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edição 01 | outubro 2010

infraestruturas
verdes

F A U U S P
REVISTA LABVERDE
V. I - Nº 1

LABVERDE – Laboratório VERDE


FAUUSP- Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo

OUTUBRO 2010
ISSN 2179-2275

1
Ficha Catalográfica

Serviço de Biblioteca e Informação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP

REVISTA LABVERDE/ Universidade de São Paulo. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo.


Departamento de Projeto. LABVERDE- Laboratório Verde – v.1, n.1 (2010)- . – São
Paulo: FAUUSP, 2010 –

Semestral
LABVERDE v.I N° 1
v.: cm.
Revista LABVERDE
v.1, n.1, out. 2010

ISSN: 2179-2275

1. Arquitetura – Periódicos 2. Planejamento Ambiental 3. Desenho Ambiental 4.


Sustentabilidade I. Universidade de São Paulo. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo.
Departamento de Projeto. LABVERDE. II. Título
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo / Departamento de Projeto /
CDD 712

REVISTA LABVERDE V. 1, nº 1

LABVERDE- Laboratório Verde


Rua do Lago, 876 - Cidade Universitária, Bairro do Butantã
CEP: 05508-900 São Paulo-SP
Tel: (11) 3091-4535

Capa: Mariana Oshima Menegon

e-mail: labverde@usp.br

Home page: www.usp.br/fau/depprojeto/revistalabverde

2
Revista LABVERDE
Outubro - 2010
ISSN: 2179-2275

Universidade de São Paulo Conselho Editorial


João Grandino Rodas (Reitor) Catharina Pinheiro Cordeiro dos Santos Lima
Hélio Nogueira da Cruz (Vice-Reitor) (FAUUSP)
Cecília Polacow Herzog (FAUUFRJ)
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Denise Duarte (FAUUSP)
Demóstenes Ferreira da Silva Filho (ESALQ)
Sylvio de Barros Sawaya (Diretor)
Eduardo de Jesus Rodrigues (FAUUUSP)
Marcelo de Andrade Romero (Vice- Eugenio Fernandes Queiroga (FAUUSP)
Diretor) Euler Sandeville Júnior (FAUUSP)
Fábio Mariz Gonçalves (FAUUSP)
Editor Responsável Giovanna Teixeira Damis Vital (UFU)
Maria de Assunção Ribeiro Franco Helena Aparecida Ayoub Silva (FAUUSP)
José Carlos Ferreira (UNL-Portugal)
Comissão Editorial João Reis Machado (UNL-Portugal)
Denise Duarte João Sette Whitaker (FAUUSP)
Márcia Peinado Alucci Larissa Leite Tosetti (ESALQ)
Lourdes Zunino Rosa (FAUUFRJ)
Maria de Assunção Ribeiro Franco
Marcelo de Andrade Romero (FAUUSP)
Paulo Renato Mesquita Pellegrino Márcia Peinado Alucci (FAUUSP)
Saide Kahtouni Maria Ângela Faggin Pereira Leite (FAUUSP)
Maria Cecília França Lourenço (FAUUSP)
Maria de Assunção Ribeiro Franco
(FAUUSP)
Maria de Lourdes Pereira Fonseca (UFABC)
Miranda M. E. Martinelli Magnoli (FAUUSP)
Paulo Renato Mesquita Pellegrino (FAUUSP)
Saide Kahtouni (FAUUFRJ)
Silvio Soares Macedo (FAUUSP)
Vladimir Bartalini (FAUUSP)

Colaboradores
Antonio Franco
Oscar Utescher

Apoio Técnico
Jane Marta da Silva
José Carlos Guerra Júnior
José Tadeu de Azevedo Maia
Leonardo Augusto Vieira
Lina Rosa
Lílian Aparecida Ducci

Desenvolvimento de web
Edson Moura
Lucas V. O. Colebrusco
Mariana Oshima Menegon

3
SUMÁRIO

1. EDITORIAL
006 Maria de Assunção Ribeiro Franco

2. ARTIGOS
010 VALORAÇÃO DAS ÁRVORES NO PARQUE DO IBIRAPUERA – SP:
IMPORTÂNCIA DA INFRAESTRUTURA VERDE URBANA
Valuation of Trees at Ibirapuera Park –SP: Importance of Urban Green
Infrastructure
Demóstenes Ferreira da Silva Filho e
Larissa Leite Tosetti

026 A NATUREZA E A CULTURA COMO ESTRATÉGIA DE DESENHO


AMBIENTAL PARA ESTRELA DO SUL
The Nature and the Culture as Strategy of Environmental Design for Estrela
do Sul City
Maria de Lourdes Pereira e
Giovanna Teixeira Damis Vital

044 CÓRREGO BARREIRO – CONFIGURAÇÃO PAISAGÍSTICA E MODELAGEM


HIDRÁULICA: UMA EXPERIÊNCIA MULTIDISCIPLINAR
Stream Barreiro – Landscape Configuration and Hydraulic Modeling: A
Multidisciplinar Experience
Saide Kahtouni e
Luiz Fernando Orsini de Lima Yazaki

068 INFRA-ESTRUTURAS VERDES PARA UM FUTURO URBANO


SUSTENTÁVEL. O CONTRIBUTO DA ESTRUTURA ECOLÓGICA E DOS
CORREDORES VERDES
Green Infrastructures for a Sustainable Urban Future. The Ecological
Structure and the Greenways’ Contributions
José Carlos Ferreira e
João Reis Machado

091 INFRAESTRUTURA VERDE: SUSTENTABILIDADE E RESILIÊNCIA PARA A


PAISAGEM URBANA
Green Infrastructure: Building Sustainability and Resilience in Urban
Landscapes
Cecília Polacow Herzog e
Lourdes Zunino Rosa

116 PAISAGEM RECRIADA: PROJETO DE DESCARACTERIZAÇÃO DAS


BARRAGENS DA MINA DA CACHOEIRA

4
Recriated Landscape. Landscape Design of Mina da Cachoeira Dams
Patrícia Akinaga, Makoto Namba, Ilton Cunha, German Vinueza, Gustavo Lopes
Fontes e Arsênio Neguo Júnior

134 INFRAESTRUTURA VERDE EM SÃO PAULO - O CASO DO CORREDOR


VERDE IBIRAPUERA-VILLA LOBOS
Geen Infrastructure in São Paulo – The Case of the Ibirapuera-Villa Lobos
Green Corridor
Maria de Assunção Ribeiro Franco

3. ENTREVISTAS
156 CECÍLIA POLACOW HERZOG
Infraestrutura Verde e Resiliência no Paisagismo

162 BENEDITO ABBUD


Arquitetura Paisagística: Uma Profissão do Futuro

167 EDUARDO MARTINS FERREIRA


Edifícios com Selo Verde

4. DEPOIMENTO
173 ALEJANDRA DEVECCHI
Áreas Prestadoras de Serviços Ambientais num Cenário de Mudanças Climáticas

5. COMUNICADOS
176 Normas para Apresentação de Trabalhos

5
1. EDITORIAL

6
Revista LABVERDE
Outubro 2010 – Nº 1

EDITORIAL

Neste primeiro número da Revista LABVERDE apresentamos sete artigos e três


entrevistas. Nos artigos o desafio aos pesquisadores convidados foi o de
apresentarem trabalhos dentro do tema “Infraestrutura Verde”. Assim, foram
estabelecidas as rotas de pesquisa e relacionamento entre São Paulo, Rio de
Janeiro, Minas Gerais e Lisboa. Nas entrevistas o tema de conexão foi
“Sustentabilidade”, ligada às atividades profissionais nas áreas de Arquitetura e
Paisagem.

Dessa forma, fazendo jus à logomarca do LABVERDE, o artigo de entrada dedica-


se à valoração das árvores, tendo por base a idéia do verde como floresta urbana,
compondo a infraestrutura verde da cidade de São Paulo. Assim, Silva Filho e
Tosetti tratam do inventário georeferenciado das árvores do Parque do Ibirapuera,
em São Paulo, promovendo a valoração das árvores nas prioridades de manejo,
conservação e atividades de educação ambiental junto aos freqüentadores do
parque, nesta última, sob a hipótese de abrandamento de atitudes de vandalismo
e descaso pela infraestrutura verde, comum em nossos dias.

O segundo artigo trata da natureza e a cultura como estratégia de desenho


ambiental, utilizada na elaboração do “Plano Diretor Participativo de Estrela do
Sul”, na região do Triângulo Mineiro. Segundo as autoras, a pequena Estrela do
Sul se desenvolveu a partir de diversos núcleos de exploração de diamantes ao
longo do rio Bagagem, alcançando destaque econômico nas últimas décadas do
século XIX, sofrendo a seguir um longo período de decadência durante o séc. XX.
Este trabalho destaca o papel dos espaços livres concebidos como infraestrutura
verde, decisivo na estratégia de reversão da degradação ambiental e recuperação
da paisagem, para que a cidade possa abrigar um turismo histórico e rural capaz
de criar uma nova base econômica para seus habitantes.

7
O terceiro e sexto artigos tratam de remodelagem da paisagem e recomposição da
vegetação no “Córrego Barreiro”, no Campus Universitário da UNIP em Alphaville,
na Região Metropolitana de São Paulo; e nas “Barragens da Mina da Cachoeira”,
em Ritápolis, sul de Minas Gerais. Ambos os trabalhos tratam da amenização dos
problemas de erosão e assoreamento constatados nos cursos d’água estudados,
propondo soluções de arquitetura paisagística e modelagem hidráulica.

O quarto, quinto e sétimo trabalhos fazem proposições de infraestrutura verde


através de corredores verdes. Assim, o Corredor de “Monsanto - Avenida da
Liberdade”, em Lisboa, fala-nos da infraestrutura verde para a sustentabilidade
urbana, fundamentada nos conceitos de estrutura ecológica e corredores verdes
em áreas sob pressão urbana. O “Projeto Rio + Verde” trata da bacia do rio dos
Macacos na “Soho carioca”, cujo eixo principal é a Rua Pacheco Leão, propondo
uma infraestrutura verde multifuncional (floresta, restinga e mangue), ao longo do
rio dos Macacos, procurando reduzir o assoreamento na bacia, moderando as
enchentes, incrementando a biodiversidade nativa, além de possibilitar a
circulação de baixo impacto na comunidade. Por último, a proposição do “Corredor
Verde Ibirapuera-Villa Lobos” promove a “reconquista cidadã” da várzea do rio
Pinheiros, por meio do entrelaçamento da circulação de “baixo carbono”, do andar-
a-pé e das ciclovias, valorando os parques, áreas institucionais e bairros jardins,
considerados como infraestrutura verde, na área balizada pelo Parque do
Ibirapuera, o Parque Villa Lobos, a Cidade Universitária (CUASO), o Instituto
Butantã, o Parque Alfredo Volpi e o Parque do Povo.

Nas entrevistas, podemos acompanhar o pensamento de Cecília Herzog sobre


conceitos de infraestrutura verde e resiliência urbana às mudanças climáticas,
bem como as opiniões experientes dos arquitetos Benedito Abbud, sobre a
atividade da arquitetura paisagística no Brasil, e de Eduardo Martins Ferreira
sobre certificação verde em edifícios de alta tecnologia.

Boa leitura a todos!

Maria de Assunção Ribeiro Franco


Editora da Revista LABVERDE

São Paulo, 27 de outubro de 2010.

8
2. ARTIGOS

9
ARTIGO nº 1

VALORAÇÃO DAS ÁRVORES NO PARQUE DO IBIRAPUERA – SP:


IMPORTÂNCIA DA INFRAESTRUTURA VERDE URBANA
Valuation of Trees at Ibirapuera Park –SP: Importance of Urban Green
Infrastructure
Demóstenes Ferreira da Silva Filho e
Larissa Leite Tosetti

10
VALORAÇÃO DAS ÁRVORES NO PARQUE IBIRAPUERA – SP
IMPORTÂNCIA DA INFRAESTRUTURA VERDE URBANA

Demóstenes Ferreira da Silva Filho1, Larissa Leite Tosetti2


1
Engenheiro Agrônomo, mestrado e doutorado pela Universidade Estadual Paulista UNESP/FCAV.
Professor do Departamento de Ciências Florestais da Escola Superior de Agricultura “Luiz de
Queiroz” da Universidade de São Paulo, Piracicaba – SP. E-mail: dfsilva@esalq.usp.br
2
Engenheira Agrônoma e mestranda em Recursos Florestais pela Escola Superior de Agricultura
“Luiz de Queiroz” da Universidade de São Paulo, Piracicaba – SP. E-mail: laletosetti@usp.br

Resumo

Os serviços ambientais e sociais advindos da infraestrutura verde devem


ser estudados e valorados para se entender a importância desse sistema. Por
meio de um banco de dados relacional, elaborado a partir do Inventário
Georreferenciado das árvores do Parque Ibirapuera, obteve-se a valoração dessas
utilizando o cálculo do valor monetário do indivíduo arbóreo, que considera
dimensões, estado geral, localização, valor biométrico e a freqüência da espécie
no local inventariado. Com a valoração de cada um desses indivíduos,
organizando-os em classes de valor e localizando principalmente os exemplares
mais valiosos visou-se subsidiar os administradores nas prioridades de manejo. O
conhecimento do valor dos indivíduos, como o mais valioso cedro rosa (Cedrela
fissilis Vell.) na pista de Cooper, pode estimular o freqüentador na compreensão
da importância da conservação e manejo adequado da infraestrutura verde
urbana, que auxilia numa melhor qualidade de vida e representa alto valor
econômico ao poder público na forma de patrimônio verde.

Palavras-chave: Infraestrutura verde, serviços ambientais, inventário


georreferenciado, silvicultura urbana, Parque Ibirapuera, educação ambiental.

11
VALUATION OF TREES AT IBIRAPUERA PARK – SP
IMPORTANCE OF URBAN GREEN INFRASTRUCTURE

Abstract

Environmental and social services of the green infrastructure should be


studied and valued in order to understand the importance of this system. Based
upon a relational database created from the georeferenced inventory of trees of the
Ibirapuera Park , this valuation was obtained by calculating the monetary value of
every tree specimen, which considers size, general condition, location, biometric
data and frequency rates of the species at the inventoried site. By fixing a price for
every specimen the aim was to support directors on the management priorities.
The market values were set by organizing the individual in classes of value and
locating especially the most valuable specimens. Knowing the value of each
specimen, as the most valuable Cedro Rosa (Cedrela fissilis Vell.) on the jogging
track, can stimulate the attendee on understanding the importance of conservation
and proper management of urban green infrastructure which helps improving
life quality and represents high economic value to the government in the form of
green heritage.

Keywords: green infrastructure, environmental services, georeferenced inventory,


urban forestry, Ibirapuera Park, environmental education.

Introdução e Justificativas

A quantidade de infraestrutura verde presente nas cidades é um fator


relacionado diretamente ao planejamento urbano e as verbas atribuídas a esse
sistema, além da vontade dos munícipes por zelarem e demonstrarem interesse

12
no aumento desses espaços públicos e privados. A infraestrutura verde na forma
de arborização das vias públicas, áreas verdes e parques urbanos, principalmente
em “Megacidades” como São Paulo, proporciona diversos serviços ambientais
muitas vezes não percebidos no cotidiano dos moradores, tais como a diminuição
das ilhas de calor, de poluição atmosférica e sonora, de danos aos asfaltos por
aquecimento e dilatação e da amplitude térmica. A oportunidade de viver próximo
as áreas verdes também proporciona uma melhoria na saúde, diminuindo os
índices de doenças respiratórias e obesidade.
A sombra, o abrigo e alimento para fauna, o embelezamento da área
urbana e o equilíbrio estético entre a escala humana e as construções
arquitetônicas são alguns outros serviços da infraestrutura verde, porém
facilmente observados pelos habitantes urbanos.
Serviços sociais também são advindos dos sistemas verdes, quando
parques e praças são utilizados por toda a sociedade, unificando os moradores de
um local sem distinção econômica, social, cultural ou étnica, além de
representarem um contexto histórico e cultural que identifica determinada área.
Relacionado a isso, Hauer (2003) comenta sobre fazer parte da
comunidade urbana tanto a infraestrutura cinza (prédios, ruas, calçadas) como a
verde, porém há existência de ferramentas para gestão e políticas adequadas
para o manejo e manutenção da infraestrutura cinza, mas pouco se tem sobre a
infraestrutura verde.
Com todos esses benefícios, é difícil a definição do manejo ideal para cada
indivíduo arbóreo dentro de uma infraestrutura verde urbana considerando o gasto
no orçamento público que possa ser compreendido e aceito por todos.
Almeida (2006, p.121) comenta que “o recurso a modelos para quantificar a
estrutura, função e valor das árvores e floresta urbana, bem como o inerente custo
de instalação e manutenção, permitirá desenvolver planos de gestão apropriados,
no sentido de otimizar a relação custo-benefício associada aos espaços
arborizados da cidade.”
Incertezas sobre a importância das árvores provocam as comunidades a
interrogarem se as verbas destinadas a essas justificam-se pelos benefícios que

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elas proporcionam. Provar que os benefícios das árvores compensam os custos
justifica os programas de apoio as árvores (McPherson, 1995).
Wolf (2004) fala sobre a prontidão em identificar e contabilizar os custos
com o plantio, a manutenção, os materiais usados e a remoção de galhos caídos,
folhas secas envolvidos no gerenciamento das florestas urbanas, apontando a
dificuldade em contabilizar o retorno produzido por essas despesas por meio da
infraestrutura verde.
Na década de 60 iniciaram os primeiros estudos para quantificar e valorar
as árvores urbanas, principalmente no sentido de quantificar os benefícios
advindos desse sistema ambiental, o que levou ao desenvolvimento dos modelos
americanos, sendo o primeiro modelo estruturado a partir do Projeto Climático da
Floresta Urbana de Chicago em 1994, que visou apoiar as entidades responsáveis
pelo planejamento e gestão do patrimônio arbóreo da cidade a aumentarem as
verbas destinadas para a floresta urbana. Atualmente três modelos estão
disponíveis nos Estados Unidos: CITYgreen, UFORE Model program e STRATUM
(ALMEIDA, 2006). O CITYgreen software já considera na valoração dos
indivíduos suas características qualitativas e quantitativas, como altura, diâmetro a
altura do peito (DAP), estado geral e fitossanidade. UFORE (Urban Forest Effects)
baseia-se principalmente em informações metereológicas e dados sobre poluição
do ar. STRATUM (Street Tree Resource Analysis Tool for Urban Forest Managers)
estima a quantidade de benefícios anuas que a arborização proporciona a cidade.
O modelo de inventário qualitativo e quantitativo utilizado nessa pesquisa
apresenta um diferencial quanto aos utilizados nos EUA por considerar a
freqüências das espécies dentro do contexto em que se localiza o indivíduo
valorado. Esse método foi desenvolvido por SILVA FILHO (2002) na cidade de
Jaboticabal – SP. Esse inventário também foi georreferenciado.
A valoração das árvores é mais uma ferramenta para auxiliar nas
estratégias de conservação e manejo dos indivíduos arbóreos localizados em
áreas públicas, uma vez que esse valor é calculado a partir dos dados qualitativos
e quantitativos dos próprios indivíduos que geram resultados, tais como estado
geral, localização, valor biométrico, valor da espécie, valor de condição e a

14
freqüência da espécie, utilizados na fórmula de cálculo de valoração individual e
relativo.
Conhecer esse valor é uma forma de traduzir aos munícipes e aos
administradores dessas áreas a importância da representação do indivíduo
arbóreo dentro de uma infraestrutura verde urbana. Esse conhecimento pode
facilitar atividades de educação ambiental, que envolva e sensibilize a
comunidade, permitindo um olhar permanente para a infraestrutura verde urbana
como forma de resgate da qualidade de vida por meio da saúde, lazer,
embelezamento estético, e tantas oportunidades advindas desse sistema.

Objetivos

O objetivo da pesquisa foi obter a valoração de cada indivíduo arbóreo do


Parque Ibirapuera em São Paulo como ferramenta para a indicação de
conservação e de prioridade de manejo e o entendimento da importância da
infraestrutura verde urbana.
Os passos para alcançar esse objetivo foram: obtenção da valoração das
árvores do Parque do Ibirapuera por meio do inventário georreferenciado,
comparação dos resultados de valoração com ou sem freqüência e indicação dos
indivíduos com maior valoração como uma possível ferramenta para justificativa
de conservação e prioridade de manejo do parque.

Metodologia

O estudo foi realizado no Parque Ibirapuera na cidade de São Paulo, no


bairro Moema, onde o clima é Cwa, segundo a classificação de Köppen-Geiger e
as coordenadas geográficas são 23o 35’S de latitude e 46o 39’ W de longitude, com
uma área de aproximadamente 160 hectares.
O Inventário Georreferenciado utilizou Estação Total e Global Position
System (GPS). As informações necessárias sobre cada indivíduo arbóreo a partir
de itens, escolhidos conforme a necessidade do parque, para o banco de dados
relacional, foram inventariadas por técnicos do Laboratório de Silvicultura Urbana

15
(LMQ) da ESALQ-USP, gerando uma planilha no programa Microsoft ACCESS.
Nessa planilha contém os seguintes dados: identificação do indivíduo (número,
nome popular e nome científico), localização por setor e coordenadas geográficas,
nome do responsável técnico, altura geral, altura da primeira bifurcação e tipo de
bifurcação, PAP (perímetro a altura do peito), largura da calçada ou tipo de
canteiro, tipo de pavimento, perímetro do colo, diâmetro da copa, sentido da
inclinação, ângulo da inclinação, estado geral, local de desequilíbrio, risco de
queda, fenologia, afloramento de raiz, participação na paisagem, tipos de fiação,
tipo e qualidade de ação realizada, recomendação de ação, cupim, interferência
no tronco, presença ou ausência de liquens, ninhos, insetos, corpo de frutificação
(fungos), epífitas, parasitas e foto.
Os itens da planilha são principalmente separados por localização e
identificação, dimensões, biologia, entorno e interferências e definições de ações
(SILVA FILHO, 2002). Com essa planilha foi calculada a valoração da seguinte
maneira: considerando os dados de dimensões, estado geral e localização
calcularam-se o valor biométrico (Vbm), o valor da espécie (Ve), o valor de
localização (Vl), o valor de condição (Vc). Valor biométrico: é a ponderação entre
o diâmetro à altura do peito (DAP), peso de 60%, e a altura da primeira
ramificação (Hb), peso de 40%, sendo a fórmula: Vbm = (DAP x 0,6) + (Hb x 0,4).
Os outros valores consideram dados da tabela do Access, sendo que Vc
considera os valores de biologia; Ve relaciona os dados criando critérios de
disponibilidade, parte desejável, desenvolvimento e adaptabilidade; e Vl considera
presença ou ausência de outro indivíduo da mesma espécie, recuo na construção
e adequação, conforme Silva Filho (2002).
A multiplicação desses valores fornece o índice de importância (Ii),
conforme a fórmula: Ii = (Ve x Vc x Vl x Vbm). O índice de importância é
transformado em moeda corrente quando multiplicado por uma constante e é o
valor individual (VInd). Dividindo esse valor (Ii) pela freqüência (freq) têm-se o
índice de importância relativa (Iir), que multiplicado pela mesma constante é em
moeda corrente o valor relativo (Vrel). Sendo as fórmulas, respectivamente: Vind =
Ii x constante; Iir = Ii / freq e Vrel = Iir x constante.

16
Essa constante foi estabelecida a partir da equivalência do Iir da menor
árvore jovem da espécie mais comum na arborização, cadastrada no banco de
dados, ao seu custo total de plantio. O custo de plantio considerado foi de R$8,50,
baseado em uma média de custos de implantações de reflorestamentos e
arborização urbana, uma vez que não se tinha os dados de custos do parque.
Portanto com Iir = 0,03 (menor valor encontrado no cadastro), custo de plantio
(Cplant) = R$ 9,45 a constante (Kr) = Cplant / Iir, tem-se Kr = 315.
Os mapas foram gerados com o uso do programa Quantun Gis,
identificando as árvores conforme classes de valoração.

Resultados

O inventário identificou 51 famílias e 336 espécies diferentes, sendo


algumas identificadas apenas no nível de gênero, num total de 15066 árvores, nas
quais apenas 152 foram classificadas como mortas.
Obteve-se 10 espécies mais freqüentes somando 35% do total de árvores
(Eucalyptus sp (9%), Ligustrum lucidum (7%), Eugenia uniflora (3%), Eucalyptus
saligna (3%), Tipuana tipu (3%), Holocalix balansae (2%), Aglaia odorata (2%),
Ceiba speciosa (2%), Eucalyptus urophylla (2%), Tabebuia pentaphylla (2%)) e as
demais espécies representando os 65% restantes. Essas freqüências mostram
uma boa distribuição nas espécies, mas existem 77 espécies que são
representadas apenas por um indivíduo.
Foram valorados todos os indivíduos de duas formas: sem a freqüência da
espécie e utilizando esse dado, o que mostra dois valores diferentes, um primeiro
valor do indivíduo (Vind) e o segundo valor relativo (Vrel).
O mapa (Figura 1) localizando as árvores inventariadas por classe de valor
relativo e o mapa (Figura 2) por classe de valor individual mostram uma
distribuição por todo o parque das diferentes classes de valor, indicando uma
necessidade de manejo sistematizada sem distinção de setor, necessitando a
interpretação de dados conjuntamente para a tomada de atitudes de manejo que
considere tanto a diversidade biológica, a fitossanidade, a segurança e
principalmente a forma mais adequada do gasto de orçamento público destinado a

17
essa atividade, justificado quando representado por indivíduos de alto valor
monetário.

18
19
Figura 1. Mapa de localização das árvores no Parque Ibirapuera representadas por classe de valor relativo.
20
Figura 2. Mapa de localização das árvores no Parque Ibirapuera representadas por classe de valor individual.
O valor relativo é importante por representar o valor monetário em moeda
corrente (R$) do indivíduo arbóreo dentro do contexto em que está inserido, o
Parque Ibirapuera. Uma árvore de baixo valor individual quando parte de uma
espécie de baixa freqüência tem seu valor relativo maior, indicando a necessidade
de conservação uma vez que a perda daquela espécie pode significar uma
diminuição na diversidade biológica do local inventariado.
O valor individual representa a importância econômica da árvore, uma vez
que considera seus dados de dimensões, biologia, localização e entorno,
traduzindo a prioridade do manejo individual para que se conserve uma
infraestrutura verde de qualidade.
As Tabelas 1 e 2 mostram as 20 árvores mais valiosas, sem considerar e
considerando a freqüência, respectivamente.

Tabela 1. As 20 árvores mais valiosas sem considerar a freqüência da espécie.


Nome Popular Nome científico Vind (R$) Freq (%) Vrel (R$) Localização
Cedro rosa Cedrela fissilis Vell. 21478,24 1,526616 14069,18 pista de cooper
Eucalipto Eucalyptus ssp. 20521,8 8,748175 2345,838 pista de cooper
Eucalipto Eucalyptus ssp. 17675,98 8,748175 2020,533 pista de cooper
Cariniana legalis (Mart.)
Jequitibá rosa Kuntze 17471,74 0,657109 26588,82 jardim dos cegos
Tabebuia ochracea (Cham.)
Ipê-amarelo2 Standl. 17050,72 0,418160 40775,57 pista de cooper
Tabebuia ochracea (Cham.)
Ipê-amarelo2 Standl. 16748,32 0,418160 40052,4 pista de cooper
Aspidosperma ramiflorum
Guatambu amarelo Müll.Arg. 16673,1 0,212399 78499,02 Pça da Paz
Cedro rosa Cedrela fissilis Vell. 16232,76 1,526616 10633,16 casa da leitura
Tabebuia ochracea (Cham.)
Ipê-amarelo Standl. 14753,84 0,418160 35282,75 pista de cooper
Tabebuia ochracea (Cham.)
Ipê-amarelo Standl. 14724,96 0,418160 35213,7 pista de cooper
Centrolobium tomentosum
Arariba rosa Guill. ex Benth. 14435,55 1,758927 8207,018 Administração
Eucalipto Eucalyptus ssp. 14127,79 8,748175 1614,941 pista de cooper
Tabebuia ochracea (Cham.)
Ipê-amarelo Standl. 14091,69 0,418160 33699,27 pista de cooper
Tabebuia ochracea (Cham.)
Ipê-amarelo Standl. 14005,06 0,418160 33492,1 pista de cooper
Tabebuia ochracea (Cham.)
Ipê-amarelo Standl. 13968,96 0,418160 33405,78 pista de cooper
Cedro rosa Cedrela fissilis Vell. 13885,74 1,526616 9095,765 Administração
Eucalipto Eucalyptus ssp. 13791,3 8,748175 1576,477 pista de cooper
Guatambu amarelo Aspidosperma ramiflorum 13657,99 0,212399 64303,52 Pça da Paz

21
Eucalipto Eucalyptus ssp. 13582,44 8,748175 1552,603 pista de cooper
Tabebuia ochracea (Cham.)
Ipê-amarelo Standl. 13556,41 0,418160 32419,18 pista de cooper
Vind (R$) = valor do indivíduo, Freq (%) = freqüência e Vrel (R$) = valor relativo.
Tabela 2. As 20 árvores mais valiosas considerando freqüência da espécie.
Nome Popular Nome científico Vind (R$) Freq (%) Vrel (R$) Localização
Casuarina Casuarina ssp. 8047,299 0,006637 1212406 jardim dos cegos
Sparattosperma leucanthum
Caroba branca (Vell.) K. Schum. 6986,737 0,006637 1052622 portão 8
Agathis robusta (C.
Agatis Moore) F. M. Bailey 6531,618 0,006637 984053,5 viveiro
Eucalyptus torelliana F.
Eucalipto Muell 11365,88 0,013275 856191,8 pista de cooper
Eucalyptus campanulata
Eucalipto R.T.Baker & H.G.Sm. 4460,053 0,006637 671951,7 pista de cooper
Tabebuia serratifolia (Vahl.)
córrego do
Ipê amarelo do brejo Nich. 3990,084 0,006637 601146 sapateiro
Dalbergia nigra (Vell.)
Jacarandá da bahia Allemão ex Benth. 3474,445 0,006637 523459,9 pista de cooper
córrego do
Ataúba Guarea macrophylla Vahl. 3334,038 0,006637 502306,2 sapateiro
Eucalyptus camaldulensis
Eucalipto Dehn. 11341,52 0,026550 427178,2 pista de cooper
frente da praça
Eritrina Erythrina ssp. 2819,287 0,006637 424753,8 da Paz
Maria preta Vitex polygama Cham. 2777,564 0,006637 418467,7 portão 8
Pinus oocarpa Schiede ex
Pinos Schltdl. 2739,208 0,006637 412689 Praça da Paz
Tabebuia umbellata (Sond.)
Ipê amarelo do brejo Sandw. 2689,417 0,006637 405187,5 portão 6
Swietenia macrophylla King
Mogno Vell. 2638,506 0,006637 397517,4 viveiro
Amburana cearensis (Fr.
Amburana All.) A.C. Smith 2535,733 0,006637 382033,6 viveiro
Eucalipto Eucalyptus robusta Sm. 2419,604 0,006637 364537,6 pista de cooper
Dilodendron bipinnatum
Maria pobre Radlk. 2410,508 0,006637 363167,1 portão 8
Ficus Ficus insipida Willd. 2181,889 0,006637 328723,4 jardim dos cegos
Calophyllum brasiliense frente da praça
Guanandi Cambess. 2176,135 0,006637 327856,5 da Paz
Vind (R$) = valor do indivíduo, Freq (%) = freqüência e Vrel (R$) = valor relativo.

Comparando as tabelas observa-se que nenhum indivíduo consta em


ambas, indicando a importância da diferenciação entre o valor individual e o valor
relativo, contextualizando as espécies em uma área de infraestrutura verde,
conforme o enfoque necessário a atividade que se deseja realizar.

22
Todas as árvores inventariadas contabilizam um valor de aproximadamente
31 milhões de reais sem considerar freqüência e 94 milhões de reais considerando
a freqüência das espécies. Esse alto valor demonstra a dificuldade enfrentada
pelos administrados do parque no momento da decisão de manejo das árvores,
por se tratar de um patrimônio extremamente valioso.
A menor freqüência encontrada na área total do parque foi de 0,0067%,
com 77 indivíduos de espécies diferentes, confirmando a necessidade da
interpretação da valoração encontrada a partir de dados utilizando a freqüência.
Tais indivíduos representam a importância de aproximadamente 17 milhões de
reais. Mesmo quando não considerada a freqüência, essas árvores representam
cerca de 11 milhões de reais.
Separando a área total do Parque Ibirapuera para organização do trabalho
de coleta de dados em 30 setores (pista de Cooper, jardim dos cegos, praça da
paz, frente da praça da paz, antiga PRODAM, administração, atrás da SABESP,
bienal, bienal e oca, casa da leitura, córrego do sapateiro, CGM, herbário, lago
chafariz, marquise, museu afro, oca e auditório, parquinho, praça da paz e córrego
do sapateiro, praça de eventos, praça de jogos, planetário, portão 4, portão 4 e
bienal, portão 6, portão 8, portão 9, portão 9A, SABESP + jardim japonês +
jardinagem, e viveiro) encontramos que no setor chamado Pista de Cooper
existem 2532 árvores, nas quais cinco estão na lista das 20 mais valiosas sem
considerar a freqüência (Tabela 1), sendo a mais valiosa o Cedro rosa (Cedrela
fissilis Vell.) de 18 metros da altura. No jardim dos cegos há um total de 442
árvores inventariadas as quais duas estão na lista das 20 árvores mais valiosas
considerando a freqüência (Tabela 2), a Casuarina (Casuarina ssp.) de 15 metros
de altura e o Fícus (Ficus insipida Willd.) de 16 metros.
Todos os setores contam com indivíduos de todas as classes de valoração
e diversidade de espécies, o que pode sugerir uma proposta de trilhas no parque
por espécies e por classes de valoração, que aproximem os freqüentadores dessa
realidade e dê subsídio às estratégias de manejo para os administradores do local,
considerando que cada espécie possui suas necessidades particulares de manejo

23
em diferentes períodos do ano e que os indivíduos representantes de cada
espécie estão distribuídos por toda a área do parque.
Associado a isso, uma das ferramentas de conservação da infraestrutura
verde e diminuição de gastos com manutenção, principalmente relacionados ao
vandalismo, é a educação ambiental, que pode estimular o freqüentador do
parque na compreensão da importância dessas áreas verdes no contexto urbano,
que auxilia numa melhor qualidade de vida e representa alto valor econômico ao
poder público na forma de patrimônio verde.

Conclusões

Os resultados dessa pesquisa sugerem a utilização da valoração de árvores


como uma forma de auxiliar os administradores do parque Ibirapuera na prioridade
de manejo e necessidade de conservação.
A valoração é apenas um dos indicadores que podem ser utilizados para a
avaliação de prioridade de manejo, uma vez que outros índices não são
considerados nesse cálculo, como o índice de risco de queda e até mesmo a
relação histórica, cultural e a percepção do freqüentador do parque.
O inventário georreferenciado e os resultados conseguidos a partir dos
dados por ele fornecido, como a valoração, indicam inúmeras possibilidades para
mais estudos e pesquisas, além de ser uma oportunidade para sistematizar
adequadamente o melhor manejo para árvores urbanas e aproximar os usuários
da dificuldade enfrentada pelos administradores das áreas verdes públicas.
Associar o conhecimento das árvores por meio do inventário
georreferenciado a atividades de educação ambiental junto aos freqüentadores do
parque é um caminho interessante para a melhoria da conservação e atenuar
atitudes de vandalismo e descaso pela infraestrutura verde.

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25
ARTIGO nº 2

A NATUREZA E A CULTURA COMO ESTRATÉGIA DE DESENHO AMBIENTAL


PARA ESTRELA DO SUL
The Nature and the Culture as Strategy of Environmental Design for Estrela do
Sul City
Maria de Lourdes Pereira e
Giovanna Teixeira Damis Vital

26
A NATUREZA E A CULTURA COMO ESTRATÉGIA DE DESENHO AMBIENTAL PARA
ESTRELA DO SUL

Maria de Lourdes Pereira Fonseca, doutora em Urbanismo pela Universidade Politécnica de Cataluña,
professora adjunta da Universidad Federal do ABC – UFABC, loufonseca@yahoo.com

Giovanna Teixeira Damis Vital, mestre em Estruturas Ambientais Urbanas pela Universidade de São Paulo,
professora assistente da Universidade Federal de Uberlândia – UFU, gtdamis@yahoo.com

Resumo

O artigo tem por objetivo apresentar os princípios utilizados para a elaboração do Plano
Diretor Participativo de Estrela do Sul – MG. Essa cidade, de pequeno porte, está
localizada na região do Triângulo Mineiro e se desenvolveu a partir de diversos núcleos
de exploração de diamantes ao longo do Rio Bagagem, alcançando um grande destaque
na região durante as últimas décadas do Século XIX. No entanto, devido à decadência da
atividade mineradora, o município perdeu atratividade econômica e sua população reduziu
drasticamente. O período áureo do garimpo deixou como herança um reconhecido
conjunto de edificações históricas, mas também um ambiente fragmentado, espacial e
socialmente, e com baixa qualidade urbana.

