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Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo

DES0128 – Fundamentos de Direito Público

Docente: Vitor Rhein Schirato

Aluno: Lucas Iamani Abe

Nº USP: 11915092

Turma 13

Soberania e direito público – populismo, nacionalismo e desenvolvimentismo

São Paulo – SP

2020
Introdução

O trabalho aqui apresentado tem o objetivo de discutir sobre a relação entre soberania e
o “Estado de Direito” e sobre problemas do direito público comparado, sendo estes: da ascensão
do pensamento populista em democracias tradicionais; do Brexit; e do neodesenvolvimentismo
brasileiro em políticas ambientais, principalmente, na Amazônia. Analisarei o uso do conceito
de soberania nessas situações problemáticas, como este conceito se encaixa no contexto do
problema, suas limitações e os seus potenciais.

A Soberania e o Estado de Direito

Primeiramente, devemos entender o que é soberania e no que consiste o Estado de


Direito. O conceito de soberania é um que se desenvolve desde o final do século XVI, tratado
por muitos estudiosos das teorias e dos fenômenos jurídicos e políticos ao longo da história,
passando por muitas transformações até se tornar o conceito utilizado hoje. A soberania, como
põe Dallari1, reunindo pensamentos de múltiplos autores no decorrer do tempo, consistiria em
um poder absoluto e perpétuo, caracterizado por sua inalienabilidade, indivisibilidade,
imprescritibilidade e unicidade, fortemente associado à questão de legitimidade do Estado e
que decide em última instância sobre a atributividade das normas.

O Estado de Direito, por outro lado, segundo Carlos Ari Sundfeld2, seria aquele criado
e regulado por uma Constituição, no qual o exercício do poder político é dividido entre órgãos
independentes que regulam uns aos outros de maneira harmoniosa, a fim de que a lei produzida
por um deles seja observada pelos demais e que os cidadãos possam utilizá-las contra o próprio
Estado. Essa noção de Estado de Direito decorre de uma evolução histórica de um Estado que,
devido a sua soberania, não tinha as suas ações limitadas por normas ou ordenamentos jurídicos;
para um Estado Social e Democrático de Direito, que deve se submeter às normas estabelecidas
na Constituição (se submetendo ao Direito), que tem os seus agentes públicos fundamentais
escolhidos pelo povo (promovendo a democracia) e que deve agir positivamente para o
desenvolvimento e justiça social (defendendo questões sociais).

Dessa forma, podemos entender que ambos os conceitos convergem no assunto da


atuação do Estado, porém, destoam em muitos aspectos na maneira como compreendem o

1
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da Teoria Geral do Estado. 11ª edição. São Paulo: Saraiva, 1985
2
SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos do Direito Público. 1ª edição. São Paulo: Malheiros, 1992
assunto. São dois conceitos existentes na realidade atual, mas que entram em conflito, uma vez
que os elementos da atuação do Estado defendidos por um, se opõem aos do outro. Assim, é
possível observar a crise conceitual presente na realidade política dos dias atuais, isto é, a
dissonância entre o Estado de Direito e a soberania.

Populismo nas Democracias Tradicionais

A ascensão global de narrativas populistas em democracias tradicionais no mundo atual


nos revela essa desconformidade entre o Estado de Direito e a soberania. Nos últimos anos,
muitos presidentes que se baseiam em narrativas populistas subiram ao poder, como exemplos
notáveis temos o presidente estado-unidense Donald J. Trump e o presidente do Brasil, Jair
Bolsonaro, que foram eleitos utilizando campanhas políticas que consistiram em discursos
nacionalistas que criaram um ambiente confortável para a proliferação de pensamentos racistas
e xenofóbicos na população.

