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CONHECENDO A VIDA DO SOLO

VO LUME 5

Mic r o
organismos
-
-
© 2017 by Maíra Akemi Toma, Rogério Custódio Vilas Boas e Fatima Maria de Souza Moreira
Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida, por qualquer meio ou forma,
sem a autorização escrita e prévia dos detentores do copyright.
Direitos de publicação reservados à Editora UFLA.
Impresso no Brasil – ISBN: 978-85-8127-069-2

UNIVERSIDADE FEDERAL DE LAVRAS


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Ficha Catalográfica Elaborada pela Coordenadoria de


Produtos e Serviços da Biblioteca Universitária da UFLA

Micro-organismos / editores: Maíra Akemi Toma, Rogério Custódio Vilas


Boas e Fatima Maria de Souza Moreira – Lavras :
Ed. UFLA, 2017.
24 p. : il. (Conhecendo a vida do solo ; v. 5)

ISBN: 978-85-8127-069-2

1. Biodiversidade. 2. Organismos do solo. 3. Serviços


ambientais. I. Toma, Maíra Akemi. II. Boas, Rogério Custódio Vilas.
III. Moreira, Fatima Maria de Souza. IV. Universidade Federal de Lavras.
V. Título.

CDD – 631.4
CONHECENDO A VIDA DO SOLO

VO LU M E 5

Mic r o
organismos
-
-

Lavras, Minas Gerais


2017
EDITORES
Maíra Akemi Toma
Universidade Federal de Lavras | mairakemi@gmail.com
Rogério Custódio Vilas Boas
Universidade Federal de Lavras | rogeriovilas@gmail.com
Fatima Maria de Souza Moreira
Universidade Federal de Lavras | fmoreira@dcs.ufla.br

AUTORES
Fernanda de Carvalho
Universidade Federal de Lavras | fernandacarva@gmail.com
Franciane Diniz Cogo
Universidade Federal de Lavras | francianecogo@gmail.com
Jacqueline Savana da Silva
Universidade Federal de Lavras | jacsavana@yahoo.com.br
Jessé Valentim dos Santos
Universidade Federal de Lavras | jessevalentim@gmail.com
Leonardo de Paiva Barbosa
Universidade Federal de Lavras | ldpaiva@gmail.com
Teotonio Soares de Carvalho
Universidade Federal de Lavras | teo.decarvalho@gmail.com
Wesley de Melo Rangel
Universidade Federal de Lavras | wesleyrangeu@gmail.com
Thiago Palhares Faria
Universidade Federal de Lavras | thiagopalhares@ifma.edu.br
Fatima Maria de Souza Moreira
Universidade Federal de Lavras | fmoreira@dcs.ufla.br

REVISÃO DE TEXTO
Paulo Roberto Ribeiro

PROJETO GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃO


Miriam Lerner | Equatorium Design

CRÉDITOS DAS IMAGENS


Diego Tassinari: pp. 4, 10
Fatima Maria de Souza Moreira: p.13
Filipe França: p. 5
Franciane Diniz Cogo: p. 24
Jessé Valentim dos Santos: pp. 16, 17, 18
Ludwig Heinrich Pfenning: p. 24
Maíra Akemi Toma: pp. 5, 7
Teotonio Soares de Carvalho: pp. 9, 10, 15, 18, 19, 22

Agradecemos às agências de fomento:


