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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE MATO GROSSO BONINNE MONALLIZA BRUN

MORAES

FRONTEIRA DISCURSIVA: O DISCURSO ESCOLAR E FAMILIAR FRENTE À


MATERIALIDADE DO LAUDO DE TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA

SINOP

2018
BONINNE MONALLIZA BRUN MORAES

FRONTEIRA DISCURSIVA: O DISCURSO ESCOLAR E FAMILIAR FRENTE À


MATERIALIDADE DO LAUDO DE TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA

Dissertação apresentada à Banca


Examinadora do Mestrado em Letras, da
Universidade do Estado de Mato Grosso –
UNEMAT, Campus Universitário de Sinop,
como requisito parcial para a obtenção do
título de Mestre em Letras.

Orientadora:
Profa. Dra. Tânia Pitombo de Oliveira

SINOP
2018
FRONTEIRA DISCURSIVA: O DISCURSO ESCOLAR E FAMILIAR FRENTE À
MATERIALIDADE DO LAUDO DE TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA

Dissertação apresentada à Banca


Examinadora do Mestrado em Letras, da
Universidade do Estado de Mato Grosso –
UNEMAT, Campus Universitário de Sinop,
como requisito parcial para a obtenção do
título de Mestre em Letras.

BANCA EXAMINADORA

Orientadora
Dra. Tânia Pitombo de Oliveira
UNEMAT – Campus Universitário de Sinop

Avaliadora Externa

Dra. Cristiane Dias


UNEMAT – Campus Universitário de Campinas/ SP

Avaliadora Interna

Dra. Sandra Straub


UNEMAT – Campus Universitário de Sinop

Avaliadora Suplente

Dra. Maristela Cury Sarian


UNEMAT – Campus Universitário de Sinop

SINOP

Sinop, 04 de setembro de 2018.


AGRADECIMENTOS

Agradeço ao meu criador, pois sei que os sonhos me movem tenho a Vossa bênção
como o alicerce que me sustenta e me conduz pelo melhor caminho, me ampara para não
desistir em nenhum momento, por mais difícil que se apresente a tarefa.
Agradeço aos colaboradores desta pesquisa, primeiramente aos pais que contribuíram
com a pesquisa, por falarem com desprendimento sobre momentos delicados de suas vidas,
pelo envolvimento, sem restrições ou ressalvas quanto ao assunto abordado,
Agradeço à UNEMAT pela oferta do programa de pós-graduação de Mestrado
Acadêmico em Letras que forneceu a oportunidade de exteriorizar o discurso de pessoas que
não estão dentro da academia, mas que precisam ser ouvidas e compreendidas como sujeitos
em construção.
Agradeço à Secretaria de Educação e à Escola Municipal da cidade de Sinop/ MT por
permitirem a realização da pesquisa com a professora e a coordenadora da escola, para
informar como se encontra a realidade dos alunos que necessitam de laudo diagnóstico e
entender qual a importância deste documento para a instituição.
À minha família agradeço, pela compreensão das ausências neste período de
construção do conhecimento, mas me apoiando em todos os momentos.
Em especial, agradeço as minhas mestras, primeiro a minha orientadora Tânia Pitombo
de Oliveira que com sua sabedoria me direcionou nas escolhas certas e com muita paciência e
confiança acreditou na capacidade de sua aluna, de outra área do conhecimento, ensinando-a
se encantar com a Análise do Discurso.

E agradeço a mestra Cristine Leus Tomé que acreditou na minha capacidade de


produzir, fazendo-me estudar muito para atender este objetivo. E não posso deixar aqui de
mencionar a professora mestra Sandra Straub que me conduziu em suas orientações sempre
prontamente e me dando a oportunidade de unir meus conhecimentos aos da linguística e assim
realizar cursos de informação sobre a inclusão.

Aos colegas de mestrado, agradeço em especial: Adriano, Débora, Leandro, Jack,


Maria José, Romeu, Regina e Sara que me ajudaram na construção do caminho, dividindo
suas dúvidas e me auxiliando nas minhas, acompanhando cada passo dado sempre ao lado.
Reitero o agradecimento mais que especial à Professora Dra. Cristianne Dias que
aceitou participar da banca de dissertação do mestrado, apoiando e orientando muito
precisamente os melhores caminhos a serem percorridos na construção da defesa.
E agradeço a todos os professores deste programa que contribuíram muito com a minha
constituição como aluna de mestrado, onde nos apresentaram desafios tanto no modo de
pensar ou repensar, como nas produções escritas.
Cito ainda meu agradecimento aos amigos que não fazem parte desta academia, mas
que em muitos momentos me apoiaram e incentivaram para concluir este tão sonhado
mestrado.
E aqui agradeço aos meus pacientes e seus pais que tiveram a maior compreensão pelas
ausências em virtudes de congressos e compromissos acadêmicos, sempre compreensíveis e
apoiadores.
RESUMO

O presente trabalho realiza análise do discurso familiar e pedagógico frente a materialidade


do laudo diagnóstico, como uma fronteira discursiva, o aluno apresenta alterações nas áreas
comportamentais e pedagógicas em que é encaminhado à avaliação médica para se obter o
diagnóstico das alterações de desenvolvimento apresentadas na escola. Foram realizadas
entrevistas semiestruturadas em três âmbitos, a posição sujeito professor, do sujeito
coordenador e do sujeito familiar no momento antecedente ao laudo diagnóstico e buscando
na materialidade do laudo observar a transformação ocorrida nos sujeitos e na imagem perante
o aprendiz. Apoiada nos teóricos da Análise de Discurso materialista histórica que
contextualiza a materialidade da língua falada, escrita e documentada em um processo
histórico e sendo uma disciplina de interpretação, nos embasamos nesta linha para identificar
na circularidade dos discursos, se o laudo se apresentará como uma fronteira discursiva para
o aprendiz. O interesse da pesquisa veio com a visão profissional, como terapeuta da fala, que
fornece o laudo, tanto para a escola que o fica esperando ansiosamente, como para os pais em
resposta às queixas apresentadas pela instituição que está incluso e apresenta-se como o
diferente. Além da inquietação da transformação visível deste aluno que se modifica para o
autista e não mais o aluno no momento da confirmação do laudo diagnóstico, assim nosso
objetivo será a identificação e a compreensão do sentido da relação comunicativa. A
materialidade deste laudo transforma o sujeito diferente que está com um atraso ou somente
inadequado em um sujeito com um diagnóstico patológico, perdendo sua identidade e sua
singularidade.
Palavras-chave: Transtorno do Espectro Autista, Laudo Diagnóstico, Discurso Escolar e
familiar.
ABSTRACT

The present work carries out a discursive analysis, through the case study of the family and
pedagogic discourse against the materiality of the diagnostic report, as a discursive frontier,
where the student presents changes in the behavioral and pedagogical areas and was sent to
the medical evaluation to obtain the diagnosis of the developmental alterations presented at
the school, semi-structured interviews were carried out in three scopes, the position subject
teacher, the subject coordinator and the family subject at the time antecedent to the diagnostic
report and seeking in the materiality of the report to observe the transformation occurred in
the subjects and in the image before the apprentice. Based on the theorists of historical
materialist discourse analysis that contextualizes the materiality of spoken language, written
and documented in a historical process and being a discipline of interpretation, we rely on this
line to identify in the circularity of discourses whether the report will be presented as a
discursive frontier for the apprentice. The interest of the research came with the professional
vision as a speech therapist, who provides the award to both the school that awaits him
anxiously, and to the parents in response to the complaints presented by the institution that is
included and presents itself as the different. In addition to the concern for the visible
transformation of this student that changes for the autistic and no longer the student at the time
of confirmation of the diagnostic report, so our objective will be the identification and
understanding of the meaning of the communicative relationship. The materiality of this report
turns the different subject which is delayed or only inadequate in a subject with a pathological
diagnosis, losing its identity and its uniqueness.
Keywords: Autistic Spectrum Disorder, Diagnostic Report, School and Family Speech.
11
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO......................................................................................................................................12
1 EDUCAÇÃO INCLUSIVA.................................................................................................................16
1.1 CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DO TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA ...... 23

2 O PERCURSO HISTÓRICO DA DIVERSIDADE............................................................................36


2.1 FATO E ACONTECIMENTO ....................................................................................................... 43

2.2 SER DIFERENTE É SER ANORMAL? ........................................................................................ 48

2.3. A FRONTEIRA DO ATO DE NOMEAR .................................................................................... 50

2.4 HISTÓRIA DO LAUDO EM FOUCAULT ................................................................................... 50

3 OS DISCURSOS: o antes e o depois do laudo diagnóstico.................................................................54


3.1 DISCURSO FAMILIAR DA POSIÇÃO SUJEITO PAI................................................................ 56

3.2 DISCURSO FAMILIAR DA POSIÇÃO SUJEITO MÃE ............................................................. 64

3.3 O LAUDO: acontecimento social .................................................................................................. 66

3.4 DISCURSO PEDAGÓGICO DA POSIÇÃO SUJEITO COORDENADORA DE ESCOLA ........ 68

3.5 DISCURSO PEDAGÓGICO DA POSIÇÃO SUJEITO PROFESSORA ....................................... 72

3.6 O USO DA FORMULAÇÃO “A GENTE” NÃO SÓ COMO PRONOME PESSOAL DE


TERCEIRA PESSOA DO PLURAL, MAS COMO NOVO EFEITO DE SENTIDO .......................... 77

4 A MATERIALIIDADE DO LAUDO DIAGNÓSTICO E NOVOS SENTIDOS...............................86


5 EFEITO DE FECHO ..........................................................................................................................91
REFERÊNCIAS......................................................................................................................................94
Referencial webgráfico...........................................................................................................................97
APÊNDICES..........................................................................................................................................98
APÊNDICE 1: LISTA DE PERGUNTAS DAS ENTREVISTAS ....................................................... 98

APÊNCICE 2 .................................................................................................................................... .100


12
INTRODUÇÃO

Ancorada em um gesto de leitura da posição de Fonoaudióloga e trabalhando


concisamente com os alunos do Mestrado Profissional em Letras na Unemat/ Sinop
(ProfLetras), ministrando palestras para a disciplina da Fonética e Fonologia, em atenção
especial aos processos fonológicos como princípios basilares para a atuação dos professores
em sala de aula no movimento de alfabetização escolar, despontou o desejo de estreitar as
relações multidisciplinares.
Com o advir deste trabalho de prelecionar para a área da educação, observou-se a falta
de interação entre os profissionais das áreas da saúde e os da educação que trabalham
diretamente com crianças em desenvolvimento, o que fez refletir o quanto o conhecimento do
desenvolvimento da linguagem e da língua é de fundamental importância para ambas as áreas.
Na busca da reflexão sobre o distanciamento entre as áreas da educação e saúde,
considerou-se que, na educação, a responsabilidade em ensinar, educar, identificar e
solucionar possíveis dificuldades que seus alunos possam vir a ter, como as dificuldades frente
aos alunos com diagnósticos diversos que os limitam ou os diferenciam nesse processo de
alfabetização e o quanto a troca entre as áreas é de fundamental importância para que haja
realmente a inclusão dos alunos.
A inclusão, atualmente, é determinada por lei, um novo desafio aos educadores que
procuram maneiras para conseguir prevalecer o direito que todos têm, que é o direito à
inclusão. Para que haja a inclusão dos alunos com seus direitos adquiridos é necessário um
laudo descrito por um médico. E uma das grandes dificuldades que vem ocorrendo, no
momento para a realidade das escolas brasileiras, é o grande número de crianças sem laudo
diagnóstico sendo inseridas em classes de aula regulares com quase nenhuma orientação e
formação aos professores, o que causa dúvidas e insegurança.
Esse fato também originou a intenção e fomentou a ideia do ingresso no Mestrado
Acadêmico em Letras para que, no aprofundamento dos estudos da linguagem, com a união
de áreas inter-relacionadas dispus realizar a pesquisa que tem como objeto de reflexão o
momento do laudo diagnóstico como uma fronteira discursiva que, a partir de uma nova
formulação, caracteriza-se não mais o aluno e sim o autista. Pensando em relação a criança da
educação infantil de 4 anos de idade, que chega à sala de aula sem um laudo e apresenta
dificuldades, não inerentes à idade ou ao esperado pra sua idade cronológica, como
dificuldades comportamentais e na fala.
13

Frente às questões apontadas, no trabalho procurou-se compreender o momento do


laudo diagnóstico como uma fronteira discursiva em relação aos discursos familiar e escolar
de um aluno com Transtorno do Espectro 1Autista, doravante identificado como TEA, para
entender a diferenciação entre a posição sujeito aluno para posição sujeito aluno autista.
Justifica-se este trabalho devido a necessidade de maior conhecimento sobre o sujeito
autista e do trabalho em sala de aula com o aluno que, embora seja diferente na sua maneira
de se expressar ou de agir, ainda assim é um sujeito constituído entre a sua língua e história e
frente às leis de inclusão do sujeito com TEA para ingressar na sala de aula regular. Segundo
a Lei 12.764 de 27 de dezembro de 2012, que institui os direitos à pessoa com TEA, houve a
necessidade de depreender como são produzidos os sentidos que se constituem frente a
diversidade, ao inesperado, respaldados à materialidade do laudo que transforma um indivíduo
com potencialidades de aprendizagem próprias frente à família e sociedade escolar e o
remetendo pelas formações imaginárias em um sujeito com incapacidades.
Assim, para se atingir o objetivo de analisar o laudo como sendo uma fronteira
discursiva, a pesquisa está ancorada na teoria da Análise do Discurso Materialista Francesa,
tendo como premissa a compreensão da materialidade do laudo diagnóstico do sujeito aluno
para o sujeito aluno com TEA, no discurso da posição sujeito pai do aluno, na posição sujeito
coordenador e professor da escola.
No primeiro capítulo abordar-se-á a Educação Inclusiva no Brasil, desde a concepção
até o caminhar nos dias atuais em que se faz necessário direcionamentos concisos para se
estabelecer politicamente e fazer valer os direitos dos cidadãos especiais. A inclusão está
diretamente ligada ao Laudo diagnóstico médico. Também observar-se-á o entremeio do
Discurso médico no político e na educação, por meio da apresentação do que é o Transtorno
do Espectro Autista, desde as primeiras classificações, para se compreender como a patologia,
tão abrangente que, atualmente, aumentou significativamente sua incidência não só como um
fenômeno brasileiro, mas sim mundialmente, se constitui no âmbito social e familiar. Além de
discorrer sobre o Laudo diagnóstico, com sua definição de funcionamento de processo
inclusivo.
No segundo capítulo, amparado no referencial teórico da Análise do Discurso,
apresentar-se-á as noções de sujeito, discurso, linguagem, formações imaginárias, as formas

1
Segundo Teixeira (2016 p.18) o quadro clínico do autismo apresenta níveis se severidade distintos, ou seja,
indivíduos com o mesmo diagnóstico apresentam manifestações clínicas diferentes, vindo deste fato o termo
espectro.
14

de silêncio, denominação e fronteira discursiva para as análises dos discursos dos


entrevistados.
Dessa forma, sem apresentação de laudos diagnósticos, as crianças são matriculadas
na escola regular à educação, no entanto, entram na escola sem diagnóstico específico, sendo
observadas como a criança diferente das demais no desenvolvimento. Até o momento da
obtenção do laudo, a criança constitui-se como um sujeito com restrições sociais. Ao discorrer
o que é o laudo, um documento importante para se estabelecer direitos a todos que faz valer
as leis da educação e observando a hierarquia de poder que o discurso médico tem sobre a
educação.
O terceiro capítulo, com base no referencial teórico da Análise do Discurso,
apresentarará as noções de sujeito, discurso, linguagem, formação imaginária, as formas de
silêncio, denominação e fronteira discursiva para as análises dos discursos dos entrevistados
Para as análises, no terceiro capítulo, usaremos recortes das entrevistas do sujeito pai,
do sujeito mãe, do sujeito coordenador e sujeito professor aos quais manifestaram o longo
processo de identificação, aceitação e significação da criança que se apresentou diferente das
demais, verificando qual a importância do laudo para a construção de novos sentidos em
relação ao aprendiz que nunca deixou de ser um ser social, mas com limitações.
Para a apreensão dos conceitos teóricos metodológicos da Análise do Discurso buscou-
se nos autores Althusser (1996), Brandão (2004) Dias (2018), Foucault (1999 e 2008), Gadet
(2014), Guimarães (2005), Gregolin (2007), Mussalin (2007)), Orlandi (1987, 2004, 2007,
2012, 2014 e 2015), Pêcheux (1990, 2014) e Rodrigues (2011). Quanto às pesquisas
relacionadas ao Autismo utilizou-se as referências: BRASIL (2013), Mello (2000), Pereira
(2011), Orrú (2016), Teixeira (2016) e Willians (2008). E para a discussão sobre a Inclusão
nos pautamos nos referenciais de Brasil (2008) e Nunes (2013), já para a compreensão do
laudo diagnóstico buscou-se o aporte teórico de Brzozowki (2013), Canguilhem (2009),
Foucault (1977) e Rezende (2010). Estes e demais autores presentes no decorrer do texto,
possibilitaram a formação de novos efeitos de sentidos.
A escola em que se realizou a pesquisa está vinculada ao município de Sinop, Mato
Grosso, Brasil. Abrange a pré-escola, conta com 16 turmas com crianças de quatro e cinco
anos de idade, sendo de direção municipal. Dispõe de 8 salas de aula, laboratório de
informática, sala de leitura, cozinha, refeitório, secretaria, diretoria, sala dos professores,
almoxarifado, recepção, pátio coberto, anfiteatro e playground. Conta com um corpo de
profissionais constituído de técnicos de desenvolvimento, secretária, treze professores,
15

Diretora e coordenadora, auxiliar de coordenação pedagógica e oito técnicos de apoio e fica


localizada no bairro próximo à região central na cidade de Sinop no Estado do Mato Grosso. A
presente pesquisa se caracteriza pela análise qualitativa, com realização de entrevistas
semiestruturadas e gravadas com devida autorização e transcritas, na íntegra, antes de
submetidas à análise. Não foi determinado tempo para início e fim das entrevistas e os dados
obtidos foram analisados qualitativamente na busca da compreensão do objeto do trabalho a
viabilidade da materialidade do laudo diagnóstico como sendo uma fronteira discursiva e os
efeitos de sentido antes e após o laudo.
16

1 EDUCAÇÃO INCLUSIVA

O universalismo que queremos hoje é aquele


que tenha como ponto em comum a dignidade
humana. A partir daí, surgem muitas
diferenças que devem ser respeitadas. Temos
direito de ser diferentes quando a igualdade
nos descaracteriza.
Boaventura de Souza Santos

O modelo de educação especial, atualmente implantado no Brasil, segundo o Instituto


Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), autarquia federal
vinculada ao Ministério da Educação. Até 2016, o último censo escolar publicado na íntegra,
apresentava 751,0 mil estudantes com deficiência em classes comuns, sendo que na rede
pública de ensino apresentou-se 461,6 mil aprendizes matriculados, aumentando
gradativamente os percentuais devido a lei que configura a política nacional de inclusão do
aluno especial nas salas de ensino regular. (Relatório SAEB, 2018).
Os dados do Inep apontam que eram 930.683 alunos com deficiência no ano de 2016,
transtornos globais de desenvolvimento e altas habilidades/superdotação no ensino regular.
Destes, 81% estavam em escolas e salas comuns e 19% nos colégios ou salas exclusivas para
pessoas com deficiência. Em 2005, o quadro era bem diferente: 492.908 pessoas com
necessidades especiais estudavam no país – apenas 23% no ensino comum e 77% em escolas
especiais.

Relatório SAEB, 2018


17

Para se compreender o aumento da inserção dos alunos com necessidades especiais,


apresentar-se-á um breve histórico das atuações emergidas no século XIX trazidas por
especialistas em educação, ideias europeias e norte-americanas com a intenção de implantar e
coordenar ações para acolher os sujeitos com deficiências, sejam estas físicas, sensoriais ou
mentais.
As criações de projetos educacionais para a inclusão de alunos especiais não estavam
incorporadas às políticas públicas de educação brasileira, sendo necessário um advir de
aproximadamente um século para que a educação especial começasse a integrar o sistema
educacional brasileiro. Ocorrendo oficialmente no início dos anos 60, do século XX, essa
modalidade de ensino foi instituída com a denominação de "educação dos excepcionais".
A Educação Especial em 1957 foi assumida pelo poder público, com campanhas,
visando o atendimento específico para cada tipo de deficiência, iniciou-se com a Campanha
para a Educação do Surdo Brasileiro – CESB, tendo como resultado a instalação do Instituto
Nacional de Educação de Surdos – INES, no Rio de Janeiro/RJ. No decorrer do tempo outras
campanhas análogas foram elaboradas para acolher as outras deficiências. Em 1972 foi
instituído pelo Ministério de Educação e Cultura – MEC um Grupo-Tarefa de Educação
Especial onde foi apresentada uma proposta inicial de estruturação da educação especial
brasileira, obtendo como resultado a criação de um órgão central para reger esta nova etapa da
educação. Atualmente, este grupo é operacionalizado pela Secretaria de Educação Especial
- SEESP, mantendo os programas de ações para o fortalecimento da educação especial e de
formações constantes dos professores. (BRASIL, 2008)
As políticas brasileiras de educação especial se mantiveram administradas por pessoas
ou grupos associados e beneficentes de assistência aos deficientes até o regime militar, regime
político vigente no período da década de 70, no século XX, nas elevadas patentes, iniciaram a
direção das instituições. Nos dias atuais a coordenação permanece nas mãos de políticos
advindos do sistema, além de pais e amigos de deficientes que abraçaram a causa, fundando
APAES (Associação de Pais e Amigos do Excepcional) por todo o Brasil.
A APAE originou-se no Rio de Janeiro na data de 11 de dezembro de 1954 com o
intuito de propiciar o cuidado integral à pessoa com deficiência. Impulsionada pela presença
de Beatrice Bemis2, advinda dos Estados Unidos onde participou da criação das organizações
de pais e mestres, infundiu esta ideia de projeto similar de implantação da associação no Brasil
e a primeira reunião desta ordem ocorreu em março de 1955 na sede provisória na Sociedade

2
Membro do corpo diplomático norte-americano e com filho com síndrome de Down e fundadora dezenas de
associações de pais e amigos em seu país
18

Pestalozzi do Brasil3. A partir de 1945 a 1962 surgiram outras APAES, totalizando, no final
deste ano, dezesseis unidades e logo se espalhou pelo Brasil e, atualmente, conta-se com mais
de duas mil unidades, todas filantrópicas.
O movimento das APAES tornou-se uma organização respeitada nacionalmente em
que destaca-se pelo seu empenho em serviços prestados a humanização e valorização do ser
humano, voltado à pessoa com deficiência mental.
Primeiramente apresentaremos as três APAES que surgiram e após a divisão por
estados. (LIBERASSO, 2011):

Rio de Janeiro /RJ

Brusque /SC

Segue a trajetória das fundações das APAES nos outros estados brasileiros, segundo o
mesmo autor supracitado, observamos o crescente número da fundação das instituições, em
um curto espaço de tempo, pela necessidade de iniciar uma educação direcionada para os
alunos especiais, não esperar que o engajamento político se manifestasse.
Sendo assim, considerou-se a urgência dos desafios da educação especial das crianças
que, até o momento, não tinham nenhuma perspectiva de acesso à educação, relegados da
sociedade.
Sociedade a qual acabava de receber a carta de Direito Humanos, em 1948 que,
segundo Orlandi (2016), promulgava que todo ser humano tem direito à vida, à liberdade, à
segurança pessoal, além de pronunciar os diretos civis e políticos instaurados, além de direito
à educação na visão da ordem determinada pela mediação do Estado, o sujeito individualizado.

