cooperação e da autonomia. A elaboração,
a organização e a utilização de material didático caracte-

150
rizam uma necessidade de recolocar a tarefa da docência
na efetiva prática docente. Ele precisa construir e refletir
sobre essa construção por meio de uma criteriosa avalia-
ção em que busque compreender os avanços atingidos na
formação dos docentes e desafios a serem enfrentados.

6.6 Construção de material didático

Nesta seção nos propomos a apresentar alguns ma-


teriais que podem ser produzidos com os alunos e con-
comitantemente utilizados na sua formação. É certo que
são somente proposições ou pequenos relatos de vivências
de mediadores de leitura, acadêmicos e/ou de professores
em sala de aula ou fora dela; não servem como receitas
prontas, mas como possibilidades de construção com base
nessas vivências.

6.6.1 Livros artesanais

A experiência aqui apresentada na elaboração de


livros artesanais realizou-se em três momentos entre os
anos de 2007 e 2009 em dois espaços distintos. Os dois
primeiros em dois Congressos da Expedição Vaga Lume
(EVL), que tratou sobre a formação de mediadores e mul-
tiplicadores de leitura para atuarem na Amazônia Legal
Brasileira, e o terceiro na Comunidade Indígena Boca da
Mata14, quando da realização de uma Oficina de Formação

Localizada na Terra Indígena de São Marcos, município de


14

Pacaraima, estado de Roraima.

151
de Mediadores de Leitura, com vistas a atuarem nas Bi-
bliotecas Comunitárias distribuídas pela EVL.
Aprendemos nesses eventos a importância da for-
mação de leitores, mas principalmente de nos tornarmos
pessoas comprometidas com a nossa realidade. Em razão
disso, os livros artesanais produzidos versam sobre a rea-
lidade em que cada participante está envolvido.
Roda de História – primeiramente os participantes
foram divididos em grupos. Cada um dos grupos escolheu
uma pessoa da comunidade para fazer uma entrevista. A
ideia era que eles obtivessem diversas informações sobre a
comunidade e juntassem o máximo de histórias interessan-
tes que pudessem ser relatadas em um livro. Em geral, as
pessoas escolhidas eram as mais experientes da comunidade.
Produção do Livro Artesanal – os participantes es-
colheram uma das histórias e foram desafiados a produzir
um livro. Eles optaram por escrever em duas línguas, a
portuguesa e a língua da sua etnia; no caso da comuni-
dade em questão, são Makuxi, Wapichana e Taurepang.
Escreveram as histórias e fizeram as ilustrações em papel
ofício, juntaram as páginas e amarraram com fita ou palha.
Apresentação e uso do Livro Artesanal – no final da
oficina, todos os livros produzidos foram lidos para os par-
ticipantes e a comunidade. Logo em seguida, foram doados
para serem utilizados como material didático nas escolas.

6.6.2 Vídeos

Com o advento das tecnologias, o acesso a aparelhos


que gravam vídeos tem aumentado. O uso dos celulares

152
por alunos é um exemplo claro disso. Em vez de lutar-
mos para que os alunos não utilizem esses equipamentos,
propomos aqui sua utilização como um recurso didático
para a produção de material na construção do conheci-
mento. Os próprios alunos podem produzir vídeo-aulas
retratando a sua realidade, aliadas aos conceitos tratados
em sala de aula que podem servir como estímulo a maior
participação em sala, como também servirão como ele-
mento motivador da formação deles. Exemplos desse tipo
de atividade foram desenvolvidos por professores e aca-
dêmicos dos cursos de Filosofia e Língua Portuguesa da
UERR, quando da participação em atividades do Progra-
ma Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (Pibid)
da Universidade Estadual de Roraima (UERR) na Escola
Estadual Gonçalves Dias entre os anos de 2010 e 2013.

6.6.3 Blitz literária

Com as experiências realizadas na Escola Estadual


Lobo D’Almada em Boa Vista com alunos de 7.º e 8.º anos,
em 2012, foi possível comprovar a eficiência do trabalho
com vídeos produzidos pelos alunos, como também o en-
volvimento deles nas atividades da sala.
Primeiramente, os alunos foram sensibilizados acer-
ca do desenvolvimento do projeto intitulado “Blitz Lite-
rária”, cujo objetivo era o desenvolvimento do gosto pela
leitura, por meio da mediação de livros infantis e da pro-
dução de vídeos e textos. Quando esse título foi expos-
to no quadro, o imaginário dos jovens foi aguçado, todos

153
querendo saber do que se tratava. Aproveitei essa empol-
gação para envolvê-los na atividade. Com isso, reforça-se
a importância da participação dos alunos em todas as eta-
pas de construção de qualquer atividade.
Na segunda etapa, os alunos foram orientados a esco-
lher um livro infantil para que lessem – fizessem a media-
ção – para transeuntes de uma rua próxima à escola. Eles
foram, fizeram as leituras e voltaram empolgados com a
reação das pessoas ao serem abordadas e solicitadas que
ouvissem a história e espontaneamente falassem sobre o
que ouviram. Tudo foi gravado em vídeo nos celulares ou
em câmeras fotográficas digitais.
Já a terceira etapa, começou com a organização dos víde-
os para apresentação em sala. Em seguida, cada grupo de alu-
nos foi orientado a preparar uma apresentação demonstrando
as reações das pessoas, que eram as ouvintes, e dos alunos que
serviram de ponte entre os livros e os leitores. Eles, em conti-
nuidade, elaboraram pequenos textos com as impressões acer-
ca da atividade. Desse modo, os vídeos produzidos serviram
de material didático que foi trabalhado em outras turmas.

6.6.4 Histórias por meio de mapas

Baseado em experiências desenvolvidas por profes-


sores de Geografia, História e Língua Portuguesa nas Es-
colas América Sarmento e Vanda Pinto, entre os anos de
2010 e 2013 no Pibid/UERR os alunos partiram da leitura
de mapas de continentes, países, estados até chegarem ao
município. Logo em seguida, foram orientados a elaborar

154
mapa de seu bairro e daqueles próximos à escola. Além
disso, eles foram instigados a registrar por meio de textos
narrativos, relatando todo o processo de aprendizagem no
qual foram envolvidos, como também a história do bairro
onde viviam, utilizando-se os dados oficiais e os relatos
dos moradores mais antigos. Dessa forma, construíram
mapas, textos, maquetes e efetuaram cálculos matemáti-
cos, baseados na realidade local. Com isso, os mapas e tex-
tos produzidos serviram de material didático que foram
aproveitados em diversas disciplinas e turmas.

6.4.5 Jogos de letras

Acadêmicos de Letras dos municípios de Rorainó-


polis, entre os anos de 2010 e 2013, no Pibid/UERR, de-
senvolveram diversas atividades que culminaram com a
produção de inúmeros recursos didáticos, aos quais deno-
minaram jogos de letras.
A proposta nasceu de pesquisas com alunos, profes-
sores e gestores. O grande questionamento era: “Como
fazer para que os alunos participem mais das aulas de lín-
gua portuguesa?” Diante dos resultados da pesquisa, os
acadêmicos direcionaram suas ações na busca de alterna-
tivas para esse problema. Tudo estava sendo direcionado
para a mudança de metodologia dos professores. Para tan-
to, havia a necessidade de envolvê-los.
Com o envolvimento de professores e alunos da esco-
la, os acadêmicos propuseram a criação de diversos jogos
educativos, baseados naqueles que já existem no mercado,
mas adaptados aos temas da língua portuguesa. Os resul-

155
tados foram surpreendentes, pois além de apreenderem
os conteúdos, os alunos se sentiam parte da construção do
conhecimento trabalhado.