Os
micro-organismos
do solo
O solo é um ecossistema onde
habitam seres de várias for-
mas e tamanhos, responsáveis por
das plantas e de outros seres vivos.
Os micro-organismos do solo são
ainda capazes de estabelecer impor-
processos e interações fundamen- tantes simbioses mutualísticas com
tais para a manutenção da vida na as plantas. Essas relações podem
Terra. Entre esses processos, pode- estimular o crescimento das plantas
mos citar a decomposição da maté- através de diversos mecanismos, in-
ria orgânica, na qual os nutrientes cluindo o fornecimento de nutrien-
retidos em galhos, folhas, restos de tes. No entanto, no solo, também ha-
animais e outros detritos são libera- bitam organismos que estabelecem
dos no solo e disponibilizados para relações desarmônicas (vide cartilha
outros organismos. A decomposi- Ecologia) com outros organismos, e
ção é parte dos ciclos dos elementos por isso atuam no controle biológico
nos quais os nutrientes e energia e consequentemente no equilíbro do
são transferidos entre organismos. ecossistema.
Além de participarem na decompo- Assim, os micro-organismos do
sição, os micro-organismos do solo so­lo, embora frequentemente des-
também auxiliam na agregação do percebidos pelos seres humanos,
solo, tornando o solo um habitat prestam inúmeros serviços à huma-
adequado para o desenvolvimento nidade e podem ser considerados

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co­mo os “operários” do ecossiste- a seguir descrevem o solo como um
ma. Alguns desses organismos têm habitat para inúmeros micro-orga-
sido utilizados em vários segmen- nismos e a importância deles para
tos da indústra (alimentícia, farma- a sustentabilidade e equilíbrio dos
cêutica, cosmética, etc.), transfor- ecossistemas, além da utilização
mando matéria-prima em muitos destes micro-organismos nas ativi-
dos produtos que utilizamos em dades humanas.
nosso dia-a-dia. Mas essa utiliza-
ção ainda é muito pouca diante da
enorme diversidade de organismos
que permanece inexplorada ou des-
conhecida. Os tópicos apresentados

Esquema da decomposição de resíduos orgânicos: resíduos frescos


ao serem depositados no solo são triturados pela micro, meso e
macrofauna (ver outras cartilhas) e, em seguida, sofrem ação dos
micro-organismos liberando nutrientes, húmus e CO2. Esse proces-
so pode ser mais rápido ou mais lento dependendo da temperatura,
pH, aeração e umidade do solo.

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Classificação dos
seres vivos
T odo ser vivo é formado por cé-
lulas, sejam unicelulares (uma
única célula), sejam pluricelulares
os seres vivos eram classificados em
dois grandes reinos: Animal e Vege-
tal. Ernest Haeckel, em 1866, propôs
(diversas células). Desde a descober- a criação de um terceiro reino, Pro-
ta e o começo dos estudos dos mi- tista, no qual foram inseridas as bac-
cro-organismos, a classificação dos térias, algas, fungos e protozoários.
seres vivos tem passado por grandes Após o avanço dos estudos sobre a
modificações. Inicialmente, todos estrutura celular, em razão do desen-

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volvimento de microscópios mais zoários e algas). A biologia molecular
potentes, duas categorias de células também tem permitido descrever a
foram propostas: células procarióti- imensa biodiversidade microbiana,
cas e eucarióticas. As células proca- cuja maior parte (> 90%) é composta
rióticas não apresentam o material de micro-organismos que ainda não
genético envolto por uma membra- podem ser cultivados. O cultivo dos
na – o núcleo –, ao passo que as cé- micro-organismos, ou seja, sua re-
lulas eucarióticas possuem núcleo. produção em números significativos,
Robert Wittaker, então, em 1969, é importante para os diversos tipos
expandiu essa classificação. Essa de estudos que podemos realizar com
nova classificação considerou não só eles. Através do estudo de DNA ex-
a organização celular, mas também a traído do solo, que é oriundo dos mi-
forma de obtenção de energia e ali- lhares, talvez milhões de espécies que
mento, propondo a classificação dos o compõem, podemos conhecer pelo
5 reinos: Plantae, Animalia, Fungi, menos parcialmente esses micro-
Protista (microalgas e protozoários) -organismos não cultiváveis.
e Monera (bactérias e cianofíceas).
Após 10 anos, com o desenvolvi-
mento e aprimoramento da Biolo-
gia Molecular, Carl Woese, baseado VOC Ê SAB IA?
em diferenças nos genes do RNA Existem bactérias, chamadas de
ribossômico, propôs uma nova clas- extremófilas, que vivem em ambientes
sificação, os três domínios: Archaea inóspitos aos seres humanos, mas que
(representado por arqueobactérias são ideais para seu desenvolvimento.
metanogênicas, termófilas, acidófilas Exemplo: as bactérias Pyrodictium
e halófilas); Bacteria (representado occultum habitam regiões com
pelas demais bacté­rias e as ciano- atividade vulcânica, incluindo solos com
temperaturas de até 105 C.
o
bactérias); e Eukaria (representado
por plantas, animais, fungos, proto-