3
Entidade filantrópica, gratuita e sem fins lucrativos, que trabalha no atendimento de pessoas especiais, deficientes mentais e
com deficiências múltiplas.
19

A seguir, um breve histórico da fundação das APAES no Brasil.

06/10/1967
07/08/1981
20/08/1964
04/05/1973
27/09/1966
03/10/1968
28/08/1965
22/08/1965
27/05/1965
15/05/1969
10/03/1971
01/06/1956
10/06/1967

30/11/1962
23/03/1957
27/10/1961
04/06/1968
06/10/1962
11/12/1954
31/10/1959
12/02/1981
07/08/1961
14/09/1955
27/08/1967
07/08/1957
22/10/1986
A fundação da APAE de Mato Grosso, iniciou com o casal, ele, engenheiro civil e
professor Domingos Iglesias Valério e ela, Norma Ruth Boehler Iglesias, que tinham um filho
com Síndrome de Down. Em suas buscas por assistência para ele conhecera a instituição
APAE no Rio de Janeiro e, a partir deste momento, iniciaram o processo de fundação da APAE
em Cuiabá. Esta ideia tomou força após um encontro com outro pai de menor posses e com o
filho nas mesmas condições que o dele, decidiu por iniciar a implantação, segue o relato,
segundo (ARRUDA, 2018):

Um encontro foi crucial para a decisão definitiva. O professor Domingos


descia a pé a Avenida Getúlio Vargas e ao chegar a esquina do velho Grande
Hotel, foi interceptado por um cidadão que dava a mão a um menino, portador
de deficiência mental que foi logo lhe perguntando: “Eu sei que o senhor tem
um filho com o mesmo problema que o meu, mas o senhor tem recursos
financeiros para tratá-lo em outros estados e eu não. Como é que eu poderia
dar a ele um tratamento?!... O olhar angustiado do homem e o sorriso inocente
20

de seu filho cruzaram com o olhar do engenheiro, que sentindo amor ao


próximo, encheu-se de coragem e esperança e respondeu-lhe: “Vamos fundar
uma APAE em Cuiabá, amigo, para que você, bem como um grande número
de outros pais, que têm o mesmo problema, possam dar assistência e conforto
a seus filhos! ”.

Com o apoio da primeira dama do estado na época, a senhora Maria Aparecida


Pedrossian, esposa do então governador Pedro Pedrossian que governou o estado do Mato
Grosso nos períodos de 1966 a 1971. Na época, na cidade de Cuiabá havia uma população de
58.000 pessoas.
No caminho pela concretização da inclusão, a educação especial no Brasil direcionou-
se para o estabelecimento de leis, como: A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional,
Lei Nº 4.024/61, que garantiu o direito dos "alunos excepcionais" à educação, estabelecendo
a integração na comunidade dos alunos, enquadrando-os, dentro das possibilidades, no sistema
geral de educação. Assim, no dia 06 de outubro de 1967 foi realizada a primeira reunião de
fundação da APAE de Mato Grosso, seguido do apoio de várias entidades locais.
Na atualidade, o município de Sinop também conta com uma APAE, que foi fundada
em 07 de novembro de 1984 na gestão do prefeito Geraldino Dal’Maso, com a coordenadora
técnica Jane Maria Arruda Figueiredo que promovia a educação especial e o suporte para 215
alunos matriculados.
Hoje, segundo dados colhidos com a coordenadora da gestão de 2018, Neusa Omizzo,
a APAE Sinop, conta com 227 alunos especiais matriculados, sendo aproximadamente 40 com
diagnóstico de TEA. Porém, não são todos que participam da escola regular por apresentarem
diagnósticos que não possibilitam ter atividades de vida diárias 4 sem supervisão. Não foi
repassada a informação se todas as crianças autistas frequentam, escolas regulares.
Na rede municipal, segundo dados do Instituto criança, que é vinculado à Secretaria de
Educação, Esporte e Cultura de Sinop/ MT e responsável pelo atendimento extra curriculares
de crianças com necessidades especiais, no ano de 2017 havia 329 crianças especiais em
escolas regulares e, deste número, 80 crianças, aproximadamente, eram autistas. Em 2018 este
número de laudos de autismo foi para 108 crianças frequentando escolas regulares.

4
São tarefas básicas de autocuidado, parecidas com as habilidades que aprendemos na infância. Elas incluem:
alimentar-se sozinho, ir ao banheiro ou solicitar para ir, escolher e vestir roupas, tomar banho, andar ou transpor-
se da cadeira de rodas para a cama sem auxílio.
21

O surgimento das instituições pelo Brasil foi aproximadamente no mesmo período,


época do início dos debates sobre Educação Especial, apresentando-se como uma saída para
os embates políticos da época, citando aqui o período da ditadura, com o discurso “educação
para os excepcionais”. Não se falava em inclusão, em uma visão segregativa e modelos
assistencialistas, o que nos leva a pensar que este sujeito não fazia parte da sociedade,
incidindo sobre ele o preconceito. Orlandi (2016 p. 224) aponta que “o preconceito incide
sobre a existência mesma do indivíduo, negando-lhe a vida. ”
Na Constituição Brasileira de 1988, artigo 205 prescreve que: “A educação é direito
de todos e dever do Estado e da família, prevendo o dever do Estado com a educação será
efetivado mediante a garantia de: atendimento educacional especializado aos portadores de
deficiências físicas e/ou intelectuais preferencialmente na rede regular de ensino”.
No dicionário, o enunciado “portador” traz consigo a definição de que ou quem carrega
uma bagagem, um carregador e, para a classe médica, o termo portador é o indivíduo, no caso
os doentes, que transportam, em seu organismo, agentes causadores de moléstias atuando como
propagador de doenças. Entende-se que o termo portador, atualmente, não é mais usado para
as pessoas que necessitam de atendimento especial, sendo instituído por decreto somente em
2010, o termo correto a ser utilizado hoje é “Pessoas com Deficiência” (Portaria N° 2.344 de
03 de novembro de 2010).

Art. 1º Esta portaria dá publicidade às alterações promovidas pela Resolução nº 01,


de 15 de outubro de 2010, do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Portadora
de Deficiência - CONADE em seu Regimento Interno. Art. 2º Atualiza a
nomenclatura do Regimento Interno do CONADE, aprovado pela Resolução n° 35,
de 06 de julho de 2005, nas seguintes hipóteses: I - Onde se lê "Pessoas Portadoras
de Deficiência", leia-se "Pessoas com Deficiência"; II - Onde se lê "Secretaria
Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República", leia-se "Secretaria de
Direitos Humanos da Presidência da República"; III - Onde se lê "Secretário de
Direitos Humanos", leia-se "Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos
Humanos da Presidência da República"; IV - Onde se lê "Coordenadoria Nacional
para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência", leia-se "Secretaria Nacional de
Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência"; V - Onde se lê "Política Nacional
para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência", leia-se "Política Nacional para
Inclusão da Pessoa com Deficiência". (PORTARIA SEDH Nº 2.344, DE 3 DE
NOVEMBRO DE 2010).
22

Atualmente, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), Lei nº 9.394 de


20/12/96, no Capítulo V, refere-se à educação especial, determinando-a como uma
modalidade de educação escolar, ofertada na rede regular de ensino, para educandos que
apresentam necessidades especiais.
A LDB delibera sobre as adaptações didáticas nos currículos, metodologias, técnicas
e recursos educativos a serem aplicados aos alunos que não possam concluir o ensino
fundamental, em decorrência da deficiência. A LDB determina também a formação de
professores em nível médio e superior e o ingresso igualitário aos benefícios sociais, delimitou
o espaço da educação especial na educação escolar, mas não mencionou os aspectos
avaliativos. Também definiu, concomitantemente com as normas para a organização da
educação básica, a possibilidade de avanço nos cursos e nas séries mediante verificação do
aprendizado oportunidades educacionais apropriadas.
Com relação ao Transtorno do Espectro Autista, a lei 12.764/12, de autoria de
Berenice Piana5, que dispõe sobre a Política Nacional dos Direitos e Proteção das Pessoas com
TEA, tendo todo autista direito de frequentar a escola regular oferecendo recursos e
adaptações necessárias para a inclusão.
Estudos recentes mostram que a presença desses educandos na escola regular teve um
grande aumento nos últimos anos devido às políticas dessa natureza (NUNES, AZEVEDO
SCHMIDT, 2013; GOMES; MENDES, 2010). Para viabilizar o acesso e permanência desses
alunos, é ofertado o Atendimento Educacional Especializado (AEE) no turno contrário ao da
sala regular.
Esse serviço tem como objetivo:

Identificar, elaborar e organizar recursos pedagógicos e de acessibilidade que


eliminem as barreiras para a plena participação dos estudantes, considerando
suas necessidades específicas. As atividades desenvolvidas no atendimento
educacional especializado diferenciam-se daquelas realizadas na sala de aula
comum, não sendo substitutivas à escolarização. (BRASIL, 2008, p. 16)

Orlandi, (2015), propõe a observação da relação que está presente na articulação que
o Estado faz entre o simbólico com o político e a ideologia, constituindo, desta maneira, os
sujeitos e os sentidos. Refletindo neste aspecto, como considera-se a individuação destes

5
Berenice Piana é mãe de autista e ativista na luta para implantar direitos, com legislação participativa, ajudou
na luta de implantação da Lei 12.764/12 pelos direitos das pessoas autistas, que até a presente data não era
considerada pessoas com necessidades especiais.
23

alunos como “diferentes”, já que as leis os qualificam como diferentes, mas favorecendo a
acessibilidade e criando novos sentidos de diversidade. As noções de sujeito, indivíduo e
pessoa permeiam na fundamentação das pessoas que trabalham com diversidade, deficiência
e acessibilidade, pois, estes são sujeitos em desenvolvimento físico e psíquico. A autora afirma
também que o sujeito se identifica e é identificado como uma pessoa com deficiência
resultante de um longo processo de significação, de identificação em que este sujeito significa
pela ideologia que o interpela. Pensando assim, visando apontar a educação como uma
educação social, nesta socialização relacionando escola e educação há a formulação de novos
sentidos, como o sujeito com deficiência.
Nesta instância de ser diferente, Orlandi, (2015) aponta que no imaginário social, não
se nasce aluno, torna-se aluno, não se nasce deficiente, torna-se pessoa com deficiência
durante o processo de individuação que o poder ideológico de Estado o faz na sua identificação
e significação. A ideologia interpela o indivíduo, a escola promove esta ideologia. Neste
ensejo, é importante pensar na educação como meio de ensino, caminho de formação do
indivíduo, constituindo à imagem, relacionando com o meio social ao qual está inserido. Isto
quer dizer que “os sentidos sempre podem ser outros no processo educacional que resulta na
conformação de sujeitos sociais diferentes. A capacitação o adapta, a formação, o transforma”.
(ORLANDI, 2015 p.191).
Dessa forma, Orlandi (2004) refere à Análise de Discurso como interdisciplinar, que
insere a linguística e suas questões no campo de formação, em que o sujeito é interpelado pela
história. Trabalha no entremeio, ligando a exterioridade da linguagem e sua constituição. O
social, para a autora, é constitutivo, onde o discurso é objeto social.

1.1 CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DO TRANSTORNO DO ESPECTRO


AUTISTA

Ainda que eu fale todas as línguas dos homens


e dos anjos, se não tiver amor sou como o
bronze que soa ou o sino que retine...mesmo
que tivesse toda a fé a ponto de, transportar
montanhas, se não tiver amor, eu nada serei.
Paulo, carta aos Coríntios, Cap. 13

Segundo Orrú (2016), a formulação Autismo, origina-se do grego autus, que tem como
significado “por si mesmo”, sendo esse o grande marcador caracterizado nas pessoas com
24

autismo. Este termo foi empregado na psiquiatria por Leo Kanner, em 1943, iniciou os estudos
sobre os comportamentos diferentes e singulares de crianças. A partir da descrição do estudo
com 11 crianças, com as mesmas características, denominou, inicialmente, por “Distúrbios
autísticos do contato afetivo”. Em relação às características observadas é possível destacar:
estereotipias6, ecolalia7 e incapacidade de manter relações interpessoais. Este psiquiatra
descreveu uma tríade de características do grupo que analisou, as crianças com incapacidades
de relacionarem-se com as demais pessoas. Alterações na fala, linguagem e atividades
ritualizadas, que se apresentam desde os primeiros anos de vida e isolamento, embora tivessem
algumas habilidades especiais, como a memória. Kanner (apud Orrú, 2016) delimitou estas
características para ocorrer a diferenciação, mas considerava uma doença do grupo da
esquizofrenia modificado, em que a pessoa esquizofrênica se isolava dos sentidos do mundo,
mas no autismo nem chegava a se inserir no mundo que as cercam.
Como a demanda da clientela eram os filhos de pessoas renomadas da sociedade da
época, considerou um fator etiológico8, sendo a conduta dos pais, com as crises de
personalidades, como sendo fator desencadeador para o desenvolvimento do autismo.
Considerava ainda que gestações polêmicas, cheia de agitação ou não aceitação do filho,
também levasse a não relacionar-se com a mãe. O pesquisador foi o precursor dos estudos
sobre autismo revisando os conceitos por várias vezes sempre o definindo nos quadros de
psicoses infantis.
Outros pesquisadores contribuíram para a pesquisa sobre Autismo, como Hans
Aspenger em 1944, psiquiatra austríaco que escreveu sobre o autismo e observou maior
ocorrência no gênero masculino, com graves alterações no comportamento social, mas, com
precocidade no desenvolvimento da fala. Eram prolixos em determinada área do
conhecimento. Crianças com estas características levavam o nome de Síndrome de Aspenger.
Em 1948, repensou o conceito etiológico, mas permaneceu com a conjectura de
dificuldades de relacionamento interpessoal, obsessão por objetos, constância por rotinas,
alteração no desenvolvimento da linguagem, incluído mutismo e enfatizava, que estas
características eram percebidas antes dos dois anos de idade. Por um momento, chegou a
considerar o autismo como uma da disseminação da esquizofrenia infantil. Em meados de
1950, o autor evidenciou o autismo como sendo uma psicose, em virtude de não existir exames

6
Movimentos motores repetitivos, sendo o mais comum os movimentos de balançar as mãos próximo a cabeça
denominado flapping.
7
Repetições de sons e palavras de modo mecânico, inconscientes, sem sentido ou significação.
8
Etiologias (do grego αιτία, aitía, "causa") é o estudo ou ciência das causas.
25

laboratoriais para sua comprovação. Em 1944, Bruno Bettelherin, psicanalista referiu-se ao


autismo como prisioneiros de Dachau9 e devido às estas perturbações a não interação pela fala
destas crianças.
Já Ritvo (1976), defendia a etiologia do autismo como uma patologia do sistema
nervoso central. O autor (apud Orrú, 2016) descrevia vários comprometimentos cognitivos
nas crianças com autismo desde o nascimento defendendo uma alteração do sistema nervoso
central. Até os dias atuais há muita pesquisa e questionamentos sobre a real origem do autismo.
Em 1978, Michael Rutter que influenciou, posterior a classificação do Autismo no DSM-
III na década de 1980, pronunciou o autismo fundamentado em 4 critérios: (ORRÚ, 2016,
p.16)

1) atraso, desvios sociais e retardo mental;


2) problemas na comunicação;
3) movimentos estereotipados;
4) início antes dos 30 meses de vida.

A escola francesa, neste período da década de 1970, concebe a patologia como uma
condição de desorganização da personalidade inseridos nos quadros de psicose infantil, sendo
estudos psicogenecistas. Os estudos organicistas defendem o autismo como originário dos
transtornos globais do desenvolvimento das habilidades de comunicação verbal e não verbal,
além da atividade imaginativa e seriam pautados nos quatro critérios acima descritos.
Lorn Wing (1981), psiquiatra inglesa, descreveu o design do autismo como um
espectro de condições, fundadora do National Autistic Society (NAS). Denominou a tríade
de alterações encontradas no autismo, ou seja, alterações na área do relacionamento social,
capacidade imaginativa e comunicação.
Tustin, 1984, outro psicanalista, criou o termo crianças encapsuladas, apoiando-se na
teoria de uma parada do desenvolvimento psicológico. Referia aos autistas como crianças
tomadas de pânico, mesmo demonstrando passividade, com uma luta interna por suas
angustias. Ele suponha ser um trauma da separação de sua mãe que ativaria o autismo,
embora elas pudessem ser, muitas vezes, tranquilas, defendia que, para os “portadores” de
autismo, deveria ter um sistema de ensino estruturado.

9
Criado em março de 1933, sendo o primeiro campo de concentração regular assentado pelo governo Nacional
Socialista, isto é, nazista. Heinrich Himmler, o diretor da polícia da cidade de Munique, descreveu-o oficialmente
como “o primeiro campo de concentração para prisioneiros políticos”.
26

Estes pesquisadores influenciaram na definição do que era Autismo, designando-o


neste período por Transtorno Invasivos do Desenvolvimento. Cristian Gauderer (1986) usou
o termo Síndrome do Autismo, com características de inadequações comportamentais, além
de referir-se ao Autismo como uma doença (um mal) incurável. Em 1988 Ivar Lovaas,
psicólogo da Califórnia, defendeu a intensidade na intervenção comportamental, visando o
desenvolvimento da linguagem e aprendizagem.
Dentro deste contexto sócio histórico, surgiram muitas inconstâncias sobre a etiologia,
o que, por alguns anos, na especulação da mesma, elegeu-se, como sendo um fator causal, o
comportamento da mãe durante a gestação ou após, denominadas assim “mãe geladeira”.
Os estudos sobre autismo persistiram, Nunes (2013) colocou que na década de 80 que
este era considerado uma subcategoria do Transtorno Global do Desenvolvimento (TGB).
Descreveu como sendo um transtorno mais grave nas áreas da comunicação, na socialização
e com comportamentos atípicos. Cinco subdivisões faziam parte destes diagnósticos. Sendo
eles: Transtorno Autista, Transtorno de Aspenger, Transtorno desintegrador da infância,
Transtorno de Rett, Autismo atípico.
Atualmente, o autismo, segundo a nova edição do Manual Diagnóstico de Doenças
Mentais (DSM-V), edição de 2013, estas divisões foram abolidas, considerando-se um único
distúrbio, agora denominado Transtorno do Espectro Autista (TEA). Segundo Orrú (2016, p.
20) os critérios para o diagnóstico do TEA, segue com a confirmação de, no mínimo, três das
características abaixo (DSM V, 2013):

1) Déficits clinicamente significativos e persistentes na comunicação


social e nas interações sócias, manifestadas de todas as maneiras:
a) Déficits expressivos na comunicação não verbal e verbal usada para
interação social;
b) Falta de reciprocidade social;
c) Incapacidade para desenvolver e manter relacionamentos de amizade
apropriados para o estágio do desenvolvimento.
2) Padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses e
atividades, manifestados pelo menos duas das maneiras abaixo:
a) Comportamentos motores ou verbais estereotipados, ou
comportamentos sensoriais incomuns;
b) Excessiva adesão/ aderência a rotinas e padrões ritualizados de
comportamentos;
c) Interesses restritos, fixos e intensos.
27

3) Os sintomas devem estar presentes no início da infância, mas podem


não se manifestar completamente até que as demandas sociais excedam o
limite de suas capacidades.

Quando estas alterações não são percebidas no início do desenvolvimento da criança,


esta chega à idade de escolarização e os educadores serão os responsáveis pela identificação.
Pois, o desenvolvimento do aprendiz não está transcorrendo como o esperado para a faixa
etária, encaminhando-as para avaliações multidisciplinares para diagnósticos. E, como os
diagnósticos de TEA se apresentam em níveis variáveis de severidade, e as manifestações
também variáveis em cada sujeito, o termo “espectro” faz-se presente.
A escola oferece uma educação regular e inclusiva, tendo como base a Educação
Inclusiva, Lei N° 13.146 de 06 de julho de 2015, que assegura às pessoas com deficiências,
condições de igualdade e exercício dos direitos fundamentais ao cidadão na sociedade em
geral. Sendo considerado conforme esta Lei de Inclusão que pessoa com deficiência é aquela
que tem algum impedimento a longo prazo, seja físico, mental, intelectual ou sensorial, ao
qual são impedidas de participar de forma eficiente e integral na sociedade em termos de
igualdade e direitos e tendo como nomenclatura atual instituída em uso como sendo “Pessoas
com Deficiência” (Decreto N° 2.344 de 03 de novembro de 2010). Para tanto, a pesquisa
ancorada nos pressupostos teórico da Análise do Discurso materialista histórica interpretará o
efeito de sentidos entre os interlocutores procurando compreender como a posição sujeito
aluno com TEA é afetada a partir do momento da materialidade do seu laudo diagnóstico e
como a escola se propõe a trabalhar estes efeitos de sentidos como acontecimento discursivo
em que altera-se a posição sujeito aluno para posição sujeito autista.
Ao alterar a posição sujeito, altera-se a FD.
Segundo Orrú (2016), o Transtorno do Espectro Autista é um transtorno do
neurodesenvolvimento que ocorre antes dos três anos de idade, comprometendo as áreas de
comunicação, linguagem e interação social e sua realidade é infimamente diferente de como
compreendemos, pensamos ou sentimos. Sua realidade se prende a cores, objetos ou em
pensamentos em devaneios.