A estrutura espacial proposta para o município é organizada pelos ambientes natural –


hidrografia, cobertura vegetal e solo -, e construído – paisagem urbana e patimônio
histórico-cultural -, tendo por princípios a conservação, a preservação e a recuperação de
seu patrimônio cultural e a sustentabilidade, como forma promover a qualificação
ambiental e a redução das desigualdades sócio-espaciais.

O trabalho destaca também o papel dos espaços livres, concebidos como infra-estrutura
verde, e decisivos na estratégia de reverter a degradação ambiental e recuperar a
paisagem para que a cidade possa abrigar um turismo histórico e rural, capaz de criar
uma nova base econômica e garantir novas perspectivas de vida para seus habitantes.

Palavras-chave: Plano Diretor, Estrela do Sul, infra-estrutura verde, preservação


ambiental, planejamento ambiental.

THE NATURE AND THE CULTURE AS STRATEGY OF ENVIRONMENTAL DESIGN


FOR ESTRELA DO SUL CITY

Abstract

27
This paper has as objective to present the beginnings used for elaboration of Master Plan
of Estrela do Sul city, state of Minas Gerais, Brazil. That city, small load, is located in
Triângulo Mineiro area and it was developed starting from several nuclei of exploration of
diamonds along the river Bagagem, reaching a great prominence in the area during the
last decades of 19th Century. However, due to the exploring activity decadence, the city
lost economic attractiveness and its population reduced drastically. The claim golden
period left as inheritance a recognized group of historical constructions, but also a broken
into fragments environment, space and socially, and with low urban quality.

The structure space proposal for municipal district is organized by the natural environment
- hydrographic, vegetable covering and soil -, and by the built - urban landscape and
historical-cultural heritage -, tends for beginnings the conservation, the preservation and
the recovery of its cultural heritage and the sustainability, as form to promote the
environmental qualification and the reduction of partner-space inequalities.

The work also highlights the paper of free spaces, conceived as a green and decisive
infrastructure in the strategy to reverses the environmental degradation and to recover the
landscape so that the city can shelter a historical and rural tourism, capable to create a
new economic base and to guarantee new life perspectives for its inhabitants.

Key-word: Master plan, Estrela do Sul, green infrastructure, environmental preservation,


environmental planning.

Introdução

Estrela do Sul é uma cidade histórica, situada na região do Triângulo Mineiro, implantada
no vale do Rio Bagagem, que possui uma paisagem de significativa beleza, formada por
Cerrados, Veredas e fragmentos da Floresta Estacional Semidecidual, relativamente
preservados e que compõem, juntamente com o ambiente cultural, um cenário ambiental
urbano diferenciado.

A cidade teve a sua fundação ligada à descoberta, em 1852, do famoso diamante “Estrela
do Sul”. O êxito da exploração de diamantes possibilitou um grande crescimento do
povoado, que contabilizava, em 1861, aproximadamente, 30 mil habitantes e exercia uma
grande influência política na região.

No entanto, esse período de crescimento e euforia começou a declinar a partir de 1870,


em razão da descoberta das jazidas de diamantes da África do Sul, que fez o preço da
pedra cair significativamente no mercado internacional. A partir de então, a população da
cidade reduziu drasticamente, chegando a 8.524 habitantes, em 1970, e a 6.838 em
20011. A atividade mineradora praticamente desapareceu e a sua economia passou a
apoiar-se nas atividades agrícolas e pecuárias.

Os diversos núcleos de exploração do garimpo ao longo do Rio Bagagem deram origem a


pequenos povoados que se desenvolveram de maneira quase autônoma e isolados, que
foram, posteriormente, transformados em distritos: Sede (Estrela do Sul), Santa Rita, São
1
Censo do IBGE 1970 e 2000.

28
Félix de Estrela, Chapada de Minas e Dolearina. Apenas o Distrito Sede e Santa Rita,
apresentam, apesar de uma descontinuidade de seu tecido urbano, uma relativa
proximidade.

O município conta com significativo patrimônio histórico: oitente e seis (86) bens imóveis
com tombamentos municipais, urbanos e rurais, os quais incluem, além de edifícios
residenciais e comerciais, sedes de fazendas, túmulos e monumentos. A grande parte
desse patrimônio arquitetônico encontra-se no distrito Sede e de Santa Rita, os núcleos
de fundação da cidade.

A presença de imóveis históricos, associados às manifestações sócio-culturais,


conferiram ao município o reconhecimento pelo Ministério do Turismo como cidade
histórica do Triângulo Mineiro. Devido a isto, foi contemplada, em 2006, pelo programa de
incentivos do Governo Federal para elaboração de planos diretores.

O Plano Diretor Participativo para Estrela do Sul foi desenvolvido pela Universidade
Federal de Uberlândia – UFU, em parceria com a Prefeitura Municipal de Estrela do Sul e
com o apoio do Conselho Nacional de Pesquisa – CNPq. A sua elaboração contou com a
participação de professores e alunos da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, do
Instituto de Geografia, do Instituto de Biologia, da Faculdade de Engenharia Civil e do
Instituto de Economia da UFU e também de técnicos da prefeitura do referido município.

A partir da articulação das dimensões ambiental, físico-territorial, econômico-social e


cultural buscou-se a hierarquização das necessidades e valorização das potencialidades
do município, a fim de oferecer novas possibilidades econômicas e sociais. Buscou-se,
dessa maneira, promover a sustentabilidade ambiental e o desenvolvimento local, além
de potencializar os recursos culturais e ambientais e fomentar o turismo regional e a
inclusão social.

Para o desenvolvimento dos trabalhos, seguindo-se as recomendações do Ministério das


Cidades (BRASIL, 2004), foram definidas quatro etapas de trabalho: leituras técnica e
comunitária; formulação e pactuação de propostas; definição dos instrumentos; sistema
de gestão e planejamento municipal. A realização da leitura técnica foi realizada a partir
da aplicação do modelo de avaliação ambiental denominado GEO Cidades (SÃO PAULO,
2004), e as leituras comunitárias foram feitas no formato de oficinas realizadas em cada
distrito, separadamente, com a participação da população utilizando a metodologia de
painéis. Os resultados estão compilados em duas partes: o Panorama do Meio Ambiente
Urbano e Rural, que contém o levantamento e análise de dados técnicos e comunitários,
e a indicação das diretrizes gerais para a elaboração das propostas do plano; o Plano
Diretor do município, que traz abordagem teórico-conceitual do Planejamento Ambiental,
metodologia de criação de cenários futuros e diretrizes.

1. Patrimônio e Ambiente como princípio de sustentabilidade

Um dos principais desafios a ser enfrentado pelo Município de Estrela do Sul é a perda de
sua base econômica, problema vivido desde as últimas décadas do Século XIX, com o
declínio da exploração mineradora. Ao longo do século XX, a cidade não conseguiu atrair
indústrias, ficando à margem do desenvolvimento da região do Triângulo Mineiro, na qual
se insere. Tendo como base econômica a agricultura e a pecuária, a cidade perdeu
importância na rede regional de cidades, ficando, assim como muitas outras, ofuscadas e

29
dependentes da dinâmica e da concentração econômica de Uberlândia e Uberaba, que se
tornaram os pólos de crescimento da região.

Os processos de mudanças da economia, conhecidos como globalização, ocorridos a


partir do final da década de 1970, definiram, no entanto, novas formas de articulação
entre as diferentes cidades, permitindo a redefinição do papel de cada uma na rede
global. A globalização, ao mesmo tempo que cria uma nova hierarquia de cidades, a
escala mundial, abre também possibilidades para que as cidades se relacionem
diretamente umas com as outras, independente de sua localização geográfica.

O aumento da mobilidade de pessoas, de informações, de mercadorias e de capitais abre


também novas perspectivas econômicas, com o aumento da importância do setor de
prestação de serviços e, especialmente, do turismo. Diante dessas circunstâncias, os
planos e projetos estratégicos têm sido adotados como elementos capazes de posicionar
favoravelmente a cidade na rede global e de adaptá-las às novas exigências da produção
e reprodução do capital. O planejamento urbano passou a ser visto não apenas como
elemento de ordenamento e controle do crescimento, mas como elemento fundamental da
política econômica da cidade, fomentador do crescimento econômico local e capaz criar
vantagens competitivas.

Dessa forma, paradoxalmente, a globalização, ao tornar relativa a importância das


localizações, põe em relevo justamente as diferenças entre os lugares. Busca-se, então,
através da exploração das potencialidades de cada cidade, uma posição de destaque e
diferenciação das demais. A imagem e qualidade urbana passam a ser elemento
estratégico na competição urbana e a atenção se volta para áreas já ocupadas ou
intersticiais, vazias ou degradadas, requalificando e/ou adensando os seus usos, como
forma de corrigir os desequilíbrios territoriais e sociais e valorizar os seus atributos
ambientais.

Nesse contexto, as áreas históricas, assim como os monumentos, são vistos como
estratégicos na formação e exploração da imagem urbana e de sua diferenciação, como
lugar especial e propício ao abrigo de novos tipos de comércio e serviços dirigidos,
especialmente, aos turistas.

Choay (2006) e Arantes (2000) alertam, no entanto, para o risco de mercantilização do


patrimônio cultural, e da própria cidade, convertendo-os em produto de consumo cultural.
Com vistas a uma exploração econômica de seu status histórico e patrimonial, os
monumentos e os centros e bairros antigos são transformandos em produtos de consumo
cultural e de uso para fins mediáticos. E, muitas vezes, são “tratados” e “arrumados” para
agradar ao turista e facilitar o seu uso, transformados em cenários para a animação
cultural, como estratégia de criação de um lugar na cidade destinado à evasão e ao
consumo. Isso, associado à gentrificação social e de usos, pode levar à perda da
autenticidade e à banalização do ambiente urbano.

Dessa maneira, um grande desafio que se coloca é a integração dos conjuntos históricos
à vida coletiva contemporânea e, ao mesmo tempo, manter de seu particularismo e a sua
capacidade de servir como referencial da História através do efeito de distância e de
afastamento, a partir do qual se pode estabelecer uma leitura crítica da cidade.

Para combater essas tendências desagregadoras e descaracterizadoras, Choay (2006)


propõe a “conservação estratégica” do patrimônio urbano antigo, que prevê desde a

30
exposição controlada e normatizada dos monumentos a uma destinação de atividades
compatíveis com a morfologia e as dimensões das malhas antigas, com a manutenção e
a proteção de seus usos para os seus habitantes, garantindo um uso cotidiano e
equilibrado. Assim sendo, os elementos novos devem respeitar a articulação e as regras
morfológicas desses tecidos.

Da mesma forma, o patrimônio ambiental é também estratégico na formulação da nova


base econômica das cidades e, portanto, na busca de um posicionamento favorável na
rede urbana e deve ser abordado a partir dos conceitos do Planejamento Ambiental. O
Planejamento Ambiental tem como princípio “todo esforço da civilização na direção de
preservar e conservar os recursos ambientais de um território, com vistas à sua própria
sobrevivência” (FRANCO, 2000:34). Assim sendo, concebe a preservação do patrimônio
ambiental e cultural como parte da preservação da própria biodiversidade, partindo-se do
ambiente construído como o hábitat humano, como manifestação cultural, que, se
destruída, não se reconstrói.

O princípio de sustentabilidade surge, então, no contexto da globalização apontando


novos rumos para o desenvolvimento econômico, questionando a racionalidade e os
paradigmas teóricos que fomentaram e legitimaram o crescimento econômico com base
na negação da natureza (LEFF, 2001), o que terminou por desencadear a crise ambiental
mundial. Nesta perspectiva, a sustentabilidade ecológica é o princípio de uma nova ordem
econômica e, portanto, territorial, necessária a um crescimento duradouro e como
condição para a sobrevivência humana e existência da vida, baseados nas
potencialidades ecossistêmicas e no manejo prudente dos recursos naturais.

Assim, “O ambiente emerge como um saber reintegrador da diversidade, de novos


valores éticos e estéticos e dos potenciais sinergéticos gerados pela articulação de
processos ecológicos, tecnológicos e culturais” (LEFF, 2001, p. 17). Inicia, com isto, um
processo de elaboração de novos padrões de produção e de estilo de vida baseados nas
potencialidades ecológicas locais de cada região valorizando a diversidade étnica e na
participação da população no processo de gestão dos recursos. Para Leff (2001), a
sustentabilidade vem ecologizar a economia eliminando a contradição moderna entre
economia e ecologia, por meio de um projeto que visa erradicar a pobreza, satisfazendo
as necessidades básicas e melhorando a qualidade de vida da população.

No Plano Diretor de Estrela do Sul, assume-se, portanto, a questão ambiental atrelada


aos princípios de conservação urbana, pois esta se estabelece a partir da necessidade de
conservar, preservar e recuperar o meio ambiente garantindo a existência da vida.

2. Estrela do Sul: estagnação econômica, fragmentação urbana e degradação


ambiental

Os problemas que afetam o município de Estrela do Sul, não diferem muito da realidade
dos pequenos municípios do país. Apesar de ter a economia baseada nas atividades de
agricultura e pecuária, a maior parte da população é urbana e com baixo nível de renda2.
Devido à fraca dinâmica econômica, os estabelecimentos de comércio e serviços
existentes são de pequeno porte e de caráter local, se localizando em alguns núcleos e

2
Segundo dados do Censo IBGE 2000, 70% da população do município é urbana, com a renda concentrada
na faixa de 0 a 2 salários mínimos, sendo praticamente insignificante a faixa de renda de mais de 10 salários
mínimos.

31
em áreas lindeiras ao sistema viário principal e no entorno de algumas praças. De uma
maneira geral, a população sofre com a falta de equipamentos urbanos, especialmente de
cultura, lazer e educação.

Os impactos ambientais resultantes da ação antrópica estão principalmente associados à


poluição das águas (superficiais e subterrâneas) e do solo: a disposição inadequada dos
resíduos sólidos, o manejo inapropriado do cemitério, o uso de agroquímicos, a ocupação
das margens dos cursos d’água, a contaminação das águas do Rio Bagagem pelas
cidades que se localizam a montante e a falta de tratamento de esgoto. Em algumas
áreas se verifica riscos de inundação, escorregamento e erosão. A produção agrícola e
mineração (de pequena escala), por sua vez, são responsáveis também pela redução de
cobertura vegetal natural (devido ao desmatamento) e pelo assoreamento do rio e a
deposição inadequada de resíduos sólidos em bota-foras irregulares.

Os poucos equipamentos públicos existentes – escolas, hospital, a Câmara Municipal, a


Prefeitura, creches, quadras poli-esportivas, praças, dentre outros – se concentram no
Distrito Sede e em Santa Rita, o que dificulta o acesso dos mesmos à toda população.
Dessa forma, os demais distritos se encontram numa posição desprivilegiada e pode-se
dizer que vivem na condição de periferia, já que estão distantes e desconectados da
estrutura urbana principal do município.

Há que se destacar, no entanto, que a estagnação econômica favoreceu a preservação


do patrimônio edificado e das características rurais da paisagem, marcada pela presença
do rio e das montanhas da região. Os distritos Sede e Santa Rita concentram o acervo
arquitetônico e urbanístico mais significativo do município que se encontra, na sua
maioria, em processo de degradação ou em total abandono por seus proprietários.
Contudo, esses distritos preservam a morfologia básica de seu traçado oitocentista e
poucos acréscimos foram feitos à malha original, apesar de que, algumas delas,
ocorreram sem consideração à paisagem ambiental e funcionam como elementos de
descaracterização da ambiência do lugar.

O Plano Diretor Participativo de Estrela do Sul buscou, portanto, apresentar possíveis


caminhos de superação da problemática apresentada: os problemas ambientais; a
estagnação econômica; a desarticulação social, econômica e cultural; a descontinuidade
e fragmentação espacial; a falta e o acesso às infraestruturas. Para isso, partiu-se do
princípio de que a cidade dispõe de recursos naturais e bens históricos que podem ser
potencializados por meio de ações de incentivo e desenvolvimento do turismo ecológico e
rural, e que pode dar a ela um protagonismo no roteiro de cidades históricas de Minas
Gerais.

Nesta perspectiva, o Plano teve como diretrizes: a redefinição da área do perímetro


urbano do Distrito Sede e Distrito de Santa Rita e a determinação dos perímetros urbanos
dos demais distritos; a proposição de programas de formação profissional, direcionados
às vocações de cada distrito e de diretrizes e ações para as questões culturais,
paisagísticas, econômicas; a ordenação e o controle do uso e ocupação do solo urbano; a
valorização dos espaços públicos como áreas destinadas à manifestação da vida coletiva;
a criação de programas de preservação, recuperação e conservação do patrimônio
natural e cultural; a implementação de programas habitacionais de interesse social; a
recuperação dos laços (links) ecológicos rompidos pela ação antrópica para estabelecer
novas possibilidades de reestruturação do ecossistema nativo e garantir a indução da
sustentabilidade ambiental.

32
3. A formulação dos Cenários Ambientais para Estrela do Sul

Para a geração das propostas de ação do Plano Diretor Participativo de Estrela do Sul foi
utilizado a metodologia de criação de cenários futuros. De acordo com Franco (2000) ,
esse é um método de projeto que se aplica a qualquer mosaico paisagístico, com
abordagem ligada à estrutura, função e mudança, e devem atender aos ideais de
concentração, conexão e conservação, para, a partir daí, se pensar a melhor forma de se
adequar ao uso do solo as condições ecossistêmicas. É, portanto, um método que parte
de cenários ambientais existentes e busca soluções para uma determinada problemática
por meio da projeção de uma situação futura. Dessa forma, a leitura ambiental prévia,
detalhada, é de fundamental importância para a identificação dos cenários existentes,
pois é a partir dela que se é possível problematizar a respeito das condições ambientais
de um lugar.

A elaboração dos diversos cenários teve como princípio norteador o (re)ordenamento


territorial sob a ótica da sustentabilidade, em sua perspectiva cultural e ambiental. Isso
requereu, seguindo Zancheti (2000), a identificação: das áreas que necessitam de
pequenas alterações no sentido de melhor se adequar às velhas e/ou novas funções; dos
espaços transitórios que deverão passar por processos de transformação de vários dos
seus elementos para melhor se adequarem aos usos propostos; dos espaços de grande
valor ambiental, destinando-lhes uso adequado para preservá-los para as gerações
futuras; das redes como estratégia de organização espacial e como principal meio de
direcionar, com critérios de maior equidade social, os processos de provimento de
infraestruturas e serviços urbanos.

Buscou-se desenvolver uma concepção de desenvolvimento ambiental e econômico


equilibrado, com o intuito de reduzir as taxas de desigualdade social e de superar as
dificuldades impostas pelo modelo econômico moderno, concentrador de poder e
excludente. E, para a constituição de um projeto do desenvolvimento local, foram
explorados ainda os conceitos de mobilidade e redes e de ecoturismo.

Com base na diversidade dos lugares urbanos e das unidades ambientais significantes do
município, em termos de valores da natureza, cultura e história, a estrutura espacial
proposta é constituída pelos elementos do ambiente natural - hidrografia, cobertura
vegetal e solo -, e do ambiente construído - paisagem urbana, patrimônio histórico-cultural
e formas de uso do solo.

A partir do diagnóstico elaborado, considerando as potencialidades e tendências do


município, foi proposta uma divisão territorial e a identificação dos problemas urbanos a
serem enfrentados a médio e longo prazo pelo município, bem como pelo direcionamento
e desenvolvimento econômico sustentável pretendido para os diversos distritos, tendo
como objetivos específicos: a regulação da ocupação do solo, controlando o
adensamento em áreas sem infra-estrutura e equipamentos públicos ou comunitários; a
qualificação, a indução e a restrição dos usos em cada área da cidade; a definição das
áreas destinadas à criação de unidades de conservação e/ou parques urbanos; a
preservação, a recuperação e a sustentação das áreas de interesse histórico e ambiental;
a urbanização e a qualificação da infra-estrutura e a habitabilidade nas áreas de risco e
ocupação precária.

33
Assim, a divisão territorial foi feita a partir da idéia de paisagem como cenário, tratando
cada cenário como “unidade de estudo, definidos tanto nas áreas de ambiente natural
quanto de ambiente construído. A partir dos critérios de: significado histórico-cultural;
potencial turístico; importância ambiental; uso e ocupação do solo; interesse social e
desenvolvimento econômico do Município de Estrela do Sul, e buscando contemplar todos
os níveis que caracterizam a dinâmica urbana, foram definidos os cenários de:
Preservação, Recuperação e Conservação Ambiental; Identidade Cultural; Turismo;
Adensamento Urbano; Inclusão Social; Mobilidade Urbana Sustentável e
Desenvolvimento Econômico Sustentável, que resultaram no cenário síntese, Histórico-
Ambiental.

Cabe destacar que a preocupação não foi de definir pontos específicos de intervenção,
mas as áreas que deveriam ser objeto de ações para alcançar os diferentes objetivos.

O Cenário de Preservação, Recuperação e Conservação Ambiental é formado pelos


elementos de hidrografia e de vegetação, tanto as Áreas de Preservação Permanente –
APP’s, como também as áreas verdes existentes no tecido urbano.

A rede hídrica do município foi tratada como elemento estruturador do território e é


formada pelo Rio Bagagem, córregos e cursos d’água dentro e fora da malha urbana,
integrantes da Bacia do Rio Paranaíba.

A vegetação do município é constituída por elementos de: Cerrado (o ecossistema


característico do Triângulo Mineiro), Veredas e Floresta Estacional Semidecidual, e
também pela arborização urbana.

O Cerrado, durante muito tempo, foi considerado terra de pouca fertilidade, apropriada
apenas para algumas culturas agrícolas e a criação de gado. No entanto, atualmente se
reconhece a importância desse ecossistema como depositário de grande diversidade de
fauna e flora, sendo que no seu interior encontra-se uma variedade significativa de
comunidades e formas de vegetação de estruturas diferentes do Cerrado típico, com a
presença de campos, Matas Ciliares ou Galerias às margens dos cursos d’água é
também de Veredas.

As Veredas são uma formação campestre localizada em vales suaves, com surgência do
lençol freático na superfície do solo, sem demarcação de uma drenagem definida. É
dominada por elementos vegetais graminosos, e destacada pela presença do buriti (uma
palmeira arbórea, de ocorrência exclusiva nessas formações). Por estarem ligadas às
nascentes de pequenos corpos d’água, são incluídas nas Áreas de Preservação
Permanente (APP), definidas por legislação federal.

Ao contrário das Veredas, a Floresta Estacional Semidecidual são formações florestais


exuberantes, com árvores de até 30m de altura, localizadas nas encostas e nos fundos
dos vales. Na escala do mapeamento realizado, essas formações incluem, além da
floresta estacional semidecidual propriamente dita, também as áreas de floresta
estacional decidual (que ocorrem sobre afloramentos rochosos) e as matas ciliares e de
galeria, que margeiam os corpos d’água de diferentes dimensões.

Esses espaços livres foram concebidos como uma infra-estrutura verde, decisivos na
estratégia de reverter a degradação ambiental e recuperar a paisagem para que a cidade

34
possa abrigar um turismo histórico e rural, capaz de criar uma nova base econômica e
garantir novas perspectivas de vida para seus habitantes.

O termo infra-estrutura verde aqui é usado segundo a definição de Pellegrino et al. (2006,
p. 60) e se refere a um sistema de espaços livres que desempenham funções que vão
muito além das visões eminentemente estéticas ou funcionalistas comumente a eles
relacionados, ou seja, de circulação, contemplação e recreação. Refere-se, portanto, às
novas abordagens que visam conciliar a manutenção de fragmentos de vegetação ou de
ecossistemas naturais e a ocupação humana, garantindo a sustentabilidade urbana e a
manutenção da biodiversidade nas cidades.

As áreas que compõem esse Cenário são, portanto, as localizadas nas: marginais ao
longo do Rio Bagagem, córregos, lagos ou reservatórios de água naturais ou artificiais e
nascentes, ainda que intermitentes; nos morros, regiões escarpadas, chapadas e nos
parques propostos. Elas foram tratadas com fim de exercerem a função de conservar os
recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico
da fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas, além
de funcionarem como instrumentos de interesse sócio-cultural e de indução a
sustentabilidade ambiental.

O Cenário de Preservação, Recuperação e Conservação Ambiental estrutura-se em


três faixas consecutivas:

Figura nº01 - Cenário de Preservação, Recuperação e Conservação Ambiental

I – Núcleo: faixas de, no mínimo, 80 metros de largura nas margens do Rio Bagagem e
de, no mínimo, 50 metros de largura nas margens dos córregos e nascentes. Com a
função de conservar o meio ambiente existente, nessa área, a natureza deverá
permanecer intacta, não se tolerando quaisquer alterações humanas, representando o
mais alto grau de preservação.

O objetivo dessa faixa é, portanto, a recuperação das áreas de fundo de vale, o controle
das erosões e a recuperação da mata ciliar através do plantio de espécies nativas, a
despoluição dos recursos hídricos ou através da regeneração natural. Considera-se essa
faixa essencial, tanto para a sobrevivência de espécies da fauna, flora e biota regionais
consideradas vulneráveis, endêmicas ou ameaçadas de extinção, bem como para
biótopos raros de significados regionais e nacionais.

São permitidas atividades submetidas ao uso controlado e limitado a


preservação/conservação, pesquisa científica, ecoturismo, a implantação de parques

35
lineares, a manutenção dos remanescentes florísticos e a garimpagem de subsistência
(no curso do Rio Bagagem);

II – Preservação: faixas contíguas ao Núcleo de, no mínimo, 50 metros, para proteção


dos ecossistemas, dos recursos genéticos e monitoramento ambiental, que promovem a
conexão do meio natural e do meio urbano de modo controlado, com o mínimo impacto
humano.

O objetivo dessas áreas é promover a proteção do Núcleo, a recuperação do meio


ambiente existente e a requalificação das áreas urbanas consolidadas, por meio da
adequação dos espaços com a elaboração de normas específicas de uso e ocupação a
serem definidas no Plano Municipal de Preservação Ambiental.

Nestas faixas é permitida a instalação de equipamentos que favoreçam o uso recreativo,


educacional e de lazer, implantados de forma controlada, privilegiando o adensamento da
cobertura vegetal, a permeabilidade do solo e o controle dos recursos hídricos.

III – Transição: áreas de manutenção do meio ambiente, que promovem a passagem


entre os meios naturais e urbanos.

Com o propósito de minimizar os impactos negativos provocados pela infra-estrutura e


adensamento urbano, o uso dessas áreas deverá ser regulamentado por normas e
restrições específicas para as atividades humanas no tecido urbano existente, como o
controle do uso e as taxas de ocupação do solo, a normatização no plantio da vegetação,
o controle de poluentes, o tratamento de efluentes, o tratamento, disposição e reciclagem
de resíduos, a redução do consumo de energia e água, o monitoramento da água pluvial,
entre outros.

O Cenário de Identidade Cultural é composto pelas áreas de Conservação e de


Transformação existentes, tanto do meio ambiente natural quanto do ambiente
construído.

Figura nº02 - Cenário de Identidade Cultural

A definição das mesmas partiu dos princípios que nortearam as diretrizes para a
conservação patrimonial estabelecidas na 2ª Conferência Mundial do Meio Ambiente -
ECO 92, realizada no Rio de Janeiro, que relaciona a conservação patrimonial aos
princípios sociais e às políticas de conservação ambiental, e que defende a necessidade
de qualificação e requalificação das estruturas urbanas estabelecidas. Seguindo estes
princípios, as estruturas urbanas devem ser utilizadas, maximizadas e/ou transformadas,

36
de um modo sustentável, para a satisfação das necessidades atuais, garantindo a
manutenção da riqueza ambiental urbana existente (ZANCHETTI, 2000). Dessa forma, as
intervenções urbanas devem garantir a formação de uma imagem urbana em que se
valorizam as especificidades da cultura local, manifestada por meio dos recursos
patrimoniais, destacando-se os que apresentam valor de antiguidade.

A paisagem urbana se estrutura por elementos do meio físico natural e construído,


resultado da ação humana e cultura local cujas características configuram sua história,
sendo aspecto essencial da identidade cultural do município. Em Estrela do Sul, essa
paisagem é marcada por um conjunto arquitetônico e urbanístico significativo, típico de
cidades históricas do século XVIII, com formação urbana representativa dos arraiais de
mineração.

O ambiente construído foi tratado com o objetivo de promover a distribuição espacial


equilibrada dos usos e atividades urbanas, como meio de garantir os múltiplos usos em
todos os distritos e possibilitar o maior acesso à população. Através da criação de novas
centralidades, com o estímulo das atividades econômicas de comércio e serviço
adequadas à infra-estrutura existente, espera-se contribuir para o desenvolvimento de
cada local e, conseqüentemente, reduzir os deslocamentos. Espera-se, ainda, regular as
atividades incômodas e/ou prejudiciais e implantar empreendimentos de impacto
socioeconômico e urbanístico.

Com base nesses pressupostos, para o Município de Estrela do Sul foram definidas:

a) Áreas de Conservação: as áreas do tecido urbano que já possuem uma certa


uniformidade das tipologias de edificação e um traçado urbano consolidado, que
necessitem, porém, de ações de reparação, melhoria e conservação. Elas compreendem
as áreas/regiões onde estão os bens materiais e imateriais de interesse histórico-cultural.

Para essas áreas, as diretrizes de ação compreendem: o levantamento, a identificação e


o inventário dos bens culturais (materiais ou imateriais); a requalificação ou o restauro dos
bens materiais móveis e imóveis, em sua maioria em estado de degradação; a
requalificação do entorno, dando-se prioridade inicial aos bens tombados.

b) Áreas de Transformação: as novas áreas de interesse histórico-cultural existentes no


tecido urbano ou nas áreas de expansão, que podem, inclusive, serem implantadas em
áreas/edificações requalificadas e restauradas.

Elas compreendem as: (a) Áreas de Reabilitação, propícias à criação de novas áreas de
interesse histórico-cultural, como bibliotecas, cinemas, igrejas, praças, centros
comunitários, museus, centros culturais etc., prioritariamente dentro do tecido urbano
consolidado; (b) Áreas de Capacitação e Promoção: criação de centros de capacitação de
mão-de-obra, como oficinas, centros comunitários, escolas de restauro, cursos
profissionalizantes, cooperativas etc. Elas visam desenvolver trabalhos de requalificação
nas áreas de interesse histórico-cultural, e promover a divulgação e o resgate da
identidade cultural local.

Dessa forma, o que se buscou foi a formação de um cenário final que promovesse a
valorização da identidade cultural, com ações diferenciadas para cada ponto do território.
Nos diversos distritos foram definidos os diversos núcleos de intervenção, de acordo com
suas características: núcleos de requalificação (locais onde concentram maior acervo de

37
bens culturais imóveis), núcleos de capacitação e promoção e núcleos de conexão para
fomentar o surgimento ou reforço de um pequeno centro em cada distrito, com a
implantação prioritária de equipamentos públicos. Assim, a partir do tratamento de
algumas áreas promover uma “costura” nos núcleos existentes e propostos, já que uma
das principais características do tecido urbano é a descontinuidade espacial existente.

No Cenário de Turismo foram indicadas as áreas de elevado valor histórico-cultural e/ou


ecológico, com o objetivo de promover a valorização da cultura e história locais, a
experiência educacional interpretativa e o conhecimento do meio ambiente natural,
visando um desenvolvimento econômico sustentável, por meio da utilização dos recursos
naturais, sem comprometer a sua capacidade de renovação e conservação.

Figura nº03 - Cenário de Turismo

Essas áreas dividem-se em: áreas urbanas e rurais de interesse histórico-cultural, áreas
de conservação do patrimônio natural e as áreas preservação ambiental. Elas deverão
receber infra-estrutura adequada e disponibilidade de recursos humanos capacitados,
além de um controle eficaz por meio da regulamentação do número de visitantes e de
fluxo de transportes, a fim de reduzir ao máximo os impactos negativos causados pela
prática do turismo.

Para as áreas de interesse histórico-cultural estão previstas ações de


requalificação/restauração/recuperação com o fim de promover o resgate histórico-cultural
local, podendo receber atividades complementares a atividade de turismo, como lojas,
centros culturais, museus, restaurantes, hotéis e pousadas, associados a atividades como
cavalgadas, caminhadas em trilhas, esportes radicais, entre outros.

As ações para as áreas de conservação do patrimônio natural visam promover a


conservação da biodiversidade por meio de remanescentes florestais, possibilitando o
livre trânsito de animais e a dispersão de sementes das espécies vegetais, e podem
receber atividades ligadas à contemplação e apreciação da paisagem e ao uso com
atividades restritas e controladas.

As áreas preservação ambiental são áreas rurais cedidas por proprietários por livre
iniciativa, a fim de elaborar uma rede particular de Unidades de Conservação do
patrimônio natural, devendo receber incentivos de ITR – Imposto Territorial Rural,
concedido pelo IBAMA.

No Cenário de Adensamento Urbano foram designadas as áreas de transformação e


passíveis de urbanização, sobretudo aquelas que apresentam vazios ou descontinuidades

38
no tecido urbano, em que se deve complementar parte do ambiente construído,
observados os critérios de mitigação dos impactos ambientais e a implantação de infra-
estrutura urbana e de equipamentos adequados.

Figura nº04 - Cenário de Adensamento Urbano

Abrange diversas áreas com diferentes graus e diretrizes para o seu adensamento. Ao
redor das áreas urbanizadas já existentes, considerada como áreas de ocupação
prioritária, foram definidas as demais, que formam uma espécie de anéis ao redor da
primeira, ou seja, são as áreas lindeiras ao tecido urbano consolidado, que ainda não
estão parceladas, mas que, conforme a demanda, deverão ser ocupadas gradativamente
e somente após a ocupação das áreas que formam os anéis anteriores, devendo receber
infra-estrutura adequada e equipamentos urbanos.

Dessa forma, esse Cenário prevê ações imediatas para as áreas urbanizáveis localizadas
dentro do tecido urbano existente. A finalidade é promover a ocupação dos vazios e a
“costura” da malha por meio da urbanização qualificada dessas descontinuidades,
visando enfraquecer os mecanismos de especulação imobiliária.

Essas áreas destinam-se a usos que visam mitigar os impactos ambientais onde, por
meio de legislação específica, devem ser criados incentivos fiscais para a instalação de
equipamentos relacionados ao desenvolvimento do turismo local, como hotéis, pousadas,
restaurantes, entre outros, estimulando o ordenamento do uso e ocupação do solo, bem
como assegurada a reserva de áreas verdes e para uso institucional nos novos
loteamentos ou parcelamentos.

O Cenário de Inclusão Social consiste nas áreas do território municipal que requerem
tratamento específico e destinam-se primordialmente à produção, manutenção e
recuperação de áreas, edificações ou meios que promovam a inclusão social, como
equipamentos de infra-estrutura básica (moradia, saúde, educação, lazer, segurança,
assistência social etc.) e complementar (cooperativas, centros de capacitação, centros
comunitários, centros de convivência, centros de inclusão digital, bibliotecas etc.), que
devem estar localizados nas áreas centrais do tecido urbano ou onde haja demanda, com
fácil acesso para todos os cidadãos.

39
Figura nº05 - Cenário de Inclusão Social

O cenário é formado pelas áreas, edificações ou terrenos não edificados, subutilizados ou


não utilizados, incluindo-se as áreas requalificadas, destinadas a receber a instalação
desses equipamentos e integrar as áreas do tecido urbano. A distribuição e implantação
dessas áreas obedecem a mesma lógica do Cenário Adensamento Urbano: deverão ser
dada prioridade às áreas já ocupadas e as novas deverão ser criadas apenas após a
ocupação e o adensamento das mesmas.

Além disso, este Cenário prevê a criação de Áreas de Habitação de Interesse Social,
localizadas dentro do tecido urbano consolidado, com fácil acesso e que, conforme haja
demanda, devem receber incentivos e subsídios para implantação de loteamentos para
população de baixa renda, facilitando o acesso à moradia a todos os cidadãos.

O Cenário de Mobilidade Urbana Sustentável consiste em áreas do território que, por


meio de ações sobre a gestão do sistema viário e dos transportes, integrada com a
política de desenvolvimento urbano, visam proporcionar acesso aos bens e serviços de
uma forma eficiente para todos os habitantes, priorizando os modos de transporte coletivo
e os não-motorizados, de forma segura, socialmente inclusiva e sustentável.