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Atuação dos
micro-organismos
nos ciclos biogeoquímicos

O solo é a base da vida, respon-


sável por fornecer nutrientes
para o crescimento dos vegetais.
dade e riqueza de espécies. Os se-
res vivos, quando morrem, são de-
compostos em CO2 e nutrientes,
Em contrapartida, as plantas for- que também retornam para o solo.
necem matéria orgânica para o Fungos e bactérias são os principais
solo através da deposição de folhas, responsáveis pela decomposição da
madeira e compostos liberados nas matéria orgânica. A diversidade de
suas raízes, aumentando a fertili- micro-organismos é responsável

Diferentes fases de decomposição da matéria orgânica (folhas) por fungos e bactérias,


após fragmentação dos resíduos orgânicos pela fauna (vide cartilhas).

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pelas reações químicas nos fluxos nitrogênio (N), fósforo (P), potássio
dos elementos no solo. (K), cálcio (Ca), magnésio (Mg), enxo-
Todos os seres vivos são forma- fre (S), além de outros nutrientes em
dos por matéria. Essa matéria é menores quantidades. As combina-
composta por moléculas, formadas ções entre esses elementos formam
pela ligação entre elementos quí- grandes moléculas responsáveis pela
micos. Todavia, não podemos en- estrutura e funcionamento dos or-
tender os seres vivos como sendo ganismos, por armazenar energia e
apenas um conjunto de elementos transmitir informações. Os proces-
e compostos, mas como um sistema sos de assimilação de nutrientes e
complexo formado por ar, água, nu- degradação de moléculas orgânicas
trientes, substâncias químicas que compreendem o ciclo dos nutrientes.
armazenam energia e que intera- Durante esses processos, energia é
gem de diversas formas para man- consumida ou liberada, gerando um
tê-los vivos e saudáveis. fluxo capaz de manter a matéria uni-
A matéria orgânica – organismos da e organizada. A partir do fluxo de
vivos ou mortos – é formada, prin- energia, a interação entre os organis-
cipalmente, pelos elementos carbo- mos dos ecossistemas e o seu funcio-
no (C), hidrogênio (H), oxigênio (O), namento podem ser regulados.

Ciclo do carbono
O Sol é a principal fonte de ener- como a glicose. Para que essas mo-
gia responsável pela produção de léculas sejam formadas, as plantas
matéria orgânica pelas plantas. utilizam gás carbônico, água e luz
Através da fotossíntese, as plantas solar, e liberam oxigênio para a
são capazes de transformar energia atmosfera. Por sua capacidade de
luminosa em moléculas orgânicas, realizar fotossíntese, as plantas

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são classificadas como produtores bônico e água, na presença de oxigê-
dos ecossistemas. Além das plan- nio, liberando energia para o funcio-
tas, existem organismos capazes de namento dos organismos. Em outro
produzir seu próprio alimento (ex. processo similar, resíduos orgânicos
algumas bactérias nitrificantes, cia- (organismos mortos) são degradados
nobactérias e algas), também clas- por decompositores, liberando nu-
sificados como autotróficos. trientes, gás carbônico e energia.
Os organismos consumidores po- Assim, observamos um ciclo em
dem utilizar plantas como fonte de que as plantas usam o gás carbônico
energia e nutrientes. Pela respiração, para produzir alimento, enquanto
a glicose é transformada em gás car- os consumidores e os decomposito-

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res consomem esse alimento devol- ra. Ao respirarem as plantas e outros
vendo gás carbônico para a atmosfe- organismos também liberam CO2.