Segundo Pereira (2011) o autista não tem diferenciação em sua fisionomia, muitas
vezes levando aos pais a não observar as dificuldades apresentadas, pois, estas se apresentam
nas relações sociais, não nas características físicas.
E para se avaliar o autista faz-se necessário passar por uma equipe multidisciplinar
composta de médico neurologista ou psiquiatra, fonoaudiólogo, psicólogo e, se for necessário,
28

um terapeuta ocupacional. Pode constar, ainda, com a participação de outros profissionais de


áreas afins. Após a passagem por estes profissionais, obtém-se um laudo diagnóstico para se
estruturar e direcionar planos de tratamento, medicamentoso, terapêutico e pedagógico.
A perspectiva de vida do autista encontra-se dentro da normalidade esperada para a
população em geral. Já a sua independência dos pais ou cuidadores, na fase adulta, é rara; mais
da metade necessita, de ajuda externa para sua sobrevivência, física e social. Sendo que 14%
dos pacientes diagnosticados na infância não mais atentam, na maturidade, os critérios
diagnósticos de autismo, saindo do espectro, permanecendo a ter falta de empatia e de
comportamentos sociais distintos.
Para a psicanálise, inclui a síndrome do autismo no rol das psicoses. O autismo é
considerado um fenômeno no campo das psicoses. Ao contrário do que houve com a evolução
do pensamento de Kanner, a psicanálise se mantém firme em sua constatação de que o autismo
é um distúrbio estrutural da constituição do sujeito. As classificações nosológicas10 que
consideram o autismo como um transtorno invasivo do desenvolvimento caracterizam-se
como adaptativas, não perscrutando critérios como a dinâmica interna própria das doenças
mentais.
Paralelamente ao pensamento psicanalítico, para Kanner em 1943, o autismo é o efeito
da relação da criança com sua mãe, mais precisamente com o Outro materno, em que se gerou
uma falha tão radical na simbolização, que esse Outro se tornou real, não simbolizado,
causando impactos decorrentes perenes e significativos, caracterizando, assim, o Autismo
Precoce Infantil. O Outro demarca um lugar para o sujeito através da linguagem. A linguagem
precede o surgimento do sujeito.
O diagnóstico do autismo dado pela psicanálise lacaniana é um diagnóstico estrutural.
Baseia-se na posição do sujeito em relação ao Outro e ao objeto. Os comportamentos
observáveis do paciente mostram-nos a forma dessa relação, mas não bastam por si sós. É
necessário que se tenha um contato com ele para que se possa constatar a presença do Outro
para esse sujeito e, assim, realizar o diagnóstico. Ou seja, o diagnóstico psicanalítico é feito
sob transferência, conhecida como o lugar que o sujeito se posiciona perante do Outro. A
psicanálise não exclui a observação comportamental das crianças como um dado diagnóstico,
mas, sugere uma ratificação diagnóstica oportunizada pela análise da posição do sujeito na
estrutura.

10
Nosologia: parte da medicina que trata da classificação das diferentes patologias.
29

1.2. LAUDO DIAGNÓSTICO: meio de avaliação para inclusão

A visibilidade é uma armadilha.


Michel Foucault

Partindo de uma necessidade de se conhecer os sujeitos com necessidades especiais


incluídos em articulação com um campo epistemologicamente distinto, como o campo da
medicina, vê-se esta como uma das práticas em funcionamento pela escola, sendo o resultado
uma maneira para melhor intervir perante o aluno. Assim, inventando possibilidades de
normalizar e governar os denominados alunos incluídos. Demonstra-se alguns excertos, que
foram retirados de pareceres de encaminhamentos na prática clínica, que, além de trazer
informações sobre o aluno, também justificam o próprio encaminhamento a espaços
especializados. Pensando nestas questões, permanece a pergunta: A inclusão então seria
somente para o aluno com TEA, ou seria a inclusão da escola e dos pais conjuntamente?
Compreende-se que o saber médico, ocupa um lugar de legitimidade, historicamente
construído, no qual este se sobrepõe em um discurso de poder. Discursos estes que definem
características sobre os sujeitos, seja de seu desenvolvimento, suas limitações, suas
aprendizagens, colocando-os em categorias e afirmando sobre a saúde ou a doença de cada
um. Com base neste fato, percebe‐se a busca que a escola constrói por este saber, visando uma
“parceria” com este campo, na intencionalidade de nomear uma síndrome, uma deficiência,
um desvio, uma anormalidade e a partir desta criar estratégias de intervenção e de inclusão
destes sujeitos.
O saber médico, ao passar a nomear um desvio apresentado na escola, anormalidades
estas que, muitas vezes, impossibilitam um fazer viver destes sujeitos na população
escolarizada, parece fornecer dados, através de diagnósticos, sobre as características destes
sujeitos, se podem ou não aprender, ou seja, suas potencialidades e dificuldades.
Interpelado pela história, o laudo diagnóstico do profissional da área da saúde tem um
caráter de poder definitivo sobre o ser humano, confiando-lhe o direcionamento de suas
capacidades e habilidades. O que, segundo Orlandi (2014), o arquivo é sempre discernido por
uma data, um nome ou a garantia de uma instituição ou pelo lugar que ele ocupa e isto não se
difere no espaço escolar. A autora (2014) refere-se ao arquivo como materialidade dentro da
sua abrangência social:

O arquivo não é um simples documento no qual se encontram referências,


ele permite uma leitura que traz à tona dispositivos e configurações
30

significantes. Inicialmente preza pelo gênero político, a análise do discurso


clássica não tinha nenhuma necessidade de diversificação do arquivo. No
entanto, a partir da busca por aquilo que instala o social no interior do
político. Não pudemos mais ignorar a multiplicidade textuais disponíveis
(ORLANDI, 2014 p. 170)

Segundo Dias (2018), o arquivo na AD é uma questão substancial e multiforme pois


envolve o político, as instituições, a memória, a tecnologia, as subjetividades e a interpretação
que é o que nos permite realizar leituras.
Historicamente, no século XXI, apresentou-se o momento de muitas avaliações e
critérios diagnósticos para as mais variadas patologias, perpetuando, assim, socialmente que
o diagnóstico seria o início da cura. Segundo Foucault (1977), desde o nascimento da clínica
no final do século XVIII, o ato fundamental do conhecimento médico seria definir um sintoma
de uma doença em um conjunto específico e orientar este plano geral patológico. Os critérios
diagnósticos, utilizados pela classe médica hoje, são seguidos a partir do CID (Classificação
Internacional de doenças) que se encontra na décima primeira edição ou no DSM (Manual
Diagnóstico e Estatístico de Tratamentos Mentais), revisado na quinta edição, que servem para
classificar, nomear e identificar as capacidades ou incapacidades já estabelecidas pela
sociedade.
Para se avaliar e categorizar não se considera as singularidades e a subjetividade dos
indivíduos e podem receber, juntamente com o Laudo Diagnóstico, uma rotulação ou uma
carga de prognósticos11 errôneos levando ao pessimismo quanto ao seu tempo de vida e, ao
mesmo tempo, não se espera vários tipos de interpretação e, correndo o risco de direcionar o
tratamento para o lado incorreto. Assim, como Lagazzi, (apud DI RENZO, MOTTA,
PITOMBO-OLIVEIRA, 2011, p. 277) nos aponta os sentidos são uma produção da história, é
um caminho de interpretação e tem seus limites na Discursividade do texto e suas condições de
produção na materialidade histórica.
Etiologicamente, segundo Rezende (2010), a palavra Laudo origina do verbo latino
laudo e laudare, em que se exprime elogiar, enaltecer, exaltar. Na linguagem médica, Houaiss
(in Rezende, 2010) define como sendo um texto que apresenta um parecer técnico e por
metonímia, documento lavrado com este parecer. O autor refere ainda que a transformação da
palavra que exprime louvor se transformar no português para parecer, sentença ou opinião,

11
Prognósticos em medicina, é conhecimento ou juízo antecipado, prévio, feito pelo médico, baseado
necessariamente no diagnóstico médico e nas possibilidades terapêuticas, acerca da duração, da evolução e do
eventual termo de uma doença ou quadro clínico sob seu cuidado ou orientação.
31

encontra-se na linguística diacrônica que aparece nos primeiros registros de dicionário por
volta de 1858, como parecer, voto, decisão do poder jurídico, assim seguindo até o momento.
Nossas significam, em um determinado trajeto histórico, em meio a outros trajetos. Na
perspectiva discursiva materialista, sempre remetemos o conteúdo de um texto às suas
condições de produção da leitura. “Há uma memória no dizer que sustenta o dizer de todo
texto”. LAGAZZI (apud DI RENZO, MOTA, PITOMBO-OLIVEIRA, 2011 p.277.). O
diagnóstico médico no TEA é fenomenológico, baseado em observações dos comportamentos
não tendo nenhum exame laboratorial complementar que possa confirmá-lo.
O que torna possível uma frase, um enunciado existir para Foucault (apud Gregolin,
2007) é a função enunciativa, por ser produzido por um sujeito em um lugar institucional,
determinado por regras sócio históricas que o possibilitem o dizer dentro de sua formação
discursiva.
Antes do diagnóstico, a maioria dos pais, não todos, notam algo diferente em seus
filhos, algo não esperado de respostas dentro do pré-estabelecido de uma sociedade. Dessa
maneira, geram esforços para compreensão do que está acontecendo tanto com seu filho, como
com eles próprios, gerando ansiedade, iniciando uma árdua tarefa de encontrar respostas e um
laudo. Mas, o alto peso do discurso científico se inscreve legitimando sobre o leigo, este lugar
de interpretação o funcionamento das formações imaginárias designa as relações de força.
(ORLANDI, 2015).
O Laudo, dentro do contexto histórico atual, já prediz que algo está incorreto e lista
incapacidades. Os silenciamentos, dentro destes resultados, encontra-se no discurso, tanto dos
manuais, como dos profissionais de evidenciar o errado e não suscitar que o indivíduo é um
ser único, com capacidades de aprendizagem diferenciada que, segundo Orlandi (2007), estes
silenciamentos encontram-se atravessados nas palavras.
Orrú (2016) define diagnóstico como sendo um conhecimento inventado para nomear
alguma coisa, pois, a humanidade havia sofrido muito pela falta de diagnósticos e pagando
assim com a própria vida.
No século XXI, foi a época de exaltação de avalições e critérios para diagnósticos em
diversas patologias e, com este aumento indiscriminado de diagnósticos, acarretou a emissão
descomedida dos mesmos, produziu uma elevação de casos psíquicos que meneiam os
indivíduos à normatização por meio de medicalização.
Critério é um termo que significa determinar o verdadeiro do falso, o bom do ruim. Os
critérios diagnósticos possuem o papel de homogeneizar os indivíduos conforme as rotinas de
avaliação.
32

O DSM, tem sido como uma referência para a área da psiquiatria e se encontra na
quinta edição desde a data de 2013. As evidências são embasadas nos sintomas observáveis,
não tendo nenhum exame laboratorial, o que podem ser susceptíveis às dúvidas, pois, o grupo
médico que os organizam pode estar enganado. O que se preconiza para reverter esta
confiabilidade é a criticidade sobre a supervalorização dos critérios não considerando as
subjetividades individuais de cada pessoa. O valor está em encontrar a doença para se
estabelecer um tratamento, fato que pode acabar por rotular um indivíduo, trazendo para ele
todo descrédito de incapacidades ou anormalidades carregadas na nomeação de uma doença.
(ORRÚ, 2016)
O laudo diagnóstico no TEA é realizado por meio de uma equipe multidisciplinar em
que, por meio do olhar clínico, observa diferenças nas áreas social, comunicacional e
comportamento incomum ou repetitivo. Esse olhar clínico, segundo Foucault (1977) para que
a doença fosse possível para uma forma clínica, foi necessário homogeneizar o indivíduo na
linguagem médica para possível cura, organizando os direcionamentos e procedimentos
necessários para tal.
Quanto aos critérios diagnósticos apresentados no DSM- V, para a avaliação do TEA,
observa-se o caráter reducionista para os aspectos de aprendizagem e desenvolvimento, não
mencionando que não irá aprender, mas destaca as inabilidades, os déficits, fomentando uma
incompetência para sua convivência em sociedade, o que não se configura como normal.
Mediante a presente pesquisa, constante de atualizações quanto ao TEA, lançou-se para
o público a mais recente classificação do CID, agora já designado como CID 11, código
utilizados por todos os médicos, não só o psiquiatra, vinculada na data de 18 de junho de 2018,
sem tradução para o português, em que o TEA, que não aparecia na versão anterior, agora
encontra-se dentro dos Distúrbios do Neurodesenvolvimento, caracterizado por déficits
persistentes na capacidade de interação social, comportamentos restritivos e repetitivos,
podendo haver inadequações nas habilidades de linguagem. Classificando adequadamente, se
apresenta com ou sem déficit intelectual, identificados desde a primeira infância, de zero aos
três anos de idade. Este recente tratado não foi adotado ainda no Brasil, sem data para ser
atualizado. Esta nova revisão traz, no momento, uma melhor definição do diagnóstico, com
regularidades de informações entre o CID 11 e o DSM V. Segue a descrição contida no CID11:

Autism spectrum disorder is characterized by persistent deficits in the ability


to initiate and to sustain reciprocal social interaction and social
communication, and by a range of restricted, repetitive, and inflexible
patterns of behaviour and interests. The onset of the disorder occurs during
33

the developmental period, typically in early childhood, but symptoms may


not become fully manifest until later, when social demands exceed limited
capacities. Deficits are sufficiently severe to cause impairment in personal,
family, social, educational, occupational or other important areas of
functioning and are usually a pervasive feature of the individual’s functioning
observable in all settings, although they may vary according to social,
educational, or other context. Individuals along the spectrum exhibit a full
range of intellectual functioning and language abilities. (WORLD HEALTH
ORGANIZATION, 2018)

O transtorno do espectro do autismo é caracterizado por déficits persistentes


na capacidade de iniciar e sustentar a interação social recíproca e a
comunicação social, e por uma série de padrões de comportamento e
interesses restritos, repetitivos e inflexíveis. O início do distúrbio ocorre
durante o período de desenvolvimento, tipicamente na primeira infância, mas
os sintomas podem não se manifestar totalmente até mais tarde, quando as
demandas sociais excedem as capacidades limitadas. Os déficits são
suficientemente severos para causar prejuízo nas áreas pessoais, familiares,
sociais, educacionais, ocupacionais ou outras áreas importantes de
funcionamento e são geralmente uma característica penetrante do
funcionamento do indivíduo observável em todos os contextos, embora
possam variar de acordo com aspectos sociais, educacionais ou outros.
contexto. Indivíduos ao longo do espectro exibem uma gama completa de
habilidades intelectuais e de linguagem. . (WORLD HEALTH
ORGANIZATION, 2018)

Orrú (2016) nos aponta uma questão discutida pela classe médica que seriam estes
critérios diagnósticos susceptível de dúvidas, confiabilidade e validade. Pois, o grupo de
médico da medicina psiquiátrica que chegaram à esta consonância, contudo é passível de
contestação pois são visões sobre a subjetividade de cada indivíduo, como segue na citação de
conferencista Anne Donnellan, da Universidade de São Diego, no qual a autora participou no
ano de 2010.

Em várias conferências que realizei, costumo mostrar a foto de uma mulher


que, ao primeiro olhar, induz-nos a ideia de tristeza, angústia. A foto parece
mostrar a imagem de uma pessoa infeliz. Já mostrei essa imagem para cerca
de 15 mil pessoas, a maior parte de países ocidentais, e a grande maioria
concorda com isso. Por isso, podemos dizer que há confiabilidade nessas
respostas. Entretanto, isso não quer dizer que há validade. Que validade tem
a afirmação de que a imagem mostrada é a da mulher infeliz? Quando
afirmamos isto, estamos na verdade adivinhando algo sobre a mulher
fundamentados em nossa experiência, mas não na experiência dela de
aproximadamente 15 mil pessoas que já viram essa imagem, seis delas
apresentaram resposta diferente, Curiosamente, todas essas seis pessoas
apresentavam problemas de desenvolvimento. Cinco delas em diferentes
partes do mundo afirmaram que a mulher talvez assistindo televisão, talvez,
estivesse cansada e sentou-se para descansar e ver televisão. Uma pessoa
rotulada como autista, na instituição em que eu era professor, disse uma coisa
34

diferente: “Eu acho que ela está ouvindo e vendo o vento atravessar as
cortinas”. Isso é possível? Talvez isto estivesse mais perto da experiência
dele. Este é o ponto mais importante que gostaria de salientar a respeito da
avaliação diagnóstica: nós nos fundamentamos em nossa experiência para
fazer afirmações sobre a pessoa e não na experiência dela própria. É assim
que procedemos em relação àqueles que diagnosticamos como autistas ou
severamente retardados. (ORRÚ, 2016, p. 43)

O que a autora refere é, no enquadramento dos critérios, deixam à parte a singularidade


e subjetividade dos sujeitos, como no trecho: “Talvez isto estivesse mais perto da experiência
dele. Este é o ponto mais importante que gostaria de salientar a respeito da avaliação
diagnóstica: nós nos fundamentamos em nossa experiência para fazer afirmações sobre a
pessoa e não na experiência dela própria”. Nesta fala, que é mais notório encontrar os critérios
patológicos para definir o tratamento, há que se pensar na subjetividade e suas memórias. Orrú
(2016) afirma ainda que esta consternação é, para a grande maioria que recebe este laudo,
diagnóstico que são crianças em fase escolar, recebendo uma classificação carregada de
estigmas referentes às suas incapacidades e anormalidades.
Entende-se que, a conduta tomada pela área da saúde é classificar primeiramente o que
se é normal para a maioria da população e, no entanto, o que sair deste contexto será qualificado
como anormal, ou seja, patológico.12
Perante à esta questão, entre o que é normal e o que é anormal, Canguilhem (2009),
refere que normal não é um estado rígido, adapta-se de acordo com as condições individuais.
A denominação está ligada à norma, regra, enquadramento, mas, faz parte de uma média que
é estabelecida pelo homem, pela sociedade. Já anormal, não é necessariamente a ausência de
normalidade, mas um tipo de enfermidade, não caracteriza o patológico. Segundo Canguilhem,
(2009) “patológico implica pathos, sentimento direto e concreto de sofrimento e de impotência,
sentimento de vida contrariada”.
Estes conceitos estão inscritos na sociedade e, mesmo antes do diagnóstico, uma
grande parte dos pais nota algo diferente em seus filhos, algo que não é esperado de respostas
dentro do pré-estabelecido de uma sociedade. Dessa forma, geram esforços para compreensão
do que está acontecendo tanto com seu filho, como neles próprios, gerando ansiedade,
iniciando uma árdua tarefa de encontrar respostas e um laudo. Mas, o alto peso do discurso
científico se inscreve legitimando sobre o leigo, este lugar de interpretação o funcionamento
das formações imaginárias designa as relações de força, segundo Orlandi (2015).

12
Define como sendo o conjunto dos sintomas que se associam a uma certa doença.
35

O Laudo é o que define o diagnóstico e, dentro do contexto histórico atual, prediz que
algo está incorreto e lista incapacidades. Os silenciamentos, dentro destes resultados,
encontram-se no discurso, tanto dos manuais, como dos profissionais de evidenciar o errado e
não suscitar que o indivíduo é um ser único, com capacidades de aprendizagem diferenciadas,
que, segundo Orlandi (2007) ,estes silenciamentos encontram-se atravessando as palavras.
Socialmente, as palavras sempre são cheias de sentidos, o homem que domina a
linguagem verbal pressupõe que tem domínio maior sobre os sentidos, assim, Orlandi (2015)
apresenta esta forma de silêncio como fundante, indicando a variabilidade de sentidos
existente, em que o silêncio faz parte da linguagem e garante a movimentação dos sentidos.
Desta forma, o silêncio fundador significa, remete ao dizer e ao não dizer, em que o
não-dizer seria tudo o que poderia ser dito e não o foi, mas está inscrito no interdiscurso, na
memória constitutiva, o que foi esquecido. O não dito não tem a incumbência somente de
analisar o implícito, mas o que está esteado pela ideologia, o silêncio, segundo Pitombo (2007
p.28) “ O silêncio nos desvela a incompletude necessária e constitutiva da linguagem onde sob
os efeitos da literalidade e do implícito se tem a ilusão de controle do Homem sobre a
linguagem, o pensamento e as coisas do mundo. ”
Neste trabalho em que o silenciamento de nomear evidencia o não-dito sobre a
patologia, o que se tem de conhecimento sobre suas limitações ou possibilidades, os novos
efeitos de sentido que a partir do laudo que estão silenciados, além de nomeação do nome da
criança enquanto os sujeitos estavam sendo entrevistados.
36

2 O PERCURSO HISTÓRICO DA DIVERSIDADE

Todo o discurso deve ser construído como uma


criatura viva, dotado por assim dizer do seu
próprio corpo; não lhe podem faltar nem pés
nem cabeça; tem de dispor de um meio e de
extremidades compostas de modo tal que
sejam compatíveis uns com os outros e com a
obra como um todo.
Sócrates

Para a reflexão sobre o objeto de pesquisa a que se propõe este trabalho, recorre-se
aos dispositivos teóricos da área da análise de discurso materialista histórica. Iniciando-se com
a contextualização histórica, apresentar-se-á como a teoria de linguagem busca compreender
o funcionamento das diversas materialidades discursivas e o seus efeitos de sentido sobre o
interlocutores. Procurando compreender como a posição sujeito aluno com TEA é afetado, a
partir do momento da materialidade do laudo diagnóstico, e como a escola se propõe a
trabalhar estes efeitos de sentidos como um acontecimento discursivo em que altera-se a
posição sujeito aluno para posição sujeito autista.
A Análise de Discurso, doravante AD é uma disciplina que interpreta o efeito de
sentidos entre os interlocutores segundo Pêcheux (1969 apud GADET 2104, p.81), em que a
historicidade interpela o sujeito. Neste sentido, analisaremos os discursos familiar, com o pai
e a mãe, e o escolar, da coordenadora e professora de um aluno que estava em processo de
diagnóstico, para verificar o porquê apresentava diferenças no desenvolvimento comparado às
outras crianças, viabilizam novos sentidos.
A AD foi fundada por Michel Pêcheux em 1969, disciplina que se constitui por
condições de produção homogêneas embasada por uma análise automática do discurso,
fornecendo para as ciências sociais um instrumento científico segundo Pêcheux (1969 apud
GADET, 2014), destacando os aspectos históricos e políticos. Pêcheux procurou, na utilização
de um programa computacional, articular os componentes teóricos e analíticos, mas se deparou
com a subjetividade do discurso, desse modo iniciou a construção de conceitos delineando a
AD que surgiu no período da década de 1960, entre a movimentação política intensa na
Europa, com movimentos da esquerda politicamente atuantes.
Na França, Pêcheux refletiu sobre o funcionamento linguístico e o funcionamento
discursivo. Para o autor, entende-se a AD como um processo de desconstrução e reconstrução
para compreensão de seu objeto de estudo que é o discurso, permeado entre as três articulações
do conhecimento científico, sendo elas: o materialismo histórico das ciências sociais e suas
37

modificações ideológicas, a linguística suscitando os mecanismos sintáticos e dos processos


enunciativos e a teoria do discurso como determinação histórica. Para melhor entendimento
sobre o materialismo histórico, tomemos como base a seguinte afirmação de Pêcheux (1988,
apud MUSSALIN 2007, p.103).