Segundo Benjamin Moffitt3, essa situação de crescente proliferação de discursos


populistas tem a sua origem em um cenário atingido pelos efeitos de uma crise financeira global,
que alimenta uma insatisfação e raiva de uma grande parte da população, diante disso, certos
atores políticos utilizam essa raiva para promover os seus ganhos políticos. Esses atores adotam
esses discursos populistas, declarando que irão consertar a situação do país, Trump, por
exemplo, é reconhecido pelo seu famoso slogan “Make America Great Again”, assim, esses
indivíduos apelam ao povo para promover a sua campanha política, sem necessariamente
cumprir com os seus discursos, se autoproclamando os defensores dos interesses do povo.
Claramente, como pode ser observado pela ascensão do populismo, é uma estratégia efetiva. O
autor explica, ainda, dentro da perspectiva de que o populismo é uma força negativa para a
democracia, que a democracia contemporânea pode ser divida em um pilar democrático, que
essencialmente enfatiza a soberania do povo, e um pilar constitucional ou liberal, que enfatiza
os direitos do indivíduo e estabelece a autoridade suprema do Estado na lei. O populismo
promove esse pilar democrático da democracia, defendendo que a democracia poderia ser
entendida como simplesmente o “poder do povo”, quando na verdade consistiria no poder da
maioria, esse “majoritarismo” desenfreado, porém, pode resultar em ataques à minorias, como
exemplificado pelos discursos de Donald Trump e seus seguidores, fortemente contra
imigrantes.

3
MOFFITT, Benjamin. The global rise of populism: performance, political style, and representation. 1ª Edição.
Stanford, California: Stanford University Press, 2016.
Nesse contexto de ascensão de discursos populistas, a soberania se apresenta no pilar
democrático da democracia que é promovido por esses discursos e, ao mesmo tempo, esse
fenômeno desvaloriza o pilar constitucional da democracia, que se conforma com a ideia de
Estado de Direito, assim, desvalorizando salvaguardas impostas na Constituição que garantem
direitos humanos individuais e protegem cidadãos de outros ou do Estado.

Brexit

A saída do Reino Unido da União Europeia, conhecida popularmente como Brexit, é


um outro problema do direito público comparado que envolve a questão da soberania. Por meio
de um plebiscito, a população do Reino Unido decidiu a saída da União Europeia. Os principais
motivos para essa decisão da população foram a crise dos refugiados e a grave situação
econômica de certos países da União Europeia que, devido ao bloco econômico, exigia
contribuições do Reino Unido para lidar com a situação. Esses foram os principais fatores que
motivaram a decisão popular, mas a saída do Reino Unido da União Europeia foi fortemente
associada a ideia de uma restauração da soberania do parlamento. Nas palavras de Nigel Farage,
líder do Brexit Party, a União Europeia seria “uma burocracia excepcionalmente grande e
irresponsiva que governa um continente inteiro”4, indicando a aversão à autoridade do bloco
econômico sobre o Reino Unido. Michael Gove, outra figura política que defendeu a separação,
acreditava que “as decisões que governam todas as nossas vidas, as leis que devemos todos
obedecer e os impostos que devemos todos pagar deveriam ser decididas pelas pessoas que
escolhemos e que nós podemos expulsar caso quisermos mudança”5, aqui podemos observar
claramente a proclamação pela soberania do Estado do Reino Unido.

Após a saída do Reino Unido do bloco econômico europeu, a econômica britânica foi
severamente impactada pela decisão6. O Brexit causou muitas incertezas econômicas levaram
empresas a adiarem investimentos no Reino Unido, a queda no valor da libra elevou a inflação,
reduzindo o consumo interno e, além disso, houve a queda do desempenho do mercado de ações
britânico, consequentemente, essas decadências econômicas certamente prejudicaram a
população britânica. Ademais, junto a essas decadências econômicas, o Brexit também foi
responsável por dificultar a imigração7, excluindo a população de refugiados e imigrantes, o
que agravou ainda mais a situação de certos setores da economia que dependia de mão de obra

4
O Brexit e o Direito Administrativo
5
“Let’s take back control”: Brexit and the Debate on Sovereignty
6
Reino Unido segue mergulhado em incerteza econômica após Brexit
7
Reino Unido dificulta imigração no pós-Brexit
estrangeira no pré-Brexit. Diante de tudo isso, podemos observar uma perda do caráter social
do Estado Democrático e Social de Direito britânico, mas, simultaneamente, temos uma
valorização do caráter democrático do Estado britânico, uma vez que a efetivação da saída do
Reino Unido da União Europeia fora uma concretização da decisão democrática (plebiscito).