VOCÊ SABIA?
Mais de 75% do carbono (C) nos ecossistemas terrestres está armazenado nas florestas; mais da
metade desse carbono está na matéria orgânica do solo. Nesses locais, os fungos são os principais
reservatórios de C devido à formação de hifas extensas e abundantes, associadas às raízes das
plantas. O desmatamento de áreas florestais causa grande influência no ciclo do carbono, pois, além de
liberar para atmosfera o carbono presente na biomassa vegetal, provoca a morte dos fungos dos solos,
intensificando ainda mais a emissão de gases do efeito estufa. Assim, os solos sob florestas também são
importantes como reservatórios de carbono e reguladores do aquecimento global.

Ciclo do nitrogênio
O nitrogêno é um elemento mui- estar disponível como nutriente
to importante para os seres vivos e para as plantas a partir da decom-
possui um ciclo muito dinâmico. Ele posição de compostos orgânicos ni-
faz parte do DNA, das enzimas, da trogenados e pela fixação biológica
clorofila e de outras moléculas que do nitrogênio atmosférico (N2), que
compõe os seres vivos. No entanto, será abordada a seguir. No processo
é na forma gasosa (N2) que o nitro- de decomposição, fungos e bacté-
gênio ocorre em maior quantida- rias degradam compostos nitroge-
de na atmosfera do planeta, forma nados (por exemplo, proteínas) em
esta que não pode ser utilizada pela moléculas menores, como amônio,
maioria dos seres vivos. Para ser uti- que serão absorvidas pelas plantas
lizado por estes, o nitrogênio preci- como nutrientes. O nitrogênio tam-
sa ser transformado em outras for- bém pode ser adicionado ao solo na
mas. Nos solos, o nitrogênio pode forma de adubos produzidos pela

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indústria ou extraídos da natureza. e podem causar problemas ambien-
No entanto, esses adubos são caros tais quando mal manejados.

Ciclo do fósforo
O fósforo é um dos nutrientes mais (fosfato inorgânico), tornando esse
requeridos pelas plantas e pode ser elemento disponível para as plantas.
encontrado naturalmente em rochas. Outra fonte de fósforo disponível
O intemperismo ou “degradação” das provém da sua liberação da matéria
rochas ao longo do tempo tem sido orgânica pela atividade de micro-or-
a principal fonte de fósforo presente ganismos decompositores. O fósforo
no solo. No entanto, grande parte então é absorvido pelas raízes das
desse fósforo fica retido no solo, não plantas e se incorpora à cadeia trófica
podendo ser absorvido pelas plantas. dos consumidores, que o devolvem
Porém, alguns fungos e bactérias têm ao solo como excrementos ou através
a capacidade de solubilizar o fósforo da decomposição de seus resíduos.

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Agregação
do solo
O solo é formado por espaços
porosos e partículas orgâni-
cas e minerais. De acordo com o
filtração de água, ar, e, consequen-
temente, condiciona o habitat para
os organismos do solo. Por outro
seu tamanho, as partículas mine- lado, os organismos são capazes de
rais são classificadas, em ordem alterar a estrutura do solo princi-
decrescente, em areia, silte e argila. palmente através do transporte de
O arranjo dessas partículas forma a partículas e da agregação do solo;
estrutura do solo, que regula a in- por exemplo, quando minhocas,

Formação dos agregados do solo. Através da ação de micro-organismos, as partícu-


las do solo são cimentadas para formar agregados. Essa agregação aumenta a quan-
tidade de poros pelos quais a água pode infiltrar ou permanecer no solo, além de
servirem como habitat para os micro-organismos.