[...] o objeto real (tanto no domínio das ciências da natureza como no da


história) existe independentemente do fato de que ele seja concebido ou não,
isto é, independentemente da produção ou não produção do objeto do
conhecimento que lhe corresponde.

A AD trabalha na exterioridade, expondo o sujeito, a situação e a linguagem, onde não


há o sentido evidente, as palavras não são fixas exatamente ao que estão enunciando, a
determinação histórica, o social é constitutiva deste processo.
As noções de sujeito e de contexto passam um deslocamento na AD, em que existe a
fabulação do sujeito como o centro. É na relação constitutiva da linguagem com o social que
a exterioridade se realiza.
Para Orlandi (2015), o discurso não é somente uma transmissão de enunciados, de
códigos linguísticos ou um sistema linear de transmissão de informação com um informante
e um receptor que codifica. A linguagem serve para a comunicação e para a não comunicação.
O discurso, ponto de análise da presente pesquisa, objeto o objeto da AD, é o que vai
possibilitar as reflexões entre a linguagem, o sujeito e a situação.
Pêcheux (1969 apud Gadet e Hak , 2014) refere ao discurso como o efeito de sentidos
entre locutores, pensando assim, pelo discurso que a língua está inscrita na história e isto faz
com que ela seja compreendida. Pois, um enunciado sempre está conectado a enunciados
vindos anteriormente, com inferências do histórico, político e do inconsciente.
Ao pensar no laudo diagnóstico como sendo uma materialidade, uma exterioridade da
linguagem que vai determinar diretrizes à vida de um sujeito, modificando os sentidos em cada
enunciador, como para o sujeito pai que, a partir do laudo, adquiriu mais responsabilidade como
seu papel de pai, no enunciado do sujeito mãe e coordenadora de escola em que o aluno obteve
direitos como cidadão.
Contudo, faz-se necessário pensarmos em alguns conceitos da AD para iniciarmos as
análises dos discursos e as posições representadas da família como posição sujeito pai, posição
sujeito mãe e junto com a escola representada pela posição sujeito coordenadora de escola e
posição sujeito professora.
38

Iniciar-se-á com a definição do conceito forma sujeito na AD em que, segundo


Pêucheux (1995 apud DIAS, 2018), foi um termo apresentado por Althusser em 1978 e afirma
que é a forma histórica do sujeito, as formações sociais que relaciona o sujeito com a
linguagem. E a forma sujeito é fundamental para as relações sociais jurídico-ideológicas
operarem. A forma-sujeito, segundo Pêcheux (1995 apud Dias 2018) encobre a aparência da
liberdade, o assujeitamento à uma formação discursiva, onde o sujeito oblitera o que o
determina.
As formações discursivas, noção teórica que, por sua vez, comporta, necessariamente,
como um de seus componentes, uma ou várias formações discursivas interligadas que
determinam o que pode e deve ser dito, a partir de uma posição dada numa conjuntura (no
interior de um aparelho ideológico e inscrita numa relação de classes). Daí, toda formação
discursiva (FD) derivar de condições de produção específicas.
Ao pensar em discurso, é pertinente compreender as condições de produção que se
estabelece no discurso, conforme Orlandi (2001), em sentido estrito, como circunstâncias da
enunciação, ou seja, trata-se do contexto imediato; e, em sentido amplo, como contexto sócio
histórico e ideológico.
Dessa forma, Pitombo-Oliveira (2007) destaca que se as condições de produção do
discurso não forem acatadas, a análise não se mostra hábil para esclarecer o funcionamento do
discurso, denotando um discurso amnésico e com o apagamento de várias formações
discursivas entrecruzadas.
Para Orlandi e Lagazzi (2015) é do modo funcional das condições de produção o
estabelecimento de relação de forças, que a partir do espaço social do qual enunciamos define
com a força da fala que este local representa.

Assim importa se falarmos do lugar de presidente, ou de professor, ou de pai,


ou de filho, etc. Cada um desses lugares tem sua força na relação de
interlocução e isto se representa nas posições sujeito. Por isto estas posições
não são neutras e se carregam do poder que as constitui em suas relações de
força. (ORLANDI e LAGAZZI, 2015 p. 18)

O que determina a formação discursiva, segundo Orlandi e Lagazzi (2015), é o


interdiscurso, dissimulando na transparência do sentido, o que algo foi dito antes em outro
momento. É a incorporação de elementos pré-construídos, produzem pensamentos de
repetição e o esquecimento.
Este fato de haver um já-dito, Orlandi (2015) nos diz é que apoia todo o dizer,
compreendendo o discurso e sua relação entre os sujeitos com a ideologia.
39

Os sentidos resultam de relações: um discurso aponta para outros que os


sustenta, assim como para dizeres futuros. Todo discurso é visto como um
estado de um processo discursivo mais amplo, contínuo. Não há, desse
modo, começo absoluto nem ponto final para o discurso. (ORLANDI, 2015
p. 37)

Assim, neste trabalho se observa as relações de força existentes nos discursos


compreendendo as formulações existentes e as resistências encontradas para a materialização
do laudo.

Segundo essa noção, podemos dizer que o lugar a partir do qual fala o sujeito
é constitutivo do que ele diz. Assim o sujeito fala a partir do lugar de
professor, suas palavras significam de modo diferente do que se falasse do
lugar do aluno. O padre fala de um lugar em que suas palavras têm uma
autoridade determinada junto aos fiéis etc. Como nossa sociedade é
constituída por relações hierarquizadas, são relações de força, sustentadas no
poder desses diferentes lugares, que se fazem valer na “comunicação”
(ORLANDI, 2015 p. 37)

Segundo Pêcheux (1997), o que faltava, parcialmente, era uma teoria não subjetiva da
constituição do sujeito em sua situação concreta de enunciador. A ilusão de se ser sujeito é
necessária e impõe a tarefa de descrição de sua estrutura (esboço descritivo da enunciação),
assim, como a articulação da descrição desta observar a partir de que posição e para quem
realiza o discurso, esse sujeito feito de ilusão, foi chamado de esquecimento n.º 1. Assim,
apesar de toda essa abstração teórica. Um dos pilares da teoria da Análise do Discurso é o
conceito de sujeito, por ser a voz no discurso. Não é o centro, não sendo quantificado e sim
definido como tendo uma posição na linguagem, sempre submetido a ela, ocupando um lugar
precedente em que seu dizer atrela-se em dizeres já ditos, é definido por um processo sócio
histórico, não sendo ele a fonte de seu dizer, implicando converter tal noção a partir de uma
posição discursiva dada por determinadas condições e que, para flagrar movimentos de sentido
em seu discurso.
Será analisado, nesta pesquisa, o discurso de cada posição sujeito estabelecida: a
posição sujeito pai, a posição sujeito mãe, a posição sujeito coordenadora de escola e a posição
sujeito professora e, a partir da análise, compreender a enunciação de cada um a partir das
condições de produção dadas.
Em Orlandi (2017), também se refere à noção esquecimento como uma forma
estruturante da memória, onde sujeitos e sentido constituem-se. Seguindo a fala de Pêcheux,
40

a autora aponta duas formas de esquecimento no discurso. O número um, denominado


esquecimento ideológico, permeia o inconsciente e o resultado é o que temos a ilusão de
sermos a origem do que dizemos, e que na realidade somente retomamos sentidos coexistidos
anteriormente. Entramos no processo ideológico desde o nascimento, mas há singularidade na
língua e na história de cada um, mas não somos o início dos discursos. Estas ilusões são os
efeitos necessários para que a língua funcione colocando sujeitos e sentidos sempre em
movimento. Já o esquecimento número dois faz parte da enunciação, falamos de maneiras
diferentes usando paráfrase produzindo-nos uma impressão da realidade do pensamento,
chamada de ilusão referencial, acreditando que há a relação direta entre pensamento,
linguagem e o mundo, é um esquecimento parcial que recorremos para especificar o nosso
enunciado, o denominado esquecimento enunciativo.

Memória discursiva é trabalhada pela noção de interdiscurso: ‘algo fala


antes, em outro lugar e independentemente’. Trata-se do que chamamos
saber discursivo. É o já dito que constitui todo dizer...Assim todo dizer se
acompanhada de um dizer já dito e esquecido que constitui em sua memória.
A esse conjunto de enunciações já ditas e esquecidas e que são
irrepresentáveis é que damos o nome de interdiscurso. (ORLANDI apud
Orlani - Laggazi, 2015 p. 24).

Segundo Brandão (2002), a fala do sujeito é um recorte das representações de um


momento histórico e social, um sujeito é sempre ideológico, colocando seu discurso em
relação à outros discursos historicamente constituídos a nível de interdiscurso, ou seja a
memória discursiva, algo já falado por alguém em algum lugar, que ativam e faz presente as
condições de produção que incluem o contexto sócio histórico do discurso.
O discurso para a AD é uma noção que não elege o esquema de comunicação estático
e estruturalista que contém basicamente o emissor, a mensagem e o receptor, um mecanismo
de transmissão de informação. A AD concebe o funcionamento da linguagem por meio da
interpretação de sujeitos e os efeitos de sentidos que eles produzem, a partir da língua que é
afetada pela história, possibilitando assim, uma multiplicidade de sentidos.
Para que se tenha o funcionamento do discurso é necessário que se compreenda que,
ao planejar o discurso, o sujeito fala de uma posição discursiva e essa vai afetar a importância
e a maneira de se produzir o discurso. Ao movimentar a sua fala, o sujeito se utiliza da
antecipação. A antecipação ocorre quando o sujeito antevê e se posiciona no lugar do outro,
gerando efeitos sobre ele. Ao mesmo tempo, funciona a relação de forças. Essa noção, segundo
Orlandi (2015), diz que o lugar ao qual o sujeito fala é constitutivo do que ele diz, falando a
41

partir de um lugar e como socialmente existe hierarquização de poder, isto faz a valorização
maior de determinados sujeitos do que outros devido às formações discursivas que foram
constituídas historicamente.
Outra noção importante na constituição do funcionamento discursivo é a formação
imaginária. Segundo Orlandi (2015), a imagem traz a relação que faz o funcionamento de um
discurso. Nas formações imaginárias, o imaginário é fundamental para essa relação, a imagem
que se realiza sobre o outro formulará os sentidos de seu discurso e essas formulações são
ideológicas.
Ao pensarmos sobre o funcionamento da linguagem, Orlandi (2015) nos afirma que
este movimento se estabelece entre a desinquietação da paráfrase e da polissemia. Por meios
parafrásticos que são os dizeres conservados de uma memória. Então a paráfrase corresponde
a volta aos espaços do dizer produzindo formulações variadas deste dizer solidificado. Já a
polissemia é designada como o deslocamento, a ruptura de processos de significação, age com
o equívoco. Faz a tarefa do dizer que todo discurso é igual e diferente ao mesmo tempo,
modificando a rede de filiação das palavras e dos sentidos. No entanto, as palavras já foram
ditas e significadas historicamente e possibilitam a movimentação dos sentidos. Faz-se
necessário esse jogo para que haja transformação, confirmando a incompletude da linguagem,
em que nem os sujeitos, nem os sentidos nem o discurso estão acabados. Essa é a condição de
existência dos sujeitos e dos sentidos, podendo sempre serem outros, atentando o confronto
entre o simbólico e o político, materializando a ideologia na língua.
Seguindo com a reflexão, parte-se dos tipos de discursos aqui apesentados,
considerando como base o referente (objeto) e os participantes do discurso (interlocutores).
Orlandi (1987) conjectura a existência de três tipos de discurso em funcionamento, o
lúdico, o polêmico e o autoritário. No discurso lúdico o referente se mantém presente e os
interlocutores se apresentam a esta presença (polissemia aberta). No discurso polêmico
mantém a presença do objeto mas os interlocutores não se expõem buscando dominá-lo,
direcionando-o (polissemia controlada). Já no discurso autoritário o referente encontra-se
ausente, velado pelo dizer, nem há presença de interlocutores, o que existe é um agente
exclusivo. (polissemia contida).
Considera-se aqui que o discurso pedagógico se inscreve no discurso autoritário, este
estabelece o percurso da comunicação, assim como apresenta-se no esquema:
42

Quem Ensina O Quê Para Quem Onde

Imagem Inculta Imagem do Imagem Escola


Do Referente do
Professor Aluno
( A) ( B)

Metalinguagem Aparelho
(Ciência/ Fato) Ideológico
(R) ( X)

Esquema retirado de Orlandi (1987 p. 16)

Utiliza-se neste percurso comunicativo as formações imaginárias, em que o referente


do discurso aparece como algo que se deve saber, onde A ensina B e o influencia. E muito
mais que ensinar, influenciar e até mesmo sugestionar, a designação ensinar define-se como
inculcar.
Orlandi (1987) menciona o dito de Bourdieu (1974) que se refere a escola como um
centro de reprodução Cultural e o meio eficiente para o qual se replica a transmissão de
estrutura das relações de classe à sombra de uma imparcialidade. A escola instala a
circularidade quem detém o conhecimento é detentor do poder econômico, reproduzindo as
hierarquias sociais. Dessa forma diz-se que o sentido é determinado pelas posições sociais
ideológicas inscritas no processo sócio histórico onde o discurso se produz, na sua formação
discursiva.
Para Orlandi (1987), o discurso Religioso se define como autoritário também, em que
se caracteriza por “aquele que fala a voz de Deus’, no caso do padre, do pastor ou outro
representante de Deus. Neste discurso, há uma discrepância entre o locutor, que é do plano
espiritual e o ouvinte que é do plano temporal (dos homens), sendo que o plano espiritual
domina o temporal e nunca podendo este homem ocupar o lugar do locutor. E neste discurso
o sentido não pode ser qualquer sentido, sempre imperando a interpretação da voz dos
mediadores do plano espiritual.
43

2.1 FATO E ACONTECIMENTO

Como nos refere Orlandi (2017), a AD trabalha com a interpretação, considerando a


articulação entre estrutura e acontecimento. O fato aqui é a “criança com problemas” e o
acontecimento o laudo diagnóstico, a AD proporciona o deslize de sentidos e identificamos
aqui o laudo estabelece a fronteira, o acontecimento produz desvio, deslizamento de sentidos.
Mas este laudo vem com um julgamento, como uma censura, há resistência. Segundo Orlandi,
(2017 p. 100) “ é na falha, no equívoco e na incompletude onde há o funcionando na
constituição dos sujeitos e dos sentidos”. Essa análise apoia-se nas noções de paráfrase e
polissemia, incompletude e silenciamento que observa nos discursos estas relações por
substituições de palavras observando o sujeito a partir de sua formação discursiva e suas
condições de produção e depreendendo a produção de sentidos a partir do funcionamento dos
discursos de narratividade e denominação, assim, segue-se as análises considerando os
discursos de como a memória se faz presente como constituinte do sujeito.
O funcionamento do enunciado se dá no interdiscurso. E o outro processo a se pensar
é a denominação, em que o gesto de nomear cede o existir simbolicamente ao referente. Dessa
forma, busca-se compreender estes processos de constituição de sujeitos e sentidos no mundo
atual com suas diferentes formas de existência.
Prosseguindo com os enunciados, Collinot e Maziérre, (apud ORLANDI, 2014),
consideram muito difícil abordar os fenômenos discursivos que estão inclusos, mesmo não
visíveis em outros discursos que os sustentam, denominado pré-construído.
No entanto, não é só a linguagem que significa. O silêncio também significa de muitas
maneiras. Os sentidos do silêncio se fazem presente como conceito da AD, pois, o silêncio,
como nos remete Orlandi (2015), nos direciona ao caráter de incompletude da linguagem, em
que todo dizer compõem-se em relação fundamental com o não dizer. O silêncio é como um
respirar da significação, um retrocesso imprescindível para que se possa significar, para que o
sentido faça sentido. Há silêncios nas palavras e este silêncio fala por elas. O significar tem
como condição o imaginário e na relação do real com o imaginário é o compreender a
especificidade da materialidade do silêncio, sua opacidade e sua influência no processo de
significação. As noções de imaginário, real e simbólico se definem na área da psicanálise
sendo que a AD articula-se neste campo. O silêncio não é somente um complemento da
linguagem, ele tem significação própria, é uma variabilidade do sujeito em trabalhar sua
contradição nas relações de unicissidade e multiplicidade e esse movimento de deslocamentos
44

das palavras no discurso ou no silêncio, expõe ao mesmo tempo a relação fundamental entre
o tempo e a linguagem. O silêncio é fundante, como afirma Orlandi (2007, p.60):

O silêncio que falamos aqui, não é ausência de sons ou palavras. Trata-se do


silêncio fundador, ou fundante, princípio de toda significação. A hipótese de
que partimos é que o silêncio é a própria condição de produção de sentido.
O silêncio não é vazio.

Seguindo a descrição desta multiplicidade do sujeito, para Guimarães (2005), “o


sujeito não é assim a origem do tempo da linguagem”. O sujeito e tomado na temporalidade
do acontecimento. Conforme Guimarães (2002), o que relaciona o que pode ser interpretado
como conclusão numa relação argumentativa é o interdiscurso, esse debate não se resume à
intenção de um indivíduo, ocorre pela força da interdiscursividade, no decorrer de um
acontecimento singular.

Os espaços de enunciação são espaços de funcionamento de línguas, que se


dividem, redividem, se misturam, desfazem, transformam por uma disputa
incessante. São espaços “habitados” por falantes, ou seja, por sujeitos
divididos por seus direitos ao dizer e aos modos de dizer. (GUIMARÃES,
2002, p. 18).

Contudo, para ele, a enunciação é um espaço que se considera a constituição histórica


do sentido, em que a semântica se formule, citando “enunciar é uma prática política em um
sentido muito preciso” (GUIMARÃES, 2002 p. 8).
Prosseguindo com os conceitos que fundamentam a pesquisa, atenta-se para o que é
fronteira, limite, separação ou divisão?
Convém, para tal, definir, primeiramente, o que é o significado de fronteira conforme
o dicionário Michaelis, 2018, ou seja sua explicação é: a parte que refere ao limite extremo,
longínquo de uma terra, região ou área sendo a parte limítrofe de um espaço que aborda com
outra zona. Uma linha divisória entre dois estados ou países, um fim, um ponto mais profundo,
condição de limite, pode ser físico ou um espaço.
Para abordar sobre a formulação fronteira, a partir da AD, não se refere aqui sobre
fronteiras físicas, com uma divisa ou obstáculo, mas sim uma fronteira simbólica, uma linha
tênue entre um dado lugar de significação para outro. Transpassar a barreira físicas pensa-se
ser mais fácil do que transpor barreiras simbólicas, porque as fronteiras simbólicas, estas são
45

materializadas na linguagem e ocorre em lugares discursivos, construídos por um corpo


simbólico, imaginário constituído pela linguagem.

É preciso aceitar questionar a lógica paranóica dos efeitos de fronteira para


discernir os elementos de resistência e de revolta que se deslocam sob as
lógicas estratégicas de inversão: aceitar heterogeneizar o campo das
contradições para esquivar as simetrias que aí se instalam; aceitar abalar a
religião do sentido que se separa o sério (o útil, o operatório) do “sem
sentido”, reputado perigoso e irresponsável; aceitar, en/ m, desvisualizar os
espectros do discurso revolucionário para começar a devolver o que se deve
ao invisível, isto é, ao ‘movimento real’(Marx), que trabalha neste mundo
para a abolição da ordem existente... (PÊCHEUX, 1990, p.20)

A formulação teórica e metodológica da AD é ser uma disciplina de interpretação que


visa não o trabalho da análise da gramática em si, não a deixando de lado, mas tem como
premissa o discurso, que significa a palavra em movimento, o estudo do homem em uma
prática de linguagem, sua significação e seus deslocamentos. Segundo Orlandi, (2015), a
Análise de Discurso articula-se dentro de outras áreas do conhecimento, como as ciências
sociais e da linguística, visando dimensionar no tempo e no espaço essas práticas de linguagem
do homem, tendo em vista que a ideologia se manifesta na língua. Orlandi (2015) afirma que
“a materialidade da ideologia é o discurso e a materialidade específica do discurso é a língua”.
Segundo Orlandi (2004) a AD trabalha como uma disciplina de entremeio ligando as
áreas, revelando que não existe divisão entre a linguagem e sua exterioridade constitutiva,
considerada uma antidisciplina, colocando questões linguísticas interpeladas pela história,
questionando a transparência da linguagem.
Nesta pesquisa, trabalhamos a AD no discurso das ciências sociais e humanas
analisando os discursos com relação às condições de produção e a historicidade e as produções
de sentido na materialidade dos enunciados dos sujeitos.