Figura nº06 - Cenário de Mobilidade Urbana Sustentável

Abrange: as vias existentes, que deverão receber reparos, sinalização e controle do


tráfego; as vias reformuladas, que, além das medidas anteriores, necessitam também de
adequação das caixas de rolamentos; as vias novas, a serem criadas; as vias históricas,
que deverão ser recuperadas as pavimentações originais (pedras) e adotadas o sistema
binário de circulação, com fim de adequá-las ao tráfego e diminuir o impacto causado
pelos veículos nessas vias; as ciclovias, localizados nas bordas das principais vias de

40
tráfego e com desenho adequado para receber formas de circulação não-motorizadas; os
passeios, que deverão ser re-dimensionados e receber tratamentos adequados por meio
de intervenções viárias e paisagísticas, a alocação de mobiliário urbano, travessias
seguras e outros elementos que facilitem a circulação e o bem estar do pedestre, a
implantação de pisos adequados antiderrapantes bem como o acesso desimpedido e a
utilização de sinalizações adequadas às pessoas portadoras de deficiência de locomoção.

Esse Cenário inclui também ações em relação aos transportes, concebido a partir de um
sistema de transporte público coletivo regular entre o Distrito Sede e os demais,
garantindo o atendimento adequado aos usuários em termos de demanda, itinerários e
freqüência dos ônibus. Prevê também a criação de um itinerário turístico de forma a
promover o acesso às áreas de interesse histórico e turístico, auxiliando o deslocamento
e o acesso aos diversos pontos de interesse turístico do município. As diretrizes indicam,
também, a necessidade de regulamentação de uma tarifa socialmente justa, que garanta
a mobilidade e acessibilidade principalmente à população carente.

O Cenário de Desenvolvimento Econômico Sustentável é formado pelas áreas do


território que, por meio da conciliação entre o crescimento econômico e a preservação
ambiental, produzam a riqueza material no Município, assim como o bem-estar econômico
de seus habitantes.

Essas áreas deverão sofrer ajustes institucionais, fiscais e jurídicos por meio de
incentivos, inovações e investimentos, no intuito de fornecer condições para um sistema
eficiente de produção e distribuição de bens e serviços à população, dividindo-se em:

I – Núcleos de Convivência e Integração Atuais e Futuros: são as áreas identificadas


dentro do tecido urbano, principalmente em torno das principais praças, com
predominância de usos comerciais e de serviços, que devem ser fortalecidos através de
incentivos fiscais, distribuindo atividades diferenciadas por toda malha urbana, com o
intuito de promover a integração no tecido urbano e a sociabilização entre os diversos
setores da cidade;

Figura nº07 - Cenário de Desenvolvimento Econômico Sustentável

II – Núcleos Históricos e Culturais: são áreas passíveis de restauração e/ou


requalificação, que podem receber atividades diferenciadas, especialmente as que dão
suporte as atividades turísticas;

III – Corredor Comercial: são os eixos comerciais e de serviços nas áreas indicadas que
deverão ser fortalecidos para promover a unicidade do tecido urbano, no intuito de
viabilizar os fluxos de circulação e articular as diferentes atividades;

41
IV – Corredor de Ecoturismo: são áreas de preservação ambiental permanente ao longo
dos cursos d’água, por meio da implantação de parques urbanos e lineares com
equipamentos recreativos, de lazer, educacionais e de apoio, que visem à promoção de
atividades ecoturísticas, monitoradas e controladas, por profissionais capacitados;

V – Áreas de Expansão: são áreas urbanizáveis, inseridas dentro do tecido urbano,


constituídas por lotes vagos e vazios urbanos, que já apresentam infra-estrutura, que
devem, quando necessário, receber novo traçado, fazendo-se a “costura” da malha por
meio da urbanização qualificada dessas lacunas e enfraquecendo os mecanismos de
especulação imobiliária.

Todos esses Cenários resultam no Cenário Síntese ou Cenário Histórico-Ambiental


que reflete todas as ações articuladas entre si, visando a conciliação entre o crescimento
econômico e a preservação histórico-ambiental. Pensa-se que, desse modo, as ações
funcionam como instrumentos de interesse sócio-cultural, de indução a sustentabilidade
ambiental e de inclusão social.

Figura nº08 - Cenário Histórico-Ambiental

Considerações

Do que foi exposto, podemos constatar que o Plano Diretor Participativo de Estrela do Sul
buscou promover uma ação integrada sobre todo o território, por meio da articulação dos
diversos espaços existentes e dos problemas apresentados.

O ponto de partida para as ações foi uma cuidadosa leitura técnica e comunitária, que
resultou na elaboração dos Cenários, uma espécie de layers que contêm as proposições
para os problemas apresentados, em suas diversas dimensões. Buscou-se, portanto,
apresentar caminhos para a superação dos problemas ambientais, econômicos, a
desarticulação social e cultural, a descontinuidade e fragmentação espacial, e a falta e o
acesso às infraestruturas por meio da valorização e da articulação dos ambientes naturais
e urbanos.

Os princípios de conservação, preservação e recuperação do patrimônio cultural e


sustentabilidade ambiental nortearam a elaboração das propostas, que emergiram,
sobretudo, a partir da leitura e do reconhecimento do valor dos elementos naturais e
construídos. Dessa forma, os cenários de Preservação, Recuperação e Conservação
Ambiental e o de Identidade Cultural foram as bases da proposta, a partir do qual os
demais foram sendo elaborados com o propósito de definir as áreas que, em seu
conjunto, deveriam qualificar e dar coesão à todo o território.

42
A forma como os espaços livres (urbanos ou naturais) foram tratados, baseia-se nos
conceitos paisagísticos e ecológicos e podem, portanto, ser entendidos como uma infra-
estrutura verde, na medida em que buscam integrar os conjuntos dos espaços edificados
e não edificados num único sistema, que permeia todas as escalas. As áreas verdes,
especialmente nas áreas urbanas, foram definidas na forma de faixas concêntricas, ao
redor dos cursos d’água ou núcleos significativos de vegetação natural, cujo objetivo é
manter o núcleo intacto, ao mesmo tempo em que se permite a introdução gradual e
controlada de elementos vegetais e equipamentos de uso comunitário. No conjunto, essas
diferentes áreas estarão conectadas e funcionando como um todo, visando a recuperação
e integração dos espaços ainda naturais com os já urbanizados.
Dessa forma, entende-se que a requalificação e revalorização dos espaços urbanos e
naturais do Município de Estrela do Sul será a chave para o estabelecimento de novas
bases para o seu desenvolvimento, permitindo a exploração do potencial turístico da
cidade e região, de forma a garantir a qualidade de vida de seus habitantes e promover o
desenvolvimento sustentável da região.
Referências
ARANTES, Otília B. F. Uma estratégia fatal. A cultura das novas gestões urbanas. In
ARANTES, Otília. B. F., VAINER, Carlos, MARICATO, Ermínia. A cidade do
pensamento único. Desmanchando consensos. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000.

BRASIL. Ministério das Cidades. Plano Diretor Participativo. Guia para a elaboração
pelos municípios e cidadãos, 2004.CHOAY, Françoise. A alegoria do patrimônio. São
Paulo: Estação Liberdade: Ed. da UNESP, 2006.

FRANCO, Maria de Assunção R. Planejamento Ambiental para a cidade sustentável.


São Paulo: Annablume & Furb & FAPESP, 2000.

LEFF, Henrique. Saber Ambiental: Sustentabilidade, Racionalidade, Complexidade,


Poder. Petrópolis: Vozes, 2001.

PELLEGRINO, Paulo Renato Mesquita, GUEDES, Paula Pinto, PIRILLO, Fernanda Cunha,
FERNANDES, Sávio Almeida. A paisagem da borda: uma estratégia para a condução das águas,
da biodiversidade e das pessoas. In COSTA, Lúcia Maria Sá (org.). Rios e paisagens urbanas em
cidades brasileiras. Rio de Janeiro: Viana & Mosley: Ed. PROURB, 2006, p. 57-76.

SÃO PAULO. Prefeitura do Município de São Paulo - PMSP / Programa das Nações
Unidas para o Meio Ambiente – PNUMA. Panorama do Meio Ambiente Urbano GEO
CIDADES de São Paulo 2004. Secretaria do Verde e do Meio Ambiente - SVMA da
PMSP e Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo – IPT, São Paulo,
2004.

VITAL, Giovanna Teixeira Damis. Desenho Ambiental em Uberlândia: o caso do


Córrego Lagoinha. São Paulo. Dissertação (Mestrado) - Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2003. ZANCHETI, Silvio. Novas
estratégias de conservação e gestão urbana. 2004.

43
ARTIGO nº 3

CÓRREGO BARREIRO – CONFIGURAÇÃO PAISAGÍSTICA E MODELAGEM


HIDRÁULICA: UMA EXPERIÊNCIA MULTIDISCIPLINAR
Stream Barreiro – Landscape Configuration and Hydraulic Modeling: A
Multidisciplinar Experience
Saide Kahtouni e
Luiz Fernando Orsini de Lima Yazaki

44
CÓRREGO BARREIRO – CONFIGURAÇÃO PAISAGÍSTICA E
MODELAGEM HIDRÁULICA: UMA EXPERIÊNCIA
MULTIDISCIPLINAR
STREAM BARREIRO – LANDSCAPE CONFIGURATION AND HYDRAULIC
MODELING: A MILTIDISCIPLINARY EXPERIENCE

Saide Kahtouni & Luiz Fernando Orsini de Lima Yazaki

- Arquiteta, urbanista e paisagista. Mestre e Doutora pela FAUUSP. Especialista em Gestão e tecnologias
ambientais pela Escola Politécnica da USP. Autora do livro Cidade das águas. Autora principal do projeto
Córrego do Barreiro e coordenação geral. Diretora técnica da LPK Avaliações técnicas, projetos e consultoria
ambiental, com sede em São Paulo- capital, desde 1994. Contato: kahtouni@uol.com.br

- Engenheiro civil, pós-graduado em saneamento e drenagem urbana pela Escola Politécnica da USP. Atua há
mais de 30 anos nas áreas de saneamento, drenagem urbana e gestão de recursos hídricos. Foi coordenador
técnico e científico da Cooperação Internacional Brasil-Itália em Saneamento Ambiental. Atualmente é
líder de projetos da Fundação Centro Tecnológico de Hidráulica e consultor independente. Consultor para os
estudos hidrológicos e cálculos hidráulicos no projeto em questão.

RESUMO: O presente estudo, realizado por equipe multidisciplinar, trata dos


melhoramentos necessários na várzea do córrego Barreiro e medidas para amenização dos
problemas de erosão e assoreamento constatados no curso d´água, num trecho de
aproximadamente 300 metros, situado dentro da propriedade do Campus Universitário
UNIP em Alphaville, Santana do Parnaíba, região metropolitana de São Paulo, que ali
funciona há mais de duas décadas. Consideramos como premissa privilegiar as
possibilidades de retenção no trecho e à montante dele, apenas corrigindo o talude de uma
das margens e tratando paisagisticamente todo o conjunto, o das águas, e o de áreas
inundáveis e terrenos, verificando possibilidades de dissipação dos fluxos de águas de
chuva na contribuição final do trecho visando a acomodação adequada e harmoniosa de
intervenções hidráulicas, implementação de vegetação nativa e contenções necessárias.
Neste projeto hidráulico, a arquitetura paisagística e a modelagem hidráulica dialogaram e
caminharam juntas, partindo da configuração desejada.

45
ABSTRACT - This study, conducted by multidisciplinary team, proposed the
improvements required in the floodplain of the Barreiro creek to mitigate erosion, siltation
and flooding in a 300 meters stretch, located on the property of UNIP Campus in
Alphaville, Santana do Parnaiba, São Paulo Metropolitan Region. The premise of the
project was to control stormwater level using cheap solutions, avoiding heavy structural
interventions and preserving the better as possible the natural landscape of the floodplain.
The solution was just banks slope adjustments, floodplain reconfiguration, native
vegetation recovery and a restriction at the end of the stretch to reduce downstream
discharges. To achieve the ideal design the work was developed in intense dialogue among
landscape architecture, geotechnical engineering and hydrology-hydraulics modeling. The
result was an efficient storm water control device in a harmonious landscape just in front of
UNIP Campus.

PALAVRAS-CHAVE: Planejamento de paisagem e hidrologia, conservação de


recursos hídricos, infra-estrutura verde.
KEYWORDS: Planning and landscape hydrology, water conservation, green
infrastructure.

46
INTRODUÇÃO
Este artigo apresenta os resultados dos estudos paisagísticos associados a estudos
hidrológicos e hidráulicos elaborados para o trecho do Córrego do Barreiro situado na área
da Universidade Paulista - UNIP em Alphaville, Santana de Parnaíba, SP. Os objetivos
deste trabalho, realizado em 2008, foram:
. Desenvolvimento do projeto de readequação e revitalização do Córrego do Barreiro no
trecho do terreno da UNIP; fundamentar o processo de obtenção de outorga e licenciamento
ambiental para melhoramentos no trecho, considerando:
. Intervenções no leito do córrego que incluem sua adequação às vazões de
cheias, desassoreamento e obras de proteção das margens contra erosão;
. Intervenções para a recuperação e revitalização da área de preservação
permanente;
. A regularização da outorga para travessia de pedestres existente sobre o
córrego;
. A obtenção de outorga de uma segunda travessia de pedestres a ser construída.
Os estudos realizados consistiram na determinação dos hidrogramas de projeto, para
diversos períodos de retorno, e das respectivas linhas de água para a situação atual e
simulações partindo do desenho do projeto, gerado a partir de um novo traçado e
configuração discutido em conjunto a partir do “master plan” ou desenho de concepção
elaborado pela arquiteta paisagista e coordenadora da equipe multidisciplinar que envolveu
geógrafo, engenheiros civis, hidráulicos e geotécnico.

47
FIGURA 1 - local das intervenções

A proposta elaborada considerou a importância de sistemas de drenagem leves,


associados às possibilidades de criação paisagística de permeabilidades máximas e de
retenção em trechos situados a montante da área de intervenção do córrego. A utilização
paisagística de colchões de rachão associados ao “rip-rap” (em amarelo) nas áreas de
caminhamento de águas superficiais e indicação de retaludamento para inclinações mais
leves e variáveis com inserção de revestimentos naturalísticos das margens inspirou-se nos
trabalhos realizados na Itália, com destaque para RIZZO (2007).

48
FIGURA 2 - Croquis de estudo – MASTER PLAN/ ARQUITETURA PAISAGÍSTICA- águas

Para os estudos hidrológicos buscou-se a determinação dos parâmetros de cálculo dos


hidrogramas afluentes ao córrego a partir de uma caracterização detalhada da bacia do
Barreiro utilizando-se técnicas de geoprocessamento que possibilitaram reduzir a
subjetividade inerente a estudos desse tipo. As linhas de água foram definidas pelas
envoltórias dos níveis máximos simulados no movimento variado, com o uso de sistema
computacional de simulações hidrodinâmicas em canais associadas às secções de projeto
geradas pela configuração paisagística projetada.

49
1. A BACIA
A bacia do córrego do Barreiro está integralmente localizada no município de
Santana de Parnaíba, zona oeste da RMSP. Pertence à unidade hidrográfica 6.6.9 - Córrego
Garcia - situada na sub-região Pinheiros-Pirapora da Região Hidrográfica 6 - Bacia do Alto
Tietê -, conforme designações do Plano da Bacia Hidrográfica do Alto Tietê (FUSP,
2007)¹. O córrego do Barreiro é afluente da margem direita do córrego do Garcia que, por
sua vez, é afluente da margem direita do rio Tietê. Na seção da passarela de jusante da
UNIP, a bacia hidrográfica do córrego do Barreiro possui uma área de 4,14 km2. A
extensão total do córrego, que é afluente da margem direita do rio Tietê, é de cerca de 4
km. A figura 3 mostra a situação do córrego do Barreiro na Bacia Hidrográfica do Alto
Tietê.

Córrego do Barreiro
Rio Tietê

Rio Pinheiros

FIGURA 3 - LOCALIZAÇÃO DO CÓRREGO DO BARREIRO NA BACIA DO ALTO TIETÊ

50
2. ESTUDOS HIDROLÓGICOS
Os hidrogramas de projeto das vazões afluentes ao córrego do Barreiro foram
calculados por método consagrado de transformação chuva-vazão, já que não existe
medição direta de vazões no local.
A metodologia utilizada para a determinação dos hidrogramas é a proposta pelo Soil
Conservation Service - SCS, que vem sendo largamente empregada no Brasil, notadamente
em São Paulo. Para o desenvolvimento das simulações hidrológicas foi utilizado como
ferramenta o sistema CAbc desenvolvido pela Fundação Centro Tecnológico de Hidráulica
- FCTH, para o cálculo de vazões em bacias complexas.
Por ser de uso corrente, amplamente conhecido no meio técnico e fartamente
documentado², o método não é aqui detalhadamente descrito. Este artigo se concentra,
portanto, na determinação dos parâmetros de cálculo e na experiência multidisciplinar
realizada pela equipe.

2.1. Caracterização da Bacia Hidrográfica – metodologia do trabalho


Para a caracterização física da bacia hidrográfica e obtenção dos parâmetros
topológicos do SCS, foram usadas técnicas de geoprocessamento desenvolvidas em 11
etapas, conforme segue.

Georreferenciamento e retificação de cartas escaneadas


Essa etapa consistiu no georreferenciamento de recortes de cartas planialtimétricas,
escala 1:10.000, da Emplasa, que foram previamente escaneadas. As coordenadas das
cartas escaneadas foram referenciadas ao Sistema de Projeção UTM, com unidades em
metros e datum horizontal Córrego Alegre.
Como pontos de controle no georreferenciamento, foram utilizadas as intersecções
da malha de coordenadas UTM presentes em cada um dos recortes, atentando-se para a
identificação de, no mínimo, quatro pontos por arquivo/recorte, buscando também
minimizar o erro residual do processo de transformação (“RMS – Root Mean Square”, ou
Erro Médio Quadrático).
Em seguida, os recortes georreferenciados foram juntados em um único arquivo
para compor uma base contínua da área de estudo, permitindo a delimitação das sub-bacias

51
e a vetorização de rios, curvas de nível e pontos cotados.
Delimitação das sub-bacias
A delimitação das sub-bacias foi feita sobre o mosaico gerado na etapa anterior,
levando em consideração as características do relevo, representadas nas curvas de nível e
nos pontos cotados, e da rede hidrográfica também representada nas cartas da Emplasa.
Como resultado, foi gerado um arquivo vetorial com as sub-bacias delimitadas,
devidamente codificadas e com as respectivas áreas calculadas pelo SIG (Sistema de
Informações Geográficas).

Vetorização dos rios, curvas de nível e pontos cotados


Para a realização das análises necessárias ao presente estudo em ambiente SIG, foi
necessária a conversão das informações matriciais presentes nas cartas da Emplasa
(estrutura “raster”) para a estrutura vetorial, processo conhecido como vetorização. Assim,
a vetorização resultou em três planos de informação (“layers”): rios (representação linear),
curvas de nível (representação linear) e pontos cotados (representação pontual). Em
seguida, foram inseridos os valores de altitude em cada curva de nível e ponto cotado.

Identificação, obtenção e processamento de imagem de satélite


Para o estudo do uso atual do solo, foram pesquisadas fontes ostensivas e gratuitas
para a obtenção de imagens de sensores de alta resolução como base. A única fonte que
atendeu a esses requisitos foi o Google Earth, a partir do qual foi extraído um recorte da
imagem que cobre a área da bacia. Essa imagem foi então georreferenciada com base nas
cartas da Emplasa.
Note-se que, para as finalidades do estudo e, tendo em vista as características da
imagem obtida, esse procedimento mostrou-se suficiente, não sendo realizados outros
processamentos para a eliminação ou diminuição de distorções das imagens e para a
garantia de alta acuracidade posicional como, por exemplo, ortorretificação.

Classificação da imagem
A imagem georreferenciada foi classificada conforme as seguintes categorias de uso do
solo:

52
– Campo;

– Corte ou aterro;
– Estrada de terra;
– Mata ou floresta;
– Solo exposto;
– Superfície impermeável;
– Outros (tipologias não enquadradas nas classes anteriores).
Uma vez definidos os polígonos correspondentes a cada classe de uso, procedeu-se o
cálculo das respectivas áreas.

Conversão do arquivo da planta de zoneamento


Essa etapa consistiu na conversão do “layer” de zoneamento para ambiente SIG, a
partir de planta da prefeitura de Santana de Parnaíba no formato dwg (AutoCAD). Os
polígonos resultantes do processo de conversão também tiveram suas áreas calculadas pelo
SIG.

Geração de Modelo Digital do Terreno (MDT)


Essa etapa envolveu a geração de um modelo de superfície para representar as
elevações do terreno (TIN – Triangulated Irregular Network), visando subsidiar a
realização dos demais estudos do presente trabalho (determinação das declividades, perfis,
representação 3D, identificação de topos de morros, entre outros).
Para a modelagem da superfície em questão, as curvas de nível e os pontos cotados
foram utilizados como massa de pontos, e os rios como linhas de quebra (“breaklines”).
Uma vez interpolado o modelo de superfície (malha irregular), o mesmo foi convertido para
uma malha regular (raster).

Delimitação das Áreas de Preservação Permanente (APP)


Tendo em vista a legislação vigente (Código Florestal), foram delimitadas, sobre a
base vetorial gerada para o trabalho, as seguintes Áreas de Preservação Permanente:

53
– Cursos d’água (buffer/área de isolamento de 30m ao longo dos córregos da bacia);
– Topos de morros/cumeadas (terça parte superior a partir de sua base);
– Nascentes (buffer/área de influência de 50m a partir das nascentes);
– Áreas com declividade superior a 45º.

Geração dos perfis dos talvegues da bacia


A partir dos cursos d’água, foram definidas, nos arquivos vetoriais, as linhas representando
cada um dos talvegues das sub-bacias. Em seguida, essas linhas foram cruzadas com as
elevações, resultando em perfis de distância x elevação/cota para cada sub-bacia.

Cruzamentos espaciais
Uma vez gerados todos os dados vetoriais necessários ao estudo, foram realizados os
seguintes cruzamentos espaciais:
– Classes de uso do solo e sub-bacias;
– Classes de uso do solo, sub-bacias e APPs;
– Zoneamento e sub-bacias.
Os resultados dos cruzamentos e as respectivas áreas calculadas foram compilados em
tabelas.

Resultado: Geração de mapas temáticos


Os principais mapas gerados são apresentados nas figuras 4 a 9 a seguir. A geração destas
bases de estudo e discussão realizada na equipe, e pela equipe técnica com o empreendedor
e organismos licenciadores resultou muito importante e produtiva, embasando a estratégia
geral do projeto e identificando a situação do trecho analisado para intervenção proposta,
num contexto mais amplo. Desta forma o master-plan, desenvolvido na escala local, insere-
se na metodologia conhecida no campo urbanístico como da “interação escalar”,
absorvendo importantes informações advindas dos estudos e diagnósticos gerais.

54
FIGURA 4 - BACIA HIDROGRÁFICA DO CÓRREGO DO BARREIRO
Para o cálculo dos hidrogramas de projeto a bacia foi subdividida em 11 sub-bacias

55
FIGURA 5 - HIPSOMETRIA DA BACIA DO CÓRREGO DO BARREIRO
Os perfis dos talvegues utilizados para o cálculo dos tempos de translação foram construídos a partir da
carta hipsométrica

56
FIGURA 6 - REPRESENTAÇÃO DO RELEVO DA BACIA DO CÓRREGO DO BARREIRO
O relevo foi gerado a partir da digitalização das cartas planialtimétricas escala 1:10.000 da EMPLASA

57
FIGURA 7 - USO ATUAL DO SOLO DA BACIA DO CÓRREGO DO BARREIRO
O mapeamento do uso do solo foi feito por classificação supervisionada de imagem de satélite

58
FIGURA 8 - MAPEAMENTO DAS ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE E ZONEAMENTO
MUNICIPAL
O mapeamento mostra que a ocupação atual já não segue a legislação.

59
FIGURA 9 - TALVEGUES
Os talvegues, cujos perfis foram traçados são indicados nesta ilustração

60
a. Declividades dos Talvegues
Para o cálculo dos tempos de concentração foram determinadas as declividades médias do
talvegue principal e dos afluentes a partir das cotas e curvas de níveis vetorizadas das cartas
EMPLASA, como mostrado na figura 9. Os resultados foram apresentados em série de
gráficos, conforme o gráfico a seguir.

Talvegue 1
Comprimento = 3.856 m
Declividade média = 0,01978 m/m
980

960

940

920

900

880

860
Cota

840

820

800

780

760

740

720
0 500 1.000 1.500 2.000 2.500 3.000 3.500 4.000
Dist (m)

Figura 10
b. Uso do Solo
O estudo do uso do solo na bacia do córrego do Barreiro foi desenvolvido para a
determinação dos parâmetros CN (Curve Number) do SCS para cada sub-bacia, conforme
discretização indicada na Figura 2. Para este estudo foi considerado o zoneamento
municipal em vigor, o uso do solo atual, as diretrizes do Plano de Macrodrenagem da Bacia
do Alto Tietê (PDMAT) e do Plano da Bacia Hidrográfica da Bacia do Alto Tietê (PAT),
estas duas últimas fundamentais para a concessão da outorga das obras propostas.
Verificou-se que há diversas áreas de preservação a montante e que a área de estudo
caracteriza-se também como região de amortecimento de eventuais cheias do curso d´água.
Os níveis de assoreamento da Lagoa do BACURI, situada a juzante da área, na foz, são
preocupantes.

61
3. CONCLUSÕES E PROPOSTAS
Os resultados obtidos com a utilização do software CLiv para a determinação das
linhas de água e das manchas de inundação mostraram que as linhas de água no trecho da
UNIP são compatíveis com a urbanização do local e com os níveis das passarelas existente
e projetada, tanto para a situação atual como para a situação futura, considerando-se as
intervenções propostas.

FIGURA 11 - um dos resultados da modelagem realizada a partir do desenho hidro- paisagístico:


(TR = 100 ANOS)

728
Passarela de Montante Projetada
Cota Inferior = 727,06
Passarela de Jusante Existente
Cota Inferior = 726,05
727

TR 100 anos
TR 25 anos
726
TR 10 anos

TR 2 anos
725
Cota

Fundo Atual
724
Fundo Projetado

723

722

721
0 50 100 150 200 250 300 350 400 450 500 550 600 650
Distância

FIGURA 12 - Hidrograma do projeto no trecho

62
Figura 13 – Situação geral proposta

A equipe constatou que o trecho do córrego situado à juzante, sofre os reflexos da


urbanização e obras realizadas a montante, entre eles o assoreamento e o despejo de alguns
esgotos, ainda de pequeno impacto.
A partir dos estudos hidrológicos realizados obtivemos a confirmação da cota
indicada para a implantação da passarela nova, em substituição ao passadiço em péssimas
condições que lá se encontra e obtivemos a outorga pelo DAEE. Em observação às
diretrizes de recomposição vegetal indicadas pelo DPRN e pela assessoria de engenharia
florestal anteriormente contratada pelo empreendedor traçou-se o plano de melhoramentos
acima e a série de desenhos do projeto hidráulico foi produzida, unificando o partido
paisagístico ao redesenho do curso d´água, o que resultou, posteriormente, num projeto
executivo de intervenção sobre o trecho do córrego e nos projetos da passarela nova a ser
construída em breve pela universidade, bem como o conjunto de melhoramentos previstos.
Figura 14 - passarela a demolir com área de amortecimento à direita.

63
FIGURA 14 - vista geral da área de amortecimento de montante

FIGURA 15 - Vista da área de intervenção como está hoje.

64
FIGURA 16 - Vista da área de intervenção como está hoje.

FIGURA 17 - Simulação da implantação passarela nova.

65
NOTAS
¹ Região, sub-região e unidade hidrográfica é a nomenclatura adotada para definir os
diferentes níveis de bacias hidrográficas. A bacia do Alto Tietê é subdividida em bacias
menores (sub-regiões) que, por sua vez são subdivididas em bacias menores ainda
(unidades hidrográficas).
² Ver, por exemplo:Diretrizes de Projeto de Hidráulica e Drenagem Urbana - Volume 4,
Prefeitura do Município de São Paulo, 1999. CAbc, Software para Simulações
Hidrológicas de Bacias Complexas, Manual do Usuário, FCTH, 2005.

AGRADECIMENTOS
Equipe de análise do DAEE, pelas contribuições e questionamentos.

Equipe técnica multidisciplinar complementar:


Geográfo Clayton Bitencourt
Engenheiro e geotécnico Marcos Lima Verde Guimarães
Engenheiro Yopanan Conrado Rebelo / assessorial estrutural
Engenheiro José Rodolfo Scarati Martins/ consultoria na modelagem hidráulica

BIBLIOGRAFIA
DEL RIZZO, L. Mitigazione del rischio idraulico e attività ambientale: le prospettive
offerte nel Veneto dal Piano Direttore ad una nuova cultura del território. Consorzio di
bonifica Dese Sile. Apresentação realizada à missão brasileira da Cooperação Internacional
Brasil-Itália em Saneamento Ambiental. Veneza, Itália, julho de 2007.
FUNDAÇÃO CENTRO TECNOLÓGICO DE HIDRÁULICA – FCTH. CLiv Software
para simulação de escoamentos em condutos livres – Manual do usuário. São Paulo, 2006.
FUNDAÇÃO CENTRO TECNOLÓGICO DE HIDRÁULICA – FCTH. CAbc Software
para simulação hidrológica de bacias complexas – Manual do usuário. São Paulo, 2005.
FUSP – FUNDAÇÃO DE APOIO À UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO. Plano da Bacia
Hidrográfica do Alto Tietê – Diagnóstico Analítico da Bacia. São Paulo, 2007.
KAHTOUNI, S. Cidade das águas. Rima, São Carlos, 2004.

66
PREFEITURA DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO. Diretrizes de Projeto de Hidráulica e
Drenagem Urbana. Manual técnico. São Paulo, 1999.
WHITAKER, D.; ELKIN, D.; PEARSON, R.; MADER, S.; FAHA, M. Integrating
Stormwater Management and Wetlands Mitigation in the “Front Yard” of the Intel Ronler
Acres Campus in Hillsboro, Oregon. Ninth International Conference on Urban Drainage,
Portland, Oregon, 2002.

67
ARTIGO nº 4

INFRA-ESTRUTURAS VERDES PARA UM FUTURO URBANO SUSTENTÁVEL. O


CONTRIBUTO DA ESTRUTURA ECOLÓGICA E DOS CORREDORES VERDES
Green Infrastructures for a Sustainable Urban Future. The Ecological Structure
and the Greenways’ Contributions
José Carlos Ferreira e
João Reis Machado

68
INFRA-ESTRUTURAS VERDES PARA UM FUTURO URBANO
SUSTENTÁVEL. O CONTRIBUTO DA ESTRUTURA
ECOLÓGICA E DOS CORREDORES VERDES.

José Carlos Ferreira


Mestre, Doutorando em Engª do Ambiente e Assistente do
Dep. Ciências e Engenharia do Ambiente, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova
de Lisboa- Campus da Caparica 2829-516 Caparica Portugal, jcrf@fct.unl.pt
Pesquisador no CENSE – Centre for Environmental and Sustainability Research / UNL.

João Reis Machado


Professor Doutor, Professor com Agregação do
Dep. Ciências e Engenharia do Ambiente, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova
de Lisboa- Campus da Caparica 2829-516 Caparica Portugal, jmachado@fct.unl.pt

RESUMO

A “infra-estrutura verde” é definida por uma rede de áreas naturais e áreas abertas
(open spaces) fundamentais para o funcionamento ecológico do território,
contribuindo para a preservação dos ecossistemas naturais, da vida selvagem,
para a qualidade do ar e da água e para a qualidade de vida dos cidadãos. Para
Bennedict e McMahon (2006), Uma infra-estrutura verde consiste numa rede
ecológica que engloba as componentes ambientais, sociais e económicas, ou
seja, uma rede para o suporte da vida.

Em Portugal, a infra-estrutura verde é designada por Estrutura Ecológica da


paisagem ou do território. De acordo com Ferreira (2010a), esta estrutura
reconhece os sistemas ecológicos fundamentais e orientadores de uma
implementação sustentável da estrutura edificada de forma a promover a
biodiversidade em ambiente urbano. O mesmo autor refere ainda que a definição
de uma Rede de Corredores Verdes com base na Estrutura Ecológica proporciona
um instrumento eficaz de requalificação ambiental de territórios desestruturados,
com especial ênfase nas áreas urbanas, constituindo igualmente uma excelente
base para a definição de uma Estrutura Ecológica Urbana.

O presente artigo discute o contributo das Infraestruras-verdes, das Estruturas


Ecológicas e das Rede de Corredores Verdes para a definição de um modelo de
ocupação urbana sustentável em áreas sob pressão urbana.

Palavras-chave: Infra-estrutura verde, corredores verdes, estrutura ecológica e


urbanismo sustentável.

69
GREEN INFRASTRUCTURES FOR A SUSTAINABLE URBAN
FUTURE. THE ECOLOGICAL STRUCTURE AND THE
GREENWAYS’ CONTRIBUTIONS

ABSTRACT

The “Green infrastructures” are defined by a network of natural areas and open
spaces considered fundamental for the ecological functioning of the territory,
contributing for the preservation of the natural ecosystems, for the wildlife, for the
quality of the air and water as well as for the citizens quality of life. For Bennedict
and McMahon (2006), a green infrastructure consists in an ecological network that
includes the environmental, social and economical components, meaning a
network for the support of life.

In Portugal the green infrastructure is defined as ecological structure of the


landscape or territory. According to Ferreira (2010a), such a structure recognizes
the ecological systems as fundamentals and guiding elements for a sustainable
implementation of the built structures, as a way to promote the biodiversity on a
urban environment. The same author also refers that the definition of a greenways
network, based on ecological structure is an efficient tool in the environmental re-
qualification of unstructured territories, particularly the urban areas, allowing also
an excellent basis for the definition of an urban ecological structure.

The present report discusses the green substructures, the ecological structures
and the greenways networks’ contribution for the definition of a sustainable urban
occupation in areas under urban pressure.

Keywords: green infrastructure, greenways network, ecological structure and


sustainable urbanization.

70
1. Introdução

O processo de planeamento, ordenamento e gestão do território tem por base a


proteção e integração dos elementos biofísicos, culturais, recreativos e
paisagísticos. Todo o processo de planeamento ambiental deverá orientar as
intervenções antrópicas no sentido de reconhecer, conservar e promover
elementos naturais e culturais que, por terem características únicas, deverão ser
sujeitos a um ordenamento e planeamento ambientalmente sustentáveis,
contribuindo desta forma para a qualidade de vida dos habitantes (Ferreira 2010a).

Considerando os conceitos, definições e métodos utilizados para a sua definição,


Infra-estrutura Verde (IV) é sinónimo de Estrutura Ecológica (EE) da Paisagem ou
do Território. A Estrutura Ecológica um determinado território reconhece os
sistemas ecológicos fundamentais com vista à implementação sustentável da
estrutura edificada (Ferreira, 2010a e Machado, 2004). Em Portugal, para alem da
legislação definir e obrigar a integração da EE nos Instrumentos de Gestão
Territorial (IGT), a designação de infra-estruura Verde é pouco utilizada e
difundida.

Por sua vez, os Corredores Verdes (CV) constituem uma componente importante
da Infra-Estrutura Verde (Bennedict e McMahon,2006) e podem ser definidos com
base na Estrutura Ecológica Territorial, consistindo num instrumento eficaz de
requalificação ambiental de territórios degradados e ecologicamente sensíveis.
Estas estruturas têm dado um contributo significativo na compatibilização das
áreas ecologicamente sensíveis com o desenvolvimento e reestruturação do
tecido urbano. Nesse sentido tem contribuído para a requalificar a malha urbana
existente e promover um suporte para a regeneração ecológica (incluindo a
recuperação do potencial de biodiversidade no espaço urbano).

Assim, neste artigo a Infra-Estrura Verde é sinónimo de Estrutura Ecológica (EE).


Esta deverá constituir um instrumento de planeamento ambiental e de
ordenamento do território que oriente a ocupação e transformação antrópica do
território.

“O conceito estrutura ecológica prende-se com a proteção e integração dos


elementos biofísicos, culturais, recreativos e paisagísticos do território convergindo

71
para a idéia de sustentabilidade. Deverá orientar as intervenções antrópicas no
sentido de reconhecer, conservar e promover elementos naturais e culturais que,
por terem características únicas, deverão ser sujeitos a um ordenamento e
planeamento ambientalmente sustentável, contribuindo desta forma para a
qualidade de vida dos munícipes” (Ferreira et al, 2010b e Machado et al, 2004).