6.7 Considerações finais

Pensar a elaboração de material didático para o ensi-


no de Língua Portuguesa no contexto da educação do cam-
po passa essencialmente pela ampliação da capacidade de
vislumbrar seu uso e sua avaliação. Com isso, professores
devem estar preparados para compartilhar a produção, a
execução e a avaliação; devem incluir todo esse processo
em seu planejamento, direcionando aos objetivos de ensino
e assim repensar sua formação, seja inicial ou continuada.
Para tanto, é essencial que as formações inicial e
continuada dos professores sejam repensadas, visto que
devem considerar não somente o ideário pedagógico exis-
tente sobre essa utilização do material didático, como tam-
bém os saberes e experiências vividas por esses profissio-
nais na escola. Assim, os professores precisam aprender a
registrar suas vivências no cotidiano da escola.
Somente a presença do material didático na sala de
aula não é capaz de transformar positivamente o processo de
ensino-aprendizagem. Os professores devem buscar sempre
mais e melhores capacitações, de forma que não só acompa-
nhem os avanços da sociedade, como também tragam no-
vidades para a sala de aula, porque os alunos estão sempre
ansiosos por elas. Basta que o professor saiba propiciar.
O uso e a produção de material didático, em qualquer
contexto, mas principalmente em contextos em que há sua

156
escassez, é um grande desafio para todos que fazem parte
da formação do aluno. Ao professor, no entanto, cabe a ta-
refa de conduzir todo o processo de reflexão, elaboração e
avaliação da construção de material didático. Essa avaliação
é fundamental para a continuidade das atividades desen-
volvidas com os alunos. Reconhecer os avanços e corrigir
as possíveis falhas trará ganhos imensuráveis na formação
dos alunos e na prática cotidiana dos professores.

Questões para reflexão

1. Em algum momento da sua prática pedagógica


você parou para analisar o material didático uti-
lizado no seu cotidiano? Caso sim, a que conclu-
sões chegou? Se não, explique os motivos.
2. Qual a importância da participação dos alunos na
produção do material didático?
3. Como o professor pode conhecer a realidade do alu-
no e utilizá-la na construção de material didático?

Referências

BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de


Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais:
terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: introdução aos
parâmetros curriculares nacionais. Brasília, DF, 1998.

CERQUEIRA, Jonir Bechara; FERREIRA, Elise de Melo Borba.


Recursos didáticos na educação especial. Benjamin Constant,
Rio de Janeiro, ano 6, n. 15, p. 24-28, abr. 2000.

157
GARCIA, Tânia B. Tânia Braga Garcia (UFPR): materiais didáticos
são mediadores entre professor, alunos e o conhecimento.
Jornal do Professor, 2011, Edição 56. Entrevista. Disponível em:
<http://portaldoprofessor.mec.gov.br/noticias.html?idEdicao=
59&idCategoria=8>. Acesso em: 21 jul. 2013.

MALMMANN, Elena Maria. Cartografia da mediação


pedagógica em educação distância: a performance de
professores e designers instrucionais no processo de elaboração
de materiais didáticos. Qualificação de Doutorado, PPGe CED,
Universidade Federal de Santa Catarina, 2006.

RIPPER, Afira Vianna. O preparo do professor para as novas


tecnologias. In: OLIVEIRA, Vera Barros (Org.). Informática em
psicopedagogia. São Paulo: Senac, 1996. p. 55-83.

SANT’ANNA, I.M.; SANT’ANNA, V. M. Recursos educacionais


para o ensino: quando e por quê? Petrópolis: Vozes, 2004.

SOUZA, Salete Eduardo. O uso de recursos didáticos no ensino


escolar. ENCONTRO DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, 1.,
JORNADA DE PRÁTICA DE ENSINO, 4.; XIII SEMANA DE
PEDAGOGIA DA UEM: Infância e Práticas Educativas, 13.
2007. Arquivos do Mudi, Maringá, PR, n. 1 (Supl.2), p. 110-114,
2007. Disponível em: <http://www.dma.ufv.br/downloads/
MAT%20103/2014-II/Rec%20didaticos%20-%20MAT%20
103%20-%202014-II.pdf>. Acesso em: 17 jan. 2014.

158
7 Metodologia e Planejamento: A Sequência
Didàtica no Ensino da Língua Portuguesa

Jairzinho Rabelo
Luzineth Rodrigues Martins

Introdução

Discutir o ensino da língua materna não é uma tare-


fa simples, porque ensinar envolve uma série de questões
como quem ensina, quem aprende, o que se ensina, o que
se aprende, como se ensina, como se aprende e tantas ou-
tras que se queira acrescentar.
Uma das primeiras inquietações do professor, no en-
tanto, é o como fazer. Essa é a grande questão quando
deparamos com a necessidade de planejarmos uma aula.
Temos o conteúdo, mas não dispomos da forma como ele
deve ser trabalhado com nossos alunos.
Neste capítulo, centramos nossa atenção na necessidade
de discutir o planejamento e as escolhas metodológicas feitas
pelo professor para favorecer a aprendizagem do aluno.

7.1 Por que e quando planejar?

O ato de planejar é inerente ao ser humano. Planejamos


desde as ações mais simples, como comprar algo no super-
mercado ou ir à casa do vizinho, como realizar uma viagem
para visitar parentes que moram fora do estado onde vive-

159
mos. Estamos a todo o momento planejando nossas ações.
O planejamento está situado então no nível dos nos-
sos desejos e intenções. Nesse sentido, Libâneo (1994, p.
222) diz que o planejamento docente é “um processo de ra-
cionalização, organização e coordenação da ação docente”.
No planejamento, antecipamos nossas ações de me-
diação, assim podemos analisar se elas serão as melhores
escolhas diante do contexto de ensino em que a aula ocor-
rerá, pois, como afirma Bortoni-Ricardo (2012, p. 92):

No contexto interacional, pensar no que


perguntar e como perguntar ajuda o aluno
a construir hipóteses sobre determinado
conceito ou tema, além de organizar
argumentos necessários para convencer o
interlocutor de determinado ponto de vista.