A AD trabalha no entremeio, fazendo uma ligação, mostrando que não há


separação estanque entre linguagem e sua exterioridade constitutiva.
Levando à sua crítica até o limite de mostrar que o recorte de constituição
dessas disciplinas que constituem essa separação necessária e se constituem
nela é o recorte que nega a existência desse outro objeto, o discurso e que
coloca como base a noção de materialidade, seja linguística, seja histórica,
fazendo aparecer uma outra noção de ideologia... (ORLANDI, 2004 p. 25).

Neste sentido, constituída pela formação em fonoaudiologia, ao elaborar e emitir o


laudo diagnóstico, buscou-se o caminho dos estudos da linguagem, constituiu-se um novo
46

gesto de leitura sobre o laudo diagnóstico, o que Orlandi (2014) define como não sendo a
leitura literal, mas sim a interpretativa. As diferentes novas leituras produzindo novos efeitos
de sentido.
Contanto, não há discurso sem sujeito e não há sujeito sem ideologia, o indivíduo é
interpelado em sujeito pela ideologia fazendo assim sentido à língua. Pensando no
materialismo histórico propostos por Pêcheux, olhando as condições de produção entre sujeito
e situação, identificou-se o interdiscurso, em que algo foi falado antes, em outro lugar.
E assim, busca-se a compreensão de como os sujeitos se constituem nas suas
diferentes formas de existência.

[...] é um processo histórico e ideológico de significação da nossa sociedade


contemporânea, do modo como estamos nela, como praticamos os espaços,
do modo como somos interpelados em sujeito pela ideologia, através das
determinações histórica. (DIAS, 2011, p.58)

Este sujeito possui uma identidade e, para se falar em constituição da identidade,


Bauman, (2005) menciona que, na sociedade atual, tornou-se inconstante e efêmera as
identidades sejam sociais, culturais ou sexuais. Por tudo ter-se transformado em uma liquidez,
afirma que a indagação sobre identidade aparece com a noção de pertencimento e não são
garantidos por toda a existência, sendo as escolhas, os percursos, a prática diária que
determinam sua constituição. O autor (2005) conceitua que as identidades flutuam no ar por
escolha própria ou estimuladas por pessoas à sua volta, uma comunidade fundida por ideias e
a identidade e o pertencimento não são sólidos, nem assegurados por toda vida, sendo
necessário uma determinação de manter-se consistentemente em suas crenças.
Seguindo a reflexão de como a identidade se configura no espaço que tenha
representação, política e histórica, entendo que a identidade não surge inesperadamente. O que,
segundo Pêcheux (apud RODRIGUES E PEREIRA, 2010), esta constituição identitária é um
jogo das representações das condições materiais, históricas e discursivas, através das
formações imaginárias em que, somente através do reconhecimento do outro, define-se a sua
própria identidade. Colocando, neste momento, as relações de poder para participar desta
disputa, desestabilizando e reconfigurando os novos sentidos da enunciação. O autor refere
ainda que a identidade é móvel e que uma identidade segura, unificada e coerente é inexistente
no âmbito da linguagem. Esta identidade é a representação de um processo de construção social
mediada pelas práticas discursivas.
47

Em outra perspectiva da identidade, Rodrigues e Pereira (2010) cita Rajagopalan,


2003, que inscreve esta constituição dentro da política de representação, em que a única
maneira de definição de uma identidade é sendo opositiva às outras identidades que ocorrem
por rupturas em dado momento histórico. Esta construção é considerada um acontecimento
aliada às relações de poder e não surgem do nada, surgem a partir de fragmentos de outras
identidades.
E em uma nova identidade há uma nova forma de enunciar, de constituir os discursos,
de ressignificação.

Rajagopalan ( 2003:71) já em outro trabalho de reflexão a respeito da política


de representação, considera que “a única forma de definir uma identidade é
em oposição a outras identidades em jogo. Ou seja, as identidades são
definidas estruturalmente. Não se pode falar em identidade fora das relações
estruturais que imperam em um momento dado”. (RODRIGUES apud
Perreira e Rodrigues, 2010 p.89).

Pensando nas questões de constituição de cidadania, vemos que segundo Orlandi


(2016) há sempre falhas ou incompletudes nos processos discursivos, o que nos levam a
compreender os pontos de resistência.

Figura retirada de Orlandi (2016 p. 229)

Compreendemos, segundo Orlandi (2016, p.228) “a interpelação do indivíduo em


sujeito pela ideologia, no simbólico, constituindo a forma sujeito-histórica”. Esta forma é do
sujeito capitalista, sustentada pelo jurídico, em que se tem seus direitos e deveres assistidos e,
nesta forma-sujeito constituída, há a individuação do sujeito pelo Estado, representado pelas
48

instituições e discursos, que acarretam indivíduos concomitantemente responsáveis e dono de


sua vontade, mas, com direitos e deveres e uma vez individuado determina uma correlação de
identificação com uma ou outra formação discursiva.
Pensa-se que a resistência pode se dar no instante que a forma-sujeito-histórica se
significa pela individuação pelo Estado, mas o Estado falha na sua função de articular o
simbólico com o político, necessária para o funcionamento do sistema. O que segundo Orlandi,
2016:

O sujeito, como analisei nos meus textos sobre delinquência (pichador,


Falcão etc.) se individuam pela falta, na falha do estado. O que contribui para
que sejam postos em um processo de segregação... pensando a inscrição do
sujeito na formação discursiva para que se identifique assim como a produção
do sentido, e o reflexo das formações ideológicas nas formações discursivas,
podemos ver como é nesse passo, em que o sujeito individu(aliz)ado se
identifica que pode haver ruptura. (ORLANDI, 2016 p. 230).

Sob este entendimento tem-se que a falha é o lugar do possível, é onde se abre a ruptura,
assim, onde o sujeito pode romper com novos sentidos. Segundo Orlandi (2016, p. 231)
“fazendo sentido no interior do não-sentido. É isto que chamo resistência”

2.2 SER DIFERENTE É SER ANORMAL?

Retrato do artista quando coisa


A maior riqueza do homem
é sua incompletude.
Nesse ponto
sou abastado.
Palavras que me aceitem
como sou – não me aceito
Não aguento ser apenas
um sujeito que abre
portas, que puxa
válvulas, que olha o
relógio, que compra pão
às 6 da tarde, que vai
lá fora, que aponta lápis,
que vê a uva etc. Etc.
Perdoai. Mas eu
preciso ser Outros.
Eu penso
49

renovar o homem
usando borboletas.
Manoel de Barros

Para esta reflexão há a necessidade de se pensar em o que é normal e o que é anormal.


Tendo como base o autor Canguilhem (2009), primeiramente, busca na derivação da palavra
normal, que tem origem da palavra grega nomos significando lei e no século XVIII, passou a
significar “aquilo que se conserva num justo meio-termo”. Assim em 1943, o autor usa a
definição “um objeto ou fato normal se caracteriza como ponto de referência em relação a
objetos ou fatos ainda à espera de serem classificados como tal”.
Orlandi (apud BARROS E CAVALLARI, 2016) nos faz refletir sobre a questão de ser
diferente, partindo do iluminismo de Kant, em que todo ser humano, todo indivíduo é único,
peculiar e insubstituível. E estes são as bases organizacionais da sociedade e são incumbidos
de vir a ser o que é, de tomar e realizar suas decisões. Para a autora, este é um ponto de vista
da esfera racional e há o esquecimento que a sociedade vive na esfera do sistema capitalista,
em que o indivíduo não é autorizado a decidir ou pensar, é tido como consumidor, sendo outra
ideologia.
Seguindo a reflexão da autora, pensa-se em minorias que necessitam que questões
políticas – culturais (reconhecimento da diversidade) reivindiquem do Estado benefícios como
seguro-desemprego, assistência social e serviços públicos além de constatação de suas
diferenças, de suas identidades sem que fomente as desigualdades sociais, políticas,
econômicas e éticas.
E como segue a autora com a conquista de considerar os sujeitos e o simbólico a
possibilidade de ruptura encontra-se na resistência, que é a relação entre o sujeito individuado
e a sociedade.
Entra aqui a noção de diferença, que para Orlandi (2016) um e outro estão em distâncias
similares e, é no movimento entre eles que se entendem, a diferença se constitui na ideologia
e na individualização pelo Estado que é dado na sociedade capitalista, caracterizada por ser
fragmentada e pela expressão das relações de poder, tendo como funcionamento as formações
imaginárias, embarcadas pelas condições de produção que sustenta a divisão entre
os indivíduos na sociedade e constituindo assim suas identidades. Estes aspectos se formam,
a partir da memória discursiva, em que somos significados com nossas semelhanças e diferenças.
Não deixando de como indivíduos capitalistas, juridicamente constituídos pelos
direitos e deveres e igualitários na lei, incitar o discurso da inclusão. A contrariedade encontra-
se na natureza de igualdade no capitalismo que é estruturado pela diferença.
50

Para a autora, quando exprime sobre a diferença falando do corpo, como pessoa
deficiente, afirma que:

...para o corpo, que é o que nos ocupa neste passo, junto ao indivíduo e à
sociedade, podemos ainda citar o que diz Simone de Beauvoir (2002, p.69)
‘o corpo não é uma coisa, é uma situação: é a tomada de posse do mundo e o
esboço de nossos projetos’ (ORLANDI apud Barros e Cavallari, 2016, p.45).

Orlandi (2016) reitera que trata a individuação do sujeito pelo Estado através das
instituições e discursos combinados entre o simbólico e o político, ocasionando o modo de
como o sujeito se identifica e constitui na formação social. É nos moldes existenciais,
econômicos, sociais e culturais, na produção de um imaginário, pela interpelação ideológica e
na sua individuação que culmina no processo de identificação.

2.3. A FRONTEIRA DO ATO DE NOMEAR

O poder das palavras


As palavras têm o poder de arrancar um
sorriso, criar uma esperança, gerar uma
lágrima e até mesmo decepcionar uma pessoa
que não merecia. Mas nunca se esqueça que a
palavra dita, acima de tudo, pode transformar-
se em uma cicatriz na memória de alguém. Aí
sim, jamais se perderá. Pense sempre no poder
das palavras...
Carlos Eduardo Muniz

Para a pesquisa observou-se a ressalva com a utilização do nome da patologia que se


apresenta dentro do discurso médico no momento de se apesentar um laudo. Para isto,
Guimarães (2002) profere, primeiramente, que um nome é o que designa, é o constituído
simbolicamente, explicando que a linguagem funciona por estar evidenciada na realidade e
constituído pela história. Assim, designação é a significação de um nome dentro da semântica
linguística em que se encontra o relacionamento da linguagem com as coisas. Auferir um nome
é uma maneira de a pessoa se enxergar como alguém que identificou com ele próprio, o que
nomeia é parte desta identificação. Nomear é o funcionamento semântico pelo qual as coisas
recebem um nome, identificando objetos e para a linguística com relação à linguagem admite-
se que o nome fornece um sentido. O nome do indivíduo o faz se identificar enquanto sujeito
na sociedade.
50

A designação é o que se poderia chamar de significação de um nome, mas


não enquanto algo abstrato. Seria a significação enquanto algo próprio das
relações de linguagem, mas enquanto uma relação linguística (simbólica)
remetida ao real, exposta ao real, ou seja, enquanto uma relação tomada na
história. (GUIMARÃES, 2002 p. 9)

Para se entender a reflexão, segundo Orrú (2016), manuais para fazer avaliação como
o CID e o DSM servem para nomear, identificar e classificar as incapacidades dos indivíduos
para realizar as coisas difíceis ou insuficiência para resolver problemas. Neste sentido, a partir
da nomeação da patologia, entende-se o significado da identificação, a partir da materialidade,
da nomeação da patologia o indivíduo passa a ser o indivíduo patológico com todas ou quase
todas as incapacidades já constituídas pelo interdiscurso.
Neste sentido, o trabalho parte da reflexão do momento que a patologia é nomeada o
que origina novas formações de sentidos, passando do sujeito aluno para o sujeito aluno com
TEA.

2.4 HISTÓRIA DO LAUDO EM FOUCAULT

Nos indivíduos, a loucura é algo raro –


mas nos grupos, nos partidos, nos
povos, nas épocas, é regra.
Friedrich Nietzsche

Tendo em vista que a pesquisa envolve uma psicopatologia, inserida no DSM-V cujos
elaboradores são psiquiatras, não poderia aqui deixar de referir a Foucault, que analisa o
nascimento da clínica médica, observando os discursos inseridos em momentos históricos e
como estes formularam sentidos a partir da história da medicina, colocando que a clínica sem
dúvida era a primeira tentativa de ordenar a ciência médica pela decisão da observação, do
olhar.

Como é raro um observador perfeito que sabe esperar no silêncio da


imaginação, na calma do espírito e antes de formar seu juízo, o relato de um
sentido atualmente em exercício. O olhar se realizará em sua verdade própria
e terá acesso à verdade das coisas,se se coloca em silêncio sobre elas, se tudo
se cala em torno do que vê. O olhar clínico tem esta paradoxal propriedade
de ouvir uma linguagem no momento em que percebe um espetáculo. Na
51

clínica o que se manifesta é originalmente o que fala. A oposição entre


clínica e experimentação recobre exatamente a diferença entre a linguagem
que se ouve (FOUCAULT, 1977 p.122)

Desde os primeiros trabalhos Foucault fez uma relação entre os discursos e a história,
os sujeitos e a produção de sentidos entre o homem racional que aprisionava o homem louco.
Analisando as condições de produção desse discurso, buscando não só o fenômeno, estudou o
momento da separação da loucura e da razão que ocorreu entre os séculos XVII e XVIII, na
formação do saber médico psiquiátrico e instaurou a loucura como doença. O seu estudo
analisava o histórico buscando no arquivo que numa visão cultural determinavam os
aparecimento e desaparecimento dos enunciados. Nessa metodologia arqueológica foi
possível analisar, também, as relações entre os discursos entre vários domínios, como político,
histórico, instituições, economia, acontecimentos.
Um dos acontecimentos do século XVIII foi o nascimento da sociedade capitalista,
onde os loucos, inicialmente, foram sendo identificados pelas suas incapacidades de gerarem
lucro, reforçando as condições de produção deste período. Com o nascimento da clínica,
Foucault, com seu método arqueológico, pesquisou a linguagem da morte, no discurso médico,
e referiu que a medicina nasceu então da discursividade das duas negações do sujeito: a loucura
e a morte, o olhar sobre a doença.
No século XVIII, havia as epidemias e a inexistência de assistência para a cura, o que
levou a estruturação do pensamento médico, surgindo o normal e o anormal. Tendo como
fundamento central a descontinuidade sempre correlacionando os fatos históricos para o
desaparecimento de uma positividade em detrimento à uma emergência. A descontinuidade é
simultaneamente conceito, operação deliberada e resultado de descrição, o que nos permite a
transformar.
Segundo Gregolin (2007, p. 96) para Foucault, o enunciado era uma função,
denominando como função enunciativa em que correlacionou o conceito de língua para
evidenciar as bases de diferentes evidências, esta função ocorre quando é produzida pelo
sujeito em um lugar institucional, regido por regras tanto sociais quanto históricas definindo a
possibilidade de ser enunciado.

Descrever o exercício da função enunciativa, suas condições, suas regras de


controle, o campo em que ela se realiza pois entre o enunciado e o que ele
enuncia não há apenas a relação gramatical, lógica ou semântica; há uma
relação que envolve os sujeitos, que passa pela História, que envolve a
própria materialidade do enunciado. (GREGOLIN, 2007 p.96).
52

Outro conceito referido por Foucault também é a formação discursiva, postula que a
descrição dos enunciados no que eles têm de singulares seria descrever a dispersão de sentidos,
mas encontrando ordens de correlações, oposições funcionamentos, transformações como
formas de repartição e sistemas de dispersão.

Chamaremos de regras de formação as condições a que estão submetidos os


elementos dessa repartição (objetos, modalidade de enunciação, conceitos,
escolhas temáticas). As regras de formação são condições de existência (mas
também de coexistência, de manutenção, de modificação e de
desaparecimento) em uma dada repartição discursiva. (FOUCAULT, 1969,
p.43)

A proposta de análise quando se referiu ao arquivo, pensou na união de todos os


conceitos: enunciado, formações discursivas, conjunto de enunciados que seria o discurso,
práticas discursivas, a priori histórica, positividade e o próprio arquivo.

A análise do arquivo comporta, pois, uma região privilegiada: ao mesmo


tempo próxima de nós, mas diferente de nossa atualidade, trata-se da orla do
tempo que cerca nosso presente, que o domina e que o indica em sua
alteridade; é aquilo que, fora de nós, nos delimita. A descrição do arquivo
desenvolve suas possibilidades (e o controle de suas possibilidades) a partir
dos discursos que começam a deixar justamente de ser os nossos; seu limiar
de existência é instaurado pelo corte que nos separa do que não podemos
mais dizer e do que fica fora de nossa prática discursiva; começa com o
exterior da nossa própria linguagem; seu lugar é o afastamento de nossas
próprias práticas discursivas. (FOUCAULT.1969 p.148).

Referindo-se ao sujeito do enunciado não pode somente ser circunscrito em princípios


gramaticais, ele é determinado historicamente, podendo ocupar uma série de enunciados ou
diferentes posições, chamado do sujeito da operação. E esta concepção de posição que leva os
enunciados e a história a se relacionarem. Apresentando aqui o campo subjacente e o campo
associativo que significa que para produzir sentido o enunciado deve correlacionar-se com
formulações coexistentes. Quando propõe a materialidade do enunciado, necessita-se de uma
substância, um suporte, um lugar, uma data, o que envolve também o linguístico, mas não
reside somente nele. Para ele, o discurso é o conjunto de enunciados dentro de uma prática
discursiva, mas que nem tudo pode ser dito tendo uma ordem do discurso, o que podemos
53

chamar de saber discursivo, este conjunto de elementos onde o sujeito pode tomar a posição
para falar dos objetos de que se ocupa, obedecendo a ordem.
Outra relação Foucaultiana é a relação entre discurso e poder, em que o sujeito
apresenta um medo do discurso. Isto possibilitou a instituição de sistemas de dominação, com
discursos controlados, organizados, selecionados e direcionados por alguns procedimentos
tendo como efeitos a exclusão, a sujeição e a rarefação.
Assim, nas contribuições para o trabalho vigente, faz-se necessário o entendimento de
que Foucault se refere a materialidade do laudo e sua importância para se estabelecer como
norma, regulamentação por uma formação discursiva dominante.

As outras relações da escrita disciplinar se referem à correlação desses


elementos, à acumulação dos documentos, a seriação, à organização de
campos comparativos que permitem classificar, formar categorias,
estabelecer médias, fixar normas...graças a todo esse aparelho de escrita que
o acompanha, o exame abre duas possibilidades que são correlatas: a
constituição do indivíduo como objeto descritível, analisável, não contido
para reduzi-lo a traços “específicos”, não como fazem os naturalistas a
respeito dos seres vivos; mas para mantê-los em seus traços singulares, em
sua evolução particular, em suas aptidões ou capacidades próprias.
(FOUCAULT, 1999a, p.158).