A Estrutura Ecológica pretende estabelecer o “Continuum Naturale” ou seja um


sistema natural, contínuo, que permita o funcionamento e desenvolvimento dos
ecossistemas promovendo assim a biodiversidade. Considerando o exposto, a
Rede Ecológica Municipal/Urbana a adotar, tem por função essencial contribuir
para a estabilidade física e sustentabilidade ecológica do município, constituída
por sistemas espaciais com diferentes funções, recreio, produção e proteção.
Ou seja, em territórios sob forte pressão antrópica, a Estrutura Ecológica deverá
ser entendida como mais uma infra-estrutura essencial ao equilíbrio do território, a
par das redes de estradas, de abastecimento de água e de energia elétrica entre
outros. (Ferreira et al, 2004 e Ferreira 2010b).

A infra-estrutura verde deverá ser o suporte dos ecossistemas autóctones e da


paisagem, deverá ter funções de corredor ecológico ao providenciar habitats para
fauna e flora, constituir um filtro de ar e água, funções sociais e culturais ao
promover um equilíbrio estético e paisagístico, propiciando à população espaços
livres de recreio, lazer e educação ambiental. Trata-se assim de uma infra-
estrutura promotora de biodiversidade em ambiente urbano e indutora de uma
sustentabilidade territorial, essencial para preservar os recursos naturais que
sustentam o ambiente e as sociedades humanas (Figura 1).

Figura 1 – Pirâmide da Sustentabilidade Territorial (Adaptado de Bennedict e


McMahon, 2006).

Por último, para manter e potenciar esta infra-estrutura verde é essencial a

72
introdução do conceito “condicionamento à edificabilidade” ou “aptidão para a
edificação”, que clarificara os critérios de aptidão dos solos, as funções urbanas e
não urbanas. Deverá ainda incluir as áreas “non aedificandi” e as áreas com
condicionantes à edificação, isto é, áreas do território sobre as quais assenta o
funcionamento de determinados ecossistemas assim como outro tipo de áreas,
nomeadamente, os espaços verdes, existentes e propostos, e os espaços
associados à estrutura cultural e histórica do local (Ferreira, 2010 e OA/CMS,
2009).

A Rede de Corredores Verdes (CV) deve ser desenhada tendo por base a EE e
deverá abranger as áreas com elevado valor ecológico cultural e paisagístico. A
rede de CV, pretende não só, proteger os recursos existentes, como também,
compatibilizá-los com a atividade humana, contribuindo para uma melhor
qualidade da paisagem e de vida da população. Segundo Machado et al (2004)
“Redes de Corredores Verdes são espaços livres lineares que ligam grandes
áreas não lineares ou grandes manchas de espaços naturais. Estes conjuntos
constituem sistemas de espaços, planeados, projetado e geridos para fins
múltiplos, incluindo objetivo ecológicos, recreativos, culturais, estéticos e
produtivos, compatíveis com o conceito de sustentabilidade”.

Tendo por base esta definição, a rede de Corredores Verdes em ambiente urbano)
teve por base os seguintes fundamentos:

- Constituir uma alternativa às atuais tendências de ordenamento;


- Compatibilizar os efeitos espaciais negativos da evolução económica e a
necessidade da salvaguarda da qualidade ambiental;
- Fomentar a interligação das questões do planeamento ambiental e paisagístico
nas intervenções em matéria de ordenamento do território e de ambiente.

Ou seja, tendo por base a Estrutura Ecológica a Rede de Corredores Verdes tem
como objetivo fundamentais:

- A delimitação de áreas com elevado valor ecológico cultural e paisagístico;


- A definição de uma rede de corredores verdes com ramificações no tecido
urbano;
- A proteção dos recursos e a sua compatibilização com a atividade humana;
- Contribuir para uma melhor qualidade da paisagem e de vida da população.

Trata-se de uma filosofia de múltiplos objetivo: proteção de recursos, recreio e


lazer, estabilidade ecológica, requalificação do remanescente da paisagem cultural
e agrícola e proteção do património natural e construído.

Assim, de acordo com Ferreira et al (2004) e Jogman (2004) o “Corredor Verde


constitui um sistema contínuo, estabelecendo ligações entre áreas de elevada
concentração de recursos ecológicos, paisagísticos e culturais, promovendo a sua
proteção e compatibilização com a atividade humana”. O conceito de corredor
verde introduz na Estrutura Ecológica a noção de “polivalência” dos espaços, ou

73
seja a compatibilização entre espaços de proteção, produção e recreio. Para
Machado et al (2004) e Ferreira et al (2010a) as redes de corredores verdes
apresentam duas funções prioritárias, a ecológica e a social, a que se veio juntar
recentemente a função económica. O conceito sugere uma enorme variedade de
tipos e uma grande multiplicidade de usos, tornando-se difícil estabelecer uma
definição única e consensual. Contudo, o “espaço aberto linear” representa a base
comum de qualquer corredor verde, podendo este apresentar-se vocacionado
para o recreio ou a conservação.

Em resumo, no âmbito dos processos de planeamento ambiental em meio urbano


poderemos de uma forma simples entender a Estrutura Ecológica como uma Infra-
estrutura Verde essencial para os Instrumentos de Ordenamento e Gestão do
Território e (incluindo os Planos de Urbanização), enquanto que a rede de
Corredores Verdes, deve ser entendida como uma componente desenhada da
infra-estrutura verde, que integra o modelo de ordenamento.

1.1. Funções principais de uma rede de Corredores Verdes


integrada na Infra-estrutura Verde.

As Redes de Corredores Verdes (RCV) em ambiente urbano deverão permitir a


integração de áreas de maior valor ecológico numa estrutura desenhada e
organizada, criando novas componentes e potenciando ligações através dos
subsistemas territoriais fundamentais que funcionam como infra-estruturas:

- Infra-estrutura azul (circulação da água);


- Infra-estrutura “verde” (produção de biomassa);
- Infra-estrutura cultural (paisagem e elementos culturais);
- Infra-estrutura de mobilidade sustentável (não motorizada).

A RCV deverá ser desenhada de forma a desempenhar as seguintes funções


territoriais:

- Funções ecológicas:

a) Manutenção da biodiversidade: proteção de áreas naturais, constituindo


habitats.
b) Estabelecimento de ligações entre áreas de habitats e, consequentemente, o
movimento de espécies, materiais e energia
c) Filtro natural à poluição das águas e poluição atmosférica. Purificação do ar
através da libertação de oxigénio e “sumidouro” de CO2.
d) A fixação de poeiras, a proteção dos ventos e a regularização de brisas;
e) A regularização de amplitudes térmicas e da luminosidade atmosférica. Em
ambiente urbano é particularmente eficaz em baixar a temperatura da água e
do ar devido ao efeito sombra, devido à elevada evapotranspiração, e interfere

74
positivamente nos processos hidrológicos, reduzindo os riscos de erosão.
f) A circulação da água pluvial a céu aberto e infiltração, promovendo a utilização
da água local e torrencial.

- Funções sociais:

a) Fornecem espaços para recreio ativo e lazer;


b) A contribuição para o abastecimento alimentar em produtos frescos (hortas
urbanas);
c) Melhoria da qualidade do ar;
d) Melhoria do conforto térmico;
e) Permitem a preservação do património histórico e cultural;
f) Ajudam a manter e valorizar a qualidade estética da paisagem;
g) Controle de fatores de risco

2. Metodologia para a Delimitação de uma Infra –Estrutura Verde


(Estrutura e Ecológica) e desenho de uma Rede de Corredores
Verdes.

O desenvolvimento da metodologia com vista à elaboração de uma Infra-estrutura


Verde, teve por base as metodologias desenvolvidas para a delimitação de
Corredores Verdes e de Estruturas Ecológicas de âmbito local como instrumentos
de ordenamento e planeamento territorial. Estas constituem um processo inovador
no quadro português (apesar da delimitação da estrutura ecológica ser obrigatória
a partir de 1999) e neste artigo resume-se às metodologias utilizada em vários
trabalhos em que o Departamento de Ciências e Engenharia do Ambiente
(FCT/UNL) esteve envolvido com destaque para o Plano Municipal de Ambiente
do Município do Barreiro, Estrutura Ecológica do Município de Alcobaça e
Estrutura Ecológica e Rede de Corredores Verdes para o Município de Setúbal
(em curso).

A Estrutura Ecológica (EE) deve constituir-se como um modelo de ocupação do


território. A definição da EE deve ter por base o reconhecimento dos sistemas
ecológicos fundamentais (rede hidrográfica, zona ribeirinha, áreas com risco de
erosão, solos de elevado valor ecológico, vegetação espontânea, área de elevada
concentração patrimonial), criando um sistema ecológico territorial onde a
estrutura edificada (infra-estruturas viárias, habitação, equipamentos, indústria)
seja implementada de forma racional, obedecendo a regras de localização que
tenham em conta os valores ecológicos, de forma a promover a biodiversidade e o

75
uso sustentável do território (Ferreira, 2010 e Jongman e Pungetti, 2004). Só uma
efectiva articulação entre as ocorrências naturais e os elementos construídos, em
que as estruturas permanentes da paisagem são consideradas sistemas
fundamentais de suporte às comunidades humanas, podem contribuir para uma
melhor gestão das pressões e interesses, por vezes antagónicos, sobre o
território, contribuindo para a sustentabilidade local (Figura 2).

Figura 2 - Grandes vectores considerados na Estrutura Ecológica e principais


resultados (Adaptado de Ferreira, 2010)

Assim, uma possível abordagem metodológica consiste em dividir a estrutura


ecológica em duas: Estrutura Ecológica Principal (EEP) a uma escala
local/municipal e Estrutura Ecológica Secundária (EES) à escala do plano de
urbanização ou plano de pormenor.

A Estrutura Ecológica Principal (EEP) ou Fundamental integra as áreas que


constituem o suporte dos sistemas ecológicos fundamentais e cuja protecção é
indispensável ao funcionamento sustentável do território. Ou seja, são áreas
localizadas nas situações ecológicas mais favoráveis à implantação da EEP.
Engloba áreas de habitats prioritárias e ou importantes a nível local, ou seja, com
maior interesse ecológico, imperativas no funcionamento dos sistemas naturais.

Este tipo de estrutura pretende assegurar a ligação da paisagem envolvente ao


centro das principais zonas urbanas enquadrando as redes de circulação viária e
pedonal e integrando os espaços que constituem os equipamentos colectivos
“verdes” de maior dimensão e de concepção mais naturalista (Machado et al.,
2004).

76
Dever-se-á nesta estrutura privilegiar os sistemas contínuos de produção,
protecção e recreio, incluindo, nomeadamente, a estrutura mais restritiva
relativamente aos usos edificados, onde prevalece o carácter non aedificandi
(Ferreira, 2010).

A Estrutura Ecológica Secundária (EES), é aqui entendida como uma estrutura


ecológica urbana que visa fomentar e intensificar os processos ecológicos em
áreas edificadas. Constitui assim uma estrutura de protecção, de regulação
climática e de suporte da produção vegetal integrada no tecido edificado,
integrando vazios urbanos, espaços públicos adjacentes às áreas mais
urbanizadas, nomeadamente zonas residenciais, de serviços, de equipamentos de
actividades económicas, áreas livres de protecção às infra-estruturas, logradouros,
hortas urbanas, ente outros (Ferreira, 2010).

A utilização de um Sistema de Informação Geográfica é fundamental coma


finalidade de poder lidar com uma base de dados complexa (figura 3).

77
Figura 3 - Exemplo de um processo metodológico (Ferreira, 2010)

78
3. Infra-estrutura Verde Municipal: a Estrutura Ecológica e Rede
de Corredores Verdes para do Município de Setúbal.
O Município de Setúbal localiza-se na Área Metropolitana de Lisboa, na margem
esquerda do Estuário do Rio Sado. Trata-se de um Município que possui um
território de elevado valor ecológico abrangido por duas grandes áreas de
projeção e conservação da natureza de âmbito nacional, a Reserva Natural do
Estuário do Sado e o Parque Natural da Arrábida, mas ao mesmo tempo, possui
uma grande área industrial (indústria de papel, estaleiros navais, produção de
cimento, extração de pedra, entre outros) e um tecido urbano que necessita de ser
regenerado.

A definição de uma Estrutura Ecológica Municipal de Setúbal (EEMS) tem como


objetivo a promoção do desenvolvimento sustentável do território de Setúbal
através da compatibilização dos usos urbanos e rurais, com a integração e
valorização do património natural, cultural e paisagístico. Pretende ainda,
requalificar e ou regenerar os espaços de elevado valor ambiental em articulação
com os instrumentos de execução urbanística (OA/CMS, 2009).

Pretende-se, para tal salvaguardar:

a) As áreas ambientalmente vulneráveis e de risco associadas a fenómenos de


origem natural e/ou antrópica, através de mecanismos de avaliação que tenham
em conta a dinâmica dos processos naturais (ex: cheias/inundações,
deslizamentos, erosão, derrame de poluentes, poluição atmosférica, entre
outros);
b) A paisagem tradicional através da proteção do sistema de quintas, recorrendo a
mecanismos de regulamentação do uso e ocupação do solo, de modo a
assegurar a sua recuperação e valorização para outros fins para além do
residencial e agrícola, nomeadamente para alojamento temporário e atividades
de lazer potenciadoras da sua localização natural, como equipamentos para
idosos, crianças, ecoturismo, spa, entre outros;
c) O restante património cultural como complemento à estrutura ecológica
propriamente dita;
d) A zona costeira (oceânica e estuarina) através de ações de compatibilização de
atividades de lazer, recreio, pesca, portuárias e industriais com a defesa dos
recursos e valores naturais;
e) As linhas de água principais, promovendo a sua requalificação e regeneração,
em especial nas áreas urbanas por forma a constituir um elemento valorizador
do espaço urbano;
f) O sobreiro (Quercus suber e Quercus faginea) preservando a cintura verde que
envolvente o perímetro urbano de Setúbal, fortalecendo o seu papel na

79
estrutura ecológica, nomeadamente reforçando a componente produção, lazer e
recreio, por exemplo com a criação de um parque urbano.
g) As zonas pedonais (zonas livres de automóveis), cicláveis, ruas multifuncionais
e todas áreas com potencial para descarbonização do transporte,
implementando meios de transporte não poluentes reforçando a componente
não motorizada e não produtora de CO2.

A Estrutura Ecológica Municipal proposta no modelo de organização espacial do


território permitirá a implementação da perspectiva de desenvolvimento
sustentável subjacente nos eixos de desenvolvimento estratégico. Para além
salvaguardar os sistemas ecológicos existentes, permite criar novas unidades
ecológicas que dêem continuidade à estrutura, quer através dos grandes
corredores ecológicos intermunicipais, quer a um nível mais local, com a criação
de áreas verdes de proteção e enquadramento, como é o caso das cinturas
verdes juntos às áreas industriais.

A Estrutura Ecológica Municipal de Setúbal (EEMS), encontra-se organizada em


Estrutura Ecológica Fundamental, correspondendo às componentes naturais e
com “conectividade fundamental” e em Estrutura Ecológica Complementar,
correspondendo a componentes “artificiais”, decorrentes da ação do homem e
com uma “conectividade complementar”, distinguindo-se assim, de acordo com
uma maior ou menor dependência da ação humana. A EEMS, enquanto
instrumento de salvaguarda do sistema ecológico, pode-se decompor em
subsistemas que refletem a sua correlação funcional. Estes subsistemas agregam
diversas componentes, passiveis de representação por áreas, pontos ou
corredores, de acordo com a sua maior ou menor conectividade. As áreas
correspondem à unidades identificados em cada um dos subsistemas (ex. Solos,
manchas de vegetação, entre outras), os pontos aos elementos patrimoniais
classificados e os corredores asseguram a sua conectividade. Em solo urbano, a
identificação dos corredores assume maior relevância pelas pressões e
descontinuidades provocadas pelo processo urbanístico. Assim, na lógica das
funções principais, o sistema ecológico é assegurado através de quatro
subsistemas com correspondentes funções, em que os dois primeiros têm funções
essencialmente ecológicas e os dois últimos, funções ecológicas derivadas da
ação humana (figura4).

80
Figura 4 - Subsistemas da Estrutura Ecológica do Município de Setúbal (Adaptado
de OA/CMS, 2009)

A Estrutura Ecológica Fundamental (Figura 4 e Figura 5), dentro do subsistema


azul integra as linhas de água, áreas adjacentes e cabeceiras, áreas de
permeabilidade máxima, estuário e oceano incluindo áreas adjacentes, sapais e
praias e dentro do subsistema verde integra as áreas de sobreiros, as áreas de
pinheiros, a vegetação autóctone, os solos de elevada capacidade de produção de
biomassa, as escarpas, vertentes e risco de erosão e os topos.

A Estrutura Ecológica Complementar dentro do subsistema azul integra os corpos


de água artificiais e as salinas. O subsistema verde integra os verdes de proteção
e enquadramento, os montados, as áreas de produção de pinheiro, as áreas
verdes em solo urbano e os planaltos. Dentro do subsistema cultural integra o
sistema de quintas classificadas e paisagem associada, os núcleos históricos e
património classificado e património arqueológico. O subsistema mobilidade
integra áreas cicláveis e ciclovias e ruas multifuncionais. A relação entre os vários
subsistemas e a articulação das estruturas (fundamental e complementar)
estabelece-se através de um sistema de corredores que implementa e concretiza
esta estrutura, aproveitando as componentes existentes, criando novas
componentes e potenciando ligações sobretudo através dos subsistemas culturais
e de mobilidade, por exemplo, respectivamente, através das quintas e da rede de
mobilidade suave.

A estrutura ecológica, enquanto instrumento tem um caráter regulador, visando a


proteção dos sistemas, um caráter propositivo, visando a reposição de sistemas, e

81
ainda, um caráter integrador, integrando-se nos diferentes âmbitos dos
Instrumentos de Gestão Territorial e a várias escalas.

Com base da EE desenvolvida desenhou-se uma rede municipal de corredores


verdes considerando três sistemas básicos da matriz constituinte da paisagem:

- Sistema de Linhas (constituído pelos elementos lineares da paisagem como


linhas de água; linhas de festo; entre outros.);

- Sistema de Pontos (constituído pelos elementos pontuais da paisagem.


Elementos marcantes do ponto de vista paisagístico e cultural, como por
exemplo o património construído; o ponto cénico único; árvores notáveis; entre
outros.);

- Sistema de Áreas (constituído por elementos mancha que delimitam áreas de


importância ecológica ou concentração / manchas de elementos urbanos e
culturais, como por exemplo matas; sobreirais; montados; pinhais; núcleos
históricos; sapais; entre outros.).

As áreas consideradas definem uma rede de corredores exequível que


proporcionam um uso e ocupação sustentável do uso do solo. Assim, para além
das funções estritamente ecológicas a rede de Corredores Verdes de Setúbal
(CVS) é essencialmente constituída por corredores vocacionados para
proporcionar às populações áreas de recreio e lazer, áreas livres, áreas de acesso
a espaços “naturais” e “culturais” (Figura 5)

82
Figura 5 - Estrutura Ecológica Fundamental de Setúbal (OA/CMS, 2009)

83
Figura 6 - Base para a delimitação da Rede de Corred. Verdes (OA/CMS, 2009)

No âmbito da “mobilidade” no interior do corredor verde, as “áreas cicláveis” de


Setúbal (plano de intenções a nível de estudo prévio) surgem como estradas
“verdes” que permitem o usufruto do corredor verde. Tomando como exemplo um
“corredor recreativo”, a concretização da rota poderá ser efetuada com recurso a
ciclovias, caminhos pedonais entre outras formas de mobilidade não motorizada.

Nesta rede incluíram-se igualmente todos os espaços verdes urbanos existentes e


programados.

A Rede de Corredores Verdes Municipal, organiza-se em 3 tipos de corredores:


Corredor Ecológico, Corredor Produção e o Corredor Lazer, Recreio e Património

4. Infra-estrutura Verde à escala urbana: Corredor Verde


Monsanto – Av. da Liberdade em Lisboa.

84
O Corredor Verde de Monsanto à Avenida da Liberdade recentemente inaugurado
é uma das componentes da Infra-estrutura Verde de Lisboa, ou seja, da Estrutura
Ecológica Fundamental que compõe o Plano Verde da Capital da autoria do
Professor Doutor Ribeiro Telles (Telles, 2001).

O Corredor com a extensão de 6,5 km, faz a ligação entre a Praça dos
Restauradores (inicio do eixo arborizado da Avenida da Liberdade na Baixa da
cidade) e o Parque Florestal de Monsanto (900 ha) para pedestres e bicicletas, por
meio de um corredor contínuo que vai fazendo a ligação a diferentes espaços
verdes.

Permite assim a ligação entre as áreas urbanas densamente densificadas do


centro e o pulmão verde da Cidade (Figura 7).

Este projecto agora concretizado é um exemplo, de como um simples corredor


verde pode fazer a ligação entre vários elementos (áreas e pontos), como por
exemplo, jardins, parques, logradouros, áreas florestais urbanas e áreas de
elevada concentração de valores patrimoniais.

Este corredor verde está especialmente vocacionado para o recreio e lazer,


contribuindo de uma forma clara para a melhoria da qualidade de vida da
população lisboeta ao mesmo tempo que proporciona novos produtos turísticos.

1 – Av. Da Liberdade 2- Prq. Eduardo VII 3- Jardim Amália Rodrigues 4 – Jardim Palácio da
Justiça

5 – Troço de C.V – Campus


de Campolide

85
5 – Troço de C.V – Campus
de Campolide

6 – Troço de C.V – Campus


de Campolide

Corredor Verde Monsanto / Av. Da Liberdade 7 –Passagem


pedonal/ciclável

11 – Parque Florestal de 10 – Parque Florestal de 9 – Jardim de Campolide 8 – Passagem pedonal


Monsanto Monsanto /ciclável

Figura 7 – Corredor Verde entre o Parque Florestal de Monsanto e a Avenida da


Liberdade. (Fotografia aérea: Google Maps. Fotografias efetuadas em
Agosto de 2010)

5. Remate

Ao longo deste artigo constamos a importância que as Infra-estruturas verdes


assumem no desenvolvimento sustentável das cidades a várias escalas.

Com o objectivo de garantir a protecção das funções ecológicas vitais do território


e da cidade, dependentes do grau de conectividade da Infra-estrutura Verde
Municipal desenhada, torna-se essencial garantir a existência de uma Estrutura

86
Ecológica Urbana (EEU) a ser desenvolvida nos Planos de Pormenor e Planos de
Urbanização.

A Estrutura Ecológica Urbana, tem como principal objectivo proporcionar, defender


e promover os recursos ecológicos vitais para a sustentabilidade do espaço
urbano. Deve viabilizar a coexistência de áreas de elevada concentração de
valores ecológicos com o espaço urbano, viabilizar a defesa do capital natural do
espaço urbano (água, ar, componente biótica) e humanizar e “embelezar” o
espaço urbano, ou seja, viabilizar o capital humano e social (Ferreira 2010).

Neste contexto e com o objectivo de uma efectiva protecção da infra-estrutura


verde, propõe-se que a Estrutura Ecológica Urbana seja desenvolvida e integrada
nos Planos de Pormenor e Planos de Urbanização, de acordo com as orientações
das infra-estruturas verdes desenvolvidas à escala municipal e regional. Assim,
garante-se a concretização efectiva da proteção em espaço urbano dos
corredores e áreas, necessários para a manutenção das funções ecológicas do
território.

A Estrutura Ecológica Urbana (EEU), para além de assegurar um conjunto de


funções ecológicas em meio urbano, assegura igualmente funções de recreio e
lazer.

A EEU de Setúbal é constituída por (Ferreira 2010 e OA/CMS 2009):

a) Áreas com um uso predominantemente público (zonas verdes, parques e


jardins urbanos públicos, verdes de protecção visual, poeiras e sonora; praças
e alamedas de elevada concentração de património e acuidade visual; zonas
desportivas, especialmente aquelas onde predomine o coberto vegetal; hortas
urbanas /agricultura urbana parcelas agricultadas de pequena dimensão para
usufruto da população urbana);

b) Áreas privadas e de acesso restrito: logradouros privados; jardins privados


classificados / matas, casas senhoriais/palacetes; áreas de moradias com lotes
profundos (agricultura e ou matas) abrangidos; por perímetro urbano; quintas e
todo o sistema de paisagem associado, abrangidas por perímetro urbano.

A título de exemplo, apresenta-se de uma forma sumária (não exaustiva) os usos


e acções compatíveis com a EE de Setúbal com incidência directa nos usos do
solo. A tabela 1 apresenta um excerto das indicações fundamentais para os
Planos de Pormenor e os Planos de Urbanização no sentido de promover o
contínuo ecológico reduzindo os riscos de perda de conectividade da estrutura.

87
Tabela 1. Usos e Acções Compatíveis com a Função Ecológica: Leitos e Margens
dos Cursos de Água, Permeabilidade Máxima e Falhas Geológicas e Solos de
Elevado Valor Ecológico

Usos e Acções Compatíveis com a Função Ecológica dos


Leitos e Margens dos Cursos de Água, Permeabilidade Máxima e Falhas Geológicas e Solos de
Elevado Valor Ecológico
Componente
Função Ecológica Principal Usos e Acções Compatíveis com
s Principais
do município de Setúbal Incidência Directa no Uso do Solo
da
EE
Fundamental

Leitos e Ciclo hidrológico: - galeria ripícola


- regulação do ciclo da água - prados naturais
margens - agricultura de regadio
dos cursos Biodiversidade: - espaços verdes de recreio e lazer
de água - conservação de habitats (flora e fauna) (compatíveis com a sensibilidade ambiental
- refúgio de espécies dos habitats presentes)
- regulação do ciclo de nutrientes - não edificáveis

Prevenção de riscos naturais / socioeconómicos:


- redução da erosão fluvial através da galeria ripícola
- redução e prevenção dos riscos de cheia
- elevado valor cénico (vegetação ripicola e planos de
água)

Permeabilid Biodiversidade: - matas e floresta


- conservação dos ecossistemas aquáticos - prados naturais
ade máxima - espaços verdes de recreio e lazer (que
e falhas Ciclo hidrológico: recarga aquífera. promovam a permeabilidade e que não
geológicas constituam um risco à contaminação aquífera)
Prevenção de riscos naturais / socioeconómicos: - não edificáveis
- protecção da qualidade da água
- redução das áreas de risco de cheia e de inundação
- redução do risco de intrusão salina

- agricultura (preferencialmente de sequeiro)


Solos de Biodiversidade: exemplo: vinhas, pomares, olivais.
-promoção da sustentação de comunidades vegetais - em áreas rurais com forte disseminação de
elevado de elevada biomassa ou de comunidades vegetais espaços urbanos poderão constituir
valor específicas excelentes espaços abertos para a prática de
ecológico desporto e lazer (baixa infra-estruturação
Ciclo hidrológico: compatível com a sensibilidade do recurso).
- promoção da infiltração - zonas não edificáveis (exceptuando os
apoios agrícolas)
Prevenção de riscos naturais /aspectos
socioeconómicos:
- redução dos riscos de cheia / inundação
- áreas compatíveis com uma agricultura
ecológica/biológica
- áreas preferenciais para a produção dos produtos
autóctones/tradicionais (vinho, azeite, maçãs entre
outros)

Através das acções propostas pretende-se garantir um uso do solo coerente com
a Estrutura Ecológica Urbana a ser desenvolvida nos Planos de Pormenor e

88
Urbanização. Ou seja, os referidos planos devem garantir a conectividade da
Rede Municipal.

Nota: Parte dos resultados já forma apresentados pelo 1º autor no Pluris 2010, 4º
Congresso Luso-Brasileiro para o Planeamento Urbano, Regional, Integrado,
Sustentável, que decorreu em Faro (Portugal) sob o tema “Estrutura Ecológica e
Corredores Verdes- estratégias territoriais para um futuro urbano sustentável”.

5. Referências Bibliográficas

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realizaciones urbanas y periurbanas. Association Européenne des Voies Vertes,
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DCEA/CMB (2009) Corredores Verdes e Estrutura Ecológica. Departamento de


Ciências e Engenharia do Ambiente da FCT/UNL – Câmara Municipal do Barreiro.
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Ferreira, J. C. (2010)a, Estrutura Ecológica e Corredores Verdes - estratégias


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Regional e Local, Instituto Geográfico Português, Lisboa.

Ferreira, J. C.; Silva, C.; Tenedorio, J. A.; Pontes, S.; Encarnação, S and Marques,
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Itajaí, SC – Brazil, ISSN 0749-0208.

89
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Taylor & Francis, London.

Jongman, R.; Pungetti, G. (2004) Introduction: ecological networks and greenways,


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in Boletim Electrónico “Lisboa Urbanismo” nº 15, acedido em Agosto de 2010:
http://ulisses.cm-lisboa.pt

90
ARTIGO nº 5

INFRAESTRUTURA VERDE: SUSTENTABILIDADE E RESILIÊNCIA PARA A


PAISAGEM URBANA
Green Infrastructure: Building Sustainability and Resilience in Urban
Landscapes
Cecília Polacow Herzog e
Lourdes Zunino Rosa

91
INFRAESTRUTURA VERDE: SUSTENTABILIDADE E RESILIÊNCIA PARA A
PAISAGEM URBANA
Cecilia Polacow Herzog
Paisagista, Especialista em Preservação Ambiental das Cidades, Mestre em
Urbanismo, Presidente da Inverde e Conselheira da OSCIP Associação dos
Amigos do Parque Nacional da Tijuca, Rio de Janeiro
cecilia@inverde.org
Rua Nina Rodrigues, 93 apt. 301, Rio de Janeiro, RJ CEP 22461-100

Lourdes Zunino Rosa


Arquiteta graduada pela U.P.6/Paris, Mestre em Conforto Ambiental pela
FAU/UFRJ, Doutora em Transportes e Sustentabilidade pela COPPE/UFRJ,
Diretora da OCAM, Oficina Conforto Ambiental, Diretora da Inverde

ocam@openlink.com.br

Rua João Alfredo 54 Cob. 02, Rio de Janeiro, RJ CEP 20511-390

RESUMO
As cidades são ecossistemas abertos vulneráveis a eventos climáticos. A
expansão urbana voltada para o uso de automóveis leva à construção de
infraestruturas cinzas (vias, estacionamentos e outras superfícies impermeáveis),
que ocasionam impactos recorrentes, como enchentes e deslizamentos,
congestionamentos de trânsito, alto consumo de energia, emissão de gases de
efeito estufa (GEE) e poluição generalizada. Este artigo enfoca o potencial da
infraestrutura verde como uma maneira de mitigar os efeitos dessa urbanização,
dar resiliência aos ecossistemas urbanos para enfrentar os desafios das
mudanças climáticas, além de contribuir para a transição a uma economia de
baixo carbono. Infraestrutura verde num meio urbano consolidado consiste em
uma rede multifuncional verde-azul (vegetação - sistemas hídrico/drenagem) que
incorpora o retrofit (renovação) e adaptação da infraestrutura existente. Apresenta
inicialmente um breve histórico e a seguir discorre sobre infraestrutura verde. Dois
casos ilustram o seu potencial: um já implantado e consolidado em Freiburg na
Alemanha, e outro uma proposição ideal para uma bacia hidrográfica urbana no

92
Rio de Janeiro, Brasil. Infraestrutura verde proporciona serviços ecossistêmicos
essenciais para a sustentabilidade urbana de longo prazo. Planejar, projetar e
monitorar uma infraestrutura verde pode ser uma maneira de reduzir enchentes e
deslizamentos, incrementar o transporte “limpo”, capturar carbono, melhorar a
qualidade das águas e a saúde da população com conseqüentes benefícios
econômicos.
PALAVRASCHAVE: infraestrutura verde; adaptação; resiliência; sustentabilidade;
serviços ecossistêmicos; baixo carbono

GREEN INFRASTRUCTURE: BUILDING SUSTAINABILITY AND RESILIENCE


IN URBAN LANDSCAPES

ABSTRACT
Cities are open ecosystems frequently vulnerable to climatic events. Urban sprawl
based on private cars requires grey infrastructure development (roads, parking
lots, and others impervious surfaces), which leads to recurrent impacts, such as
floods and landslides, traffic congestion, high energy consumption, greenhouse
gases emissions (GHG) and wide spread pollution. This paper focuses on the
potential of green infrastructure as a means to mitigate the urbanization impacts,
build resilience in urban ecosystems to face climate change challenges, besides
preparing for a low carbon economy. Green infrastructure in a consolidated urban
environment consists of a multifunctional green-blue (vegetated-hydric/drainage
system) network which incorporates the retrofit and adaptation of existing grey
infrastructure. Initially presents a brief ecological structure history, followed by a
discussion about green infrastructure. Two case studies illustrate the green
infrastructure potential: a consolidated one in Freiburg, Germany, and an ideal
proposition for an urban watershed in Rio de Janeiro city, Brazil. Green
infrastructure provides essential ecosystem services for long term urban
sustainability. Planning, designing and managing green infrastructure may be a
means to reduce floods and landslides, increase clean transportation, carbon
sequestration, water quality and improve human health, with consequent economic
benefits.

KEYWORDS: green infrastructure; adaptation; resilience; sustainability;


ecosystems services; low carbon

INTRODUÇÃO
Atualmente mais de metade da população mundial mora em cidades. No Brasil
são mais de oitenta por cento de pessoas morando em áreas urbanas. Os
ecossistemas urbanos são sistemas abertos, dinâmicos, complexos e
interrelacionados, que requerem grandes quantidades de energia e matéria, com
equivalente geração de resíduos e poluição. Os seus impactos vão muito além de

93
seus limites geográficos e podem ser medidos através de sua pegada ecológica3
(Beatley, 2000; Newman e Jennings, 2008; Boutaud e Gondran, 2009). A
infraestrutura verde possibilita que as cidades diminuam essa pegada, ao
proporcionar alternativas que consomem menos energia, não emitem gases de
efeito estufa, capturam carbono, evitam a sedimentação dos corpos d’água,
protegem e aumentam a biodiversidade, fornecem serviços ecossistêmicos no
local, previnem ou diminuem a poluição das águas, do ar e do solo, entre outros
benefícios (Elmqvist, 2010). As cidades podem ser mais compactas e proporcionar
alta qualidade de vida, com espaços verdes públicos multifuncionais, bem
planejados e de fácil acesso (Ahern, 2009; Owen, 2009).
A grande maioria das cidades é vulnerável a efeitos severos causados por
ocorrências climáticas, que se tornam mais graves e freqüentes devido às
mudanças climáticas. Contudo, mesmo durante chuvas normais as enchentes são
habituais devido à urbanização em áreas inadequadas (Brandão, 2004). Áreas de
risco, como encostas íngremes, topos de morros, baixadas e áreas alagáveis e
margens de corpos d’água são ocupadas pelo mercado formal e informal o que
leva a perdas econômicas, sociais e ambientais, e a acontecimentos muitas vezes
trágicos (Coelho Netto, 2005).
As atividades humanas acontecem na paisagem onde ocorrem os processos e
fluxos naturais abióticos (geológicos e hidrológicos) e bióticos (biológicos). A
urbanização tradicional é baseada na infraestrutura cinza monofuncional, focada
no automóvel: ruas visam à circulação de veículos; sistemas de esgotamento
sanitário e drenagem objetivam se livrar da água e do esgoto o mais rápido
possível; telhados servem apenas para proteger edificações e estacionamentos
asfaltados são destinados a parar carros. A infraestrutura cinza interfere e
bloqueia as dinâmicas naturais, que além de ocasionar conseqüências como
inundações e deslizamentos, suprime áreas naturais alagadas/alagáveis e
florestadas que prestam serviços ecológicos insubstituíveis em áreas urbanas
(Farr, 2008; Herzog, 2009).
O planejamento de uma infraestrutura verde propicia a integração da natureza na
cidade, de modo a que venha ser mais sustentável. Favorece também a mitigação
de impactos ambientais e a adaptação para enfrentar os problemas causados
pelas alterações climáticas, como por exemplo: chuvas mais intensas e
frequentes, aumento das temperaturas (ilhas de calor), desertificação, perda de
biodiversidade, só para citar alguns (Ahern, 2009; Herzog, 2010).
Este artigo visa discutir a relevância e as potencialidades de se desenvolver uma
infraestrutura verde em regiões urbanas, tanto localizadas em áreas de expansão
como em locais já consolidados. Inicia com a apresentação de um histórico
resumido da infraestrutura ecológica desde o século XIX. Em seguida conceitua e

3
Conferência de Alain Maugard: La civilisation urbaine est-elle écocompatible?, no ciclo La
croissance verte, comment? em Paris, 10 de junho de 2009. Disponível em http://www.canal-
u.tv/producteurs/universite_de_tous_les_savoirs/dossier_programmes/les_conferences_de_l_anne
e_2009/developpement_durable_la_croissance_verte_comment/la_civilisation_urbaine_est_elle_ec
ocompatible_alain_maugard

94
discute os benefícios que ela pode trazer para meios urbanos. Apresenta um
exemplo internacional na cidade de Freiburg, com foco em três bairros construídos
recentemente. Na sequência introduz uma proposta ideal de infraestrutura verde
para uma bacia de drenagem urbana na cidade do Rio de Janeiro. Conclui com
reflexões sobre as possibilidades de a infraestrutura verde ser integrada a planos
e projetos urbanos de modo a tornar as cidades mais sustentáveis e resilientes às
mudanças climáticas e a uma economia de baixo carbono.
BREVE HISTÓRICO
Na última década a infraestrutura verde tem sido incorporada em planejamentos
sustentáveis de longo prazo em várias cidades de muitos países. Na verdade não
é um conceito novo, mas atualmente é mais abrangente e emprega
conhecimentos técnico-científicos, com a utilização de ferramentas digitais de
última geração. Proporciona inúmeros benefícios para que as cidades sejam não
apenas mais sustentáveis, mas mais resilientes para enfrentar os efeitos causados
pelas mudanças climáticas (Ahern, 2009).
Um dos primeiros trabalhos que teve o enfoque de conciliar a sustentabilidade e
resiliência da paisagem urbana com o desenvolvimento da cidade foi executado
nas últimas duas décadas do século XIX. Frederick Law Olmsted projetou o
emblemático Emerald Necklace (Colar de Esmeraldas), em Boston (Fig.1). Esse
projeto consiste numa rede de parques interligados pelas matas ciliares dos rios
Stony Brook e Muddy, que foram recuperadas a fim de restabelecer a dinâmica
hídrica aliada a um sistema de esgotos (Fig. 2). Atendeu diversas necessidades,
uma vez que os problemas de esgotamento sanitário e industrial levaram a uma
situação crítica de poluição generalizada. Essa situação era agravada pelas
inundações freqüentes que causavam epidemias. É o primeiro projeto de
construção de áreas alagadas (wetlands) que se tem notícia. Foi feito no local
com estética natural (“selvagem”) e não pastoral como era comum na época.
Permanece (parcialmente, pois foi cortado por avenidas) até os dias de hoje como
um modelo multifuncional (Fig. 3), que alia o controle de enchentes com qualidade
do ar, das águas e do solo, proteção da biodiversidade, circulação de pessoas
(bicicletas e caminhadas), amenização do clima, recreação e lazer. Esse “Colar de
Esmeraldas” foi o estruturador do desenvolvimento da cidade, uma infraestrutura
verde pioneira. Olmsted é considerado o fundador da arquitetura paisagística que
planeja e projeta a paisagem: espaços externos onde se situam os espaços
construídos. Olmsted tinha uma formação multidisciplinar e em seu trabalho
contemplava os processos naturais e culturais que ocorrem na paisagem (Spirn,
2002).