O contexto ao qual a autora se refere é o da mediação


de leitura, mas a ideia de planejar a interação que será re-
alizada com o aluno, no momento da aula, é muito produ-
tiva para a aprendizagem, de modo geral. Ela evita que as
improvisações deem lugar ao que, de fato, será importante
naquele momento.
De acordo com Libâneo (1994), o planejamento es-
colar, dentre outras, cumpre estas funções: 1) explicitar
princípios, diretrizes e procedimentos do trabalho docente
que assegurem a articulação entre as tarefas da escola e as
exigências do contexto social e do processo de participa-
ção democrática; 2) expressar os vínculos entre o posicio-
namento filosófico, político-pedagógico e profissional e as

160
ações efetivas que o professor realizará na sala de aula,
por meio de objetivos, conteúdos, métodos e formas orga-
nizativas do ensino.
O autor ainda esclarece que o planejamento é um
guia de orientação do trabalho docente, visando:

• Assegurar a racionalização, organização e coor-


denação do trabalho docente, de modo que a pre-
visão das ações docentes possibilite ao professor
a realização de um ensino de qualidade e evite a
improvisação e a rotina.
• Prever objetivos, conteúdos e métodos por meio
da consideração das exigências postas pela reali-
dade social, do nível de preparo e das condições
socioculturais e individuais dos alunos.
• Assegurar a unidade e a coerência do trabalho
docente, uma vez que torna possível inter-rela-
cionar, em um plano, os elementos que compõem
o processo de ensino: os objetivos (para que en-
sinar), os conteúdos (o que ensinar), os alunos e
suas possibilidades (a quem ensinar), os métodos
e técnicas (como ensinar) e a avaliação, que está
intimamente relacionada com os demais.
• Atualizar o conteúdo do plano sempre que é re-
visto, aperfeiçoando-o em relação aos progressos
feitos no campo de conhecimentos, ade­quando-o
às condições de aprendizagem dos alunos, aos
métodos, téc­nicas e recursos de ensino que vão
sendo incorporados na experiência cotidiana.

161
• Facilitar a preparação das aulas: selecionar o mate-
rial didático em tempo hábil, saber as tarefas que o
professor e os alunos devem executar, replanejar o
trabalho diante das novas situações que aparecem
no decorrer das aulas (LIBÂNEO, 1994).

7.2 O pensar e o fazer da sequência didática

O ensino por meio da Sequência Didática (SD) represen-


ta uma ação docente que centra o processo de ensino-apren-
dizagem em dois termos-chave: a linguagem e a mediação do
professor. Como instrumento de mediação das práticas so-
ciais, a linguagem tem no gênero o modo de ser representada,
característica que, na dimensão pedagógica, o transforma em
megainstrumento de ensino por permitir uma multiplicidade
de olhares à ação de linguagem presente no texto.
No campo teórico, esse modo de pensar é conheci-
do como Interacionismo Sociodiscursivo que se ancora no
postulado de Vygotsky (1998) de que o sujeito age sobre
a realidade e interage com ela, construindo seus conheci-
mentos conforme suas relações inter e intrapessoais, inter-
nalizando conhecimentos, papéis e funções sociais, e na
defesa de Bakhtin (2003) de que a linguagem é essencial-
mente ideológica e ocorre na interação socioverbal.
A interação nessa abordagem é o ponto-chave, uma
vez que as práticas de linguagem situada são resultado das
interações sociais. Essa concepção de linguagem conside-
ra a construção dos discursos sociais como instrumento de
ação de uma sociedade, portanto, mecanismo social para

162
atender aos mais diversos propósitos dos sujeitos, a depen-
der da sua necessidade discursiva, reconhecendo, assim, as
relações entre ações humanas e ações de linguagem.
No campo pedagógico, essa corrente teórica projeta-
-se desta maneira:
Uma teoria social do ensino-aprendizagem
que enfoca as influências sociais a que os
alunos estão submetidos, ao mesmo tempo
em que leva em conta as características do
lugar social no qual as aprendizagens se
realizam: a escola. Ela leva em consideração
as necessidades e as finalidades que
fazem com que os diferentes participantes
busquem uma forma de interação na qual
os modelos retidos dependem de sua
valorização social. Ela analisa as intervenções
intencionais dos professores em função
de um projeto distinto da esfera cotidiana
de experiência do aluno, e estuda não só
os ajustes retrospectivos para assegurar
a continuidade das aprendizagens, mas,
sobretudo, o efeito dos ajustes prospectivos,
em função do modelo buscado, das
novidades introduzidas e do pré-enquadre
proposto. As antecipações predispõem a
uma atenção seletiva que consiste em trazer
certos componentes do modelo buscado e
ignorar outros. As interações são reguladas
pelos professores, que são responsáveis por
ajudar o aluno a assimilar as novidades
(DOLZ; SCHNEUWLY, 2010, p. 40-41).

Muitos vislumbramentos emergiram com essa aborda-


gem. Dolz e Schneuwly (2010, p. 40), inspirados pelos estu-
dos bakhtinianos, propuseram uma sistematização do ensi-
no por meio dos gêneros. Essa intervenção ocorre por meio
de um modelo didático de ensino denominado sequência di-

163
dática, que atende à finalidade do agir pedagógico, pautado
por princípios que sistematizam a ação do professor, isto é,
a legitimidade do ensino, a pertinência e a solidificação dos
saberes escolares na sua relação com o contexto sociodiscur-
sivo dos alunos (DOLZ; SCHNEUWLY, 2010, p. 27).
Ancorado em um interacionismo instrumental, isto é,
uma posição que enfoca “as relações ensino aprendizagem
sobre os diferentes instrumentos que podem ser construídos
para permitir a transformação dos comportamentos” (DOLZ;
SCHNEUWLY, 2010, p. 40), os autores propõem um ensino
da língua materna para instrumentalizar o aluno para que
ele possa “descobrir as determinações sociais das situações
de comunicação assim como o valor das unidades linguís-
ticas no quadro de seu uso efetivo” (DOLZ; SCHNEUWLY,
2010, p. 40) pela intervenção sistemática do professor.
O papel do professor é fazer a mediação da linguagem
na produção textual, seja ela oral, seja escrita, para que o aluno
construa as diversas capacidades – adaptação de sua produ-
ção às características do contexto e do referente, (capacidade
de ação); mobilização dos modelos discursivos (capacidades
discursivas); do domínio das operações psicolinguísticas e das
unidades linguísticas (capacidades linguístico-discursivas).
Visando à construção dessas capacidades, a mediação
do professor precisa centrar-se em três princípios do traba-
lho didático: 1. o princípio da legitimidade, que se refere aos
saberes teóricos elaborados por especialistas; 2. o princípio
da pertinência, que trata das capacidades a serem adquiridas
pelos alunos, das finalidades e dos objetivos da escola e dos
processos de ensino-aprendizagem; 3. o princípio de solidi-

164
ficação, que significa tornar coerentes os saberes em função
dos objetivos visados. Segundo Dolz e Schneuwly (2010, p.
70), tais princípios devem ser aplicados concomitantemente,
com o objetivo prático de orientar a intervenção do professor.
No tocante à proposta de ensino de gênero, os auto-
res defendem a organização didática de um programa por
meio de agrupamentos de gêneros, conduzido em forma
de progressão e ensinado por uma sistematização meto-
dológica denominada sequência didática. Os agrupamen-
tos devem atender a três critérios que:

1. Correspondam às grandes finalidades


sociais atribuídas ao ensino, cobrindo
os domínios essenciais de comunicação
escrita e oral em nossa sociedade;
2. Retomem, de forma flexível, certas
distinções tipológicas, da maneira
como já funcionam em vários manuais,
planejamentos e currículos,
3. Sejam relativamente homogêneos
quanto às capacidades de linguagem
implicadas no domínio dos gêneros
agrupados (DOLZ; SCHNEUWLY,
2010, p. 101).