Do mesmo modo, Orlandi (2014, p.170) relata que o arquivo não é um simples
documento no qual se deparam com arquétipos, ele possibilita uma leitura que traz a superfície
dispositivos e significações buscando nas memórias discursivas um novo gesto de leitura.
A instituição escola está inserida na constituição de arquivo, onde há a necessidade de
normas regimentais para realizar a inclusão do aluno a partir de um laudo diagnóstico para ter
novos direitos perante a sociedade.
54

3 OS DISCURSOS: o antes e o depois do laudo diagnóstico

Poema para uma criança autista


Vem me levar pro seu mundo.
Eu quero aprender a viver.
Quem me dera esse olhar profundo.
Enxergar a luz que você vê.
Deixa eu tocar o céu com a mão,
Para que eu possa livre sorrir.
Sei que a nuvem não é algodão,
Mas quero a ternura da chuva sentir.
Que som é esse?
Que visão também?
Tem mais sentido que nós.
Que sentido não temos.
Que lição é esta
Nessa paz, nesse encanto?
Vive mais feliz do que nós
Que tão pouco vivemos!
Que palhaço é esse que te faz sorrir?
Ai seu redor não vejo circo algum.
Diante de sua inocência quero pedir
Um pouco do riso, não tenho nenhum.
Deixa eu sentir essa brisa também
Que beija seu rosto sem te marcar.
Na sua frente não vejo ninguém,
Mas imagino os anjos a te embalar.
Que rosto é esse?
Quanta imaginação!
Não tem ninguém ao seu redor
E parece que brinca com a multidão.
E se nada eu vejo,
Não posso sentir a sua emoção.
E sigo a vida sozinho
Malu não conhece a solidão.
Luciano Augusto

Antes de se iniciarem as análises, é importante trazer as condições de produção em que


se deram as entrevistas para que se possa compreender melhor os resultados obtidos. Segue-se
assim, as condições de produção dos sujeitos pai e mãe.
A entrevista com os pais foi realizada na casa deles, que fica localizada no centro da
cidade de Sinop, estado do Mato Grosso. O primeiro a ser entrevistado foi o pai que estava
cuidando dos dois filhos do casal, sendo um menino de 5 anos e uma menina de 3 anos. O pai
tem formação em tecnologia e seu estabelecimento comercial fica na frente da casa. A mãe tem
como formação odontologia e possui especialização na sua área. A família tanto por parte
materna como paterna fazem parte da colonização da cidade. No momento da entrevista,
55

primeiramente, foi acertado iniciar com a mãe, mas ao chegar no local a mãe havia marcado
outro compromisso e avisou que iniciaríamos com o pai. Foi realizada a entrevista na área de
lazer da casa enquanto as crianças encontravam-se na sala assistindo desenho animado na
televisão, a conversa com o pai durou 44 minutos, com algumas interferências das crianças, no
sentido de querer atenção do pai para realização de alguma ação, como buscar água, não no
sentido de se pronunciarem na conversa. O pai, apresentou-se em alguns momentos muito
emotivo, com lacrimejar nos olhos, fazendo pausas no momento enunciativo, continuando após
com a cronologia do processo do laudo da patologia.
Já a entrevista com a mãe, após um período de 15 minutos de espera, iniciou-se no
mesmo lugar que se encontrava o pai, a mãe chegou afobada e mantinha uma fala mais direta
da cronologia do laudo, necessitando assim maior número de perguntas da entrevistadora. A
entrevista durou aproximadamente 28 minutos, também com interferências das crianças para
a atenção da mãe no quesito de pegar comida. A mãe não demostrou olhos lacrimejantes em
nenhum momento, apresentou sorrisos após algumas respostas
As condições de produção do discurso pedagógico se deram na escola municipal da
cidade de Sinop, no estado do Mato Grosso, localizada em um bairro próximo ao centro
econômico e social, sendo um bairro com estrutura asfáltica, conta com uma estrutura nova,
tem ensino maternal que contempla crianças de 4 e 5 anos de idade, com 16 turmas, atendendo
não mais que 25 crianças em cada sala. A gestão é municipal e dispõe de 8 salas de aula,
laboratório de informática, sala de leitura, cozinha, refeitório, secretaria, diretoria, sala dos
professores, almoxarifado, recepção, pátio coberto, anfiteatro e playground. Conta com um
corpo de profissionais constituído por técnicos de desenvolvimento, uma secretária, treze
professores com formação em educação infantil, uma diretora, uma coordenadora, uma auxiliar
de coordenação pedagógica com formação em psicopedagogia e oito técnicos de apoio que são
estagiários de diversas áreas como pedagogia, letras e psicologia. Tem quatro professores com
especialização em educação especial. Trabalha com a inclusão, depara-se com 2 crianças com
diagnóstico de TEA, uma criança com diagnóstico de Surdez, e outras 4 crianças em processo
de diagnóstico, todas estão em atendimento em sala de Atendimento Especial Especializado
(AEE). A coordenadora e a professora da sala do maternal que foram entrevistadas estão
trabalhando nesta escola há 4 anos. A coordenadora possui graduação em pedagogia e
especialização em educação especial com ênfase em Libras e a professora é formada em
pedagogia com cursos de formação em educação especial.
Para entendemos os efeitos de fronteira busco em Pêcheux (1990) que afirma que no
espaço de revoluções há o transpor de um mundo para outro, uma fronteira invisível a ser
56

passada, isto se faz em paralelo com a linguagem, que em dados momentos, como na história
as vias de contato se alternam entre o visível e o invisível, entre o que existe e o que é
impossível.
O autor, ao referir a existência do invisível e da ausência, insere nas formas linguísticas
a negação, o pressuposto de um desejo que se trocam entre si, em um jogo entre o passado,
presente e futuro. Dessa forma, ele nos mostra que na época das ideologias feudais a barreira
linguística invisível os tornavam incapazes de se comunicarem.

Ao propor a existência do invisível e a ausência, Pêcheux as inscreve “nas


formas linguísticas da negação, do hipotético, das diferentes modalidades que
expressam um ‘desejo’, e também no jogo variável das formas que permutam
o presente com o passado e o futuro (...) toda língua está necessariamente em
relação ao ‘não está’, o ‘ não está mais’ e o ‘ainda não está’ e o ‘nunca estará’
da percepção imediata: a ideologia a representar as origens e os fins últimos,
o alhures, o além e o invisível”. (PITOMBO- OLIVEIRA, 2007 p. 40)

Ao pensarmos sobre fronteiras invisíveis, este trabalho estabelece como fronteira


discursiva o laudo diagnóstico e que nos faz pensar de que forma irá se compor os novos
sentidos.
Na análise dos recortes dos discursos, optou-se por denominar de entrevista da posição
sujeito Pai como (EPAI), e assim, sucessivamente para entrevista com a posição sujeito Mãe
(EMÃE), para o sujeito professor como (EPROF) e para o sujeito coordenador de escola como
(ECOORD) e a CRIANÇA (F).

3.1 DISCURSO FAMILIAR DA POSIÇÃO SUJEITO PAI

Para as entrevistas realizadas, o pai de F. apresenta-se com idade de 40 anos, em união


estável há 13 anos, com formação em tecnologia, pais de um casal de filhos, onde F. é o
primeiro filho de 5 anos e a menina é a segunda filha com 3 anos de idade. Fazem parte de uma
classe com poder econômico considerado médio, morou, na infância na cidade de Sinop, saindo
por um período, mas retornando em 2005, onde se estabeleceu até o momento. É da religião
Católica Apostólica Romana. Sua irmã era professora da rede municipal de ensino ao qual
auxiliou-os no ingresso na escola.
57

Iniciamos a análise descrevendo o discurso que circula entre o antes e o depois do


laudo diagnóstico, buscando aqui observar na materialidade do laudo, nos dizeres que
permeiam os conceitos da AD, compreender os efeitos de sentidos em que procurou-se
salientar as marcas de significação, repetição e ressignificação sobre o laudo diagnóstico.
Antes do laudo o sujeito pai aponta que não haviam entendido o que os professores
queriam alertar, nem seu familiar, como afirma no recorte:

EPAI: Com relação a situação que enfrentamos, quando nasceu o


pequeno até sua idade na qual nós percebemos uma certa dificuldade
de relacionamento, uma certa dificuldade de se trabalhar em equipe,
em comunidade, a gente ficou perdido, a gente não entendia o que
ocorria, né? Sendo ele o primeiro filho e quem nos alertou para esta
dificuldade que estávamos pontuando, na época foi minha irmã e
ela pediu para que falasse com as professoras também para eles nos
ajudarem e de imediato as professoras já também viram e estavam
de uma forma tentando de uma forma nos falar também estas
informações que estavam com dificuldades com ele, com o
pequeno.

Na mesma sequência discursiva, o pai apresentou o enunciado dificuldade quatro


vezes, “uma certa dificuldade”, “uma certa dificuldade”, “esta dificuldade”,
“dificuldades com ele”, reforçando a imagem que o EPAI tem de F., identificando que era
diferente, tinha comportamentos que eram percebidos, mas não identificados como uma
possível patologia. Por ser um termo genérico, que significa diferente, mas não especifica,
suscita o não nomear, como sendo uma barreira porque se dissesse de outra forma confirmaria,
além da dificuldade, um possível problema. É possível que a escolha de não nomear ou afirmar
que F. seja identificado com uma patologia deva-se à memória que os pais têm de aceitar filhos
com deficiências, o que segundo Guimarães (2002 p. 10) ” assim, a partir do fato semântico de
que as coisas são referidas enquanto significadas, e não enquanto simplesmente existentes”.
Embora o discurso do pai caminhe no sentido que não entender, inicialmente, que
havia algo de diferente com F, já havia percebido que o seu desenvolvimento infantil não
estava de acordo, caminhando, como se era esperado socialmente, o não-dito se faz presente,
58

o que, segundo Orlandi (2015), o discurso estava implícito, o subentendido, declara assim que
havia algo de diferente do “normal”.
A sequência discursiva traz para discussão o sentido do EPAI estar desorientado por
não ter consciência do que acontecia com F. “a gente ficou perdido”, “a gente não entendia
o que ocorria, né? ”, e que para isso teve que ser alertado pela irmã e pelas professoras “quem
nos alertou para esta dificuldade que estávamos pontuando, na época foi minha irmã e
ela pediu para que falasse com as professoras. ” Percebe-se que ‘o outro’ foi fundamental
para essa percepção, porque, foi através dele, que foi possível tomar atitudes para ajudar F. a
interagir melhor na sociedade, como refere-se Maingueneau:

No espaço discursivo, o Outro não é nem fragmento localizável, nem uma


citação, nem uma entidade exterior, não é necessário que ele seja atestável
por alguma ruptura visível da compacidade do discurso. Ele se encontra na
raiz de um Mesmo sempre já descentrado em relação a ele próprio, que não
é em nenhum momento localizável sob a figura de uma plenitude autônoma.
Ele é o que sistematicamente falta num discurso e lhe permite fechar-se em
um todo. Ele é esta parte do sentido que foi preciso que o discurso
sacrificasse para constituir sua identidade. (MAINGUENEAU, 1984 apud
BRANDÃO, 2002 p. 74-75).

Seguindo com os recortes do discurso sujeito pai.

EPAI: A dificuldade de você ficar repetindo várias vezes, de você


falar, falar, falar, falar. Falar alto às vezes porque ele não entendia,
não entendia que era com ele, tanto é que ele fala sempre na
terceira pessoa. Ele não fala: “ahh eu quero comer, é o ... quer
comer”. “O ...quer beber”. Ele não vê o eu, então acho que isso dá
uma certa dificuldade. Não se entendia isso, a gente ficava até mesmo
discutindo isso. Como não consegue ver isso? Tinha essa dificuldade
em entender o que tinha de verdade nele. A gente não sabia, não
interpretava isso, não conseguia interpretar este problema, mas, daí a
gente conseguiu com a escola.
59

Na prática discursiva do EPAI., observa-se a repetição do pronome “ele” como


podemos observar nas formulações “porque ele não entendia”, “que era com ele, tanto é que
ele fala sempre na terceira pessoa. Ele não fala”, “ele não vê o eu”. O pai tinha muita
dificuldade em pronunciar o nome do filho, assim como pai não conseguia/não queria entender
o que se passava, o uso dos pronomes ele e dele garantia o afastamento necessário. Talvez a
atitude de negação e de distanciamento do filho esteja ancorada na dificuldade de aceitação de
F, por apresentar características do diferente, que causa constrangimento por não se encaixar
nos padrões da sociedade. Percebe-se a dificuldade no processo de aceitação do diferente, pois
este não dizer leva os sentidos à uma nova direção, o que segundo Medeiros (apud Barros e
Cavallari, 2016) quando se pensa em diversidade alguns sentidos florescem, pois, estão
construídos a partir do confronto de relações sócio-históricas, permeadas pelas funções
imaginárias. E, a partir da própria sociedade, tenta unificar as diferenças, e estas verdades se
calcificam em determinados contextos sócio-históricos e ideológicos. E no interdiscurso essas
verdades foram calcadas como sendo o diferente de modo discriminatório ou patológico.
Quando pensamos em diversidade alguns sentidos vem à tona.
No dicionário a seguinte descrição para a diversidade: “1
Qualidade daquele ou daquilo que é diverso. 2 Diferenças,
dessemelhanças: Diversidade de interpretações. 3 Variedade:
Diversidade de dons. 4 Contradição, oposição. Antôn. (acepção
2): unidade; (acepção 4); harmonia... já o conceito comum de
diversidade que circula na mídia e que observamos nesse artigo,
está ligado à multiplicidade, pluralidade, heterogeneidade de
ideias, culturas, gêneros. Esta “verdade” está incluída de uma
dada formação social que configuram um lugar discursivo que
prioriza uma adequação dos sujeitos que coabitam em
sociedade. (BARROS E CAVALLARI, 2016, p. 37)

Dadas as dificuldades de interpretar o que estava acontecendo, segundo Pêcheux


(1990), era “a existência do invisível está estruturalmente inscrita nas formas linguísticas da
negação, do hipotético, das diferentes modalidades que expressam um desejo”. A negação se
pronuncia na fala “porque ele não entendia”, “Ele não fala”. O hipotético, imaginar o que
estaria acontecendo e o desejo de conseguir entender aparecem no enunciado: “Tinha essa
dificuldade em entender o que tinha de verdade nele, a gente não sabia, não interpretava isso,
não conseguia interpretar este problema, mas, daí a gente conseguiu com a escola”.
Outro destaque neste recorte é que, mesmo com alertas de várias pessoas ao seu redor,
eles, os sujeitos pais, não “entenderam” o recado, a linguagem não é clara e não ocorreu o
efeito de sentido para os pais no momento, não somente pelo fato de ser o primeiro filho, mas
60

pela possibilidade de algo incorreto com este filho. Orlandi (2015), define que o Outro me
constitui e é naquilo que digo que falo, o interdiscurso, a memória de que se estabelecer o
diferente eu não como no enunciado: “porque ele não entendia, não entendia que era com ‘ele’,
como saberia como este sujeito seria, afirmada na frase do enunciado do pai: “Então, no
contexto geral, a gente, no começo, estava perdido”.
Seguindo com a entrevista, o pai relata sobre o discurso pedagógico e religioso como
sendo os norteadores de condutas éticas e morais de sua vida, além de despontar a noção de
fronteira do nomear a patologia de seu filho e de identificar o Laudo diagnóstico como um
marco de posicionamento a ser tomado frente às questões da compreensão da deficiência do
filho. Como segue no recorte:

EPAI: a forma que a escola nos abordou foi extremamente


profissional... eles estão preparados para falar para o pai e para mãe
que seu filho é especial...assim é um pouco difícil aceitar, no começo,
que o meu filho tem uma certa deficiência em tal área, a partir do
momento que você recebe este laudo, você tem que abraçar a causa
por que você ama seu filho...Ahh nasceu tem problema, vamos
descartar e fazer outro, não é assim ...confesso que fiquei triste, mas é
o nosso filho.

A forte presença dos discursos pedagógico e religioso encontra-se neste recorte, que
prevalece o enunciado autoritário. No relato do discurso pedagógico, o pai confirma o
profissionalismo da escola, a preparação dos profissionais da instituição para dizer o que seu
filho tem de diferente, de especialidade, ou seja, como pai, não contesta este enunciado, “a
forma que a escola nos abordou foi extremamente profissional... eles estão preparados para
falar para o pai e para mãe que seu filho é especial...”
É possível ainda dizer que o discurso pedagógico ancora-se no dizer legitimado pela
sociedade como inquestionável, por ser produzido dentro da escola, que é reconhecida como
a instituição que centraliza o saber (ORLANDI, 1987). Sendo assim legitimada, não se duvida
do que é informado pela escola, porque é detentora do conhecimento.
Ao mesmo tempo revela o peso do discurso religioso, em que é difícil aceitar uma
deficiência, mas é preciso. É lei divina amar ao filho, não podendo nem ao menos entristecer-
se. O que, segundo Orlandi (1987), há a legitimidade do discurso religioso como o pai está
presente neste discurso e o acata, pois, encontra-se inserido neste contexto social pré definido,
61

e considerado pecado dentro de sua religião o não amar e aceitar a deficiência ou o seu filho.
Como relata neste recorte: “Ahh nasceu tem problema, vamos descartar e fazer outro, não é
assim ...confesso que fiquei triste, mas, é o nosso filho. ”
Ainda quanto à presença do discurso religioso, se observa a manutenção da
dissimetria, que Orlandi (1987) define como sendo qualidade de relação que por um lado tem-
se a onipotência divina e do outro a submissão humana às regras, devendo ser bons,
imaculados e ter fé, verificasse neste enunciado: “confesso que fiquei triste, mas é o nosso
filho. ”
Até o momento de uma nova abordagem por parte dos profissionais da escola, o pai
necessitou que sua relação com o invisível fosse colocada em um discurso diferente para que
o deslocasse de um mundo para outro, materializando assim a visão sobre seu filho.

EPAI: ele é especial e a gente tem que ter esse anjinho especial junto
com a gente, a gente não pode virar as costas e deixar este problema
cada dia mais crescer. Então, a gente tem visto todo dia que vai
melhorando.

Nesta enunciação houve o atravessamento do discurso religioso, referindo-se ao aluno


como um anjo, “a gente tem que ter esse ‘anjinho’ especial junto com a gente”. O anjo faz
parte do imaginário da religião católica que congrega a existência destes seres espirituais como
sendo celestiais superiores ao homem, que são servos de Deus e amigos e protetores dos
homens.

Um conceito que suscita a presente análise é a noção dos esquecimentos que, segundo
Pêcheux (1975), o esquecimento número um é da ordem da enunciação, onde se fala de uma
maneira e não de outra, as paráfrases, quando se referiu ao filho ter uma certa deficiência em
tal área, o sujeito tem a ilusão de ser a origem de seu dizer. E o esquecimento número dois,
diz respeito ao que escolhemos dizer de uma maneira em um lugar e de outra em outro lugar,
se prevalece de paráfrase, da sinonímia para se reafirmar e das formações discursivas aos quais
estão inseridos. Considera-se neste recorte:

EPAI: na verdade o laudo, eu vejo assim, o laudo foi feito de 0 a 100%


para chegar, para chegar no 100% foi feita várias conversas com vários
62

profissionais , onde foram aparando as arestas e cada um foi dando


suas trocas de informações e seus conhecimentos e foram aparando
estas arestas para chegar no 100% até que ele chegasse nesse 100% do
laudo inicial até o laudo final. Digamos assim: não foi o laudo um
ponto zero, chegou lá no dois ponto cinco, passou por várias refinadas,
refinadas até que se chegou a um consenso e que seria isso aí... Estas
informações foram trocando até que se chegasse a este consenso que
tinha este déficit de atenção, esta deficiência dele, mas enfim...

No decorrer do discurso paterno, o laudo médico foi uma construção, uma somatória
de conhecimentos de várias áreas que conheciam e estudavam sobre o TEA, que se
encontravam nas formações imaginárias e, para a aceitação dos pais, houve a necessidade
desse momento de edificação. Usando paráfrases de áreas distintas do conhecimento, em que
cada profissional se fez presente, com suas falas específicas, tendo em vista um acontecimento.
O que, segundo Orlandi (2017), o fato social, no caso a criança com dificuldades, torna-se por
meio do Laudo, um acontecimento, entrando em seu funcionamento a memória constitutiva.
Esta mudança de construção de sentidos ao qual os pais conseguissem até mesmo dizer
o nome da patologia, que até então se referiam a ‘isso aí’, ou como ‘a deficiência’, é o que
remete a Orlandi (2107, p. 102) quando afirma: “ o acontecimento se dá no “ ponto de encontro
de uma atualidade e uma memória”, como se apura no recorte: “para chegar no 100% foi feita
várias conversas com vários profissionais , onde foram aparando as arestas e cada um foi
dando suas trocas de informações e seus conhecimentos e foram aparando estas arestas para
chegar no 100% até que ele chegasse nesse 100% do laudo inicial até o laudo final”.
Seguindo com o discurso paterno, o acontecimento foi de fundamental importância
para romper as barreiras invisíveis transportando os para outro mundo pela materialidade do
laudo.

EPAI: Então, tanto os professores, como psicólogos e, né, fono. Estas


informações foram trocando até que se chegasse a este consenso que
tinha este déficit de atenção, esta deficiência dele. Mas, enfim, este
laudo saiu e nos ajudou, nos ajudou e muito. Se ele não tivesse esse
laudo, se não tivesse essa troca de informação, essa expertise dos
profissionais envolvidos, a gente não conseguiria saber se era isso ou
63

não era isso que ele tinha... Defino como um divisor de águas. Porque
na hora que você recebe este laudo aqui você tem que estar buscando
uma solução né, para o seu problema, então você não tem que ficar
lembrando daqui para trás.
EPAI: eu consigo lembrar de quando eu recebi o laudo até hoje, não
fico lá no passado antes do laudo como é que era, já foi se ficar
pensando você fica se autoflagelando.

Visando o acontecimento discursivo que acontece pelo laudo diagnóstico, possibilita o


deslocamento de sentidos na construção de um novo sentido e a possibilidade de se trabalhar
com este novo sentido para a posição sujeito pai, que é aceitar e formular a posição sujeito
filho com TEA . No discurso paterno estabelece, sim, que esta materialidade deve existir, como
segue na fala: “se não tivesse essa troca de informação essa expertise dos profissionais
envolvidos a gente não conseguiria saber se era isso ou não era isso que ele tinha... Defino
como um divisor de águas”, mesmo sabendo de todas as dificuldades do filho, dos
apontamentos desde muito cedo, a construção de um novo sujeito, no caso esse sujeito
diferente. Orlandi (2015 p.189), nos afirma que “Sujeitos e sentidos, constituem-se, pois, em
processos complexos em que entram a ideologia, o imaginário social, o político visto como
divisão do sujeito, dos sujeitos entre si..”
Novamente, neste recorte, há a interpelação do discurso religioso católico no
enunciado: “não fico lá no passado antes do laudo como é que era, já foi se ficar pensando você
fica se autoflagelando”. Sendo que autoflagelar entrou na cultura cristã na idade média como
sendo uma punição por pecados cometidos.
Sendo assim, no discurso do sujeito pai observamos um enunciado em que a
materialização do laudo diagnóstico ocorreu como um acontecimento, ressaltando as relações
entre o interdiscurso e a ideologia.
Pode-se perceber ainda o laudo diagnóstico como sendo a representação da polissemia,
do diferente. Ou seja, enquanto não se sabia o que estava acontecendo era a representação da
paráfrase, do mesmo, da repetição. A partir do momento, que se definiu o laudo, houve a
ruptura, o novo, que estabeleceu novos sentidos para o comportamento do filho.

Toda vez que falamos, ao tomar a palavra, produzimos uma mexida na rede
de filiação dos sentidos, no entanto, falamos com palavras já ditas. E é nesse
jogo de paráfrase e polissemia, entre o mesmo e o diferente,
64

entre o já-dito e ao se dizer que os sujeitos e os sentidos se movimentam.