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cupins e formigas escavam túneis e tam os agregados por meio de subs-
galerias no solo, ocorre um aumen- tâncias viscosas excretadas. En­tre
to no volume de poros (espaços va- essas substâncias, podemos ci­tar:
zios no solo) e, consequentemen- polissacarídeos de alta viscosida-
te, uma melhoria na infiltração de de, glicoproteínas e substâncias
água e na aeração do solo. hú­micas. Os fungos micorrízicos
A agregação do solo consiste na arbusculares (ver próxima seção),
formação de partículas maiores por exemplo, secretam uma glico-
(agregados) a partir da junção das proteína chamada de glomalina,
partículas unitárias do solo (areia, que exerce um efeito físico de ade-
silte e argila). Os agregados do são entre as partículas, atuando
solo são formados a partir das in- como cimento. A agregação é um
terações entre minerais, água, ar determinante da qualidade do solo,
e, principalmente, organismos. Os pois está associada ao melhor cres-
micro-organismos do solo cimen- cimento das plantas.

1 2
G C

Derxia gumosa – isolada de raízes de Oryza perenne em solo de várzea da região Amazô-
nica. 1) Células (C) em microscópio com contraste de fase. Notar goma (G) em volta das
células. 2) Aspecto da colônia em meio de cultura sólido, em placa de Petri.

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Interação com
as plantas
Favorecimento da nutrição e crescimento
das plantas por micro-organismos

A lguns micro-organismos do
solo podem promover o cres-
cimento vegetal por mecanismos
Fixação Biológica de
Nitrogênio
O nitrogênio é um elemento essen-
diversos, incluindo: interações nu- cial para os seres vivos, pois é cons-
tricionais, como, por exemplo, a tituinte importante das proteínas,
fixação biológica do nitrogênio e o ácidos nucleicos e clorofila. O nitro-
aumento da absorção do fósforo; gênio está em sua maioria na forma
produção de hormônios e outros de N2 na atmosfera, a qual não é dis-
compostos orgânicos capazes de ponível para os eucariotos – inclusive
estimular o crescimento vegetal; para as plantas – e para grande par-
e, finalmente, pela proteção dessas te dos procariotos. Por isso, a fixa-
plantas contra organismos causado- ção biológica de N2 (FBN) é um dos
res de doenças. principais processos de entrada de N
Bactérias fixadoras de nitrogênio nos ecossistemas, uma vez que o N2
e fungos micorrízicos são os prin- é convertido para uma forma inorgâ-
cipais micro-organismos que esta- nica combinada chamada de amônia
belecem interações benéficas com (NH3), que pode ser utilizada pelas
plantas. plantas e outros organismos.

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Esse processo é mediado por um No sistema de vida livre, as bacté-
pequeno grupo de procariotos – rias não interagem diretamente com
bactérias fixadoras de nitrogênio a planta, ou seja, habitam o solo e
(BFN) – e só é possível porque esse realizam a FBN para suprir suas ne-
pequeno grupo possui uma enzima cessidades, independentemente da
chamada nitrogenase, que atua na planta. Nos sistemas associativos,
conversão da forma não disponível as bactérias colonizam o interior das
em forma disponível do nitrogênio plantas, além das superfícies de raí-
(N2 c NH3). zes, caules e folhas, onde realizam a
A interação de bactérias fixado- FBN. Contudo, não há formação de
res de nitrogênio e plantas pode ser estrutura específica (nódulo), como
classificada em três sistemas: 1) sis- ocorre nos sistemas simbióticos.
temas de vida livre; 2) sistemas as- Um exemplo de sistema simbióti-
sociativos e 3) sistemas simbióticos, co bastante conhecido ocorre entre
como ilustrado na figura abaixo. bactérias fixadoras de nitrogênio e

Interações entre plantas e bactérias fixadoras de N2: no primeiro sistema, as bactérias


não estão diretamente associadas à raiz das plantas, mas dispersas no solo. No segun-
do, as bactérias habitam a rizosfera ou colonizam os tecidos vegetais. Finalmente, no
terceiro sistema, as bactérias são abrigadas em estruturas especializadas da planta
chamadas nódulo.