Como síntese dessa discussão, apresentamos os ar-


gumentos expostos por Barbosa (2000, p. 158), para quem
o ensino de gênero permite:
1. a possibilidade de integrar a prática da leitura, da
escrita e da análise linguística, comumente estan-
ques nos currículos da escola básica;
2. a concretização de um ideal de formação com vis-
tas ao exercício pleno da cidadania, uma vez que

165
se utiliza de textos de efetiva circulação social e
de diferentes esferas e práticas sociais.
3. a concretização de uma perspectiva enunciativa
para as aulas de Língua Portuguesa, uma perspec-
tiva que leve em conta o conhecimento situado, a
linguagem efetivamente em uso, o trabalho com
textos e práticas didáticas plurais e multimodais;
4. a abordagem tanto de noções discursivas quanto
das noções eminentemente estruturais ou linguís-
ticas/enunciativas, todas elas necessárias para o
letramento do sujeito e para a correta compreen-
são do próprio gênero;
5. o subsídio para (re)pensarmos novas formas de or-
ganização curricular. Uma proposta de ensino com
foco no desenvolvimento da linguagem dos alunos
ultrapassa o domínio gramatical, como vimos nas
explicações anteriores. Abrange, pois, a língua em
seu caráter de interioridade e exterioridade e a ação
humana que se faz pelo uso da linguagem.

7.3 “Agora bem aí15!” Aprendendo a SD na prática

Esta seção tem por finalidade apresentar trabalhos de-


senvolvidos por alunos do Curso de Letras da Universida-
de Estadual de Roraima, núcleo de Iracema, na disciplina
Prática Profissional II, cuja ênfase é o estudo das concepções
e práticas que embasam o ensino de Língua Portuguesa.

15
Expressão comumente utilizada pelos habitantes de Roraima com
Significado de negação, de espanto e novidade.

166
As orientações para o planejamento seguiam o refe-
rencial teórico utilizado na disciplina, cujas ideias princi-
pais são:
1. a interação como princípio da ação docente (AN-
TUNES, 2003);
2. a mediação pedagógica como ação intencional de
promoção da competência comunicativa do alu-
no (BORTONI-RICARDO, 2012);
3. o texto como unidade de ensino (GERALDI, 2002);
4. a integração das práticas de leitura oralidade e es-
crita (PCN, 1998).
Inicialmente os alunos foram orientados a escolher
um texto que possibilitasse a aplicação dos fundamentos
discutidos em sala de aula. O planejamento conteve os
seus elementos básicos, isto é, objetivos, conteúdos, meto-
dologia e avaliação.
Apresentamos a seguir um dos planejamentos reali-
zado pelos alunos.
Manteve-se a estrutura do trabalho acadêmico e do planejamento para que não houvesse a
quebra do gênero textual.

167
Universidade Estadual de Roraima
Curso: Letras Habilitação em Literatura
Disciplina: Prática Profissional II
Professora: Luzineth Rodrigues Martins
Escola Estadual Dom Pedro II
Antonio José dos Santos Filho
Janeci Sales Lima
Jenivan Ferrais Sousa

PLANO DE AULA – SEQUÊNCIA DIDÁTICA DE GÊNEROS


TEXTUAIS SÉRIE/ANO: 7.º ANO

Objetivos

• Conhecer os gêneros textuais história em quadri-


nhos e relato, e suas características.
• Identificar personagens, suas características,
ações e a sequência temporal do texto.
• Analisar os gestos e as expressões dos persona-
gens, relacionando-os com o enredo.
• Compreender o uso das variedades linguísticas
para caracterizar os personagens.
• Perceber nas histórias em quadrinhos os elementos
da narrativa, a sequência de diálogos, a temática, etc.
• Diferenciar linguagem verbal e não verbal.
• Identificar os tipos e a função dos balões: grito,
sussurro ou cochicho, choro, cansaço, observando

169
a relação entre a linguagem e o contexto de fala.
• Reconhecer a importância da pontuação e da gra-
fia para representar a fala dos personagens.
• Inferir o significado de expressões representadas
em linguagem não verbal.
• Compreender a função e a importância das ono-
matopeias nas HQS.
• Produzir texto utilizando as convenções sociais da escrita
e adequando a informação ao gênero solicitado (HQ).
• Utilizar as imagens e a linguagem verbal para
construir o sentido do texto.
• Transpor o gênero relato para o gênero história em
quadrinhos, considerando suas características.
• Conhecer a função e as circunstâncias que expri-
mem os advérbios.
É importante destacar o esforço dos alunos na construção de uma proposta que tenha o texto
como o objeto de ensino, integrando às práticas de leitura, oralidade e escrita. Percebe-se, no
entanto, ainda a necessidade de superar a abordagem estruturalista do texto.

Conteúdos

• Leitura e compreensão de HQs sobre normas de


comportamento social e problema de uso e com-
preensão das palavras.
• Leitura e compreensão de relato sobre a história
do município de Iracema.
• A linguagem das histórias em quadrinhos (os di-
ferentes balões, quadrinhos; as fontes; as cores;
legendas; onomatopeias).

170
• Advérbio.
Procedimentos Metodológicos

1º Momento: Leitura e Compreensão Leitora dos Textos

Apresentação do gênero história em quadrinhos Re-


lato da história da criação de Iracema (o professor entrega
os textos juntos e solicita que os alunos façam a leitura –

171
HQ relato da criação de Iracema).

HISTÓRIA EM QUADRINHOS – ( TEXTO 1)

Disponível em http://turmadamonica.uol.com.br/quadrinhos/

172
 Qual é o gênero deste texto?
 Como é a estrutura de uma história em quadrinhos? O que acontece
 no 1.º quadrinho?
 Tem alguma palavra nessa história que você não conseguiu
 compreender o sentido?
 A linguagem do texto é adequada ao gênero e ao público destinado?
COTEXTO

 Quem são os personagens envolvidos na história?


 Em que período ocorre a história? A forma de
apresentação das
 Onde ocorrem os episódios da história?
dimensões assim
 Como é a linguagem utilizada nesse texto? divididas é uma
 Quantos quadrinhos tem a história? estratégia didática
 Todos são do mesmo tamanho? para o planejamento
da mediação de
 O final da história é engraçado? Por quê? leitura.
 Que efeitos a leitura provoca no leitor?
 Qual a intenção do autor ao criar essa história em quadrinhos?
CONTEXTO

 As informações apresentadas na história são fatos?


 Você conhece alguém que cometeu algum ato parecido com o citado
 no texto?

A mãe de Cebolinha fica satisfeita com o que o ele diz? Como é



possível deduzirmos isso?
Por que as HQs são consideradas um texto que têm por finalidade

divertir o leitor?
INFRATEXTO

Seria possível criar uma HQ baseada em fatos?



A que conclusões podemos chegar ao conhecer os fatos contidos nesta

HQ?
A partir do 5.º quadrinho, há uma mudança de cenário e tempo. Como

podemos comprovar isso?
O que ocorre no último quadrinho? O texto do balão está todo em

maiúsculo e bem grande, o que significa?

 Você se recorda de outra história que aborda o mesmo tema que este?
INTERTEXTO

 Que elementos desta HQ nos fazem lembrar outro gênero textual


trabalhado?