(ORLANDI, 2015 p. 34)

3.2 DISCURSO FAMILIAR DA POSIÇÃO SUJEITO MÃE

Assim como falham as palavras quando querem


exprimir qualquer pensamento.
Assim falham os pensamentos quando querem
exprimir qualquer realidade.
Mas, como a realidade pensada não é a dita mas a
pensada.
Assim a mesma dita realidade existe, não ser
pensada.
Assim tudo o que existe, simplesmente existe.
Alberto Caieiro

A mãe tem 38 anos, em união estável há 13 anos, odontóloga, pertencente à classe


social média, mãe de um casal de filhos, sendo o primogênito F. com 6 anos de idade e uma
menina com 4 anos de idade. Religião católica, nascida em Sinop, saindo só para formação
profissional, mas logo retornando.
No discurso do sujeito mãe, observamos a ideologia, pudemos analisar a função
imaginária perante seu, filho, à patologia, à escola e principalmente ao laudo.

EMÃE: quando ele entrou na escola mesmo, porque até em casa a


gente não via nada de anormal e também só tinha um filho e depois
chegou a irmãzinha mas um é menino e outra menina, então tem essa
diferença, sempre pai e mãe fala: Ah! Porque menino é mais lento,
menina é mais esperta para falar, para andar e tudo. Então, em casa, a
gente não sentia até quando ele entrou na escola mesmo, porque até
em casa a gente não via nada de anormal e também só tinha um
filho e depois chegou a irmãzinha mas um é menino e outra menina,
então tem essa diferença. Então em casa a gente não sentia nada.

Destacando-se o recorte da posição sujeito mãe antes do laudo, faz elucidar a função
imaginária do desenvolvimento do gênero masculino que segundo a cultura popular, é de um
65

modo diferente. Assim, a genitora, carregada de ideologia , acreditava que o desenvolvimento


do sexo masculino é mais lento e que pode haver inadequações e percebê-las. Outro destaque
para o enunciado é a repetição do enunciado anormal, “em casa a gente não via nada de
anormal”, traz a reflexão que segundo Orlandi (2016), há a ideia de jogo, onde o inconsciente
e a ideologia estão interligados e no efeito metafórico se diz uma palavra por outra, a falha
fala, ao dizer nada de anormal, para não dizer patologia.
Seguindo-se com o depoimento da mãe:

EMÃE: Então, depois do laudo, assim, no começo, daí a gente


começou a ver mais estas características, ai eu comecei pesquisar
mais, mas eu não reparava que ele tinha estas características, ahh
ele não é de andar nas pontas dos pés, que se balança, mas ai você
começa a ver outras características de sair dos amigos e se
isolar...mas como ele interagia um pouco no começo, achava que tinha
interação.

Estas coisinhas que depois do laudo a gente vai vendo que se


encaixam, mas que até ter o laudo você acha que é normal, sei
lá...porque antes do laudo a gente nem se toca... acha normal
judiar dos bichinhos...

A procura por identificar, dentro das ações apresentadas pelo menor, as características
de uma patologia suscitam a sua realidade. O que não queria afirmar só através da constatação
do discurso médico é que iniciou o processo de aceitação do diferente, o que, segundo Orlandi
(2015), “tudo envolvido por formação imaginárias, relação de força, relações de sentidos e
efeitos da memória discursiva”, onde este saber discursivo tem o funcionamento através do
esquecimento.

EMÃE: o laudo hoje é: significa ter alguns direitos, né?! Porque é só


através do laudo que você consegue a psicopedagoga na escola. Eu
precisava deste laudo para ter este reforço escolar...o laudo é
importante para isto...para conseguir benefícios tem que ter laudo
66

também...e ter uma educação especial para estas crianças...o que


mudou foi que agora tem, tá aqui, laudou, é um documento, entre
você ter e não ter, não ter fica uma coisa meio no ar, será que tem
ou não tem.

Destaca-se neste recorte do enunciado da mãe, “o laudo hoje é: significa ter alguns
direitos, né?! Porque é só através do laudo que você consegue a psicopedagoga na escola. Eu
precisava deste laudo para ter este reforço escolar...o laudo é importante para isto”, que,
segundo Orlandi (2016), ter o documento denominado laudo é um meio de individuação do
sujeito pelo Estado, que lhe confere condições de identificação e direitos dentro da sociedade.

3.3 O LAUDO: acontecimento social

Deste modo podemos observar que o Laudo Diagnóstico realizado pelo discurso
médico, afirma a relação de força que se subscreve o sujeito assujeitado ao Estado, que por
sua vez se assujeita o sujeito para fazer valer as leis de individuação deste, perante a escola.
Segundo Foucault (1999, p.156) o laudo faz com que a individualidade entre em um
documento fazendo parte de uma rede de anotações.
Maldidier (apud ORLANDI, 2014, p.170) diz que a referência de arquivo que nunca
é dado a priori, todo arquivo é identificado pela presença de uma data, de um nome próprio,
de uma chancela institucional, foi o que se presenciou no discurso dos pais, o laudo
diagnóstico é o documento, tem validado pela formação discursiva médica que possui um
discurso autoritário sobre as outras formações discursivas, isto apresentou-se em todos os
discursos.

EPAI: fizemos uma junta da escola com a busca de ajudas médicas, de


psicólogos, de fono, pra gente conseguir, daí sim, fazer com que
tivesse uma solução para esse caso, né? Só que até então a gente não
tinha muito entendimento do que estava acontecendo com ele.

EMÃE: Mas por ele ter este grau leve é que nos tranquilizou, assim, o
fato que a médica falou que ele sai do ali do...transtorno, do espectro
67

né? A medida que ele vai fazendo as terapias, que vai tomando a
medicação, ela vai fazer uma outra avaliação mais pra frente que de
repente ele não se enquadra mais, foi isso que ela nos explicou, né.
Então acho que no primeiro momento a gente ficou assustado mas,
depois a gente foi se tranquilizando

EPROF: Nós acreditamos que quem vai falar pra senhora realmente o
que o F. tem ou o que ele não tem, quem vai dizer assim, ele é uma
neuropediatra...

ECOORD: é porque a família tem um certo receio de procurar. Então


a gente faz esta primeira conversa assim de forma muito leve, muito
tranquila, é para tirar deles mesmo estas dificuldades, se percebem,
quando eles apontam a dificuldade, ai a gente age, né? Ahh, então não
seria melhor, né, levar num especialista?

Nas entrevistas observou-se que para todos havia a necessidade do laudo para
que se pudesse realizar algo para o aprendiz, seja na ordem familiar para direcionar com
tratamentos adequados, seja na ordem escolar para direcionar para sala especializada e obter
os direitos de uma auxiliar. O que segundo Orlandi (2017), fazendo-se compreender que na
individuação da forma-sujeito , este seja trabalhado socialmente e que se vai constituindo como
indivíduo sócio-histórico, conforme observamos nas falas: “a busca de ajuda médica, de
psicólogos, de fono pra gente conseguir, daí sim, fazer com que tivesse uma solução para esse
caso, né.” , “A medida que ele vai fazendo as terapias, que vai tomando a medicação, ela vai
fazer uma outra avaliação mais pra frente que, de repente, ele não se enquadra mais.” , “Nós
acreditamos que, quem vai falar pra senhora realmente o que o F. tem ou o que ele não tem,
quem vai dizer assim, ele é uma neuropediatra...”, “. Então a gente faz esta primeira conversa
assim de forma muito leve, muito tranquila, é para tirar deles mesmo estas dificuldades se
percebem, quando eles apontam a dificuldade aí a gente age, né? Ahh, então não seria melhor,
né, levar num especialista? ”.
68

3.4 DISCURSO PEDAGÓGICO DA POSIÇÃO SUJEITO COORDENADORA DE ESCOLA

A entrevista com o sujeito coordenador de escola se deu no âmbito escolar, durou


aproximadamente vinte e dois minutos, com algumas interferências pela colega diretora ao
qual dividem o mesmo espaço. A coordenadora é uma profissional da educação inclusiva, com
formação especial em libras, já atua como professora há muitos anos.
Nos recortes da entrevista com o sujeito coordenador da escola, antes de ter um laudo
o menor se apresentava como o sujeito político inserido na escola, ao qual o Laudo é de
extrema importância para prevalência dos direitos destas crianças especiais, como recursos
materiais, como profissionais.

ECOORD: a gente, percebendo toda necessidade dele, toda demanda


que ele iria necessitar, e que precisa hoje, tendo assim, essas
dificuldades ...então, se a gente for falar do F. do ano passado pra esse
ano, teve uma mudança assim, brusca... que a gente nunca duvidou
que ele fosse uma criança capaz, né? Que a gente percebe toda essa
diferença ano passado participava do Atendimento Especial
Especializado, mas, sem o laudo... a gente percebia que precisava de
medicação...e a fala também era bem comprometida, não fazia
apresentações em grupo.

A fronteira é marcada pelo uso dos tempos passado e presente. Segundo Pêcheux, todo
discurso é interpelado pela ideologia e, nesta, o poder de estado, como sendo uma formação
discursiva ao qual detém o poder, fica evidente. Atualmente a educação especial dependente
destes discursos para se requerer seus direitos perante a lei de que a educação é para todos,
isto fica visível na formação discursiva escolar, no sujeito coordenador.
Segundo Orlandi (apud BARROS E CAVALLARI, 2016) a diferença se constitui em
cada indivíduo pela ideologia e o modo de individuação pelo Estado, que se caracterizam pelas
instituições e seus discursos, isto aparece na fala do sujeito coordenador, representante direto
das instituições: “a gente percebendo toda necessidade dele toda demanda que ele iria
necessitar, e que precisa hoje, tendo assim, essas dificuldades ...” , “Que a gente percebe toda
essa diferença ano passado participava do Atendimento Especial Especializado, mas, sem o
69

laudo...a gente percebia que precisava de medicação...e a fala também era bem comprometida,
não fazia apresentações em grupo.”

ECOORD: Nem todas as crianças chegam com laudo... isto atrapalha


um pouquinho, porque tem toda uma questão política também, né, em
relação ao laudo. A escola, tendo o laudo desta criança, o que que a
gente faz? A gente garante os direitos né? Nós temos a lei municipal,
nós temos a Lei Federal, como temos regimentos próprios... A última
resolução que saiu sobre inclusão, ela fala muito desta questão do
direito da criança, então, pra gente se agarrar neste direito mesmo
legal, a gente precisa do laudo, porque nós temos a criança autista tem
direito ao bolsista, a um acompanhante, a gente fala bolsista...Então o
laudo vem facilitar essa barreira, esse lado da barreira.

Outra situação em relação ao laudo, é porque você faz as pesquisas,


né? Dentro daquilo que você está dizendo da criança e você consegue
direcionar o trabalho pedagógico, né, dentro das necessidades dela.

Então, assim, ele vem facilitar muito a vida do profissional aqui na


escola...porque ela perde, a escola perde, o município perde porque a
gente não consegue inserir esta criança no sistema como é criança que
é usuária do AEE, então o município não ganha esta verba, que
seria dobrada para ela...,e, esta perda é que as pessoas não tem
muita consciência. E esta perda acaba gerando um custo, um
financiamento muito alto para o município... se uma boa parte dos
pais não compreendem isso, não traz o laudo, então o município tem
que arcar com isso igualmente.

A relevância dada ao laudo pelo discurso da coordenadora da escola está embasada na


figura do sujeito de direito, em que, segundo Orlandi (2015, p.193), a figura deste sujeito
legitima o sistema capitalista, ocultando desigualdades sociais, como se observa no enunciado:
“porque ela perde, a escola perde, o município perde porque a gente não consegue inserir esta
criança no sistema como é criança que é usuária do AEE, então o município não ganha esta
verba, que seria dobrada para ela...e esta perda é que as pessoas não tem muita consciência e
70

esta perda acaba gerando um custo, um financiamento muito alto para o município...se uma
boa parte dos pais não compreendem isso, não traz o laudo, então o município tem que arcar
com isso igualmente.”
Existem duas barreiras visíveis e invisíveis segundo Pêcheux (apud PITOMBO-
OLIVEIRA, 2007) neste recorte que faz-se necessário transpor: A primeira que a materialidade
do laudo garante os direitos como aluno especial, como refere no recorte: “Nem todas as
crianças chegam com laudo...isto atrapalha um pouquinho porque tem toda uma questão
política também, né, em relação ao laudo. A escola tendo o laudo desta criança, o que que a
gente faz, a gente garante os direitos né? Nós temos a lei municipal, nós temos a Lei Federal,
como temos regimentos próprios...a última resolução que saiu sobre inclusão ela fala muito
desta questão do direito da criança, então pra gente se agarrar neste direito mesmo legal, a
gente precisa do laudo”. Outro marco a ser transposto seria o marco de fronteira pedagógica,
como sendo na materialidade do laudo o que irá definir o que será ensinado para este aprendiz,
como na fala: “Outra situação em relação ao laudo, é porque você faz as pesquisas, né? Dentro
daquilo que você está dizendo da criança e você consegue direcionar o trabalho pedagógico,
né, dentro das necessidades dela. Então assim ele vem facilitar muito a vida do profissional
aqui na escola”.
Seguindo esta questão da materialidade do laudo como uma fronteira discursiva, a
criança é transposta à condição do laudo, segundo Orrú (2016), o diagnóstico vem a
estigmatizar a criança, como o laudo tem a função de nomear, identificar e classificar, ela
passa a ser o autista, coisificando o indivíduo, como segue na fala: “ tem profissionais que
mudam sim! Ahh, porque à s vezes até esquece o nome da criança…Ahh meu autista, né?
Nem fala mais o meu aluno, existe sim a questão do rótulo, é tudo questão de ética mesmo,
né...não tem como dizer que não muda, não são todos os profissionais...a minoria estraga, né?
Contamina...”

ECOORD: tem profissionais que mudam sim! Ahh, porque à s vezes


até esquece o nome da criança…Ahh meu autista, né? Nem fala mais
o meu aluno, existe sim a questão do rótulo, é tudo questão de ética
mesmo, né...não tem como dizer que não muda, não são todos os
profissionais...a minoria estraga, né? Contamina...
Eu coloco o laudo como uma necessidade burocrática que a gente
identifica a dificuldade do aluno aqui não precisa laudo para
desenvolver as habilidades dele não, não é necessário, mas para a
71

gente se amparar né, na questão legal, sim, é necessário. Porque não


posso dizer que uma criança tem essa ou aquela deficiência sem eu ter
um laudo... o laudo é bastante burocrático, então para a gente resolver
esta parte burocrática que a escola, a educação, que o sistema exige, a
gente precisa dele.

A fala da coordenadora refere-se ao laudo como um acontecimento social, em


que a diferença faz-se presente. Mas, Orlandi (apud BARROS E CAVALLARI, 2016) aponta
que não domesticamos a noção de diferença, há a circulação dos sentidos em relação à
alteridade que não é clara, nem direta, é simultaneamente confusa e a todo processo de
produção da diferença. Junta-se a memória discursiva, onde algo sempre fala antes em um
outro lugar, como segue na fala: “Eu coloco o laudo como uma necessidade burocrática que a
gente identifica a dificuldade do aluno aqui não precisa laudo para desenvolver as habilidades
dele não, não é necessário, mas para a gente se amparar né, na questão legal, sim, é necessário.
Porque não posso dizer que uma criança tem essa ou aquela deficiência sem eu ter um laudo...
o laudo é bastante burocrático, então para a gente resolver esta parte burocrática que a escola,
a educação, que o sistema exige, a gente precisa dele”.
A sequência discursiva da ECOORD demonstra que há projeção do que ela sente na
crítica que ela faz do outro. Quando diz, “não tem como dizer que não muda”, “contamina”.
Essas afirmativas demonstram que há preconceito dela em relação à patologia de F. Tenta
disfarçar essa posição ao dizer, “Eu coloco o laudo como uma necessidade burocrática”, para
reforçar que não tem preconceito e nem rotula as pessoas, mas diz que não tem como mudar a
imagem que tem de F, ao receber o laudo.
Observa-se nesta enunciação do sujeito coordenadora, “o laudo é bastante burocrático,
então para a gente resolver esta parte burocrática que a escola, a educação, que o sistema exige,
a gente precisa dele” o que segundo Orlandi, (2014) há a real valorização da instituição com
relação ao arquivo, onde se entende que o laudo não é um documento comum, mas sim um
dispositivo que revela significações importantes que a partir da data de sua materialidade e sua
chancela institucional busca instalar no interior do social o político.

O arquivo nunca é dado a priori, e em uma primeira leitura, seu


funcionamento é opaco. Todo arquivo, principalmente manuscrito, é
identificado pela presença de uma data, de um nome próprio, de uma chancela
institucional etc., ou ainda pelo lugar que ele ocupa em uma série...o arquivo
não é um simples documento no qual se encontram referências; ele permite
72

uma leitura que traz à tona dispositivos e configurações significantes.


(ORLANDI, 2014 p. 170).

3.5 DISCURSO PEDAGÓGICO DA POSIÇÃO SUJEITO PROFESSORA

A professora de F. é formada há 8 anos na área de pedagogia, não citou nenhuma


especialização na área de educação especial, possui formações oferecidas pelo município
referente à inclusão. Atua em dois períodos: matutino e vespertino. E, até o momento, não
havia tido nenhum aluno com deficiências. Sempre que ela identificava que uma criança
apresentava diferenças no desenvolvimento esperado relatava à coordenadora da escola para
os encaminhamentos cabíveis. A entrevista durou, aproximadamente, trinta e dois minutos,
sem nenhuma interferência externa.
Na análise da posição sujeito professora observou-se a imagem construída, função
imaginária, pela professora de seus alunos em relação à idade e capacidade de aprendizagem
específica da sala de aula sob sua responsabilidade. Desta forma, apresenta-se o conceito que
se espera como “normal” em um processo de normatização dos alunos. Com o inicio do ano
letivo, a professora já recebe as crianças como se fossem todas dentro de um padrão de
desenvolvimento, esperando uma homogeneidade entre elas, não percebendo que cada um tem
suas habilidades e suas dificuldades, que já estavam sendo afloradas, como na fala: “pra mim
foi assim, na primeira semana normal”, ou “que os dias foram passando e o F. foi piorando e a
gente percebeu que aquilo não era normal ...”
Quanto à patologia a professora relatou sua função imaginária, em que, para ela, o TEA
era algo pertinente, com características bem específicas que ela somente não sabia nomear.

EPROF: É então, o F. pra mim foi assim, na primeira semana


normal, ele tinha algumas atitudes de se esconder debaixo da mesa,
né? E sempre colocava a mão nos ouvidos, né? A voz alta, eu tenho a
voz alta, né? Ai... tudo bem, adaptação e tudo mais. Só que os dias
foram passando e o F. foi piorando e a gente percebeu que aquilo
não era normal ... e eu via que ele era uma criança é....desenvolvida,
inteligente, porém era mais forte do que ele...uma coisa assim, que me
73

chamava muito atenção, é que ele queria ficar perto de mim, da minha
auxiliar não, ele nunca foi agressivo, né...

Outro conceito que aparece neste recorte refere-se ao sentido do normal frente ao
discurso pedagógico, discurso este que se apresenta na nossa formação social como autoritário
e circular. Orlandi (1987) refere o discurso pedagógico como dissimulador, transmissor de
informações, que autoriza o professor a se apropriar da cientificidade , mas o professor é
institucional que ensina e o aluno o que aprende estes conhecimentos, como observamos no
enunciado: “pra mim foi assim, na primeira semana normal, ele tinha algumas atitudes de se
esconder debaixo da mesa, né? E sempre colocava a mão nos ouvidos, né? A voz alta, eu tenho
a voz alta, né? Ai... tudo bem, adaptação e tudo mais. Só que os dias foram passando e o F. foi
piorando e a gente percebeu que aquilo não era normal ... e eu via que ele era uma criança
é....desenvolvida, inteligente, porém era mais forte do que ele”. Na sequência discursiva “na
primeira semana normal”, “a gente percebeu que aquilo não era normal” a palavra normal
é relativa, pois depende da posição de onde se fala. As palavras significam de acordo com a
formação discursiva da posição ocupada pelos sujeitos. (ORLANDI,1987). Os sentidos não
estão nas palavras, mas nas formações discursivas e ideológicas de quem interpreta.
A EPROF traz para discussão a imagem que tem de F, considerando-o “desenvolvido
e inteligente, nunca foi agressivo”, mas diz que havia algo maior do que ele, ou seja, é a
paráfrase da patologia, “porém era mais forte do que ele”.
A AD nos possibilita observar a função Imaginária que permeia sobre o discurso da
professora em vários âmbitos, dos quais, perante à mãe refere:

EPROF: “ela estava muito preocupada, sabe? Eu nunca vou esquecer


a visão da mãe na minha frente, preocupada ...eu nunca pensei que eu
iria ouvir isto de uma mãe, né? Ela entrou em conflito, o pai e a mãe,
o pai deixou falar, acho que para não ficar feio...falta de limite a gente
percebeu que não era, o caso que a mãe mostrava-se bem enérgica,
sempre mostrou...ela falava firme com ele, sempre falou...mesmo
assim, a mãe não se conscientiza da medicação...

Quanto ao laudo, se percebe, no discurso, os deslizes na formação imaginária perante


professora que sabe o que está acontecendo, mas precisa de um laudo para direcionar seu
74

planejamento pedagógico, necessitando de um direcionamento, mas desliza na


obrigatoriedade de se ter um laudo, assim temos a locução:

EPROF: todas as vinte e cinco crianças, são uma diferente das outras,
e não é um laudo que vai te falar que um é diferente do outro...O laudo
a gente já sabia, né? Eu já esperava que era TEA, não tinha como a
gente, a partir do momento que eu fui anotando, todas as coisas para
eu passar um relatório à coordenação chamar os pais, você já tem uma
certeza assim, pode ser que você erre no nome, né? Não é ahh um TEA,
é um autista ou um, tem uma Síndrome, isso eu poderia ter errado, mas
dizer que ele precisava de ajuda não. Isso eu sabia, isso eu tinha
certeza...porque eu não me importo quanto à questão do laudo, eu me
importo que a família esteja ciente do problema...porque o laudo não
muda nada ...para nós professores nada...muitos professores batem
firme em cima do laudo... a secretaria pede o laudo para justificar o
bolsista, entende...