95
4
Figura 1. Plano original do Emerald Necklace, Boston, Estados Unidos

Figura 2. Parque linear (corredor verde) Fenway ao longo do rio Muddy, multifuncionalidade que
abriga biodiversidade, proporciona circulação, lazer e relaxamento para os moradores em pleno
centro de Boston, além de filtrar as águas poluídas e prevenir inundações. (crédito: Cecilia Herzog)

Figura 3. Parque Fenway cortado pelas vias antes de chegar ao rio Charles. (crédito: Cecilia
Herzog)
Também devem ser lembrados entre muitos outros que propuseram soluções
urbanas e regionais em busca de sustentabilidade, os trabalhos de Ebenezer
Howard - “Gardens Cities of To-Morrow” (Cidades Jardins) (Howard, 1965, 1ª.
edição 1898) e Patrick Geddes – “Cities in Evolution” (Cidades em Evolução)
(Geddes, 1994, 1ª. edição 1915). O primeiro propôs cidades cercadas de cinturões
verdes para conter a expansão urbana, que faziam a transição com as paisagens
produtivas (agrícolas). Geddes colocou em prática o processo participativo, com
exposições que visavam à interação com a comunidade.
Na cidade do Rio de Janeiro é emblemático o caso do replantio de mata nativa no
maciço da Tijuca ainda no século XIX pelo Major Archer, que teve por objetivo
conservar os mananciais de água da cidade (Frischenbruder e Pellegrino, 2004). A
floresta se regenerou ao longo do tempo e hoje mantém a temperatura da cidade
mais amena. É multifuncional, permite atividades esportivas, lazer e recreação,
ainda abriga sítios histórico-culturais. Além de fornecer inúmeros serviços
ecológicos para a cidade e seus habitantes, como a contenção de encostas,
diminuição de enchentes e abrigar uma grande biodiversidade urbana. É protegido
pelo Parque Nacional da Tijuca.
No século XX, o enfoque no desenvolvimento urbano baseado nos automóveis
levou ao espraiamento urbano sobre áreas que deveriam ter sido preservadas,
como margens de corpos d’água, encostas íngremes, baixadas e áreas alagadas,
ecossistemas naturais que fornecem serviços ecológicos essenciais para a
sustentabilidade das cidades (Hough, 1994).

4
Disponível em http://www.archives.gov/nhprc/annotation/september-98/images/emerald-
necklace.jpg acesso em 20 de julho de 2010

96
Em 1969 Ian McHarg lançou o livro seminal Design with Nature, que sistematizou
o levantamento do suporte natural (geobiofísico) e os usos e ocupações humanos
que ocorrem nesse suporte. Demonstrou como utilizava mapas temáticos (em
acetato para que fossem sobrepostos) de modo a identificar as áreas mais
suscetíveis ecologicamente e as mais adequadas à ocupação (McHarg 1969). Não
foi pioneiro em propor essa técnica, nem em planejar a paisagem baseado na
multidisciplinaridade, mas deu uma grande contribuição ao dar destaque à
ecologia. A partir de então a prática de levantar os aspectos naturais e culturais se
tornaram correntes no ensino e prática de planejamento e projeto da paisagem em
áreas urbanas e rurais (Spirn, 2002).
O desenvolvimento da ecologia da paisagem (Forman e Godron, 1986; Forman,
1995), que se desdobrou em ecologia urbana nos últimos anos levou ao
entendimento de que a interação entre as pessoas e a natureza pode levar a uma
mudança positiva no planejamento e adaptação das cidades (Alberti, 2008;
Marzluff, 2008; Elmqvist, 2010; Forman, 2010). As novas tecnologias para
levantamento e mapeamento da paisagem são ferramentas fundamentais para
desenvolver uma infraestrutura verde eficaz e eficiente (Almeida et al., 2007).
Em 2006, Benedict e McMahon lançaram o livro Green Infrastructure – Linking
landscapes and communities (Benedict e McMahon, 2006), que organizou o
conhecimento e deu evidência às potencialidades da infraestrutura verde em
diversas escalas.
SOBRE INFRAESTRUTURA VERDE
A infraestrutura verde consiste em redes multifuncionais de fragmentos
permeáveis e vegetados, preferencialmente arborizados (inclui ruas e
propriedades públicas e privadas), interconectados que reestruturam o mosaico da
paisagem. Visa manter ou restabelecer os processos naturais e culturais que
asseguram a qualidade de vida urbana (Benedict e McMahon, 2006; Ahern, 2007).
A infraestrutura verde, também chamada de infraestrutura ecológica (Yu e Padua,
2006; Ignatieva, 2010) é um conceito emergente baseado nos princípios da
ecologia da paisagem de: estrutura, função e mudança. A forma do mosaico da
paisagem depende não apenas de seus aspectos geobiofísicos, mas do uso e
ocupação ao longo do tempo (Forman, 1995; Benedict e McMahon, 2006; Ahern,
2007).
As árvores, essenciais na infraestrutura verde, têm funções ecológicas
insubstituíveis, como: contribuir significativamente para prevenir erosão e
assoreamento de corpos d’água; promover a infiltração das águas das chuvas,
reduzindo o impacto das gotas que compactam o solo; capturar gases de efeito
estufa; ser habitat para diversas espécies promovendo a biodiversidade, mitigar
efeitos de ilhas de calor, para citar algumas. A floresta urbana consiste no
somatório de todas as árvores que se encontram na cidade, em parques e praças,
ruas e fragmentos de matas (Hough, 1984 e 1994; Newman et al., 2009). O ideal é
conectar estes espaços para que integrem uma infraestrutura verde. Por exemplo,
parques arborizados podem ser articulados por conexões lineares como ruas
verdes. Conexão é fundamental para os fluxos de água, biodiversidade e pessoas

97
(Forman, 1995; Benedict e McMahon, 2006; Ahern, 2007). A infraestrutura verde
proporciona serviços ecossistêmicos ao mimetizar as funções naturais da
paisagem, visa conservar e restaurar áreas ecológicas relevantes. O conceito é
fazer a cidade funcionar como uma floresta e cada edifício como uma árvore
(Beatley, 2000; McDonough e Braumgart, 2002).
As atividades humanas acontecem na paisagem onde ocorrem os processos e
fluxos naturais abióticos (geológicos e hidrológicos) e bióticos (biológicos – fauna
e flora). A infraestrutura verde compreende e analisa esses processos através de
seis sistemas5, como segue:
• Naturais: geológico, hidrológico, biológico,
• Antrópicos/Culturais: social, circulatório e metabólico.
Os sistemas naturais se constituem na base onde os sistemas antrópicos/culturais
se desenvolvem. Ou seja, como as pessoas usam e interferem no espaço: como
acontece a interação social, de que forma ocorrem os fluxos de circulação (carros,
ônibus, pedestres, bicicletas, trens, VLT’s etc.), de energia (elétrica e combustíveis
diversos) e matéria (comida e outros insumos, esgoto e resíduos sólidos).
A infraestrutura verde consiste em intervenções de baixo impacto na paisagem e
alto desempenho, com espaços multifuncionais e flexíveis, que possam exercer
diferentes funções ao longo do tempo - adaptável às necessidades futuras. Pode
ser implantada em experiências locais que sejam safe-to-fail (seguras-para-falhar),
sendo monitoradas para possíveis correções ao longo do tempo (Ahern, 2009).
Visa também, buscar oportunidades de transportes alternativos não poluentes que
estimulam uma vida urbana ativa e saudável, e promover o uso de energias
renováveis sempre que possível. Esses espaços ganhos dos veículos são
devolvidos para os cidadãos para que ruas voltem a ser lugares vivos, de
encontros sociais e com comércio e serviços ativos (Jacobs, 1992). O
planejamento da infraestrutura verde integra os diversos meios de transporte, de
maneira a permitir que pedestres e bicicletas utilizem transporte de massa de
forma bem articulada e confortável. A inserção de paisagens urbanas produtivas –
agricultura urbana em diversas escalas e agroflorestas -, deve ser considerada no
planejamento da infraestrutura ecológica urbana, e incentivada em todos os locais
possíveis (Beatley, 2000; Herzog, 2010; Imberti, 2010).
Bem planejada, implementada e monitorada a infraestrutura verde pode se
constituir no suporte para a resiliência das cidades. Pode ser um meio de adaptar
e regenerar o tecido urbano de modo a torná-lo resiliente aos impactos causados
pelas mudanças climáticas e também preparar para uma economia de baixo
carbono. Ela aumenta a capacidade de resposta e recuperação a eventos
climáticos, propicia mudança das fontes de energias poluentes ou de alto custo
para fontes renováveis, promove a produção de alimentos perto da fonte

5
“Planning Urban Green Infrastructure Networks” – Curso à distância feito pela autora na
Universidade de Washington, com os professores Nate Cormier e Brice Maryman.

98
consumidora, além de melhorar a saúde de seus habitantes ao possibilitar
transportes ativos como caminhada e bicicleta (Herzog, 2010).
Para que o planejamento e projeto da infraestrutura verde sejam de fato eficientes
e eficazes, é preciso ter uma abordagem sistêmica, abrangente e transdisciplinar.
Depende de um levantamento detalhado dos aspectos abióticos, bióticos e
culturais. Inicialmente é preciso fazer um mapeamento dos condicionantes
geológicos, geomorfológicos, hídricos (de preferência ter a bacia hidrográfica
como unidade de macroplanejamento), climáticos, da cobertura vegetal, dos
sistemas de drenagem e esgotamento sanitário, e uso e ocupação do solo.
Também é importante conhecer a biodiversidade local. Levantar dados e mapas
históricos de uso e ocupação do solo, de hábitos e da cultura local. Conhecer o
mais profundamente o lugar. O processo deve ser dinâmico e flexível, além de
efetivamente participativo contando com representantes de todos os segmentos
da sociedade que serão afetados pelo projeto. É necessário identificar os anseios
e problemas trazidos pela comunidade, em busca de novas idéias fruto da
vivência e experiência do lugar. Esse engajamento dos usuários no
desenvolvimento do planejamento e projeto é essencial para que a infraestrutura
verde seja sustentável no longo prazo (Ribeiro, 2001; Boucinhas, 2007; Costa et
al., 2007). O diagnóstico irá indicar quais as oportunidades e as limitações da
área.
Idealmente, a infraestrutura verde deve ser planejada antes da ocupação, assim
áreas frágeis e de grande valor ambiental podem ser conservadas, como: áreas
alagadas, corredores ripários, encostas instáveis com risco de deslizamento e
fragmentos de ecossistemas nativos. A integração desses espaços na
infraestrutura verde irá garantir a manutenção dos serviços ecossistêmicos (ver
quadro de serviços ecossistêmicos), como água e ar limpos, estabilização de
encostas de forma natural, prevenção de enchentes e deslizamentos, conexão de
fluxos hídricos e bióticos, prevenção de assoreamento entre outros (Bolund, 1999;
Herzog, 2009; Elmqvist, 2010)
Tabela 1 Quadro de serviços ecossistêmicos (Ahern, 20086)

Processos de Biófito remediação de Oportunidade para


desenvolvimento
Abióticos de resíduos
Bióticos sólidos e recreação e
Cultural/Social atividades
solos tóxicos físicas
(geofísicos) (antropocêntrico)
Resíduos (Lixo): Provê metapopulação Benefícios específicos para
Manutenção
Processamento do(s)
e Habitat e
para a dinâmica da vida Suporte
a saúde e parte integrante de
pública
regime(s) hidrológicos
transformação – Reuso rotas/corredores
silvestre para atividades econômicas
de espécies generalistas e
superfície/subsuperfície
Acomodação do(s) especialistas
Manutenção de Proporciona um sentimento
regime(s) de distúrbios distúrbios e regime(s) de isolamento, paz e
de sucessão inspiração

6
Palestra do Dr. Jack Ahern: “Infraestrutura Verde para uma cidade Sustentável”, promovida pela
Inverde, no Rio de Janeiro, em 8 de dezembro de 2008.

99
Ciclagem de nutrientes Produção de Biomassa Contexto saudável para
– amortecimento - interações sociais
sequestro

Proteção / “Reservatório de Estímulo para expressão


Amortecimento de diversidade genética artística e abstrata
Enchentes

Alteração, Base para interações Possibilita Educação


amortecimento de de Flora e Fauna Ambiental
extremos climáticos

Na escala local tipologias multifuncionais de infra-estrutura verde têm sido desenvolvidas


de modo a manter ou restabelecer as dinâmicas naturais dos fluxos hídricos e bióticos,
bem como melhorar e estimular a circulação e o conforto das pessoas, e a redução do
consumo de energia. Alguns exemplos são os jardins-de-chuva, biovaletas, lagoas de
infiltração (bacias de detenção) e pluviais (bacias de retenção), tetos e muros verdes,
alagados construídos, bioengenharia em taludes e encostas, pisos drenantes, entre
outras. As tipologias podem ser combinadas e utilizadas em projetos de “escolas verdes”
7 8 9 10
, “ruas verdes” e “ruas completas” (ou de múltiplo uso) , de estacionamentos
drenantes, parques lineares (corredores verdes), renaturalização de corpos d’água, para
citar algumas possibilidades (Girling e Kellett, 2005; Kinkade-Levario, 2007; Dunnet e
Clayden, 2007; Ignatieva et al. 2008; Cormier e Pellegrino, 2008; Thompson e Sorvig,
2008, entre outros).

7
GSI . Green Schools Initiative . Disponível em http://www.greenschools.net/ acesso em
13.08.2009.
8
São ruas arborizadas, que integram o manejo de águas pluviais (com canteiros pluviais),
reduz o escoamento superficial durante o período das chuvas, diminui a poluição difusa
que é carreada de superfícies impermeabilizadas, possibilita dar visibilidade aos
processos hidrológicos e do funcionamento da infra-estrutura verde. A circulação viária é
mais restrita, com preferência para pedestres e ciclistas, não há trânsito de veículos
pesados. As travessias são bem demarcadas com piso diferenciado e traffic calming
(Girling e Kellett, 2005; Kinkade-Levario, 2007; Ignatieva et al. 2008).
9
San Francisco Planning Department – SFPD. Better Streets Plan de 2006 - acesso em 21_03_2009. Edição:
disponível em http://www.sfgov.org/site/uploadedfiles/planning/Citywide/Better_Streets/index.htm. acesso em
05 de março de 2010.
10
São vias que conciliam diversos usos além de veículos e pedestres. Possibilitam ciclovias
seguras e independentes do tráfego viário e das calçadas. Os cruzamentos para pedestres e
ciclistas devem ser prioritários, bem marcados com traffic calming (lombadas estendidas para
diminuir a velocidade dos veículos). As paradas de ônibus devem ter recuos seguros, com abrigos
e mobiliário urbano compatível. Podem acomodar bancos, áreas com mesas de bares e
restaurantes, bancas de jornal, telefones públicos. Devem ser compatibilizadas com os processos
naturais como drenagem das águas pluviais, biodiversidade, amenização das ilhas de calor e
sombreamento para os usuários. Para isso devem contar como arborização intensa, e diversas
tipologias, como: canteiros pluviais, biovaletas, interseções viárias entre outras (SFPD; CSC).

100
São inúmeros benefícios prestados pela incorporação dessas tipologias na infraestrutura
da cidade, como: promover a infiltração, detenção e retenção das águas das chuvas no
local, evitando o escoamento superficial; filtrar as águas de escoamento superficial nos
primeiros 10 minutos da chuva, provenientes de calçadas e vias pavimentadas
contaminadas por resíduos de óleo, borracha de pneu e partículas de poluição; criar
habitat e conectividade para a biodiversidade; amenizar as temperaturas internas em
edificações e mitigar as ilhas de calor; promover a circulação de pedestres e bicicletas
em ambientes sombreados, agradáveis e seguros; diminuir a velocidade dos veículos;
conter encostas e margens de cursos d’água para evitar deslizamentos e assoreamento.
As tipologias devem ser incluídas em planejamentos e projetos, devendo ser
incorporadas às áreas já urbanizadas, quando houver oportunidades como reformas,
renovações e adaptações das edificações e demais espaços impermeabilizados
11
existentes (retrofit) .
CASO INTERNACIONAL: FREIBURG
No sul da Alemanha, a cidade de Freiburg12 além de ser um modelo de cidade
compacta que utiliza energia limpa com prioridade para transportes não poluentes
é também exemplo de infraestrutura verde. O eixo principal de conexão de
ciclistas e pedestres cruza a cidade ao longo do rio por 9,5 Km, é um corredor
verde multifuncional (Fig.4). Possui plano de infraestrutura verde em duas escalas.
Na escala urbana tem uma rede de áreas de conservação e agrícolas que
entremeiam as áreas urbanizadas. Na escala local trabalha junto com os
proprietários para manter a integração com o plano na escala da paisagem. As
regras construtivas são bastante restritivas, não são apenas parâmetros máximos
e mínimos13.

11
Palestra do Dr. Jack Ahern: “Infraestrutura Verde para uma cidade Sustentável”, promovida pela
Inverde, no Rio de Janeiro, em 8 de dezembro de 2008.
12
Cidade visitada pela autora em junho de 2010.
13
Comunicação pessoal com Sabine Gunst e Sabine Gilcher, paisagistas e planejadoras urbanas
que moram e trabalham na cidade e na região, em junho de 2010.

101
Figura 4. Corredor verde multifuncional (parque linear) de 9,5 Km em Freiburg. (crédito: Cecilia
Herzog)
O planejamento urbano nas últimas duas décadas foi desenvolvido tomando como
referência os problemas causados por ocupações mal planejadas anteriormente -
“aprendeu planejando” (Newman et al., 2009). A articulação dos meios de transporte de
baixo impacto pode ser conferida no edifício verde (utiliza energia solar) onde os
ciclistas guardam as bicicletas (Fig. 5 e 6) para pegar o VLT, trens ou ônibus
situados na estação central multimodal que abriga hotel, comércio, serviços e
escritórios14.

Figura 5. Freiburg. Vista do edifício garagem de bicicletas do viaduto por onde passa o VLT, sobre
as linhas de trem. (crédito: Cecilia Herzog)

Figura 6. Freiburg. Interior do edifício garagem. (crédito: Cecilia Herzog)

14
Idem

102
O bairro de Rieselfeld15 foi criado onde antes era o destino de todo o esgoto da
cidade durante anos (Figuras 7 a 11). Um cinturão verde, que tem áreas de
preservação e rurais, foi projetado para garantir a qualidade de vida do local e
abrigar vida silvestre. A drenagem é toda naturalizada, com uma sucessão de
jardins, biovaletas, lagoas de retenção e detenção, vai das edificações até a lagoa
de detenção localizada na reserva ecológica. Uma pista de bicicletas e pedestres
passa pela periferia do bairro e permite circular até o centro da cidade e o interior
do cinturão onde está localizado um zoológico.

Figura 7. Parque urbano no centro de Rieselfeld, Freiburg. A construção com teto verde abriga
quadras poliesportivas em meio a diversos espaços para lazer, recreação e cultura. (crédito:
Cecilia Herzog)

Figura 8. Estacionamento e pavimentação drenantes, Rieselfeld, Freiburg, Alemanha. (crédito:


Cecilia Herzog)

Figura 9. Lagoa pluvial – integra o sistema de drenagem naturalizado do bairro de Rieselfeld,


Freiburg, Alemanha. (crédito: Cecilia Herzog)

15
Disponível em http://www.williemiller.co.uk/remarkable-rieselfeld.htm acesso em 24 de junho de
2010.

103
Figura 10. Lagoa Seca (ou de infiltração), Rieselfeld, Freiburg, Alemanha. Localizada no final do
sistema natural de drenagem do bairro dentro da reserva ecológica, recebe o excedente do
escoamento de águas das chuvas que não foram infiltrados durante o percurso. (crédito: Cecilia
Herzog)
Vauban, outro bairro de Freiburg é um projeto mais recente (Figuras 12 a 17). O
planejamento de sua paisagem visou também ser de baixo impacto e alto
desempenho. O bairro é compacto na ocupação com áreas de lazer e recreação
situadas entre os edifícios (Beatley, 2000; Newman et al., 2009). As superfícies
são permeáveis, com sistema de drenagem que mimetiza os processos naturais.
As ruas são projetadas para bicicletas e pedestres, com os estacionamentos para
carros situados em edifícios-garagem na periferia. A maioria de seus moradores
não possui automóvel16.

Figura 11. Vauban, Freiburg. Rua verde com biovaletas, prioridade para pedestres e ciclistas
(crédito: Cecilia Herzog)

Figura 12. Vauban, Freiburg. Drenagem dos telhados conduzida por piso poroso para infiltração
em chuvas normais. (crédito: Cecilia Herzog)

16
Comunicação pessoal com Sabine Gunst e Sabine Gilcher, paisagistas e planejadoras urbanas
que moram e trabalham na cidade e na região, em junho de 2010.

104
Figura 13. Vauban, Freiburg. Parque entre conjuntos de prédios de quatro andares. (crédito:
Cecilia Herzog)

Figura 14. Vauban, Freiburg. Pátio interno privativo moradores. (crédito: Cecilia Herzog)

Figura 15. Vauban, Freiburg. Biovaleta ao longo dos trilhos do VLT que corre sobre área vegetada.
(crédito: Cecilia Herzog)

Figura 16. Vauban, Freiburg. Biovaleta ao longo da rua é o jardim em frente dos edifícios. (crédito:
Cecilia Herzog)
Nos dois bairros, Rieselfeld e Vauban, o tram, ou bonde moderno (VLT) foi
projetado antes do início da construção das casas. Conecta os bairros com o resto
da cidade, e integra a infraestrutura verde, pois o pavimento é poroso e tem áreas
com relvado (Fig. 11). É um exemplo de multifuncionalidade aliada a um meio de
transporte de massa. A energia solar é visível em quase todos os lugares de
Freiburg, o que ocorre até mesmo em pequenas cidades no interior da Alemanha.

Figura 17. Rieselfeld - VTL sobre relvado. (crédito: Cecilia Herzog)


Outra área da cidade onde se introduziu o estado-da-arte em infraestrutura verde
multifuncional, com drenagem urbana naturalizada, foi o loteamento residencial a
oeste da estação de trens de Wiehre (Figuras 18 a 22). Esse novo
empreendimento é fruto de diversas edificações feitas por diferentes empresas,

105
com projetos arquitetônicos distintos, mas todos integrados à estrutura ecológica
local. O sistema de drenagem aproveitou a topografia, é visível desde as áreas
mais elevadas até o canteiro central em local mais baixo. Possui jardins de chuva,
tetos verdes, biovaletas e na área em declive, uma sequência de pequenos diques
detém as águas das chuvas (ver fotos). A área é lindeira a um parque que protege
a Floresta Negra. Com isso, também conecta as áreas verdes urbanas com as
áreas naturais do entorno da cidade.

Figura 18. Biovaleta conectada com biovaleta em níveis mais abaixo na rede de drenagem
naturalizada, Wiehre, Freiburg, Alemanha. (crédito: Cecilia Herzog)

Figura 19. Wiehre. Bacia de detenção com diques em degraus no final do sistema de drenagem
naturalizado, Freiburg, Alemanha. (crédito: Cecilia Herzog)

Figura 20. Wiehre - Canteiro pluvial. (crédito: Cecilia Herzog)

106
Figura 21. Wiehre - circulação para chegar às residências, com a drenagem naturalizada visível.
Carros não chegam às ruas internas. (crédito: Cecilia Herzog)

Figura 22. Wiehre - vista da rua com as residências e o estacionamento de bicicletas que possuem
tetos verdes, na maioria. (crédito: Cecilia Herzog)
Freiburg atrai visitantes de todo o mundo por ser uma das cidades pioneiras em
pesquisas e projetos urbanos sustentáveis, além de ter um centro histórico que foi
todo restaurado e deu visibilidade para as águas até em suas estreitas ruas
centrais de pedestres (Fig. 23). É um modelo de desenvolvimento voltado para a
economia verde, que atrai empresas de ponta em diversos setores e pessoas em
busca de melhor qualidade de vida.

Figura 23. Freiburg. Rua reurbanizada no centro antigo, visibilidade para o fluxo das águas.
(crédito: Cecilia Herzog)
CASO NACIONAL: RIO+VERDE

107
A organização Inverde17 desenvolveu uma proposta ideal de infraestrutura verde
para uma bacia hidrográfica urbana na cidade do Rio de Janeiro. Essa área
compreende uma miríade de situações representativas do que ocorre em outras
áreas da cidade. Foi escolhida também pela sua alta visibilidade por concentrar
inúmeras atrações turísticas e culturais.
SITUAÇÃO ATUAL
A bacia de drenagem é cercada pelas florestas protegidas pelo Parque Nacional
da Tijuca (Fig. 24). No alto do rio dos Macacos se localizam as instalações
desativadas de tratamento de águas da cidade. Existem áreas urbanizadas e
ocupadas irregularmente nas margens do rio, tanto formais quanto informais. O
Jardim Botânico encontra o Parque Nacional da Tijuca nessa zona, onde existem
questões fundiárias que estão em processo de litígio há anos. Nas encostas ao
norte, que estão em frente ao Jardim Botânico, residências de classes de poder
aquisitivo elevado estão localizadas nas partes mais altas. Edificações históricas
estão mais abaixo no vale, onde se situam residências de todos os padrões, com
comércio e serviços na rua principal – Pacheco Leão. Hoje esse trecho é chamado
de Soho carioca, por atrair artesãos e artistas. As áreas urbanizadas de toda a
bacia são muito impermeabilizadas, com os quintais e demais áreas livres
pavimentados (são frequentemente lavados com mangueira e produtos químicos,
o que piora a poluição difusa das águas da bacia).
O rio dos Macacos desce canalizado por dentro do Jardim Botânico. As zonas
baixas em torno do entroncamento das ruas Pacheco Leão e Jardim Botânico
sofrem inundações freqüentes a cada chuva mais intensa. É onde o canalizado rio
dos Macacos passa por baixo da via e sai em um canal impermeável que possui
uma comporta que controla seu fluxo para a lagoa Rodrigo de Freitas. Nesse
ponto há um entroncamento com o canal que atravessa o Jockey Club
(Hipódromo), com uma área central não utilizada. Esse canal se encontra poluído
por resíduos provenientes principalmente do próprio clube.
A Lagoa Rodrigo de Freitas e os canais se encontram assoreados e estão sendo
dragados, porém as causas da sedimentação não estão sendo resolvidas. As
margens da lagoa Rodrigo de Freitas possuem partes em concreto, e em outras
os taludes estão em processo erosivo. O parque Tom Jobim está com seus jardins
degradados, com árvores de espécies exóticas e invasoras. O grande movimento
dos freqüentadores fica mais restrito à orla da Lagoa onde se situam os quiosques
de alimentação, com espaços internos subutilizados. Existe uma área pública que
foi privatizada e hoje abriga uma academia de ginástica de elite no entorno da
Lagoa. Essa área possui extensas superfícies impermeabilizadas.
A circulação de veículos é privilegiada em detrimento dos pedestres e bicicletas.
Os cruzamentos são perigosos com sinais localizados fora dos locais onde a
circulação de baixo impacto ocorre de fato. As faixas compartilhadas de bicicletas
e pedestres são estreitas, com riscos de acidentes. As pistas e calçadas não

17
Organização sem fins lucrativos, composta por um grupo voluntário multidisciplinar. É ligada à
Associação dos Amigos do Parque Nacional da Tijuca.

108
possuem sombreamento adequado ao clima tropical, o que prejudica um maior
fluxo desses meios de transporte.

Figura 24. Inserção da bacia do rio dos Macacos na Lagoa Rodrigo de Freitas. (crédito: Inverde)

PROPOSTA RIO+VERDE
A proposição contempla uma infraestrutura verde multifuncional (Fig. 25) onde
existem remanescentes de três ecossistemas locais: Floresta Pluvial, Restinga e
Mangue (foi introduzido na Lagoa para melhorar as condições das águas e
aumentar a biodiversidade nativa).

Figura 25. Percurso Rio+Verde (crédito: Inverde)


O Rio+Verde tem alguns objetivos principais, são eles: aumentar a permeabilidade
do solo; deter e reter as águas da chuva no local; melhorar ou restabelecer a
conectividade abiótica (águas), biótica (biodiversidade) e das pessoas (pedestres
e bicicletas); reduzir o assoreamento dos corpos d’água; moderar as enchentes;
incrementar a biodiversidade nativa; amenizar as ilhas de calor; dar visibilidade
aos processos naturais; possibilitar a circulação de baixo impacto da comunidade
local e melhorar acessibilidade aos pontos turísticos e culturais. A área foi
setorizada para possibilitar proposições específicas para cada local, como segue:
• Nascente e encosta florestada: melhoria e manutenção de trilhas,
instalação de lagoas pluviais e secas, recuperação de antigas instalações
de tratamento de água abandonadas como ponto de atração de percurso
ecológico-cultural.

109
• Encosta urbanizada ao longo do rio dos Macacos: Relocação da
ocupação informal nas margens (Áreas de Preservação Permanente –
APP) do Rio dos Macacos e recuperação da mata ciliar. Assentamento
formal em pequenos prédios com princípios bioclimáticos, saneamento
biológico, compostagem, lagoas pluviais e secas, campos esportivos
drenantes. Para conter a expansão urbana na zona tampão do Parque:
hortas, agrofloresta, trilhas marginais nas zonas tampão do parque.
• Baixada e encosta urbanizada no lado norte: desimpermeabilização de
áreas pavimentadas e construídas com pisos drenantes, tetos e muros
verdes, jardins-de-chuva, biovaletas, entre outras tipologias. Melhorias nas
calçadas de pedestres e pistas exclusivas para bicicletas ao longo da rua
principal.
• Foz e várzea: renaturalização dos canais (Fig. 26) com utilização de
técnicas de bioengenharia, criação de um pequeno parque linear exclusivo
para pedestres e ciclistas para melhorar a conectividade, sinalização das
travessias, biovaletas e alagado construído dentro do hipódromo.

Figura 26. Renaturalização do canal dos Macacos. Antes e Depois. (crédito: Inverde)
• Orla lagunar: estacionamentos com pavimentação permeável, canteiros
pluviais, biovaletas, renaturalização da margem da Lagoa, arquibancada
drenante, passarela para observação da paisagem e do mangue (Fig. 27).
Na área ocupada pela academia de ginástica implantar o Museu da
Paisagem Natural e Cultural do Rio de Janeiro, focado em exposições,
pesquisa e educação sobre a história e os processos naturais e culturais da
ocupação urbana da paisagem da cidade.

110
Figura 27. Passarela sobre área alagável e dando a volta por fora do mangue com vista para a
Lagoa. (crédito: Inverde)
• Canal lagoa-mar: melhoria dos acessos ao parque e às ciclovias, dos
cruzamentos com as vias de grande fluxo de veículos, renaturalização das
margens, pavimentação permeável e jardins de chuva.
A proposta traz inúmeros benefícios para as pessoas, a biodiversidade e a
qualidade das águas, como: melhoria do transporte alternativo de baixo impacto
(bicicletas e pedestres); infiltração e detenção das águas das chuvas ao longo da
bacia; filtragem das águas antes de entrar no sistema de águas pluviais;
incremento da biodiversidade nativa; educar e dar visibilidade aos processos
naturais e ecossistemas nativos; a implantação de um projeto contemporâneo que
renova e valoriza as margens da Lagoa, com a atração de mais visitantes e maior
geração renda para a cidade, entre outros.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Cidades de diversos países estão em busca de melhores condições de vida para


seus habitantes e de formas de desenvolvimento que consideram a integração de
áreas naturais e biodiversidade nos densos meios urbanos. A infraestrutura verde
tem sido um dos temas que fazem parte dos planos “verdes” de longo prazo de
inúmeras cidades. Elas procuram estimular a sua economia dentro do paradigma
da sustentabilidade, e mitigar os seus impactos através da introdução de áreas
verdes multifuncionais. Boston, nos Estados Unidos, que além da infraestrutura
verde planeja reduzir o consumo de energia, gerar energia de fontes renováveis,
promover transportes “limpos” (não poluentes) e fazer zoneamentos com áreas de
usos múltiplos e edifícios “verdes”.18
Atualmente o tema das mudanças climáticas tem tido maior visibilidade devido ao
aumento na freqüência e força das tempestades, dos ventos, das ressacas
marítimas, e de períodos de secas prolongadas. Esses eventos quando ocorrem
em áreas urbanizadas tomam proporções com alto potencial destrutivo, devido à
forma como a ocupação interferiu nos processos e fluxos naturais. As enchentes e

18
Conferência de Kairos Shen e James Hunt: The Greening Boston, no seminário internacional
Ecological Urbanism – Alternative and Sustainable Cities of the Future, em Harvard, 2 de abril de
2009.

111
deslizamentos são devastadores, com prejuízos econômico-financeiros, sociais e
ambientais, muitas vezes irrecuperáveis (Brandão, 2004; Coelho Netto, 2005;
Coelho Netto, 2007).

A infraestrutura verde pode contribuir para a adaptação de áreas urbanas para


enfrentar ocorrências climáticas ao converter áreas monofuncionais que causam
impactos ecológicos em elementos que mimetizam os processos naturais. Além
disso, a infraestrutura verde traz benefícios reais para as pessoas, ao transformar
a paisagem urbana em áreas vivas, que aliam natureza, arte e cultura local.
Privilegia os transportes “limpos”, pedestres e bicicletas, o que colabora para a
transição para uma economia de baixo carbono.

O desenvolvimento de infraestrutura verde em diversas escalas possibilita que o


desenvolvimento se dê em bases sustentáveis, uma vez que é fundamentada em
ciência robusta e no conhecimento do suporte natural (geológico, hidrológico e
biológico) e cultural (social, circulatório e metabólico). Oferece serviços
ecossistêmicos e mantém ou restabelece conexões fundamentais como os fluxos
dos rios, da biodiversidade entre as áreas vegetadas, e das pessoas através de
uma rede de transportes alternativos de baixo impacto (Ahern, 2007).