173
É importante que o professor especifique o objetivo dos textos que
são levados para a sala de aula. Todo texto, tem um propósito para
o qual foi produzido e veiculado socialmente, e é esse propósito
que deve ser o objetivo da leitura, não somente a própria leitura,
ela é a ação didática para a obtenção do objetivo.

TEXTO 2

Um Pequeno Povoado que se Transformou em Município

Mapa do Estado de Roraima; a faixa destacada com vermelho representa


o município de Iracema

174
Era um lugar de mata virgem, que vivia uma varie-
dade de animais, aves e belos lagos e igarapés com mui-
tos peixes. Próximo a esse lugar, já moravam algumas
pessoas em lotes, à beira da BR 174.
Certo dia, chegou a esse lugar um senhor chamado
Militão Pereira Costa, vindo do nordeste do Brasil e, gos-
tando do lugar, resolveu comprar um pedaço de terra. Ele
retornou ao estado do maranhão e trouxe outras famílias
para morar no lugarejo. Essas pessoas foram chegando e
fazendo seus roçados, construindo suas casas de taipa, co-
bertas de palhas, às margens da BR 174; nessa época a es-
trada era apenas de piçarra.
O início do povoado se deu com a chegada de
Agustinho Machado, Natanael Machado, Agustinho
“Careca”, Chico Pimenta, Raimundo “Bacurau” e Os-
mar, que vieram acompanhando seu Militão e sua espo-
sa dona Iracema para morar nesse lugar.
Essa localidade ficou conhecida como Vila Nova
ou Vila dos maranhenses.
No início tudo foi muito difícil, pois havia muito pium
(uma espécie de mosquito, muito miúdo e que causa muito
incômodo, comum na região amazônica), dava muita malária,
mas as pessoas procuravam viver em comunidade: cozinha-
vam em fogão a lenha, à noite, para iluminação, usavam lam-
parina a querosene ou óleo diesel, passavam roupa com ferro
de brasa, pilavam arroz no pilão e consumiam água de poço.
Era um lugar de difícil acesso, o transporte era difí-
cil, por isso os colonos que tinham lotes distantes tinham
que carregar sua safra até a estrada nas próprias costas.

175
A primeira escola funcionou num barracão de madeira...
O tempo foi passando e até ao final da década de
1970 a população da pequena vila já era aproximada-
mente 150 pessoas, mais ou menos 30 famílias – gerou o
interesse dos políticos em financiar passagens para que
os habitantes do lugar mandassem buscar mais parentes
e amigos no Maranhão – que vinham de barco até Ma-
naus e de lá para cá eram transportados em caminhões.
Numa dessas viagens, no ano de 1982, morre Dona
Iracema, vítima de um trágico acidente rodoviário.
Um ano depois, em 1983, a câmara de vereadores
do município de Mucajaí, aprovou um projeto que deu o
nome oficial ao povoado que passou a se chamar Vila Ira-
cema. Quase dez anos depois, em 1994, após um plebis-
cito, foi sancionada a lei n.º 083, que eleva a Vila Iracema
a categoria de Município, passando a se chamar Iracema,
tendo como primeiro prefeito o Sr. Joaquim de Freitas
Ruiz, em 1.º de Janeiro de 1997. A partir daí, o crescimento
econômico e social do município se desenvolveu bastante.
Hoje, em Iracema, temos escolas de ensino infantil, fun-
damental médio e superior, hospital, prefeitura, Câmara, Vila
Olímpica, Ginásio poliesportivo, rodoviária, posto policial,
sede da CAER, sede CER., postos de gasolina, hotéis, restau-
rantes, lanchonetes, panificadoras, supermercados, açougues,
ruas asfaltadas, energia elétrica, água encanada, etc.
Todos os anos, no dia 4 de novembro comemora-
mos o aniversário do Município de Iracema, por isso
buscou-se aqui não somente contar a trajetória de um
desenvolvimento local, mais dizer: parabéns Município

176
de Iracema! Sua história é bonita e poderá ser mais bo-
nita ainda se todos que aqui vivem e os que chegarem
tiverem cuidado e responsabilidade social com você
Texto elaborado pelas professoras Janeci Sales Lima e Rosa Maria Silva
de Oliveira, tendo como embasamento um artigo denominado Iracema: Mi-
gração e voto de Dimar Freitas Mesquita, UFRR: Boa Vista, 1998.
Compreensão leitora do texto

 Já conheciam essa história?


 Há palavras ou expressões que desconhecem? Vamos tentar
entendê-las a partir do contexto. Os acadêmicos
possibilitam uma visão
 O que entenderam com a leitura do texto? crítica do tema quando
 Quem produziu esse texto? questionam “Por que
essas pessoas migraram
 Essa história é antiga ou recente? d’o Maranhão para
 Onde ocorre essa história? este município?” No
 Vocês sabem qual o gênero desse texto? entanto, isso depende da
forma como o professor
 Como é a linguagem utilizada nesse texto? mediará a leitura.
COTEXTO

 Essa linguagem é adequada ao gênero e ao tema?


 Tem alguma palavra, nesse texto, que você não conseguiu
compreender o sentido?
 Quantos parágrafos tem o texto?
 Por que essas pessoas migraram do Maranhão para esse município?
 As autoras expõem suas opiniões sobre o que foi relatado? Que
opinião é essa?
 Vocês conhecem ou conheceram algumas das pessoas citadas no texto?
 É possível afirmar que por meio do texto você assimilou uma nova
aprendizagem ou uma nova informação? Qual?
 O que entenderam a partir da leitura do último parágrafo do texto?
 Você concorda com a opinião apresentada no último parágrafo? Por quê?
 Como se dá à conclusão do texto?

 Qual a intenção das autoras ao escrever essa história?


CONTEXTO

 As informações apresentadas nesse texto são fatos?


 Você conhece alguém ou algum personagem dessa história?

177
 Por que esse texto tem o compromisso com a verdade dos fatos
INFRATEXTO apresentados?
 O nome das pessoas é fictício ou real?
 A que conclusões podemos chegar ao conhecer as informações
contidas nesse texto?
 O que você descobriu lendo esse texto?

 Você se recorda de outro texto que tenha tratado o mesmo tema


INTERTEXTO

abordado nesse que você acabou de ler?


 Que elementos desse texto nos fazem lembrar outro gênero textual
trabalhado?

2º Momento: Explorando o Gênero e a Organização do Texto

O professor propõe a retomada das HQs e de cada um


dos quadrinhos para que, coletivamente, reconheçam alguns
elementos presentes nesse gênero textual. Gênero História em
quadrinhos (HQ) é uma narrativa visual que, normalmente,
expressa a língua oral e apresenta um enredo rápido, empre-
gando somente imagem ou associando palavra e imagem.
• As histórias em quadrinhos podem ou não ter hu-
mor como efeito de sentido, e podem ser defini-
das como arte sequencial, pois são desenhos em
sequência que narram uma história. Em geral, os
elementos inesperados são os principais responsá-
veis pela graça dessas historinhas. Assim, as ante-
cipações aumentam a surpresa, quando se constata
que a personagem não faz o que elas esperavam.
• O diálogo na HQ é apresentado na forma dire-
ta. As falas são indicadas, em geral, por meio de
balões, estabelecendo-se uma comunicação mais
imediata entre os personagens e o leitor, já que o
texto é incorporado à imagem.