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EXEMPLO DE SUCESSO
espécies de leguminosas: feijão, soja,
No Brasil, a utilização de bactérias
amendoim, etc. Esse sistema permite fixadoras de nitrogênio nas lavouras
uma completa interação entre a plan- de soja substitui totalmente o uso de
ta e as bactérias, uma vez que des- adubos nitrogenados, proporcionando
sa interação originam-se estruturas uma economia de bilhões de dólares por
ano, quando consideramos a área total
especializadas na raiz dessas plantas
plantada. Consequentemente, isso reduz
denominadas de nódulos, onde o substancialmente os impactos ambientais
processo de fixação biológica ocorre. dos adubos nitrogenados.

“SUPERBACTÉRIAS”
As bactérias fixadoras de nitrogênio conseguem quebrar
a ligação tripla do N2 em temperaturas ambientes e na
pressão atmosférica usando apenas a enzima nitrogenase
e energia metabólica. Para efetuar o mesmo processo
de forma artificial na indústria de fertilizantes são
necessárias temperaturas acima de 400°C e pressões
muito elevadas (107 Pascal)

16 CON HECEND O A V I DA D O SOLO


Micorrizas endomicorrizas e ectomicorrizas. No
Micorriza (mykes = fungos, rhiza = primeiro, o fungo penetra na parede
raiz) é uma simbiose mutualística celular das células do córtex da raiz
entre os fungos micorrízicos e as e forma estruturas especializadas
raízes das plantas. Estima-se que (arbúsculos e vesículas), ao contrário
essa simbiose exista desde que as das ectomicorrizas, em que o fungo
plantas passaram a colonizar o am- se limita aos espaços externos das cé-
biente terrestre (há cerca de 490 mi- lulas das raízes vegetais.
lhões de anos) e, por essa razão, cer- No estabelecimento da micorri-
ca de 80% das plantas são capazes za, as hifas do fungo colonizam as
de formar micorriza. Portanto, essa raízes da planta e, posteriormente,
simbiose é considerada como regra e se estendem e ramificam pelo solo.
não como exceção na natureza. Com isso, uma raiz micorrizada ex-
Existem vários tipos de micorri- plora um volume de solo muito su-
zas, sendo as categorias definidas de perior em relação a uma raiz não mi-
acordo com características morfoló- corrizada. Esse aumento do volume
gicas e funcionais das associações. explorado facilita a absorção de água
No entanto, é de acordo com a loca- e de nutrientes pela planta, princi-
lização do fungo na raiz que se dis- palmente do fósforo (P), cuja contri-
tinguem os dois principais grupos: buição do fungo para sua absorção

M I C R O - O R G A N I S MOS 17
Esporos de fungo micorrízico

pode exceder 80%. Simultaneamen- sintetizar, pois não possuem cloro-


te, os fungos micorrízicos, como fila. Com isso, esses organismos fa-
“pagamento” dos seus serviços, re- vorecem o crescimento das plantas,
cebem da planta os compostos or- contribuindo expressivamente na
gânicos que necessitam para a sua produção agrícola e no funciona-
sobrevivência e que não conseguem mento dos ecossistemas terrestres.

VOCÊ SABIA?
A maioria dos solos brasileiros possui
muito fósforo, que é um nutriente muito
exigido pelas plantas, mas ele está preso
nos mineirais do solo tão fortemente que
as plantas não conseguem absorvê-lo.
Felizmente, algumas bactérias e fungos do
solo, incluindo os fungos micorrízicos, são
capazes de quebrar essas ligações e tornar
o P disponível para as plantas novamente.
Este processo é chamado de solubilização.

18 CON HECEND O A V I DA D O SOLO


Benefícios das micorrizas. Na figura, as hifas de fungos micorrízicos estão re-
presentadas em azul. Essas hifas ampliam o volume de solo explorado pela
planta e conseguem penetrar em pequenos poros do solo não acessíveis para
a raiz. Observe a localização do fungo no interior da raiz (em amarelo) e sua
proliferação para região periférica da raiz.