112
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115
ARTIGO nº 6

PAISAGEM RECRIADA: PROJETO DE DESCARACTERIZAÇÃO DAS


BARRAGENS DA MINA DA CACHOEIRA
Recriated Landscape. Landscape Design of Mina da Cachoeira Dams
Patrícia Akinaga, Makoto Namba, Ilton Cunha, German Vinueza, Gustavo Lopes
Fontes e Arsênio Neguo Júnior

116
PAISAGEM RECRIADA
PROJETO DE DESCARACTERIZAÇÃO DAS
BARRAGENS DA MINA DA CACHOEIRA
Autores:
AKINAGA, Patrícia. Arquiteta paisagista, Patricia Akinaga Arquitetura e Desenho Urbano
S/S Ltda, São Paulo-SP, Brasil Email: patricia@patriciaakinaga.com.br
NAMBA, Makoto. Engenheiro geotécnico, Bureau de Projetos e Consultoria, São Paulo-
SP, Brasil. Email: makoto@bureauprojetos.com.br
CUNHA, Ilton. Engenheiro de meio ambiente, Vale Manganês, Conselheiro Lafaiete-MG,
Brasil Email: Ilton.cunha@rdmbr.com
VINUEZA, German. Geólogo, Vale, Belo Horizonte-MG, Brasil
Email: gerrman.vinueza@vale.com
FONTES, Gustavo Lopes. Gerente do Morro da Mina, Vale Manganês, Conselheiro
Lafaiete-MG, Brasil
NEGRO JR, Arsênio. Diretor, Bureau de Projetos e Consultoria, São Paulo-SP, Brasil
Email: bureau@bureauprojetos.com.br

Abstract
This article discusses the decommissioning design of three tailing dams of a deactivated manganese mine located in Southern Minas Gerais State, Brazil.
The landscape design recreated a natural setting characterized by constructed wetlands and vegetation, a successful alternate to the initial solution of
concrete spillways. The intervention was required by the local environmental agency for overflow safety and erosion control.
The design was guided by geotechnical, geological, hydrological and biological principles.

RESUMO
O objeto do artigo é a infraestrutura verde, solução adotada para a descaracterização de
três barragens de rejeito inerte da Mina de Manganês Cachoeira pertencente à Vale. A
mina localiza-se no município de Ritápolis, cerca de 30 km de São João Del Rei.

O artigo examina o projeto paisagístico desenvolvido como parte do processo de


desativação da mina, segundo diretrizes do órgão ambiental, em relação à segurança das
barragens e a recuperação da paisagem. O objetivo do projeto não foi reproduzir a
natureza que ali existiu e sim recriá-la a partir da reconciliação entre a paisagem natural e
a paisagem construída dominante. Apresenta a concepção e a implementação dos
alagados construídos, wetlands, e do projeto de plantio implantado. Analisa a vazão da
água, o ciclo dos nutrientes, a vegetação macrófita e a insolação como elementos
determinantes para o equilíbrio e para a biodiversidade. Discorre sobre a configuração
atual da paisagem da área dos reservatórios , resultado da atividade de mineração:
barragens de rejeito, taludes e a vegetação existente.

Como método, foi realizado levantamento de campo com a análise da fauna, flora e
topografia local. Além das plantas, cortes e as elevações, foram elaboradas perspectivas
e maquetes do terreno a partir das barragens existentes, lagoas e taludes suaves
propostos.
A existência de nascentes à montante das barragens possibilitou o projeto. As barragens
foram “desmontadas” paisagisticamente e foram substituídas por áreas alagadas,
wetlands, que deram outra dinâmica ao sítio e restabeleceram conexões com a mata

117
circundante. O projeto de infraestrutura verde trabalhou com a “engenharia” do terreno. As
nascentes foram tomadas como elementos alimentadores do sistema além do
aproveitamento das águas pluviais captadas pelas linhas de drenagem natural das áreas
adjacentes.

As intervenções propostas na paisagem foram concebidas segundo princípios que


levaram em conta: as compatibilidades ecológicas das espécies, a integração com a
paisagem, a especificação de vegetação de menor manutenção e conforme diretrizes do
biólogo da equipe quanto á sua adaptabilidade ao local ou já presentes na área de
intervenção e devidamente identificadas durante o trabalho de campo.

Em conclusão, o artigo apresenta os resultados da descaracterização das barragens e a


substituição por taludes galgáveis suaves. O escalonamento existente deu lugar às lagoas
e áreas inundáveis constituídas por vegetação pertencente ao novo ambiente. Os
diversos portes e características distintas das espécies foram elementos que
enriqueceram a paisagem e sua dinâmica ecológica.

Palavras-chave: alagados construídos, desativação de mina, recuperação ambiental,


paisagem recriada, infraestrutura verde.

1.INTRODUÇÃO

O objeto deste artigo são três barragens de rejeito resultantes da atividade de


mineração de manganês na Mina da Cachoeira. A propriedade pertence a Rio
Doce Manganês, do Grupo Vale e localiza-se no município de Ritápolis, cerca de
30 km de São João Del Rei, sul de Minas Gerais.

O projeto paisagístico foi realizado em conjunto com a empresa Bureau de


Projetos que foi inicialmente contratada para atender o Termo de Ajuste de
Conduta (TAC) resultante de uma insurgência em uma das barragens e ao mesmo
tempo fazer parte do processo de descomissionamento da Mina junto ao órgão
ambiental.

Estudos iniciais mostraram que não havia nenhum problema de segurança,


entretanto, medidas deveriam ser tomadas para a garantia total dentro de um
período de retorno maior.

O objetivo principal, ao substituir a solução tradicional de vertedouros de concreto,


foi de criar um sistema seguro a longo prazo, equilibrado, com baixa manutenção
e acima de tudo em consonância com princípios ambientais de recuperação da
paisagem.

O projeto da criação de alagados construídos tirou partido de nascentes existentes


à montante das barragens e das linhas de drenagem natural do terreno que
garantiram o fluxo de água necessário para o sistema. Alagados são áreas de solo
úmido ou brejoso sujeitas à inundação permanente ou sazonal. O sistema é auto-
suficiente e estável e sua implantação foi possível devido ao fluxo das águas,

118
circulação de nutrientes e fotossíntese. Os elementos constituintes da paisagem
são: água, solo e vegetação.
A área de intervenção possui cerca de 120.000 metros quadrados.

2. SOBRE AS BARRAGENS

As barragens B-1, B-2 e B-3 consistem em taludes que variam em média de 5


metros de altura, de declividade 1:1.5, comprimento de 110 metros e largura de 4
metros. Em seu interior encontramos uma camada de 6 metros de rejeito de
mineração.

No geral, a composição do solo dos reservatórios formados pelas barragens é


formada por areia, sílica e argila. O rejeito é argiloso e com areia média de
consistência que varia de macia para rígida. Os reservatórios são totalmente
preenchidos por rejeito.

Figura1. Implantação das barragens e indicação do fluxo da água proposto pelo


projeto com formação de lagoas e transposição suave dos taludes. (Patrícia Akinaga
Arquitetura e Desenho Urbano & Bureau de Projetos)

119
3. SOBRE O PROJETO PAISAGÍSTICO

O projeto paisagístico teve como objetivo auxiliar na descaracterização das


barragens e reservatórios. Tais elementos foram substituídos pelo sistema de
alagados construídos cuja paisagem consiste em taludes suaves, lagoas e plantio
de vegetação macrófita.

O projeto foi guiado por princípios geotécnicos, geológicos,hidrológicos e


biológicos que foram elaborados por especialistas de cada área.

O processo de construção das idéias foi muito enriquecedor e todos os cálculos


cuidadosamente realizados para que houvesse garantia da segurança do sistema
após implantação.

O plantio contou com a colaboração de um engenheiro agrônomo que, juntamente


com o biólogo e a arquiteta paisagista, definiu espécies adequadas para as
diferentes condições de solo em: áreas sujeitas à inundação, áreas
permanentemente inundadas, lagoas, taludes com enrocamento, taludes em solo,
margens e áreas de reflorestamento. Ver figura 2.

As características da vegetação como diversidade dos portes, texturas e cores


enriqueceram a composição paisagística.

As intervenções e a composição resultante levaram em conta as compatibilidades


ecológicas das espécies a serem plantadas. O uso de espécies já existentes no
local aliado à seleção de espécies segundo diretrizes do biólogo Marcelo Pompeo
quanto á sua adaptabilidade ao local foram fundamentais.

As espécies macrófitas já presentes na área de intervenção, devidamente


identificadas durante o trabalho de campo realizado pelos biólogos, estão
organizadas na tabela abaixo:

Lista de espécies identificadas nas barragens 1, 2 e 3:

Família Espécie Nome Popular


Asteraceae
Achyrocline satureioides (Lam.) DC. Marcela
Baccharis trimera (Lees.) DC Carqueja
Gymnocoronis sp. DC.
Anacardiaceae
Lithraea sp. Endl. * Aroeira branca
Myracrodruon sp. Allemão * Aroeira preta
Cecropiaceae

120
Cecropia sp. Loefl. * Embaúba
Cyperaceae
Cyperus haspan L. Tiririca, Junquinho
Eleocharis minima (L.) Roem. & Schult.
Rhynchospora holoschoenoides (Rich.) Herter
Droseraceae
Drosera communis A. St.-Hil.
Fabaceae
Faboideae Leguminosa
Cajanus cajan (L.) Millsp. Feijão Gandú
Lamiaceae
Rosmarinus officinalis L. Alecrim
Lentibulariaceae
Utricularia gibba L. Mururé
Lythraceae
Cuphea calophylla Cham. & Schltdl.
Mayacaceae
Mayaca fluviatilis Aubl.
Melastomataceae
Rhynchanthera limosa DC. Quaresmeira
Tibouchina sp. * Quaresmeira
Onagraceae
Ludwigia octovalvis.
Ludwigia peruviana (L.) H. Hara
Poaceae
Andropogon bicornis L. Capim-rabo-de-burro
Andropogon leucostachyus Kunth Capim-vassoura
Eragrostis sp. Capim-mimoso
Imperata brasiliensis Trin Sapé
Melinis minutiflora P. Beauv. Capim-gordura
Paspalum virgatum L. Capim-de-mula
Pennisetum purpureum Schumach. Capim-napier
Saccharum sp.2
Pterydophyta
Lycopodium sp. **
Xyridaceae
Xyris blepharophylla Mart.

121
Xyris laxifolia Mart.
(*) Plantas que foram coletadas vegetativamente, por isso não foi possível identificar até espécie.

Foram feitas composições de plantas macrófitas na área antes ocupada pelas


barragens e outras espécies nativas nas margens adjacentes como forma de
promover a integração do projeto com o ecossistema circundante.

Para a cobertura vegetal das margens adjacentes às áreas alagadas foram


utilizadas espécies da mata nativa. A grande mancha de vegetação remanescente
e as espécies isoladas têm papel importante na integração da área de projeto.

Tais cuidados foram considerados importantes pela equipe a fim de atender às


necessidades de recuperação, de reabilitação e porque não dizer, dar qualidade
visual às áreas diretamente impactadas.

Além do enriquecimento da biodiversidade e de sua qualidade estética, a


vegetação tem a função de diminuir a velocidade do fluxo das águas prevenindo
erosões.

Figura 2. Diagrama ilustrativo do zoneamento de plantio de acordo com as


características de solo e fluxo das águas. (Patrícia Akinaga Arquitetura e Desenho Urbano
& Bureau de Projetos)

122
• Lagoas, Áreas Permanentemente Inundadas
As lagoas projetadas no lugar dos reservatórios existentes são também elementos
paisagísticos importantes. Além de servir de meio para o desenvolvimento das
plantas macrófitas aquáticas propostas, elas “amortecem” e “desaceleram” o fluxo
das águas em épocas de cheia. Com o passar do tempo, após a implantação do
projeto, o equilíbrio é atingido e uma nova paisagem, revelada.

As lagoas foram criadas próximas aos taludes conforme recomendação do projeto


hidráulico. De modo a garantir sua perenidade, a cota de fundo das lagoas está
abaixo do lençol freático conforme mostra o corte 1, figura 6. Foram especificadas
para esta área, plantas macrófitas aquáticas:
• Utricularia gibba
• Mayaca fluviatilis
• Eleocharis geniculata
• Nymphaea caerulea
• Nymphoides indica

Figura 6. Corte Transversal da Barragem 1, Lagoa e plantio do talude em solo. (Patrícia


Akinaga Arquitetura e Desenho Urbano & Bureau de Projetos)

123
• Áreas Sujeitas a Inundações

Estas áreas sofrem alteração do nível d’água conforme regime de chuvas


podendo até secar. As espécies macrófitas adaptáveis a esta condição e
selecionadas foram:
• Xyris blepharophylla
• Xyris laxifolia
• Drosera sp.
• Bacopa sp.
• Hedychium coronarium (Lírio-do-Brejo)
• Spermococe suaveolens
• Cuphea calophylla
• Rhynchanthera limosa
• Ludwigia peruviana
• Tibouchina minor

• Talude em Solo ou Enrocamento

O plantio sobre talude em solo seguiu orientações do engenheiro hidráulico.


Foram escolhidas espécies de pequeno porte e herbáceas e seu plantio uniforme
não cria obstáculos ao fluxo das águas. O importante para o sistema é a
transposição do talude pela água sem a formação de canais que pudessem iniciar
o processo erosivo. A escolha mostrou-se correta e a fixação das raízes garantiu a
estabilidade.

Foi plantada uma única espécie por talude, com bom enraizamento. No caso do
plantio no talude com enrocamento, foram criados “bolsões”de plantio, localizados
no vão entre as pedras para o plantio de macrófitas conforme corte 2, figura 7.

As espécies recomendadas pelo biólogo foram:


• Rhynchospora nervosa
• Bulbostylis capillaris
• Cyperus meyenianus
• Cyperus sesquiflorus

124
Figura 7.Corte Transversal da Barragem 2, plantio no talude com enrocamento.
(Patrícia Akinaga Arquitetura e Desenho Urbano & Bureau de Projetos)

• Margens

Nas áreas do entorno imediato das barragens foram plantadas espécies nativas
para recuperação e reflorestamento. As espécies escolhidas foram:

• Cleome hassleriana
• Ludwigia leptocarpa
• Ipomoea carnea
• Aeschynomene sensitiva
• Payonia cancellata
• Cyperus papyrus
• Rhynchospora corymbosa
• Pluchea sagittalis
• Pycreus decumbens
• Senesio pinnatus

A matriz final de plantio tanto das barragens como das margens dos reservatórios
foi gerada em consonância com os pareceres dos biólogos, do engenheiro
agrônomo e da arquiteta paisagista (Figura 8). Nela, encontram-se espécies da
Mata Atlântica e as macrófitas existentes e selecionadas para o plantio das lagoas
e de seu entorno. O resultado foi a descaracterização completa da geometria dos

125
reservatórios e o surgimento de uma paisagem integrada ao local e equilibrada.
(Figuras 9, 10,11).

126
Figura 8. Matriz final de plantio do projeto. (Patrícia Akinaga Arquitetura e Desenho
Urbano & Bureau de Projetos)

Figura 9. Vista da Barragem B-2 para o talude em solo da Barragem B-1.


No plano de fundo, área de reflorestamento com espécies nativas. (Patrícia Akinaga
Arquitetura e Desenho Urbano & Bureau de Projetos)

127
Figura 10. Vista da lagoa da Barragem B-3 para o talude em enrocamento da B-2
com bolsões de plantio preenchidos com vegetação. (Patrícia Akinaga Arquitetura e
Desenho Urbano & Bureau de Projetos)

Figura 11. Vista da Barragem B-1 – Margens tratadas com áreas de


reflorestamento e lagoa de amortecimento. O talude galgável recebeu plantio
uniforme de plantas macrófitas. (Patrícia Akinaga Arquitetura e Desenho Urbano & Bureau
de Projetos)

4. SOBRE OS ELEMENTOS CONTRUÍDOS

Muito se discutiu com relação ao uso futuro da área. Concluiu-se que por ser uma
experiência inédita, a Mina da Cachoeira transformou-se em projeto piloto para a
RDM e outras minas da Vale, sendo base de aprendizado científico durante o
processo de implantação e monitoramento e fechada ao acesso público

Para que o monitoramento dos alagados fosse realizado de forma eficiente, foram
projetados caminhos palafitados, executados com estrutura em eucalipto
autoclavado devidamente certificado e resultante do corte progressivo das áreas
das margens reflorestadas com espécies nativas da Mata Atlântica.

Além dos caminhos palafitados nas áreas inundadas e inundáveis, foram criados
caminhos de pedrisco para vigilância e monitoramento das wetlands, executados

128
conforme detalhado em projeto com camada de 10 cm de pedrisco fino sobre solo
compactado.

O objetivo foi de estabelecer percursos de baixo impacto e de fácil manutenção.

Figura 12. Caminho palafitado dentro dos alagados. (Patrícia Akinaga Arquitetura e
Desenho Urbano & Bureau de Projetos)

4. ESTUDOS HIDRÁULICOS E GEOTÉCNICOS DE TRANSPOSIÇÃO DOS


TALUDES (TRANSBORDAMENTO DAS BARRAGENS)

4.1 Condições hidrológicas

Para o projeto de transbordamento das barragens foi considerada uma média e


não o pico de fluxo de um período de retorno de 1.000 anos. A escolha foi em
função da relação entre inclinação de taludes e erosão que depende menos do
pico e curto prazo e mais da condição média em longo prazo.

4.2 Análise do fluxo sobre a crista e a infraestrutura verde

129
As novas estruturas projetadas são construídas a partir da modelagem do terreno
sem o auxílio de estruturas de concreto e funcionam como barragens de
transbordamento. O comprimento do “vertedouro” corresponde à largura da crista
dos reservatórios originais.
Para a análise da vazão sobre os taludes, foi necessário estudar o comportamento
do fluxo na crista e a situação da borda das lagoas.
A tabela 1 mostra os resultados dos cálculos hidráulicos para o fluxo na crista sob
as condições hidrológicas adotadas.
A lâmina d’água sobre a crista das barragens variou de 12 a 8 cm.

Tabela 1 Análise da vazão sobre a crista:

Projeto Comp Vazão Velocidade


Vazão – da específica média(m/s)
Lâmina
cheia de crista (m3/s/m)
Barragem d’água
1.000- (m)
(cm)
anos
(m3/s)
B-1 3,4 98 0.035 8 0.4
B-2 4 130 0.031 7 0.4
B-3 4,9 80 0.061 12 0.5

4.3 Análise das condições de erosão e estabilidade

4.3.1 Suavização dos taludes com solo compactado (Barragens B-1 e B-3)
Foi definida com inclinação de 1 (V): 10 (H) devido à pequena diferença em
elevação e ao menor custo sem uso de brita ou material rochoso.

De acordo com as características dos taludes à jusante, o coeficiente de atrito de


Manning foi de 0.030. Entretanto, a presença de vegetação aumenta o atrito de
forma significativa (Järvelä, 2002) para 0.050, 0.065 e 0.085

Os três coeficientes de Manning abaixo representam as seguintes condições dos


taludes:
µ = 0.030: sem vegetação;
µ = 0.050: fase intermediária (vegetação em desenvolvimento);
µ = 0.065 to 0.085: vegetação plenamente desenvolvida; varia de acordo com a
espécie devido espaçamento, densidade das folhas e lâmina d’água sobre as
plantas.
A simulação do fluxo foi realizada através do programa HEC-RAS desenvolvido
pelo U.S. Bureau of Reclamation, e considerou quatro situações de atrito para
cada barragem.

130
A análise das velocidades resultantes do fluxo nos taludes concluiu que a erosão
pode ser evitada com a colocação de camadas de argila para a média de vazão
calculada pela hidrografia projetada associada com a cheia de 1000 anos.

Para o talude da B-3, era numa necessária uma maior suavização, porém, devido
à falta de espaço, a inclinação existente foi mantida com as ações de semeadura
e plantio iniciados imediatamente após a sua construção.

4.3.2 Suavização do talude com o uso de enrocamento (Barragem B-2)


A diferença em elevação entre o rejeito da B-3 e B-2 é de 8,2 metros. A
suavização do talude com solo consumiria boa parte da superfície da B-3, cerca
de 50% por isso a solução do enrocamento como adotada.
A inclinação de 1 (V): 4 (H) foi adotada baseada em experiências em outras
barragens na mesma condição.

O fluxo da água entre as rochas foi cuidadosamente estudado, excluindo o risco


de deslocamento das mesmas.

Figura 13A e 13B. Vista geral da paisagem recriada onde antes se encontravam
os reservatórios escalonados. (Patrícia Akinaga Arquitetura e Desenho Urbano & Bureau de
Projetos)

131
B-3

B-2

B-1

Figura 13B. (Patrícia Akinaga Arquitetura e Desenho Urbano & Bureau de Projetos)

5. CONCLUSÃO

A construção dos alagados construídos terminou em meados de 2009. O plantio


está em pleno desenvolvimento e a fase crítica de “pegamento” foi superada com
sucesso. O projeto terá seus dados concluídos após, pelo menos, 05 anos de
monitoramento. Durante este período, também será observado o processo de
sucessão ecológica, pois espontaneamente algumas espécies, melhor adaptadas
passarão a predominar na paisagem.

A manutenção principal está na atividade de manejo das espécies nos alagados e


em suas margens. O crescimento uniforme nos taludes é fundamental para
prevenção de erosão.

Nas áreas de reflorestamento, o corte progressivo do eucaliptal existente resultará


na predominância de espécies nativas da Mata Atlântica.

A interação constante da equipe multidisciplinar liderada pela Bureau de Projetos


com os técnicos da Vale foi sem dúvida decisiva para a implantação do projeto.
Tanto no levantamento de campo como nas análises subseqüentes e soluções
adotadas.

A busca por soluções alternativas e mais comprometidas com a questão ambiental


por parte da empresa mineradora possibilitou a abertura necessária para o
surgimento de novas formas de se pensar estruturas tradicionais como
vertedouros e barragens. Os órgãos ambientais locais, após apresentação do
projeto, abriram debates sobre o conceito apresentado que não só seguiu a

132
legislação como também propôs uma solução mais integrada à própria natureza
dando a palavra recuperação um novo sentido.

O objetivo não foi de reconstruir a paisagem que ali um dia existiu, pois após anos
de atividade minerária, a dinâmica ecológica se transformou devido à ação
antrópica, a alteração da topografia, da fauna e da flora.

A paisagem resultante do projeto apresenta as condições necessárias para a


recuperação da biodiversidade local e serve de inspiração para projetistas e
cientistas ampliarem suas pesquisas dentro do campo da infraestrutura verde.

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CARVALHO, J.C., Sales, M.M., Souza, N.M., Silva Melo, M.T. .Processos de
erosão no Centro-Oeste do Brasil . Brasília: Ed. Finatec,2006.
JÄRVELÄ, J. Flow resistance of flexible and stiff vegetation: a flume study with
natural plants. Journal of Hydrology, 269, pp. 44-54, 2002.
NAMBA, Makoto, Wetlands: a solution to the decommissioning of mining tailings
Dams. Artigo aceito para apresentação oral no Congresso Mine Closure, 2010,
Vina Del Mar, Chile.
OLIVIER, H. (1967) Through and Overflow Rockfill Dams – New Design
Techniques. Proceedings of the Institute of Civil Engineers, (36) March, pp. 473-
471.
SALATTI, E. O uso de sistema de alagados construídos para o tratamento de
água. Biológico, 65 (1/2, jan/dec), pp. 113-116, 2003.

7.AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem o apoio fundamental para elaboração do projeto dos
professores Luis A. V. de Garcia de Hidrologia e Marcelo L. M. Pompeo da
Biologia da Universidade de São Paulo.

133
ARTIGO nº 7

INFRAESTRUTURA VERDE EM SÃO PAULO - O CASO DO CORREDOR VERDE


IBIRAPUERA-VILLA LOBOS
Geen Infrastructure in São Paulo – The Case of the Ibirapuera-Villa Lobos
Green Corridor
Maria de Assunção Ribeiro Franco

134
Infraestrutura Verde em São Paulo: o caso do Corredor Verde
Ibirapuera-Villa Lobos
Green Infrastructure in São Paulo - the case of the Ibirapuera-Villa
Lobos Green Corridor

Maria de Assunção Ribeiro Franco


Professora Titular do Departamento de Projeto da Faculdade de Arquitetura da
Universidade de São Paulo.
Coordenadora do Laboratório LABVERDE e Editora da REVISTA LABVERDE.
mariafranco@usp.br

Resumo

Este trabalho desenvolve o conceito de infraestrutura verde aplicada ao sistema


de espaços verdes da Cidade de São Paulo e mais especificamente tendo por
área de estudo a várzea do Rio Pinheiros. Neste caso consideram-se como áreas
núcleo da infraestrutura verde os parques Ibirapuera e Villa Lobos unidos num
grande corredor verde estruturado por ciclovias e caminhos de pedestres em
calçadas ecológicas, percorrendo vários distritos entre Moema e Vila Leopoldina
(na margem direita) e Morumbi e Butantã (na margem esquerda), entrelaçados em
bairros-jardins e pontilhados de praças, áreas institucionais, clubes e zonas de
intensa atividade sócio-cultural.

Palavras-chave: Infraestrutura verde, corredor verde, planejamento ambiental,


desenho ambiental, desenvolvimento sustentável, resiliência urbana, baixo
carbono, mudanças climáticas, parques, áreas verdes, transporte não poluente,
modo-de-andar-a-pé, ciclovias, qualidade ambiental.

Abstract

The present work develops the concept of Green Infrastructure applied to the
system of green spaces in São Paulo city, focusing, more specifically, the area of
the Pinheiros River valley. Particularly considers the Ibirapuera and Villa Lobos
parks as the main core areas of the green infrastructure, which are joined by a
great Green Corridor, structured by bike lanes and ecological pavements
pedestrian paths, covering several areas of Moema and Vila Leopoldina districts
(at right shoulder) as well as Morumbi and Butantã (at left shoulder), alternated

135
with garden districts and dotted with parks, institutional areas, clubs and zones of
intense socio-cultural activities.

Keywords: green infrastructure, green corridor, environmental planning


,environmental design, sustainable development, urban resilience, low carbon,
climate change, parks, green areas, green transport, footing mode, bike lanes,
environment quality.

Introdução
Este artigo é produto ligado à pesquisa “Parques e Áreas Verdes Resilientes na
Cidade de São Paulo”, iniciada no LABVERDE em 2009, cujo objetivo principal é o
de verificar em que medida os parques urbanos e suas bordas podem tornar-se
fatores de resiliência e adaptação da Cidade de São Paulo, enquanto ecossistema
urbano, às mudanças climáticas. Para tanto serão considerados diversos fatores
que tornam os parques o ponto focal da pesquisa quais sejam: o tamanho, a
forma, a biodiversidade, situação topográfica, as características de borda (tecidos
urbanos adjacentes e pressões urbanas existentes), a distância dos mesmos a
outras áreas verdes do entorno, a relação com corpos d’água (existência ou
proximidade a nascentes, rios, canais, lagos e represas) e aos tipos de uso que os
tornam “prestadores de serviços à cidade”, dando-lhe qualidade ambiental.
As áreas verdes consideradas como infraestrutura urbana neste estudo são:
parques; praças; ruas, avenidas e espaços verdes junto ao sistema viário; áreas
verdes privadas; cemitérios; orlas (bordas d’água de rios). Neste estudo o recorte
espacial prende-se a perímetros ligados à administração urbana da cidade de São
Paulo, sendo considerado seu perímetro urbano municipal e seus perímetros
distritais (de bairro). O recorte temporal prende-se basicamente às três últimas
décadas, isto é, décadas de oitenta e noventa do século vinte e primeira década
do século vinte e um.
Como ponto de partida, foi selecionada uma área e estudo, entre a zona sul e
oeste da Cidade de São Paulo, estruturada na bacia do Rio Pinheiros, tendo como
perímetro, a linha de cota limítrofe do antigo cordão meândrico de sua várzea -
essa área foi então denominada “Corredor Verde Ibirapuera-Villa Lobos”. Assim,
foram destacados parques e áreas verdes considerados “áreas núcleo” desse
mesmo corredor, quais sejam: dois parques de grande porte - Parque do
Ibirapuera e o Parque Villa Lobos- na margem direita; dois parques de pequeno
porte - o Parque do Povo e o Parque Alfredo Volpi- o primeiro na margem direita e
o segundo na margem esquerda; e duas áreas institucionais de grande porte - a
Cidade Universitária e o Instituto Butantã – ambos na margem esquerda do Rio
Pinheiros. No estudo, as áreas e sítios de borda das áreas núcleo quais sejam -
praças, ruas arborizadas, clubes, áreas institucionais e bairros jardins - foram
considerados como áreas estratégicas de ancoragem para o desenho ambiental
urbano, tratado como infraestrutura verde e estruturado no Corredor Verde
Ibirapuera-Villa Lobos.

136
As referências que empregamos neste artigo prende-se a trabalhos anteriores
expressos no livro de FRANCO 19, bem como as obras de: DRAMSTAD, OLSON e
FORMAN -“Landscape Ecology Principles in Landscape Architecture and Land-
Use Planning” ; PICKETT CADENASSO e GROVE no trabalho “Resilient Cities:
Meaning, Models and Metaphor for Integrating the Ecological, Sócio-economic,
and Planning Realms” ; BENEDICT e McMAHON em Green Infrastructure: Linking
Landscapes and Communities; NEWMAN, BEATLEY e BOYER em Resilient
Cities: Responding to Peak Oil and Climate Changes.

Logo este trabalho é antes de tudo uma prospecção sobre os conceitos de:
planejamento ambiental, desenho ambiental, infraestrutura verde, resiliência, e
baixo carbono, dentro da grande linha de pesquisa em mudanças climáticas,
aplicadas à cidade de São Paulo, utilizando-se o método de “Criação de Cenários
Ambientais” utilizado por FRANCO20. Para tanto foi escolhido um setor
considerado mais apto à aplicabilidade desses conceitos, na atualidade, por vários
fatores, entre os quais a localização em área de várzea, em topografia plana ou
com baixa declividade; o fator sócio-econômico privilegiado21 em relação ao resto
da cidade e o fator de melhor infraestrutura cinza. Logo essas idéias, se aplicadas
no presente momento, à nossa área de estudo, teriam maior possibilidade de
visualização e realização a curto prazo. A médio e longo prazo inúmeras outras
áreas da Cidade de São Paulo poderão ampliar este estudo trazendo novos
desafios e possibilidades

1. Sobre os conceitos de Resiliência e Infraestrutura Verde


Resiliência Ecológica
Os estudos e pesquisas referentes às mudanças ambientais e à dinâmica
evolutiva tratam das transformações que os sistemas ambientais têm sofrido ao
longo dos últimos séculos. Assim, as atividades econômicas e sociais
empreendidas pelas sociedades ocasionaram repercussões nos sistemas
geomorfológicos e hidrológicos e mudanças significativas nos sistemas
ambientais, cujos impactos provocam alterações drásticas e abruptas, talvez
irreversíveis, no clima de nosso planeta, portanto, para tratarmos de Infraestrutura
Verde torna-se necessário nos aproximarmos do conceito de resiliência.

A estrutura dos sistemas ambientais normalmente respeita uma organização cujo


funcionamento depende das forças externas que afetam o equilíbrio ou a
estabilidade a que os ecossistemas estão normalmente ajustados. Diante desse
contexto, resiliência poderia ser definida como a capacidade do ecossistema em

19
FRANCO, Maria de Assunção Ribeiro – Planejamento Ambiental para a Cidade Sustentável.
20
FRANCO, op. cit. p.182-184, e cap. IX – São Paulo uma Megacidade Sustentável.
21
Atlas Ambiental do Município de São Paulo- vejam-se as cartas do Município nas folhas: , 16 –
Perfil Socio Econômico - e 18 – Perfil Sócio Ambiental.

137
manter ou retornar às suas condições originais após um distúrbio provocado por
forças naturais ou pela ação humana.
Para GUNDERSON22 resiliência é fundamental no entendimento e na dinâmica de
sistemas de recursos complexos, organizados pelas interações de um grupo de
sistemas nos aspectos - ecológico, social e econômico - através de uma série de
escalas, onde podem ocorrer vários tipos de vulnerabilidades, choques e rupturas.
Assim a resiliência mede a força da mútua cooperação entre processos,
incorporando ambos, a habilidade de um sistema de persistir apesar das rupturas
e a habilidade para regenerar-se e manter a organização existente.
Lidar com a resiliência ecológica de ecossistemas específicos, mais que otimizar
recursos, envolve a compreensão das vulnerabilidades e incertezas que podem
ocorrer, e que devem informar políticas de desenvolvimento e proporcionar
evidências mais seguras para a tomada de decisão. O conhecimento da resiliência
dos ecossistemas é extremamente importante por focalizar os limiares além dos
quais os sistemas ecológicos não podem mais se recuperar ou voltar ao estado
original, além de que a readequação dos fatores será em relação a um novo
equilíbrio, que significa a estabilidade rompida, e a impossibilidade de recuperação
dos sistemas naturais.
Como exemplo podemos citar ZAKIA23, segundo a qual o conceito chave para o
estabelecimento de um plano de manejo sustentável de plantações florestais, por
exemplo, deve necessariamente estar baseado no ecossistema. O manejo
florestal sustentável de plantações florestais, dentro do princípio da manutenção
da integridade do ecossistema, como sendo aquele baseado, ou planejado, em
termos da manutenção dos valores da microbacia hidrográfica, sem os quais não
há condições de resiliência ecológica. Portanto, uma revisão sobre o conceito de
resiliência ecológica, a resiliência do ecossistema ripário, definida como a
quantidade de alteração que o mesmo pode absorver sem mudar seu estado,
depende, em primeiro lugar, da diversidade dos grupos funcionais que definem a
composição e a estrutura da vegetação ripária. Logo, quando este ecossistema
perde resiliência, torna-se mais vulnerável a perturbações, que de outro modo
seriam normalmente absorvidas. Neste sentido, a gradativa perda de resiliência
dos ecossistemas ripários e toda a degradação hidrológica decorrente dela foi,
sem dúvida, um dos impactos ambientais mais evidentes do sistema tecnocrata de
uso dos recursos naturais, que procurou maximizar a produtividade através do
controle de toda fonte externa de variabilidade. Ou seja, as incertezas
características dos sistemas naturais foram substituídas pela certeza do controle.

Segundo GUNDERSON24, o resgate de uma estratégia mais sistêmica de manejo


passa, antes de tudo, pela agregação de resiliência aos ecossistemas ripários,
que pode ser conseguido através dos seguintes mecanismos, os quais não

22
GUNDERSON, Lance H. et alii, in Resilience and the Behavior of Large-Scale Systems p.6.
23
ZAKIA, Maria José Brito et alii, em Plano De Manejo Sustentável de Plantações Florestais; Plano Diretor de
ordenamento territorial do Município de Joanópolis - SP (2006).
24
GUNDERSON,Op. cit.

138
operam isoladamente, quais sejam: o aumento de sua capacidade tampão; o
sistemas de manejo que levam em conta os processos ecológicos em múltiplas
escalas (não basta apenas manter a mata ciliar); e a existência de fontes de
renovação, também chamados núcleos de vida, ou seja o manejo que leva em
conta a permanência da biodiversidade na escala da paisagem.