178
• São, em geral, publicadas no formato de revistas,
livros ou em tiras publicadas em revistas e jornais.
• São conhecidos como comics nos Estados Unidos,
bande dessinée na França, fumetti na Itália, tebeos
na Espanha, historietas na Argentina, muñequitos
em Cuba, mangá no Japão.
• Há diversos tipos de balões. São usados de acordo
com o contexto da história. O contorno dos balões va-
ria conforme o desenhista; no entanto, alguns são co-
muns, como os que apresentam linha contínua (fala
pronunciada em tom normal); linhas interrompidas
(fala sussurrada); ziguezague (um grito, uma fala de
personagem falando alto, ou som de rádio ou televi-
são); em forma de nuvem (pensamento).

179
Quadro ou vinheta é como são chamados também
os quadrinhos. É o espaço no qual ocorre uma ou mais
ações. Geralmente de forma retangular ou quadrangu-
lar, funciona como moldura de um momento de ação.
Tem a função de delimitar, separar, indicar o espaço en-
tre as diferentes imagens. A disposição dos quadros na
página pode facilitar ou dificultar a leitura. Além disso,
a disposição dos quadros cumpre a função de dar dina-
mismo às sequências.

Legendas – aparecem, frequentemente, em forma


retangular, no alto da vinheta e têm a função de delimitar
o texto que representa a “voz” do narrador. É elemento
narrativo, cuja forma de apresentação é variada. Se mui-
to extensa, pode tomar um quadrinho inteiro, embora,
normalmente, seja um pequeno fragmento do discurso
narrativo, podendo, por isso, ficar em pequena faixa li-
mitada por uma linha paralela a um dos lados do qua-
drinho. Como nelas entra a voz quase impassível do nar-
rador, que é um elemento externo à ação, seu conteúdo
é sempre um texto com caracteres normais, o que nem
sempre acontece com os balões, cujos caracteres podem
variar, dependendo da situação.

180
Disponível em http//portaldoprofessor.mec.br/storage/discour-
se/discovirtual/galeria/imagens

Sinais de pontuação –  reforçam sentimentos e dão


maior expressividade à voz do personagem.
Onomatopeias  – conferem movimento à histó-
ria, imitando sons do ambiente (crash  para uma batida,
ou buuuum para uma explosão, por exemplo) ou produzi-
dos por pessoas e animais (zzzz, para sono, rrrrrr, para o
rosnado de um cão, etc.).

Atividade: Explorando uma revista em quadrinhos

A professora solicita aos alunos que construam his-


tórias em quadrinhos para a próxima aula. O professor
organiza a turma em grupos e pode dar aos alunos os de-
senhos recortados de revistas, para subsidiar a produção
de suas histórias em quadrinhos.

181
a) O professor propõe que, coletivamente, façam um
levantamento das histórias trazidas pelos alunos.
b) Em seguida, solicita que cada grupo escolha uma
das histórias para ser lida e trabalhada. Nesse mo
mento o professor preenche o quadro abaixo:

Quantidade de Nome da revista em Nome da história


grupos quadrinhos escolhida

1.
2.
3.
4.

O professor propõe que cada grupo faça um cartaz,


recortando da história que escolheu cada um dos elementos
desse gênero textual, tais como as onomatopeias, os dife-
rentes tipos de balões, as legendas, as figuras cinéticas, etc.

Disponível em http/4bp.blogspot.com/imagens.bpm

a) A tira inicia-se com Cebolinha tendo de resolver


um problema. Qual é este problema?
b) No segundo quadrinho, Cebolinha enxerga uma
possível solução para esse problema. Qual?

182
c) A expressão “quebrar o galho” ganhou duplo sig
nificado no texto. O que significou a expressão para
Mônica e o que significou para Cebolinha?
d) O problema de Cebolinha foi resolvido?
e) Mônica percebeu o engano que cometeu?
f) O que significam as estrelas e a fumaça na cabeça
de Cebolinha?

O professor pode explorar outras questões, incluindo


mais exercícios, de acordo com a necessidade da turma.

3º Momento – Explorando os conhecimentos Linguísticos


do Texto

O professor solicita aos alunos que retomem a


história em quadrinhos para analisarem algumas questões
linguísticas do texto e conhecerem um pouco mais sobre
as situações de uso da língua empregada nos textos.
No 5.º quadrinho, há uma legenda. Vamos ler o que
está escrito: “De noite”.
O que essa expressão quer indicar na história?
E se a história ocorresse em outros horários, que ou-
tras expressões poderiam ser usadas?
Essas expressões citadas por vocês querem indicar que
circunstância? De quê? De dúvida? De negação? De tempo?
Será que existem outras palavras que indicam o lu-
gar, a intensidade ou uma afirmação nesse texto? Vamos
ver se encontramos?
No segundo quadrinho, quando a mãe de Cebolinha
diz: “Cebolinha vem aqui!”

183
No terceiro quadrinho, na fala dos personagens há
uma palavra que caracteriza negação. Que palavra será
essa? Vamos ler juntos a frase? “Não é bonito falar essas
coisas na frente dos outros.” Se retirássemos o não, muda-
ria o sentido da informação?
Há um grupo de palavras que confere diversas cir-
cunstâncias, mas o que significa a palavra circunstância?
Alguém sabe?
Podemos consultar um dicionário para entendermos
melhor o seu significado?
Esse grupo de palavras, do qual falávamos, é chama-
do advérbio (o prefixo ad significa junto, próximo) porque,
de modo geral, modifica o sentido do verbo, mas modifica
também o adjetivo ou do próprio advérbio.
Observe que essa ação do professor, de explorar o conhecimento
linguístico do texto, difere daquela em que o professor usa o texto
como pretexto para trabalhar a gramática. A ação que ele realizou aqui
foi a de exploração do significado das expressões e da função que as
palavras têm no texto e que ajudam a produzir o seu sentido. Somente,
em um segundo momento, quando necessário, o professor apresentou
o nome do conteúdo para uma abordagem do livro didático.
Os conteúdos relacionados com a ortografia e a pontuação não são
apresentados pelo professor, surgem a partir da primeira produção
dos alunos. Nessa fase o professor deve listar os casos de ortografia
e pontuação para estudo coletivo em sala e depois passa para análise
em grupo, como proposto nesta SD.

É importante estabelecer um diálogo com os alunos a respeito das


diversas possibilidades da língua em uso, destacando o valor dos
seus usos em cada contexto de interação. Na abordagem que se vem
defendendo, o importante não é a classificação das palavras, não é
dizer se o advérbio é disso ou daquilo. O importante, para o aluno, é
entender a função que o advérbio tem no texto e como ele o ajuda a
torná-lo mais compreensível. É essa informação que o aluno precisa
obter para poder utilizá-la em suas produções textuais.

184
Vamos ampliar nosso conhecimento com mais infor-
mações do livro didático sobre o conteúdo destacado.
Nesse momento, é importante que o professor evite uma abordagem
que privilegie puramente a metalinguagem. É importante continuar
explorando a compreensão sobre a língua, comparando as situações
de uso diversos do tema em questão.

O professor precisa ter consciência de que a maioria dos livros


didáticos privilegia uma abordagem metalinguística, e que por ser
o LD um dos poucos recursos de que os alunos dispõem, só resta
ao professor fazer adaptações a esse material, dentre elas, as aqui
sugeridas.