Portanto, no contexto do Brexit, vemos novamente um conflito entre soberania e Estado


de Direito, de modo que a saída do Reino Unido visava restaurar a plena soberania do governo
britânico, o fazendo de maneira democrática, mas ao mesmo tempo, fere o caráter social do
Estado de Direito britânico.

O Neodesenvolvimentismo Brasileiro8 e Políticas Ambientais9

O outro problema que devemos tratar aqui neste trabalho é a o neodesenvolvimentismo


brasileiro e a sua relação com políticas ambientais, examinando a questão da soberania nesse
cenário. O neodesenvolvimentismo é um fenômeno que se desenvolveu recentemente no Brasil,
na segunda metade dos anos 2000, o termo seria a expressão teórica de um novo período de
desenvolvimento no Brasil. Contudo, como explica Arruda Sampaio Jr., a política econômica
de neodesenvolvimentismo brasileiro depura os seus aspectos negativos e condensa o seu lado
positivo, em outras palavras, desvaloriza os problemas trazidos pelo desenvolvimento, dessa
forma, seria apenas um simulacro de desenvolvimento, no qual crescimento e modernização
são promovidos à condição de desenvolvimento, apenas consistiria numa fachada para a
apologia do status quo. Ademais, essas políticas neodesenvolvimentistas são responsáveis por
uma crise da soberania do Estado brasileiro devido ao seu envolvimento em políticas
ambientais.

O neodesenvolvimentismo brasileiro privilegia a inserção do país no sistema


internacional, dessa forma, fortalece setores da economia que buscam a inserção internacional
do país e os que priorizam as exportações. Todavia, essa internacionalização, especialmente no
contexto das políticas ambientais, significa a influência e a interferência de outros Estados, o
que leva ao questionamento da soberania brasileira. No caso da Amazônia, houve recentemente
vastas queimadas que causaram grande comoção nacional, pois surgiu-se a discussão de
possíveis intervenções internacionais no território brasileiro para “salvar” a floresta
amazônica10. O governo de Jair Bolsonaro, presidente de discurso nacionalista e populista11, é

8
Desenvolvimentismo e neodesenvolvimentismo: tragédia e farsa
9
Neodesenvolvimentismo e lutas sociais: afinidades e distanciamentos entre os modelos brasileiro e argentino
10
Who Will Save the Amazon (and How)?
11
Amazônia e soberania nacional
reconhecido por negligenciar a questão de mudanças climáticas que estariam causando
queimadas na Amazônia além de não reforçar a proteção da floresta amazônica diante de
incêndios de origem antrópica, tudo isso a fim de garantir as políticas econômicas
neodesenvolvimentistas do país. Certamente, essa atitude vai contra o Art. 225 da Constituição
Federal que incumbe, resumidamente, ao poder público o dever de proteger o meio ambiente,
ou seja, vai contra a ideia de um Estado Social e Democrático de Direito, uma vez que o Estado
não estaria obedecendo a norma estabelecida na Constituição; mas seria defendida pela ideia
de soberania nacional, pois o Estado teria um poder absoluto. Além disso, a discussão sobre
uma intervenção internacional na Amazônia para “salvá-la” põe em questão a soberania do
Estado brasileiro sobre esse território, sob a defesa de que a Amazônia deve ser assegurada para
o bem do Meio Ambiente, ainda que desafie as decisões teoricamente soberanas do Estado
brasileiro.

Conclusão

Em suma, é necessária a elaboração de uma atualização teórica sobre a questão da


soberania e do Estado de Direito, como pode ser observado por uma análise de múltiplos
cenários problemáticos sob a perspectiva da Teoria do Direito Público. Tanto no caso do
populismo em democracias tradicionais, ou no do Brexit, ou no do neodesenvolvimentismo
brasileiro e políticas ambientais; existe uma grande confusão teórica que surge de um conflito
entre a ideia de Estado de Direito e a de soberania. Analisando a realidade, portanto, podemos
concluir que esses conceitos devem ser reformulados, uma vez que não se conformam
harmoniosamente com a realidade.

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