Resiliência Cultural e Urbana


Ao adaptar-se o conceito de resiliência ecológica ao campo cultural, é de se supor
que “resiliência cultural” é a capacidade que um determinado grupo social tem em
resistir a mudanças provocadas pelo choque com culturas diferentes, preservando
seu patrimônio cultural. Embora não seja de se esperar que a cultura de uma
determinada comunidade permaneça intacta, mesmo porque isso é impossível, no
entanto a resiliência, neste caso, está relacionada à permanência de certos
códigos simbólicos partilhados por esse grupo, os quais se mantêm, mesmo após
a forte influência de uma cultura exótica.
A resiliência refletiria, assim, a persistência das relações internas do sistema, e a
capacidade do mesmo voltar às condições originais após ser impactado por forças
externas a ele. O conceito de resiliência é muito importante para os cientistas,
políticos e administradores em razão do manejo dos sistemas ambientais e em
relação às adaptações ou reversibilidade dos impactos antropogênicos.
De acordo com NEWMAN25, o cenário de resiliência urbana ocorre quando o
acesso a formas alternativas de combustível e edifícios em eco-enclaves,
provedores de saúde, permeiam o cenário urbano comum, dando acesso a todos.
Nesse caso, as pessoas terão acesso ao trabalho e aos serviços pelo trânsito ou a
pé, e especialmente por carros elétricos em trajetos curtos. As conexões
interurbanas serão movidas, segundo o autor, pela nova geração de alta
interatividade, por meio da rede elétrica, através de alta atividade por vídeo-
conferência. O projeto da construção verde e os combustíveis renováveis farão
parte de todos os bairros. A cidade será desenvolvida por nova rede de ligações
por todas as partes da cidade, centros projetados para se andar a pé serão
criados através da cidade-região através de grandes infraestruturas e construções
verdes. Nas áreas entre os centros e corredores de trânsito e desenvolvimento
intenso, serão estabelecidos eco-bairros, para ajudar nas funções ecológicas da
cidade, os quais produzirão energia renovável, reciclagem de água e tratamento
de esgoto; eles serão ligados aos grandes espaços do sistema de infraestrutura
verde, através de um inteligente sistema de manejo local.Surgirão, portanto, eco-
bairros especializados em produtos agrícolas e áreas de manejo de biodiversidade
urbana. Eles serão largamente sustentáveis, mesmo numa distância razoável da
cidade, com muitas funções urbanas.26
O mesmo autor descreve a cidade resiliente como a cidade das ciclovias e ruas
sem carros indo de casas solares para lojas de produtos comestíveis, áreas de
25
NEWMAN, Beatley e Boyer in Resilient Cities: Responding to Peak Oil and Climate Changes
p.51.
26
NEWMAN, Beatley and Boyer, in Resilient Cities, p.53

139
recreação, parques, bondes elétricos para conduzir para longe do caminhar e da
bicicleta, interligando os conjuntos de “escritórios solares”, afinados com a “sexta
onda de negócios”27. Escolas com o pais alinhados sobre suas bicicletas ao invés
de esperarem em seus carros ociosos. O mercado da fazenda local para comprar
produtos bio-regionais. Para exemplificar, NEWMAN, remete a cena descrita
acima ao lugarejo de de Vauban, comunidade formada numa base militar da
cidade de Freiburg, na Alemanha, com cinco mil famílias. Assim, segundo o autor,
Vauban é considerada uma comunidade ecológica modelar a qual está sendo
estudada com crescente interesse como econômica e saudável, tendo como foco
a diminuição dos custos da dependência do carro. Onde são oferecidos aos
residentes numerosos incentivos (tais como passes de bondes elétricos e opções
de largar o carro) e desestimular para dirigir com gasolina a oito dólares por litro.
Assim, a competição entre Vauban e os Estados Unidos, na relação de carro por
morador, é de 150 veículos para 1000 habitantes em Vauban, comparados aos
640 veículos para 1000 habitantes nas cidades americanas.
Os exemplos descritos anteriormente mostram que para alcançar resiliência a
cidade deve mesclar o modo de viver com os transportes sustentáveis, negócios
inovadores e fortes políticas de incentivos para a criação ou sustentação de
ambientes sustentáveis, do nível regional ao nível local. Isso pode se dar com sete
condições chave propostas por NEWMAN: 1- Cidade de Energia Renovável -
onde áreas urbanas podem ser abastecidas com tecnologias de energias
renováveis, do nível regional ao nível do edifício; 2- Cidade de Baixo Carbono -
onde os edifícios, os lugares e as atividades de negócio sejam de baixo carbono;
3- Cidade Distributiva ou Policêntrica – as cidades deverão mudar dos grandes
sistemas de abastecimento de água e tratamento de lixo para sistemas menores
de escala local; 4- Cidade Fotossintética com potencialidade para uso de energias
renováveis na produção local de alimentos e fibras; 5- Cidade Eco-eficiente - as
regiões e cidades deverão mudar seu funcionamento, de sistemas lineares para
sistemas circulares de energia e materiais, estes últimos, necessários para a
alimentação de economias locais com sentido de lugar; 6- Cidade Baseada no
Lugar- as cidades e regiões entenderão que o uso da energia renovável é o
caminho para a construção da economia e abastecimento locais, com um sentido
de lugar único e especial; 7- Cidade do Transporte Sustentável, onde as cidades e
regiões, no uso de energias renováveis, poderão oferecer a facilidade de se andar
a pé, e opções de trânsito suplementadas por veículos elétricos.

27
HARGROVES e Smith, appud NEWMAN et Ali, referindo-se às ondas da industrialização que
moldaram as cidades. Segundo esse autor as ondas da industrialização são seis: a primeira ligada
ao ferro, a energia da água, a mecanização têxtil e o comércio; a segunda ao vapor, à estrada de
ferro, ao aço e ao algodão; a terceira à eletricidade, aos produtos químicos e aos engenhos de
combustão interna; a quarta aos petroquímicos, a eletrônica, a aviação e o espaço; a quinta às
redes digitais, à biotecnologia, ao software, à tecnologia da informação; por último, a sexta onda
que é a da sustentabilidade, à produtividade radical dos recursos, o sistema de projeto (design)
total, à biotecnologia, à química verde, a ecologia industrial, à energia renovável e à
nanotecnologia verde. Para NEWMAN a Cidade Resiliente está no patamar dessa sexta onda.

140
NEWMAN alerta que, enquanto as cidades não se mostram inovadoras nas sete
condições apresentadas acima, pelo menos devem ser avançadas em uma ou
duas dessas condições. Assim, a mudança sendo aplicada em todas as cidades
resilientes juntas, estará assim, gerando um senso de esperança através da
combinação de novas tecnologias, projetos urbanos e comunidades baseadas na
inovação. Dessa forma, o ator concebe uma possibilidade das cidades saírem da
linha de colapso eminente, num panorama mundial, para um novo patamar mais
seguro de sobrevivência e superação da situação atual.

O conceito de Infraestrutura Verde

Hoje o termo “infraestrutura verde” tornou-se freqüente em conservação e


desenvolvimento do solo em todo o mundo. Porém o termo significa diferentes
coisas dependendo do contexto no qual ele é empregado: pode ser desde o
plantio de árvores que tragam benefícios ecológicos em áreas urbanas; para
outros refere-se a estruturas de engenharia tais como manejo de enchentes ou
tratamento de águas projetado para tornar-se ambientalmente amigável. No
entanto infraestrutura verde pode ter um significado mais ambicioso e abrangente.
No Planejamento e Desenho Ambiental, a Infraestrutura Verde pode ser entendida
como uma rede interconectada de áreas verdes naturais e outros espaços abertos
que conservam valores e funções ecológicas, sustentam ar e água limpos e ampla
variedade de benefícios para as pessoas e a vida selvagem de deverão nortear as
ações de planejamento e desenvolvimento territoriais que deve garantir a
existência dos processos vivos no presente e no futuro.
O conceito de planejamento e projeto de infraestrutura verde começou há cerca de
150 anos, segundo BENEDICT28, o qual cita como ponto de partida, as idéias de
Henry David Thoreau, George Perkins Marsh e Frederick Law Olmsted. De acordo
com o autor, a idéia de infraestrutura verde contou ao longo do tempo com a
contribuição de inúmeras disciplinas que contribuíram com teorias e idéias,
pesquisas e conclusões que tem criado um crescente campo de conhecimento.
As origens do planejamento da infraestrutura verde estão relacionadas, portanto, a
idéias e ações de conservação da natureza através dos parques nacionais
estaduais e municipais; refúgios de vida selvagem; florestas; rios áreas úmidas;
proteção da vida selvagem; planos de desenvolvimento em relação à natureza em
disciplinas de planejamento urbano, planejamento da paisagem e
desenvolvimento ambientalmente sensível. O terceiro maior ímpeto da
infraestrutura verde foi a criação de “corredores verdes”, que foca a atenção no
impacto que o desenvolvimento provoca na paisagem. A infraestrutura verde
ganha, assim, força com raízes interdisciplinares e multidisciplinares. É preciso ver
também, que a infraestrutura verde requer a prioridade da identificação e a ligação
das áreas de conservação, através dos corredores verdes.

28
BENEDICT in Green Infrastructure: Linking Landscapes and Communities p. 23-25.

141
Para entendermos o conceito de infraestrutura verde é importante incorporarmos o
conceito de resiliência para isso podemos apresentar o cenário de resiliência
apresentado por NEWMAN 29. Para o autor o cenário de cidade resiliente ocorre
com as alternativas de combustível e construções em eco-enclaves, que
proporcionam a riqueza para todos num cenário urbano multifacetado. Dessa
forma, as pessoas terão acesso a trabalho e serviços por transito ou caminhada,
tanto quanto o uso de carros elétricos para pequenos percursos. Os movimentos
interurbanos serão movidos por transporte rápido alimentado por rede elétrica e
por alta interatividade de meios como a vídeo conferência. Edifícios verdes e
energias renováveis farão parte do todas as localidades.
Nas duas últimas décadas cresceu muito no Brasil a idéia do planejamento e
projeto de infraestrutura verde com as e o refinamento de práticas de conservação
do solo. A adição de idéias do movimento dos corredores verdes traz o
envolvimento crescente de uma grande variedade de agencias e pessoas em
níveis da comunidade, do nível regional , estado e nação. Um exemplo do
pensamento de espaços de preservação com inspiração na teoria dos
ecossistemas nos vem da obra de DRAMSTAD30 que afirma que o desenho
estrutural de uma paisagem ou região é inteiramente composta de três tipos de
elementos: matrizes, manchas e corredores, os quais devem orientar tanto o
planejamento do uso do solo quanto a arquitetura da paisagem.
Infraestrutura verde muda nossas percepções sobre espaços verdes planejados e
protegidos. Para muitas pessoas, espaços abertos são simplesmente terra que
ainda não está desenvolvida, e espaços verdes refere-se a parques isolados,
sítios de recreação e áreas naturais. Infraestrutura verde enfatiza a importância
dos espaços abertos verdes como parte de sistemas interconectados que são
protegidos e mantidos pelos benefícios ecológicos que eles proporcionam.
Enquanto espaço verde é freqüentemente visto como alguma “coisa boa de ter”,
infraestrutura verde implica alguma “coisa que precisamos ter” que BENEDICT
resume como: “proteger e restaurar nosso sistema de suporte de vida natural é
uma necessidade, não uma amenidade.”31
Para BENEDICT, enquanto o espaço verde é freqüentemente visto como auto-
sustentável, a Infraestrutura Verde implica num espaço verde e num sistema
natural que precisa ser ativamente protegido, mantido e, em alguns casos,
restaurado. Assim, a Infraestrutura Verde difere dos convencionais enfoques de
conservação do solo e proteção dos recursos naturais, porque vê a conservação
conectada com desenvolvimento do solo e planejamento de infraestrutura com fins
antrópicos. Dentre os princípios definidores da infraestrutura verde citados pelo
autor destacamos:
Conectividade – a infraestrutura verde delineia a força do seu foco em
conectividade, entre espaços naturais e os parques e outros espaços abertos,
entre as pessoas e os programas. A conservação biológica tem demonstrado que
29
NEWMAN et all, in Resilient Cities p. 51
30
DRAMSTAD, Olson e Forman, in: Landscape Ecology Principles in Landscape Architecture and
Land-Use Planning, p. 14.
31
BENEDICT, op. cit. p.2.

142
a conexão é essencial para os sistemas naturais desempenharem sua função
genuína e para propiciar a vida selvagem. Assim, é de fundamental importância
estabelecer a conexão entre os componentes dos ecossistemas – parques, áreas
de preservação, áreas ripárias, áreas úmidas e outros espaços verdes- para que
eles juntos possam manter valores e serviços dos sistemas naturais, tais como
carregar e filtrar água da chuva, e manter a saúde e a diversidade das populações
de vida selvagem.
Dessa forma a infraestrutura verde pode ajudar a estabelecer prioridades na
aquisição de terra que assegure conectividade adequada entre áreas já
preservadas.
Contexto -o entendimento dos ecossistemas e da paisagem requer uma análise
do contexto onde esses ecossistemas existem isto é a compreensão dos fatores
físicos e biológicos das áreas de entorno.
Estrutura -A Infraestrutura verde pode funcionar com estrutura para a
conservação e o desenvolvimento.
Comprometimento – a infraestrutura verde requer comprometimento de longo
prazo por parte do governo e dos agentes sociais.

Benefícios da Infraestrutura Verde


Podemos considerar infraestrutura verde como sendo áreas urbanas permeáveis
ou semi-permeáveis, plantadas ou não que “prestam serviços” à cidade e
apresentam algum grau de manejo e gerenciamento púbico ou privado. Das área
pertencentes à infraestrutura verde de uma cidade destacamos os seguintes
serviços prestados:
1- Melhora da qualidade do ar promovendo a saúde humana;
2- Seqüestro de carbono da atmosfera;
3- Amortização do balanço climático entre temperaturas baixas e altas no
microclima urbano entre dia-noite e as estações do ano;
4- Proteção, conservação e recuperação da biodiversidade da flora e fauna na
área urbana;
5- Contenção da erosão;
6- Promoção de atividades contemplativas, esportivas e de lazer;
7- Promoção da importância da paisagem como fator determinante da estética
urbana;
8- Incremento do fator permeabilidade do solo urbano permitindo a percolação da
água e portanto a redução de enchentes;
9- Articulação e conectividade entre espaços verdes;
10- Promoção da seguridade urbana;
11- Proteção de áreas de fragilidade ecológica;

143
12- Promoção de áreas de alto valor imagético, icônico e de identidade de lugares
e sítios urbanos.

2. Corredores Verdes

O conceito de corredores verdes surgiu nas ultimas décadas do século XX na


Europa e Estados Unidos, inspirado nos “corredores ecológicos”, e respondendo à
premência de compatibilização dos efeitos nefastos da expansão urbana e à
conseqüente necessidade de preservar a qualidade ambiental nas cidades.
Os corredores verdes, portanto, são definidos como uma rede de espaços lineares
servindo a usos múltiplos, preferivelmente, acompanhando corredores ecológicos.
Dessa forma prestam-se a essa função as beiras d’água, tanto costeiras quanto
continentais, as linhas de cumeeira, fundos de vale e áreas de alta declividade.
Assim os corredores verdes ligam grandes e pequenas áreas protegidas, os
corpos d’água e áreas úmidas os sítios de significado histórico e cultural.
Os corredores verdes ganham força ao formarem redes de mobilidade segura,
dando prevalência ao pedestre e aos meios de transporte movidos a energia não
poluente, recuperando a memória de antigos caminhos e trilhas e incorporando o
valor paisagístico dos percursos e sítios notáveis. Aí entra em cena de forma
contundente a idéia da liberação da dependência do automóvel, o uso da bicicleta
e o andar a pé.
Nas duas últimas décadas cresceu muito no Brasil a idéia do planejamento e
projeto de infraestrutura verde com as e o refinamento de práticas de conservação
do solo. A adição de idéias do movimento dos corredores verdes traz o
envolvimento crescente de uma grande variedade de instituições e pessoas em
níveis da comunidade, no âmbito regional, estadual e nacional.

3. Infraestrutura Verde em São Paulo


A rigor o verde existente em São Paulo não foi pensado como infraestrutura verde,
no entanto a Cidade apresenta um grande conjunto de categorias de áreas verdes
incluindo, no setor público, áreas de proteção, parques, praças, ruas e avenidas
arborizadas e áreas institucionais; e, no setor privado, clubes, áreas particulares e
bairros jardins. Assim, essas áreas verdes, pontuam a imensa mancha cinzenta,
de área construída contínua da Metrópole, visível nas imagens de satélite, como
pequenas e médias “ilhas”, contrastando com o verde intenso da Mata Atlântica a
leste e sudeste (na Serra do Mar) e a norte e noroeste com o verde da Serra da
Cantareira e do Parque do Jaraguá.
Tanto nas imagens de satélite quanto nos mapas da Cidade, fica flagrante a
escassez das mesmas diante da massa construída, denunciando uma taxa de

144
área verde por habitante bastante prejudicada (cerca de 2,5 m² por habitante) em
relação à taxa recomendada pela UNESCO, que é de 12,00 m² por habitante.
A nosso ver há uma necessidade urgente de mudança de mentalidade por parte
do governo e da população, em relação às áreas verdes da Cidade de São Paulo,
na direção do conceito de infraestrutura verde.
Como infraestrutura verde entende-se que as áreas verdes existentes e futuras
devem ser organizadas e entendidas como redes verdes interconectadas, tendo
nos grandes parques e áreas protegidas suas “áreas-núcleo” principais, nos
parques lineares, ruas e avenidas arborizadas seus “corredores verdes”,
funcionando como tentáculos ou “links” de conexão.
A infraestrutura verde ganha eficiência quando suas ligações - os corredores
verdes – contam com meios de transporte não motorizado e não poluente, como o
modo de andar a pé e o transporte ciclo-viário, apoiado pela infraestrutura viária e
metroviária eficientes. Além disso a infraestrutura verde deve estar conectada e
entrelaçada à rede de espaços culturais de esporte e lazer de cada distrito e da
Cidade em geral.

4. O Corredor Verde Ibirapuera-Villa Lobos

Neste estudo de caso foi delimitada um trecho da várzea do Rio Pinheiros


compreendendo, na margem direita, os distritos de Moema, Itaim-Bibi, Jardim
Paulista, Pinheiros, Alto de Pinheiros e Vila Leopoldina (este último, como ligação
intersetorial entre nossa área de estudo e outros distritos do setor oeste da Cidade
de São Paulo); e na margem esquerda, os distritos do Morumbi e Butantã. Essa
área, como um todo, foi denominada Corredor Verde Ibirapuera-Villa Lobos onde
foi elaborado um Cenário de Planejamento e Desenho Ambiental onde se projetou
uma Infraestrutura Verde dentro do conceito de Resiliência Urbana32.
Os parques e áreas institucionais considerados como Núcleos Verdes da
Infraestrutura Verde, neste trabalho, obedecem aos seguintes critérios:
a) tamanho - (medido em hectares), sendo o maior de aproximadamente 416,56
ha (Cidade Universitária – CUASO), um de médio porte com cerca de 73,20 há (o
Parque Villa Lobos), um de pequeno porte com cerca de 11,20 há (Parque do
Povo – Parque Mário Pimenta Camargo) Fig. 1;

32
Neste caso o Cenário do Corredor Verde Ibirapuera-Villa Lobos segue o caminho inverso do
proposto por BENEDICT in op. cit., Lembremos que uma das premissas mais importantes, para o
autor, é de que a Infraestrutura Verde deve ser planejada antes que o desenvolvimento aconteça,e
no caso da Várzea do Pinheiros, nós estamos trabalhando sobre uma área já totalmente impactada
e poluída pelo desenvolvimento.

145
b) forma – A forma de um parque é muito importante pois ela pode determinar a
sua resiliência ou não, uma vez que formas muito estreitas, por exemplo, estão
impossibilitadas de abrigar núcleos coesos de relações bióticas.
c) disposição em relação ao relevo e à bacia hidrográfica à qual pertencia,
quais sejam: posição em cumeeira, média encosta ou fundo de vale; presença de
áreas núcleo ricas em biodiversidade;
d) pressão de borda a que cada um dos parques está sujeito, sejam áreas
densamente construídas e verticalizadas, bairros horizontais com arborização
urbana significativa, bairros jardins, bairros horizontais de baixa renda ou favelas;
e) equipamentos disponíveis ao uso público tais como áreas esportivas áreas de
lazer, áreas de contemplação ou áreas edificadas dedicadas à ciência e à cultura,
como exposições, museus e teatros;
f) valor imagético, simbólico e cultural de cada parque ou área institucional, em
relação ao público freqüentador, o qual pode abranger múltiplas escalas de
influência.
Assim, a Infraestrutura Verde no Corredor Verde Ibirapuera-Villa Lobos, conta com
os seguintes elementos: Núcleos Verdes - os Parques e Áreas Institucionais
descritas acima; Ligações Verdes – ruas e avenidas arborizadas; corpos d’água
existentes (Rio Pinheiros, Raia Olímpica da Cidade Universitária, conjunto lacustre
do Parque do Ibirapuera) e propostos (ribeirões nos Parques Lineares P1, P2, P3
e P4); e com a rede de caminhos de mobilidade ecossocial, composto por
calçadas ecológicas33 e sistema de ciclovias que, inclusive, incorpora as
ciclofaixas existentes e projetadas (fig.2 e 3).
O Corredor Verde Ibirapuera-Villa Lobos, portanto, foi estruturado primeiramente
na bacia hidrográfica do Rio Pinheiros (hoje Bacia de Drenagem do Rio Pinheiros),
e a seguir ancorada nas áreas verdes de grande e médio porte existentes quais
sejam: O Parque do Ibirapuera, o Parque Villa Lobos, o Parque do Povo, o Parque
Alfredo Volpi, o Instituto Butantã e a Cidade Universitária (Fig. 2 e 3),
considerados como Núcleos Verdes de alto valor ecológico e sócio-cultural.
Num segundo momento foram criados quatro parques lineares que resgatam a
memória de quatro ribeirões contribuintes do Rio Pinheiros, que foram total ou
parcialmente tubulados e subtraídos da paisagem, pelo sistema de drenagem na
várzea do Rio Pinheiros (Fig. 3), quais sejam: o P1 junto ao Ribeirão do Sapateiro,
e o P2 junto ao Ribeirão das Corujas, na margem direita; e o P3 junto ao Ribeirão
Pirajuçara, e o P4 junto ao Ribeirão do Jaguaré, na margem esquerda, estes
últimos, balizando a Cidade Universitária e o Instituto Butantã.
Num terceiro momento foi criada uma rede de caminhos de mobilidade ecossocial
que privilegiam o andar-a-pé e de bicicleta e, portanto, enaltecem o pedestre ao
criar calçadas ecológicas seguras e sinalizadas, e o ciclista com a criação de um

33
Entendam-se por calçadas ecológicas as calçadas que garantam o caminhar seguro por parte
dos pedestres, com sinalização e revestimentos apropriados, bem como contem com um projeto
que premie a arborização massiva com espécies apropriadas, a permeabilidade com
infraestruturas que permitam a existência de biovaletas e jardins de chuva.

146
sistema integrado de ciclovias. Esses caminhos foram traçados dentro dos
seguintes critérios:
1. ligações com os parques e áreas verdes principais;
2. circuitos projetados sobre topografia plana ou de baixa declividade;
3. Traçado ao longo de ruas e avenidas arborizadas, com calçadas largas e,
preferivelmente, com canteiro central;
4. circuitos que percorrem bairros-jardins, considerados como zonas de
amortecimento ou buffer zones dos parques e áreas verdes principais (fig. 4);
5. Circuitos que percorrem setores com grande intensidade de atividades culturais,
de lazer, turismo e negócios;
6.circuitos integrados com infraestrutura ferroviária e metroviária, considerados
meios de transporte de energia limpa, no caso a CPTM e o Metro (figura-3);
7. circuitos que enfatizam pontos relevantes da cultura paulistana como: o
Monumento às Bandeiras, no Parque do Ibirapuera, a Igreja Nossa Senhora do
Brasil, na Av. Brasil; os museus da Casa Brasileira e Tomie Ohtake, na Av. Faria
Lima;
8. pontos de visibilidade paisagística, como o mirante da Praça do Por-do-Sol
(Praça Coronel Custódio Pinheiro), ou a visão das pontes sobre o Rio Pinheiros;
9. pontos de proximidade com as águas, junto à ciclo-faixa projetada na margem
direita desde a Represa Guarapiranga até o Parque Vila Lobos, bem como nos
futuros parques lineares propostos P1, P2, P3, e P4 (fig. 3);
10. sítios e caminhos históricos, como o Largo da Batata, o Largo de Pinheiros, o
Caminho dos Pinheiros e a Estrada da Boiada;
11. ponte de pedestres,com ciclovia sobre o Rio Pinheiros e as Marginais, unindo
o P2 - Parque das Corujas - no trecho onde hoje é a Av. Professor Frederico
Herman Junior, junto à Av. Nações Unidas - com o Bairro do Butantã.

O estudo de mobilidade ecossocial do experimento - Corredor Verde Ibirapuera


Vila Lobos - torna essencial a criação de um quinto Parque Linear, acompanhando
o rio Pinheiros com as necessárias transposições (pontes de pedestres e
bicicletas), sendo que uma delas está prevista na continuação do Parque das
Corujas, unindo os bairros de Pinheiros e Alto de Pinheiros ao do Butantã.

147
Fig. 1 - Tabela de Parques e Áreas Institucionais selecionadas como Áreas
Núcleo do Corredor Verde Ibirapuera-Villa Lobos

Nº Parque Gestão Área/ha

1 Parque do Ibirapuera Municipal 158,40

2 Parque Villa Lobos Estadual 73,20

3 Parque Alfredo Volpi Municipal 14,24

4 Parque do Povo (Mário Pimenta Camargo) Municipal 11,20

Áreas Institucionais

5 Cidade Universitária (CUASO) Estadual 416,56

6 Instituto Butantan Estadual 74,75

6. Resiliência Urbana - Apropriação Ecossocial da Várzea do Rio


Pinheiros

O Corredor verde Ibirapuera-Villa Lobos surge dentro de um ideário por parte dos
cidadãos paulistanos de “reconquista das várzeas”, e no caso deste trabalho, a
“reconquista da várzea do Rio Pinheiros”. Como é sabido, o rio Pinheiros teve
suas várzeas fortemente transformadas no correr do século XX, pelas obras de
retificação e canalização das obras de inversão de seu curso, o qual passou a

148
alimentar as Represas Guarapiranga e Billings para a produção de energia elétrica
em Cubatão. Nesse processo, perderam-se todas as áreas úmidas, ao longo de
seu cordão meândrico original, em decorrência dos aterros e obras de drenagem
ali realizadas, e que acabaram por subtrair da paisagem todos os cursos d’água
contribuintes do rio maior, reduzindo-os a meros tubos de escoamento de águas,
soterrados debaixo das “avenidas de fundo de vale”. Com isso, é certo, foram
ganhas ao rio enormes glebas de terreno, muitas delas habilmente reunidas pela
Companhia City no planejamento dos Bairros Jardins, situados hoje nos bairros
em estudo, de Moema, Jardim Paulistano, Pinheiros, Alto de Pinheiros e Vila.

Figura 2 – Esquema conceitual da Infraestrutura Verde na várzea do rio Pinheiros

O Corredor verde Ibirapuera-Villa Lobos surge dentro de um ideário por parte dos
cidadãos paulistanos de “reconquista das várzeas”, e no caso deste trabalho, a
“reconquista da várzea do Rio Pinheiros”. Como é sabido, o rio Pinheiros teve
suas várzeas fortemente transformadas no correr do século XX, pelas obras de
retificação e canalização das obras de inversão de seu curso, o qual passou a
alimentar as Represas Guarapiranga e Billings para a produção de energia elétrica
em Cubatão. Nesse processo, perderam-se todas as áreas úmidas, ao longo de
seu cordão meândrico original, em decorrência dos aterros e obras de drenagem
ali realizadas, e que acabaram por subtrair da paisagem todos os cursos d’água
contribuintes do rio maior, reduzindo-os a meros tubos de escoamento de águas,
soterrados debaixo das “avenidas de fundo de vale”. Com isso, é certo, foram
ganhas ao rio enormes glebas de terreno, muitas delas habilmente reunidas pela
Companhia City no planejamento dos Bairros Jardins, situados hoje nos bairros

149
em estudo, de Moema, Jardim Paulistano, Pinheiros, Alto de Pinheiros e Vila
Leopoldina.
Isso aconteceu num período histórico em que prevaleceu uma política de
investimentos massivos em infraestrutura de energia elétrica e infraestrutura
viária, esta última atrelada à predominância do automóvel (fordismo)34 e do
transporte rodoviário, criando uma rede de vias, não só no território urbano e inter-
urbano da Região Metropolitana de São Paulo, como também uma rede de
estradas que cortou o Estado de São Paulo em todas as direções, criando a mais
privilegiada infraestrutura rodoviária do país. Essa política, se por um lado
favoreceu a mobilidade intra e inter-urbanas, por outro lado fez desaparecer da
paisagem Bacia do Alto Tietê da toda a riquíssima rede hídrica, cobertura vegetal
e biomas naturais que dela faziam parte. Em decorrência desse processo, a
chamada Bacia de São Paulo viu transformar seu clima natural em escala regional
perdendo suas características de “terra da garoa”35, transformando-se numa
imensa “ilha de calor”36, capaz até de desviar as frentes frias, provenientes do polo
sul, pela pressão de sua enorme cúpula de ar quente, desviando-as, muitas vezes,
para o Oceano Atlântico. É sabido, que o fenômeno das ilhas de calor urbanas
colabora em muito, a nível mundial, para o fenômeno das “Mudanças Climáticas”37

34
Fordismo- termo originário do nome Ford, que designa uma política americana de expansão do
automóvel em escala mundial, transformando-o, talvez, no maior “objeto de consumo” do século, e
que veio a “desenhar” todas a cidades do planeta em função dos interesses da indústria
automobilística e da matriz energética do petróleo.
35
São Paulo “Terra da Garoa”- título alegórico e poético que a Cidade ganhou em decorrência
da névoa, característica da Mata Ombrófila Úmida (Mata Atlântica), que cobria a paisagem,
principalmente, ao cair da tarde ou na madrugada.
36
LOMBARDO- Ilha de Calor nas Metrópoles: o Exemplo de São Paulo.
37
Mudanças Climáticas: fenômeno do aumento da temperatura da Terra, o qual provoca
mudanças climáticas extremas que põem em risco a vida no Planeta, como a conhecemos hoje.

150
Figura 3 - Infraestrutura Verde na várzea do rio Pinheiros: Corredor verde
Ibirapuera-Villa Lobos

Figura 4 - Visão seriada do Corredor Verde Ibirapuera – Villa Lobos

Diante do panorama geral da Cidade de São Paulo, a área de estudo em questão


é talvez a mais privilegiada em matéria de áreas verdes e iniciativas de esporte e
cultura que além de várias competições atléticas e ciclísticas no correr do ano, já
conquistaram trechos isolados com ciclovias, como é o caso do trecho inicial da
Avenida Faria Lima, junto à Avenida Pedroso de Morais, ou mesmo o circuito
ciclo-viário, que acontece aos domingos, na Avenida República do Líbano, junto à
linha perimetral do Parque Ibirapuera.
No entanto, as atividades descritas bem como o modo de andar a pé ainda são
muito restritas aos parques e algumas ruas arborizadas, por falta de infraestrutura
verde projetada para esse fim, uma vez que tanto os pedestres quanto os ciclistas
correm sérios riscos em sua integridade física e psíquica (no caso assaltos e
violência).
Mesmo contando com os esforços da Prefeitura, que nos últimos anos tem
reformado muitas calçadas em vários locais, principalmente nos bairros centrais, é
sabido que a grande maioria das calçadas em São Paulo não apresentam
condições de andar a pé, por não contarem com nivelamentos,revestimentos e
equipamentos que tornam o caminhar seguro, e muito menos contam com um
projeto de “arquitetura universa”l compatível.

151
Um outro fator importante é que as iniciativas atuais relativas ao projeto de
ciclovias não tratam do assunto com a devida atenção, ignorando o fato de que a
ciclovia como qualquer modo de transporte precisa ser projetada como um
sistema integrado, contando com pontos de inter-modalidade e estacionamentos
para bicicletas.
Neste caso o conceito de infraestrutura verde prevê uma rede de calçadas e
ciclovias que permeie a “várzea do Rio Pinheiros” devolvendo ao cidadão a
reconquista dos espaços abertos urbanos propícios ao ato de caminhar e ao uso
da bicicleta, modelo que uma vez experimentado poderá ser replicado em
situações semelhantes por toda a cidade, contribuindo com a qualidade ambiental
urbana e a qualidade de vida dos paulistanos.

Conclusão

A área de estudo denominada Corredor Verde Ibirapuera-Villa Lobos mostra-se


extremamente apta à aplicabilidade dos conceitos de infraestrutura verde, mesmo
porque os fatores ecossociais aí presentes mostram-se extremamente favoráveis
para sua implantação. A área apresenta-se praticamente “pronta”, para essa
aplicação, faltando apenas as ligações entre as partes, uma vez que as áreas
consideradas núcleo como os parques - Ibirapuera, Villa Lobos, Parque do Povo e
Parque Alfredo Volpi - e as áreas institucionais da Cidade Universitária e do
Instituto Butantã, são áreas públicas.
Logo, o trabalho comprova que o experimento realizado pelo LABVERDE, com o
Corredor Verde Ibirapuera-Villa Lobos, demonstra que é possível aplicar os
conceitos de infraestrutura verde e resiliência urbana no Planejamento e no
Desenho Ambiental da Cidade de São Paulo.
Assim, os quatro parques lineares propostos trarão de volta o contacto com o
verde e a água, na escala do pedestre, e no fruir cotidiano. O sistema ciclo-viário,
interligado aos outros meios de transporte, trará mudanças de comportamento por
parte da população paulistana, importantes no sentido de resiliência urbana.
O mais importante do experimento é que esse modelo poderá criar uma demanda
política, por parte da população, no sentido de incrementar de fato um parque
linear junto ao Rio Pinheiros, ao contrário do que aconteceu no Rio Tietê que viu

152
suas margens serem revestidas de concreto e “coroadas” com floreiras, também
em concreto, em escala diminuta em relação à largura do rio, não permitindo
nenhuma possibilidade de aproximação do cidadão às suas margens, e excluindo,
definitivamente, o trânsito de animais nas áreas ribeirinhas.
A atual apropriação das margens do Rio Pinheiros por ciclistas38 e pedestres
poderá acelerar o tratamento de suas águas tornando-o limpo e livre de odores, e
apto inclusive para a navegação, como foi apontado por FRANCO39. A
implementação do Corredor Verde Ibirapuera Villa Lobos, embasada em
resiliência, na várzea do Rio Pinheiros servirá, assim, de referência para uma nova
estruturação urbana da Cidade de São Paulo com destaque em infraestrutura
verde, melhorando sua qualidade ambiental e preparando-a para um melhor
enfrentamento das mudanças climáticas.

Bibliografia

AMARAL, Antonio Barreto do. O Bairro de Pinheiros/Série História dos Bairros


de São Paulo, V. 2. Secretaria de Educação e Cultura do Município de São Paulo.
São Paulo, 1985.
BENEDICT, Mark A.; McMAHON T. Green Infrastructure: Linking Landscapes
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CZERNIAK, Julia;HARGREAVES,George. Large Parks. New York,NY. Princeton
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DRAMSTAD, Wenche E.; OLSON, James D.; FORMAN, Richard T.T. Landscape
Ecology Principles in Landscape Architecture and Land-Use Planning.
Harvard University Graduate School of Design: Island Press and ASLA, MA,
U.S.A., 1996.
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FRANCO, Maria de Assunção Ribeiro. Planejamento Ambiental para a Cidade
Sustentável. São Paulo, Annablume/EDIFURB, 2ªEd., 2001.

38
O texto refere-se à atual ciclo-faixa entre a represa Guarapiranga e a Av. Bandeirantes.
39
FRANCO, op. cit. cap. IX.

153
-------------.- Desenho Ambiental - Introdução à Arquitetura da Paisagem com o
Paradigma Ecológico. 2ª. Edição, São Paulo, Annablume: Fapesp, 2008.
GUNDERSON, L. H.; L. Pritchard. Resilience and the Behavior of Large Scale
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LOMBARDO, Adelaide Lombardo. Ilha de Calor nas Metrópoles: o Exemplo de
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MALATESTA, Maria Ermelina Broch. Andar a pé: Um modo de Transporte para
a Cidade de São Paulo. Dissertação de Mestrado apresentada à Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2007.
MIGLIONICO, Rosa Itálica. Parque do Ibirapuera: Um Ícone da Paisagem
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2009.
ROCHA, Alice Fernandes. O Parque Villa Lobos: Área Verde Memorável da
Cidade de São Paulo. Monografia de Especialização apresentada à Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie. São Paulo,
2008.
SÃO PAULO (Estado) Secretaria do Meio Ambiente/Secretaria Municipal de
Planejamento. Vegetação Significativa do Município de São Paulo, São Paulo,
1988.
SÃO PAULO (Município), Secretaria Municipal de Planejamento Urbano
/Secretaria Municipal do Verde e Meio Ambiente. Atlas Ambiental do Município
de São Paulo. São Paulo, 2002.
SÃO PAULO (Município), Secretaria do Vede e de Meio Ambiente/Departamento
de Parques e Áreas Verdes. Guia dos Parques Municipais de São Paulo, São
Paulo, 2007.