Atividade: Explorando o conhecimento linguístico

É importante também possibilitar aos alunos a realiza-


ção de atividades que favoreçam o interesse e a motivação.

www.saladeatividades.com/omunddodaleloca

185
4º Momento – Escrita do Gênero – Transposição do
Gênero Relato para História em Quadrinho

A criticidade é um aspecto que deveria ser trabalhado a partir da


análise do uso do advérbio e do seu valor semântico. Como exemplo
“cedo ou tarde”, que é constituído de elementos paradoxais, que,
ao serem utilizados isoladamente, têm um sentido e ao se juntarem
passam a ter outro sentido. Situação que acontece com outros
advérbios e o professor pode explorar, por meio de pesquisas,
pedindo aos alunos que relatem as possibilidades de uso.

Depois de pronta a HQ, providenciar cópias da his-


tória, para que sejam colocadas à disposição das pessoas
para leitura na biblioteca e sala de leitura da escola.

1) Pensando na produção do gênero história


em quadrinhos

Agora é a sua vez de produzir uma HQ. Para produ-


zir sua HQ, reúna-se em trio. Vocês deverão planejar a HQ
de acordo com as orientações a seguir.
a) O texto que será transformado em HQ é a história
de criação do município de Iracema. Um pequeno
povoado que se transformou em município.
b) Defina quem serão os personagens da história e
em que espaço ela vai ocorrer.
c) Façam um resumo da história. Lembrem-se de que
ela deve atrair a atenção do destinatário do seu texto.
d) Pensem nas imagens que vão compor a HQ, pois
elas complementam o texto verbal.
e) Limitem o número de quadrinhos que a história vai ter.
f) Com base no resumo, organizem a história pelo núme
ro de quadrinhos estabelecidos. Se necessário, aumen

186
tem ou diminuam os quadrinhos. Lembrem-se de que
os fatos escolhidos devem ser os mais importantes e que
é necessário que apresentam uma sequência lógica.
g) Pensem nos tipos de balões que serão emprega
dos. Eles podem ser bem variados e de acordo com a
intenção das falas dos personagens.
h) O último quadro deve apresentar o desfecho da histó
ria e causar algum impacto: humor, surpresa, reflexão, etc.
Os acadêmicos não vislumbraram uma possibilidade de
apresentação de uma visão crítica acerca do tema da leitura. Tal
situação é importante para a formação dos estudantes, visto que
assim buscarão as estruturas profundas do texto e a sua relação com
o contexto de cada um. Talvez isso tenha acontecido como reflexo
da formação deles na Educação Básica.
Destacar a importância da visão crítica a ser trabalhada no texto a
ser produzido pelos alunos é essencial, pois é nesse momento que
eles consolidam seus conhecimentos. Para atender a esse aspecto,
o professor poderia orientar seus alunos a apresentar uma visão
crítica a respeito do assunto, visto que o gênero é propício.

2) Produzindo o texto

Produza sua HQ com base nas instruções a seguir.


a) Vocês poderão desenhar os personagens ou se
preferirem recortar de revistas ou jornais ima-
gem de pessoas e/ou animais.
b) Peguem folhas de papel sulfite e as dividam em qua-
dros (com a quantidade definida para sua história).
c) Faça o cenário e inclua os personagens nos quadros,
de acordo com a sequência dos acontecimentos(da
esquerda para a direita e de cima para baixo).
d) Façam os balões e escrevam a lápis o texto verbal
de sua história. Lembrem-se de que a parte verbal de
uma HQ não pode ser longa.

187
e) Empreguem fonte e letras expressivas, de acordo
com os balões e a entonação das falas. Se necessário
utilizem também onomatopeias.
f) Incluam legendas a fim de contextualizar as ações
ou acrescentar informações à história.
g) Lembre-se de dar um título à HQ e no último qua
drinho colocar “fim” na parte inferior direita dele.
h) Com a orientação da professora, verifiquem os as
pectos gramaticais, ortográficos e pontuação do texto.
i) Após terminar a primeira versão da HQ, avaliem
-na para verificar se vocês seguiram todas as instruções.

3) Revisão do texto entre colegas

Vamos trocar as produções entre os colegas para


que verifiquem se as histórias cumpriram todas as eta-
pas (da letra a até a j):
a) A história apresenta sequência lógica?
b) O texto é compreensível? Ou tem alguma parte da
história que está incompreensível?
c) Os colegas empregaram a pontuação e a escrita
das palavras corretamente?
d) Quais sugestões você daria à dupla para melhorar
a produção do texto?
As duplas destrocam as produções e fazem as ade-
quações e entregam a produção para a professora.
Na aula seguinte, após a análise dos textos pela pro-
fessora, ela, por meio de um texto, orienta as adequações
ainda necessárias.

188
Em seguida, faz-se a impressão da HQ para apresen-
tação aos demais colegas de sala.
Para finalizar a atividade, outras cópias da história,
devem ser colocadas à disposição da comunidade escolar
para leitura na biblioteca e sala de leitura da escola.

A refacção ou revisão do texto é um momento imprescindível no


processo de mediação da escrita, porque é nesse momento que o
aluno realiza uma aprendizagem real da escrita pela necessidade
imediata da interação com esse processo.

4) Avaliação

A atividade será avaliada pelo professor da discipli-


na e pelos alunos. Os alunos serão avaliados no quesito
aprendizagem sobre o gênero, motivação para a produção
do gênero história em quadrinhos, organização e escrita
da produção textual.
a) Aprendizagem: assimilação dos gêneros, compre
ensão de suas características e função, êxito nas ativi
dades orais e escritas.
b) Motivação para a produção do gênero HQ: par
ticipação, envolvimento e compromisso com a pro
dução textual.
c) Escrita: apresentação do título, ortografia e pontu
ação correta, adequação da linguagem ao gênero so
licitado; exercícios/atividades
d) Apresentação para a turma da HQ: planejamento da
oralidade, postura, dicção, clareza na exposição/leitura.

189
A criticidade do aluno é um aspecto que precisaria ter sido
considerado nessa avaliação. Ela deveria ter sido apontada na letra
a, visto que na aprendizagem ela é um dos requisitos essenciais.
Desenvolver o senso crítico do aluno é um dos principais objetivos
do ensino, mas essa ação precisa ser contínua em todas as fases da
mediação (na leitura, na análise linguística e na produção textual,)
pois somente assim ele poderá ser tomado como critério para
avaliação do aluno.

7.4 A arte ensinar: o que e como ensinar fazem a diferença

Este capítulo iniciou propondo uma discussão sobre


a importância do planejamento, considerada uma ação
fundamental para uma prática coerente do professor. Po-
rém, outra questão foi igualmente relevante nessa discus-
são: o que se planejou e quais foram os objetos de ensino
da aula de Língua portuguesa.
É consenso na literatura vigente que o ensino da Lín-
gua Portuguesa deve observar a relação entre prática so-
cial e prática discursiva. Recorremos a Matêncio (2001, p.
5) para a caracterização do ensino nessa perspectiva.