M I C R O - O R G A N I S MOS 19
Patógenos
e parasitas
de plantas
O s organismos do solo intera-
gem de múltiplas maneiras
com as plantas. Além de organismos
Em condições naturais, entretan-
to, as populações de patógenos e pa-
rasitas de plantas são mantidas sob
que interagem positivamente com as controle através de uma vasta e com-
plantas, abordados na seção anterior, plexa rede de interações com outros
há no solo micro-organismos que organismos do solo, como a compe-
podem causar doenças em plantas e tição com outros micro-organismos,
animais, chamados de patógenos (do predação pela fauna bacteriófaga e
grego pathos = doença; génos = que fungívora, alelopatia (liberação de
produz). Entre esses organismos, compostos que inibem o crescimen-
estão bactérias e fungos fitopatogê- to), entre outras. Além disso, quan-
nicos, que são capazes de invadir os do a diversidade de plantas é alta, os
tecidos vegetais e até provocar a mor- patógenos têm maior dificuldade de
te da planta hospedeira. Na agricul- encontrar o seu hospedeiro favorito
tura, esses organismos causam per- e, consequentemente, sua prolifera-
das estimadas em 16% da produção ção é reduzida. Nessas condições, os
mundial; além disso, cerca de 10% do organismos fitopatogênicos e para-
total de pesticidas utilizados na agri- sitas são mantidos sob equilíbrio.
cultura são destinados ao controle de Os patógenos de plantas exercem
patógenos de plantas. ainda um importante papel regula-

20 CON HECEND O A V I DA D O SOLO


dor sobre as comunidades vegetais. ciados à cultura, é favorecida. Além
Isso ocorre porque quando uma disso, a aplicação de pesticidas e a
planta hospedeira se prolifera dema- compactação do solo têm forte im-
siadamente, os seus patógenos tam- pacto negativo sobre os predadores,
bém se multiplicam, reduzindo o seu quebrando o equilíbrio ecológico do
crescimento. Consequentemente, solo. Por essa razão, é fundamental
outras espécies de plantas têm chan- conhecer e manejar corretamen-
ce de proliferarem e a diversidade da te os organismos do solo, a fim de
comunidade vegetal é mantida. minimizar o impacto da agricultu-
Em sistemas agrícolas mal ma- ra sobre eles e, consequentemente,
nejados, especialmente no caso de minimizar o impacto negativo que
monoculturas, a proliferação das alguns organismos do solo são capa-
p o p u l açõ e s de patógenos, asso- zes de causar na agricultura.

C U R IO S ID A D E
Um exemplo c
lássico, e drá
que os patóg stico, dos pre
enos de plant juízos
Grande Fome a s p o d em causar é
de 1845-184 a
de um milhão 9 , que matou ce
de irlandeses rca
milhão a emig e fo rç ou outro
rar. Entre as
a essa catás c a usas atribuíd
trofe, está um as
batata causa a d o e n ça da
da pelo oomic
infestans, que e t o Phytophtho
reduziu em c ra
produção de e rc a d e 75% a
batata naqu
ele período.

M I C R O - O R G A N I S MOS 21
Interações planta-organismos do solo: 1) Fungos micorrízicos arbusculares estimulam
o crescimento da planta, principalmente pela exploração de maior volume de solo.
2-3) Bactérias fixadoras de N2 estimulam o crescimento das plantas pelo aumento da
disponibilidade de N para a planta hospedeira; além disso, algumas delas produzem hor-
mônios de crescimento, solubilizam P, ou exercem outras formas de promoção de cres-
cimento da planta. 4-5) Os decompositores liberam para as plantas nutrientes retidos na
matéria orgânica do solo; essa liberação de nutrientes na biomassa é também exercida
pelos predadores. 6-8) Alguns nematoides, fungos e bactérias do solo são capazes de
parasitar as plantas e causar doenças que podem reduzir o crescimento ou causar a
morte do hospedeiro. 9-10) Os organismos predadores do solo exercem um importante
papel de regulação das comunidades microbianas e, consequentemente, na manutenção
do equilíbrio ecológico; além disso, eles disponibilizam indiretamente para as plantas os
nutrientes retidos em sua biomassa (bactérias, fungos decompositores, entre outros).