154
3. ENTREVISTAS

155
ENTREVISTA nº 1

CECÍLIA POLACOW HERZOG


Infraestrutura Verde e Resiliência no Paisagismo

156
ENTREVISTA

Cecília Polacow Herzog

Infraestrutura Verde e Resiliência


no Paisagismo
É paisagista ecológica, especialista em
Preservação Ambiental das Cidades e
mestre em Urbanismo, pelo PROURB-
FAU-UFRJ. Diretora da organização sem
fins lucrativos Inverde - Sustentabilidade
Urbana e Infraestrutura Verde e
Conselheira da OSCIP Associação dos
Amigos do Parque Nacional da Tijuca, Rio
de Janeiro. Pesquisa sobre infraestrutura
verde urbana, sustentabilidade e resiliência
das cidades nas diversas escalas, no
Brasil e exterior.

ceciliapherzog@gmail.com

“- O Rio tem um potencial incrível para se desenvolver uma infraestrutura verde.


Tem os maciços florestados, quer dizer com fragmentos importantes de Mata
Atlântica, que devem ser conservados. A biodiversidade é extraordinária. A sua
paisagem é o grande ativo, e em minha visão deveria ser o foco principal de um
planejamento que não só conservasse, mas recuperasse o que for possível de seus
ecossistemas naturais. Com isso, o Rio teria o potencial de ser a primeira “Cidade
Verde” do Brasil, ou melhor, da América Latina (...).”

A Revista LABVERDE entrevistou Cecília Herzog logo após sua palestra sobre
“Infraestrutura Verde e Resiliência”, junto aos alunos da disciplina “Projeto Sustentável”,
na FAU - Vila Penteado, no início de outubro de 2010. Seu entusiasmo pelo tema
“contagiou” os alunos e motivou os pesquisadores do LABVERDE ali presentes.

157
1-) Conte-nos um pouco de sua formação como paisagista e sobre as referências
que considera fundamentais para essa formação.
- Acho que tive muita sorte por começar meu caminho estudando com Fernando Chacel.
O curso de paisagismo em nível superior tinha o objetivo de formar profissionais que
aprendessem a trabalhar com a paisagem em todas as escalas. Na primeira aula Chacel
abriu uma planta topográfica de uma bacia hidrográfica e começou a explicar os caminhos
da águas, as declividades e os fatores que deveríamos aprender a analisar para fazer um
diagnóstico a fim de intervir na paisagem, tirando partido de suas condicionantes
geobiofísicas e culturais. Quando terminei o curso, fui a São Paulo fazer um módulo com
quatro disciplinas de um curso de pós-graduação promovido pela FAU-USP, IFLA,
FUPAM e UNESCO. Foi quando decidi fazer mestrado para aprofundar o conhecimento, e
acabei cursando Urbanismo no PROURB-UFRJ. Fiz uma proposta de para uma
infraestrutura verde para o sistema hidrográfico de Guaratiba no Rio de Janeiro. Terminei
em final de 2009. A partir de 2005 procurei ir a todos os seminários, congressos e
conferências, no Brasil e exterior, que tivessem um enfoque multidisciplinar. Esse ano eu
fui convidada a apresentar dois trabalhos no Japão, na conferência URBIO2010, de
biodiversidade urbana e projeto, e um em Bonn, no 1º. Congresso de Resiliência Urbana,
promovido pelo ICLEI. Agora estou a caminho de Estocolmo para mais dois seminários
sobre biodiversidade e águas nas cidades.Acho que minha formação tem sido calcada em
vários campos do conhecimento, e de várias formas. Hoje tenho uma biblioteca
considerável sobre temas que impactam não apenas na sustentabilidade e resiliência
urbana, mas na história ambiental, das cidades e do planeta.

2-) Como você enquadraria a atividade de paisagista neste momento no Brasil? E


no resto do mundo?
- Na verdade, acho que na maioria das vezes o entendimento da profissão de paisagista
é como se fosse um decorador de exterior. O paisagista ou arquiteto paisagista não é
reconhecido como o profissional habilitado a planejar e projetar a paisagem, o espaço
externo. Basta ter “bom gosto” conhecer vegetação, fazer uns cursos rápidos que já pode
ser considerado paisagista. Nos Estados Unidos, por exemplo, a profissão existe desde o
início do curso em Harvard no começo do século XX, há mais de 100 anos. As pesquisas
na áreas relacionadas à paisagem estão muito evoluídas, a maior parte das publicações
são de lá, ou traduzidas para inglês. Apesar dos pioneiros terem ido à Inglaterra aprender
e ver como era feito no Velho Mundo. Em muitos países se leva a sério a base teórica, o
conhecimento científico, os experimentos para poder estabelecer parâmetros de
intervenção sustentável na paisagem, não perdendo o enfoque estético e cultural.

3-) Que autores e/ou projetos você considera, hoje, vanguarda em paisagismo?
- O primeiro que me vem à mente é Mark Benedict, que foi quem sistematizou o
conhecimento sobre infraestrutura verde, em seu livro Green Infrastructure, de 2006. Mas,
existem muitos outros, acabei de fazer um curso on-line na Universidade de Washington,
justamente sobre infraestrutura verde, com Nate Cormier e Brice Maryman. Foi
fundamental para me dar mais consistência nesse tema. No ano que vem quero ir
conhecer o que estão fazendo na costa oeste americana. Quanto a projetos, também há
inúmeros, mas quero destacar o que foi feito em Freiburg na Alemanha. Tinha ouvido e

158
lido muito sobre Vauban e Rieselfeld, mas quando cheguei lá achei que era muito mais do
que energia solar e transporte coletivo eficaz. Tem um sistema de drenagem naturalizado,
com todas as áreas externas multifuncionais que prestam serviços ecossistêmicos
abióticos, bióticos e para as pessoas. As crianças, bem pequenas brincam sozinhas nas
ruas, pois os carros praticamente não circulam. Todos andam de bicicletas, e o sistema
de transportes multimodal é uma realidade, quase de sonho para uma brasileira. A
qualidade de vida é impressionante.

4-) Fale-nos de sua visão sobre infraestrutura verde aplicada à cidade do Rio de
Janeiro.
- O Rio tem um potencial incrível para se desenvolver uma infraestrutura verde. Tem os
maciços florestados, quer dizer com fragmentos importantes de Mata Atlântica, que
devem ser conservados. A biodiversidade é extraordinária. A sua paisagem é o grande
ativo, e em minha visão deveria ser o foco principal de um planejamento que não só
conservasse, mas recuperasse o que for possível de seus ecossistemas naturais. Com
isso, o Rio teria o potencial de ser a primeira “Cidade Verde” do Brasil, ou melhor, da
América Latina. Outras cidades, como Curitiba e São Paulo estão no caminho de
valorização dos parques, mas ainda não falam em criar uma infraestrutura verde
multifuncional. O Rio poderia ser pioneiro, com o patrimônio que já possui, seria bem mais
viável com um excelente custo benefício. O seu desenvolvimento econômico poderia ser
baseado em empresas “verdes”, de alta tecnologia, com investimentos em pesquisas nas
áreas de energia, transportes, drenagem naturalizada, adaptação de cidades costeiras às
mudanças climáticas e elevação do nível do mar. Seria fácil atrair empresas de ponta,
uma vez que os funcionários buscam qualidade de vida, e no Rio seria mais fácil atrair
esse contingente, que contagiaria toda a economia. O Rio de Janeiro está num lugar que
deveria ter sido preservado como um patrimônio intocado, pelas suas características
geobiofísicas. Agora, o que poderia ser feito seria a partir da concepção integrada de uma
infraestrutura verde, procurar mimetizar a natureza em todos os novos empreendimentos,
com legislação que privilegiasse a permeabilidade do solo e a vegetação nativa, com
muita arborização urbana, não apenas em parques e praças, mas em ruas, quintais, tetos
e jardins residenciais e coletivos.

5-) Qual o papel do governo na aplicação desse conceito? E o das Ongs?


Os tomadores de decisão deveriam buscar assessoramento de técnicos, profissionais e
cientistas com visão contemporânea, ecológica. É preciso mudar o paradigma, sair do
crescimento a qualquer custo baseado em veículos e expansão da urbanização, e entrar
no desenvolvimento sustentável, planejar e projetar com o longo prazo em mente.
Infelizmente, as administrações têm visão de seu mandato, os projetos têm que sair
nesse período e agradar ao eleitorado com enfoque imediatista, sem medir as
conseqüências futuras dos projetos e intervenções na paisagem. Sai mais barato fazer
direito na primeira vez, e não agir em momentos de crise, ou ficar enxugando gelo. Em
vez de dragar rio s lagoas, deveriam eliminar a fonte do problema que é a sedimentação.
Aí é que entra a Inverde, que eu represento, que como outras ONGs, tem uma visão de
longo prazo da cidade. Procuramos educar e conscientizar diversos segmentos da
população com relação aos problemas e possíveis soluções para as questões urbanas.
Uma vez que não temos compromissos partidários, nem interesses pessoais, ficamos
livres para propor, colaborar e questionar o que está sendo feito. Temos tido um retorno
muito positivo, que foi até surpreendente. Penso que as pessoas querem participar para
viver melhor, em cidades mais humanas, com a natureza em seu bairro, sua rua.

6-) Que relações você vê entre infraestrutura verde e resiliência?

159
- Primeiro acho que é preciso explicar o que é resiliência. Fica fácil se a gente pensar que
é o contrário de ser vulnerável, como diz a Ana Cecilia da Inverde. A resiliência urbana é
construída de modo a que a cidade possa vir a sofrer impactos e possa resistir e se
regenerar com rapidez. Por exemplo, quando a energia é solar gerada nos tetos, ou em
estações próximas, não haverá black-out, se cair raios na rede de transmissão, o que
ocorre com freqüência atualmente. Se faltar combustível fóssil, ciclovias e vlt’s elétricos
irão evitar a paralisação da cidade. Se houver um rompimento na rede de águas ou
esgotos, e a fonte for próxima, com alternativas como: captação de águas das chuvas e
tratamento local, biodigestor os problemas poderão ser evitados. Uma das maiores
preocupações atualmente é com a segurança alimentar, por isso inúmeras cidades
promovem agricultura urbana em diversas escalas dentro da área urbanizada ou em sua
periferia imediata. A infraestrutura verde justamente é uma rede multifuncional, que
planeja no longo prazo a incorporação dessas questões, além da drenagem naturalizada,
que irá aumentar a resiliência às inundações. Irá também evitar deslizamentos, na medida
em que é preciso fazer levantamentos detalhados e evitar a ocupação de áreas
inadequadas, com a revegetação de encostas. A infraestrutura verde analisa 6 fatores
que interagem na cidade: geológico, hidrológico, biológico, social, circulatório e
metabólico (entradas e saídas de energia e matéria). É preciso conhecer os fluxos e levá-
los em conta ao planejar e projetar. O conhecimento multidisciplinar é fundamental, a
visão sistêmica integrada e holística é possibilitam a adaptação de cidades para que se
tornem resilientes aos impactos de tempestades, e outras ocorrências que se tornarão
cada vez mais fortes e frequentes. Além de se preparar para enfrentar a subida do nível
do mar.

7-) Você acha possível aplicarmos esses conceitos nos planos diretores?
- Claro, porém é necessário que haja uma compreensão dessas questões pela população
e pelos tomadores de decisão. A participação de uma população educada e aculturada é
fundamental para a construção da resiliência. Para ser sustentável e resiliente é preciso
que as ações partam de baixo para cima. Quem decide precisa conhecer quem vai viver e
usufruir do local. Os interesses coletivos precisam ser prioritários, Infelizmente, as
decisões ainda são tomadas na maior parte das vezes a portas fechadas, sem
participação efetiva de todos os atores do processo e dos moradores da cidade. Os
planos diretores devem ser para longo prazo, e não privilegiar projetos imediatos com
interesses particulares. Assim seria possível planejar uma infraestrutura verde que viesse
amenizar a infraestrutura cinza tradicional, com superfícies impermeabilizadas, ocupações
de áreas úmidas que deveriam ser preservadas, espaços e vias monofuncionais, que
interrompem os fluxos abióticos, bióticos e das pessoas, que causam ilhas de calor, que
eliminam a biodiversidade que presta serviços ecológicos insubstituíveis.

8-) E na escala nacional, como você vê o planejamento ambiental?


- Eu não posso falar da escala nacional pois nunca me aprofundei no tema, mas acho
que o Estado de São Paulo fez um Atlas de Biodiversidade exemplar. É o que deveria ter
no país todo, pois só se preserva e conserva o que se conhece. Para poder proteger é
preciso saber como fazer, onde estão os corredores e as áreas core, como conectar
esses fragmentos, que espécies irão circular, como conciliar com os usos e interesses
humanos. O Brasil possui a maior biodiversidade do planeta e o dia que realmente
valorizar, verá que vale mais do que petróleo. O petróleo tem tempo para terminar, a
biodiversidade não. Dela dependemos para viver, pois fazemos parte dessa maravilhosa
e complexa rede de vida.

160
9-) É possível um Planejamento ambiental no Brasil para o enfrentamento das
mudanças climáticas?
- Tenho certeza que se houver uma mudança de paradigma real, com o enfoque nos
benefícios que a natureza pode trazer para as pessoas, uma melhoria do Código
Florestal, ao contrário do que está sendo votado no congresso, poderemos enfrentar as
mudanças climáticas. Creio que corremos um sério risco de grande parte do Brasil vir a se
transformar num deserto, como aconteceu no Oriente Médio e no entorno do
Mediterrâneo, em especial o Norte da África, com a eliminação de suas florestas. É bom
lembrar que lá era a terra do leite e do mel.

10-) O Rio tem algum plano estratégico para a subida do nível do mar?
- Não, que eu conheça. Em 2008 foi publicado o livro “Rio Próximos 100 anos”, quando
Sergio Besserman era o presidente do IPP (Instituto Pereira Passos, que tinha o papel de
coordenar as secretarias, integrando as diversas áreas. Hoje o objetivo do instituto
mudou). Participaram pesquisadores e pessoas com grande conhecimento sobre a cidade
em suas áreas. Porém, acho que não foi feito nada com esse conhecimento. Existem
mapas que mostram as áreas sujeitas a inundações, que não estão sendo consideradas
ao planejar as novas áreas de expansão da cidade. Creio que a cidade não deveria se
espalhar mais, e sim se concentrar nas áreas onde já existe infraestrutura básica, e
melhorar as suas condições prevendo que o mar deverá subir, só não dá para prever
quanto.

São Paulo, outubro de 2010.

161
ENTREVISTA nº 2

BENEDITO ABBUD
Arquitetura Paisagística: Uma Profissão do Futuro

162
ENTREVISTA

Benedito Abbud

Arquitetura Paisagística:
Uma Profissão do Futuro

Benedito Abbud é arquiteto paisagista,


formado pela FAU-USP, onde também
obteve o título de mestre e foi professor.
Fundou a empresa “Benedito Abbud
Arquitetura Paisagística” em 1981, e
conta com mais de 5.000 projetos
desenvolvidos no Brasil e exterior,
tornando-se, na atualidade, o maior
escritório de paisagismo do Brasil.

www.beneditoabbud.com.br

“Pela grande quantidade de oportunidades e pelo cenário atual em alta,


vejo a arquitetura paisagística como uma das profissões do futuro.”

A Revista LABVERDE entrevistou o arquiteto Benedito Abbud, diretor e fundador


da maior empresa de Arquitetura Paisagística do Brasil, e trouxe aos leitores suas
opiniões e maneira de pensar o projeto de Paisagismo.

1-) Como você vê a profissão de arquiteto paisagista nos dias atuais?


- Pela grande quantidade de oportunidades e pelo cenário atual em alta, vejo a
arquitetura paisagística como uma das profissões do futuro.

2-) Como era essa atuação há 20 anos atrás?


- Há 20 anos atrás, estávamos convencendo os clientes do mercado imobiliário que o
nosso trabalho era importante para eles, que agregava valor ao imóvel, atendia as novas

163
necessidades de lazer, enfim, melhorava a qualidade de vida do comprador sem aumentar
os custos. De qualquer forma, os gastos com pisos, canteiros, iluminação,
impermeabilização e drenagem das áreas externas tinham que ser feitos de qualquer
forma, quer seja atendendo um bom projeto que superasse a expectativa do cliente ou
não.

3-) Como vê as questões de sustentabilidade em seus projetos?


- O argumento da sustentabilidade é fundamental, e bom para todos: para o projetista,
para o empreendedor, para o comprador e para o planeta.
Quando um elemento é bom para todos, o universo conspira a favor. Porém acredito que
a sustentabilidade deva estar apoiada em 5 pilares: A sustentabilidade ambiental, a social,
a cultural, a econômica e principalmente a sustentabilidade pessoal que tem que ser
percebida pelo usuário.

4-) Fale-nos um pouco sobre sua participação no projeto da Praça Victor Civita?
4 - Quando fui chamado, o projeto arquitetônico da praça já estava estruturado, era muito
bom e desafiador.
Cabia a mim contribuir com a conceituação da vegetação.
Pude realizar um sonho antigo: Colocar espécies de produção agrícola que fazem
perguntas e não propõem respostas:
- O que será de nós com os alimentos transgênicos?
- Vale a pena plantar cana que exige um ótimo solo para fabricar combustível e não
alimentos, enquanto podemos ter o biodiesel a partir de espécies menos exigentes como
mamonas, avelós, etc.?
- Que tal usar os muros para produzirmos alimentos através da hidroponia?.
- Por que não usar as falsas vinhas que revestem as edificações tornando-as frescas no
verão e quentes no inverno a custo zero?

5-) Você o considera um projeto inovador? Em que pontos?


5 – Pudemos propor um projeto mais conceitual, pois existia a figura de uma ONG para
monitorar os visitantes, principalmente escolas e crianças.
Como estávamos sobre um solo contaminado, que foi separado do solo superficial para
plantio através de uma manta impermeável de borracha, tivemos a oportunidade de testar
o tec garden que é um sistema de irrigação que utiliza água de chuva por capilaridade,
sem uso de energia, bombas, bicos, manutenção, etc. O tec garden era uma tecnologia
que estávamos testando há cinco anos.

6-) Quais outros projetos seus você destacaria como inovadores?


- Acho que mais que a inovação, um projeto deve ter uma alma, um conceito, um
objetivo, o qual contribua com o “crescimento” dos usuários.
Por exemplo: O Brascan Century Plaza (leia-se Kinoplex, figuras 1 e 2) no Itaim só foi
possível, pois o cliente comprou a idéia de se comemorar 100 anos da empresa Brascan
no Brasil. O projeto propunha 100 árvores de pau-brasil adultas e um “espaço praça” de
uso público para se tornar o centro do Bairro.
Isso facilitou a aprovação do aumento dos custos de obras. Esses custos foram
resultantes da necessidade de: maior escavação, uma vez que a maior profundidade de
terra para que as árvores se desenvolvessem sobre a laje exigiu que os sub solos
descessem mais; e também os custos com os reforços dos pilares para suportar o
aumento do peso extra do solo necessário para o plantio das árvores.

164
Fig. 1 – Brascan Century Plaza (Kinoplex): vista geral da praça.

Fig. 2 - Brascan Century Plaza (Kinoplex): detalhe do espelho d’água.

165
7-) Em relação ao mundo, como anda o paisagismo brasileiro?
- Na prática nosso paisagismo está ótimo, pois acho que estamos alinhados com a melhor
produção mundial.
Quanto a sua divulgação, infelizmente paramos na época de Burle Marx. As revistas se
interessam pouco por projetos de grandes escalas, ainda publicam jardins residenciais
unifamiliares, pois é o que vende.

8-) Em atuações multidisciplinares, quais áreas de atuação você considera


imprescindíveis nos projetos ambientais em sua equipe?
- Disciplinas como urbanismo, arquitetura, engenharia (principalmente infra estrutura,
hidráulica, elétrica, cálculo estrutural, impermeabilização) meio-ambiente, agronomia,
luminotecnia, orçamentos, etc.
O universo das escalas, especificidades e necessidades de cada projeto dirá quais as
prioridades para assessorar a multidisciplinaridade da arquitetura paisagística.

9-) E sobre as condições e sinergias de grupo que devem ocorrer para que o
trabalho seja realmente multidisciplinar?
- A sinergia deve estar embasada no respeito pessoal e profissional inerente a cada
disciplina. Isso não é fácil. Em geral representa muito trabalho e re-trabalhos para
absorver novas idéias, novos conhecimentos, novas técnicas e novas soluções. Mesmo que
haja discussões teóricas anterior é somente quando alguém começa a desenhar, a
estruturar o projeto é que as contribuições surgem, e infelizmente não ao mesmo tempo,
mas em seqüência implicando em muitas mudanças e alterações. Estamos ainda no início
da prática desse processo.

10) Sobre a formação do arquiteto paisagista atual, quais as questões que você
considera vitais para a evolução e valoração da profissão?
– Ter um pé na imaginação, no sonho, mas o segundo pé no chão, na realidade, nos
custos e na viabilidade. Embora esses sejam momentos diferentes no processo da criação
do projeto.
Infelizmente parece que os alunos estão sendo treinados apenas para o imaginativo, para
o novo, para ser autoral, e não estão embasados para responder questões técnicas de
execução, de adequação, de custos, etc.
Os alunos têm dificuldade de falar a linguagem técnica dos consultores e mais ainda a dos
clientes.
Sem o cliente que realiza a construção do nosso projeto, o nosso trabalho não passa de
idéias desenhadas, somos apenas sonhadores e não criadores, uma vez que a obra não se
materializa.

São Paulo, outubro, 2010.

166
ENTREVISTA nº 3

EDUARDO MARTINS FERREIRA


Edifícios com Selo Verde

167
ENTREVISTA

Eduardo Martins Ferreira

Edifícios com Selo Verde

Arquiteto Eduardo Martins Ferreira

Formado pela FAUUSP em 1974


Mestre pela FAU Mackenzie em 2005
Professor da FAU Mackenzie
desde 1986
Diretor da PURARQUITETURA Ltda

Na última década o Arquiteto Eduardo Martins Ferreira coordenou vários projetos de


edifícios emblemáticos como o Eldorado e Rochaverá, junto a um dos maiores escritórios
de arquitetura do país, o Escritório Aflalo e Gasperini, que receberam o selo americano
LEED. Ultimamente, como diretor da PURARQUITETURA, o arquiteto expõe, à Revista
LABVERDE, nesta entrevista, o seu modo de pensar o projeto de arquitetura com
preocupação na certificação verde.

1-) Como foi a experiência de ter coordenado os dois primeiros projetos de


edifícios a receberem certificados verdes – o Eldorado e o Rochaverá?
- O projeto da torre de escritórios do Eldorado foi uma experiência interessante. A
proposta do incorporador era construir um edifício que depois de 20 anos estaria
atualizado. Quando o projeto estava em andamento, em 2001, a ênfase era a redução de
consumo operacional. Isto determinava controle, portanto, automação e supervisão
predial (“edifício inteligente” termo em uso na época).

A idéia de certificação estava nascendo nos EUA e Europa, a Gafisa propôs então ao
Mackenzie desenvolver um selo verde. Porém quando o certificado americano, Leed, se
estabeleceu, substituiu essa iniciativa nacional pois acreditou que os prováveis locatários
seriam empresas americanas. Já o edifício Rochaverá, desenvolvido na mesma época,
seguia os padrões norte-americanos determinados pela Tishman-Speyer, que iniciava sua
atuação no mercado brasileiro. A certificação americana completou os rigorosos
procedimentos já adotados

168
Fig. 1. – Edifício Eldorado visto da arquibancada do Jockey Clube de São Paulo.

Fig. 2 – Edifícios Rochaverá vistos no nível do pedestre.

169
2-) Essa experiência mudou de alguma forma o processo de projeto?
- O que mais marcou foi a mudança de postura do incorporador. Até então nossos apelos
de sustentabilidade eram entendidos como gastos e não como ganhos. Com a idéia de
valorizar a comercialização do edifício, o enfoque mudou e para melhor. As inglórias
batalhas pelos conceitos de sustentabilidade, deram lugar a exigências de melhor
desempenho energético e de respeito ao meio ambiente.

3-) Como foi a composição de sua equipe em termos de áreas de atuação?


- Edifícios de grande porte (mais de 100.000 m²) e de alta qualidade, são feitos por um
grupo de quatro dezenas de especialistas. Para obtenção do certificado é necessário
consolidar as medições de todas as matérias em um único relatório. As regras, muito
detalhadas, da certificação conduzem a contratação de uma equipe que acompanhe o
desenvolvimento do projeto e auxilie na melhor composição das decisões. O impacto
deste novo parceiro na equipe foi maior pela novidade de penetrar dentro de cada matéria
do que pela dificuldade de atender suas demandas.

4-) Como se deu a interação entre sua equipe e a organização que atribuiu o
certificado verde?
- Nosso contato com a organização de certificação verde, se deu através da interpretação
de suas normas e dos consultores. Novas regras sempre incitam discussões e diferentes
interpretações, principalmente quando são idealizadas no estrangeiro. A nacionalização
dos conceitos e sua aplicações foram mais simples do que se imaginou de inicio. Ao final
concluímos que os novos parceiros foram integrados ao grupo e junto com eles a medição
da eficiência energética, pelo ponto de vista do selo adotado.

5-) O Certificado Verde previu outras avaliações em alguma fase de pós-ocupação?


- O Certificado verde pressupõe três tipos de homologação: projeto, obra e ocupação. A
certificação obtida pela nossa equipe, atendeu às exigências de projeto, as de construção
foram obtidas pela equipe de obra e as de ocupação vem sendo homologadas
individualmente pelos ocupantes.

6-) Como aparece no projeto a preocupação com os impactos durante a


construção?
- Para atender as questões de sustentabilidade, as tecnologias propostas em projeto, são
avaliadas sob o ponto de vista de impacto na obra, na natureza e na mão de obra. Estes
três pontos conduzem cada vez mais a industrialização dos itens de obra, buscando
dominar a construção com procedimentos de montagem, em substituição ao trabalho
manual que dificulta o controle de qualidade e as medições necessárias.

7-) Em que pontos o projeto contemplou a preocupação com o entorno?


- As preocupações urbanísticas que norteiam a concepção arquitetônica, são muito
importantes na avaliação de sustentabilidade. Essas preocupações incluem itens como
aceitação de ciclistas, com local para guarda de bicicletas e vestiários específicos;
proximidade com transporte de massa; acesso amigável de publico e integração
paisagística; luminosidade refletida pela torre; relação de sombras com o entorno próximo
e importância da composição volumétrica na linha de horizonte da cidade.

8-) Todos sabemos que a construção é uma das atividades que mais impacta o
Planeta, contribuindo em grande parte com o fenômeno do aquecimento global,
portanto, os certificados verdes obtidos previram alguma forma de compensação
ambiental por parte dos empreendimentos?

170
- A certificação obtida pressupõe cuidados rigorosos com a especificação dos materiais.
Estes são classificados pelo impacto ao meio ambiente quanto a distancia e tipo de
transporte até a obra, de forma de extração da natureza, de processo de industrialização,
pontuando melhor aqueles que poluem ou destroem menos. Jardins sobre lajes de
cobertura e áreas paisagísticas, são muito valorizados destacando aquelas diretas sobre
o solo. As regras do selo buscam disciplinar o incorporador, o construtor e os projetistas
quanto ao cuidado da produção e operação da edificação em si. Assim as compensações
ambientais são controladas tendo como base as exigências legais.

9-) Nos seus projetos em andamento ou futuros você mudaria algum procedimento
em relação ao processo de projeto e na aquisição de novos certificados verdes?
- A questão de sustentabilidade já é parte do nosso trabalho desde o primeiro contato com
o cliente. No padrão de projetos que realizamos há duas posições dos contratantes:
Homologação dos cuidados de sustentabilidade através de um selo. Tomar os cuidados
necessários para a sustentabilidade sem homologação. Estas duas opções vem de
encontro aos nossos princípios e já alteraram nossa relação com a exigência de posturas
ecologicamente corretas.

10-) Como entra a Legislação Brasileira nos certificados verdes obtidos pelos dois
edifícios pioneiros?
- O certificado considera as leis e exigências locais como ponto de partida para suas
medições. Isto é, se coloca adiante da lei, por exemplo, o selo pretende estimular o uso
do transporte publico, assim as vagas de garagem não podem ser superiores ao numero
obrigatório. Por outro lado muitas das medições que atendemos devem ser ajustadas a
realidade nacional. Um exemplo é a priorização de vagas para veículos com combustível
alternativo, raros nos EUA e maioria aqui com os nossos modelos “flex”.

11-) Até que ponto o certificado verde contribui para o sucesso de um


empreendimento e o seu acolhimento por parte dos empreendedores e da
sociedade?
- Para empreendimentos imobiliários de alto padrão comerciais, é hoje um ponto de
referencia na qualidade da edificação, pois essa consciência é tida como uma sofisticação
que agrega valor. Como passou a ser um ponto de venda, quem o compra passa a
valorizá-lo alterando para melhor seus próprios valores. Porém será difícil algum dos
atuais selos trazerem a sustentabilidade, para a padrões de construção mais econômicos
ou populares, pois surgiram para agregar valor e cobrar por isso.

171
4. DEPOIMENTO

172
DEPOIMENTO
Alejandra Devecchi

Áreas Prestadoras de Serviços Ambientais num


Cenário de Mudanças Climáticas

Alejandra Devecchi é arquiteta urbanista formada pela


Universidade de São Paulo em 1987. Nos últimos vinte
anos concentrou sua experiência profissional na área de
urbanismo e planejamento ambiental e urbano. Em maio
de 2010, obteve o título de Doutor pela Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo.
A tese “Reformar não é construir. A reabilitação de
edifícios verticais: novas formas de morar em São Paulo
no século XXI” aponta tecnologias de reforma de
edifícios verticais. Obteve o título de Mestre pela
Universidade de Londres em 1994. Ela também fez
cursos de especialização em Estudos Ambientais na
Espanha e Holanda, sendo fellow do Programa de
Lideranças Ambientais LEAD. Entre 2007 a 2010 atuou
como Coordenadora de Planejamento Ambiental e
Ações Descentralizadas na Secretaria do Verde e Meio
Ambiente, sendo assessora direta do secretário
municipal Eduardo Jorge. Atualmente trabalha no
“Projeto Nova Luz”, na empresa americana AECOM.
Seu tema central de pesquisa é sobre a compactação da
cidade como estratégia para a consolidação de uma
política urbana ambientalmente sustentável.

O novo cenário de Mudanças Climáticas pede reflexão. Uma análise rápida das
suas conseqüências aponta para além do aquecimento, uma mudança nos ciclo
das chuvas provocando aumento de enchentes entre outras coisas. Precisamos
mudar e mudar rapidamente, passando a olhar as áreas prestadoras de serviços
ambientais como recursos essenciais para nosso futuro desenvolvimento. Nesse
contexto, as áreas rurais desempenham um papel estratégico na equação da
drenagem urbana, amenização de temperatura e fixação de carbono.

Na tradição do planejamento urbano, as áreas rurais sempre foram tratadas como


vetores de expansão urbana ou simplesmente como locais destinados para a
produção agropecuária. Numa breve análise sobre o Município de São Paulo,
podemos verificar que hoje sobre estas áreas há um escasso controle sobre o uso

173
e ocupação do solo, tendo se transformado em territórios onde prevalecem
invasões, desmatamentos e todo tipo de irregularidades. Por outro lado, constituem
uma oportunidade por concentrar grande profusão de recursos naturais, capazes
de prestar serviços ambientais de escala metropolitana. Provisão de água limpa,
regulação da temperatura, fixação de carbono, despoluição do ar são alguns dos
inúmeros serviços que estes áreas são capazes de oferecer. O novo cenário de
Mudanças Climáticas exige uma nova visão para este território, com uma
compreensão clara da relação de serviços ambientais existentes. A política
ambiental tem hoje como obrigação legislar sobre esta questão, criando
instrumentos que facilitem mitigações e compensações com fácil implementação.

Neste sentido, a criação de um estoque de terras públicas prestadoras de serviços


ambientais parece uma idéia sensata. Hoje, estas áreas constituem oportunidades
imobiliárias pelo seu baixo valor de mercado, por serem áreas ainda rurais com um
amplo espectro de restrições para o seu uso, sendo adequada a sua
desapropriação. Este argumento ainda ganha maior destaque diante da grande
quantidade de empreendimentos a serem licenciados na RMSP com exigências de
compensação e mitigação. Este estoque de terras públicas funcionaria como uma
plataforma territorial a ser gerenciada pela SVMA, onde seriam alocadas todas as
compensações e mitigações a serem equacionadas na RMSP. Para o seu
adequado funcionamento, a Política Municipal de Serviços Ambientais definiria as
prioridades para a recepção dos investimentos, assim como definindo seu valor.
Poderiam também ser lançados certificados de serviços ambientais equivalentes ao
território desapropriado. Estes certificados seriam negociados nas transações de
compensação e mitigação, permitindo uma vinculação direta entre o
desenvolvimento imobiliário e a preservação dos recursos naturais.

O Município de São Paulo, com área de aproximadamente 1600km², apresenta hoje


50%, cerca de 800 km2, de área rural. Destes, significativa porção ainda
apresentam recobrimento vegetal, com os remanescentes de mata atlântica. Essas
áreas rurais apresentam uma estrutura fundiária muito particular, com incidência
significativa de propriedades com grandes dimensões territoriais, variando de
100.000,00 m² a 600.000,00 m², áreas estas que perderam importância econômica
no decorrer dos anos. Entrevistas com alguns donos apontaram que estas áreas
foram recebidas por herança, mantidas como poupança ou como ônus. Estas
glebas foram mantidas na esperança de serem parceladas para incorporação no
mercado imobiliário. Atualmente, a aplicação rigorosa da legislação ambiental, e a
sua consagração pelo Plano Diretor Estratégico, transformou essa idéia, num fato
impossível. Assim cabe ao poder público decidir sobre o uso de um território tão
importante para a equação urbano-ambiental da metrópole paulista, pois muitas dessas
áreas sofrem grande pressão por ocupações irregulares, sendo de interesse público a sua
manutenção como espaço de proteção ambiental. Nesse sentido, a SVMA, através da
DEPLAN passa a criar um estoque de áreas prestadoras de serviços ambientais, calcada
nas diretrizes e priorizando as áreas dos territórios das Macrozonas de Proteção
Ambiental do PDE.

174
5. COMUNICADOS

175
Revista LABVERDE
Normas para Apresentação de Trabalhos
A Revista LABVERDE, criada em 2010, é um periódico científico eletrônico, semestral
(abril e outubro), do Laboratório LABVERDE, multidisciplinar, com foco em Paisagem e
Sustentabilidade, atualmente estruturado em 9 áreas: Planejamento Ambiental,
Desenho Ambiental, Infraestrutura Verde, Arquitetura da Paisagem, Engenharia
Ambiental, Certificação Verde, Ecologia Urbana, Floresta Urbana e Projeto Sustentável.

Normas para Apresentação de Trabalhos


1. O Conselho Editorial da Revista LABVERDE decidirá quais artigos, ensaios,
entrevistas, conferências, debates, resenhas relatos de experiências e notas técnicas
serão publicadas, levando em conta a consistência teórica e a pertinência do tema em
conformidade com a linha editorial.
2. O Apresentação dos Trabalhos:
Em mídia eletrônica (CD, DVD), utilizando o processador de texto WORD 6.0 ou
superior, sem formatação, entrelinhas =1,5 – margens =2,5. Número de páginas entre
10 e 25, incluindo, imagens, tabelas, gráficos, referências, etc. Deverá conter entre
21.000 a 45.000 caracteres, incluindo o resumo, o abstract e a introdução. Deverão ser
entregues com o CD/DVD, três cópias impressas do arquivo. O resumo e o abstract não
deverão ultrapassar 2.000 caracteres.
3. Os títulos e os subtítulos deverão aparecer em maiúsculas, pois é importante que no
original fique clara a sua natureza. Também deverão ser concisos e explícitos quanto ao
conteúdo tratado. Deverão ser apresentadas, no mínimo 5 palavras-chave.
4. As contribuições deverão ser acompanhadas da versão em língua inglesa do título,
subtítulo, resumo e palavras-chave.
5. Logo após o título, devem constar o nome do autor, sua qualificação, procedência
e endereço eletrônico.
6. As notas e referências bibliográficas deverão ser agrupadas no final do texto e
devidamente referenciadas.
7. Não serão aceitas reproduções de imagens publicadas em livros, revistas ou
periódicos, sem a expressa autorização do(s) autor(es) das mesmas.
8. Os textos assinados serão de inteira responsabilidade dos autores e não haverá
alteração de seu conteúdo sem prévia autorização.
9. Os trabalhos deverão ser entregues pelos autores com a autorização expressa,
cedendo o direito de publicação à REVISTA LABVERDE.
10. Os editores se reservam o direito de não publicar artigos que, mesmo
selecionados, não estejam rigorosamente de acordo com estas instruções.

São Paulo, 21 de outubro de 2010

Profa. Dra. Maria de Assunção Ribeiro Franco


Professora Titular
Coordenadora do LABVERDE
Editora da Revista LABVERDE

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