Para que se tenha a noção do que é a


língua materna, deve-se ter em mente não
apenas a variação encontrada nas práticas
e atividades discursivas dos diversos
grupos sociais como também o fato de
a materialidade textual ser indicativa
dos diferentes modos de apropriação da
realidade, que atualizados nas formas de
interação desse grupo, pela internalização
de recursos linguísticos e mobilização
de estratégias igualmente linguísticas,
produzem a tessitura de seus textos. É
nesse sentido, pois, que se pode dizer que
uma língua nacional se constitui pelos usos

190
linguísticos que constituem uma realidade
e se materializa pelos usos linguísticos
que constituem os textos e os discursos
produzidos em diferentes instituições.

Temos ciência também de que os avanços nos estu-


dos da linguagem trouxeram reflexos no modo de com-
preender a língua e seus usos sociais, e o gênero, preconi-
zado nas diretrizes educacionais brasileiras como o objeto
geral do ensino de Língua Portuguesa, torna-se constante
discussão nas instâncias da ação pedagógica, por repre-
sentar maior possibilidade de inserção social dos alunos
nas práticas sociodiscursivas.
Reconhecemos que a ação do professor, nessa dire-
ção, exige, além da mudança de concepção de língua e da
necessidade de considerar a linguagem como objeto de
estudo, um papel mais interativo do professor diante do
ensino-aprendizagem da língua, o que implica alteração
do fazer docente em duas dimensões ligadas ao objeto de
ensino e a ação didática produzida para a obtenção dos
objetivos desse ensino. Significa uma mudança da tradi-
ção do ensino da gramática para a prática de linguagem
(a exemplo da SD apresentada anteriormente), o que exi-
ge uma reorientação do objeto de ensino e das relações
de ensino-aprendizagem (COROA, 2002). Isso demanda
também uma política pedagógico-administrativa escolar
que viabilize uma configuração mais interativa da relação
ensino-aprendizagem. Enquanto esse ideal não ocorre, o
professor precisa ir trilhando esse caminho para mostrar a
viabilidade e a produtividade dessa prática.

191
Nessa proposição, o trabalho que se apresentou
cumpriu o objetivo em permitir ao professor a experiência
com o planejamento de sequência didática e seus funda-
mentos, de modo a prepará-lo para uma prática docente
possível nessa realidade.

7.5 Considerações finais

A sequência didática no ensino de Língua Portugue-


sa deve ser vista tanto pelo aspecto do planejamento como
da metodologia. O primeiro serve como instrumento de
organização e parte da ação intencional do professor, pro-
jetando as possibilidades de mediação do conhecimento.
O outro aspecto permite a integração das práticas de leitu-
ra, escrita, análise linguísticas e todos os conhecimentos.
Assim, promove a interação.
O professor que opta pelo trabalho com a sequên-
cia didática percebe alteração na dinâmica da sala de aula,
especialmente no que se refere à participação dos alunos,
visto que se torna mais efetiva e promove-se a interação
deles. Tal situação é possível porque o professor tem cla-
reza do processo e, ao mesmo tempo, abre espaço para in-
tervenção do aluno, e nisso o conhecimento é construído
de forma clara e consciente.
Em vista do fortalecimento da necessidade do pla-
nejamento e de uma metodologia adequada à prática da
linguagem na sala de aula, apresentamos um conjunto de
questões que servirão como propulsoras de reflexões acer-
ca do tema aqui trabalhado e, ao mesmo tempo, suscita a
necessidade de mudanças no fazer pedagógico.

192
Questões para reflexão

1. Qual a importância do planejamento na formação


e na prática do professor?
2. Em que sentido “o como planejar” faz diferença
nos resultados do ensino e da aprendizagem?
3. Quais as relações entre linguagem e interação so-
cial, e como elas podem ser trabalhadas em sala
de aula?
4. O que significa, no dia a dia do trabalho pedagó-
gico assumir o texto como unidade de ensino?
5. Como você faz para desenvolver o senso crítico
dos alunos nas suas aulas?
6. Você acredita que a sequência didática como meto-
dologia de ensino é mais motivadora para os alunos
e gera mais aprendizagens para eles? Por quê?

Referências

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língua materna: dialogando com Vygotsky, Bakhtin e Freire.
Aparecida, SP: Letras & Ideias, 2010.

CONSIDERAÇOES FINAIS

O papel do professor de língua portuguesa, como


foi tratado ao longo desse livro, é ampliar a capacidade
discursiva dos alunos, em qualquer contexto de ensino.
No caso do professor da educação do campo, o papel do
docente torna-se mais necessário ainda, porque na comu-
nidade discursiva dos povos do campo, os sujeitos fazem
uso da língua, sem fazer o monitoramento linguístico. En-
tão, o professor de língua portuguesa precisa dar ao aluno
a condição de ele fazer uso das variedades prestigiadas
da língua, para que possam participar de outras comuni-
dades discursivas sem sofrerem preconceito linguístico,
isto é, interagirem com os sujeitos letrados que vivem nas
cidades e nas instituições que o campesino necessita inte-
ragir, além daquela comunidade em que ele vive.

195
Esperamos que as informações e reflexões apresen-
tadas na disciplina metodologia do ensino de língua por-
tuguesa na educação do campo e nesse livro subsidiem a
prática do professor da escola do campo e tenham apre-
sentado um corpo teórico-metodológico que responda às
perguntas, “Com quais perspectivas teórico-epistemológi-
cas opera-se o ensino de Língua Portuguesa na educação
do campo, e como os valores linguísticos da população do
campo são considerados e valorizados neste ensino?”, que
foram motivadoras da realização da referida disciplina.
Em todos os capítulos apresentados é possível en-
contrar respostas a estas perguntas de pesquisa. No caso
da última pergunta, o capitulo 04 “Possibilidades de uso
da variação linguística em atividades de sala de aula da
educação do campo”, visou a subsidiar o trabalho com a
língua, na educação do campo, e a dar fundamentos para
que o professor reconheça a variação linguística produzi-
da pelos sujeitos do campo, como uma ação natural e legí-
tima, produzida em um determinado contexto de uso da
língua. Também visou a apresentar uma possibilidade de
uso da variação produzida pelos campesinos, como o pon-
to de partida para a ampliação da competência discursiva
dos sujeitos do campo, isto, e, partir do usos da língua que
eles já fazem, para dar-lhes novas possibilidades de uso da
língua em contextos de monitoramento, em atendimento
ao papel social do professor de língua portuguesa.
Também esperamos que esse livro tenha alcançado o
objetivo de promover uma reflexão sobre as possibilidades
de ensino na educação do campo que sejam produtivas

196
para os alunos, no sentido de que estes se identifiquem e
se reconheçam como sujeitos que estão na escola com a fi-
nalidade de compreender a importância do conhecimento
escolar mas, sobretudo, que reconheçam as competências
linguísticas que já possuem e entendam a necessidade de
ampliá-las, pois a escola é lugar de excelência para a pro-
moção de conhecimentos linguísticos com o fim de am-
pliação da competência discursiva dos alunos
E cientes da realidade multifacetada do processo de
ensino, isto é, dos variados fatores sociais que estão impli-
cados na prática do professor, também tem-se consciência
do esforço e da dedicação dos professores da educação do
campo para atuar neste contexto, superando as dificulda-
des existentes na sua prática pedagógica.

197

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