22 CON HECEND O A V I DA D O SOLO


Bioprospecção
de micro-organismos

C omo visto anteriormente, os


micro-organismos desempe-
nham diversas funções nos ecos-
com características que podem ter
valor para o desenvolvimento co-
mercial de produtos. Há décadas
sistemas terrestres. Além dessas os micro-organismos e suas carac-
funções, eles apresentam impor- terísticas têm sido explorados com
tância biotecnológica, uma vez finalidades bio­ tecnológicas pelas
que diversos produtos podem ser indústrias de diferentes segmen-
obtidos direta ou indiretamente a tos: alimentar (queijos, iogurte, co-
partir deles. O processo de obten- gumelos, vina­gre, etc), fabricação
ção desses produtos é uma tare- de bebidas (vinho, cerveja, cachaça,
fa relativamente longa e tem seu etc), farmacêutica (vacinas, insuli-
início na coleta e seleção do mi- na, antibióticos, etc), combustíveis
cro-organismo com características (etanol) e tratamento de resíduos
desejáveis e termina com a obten- (esgoto doméstico e outros).
ção do produto comercial. O está- Nas últimas décadas, a indústria
gio inicial do processo de coleta e farmacêutica tem ampliado seu in-
seleção do(s) micro-organismo(s) é teresse pelos micro-organismos de-
o que podemos chamar de biopros- vido à sua capacidade de produzir
pecção. Em outras palavras, pode- metabólitos naturais com atividade
mos definir a bioprospecção como antitumoral e anticancerígena.
sendo a busca por fontes biológicas No processo de bioprospecção

M I C R O - O R G A N I S MOS 23
Produtos comerciais obtidos por meio da atividade de micro-organismos.

de micro-organismos, amostras laboratório. Os micro-organismos


de diversos ambientes podem ser contidos nas amostras são isola-
analisadas (solo, água do mar, de dos em meios de culturas e suas
ambientes inexplorados ou poluí- características são estudadas, veri-
dos, tecidos de plantas ou animais ficando-se a existência de caracte-
vivos ou em decomposição, etc). rísticas com capacidade de explo-
Os materiais são analisados em ração comercial.

Milhões de vidas são salvas anualmente pelo uso de antibióticos, como a penicilina, es-
treptomicina, tetraciclina e outros, os quais são obtidos a partir dos micro-organismos,
especialmente de actinobactérias e fungos. Na imagem, estruturas do fungo Penicilium
notatum, produtor da penicilina.

24 CON HECEND O A V I DA D O SOLO


O solo e suas múltiplas funções são a base da vida no planeta. Além
de produzir nossos alimentos, fibras para nossas roupas e energia
para diversos fins, é responsável pela qualidade do ar e da água, entre
outras funções. Apesar disso, os diferentes segmentos da sociedade, em
geral, negligenciam a sua importância. Para muitos, o solo é considerado
“sujeira”. Do mesmo modo, os inúmeros organismos que nele ha­bi­tam
são considerados pragas e causadores de doenças. No entanto, organis-
mos maléficos são uma minoria das espécies existentes e são controla-
dos por outras espécies quando o ambiente está em equilíbrio. Equilíbrio
que é rompido por atividades humanas inadequadas. Isso acontece dev-
ido ao enorme desconhecimento sobre tudo que se refere ao solo. O ob-
jetivo da coleção “Conhecendo a vida do solo” é aumentar a consciência
sobre a importância do solo, de modo que esse recurso da natureza seja
preservado, não só para garantir a existência das futuras gerações, mas
também para melhorar a qualidade de nossa vida hoje.

Os editores

ISBN 978-85-8127-069-2

9 788581 270692

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