Então, assim, o laudo ajuda muito na questão financeira, né? Que vai
ser uma criança que vai receber uma verba diferenciada só que esta
verba fica na secretaria, né? E uma auxiliar em alguns casos. O único
auxiliar que esta, o único auxiliar com que tem direito nós ganhamos
auxiliar é o autista, você sabe, né? Por ser lei, é o autista.

Mas eu vejo o laudo, pra mim, indiferente, mas a questão do laudo é


assim, é uma profissional que está ali, uma neuropediatra, ahh, para
não fazer nada, ela estudou aquilo, ela vai nos ajudar, nos auxiliar
dando exemplos de coisas que a gente poderia trabalhar com a criança,
então ela pode te dar um rumo sim ... porque uma síndrome é diferente
de um TEA por exemplo, né? Então vou estudar e vou atrás daquilo.

A EPROF tem a imagem sobre a mãe de ser preocupada e enérgica, mas sem
consciência sobre a patologia, “ela estava muito preocupada”, “a mãe mostrava-se bem
enérgica”, “assim a mãe não se conscientiza da medicação”. Essas afirmativas mostram uma
imagem positiva sobre a mãe, que demonstra ter atitudes de uma mãe zelosa.
75

No entanto, ao mesmo tempo que a define com essa imagem, traz a imagem de uma
mãe censurada, não adequada, quando diz, “eu nunca pensei que eu iria ouvir isto de uma mãe,
né? Ela entrou em conflito...”. Essa outra imagem traduz uma mãe desiquilibrada, que tem
atitudes consideradas por EPROF como descabidas. Ao interpretar, ao julgar as ações da mãe,
é preciso considerar que esse julgamento sempre poderia ser outro, isto é, a mãe, na posição
sujeito de locutor, talvez quisesse passar uma mensagem diferente da que foi interpretada pela
professora. Isso acontece porque no percurso da interpretação dos discursos os sentidos não
estão no controle nem de quem fala, nem de que interpreta. Os sentidos são sempre diversos
por serem sujeitos com histórias e formações discursivas e ideológicas diferentes. (Orlandi –
linguagem e seu funcionamento).

A formação discursiva se define como aquilo que numa formação ideológica


dada- ou seja, a partir de uma posição dada e ume conjutura sócio-histórica
dada – determina o que pode e deve ser dito...O discurso se constitui em seus
sentidos porque aquilo que o sujeito diz se inscreve em uma formação
discursiva e não outra para ter um sentido e não outro. (ORANDI, 2015 p.41)

EPROF: todas as vinte e cinco crianças, são uma diferente das outras, e
não é um laudo que vai te falar que um é diferente do outro...O laudo
a gente já sabia, né? Eu já esperava que era TEA, não tinha como a
gente, a partir do momento que eu fui anotando, todas as coisas para
eu passar um relatório à coordenação chamar os pais, você já tem uma
certeza assim, pode ser que você erre no nome, né? Não é ahh um
TEA, é um autista ou um, tem uma Síndrome, isso eu poderia ter
errado, mas dizer que ele precisava de ajuda não. Isso eu sabia, isso eu
tinha certeza...porque eu não me importo quanto à questão do laudo,
eu me importo que a família esteja ciente do problema...porque o laudo
não muda nada ...para nós professores nada...muitos professores batem
firme em cima do laudo... a secretaria pede o laudo para justificar o
bolsista, entende...

Então, assim, o laudo ajuda muito na questão financeira, né? Que vai
ser uma criança que vai receber uma verba diferenciada só que esta
verba fica na secretaria, né? E uma auxiliar em alguns casos. O único
auxiliar que esta, o único auxiliar com que tem direito nós ganhamos
auxiliar é o autista, você sabe, né? Por ser lei, é o autista.
76

Mas eu vejo o laudo, pra mim, indiferente, mas a questão do laudo é


assim, é uma profissional que está ali, uma neuropediatra, ahh, para
não fazer nada, ela estudou aquilo, ela vai nos ajudar, nos auxiliar
dando exemplos de coisas que a gente poderia trabalhar com a criança,
então ela pode te dar um rumo sim ... porque uma síndrome é diferente
de um TEA por exemplo, né? Então vou estudar e vou atrás daquilo.

No relato da professora encontramos a relação de forças existentes nos


discursos, o que, segundo Orlandi (2015), em que a fala do sujeito é constitutivo do lugar de
onde está se falando. No caso a fala do médico que dá o laudo, tem maior força a ponto de dar
exemplos de como trabalhar com a criança, como segue na fala: “Mas eu vejo o laudo pra
mim, indiferente, mas a questão do laudo é assim, é uma profissional que está ali, uma
neuropediatra, ahh, para não fazer nada, ela estudou aquilo, ela vai nos ajudar, nos auxiliar
dando exemplos de coisas que a gente poderia trabalhar com a criança, então ela pode te dar
um rumo sim. ” O laudo é representado com diversas imagens para cada sujeito envolvido.
Para a professora o laudo não é nada, “porque o laudo não muda nada ...para nós
professores nada”. Ao mesmo tempo que afirma isso, se contradiz ao dizer que para
outros professores, o laudo é importante, “muitos professores batem firme em cima do
laudo”. Ou seja, pode-se dizer, que para EPROF, ter ou não o laudo não faz diferença, porque
ela já sabia que F apresentava uma patologia, que não sabia nomear.
Já para a escola, o laudo é a representação da verba financeira, seja para adquirir uma
bolsista, uma auxiliar, ou simplesmente para ter a verba, “a secretaria pede o laudo para
justificar o bolsista”, “o laudo ajuda muito na questão financeira né? Que vai ser uma
criança que vai receber uma verba diferenciada”, “o único auxiliar com que tem direito
nós ganhamos auxiliar é o autista”. Dessa forma, percebe-se que o laudo significa diferente,
dependendo da posição ocupada pelos sujeitos no processo educacional.
Percebe-se também o discurso jurídico no dizer de EPROF quando diz “tem direito”,
“Por se lei”, assim EPROF justifica que o laudo é importante para questões burocráticas que
envolvem registros escritos que determinem a patologia apresentada por F. Esse fato se refere
à noção teórica da forma-sujeito como sujeito jurídico, que Orlandi explica ao afirmar que o
homem moderno é determinado pelas leis, em que tudo que se faz está submetido a uma lei,
que organiza e hierarquiza as responsabilidades.
77

O laudo apareceu como um dispositivo norteador para o direcionamento das atitudes


pedagógicas e familiares, como se apresenta na fala do pai e da professora:

EPAI: Quando você consegue ter um laudo, consegue ter ali uma
junta de profissionais dando um norte fica muito mais fácil.

EPROF: Sabe o laudo pode te dar um rumo, dependendo do laudo


pode te dar um rumo, dependendo do laudo e da forma como conduzir
a do que você pode pesquisar em favor daquilo do que você está
ouvindo. Sim, aí é um norte sim, mas dizer que o laudo por laudo e
não fazer nada. Posso ter um laudo e não fazer nada com a criança. E
aí? Adiantou o laudo?

Ficou evidente que o Laudo faz-se necessário para ambos entrevistados, pois, como
apresenta fala da professora, não que ele vá mudar tudo, mas direciona para outro caminho,
há o deslocamento de mundo, materializando o outro mundo e favorecendo os novos efeitos
de sentido perante a chancela do discurso médico.
A sequência discursiva da EPROF ao dizer “Posso ter um laudo e não fazer nada com
a criança e ai adiantou o laudo?” Indica que não adianta se ter o conhecimento se não for feita
uma ação sobre o que se passou a saber. É possível que esse discurso represente um
comportamento que acontece na prática pedagógica da escola, em que se toma conhecimento
dos problemas, mas não se faz nada na prática para que se chegue a uma solução. Sabe-se que
isso é comum não só na área pedagógica, mas em quase todos os espaços.

3.6 O USO DA FORMULAÇÃO “A GENTE” NÃO SÓ COMO PRONOME PESSOAL DE


TERCEIRA PESSOA DO PLURAL, MAS COMO NOVO EFEITO DE SENTIDO

O uso da palavra “a gente” como pronome pessoal, vem em substituição do pronome


nós, isto ocorre no discurso dos entrevistados. Esta gramatização, segundo Zilles (in Ribeiro,
2007), estabeleceu-se devido a formulação “a gente” ter origem do termo latino gens, gênis
definição para povo. No período do século XVI, este substantivo configurou-se como “toda”
e “qualquer pessoa” tornando-se pronome indefinido e, atualmente, passa a ser usado como
78

pronome sujeito, usado deliberadamente na fala pela grande maioria dos brasileiros em
substituição do pronome pessoal da primeira pessoa do plural o “nós”. O corriqueiro uso do
pronome apresenta-se fortemente destacado nos discursos dos entrevistados, o papel que esta
nomeação não seguiu a regra de substituição do pronome “nós pelo a gente”, mas sim, se
apresenta como a inclusão da pessoa em uma formação de um grupo de pessoas, em que seu
discurso está confirmado a presença de mais alguém no discurso, onde não somente a opinião
do indivíduo se manifesta, mas sim a opinião de um grupo que concorda com a argumentação.
Segue a visualização das falas nos recortes:
Na fala do pai e da mãe, a designação refere-se à apropriação da família frente à
realidade do processo de diagnóstico, entrevendo como se encaminhou o identificar e aceitar
o que o laudo traria para a realidade dele, o que Orlandi (2017, p.228) classifica como a relação
de acontecimento e denominação, o processo de nomear e os sentidos que surgem a partir do
processo de identificar. Observe em todos os discursos em que o uso da palavra “a gente” se
apresenta.
EPAI: Então acho que, no primeiro momento, “a gente” ficou
assustado, mas, depois “a gente” foi se tranquilizando e vendo também
as melhoras do F. nas terapias, “a gente” está mais tranquila sim, mais
consciente...
...na creche ele já haviam alertado alguma coisa nesse sentido, só a
que “a gente” não entendeu. A escola nos orientou bastante, de que
forma “a gente” tinha que tratar e com isso aí fomos buscando ajuda
também...

Fala assim, ele é especial e “a gente” tem que ter esse anjinho especial
junto com “a gente”, “a gente” não pode virar as costas e deixar este
problema cada dia mais crescer.

Tinha essa dificuldade em entender o que tinha de verdade nele, “a


gente” não sabia, não interpretava isso, não conseguia interpretar este
problema, mas, daí “a gente” conseguiu com a escola.

“A gente” recebeu o laudo, eu te confesso que eu fiquei triste ,mas, é


o nosso filho não pode virar, então “a gente” tem que reverter esta
situação, como te falei,
79

Então o laudo no momento desapontou, porém não tinha o que fazer,


o que destacar, você tem que focar nele e falar, não eu vou buscar uma
solução pra ele, e foi o que “a gente” foi buscando.

O laudo, sem sombra de dúvida, é de extrema importância fazer ele,


você percebeu que tem uma dificuldade na criança, percebeu que
alguém te alertou, que as vezes “a gente” está em convivência
constante que “a gente” acaba não percebendo algumas atitudes, “a
gente” acaba nos acomodando, acabamos na zona do conforto e chega
nesta zona de conforto “a gente” acaba não percebendo essas
diferenças que há.

“A gente” já teve uma situação de esquecer este medicamento, então


dentro do laudo, todo com acompanhamento do médico, foi
diagnosticado que tinha que tomar o medicamento para fazer uma
química no corpo dele...

... “a gente” conseguiu entender isso e que ele é especial que ele é
um garoto especial, a gente não pode jamais deixar de assistir ou de
ver ele porque ele precisa, Até quando?

Ahh, mas o que que foi? Mas “a gente” ouviu, ahh, será que usou ou
não usou droga para ele ficar assim, será que “a gente” fez algum
pecado que ele ficasse assim?

No enunciado da mãe segue-se esta característica do pronome:

EMÃE: Foi assim, quando ele entrou na escola mesmo, porque até em
casa “a gente” não via nada de anormal e também só tinha um filho.
Então, em casa “a gente” não sentia nada e aí quando ele foi para as
Escolinhas, né.
80

E aí a medicação onde “a gente” viu assim a mudança da água para o


vinho.

Mas você quer tentar sem a medicação, não deu certo realmente aí “a
gente” foi atrás, não realmente os professores estão reclamando, então
o que dá para fazer diferente? É a medicação?

Então assim, no começo “a gente” começou a perceber mais estas


características que falava do Autismo,

Então assim nestas características que depois “da gente” ter estudado
muito que “a gente” vê que o F. realmente se encaixa, né!

Sim, “a gente” começou a entender mais ele né. Porque, daí, nossa,
ele tem esse LAUDO e tal, o que que é isso? Ahh, vamos pesquisar.
Então “a gente” começou a ter mais, a ver mais o lado dele porque
antes “a gente” achava muito como birra, como, vamos dar castigo
porque está muito birrento, muito manhoso, né. Então, agora não, “a
gente” começou ver que a criança é assim mesmo então “a gente” teve
uma certa, aumentou a paciência, né, e com as terapias “a gente”
começou a procurar mais ajuda, né, para ele, então “a gente” chegou,
começou a ficar mais participativo vê como “a gente” podia ajudar
frente ao laudo.

É no começo “a gente” ficou meio assim, baqueia, né, assim, saber


que tem um filho com isso, quando “a gente” pensa: ahh, mas é um
grau que, grau leve, a médica falou que ele pode sair deste espectro, ai
isso que deu uma aliviada também sabe, não com as terapias, a médica
explicou que ele sai deste quadro todo, então acho que ”a gente” se
tranquilizou mas por conta disso né.

Então, acho que, no primeiro momento, “a gente” ficou assustado mas


depois “a gente” foi se tranquilizando e vendo também as melhoras do
F. nas terapias, “a gente” está mais tranquila sim, mais consciente.
81

Acontece o mesmo na fala da posição sujeito coordenadora de escola:

ECOORD: Mas “a gente” vem ainda assim aprendendo como incluir,


como incluir mesmo, né? De verdade, porque cada criança é um
desafio diferente, né? E quando “a gente” fala de inclusão, “a gente”
não fala só de criança com deficiência, “a gente” fala de toda
diversidade que “a gente” tem na escola.

Então é toda uma busca, e assim tem que ser imediato porque “a
gente” recebe a criança, “a gente” não tem muito,né.

A escola tendo o laudo desta criança, o que que a gente faz, “a gente”
garante alguns direitos, né?

Então “a gente” não segue a legislação estadual que é em outro


sistema de ensino, né.
fala muito desta questão do direito da criança, então pra “gente” se
agarrar neste direito mesmo legal,” a gente” precisa do Laudo porque
nós temos a criança autista tem direito ao bolsista, a um acompanhante
Se falasse com “a gente”, “a gente” mais ou menos teria uma noção,
né!

Na fala da professora:

EPROF: foi piorando e, aí, “a gente” percebeu que aquilo não era
normal, eu sempre falo a questão do laudo pra mim não é importante,
E “a gente” percebeu que ...estava desenvolvendo, porém era mais
forte que...ele não conseguia ficar parado, “a gente” percebia que
precisava de uma medicação e a médica havia passado assim...
medicação na primeira consulta.

Nessas práticas discursivas, mesmo que as entrevistas tenham ocorrido


individualmente, em momentos diferentes, há a inserção do uso repetitivo da formulação “a
82

gente” fazendo com que o falante tenha como referência a participação ou aprovação do outro.
No discurso familiar, a participação da mãe quando é a fala do pai e no discurso pedagógico,
a participação da coordenadora quando é a fala da professora. Isso sustenta o dizer de Bechara
(2006, p.117) em sua tradicional “Moderna Gramática Portuguesa” que o uso do “a gente”
como pronome, ocorrendo na linguagem informal como referência quando a pessoa se inclui
a que fala.
A inclusão do outro junto com as ações descritas pelos sujeitos envolvidos funcionam
como forma de retirar a responsabilidade de si e incluir os outros como se ao errar, pode-se
dizer que não foi culpa sua e sim dos outros envolvidos. É uma forma de dividir a
responsabilidade, não tomando para si o problema de F como sendo só seu.

3.7 USO DE MEDICALIZAÇÃO FRENTE A MATERIALIZAÇÃO DO LAUDO E A


ACEITAÇÃO DA EXISTÊNCIA DAS DIFERENÇAS

Corroborando com a pesquisa, consideramos aqui que a ação de aceitar e fazer uso de
uma medicação está diretamente direcionada ao confirmar que o médico, dentro de sua
legitimidade imposta por este documento, materializando o laudo diagnóstico.
Segundo Bruzonski e Capori (2013) a medicalização tanto ocorre quando se tem
desvios de comportamento, como loucura, alcoolismo, hiperatividade, dificuldades de
aprendizagem etc., quanto de processos naturais da vida, como nascimento, desenvolvimento
infantil, menopausa ou velhice. Não que a medicalização carregue somente aspectos
negativos, mas não se foge aos problemas de supervalorização de determinados diagnósticos
que fazem as pessoas ditas normais, sejam postuladas com transtornos mentais.
Considerado um fenômeno universal, o desvio é um acontecimento de uma sociedade
em que se cria normas sociais e regras e impõem aos outros componentes deste grupo a
aprovação social e estas envolvem relações de poder. Assim a medicalização dos desvios é
um ato pelo qual se tem um limite do que é considerado normal ou não ser aceito. Seguindo
com a observação das autoras, é possível identificar os desvios na idade escolar, em que as
regras são quebradas, mas isto está muito acentuado atualmente, onde a medicina assumiu o
papel de agente normalizador de desvios, trazendo uma visão positiva para estes indivíduos
desajustados das regras, perdendo assim as oportunidades frentes aos demais.
83

Apoiando-se à esta reflexão, Medeiros (apud BARROS E CAVALLARI, 2016) aponta


que as verdades construídas pela sociedade são realizadas discursivamente, são pertinentes
aos sentidos que fundem em dado momento sócio-histórico e ideológico. A sociedade atual
foi alçada na discriminação, nas diferenças de classe que inculca a inclusão como parte natural
de uma sociedade organizada, mas o sistema capitalista vigente impede este funcionamento
do discurso.
O diagnóstico médico auxilia a explicação de não adaptação do sujeito na sociedade,
legitimando pelo meio do conhecimento científico, como cita Foucault (2011. p.23) “a
extensão do poder de punir a outra coisa que não a infração”. Outro ponto é descupabilização
de um indivíduo por outro, a diminuição da responsabilidade que vem com a normalização,
pois, quando um problema é definido como médico, sai do âmbito coletivo e leva-se para a
área da saúde e, esta, faz a opção pela medicalização.
E uma das respostas sociais diante deste quadro de um diagnóstico de doença mental
faz uma sociedade ser mais tolerante, pois, a culpa não é mais da criança e sim do seu cérebro.
Isto pode-se observar incurso nas falas de todos os entrevistados. Como não sendo do menor
os comportamentos desviantes e sim da patologia em si, como é possível observar nos recortes
a seguir:

EPAI: Ele toma um medicamento, meio comprimido toda noite. A


gente já teve uma situação de esquecer este medicamento, então,
dentro do laudo, todo com acompanhamento do médico, foi
diagnosticado que tinha que tomar o medicamento para fazer uma
química no corpo dele que, no corpo dele, falta. E se nós não
tivéssemos feito este laudo e se não soubesse disso, como saberia
disto? Não teria como, consequentemente, isto acalma, ajuda a ter
uma, um certo cuidado com ele, né?

EMÃE: A medida que ele vai fazendo as terapias, que vai tomando a
medicação, ela vai fazer uma outra avaliação mais pra frente que, de
repente, ele não se enquadra mais. Foi isso que ela nos explicou, né.
Que realmente é o que te falei, que eu, a mudança que a gente viu foi
a partir do momento que ele começou a tomar a respiridona13, meio

13
Respiridona: este medicamento é um antipsicótico atípico potente desenvolvido pela Janssen Farmacêutica.
Usa-se mais frequentemente no tratamento de psicoses delirantes, incluindo-se a esquizofrenia.
84

comprimidinho, olha é uma dose super baixa, que todo mundo falou:
Nossa o F. é outra criança. Porque realmente a gente viu a mudança
no F. Até então era muito devagar e as vezes dava uma decaída. Agora,
nossa é só elogios para o F. Só elogios, as apresentações.

Segundo Pêcheux (1990) o deslocamento do mundo em que o pai se encontra realizou


a existência material de uma barreira não visível, muralha, que precisou romper com as
barreiras linguísticas para se apropriar e aceitar que, por meio do discurso e conhecimento
médico, se faz necessário a ministração farmacológica, como se apresentou na fala: “então
dentro do laudo todo com acompanhamento do médico foi diagnosticado que tinha que tomar
o medicamento para fazer uma química no corpo dele que no corpo dele falta e se nós não
tivéssemos feito este laudo e se não soubesse disso como saberia disto.”
Já na fala da mãe, a barreira necessitou ser visível, como refere no enunciado: “. Que
realmente é o que te falei, que eu, a mudança que a gente viu foi a partir do momento que ele
começou a tomar a respiridona”, foi a partir da ministração do produto farmacológico que ela
conseguiu transportar para o outro mundo, a aceitação da real existência de dificuldades
apresentadas pelo seu filho.

ECOORD: tem pais que se recusam bastante: “ahh não vou levar
porque vai medicar meu filho e eu não vou dar medicação”
A gente percebia que precisava de medicação também porque não era
dele aquela situação comportamental toda, né? A gente percebe
quando a criança precisa de medicação, por isso a gente precisa tanto
dos profissionais.

EPROF: eu via que ele era uma criança é....desenvolvida, inteligente,


porém era mais forte do que ele, daí eu até falei com a coordenadora.
E a gente percebeu que ...estava desenvolvendo, porém era mais forte
que...ele não conseguia ficar parado, a gente percebia que precisava
de uma medicação e a médica havia passado, assim... medicação na
primeira consulta. Coisa que ela está dando agora, não sei se você vê
o F. agora, você vai dizer que não é a mesma criança.
85

Já no discurso pedagógico, observou-se que sabiam da necessidade do uso da


medicação, pela experiência com o trabalho com grande variedade de crianças e conhecimento
do desenvolvimento infantil. A escola identifica as diversidades existentes mas, o que pode
fazer é alertar os pais o que está acontecendo para que haja a formação do sujeito inserido na
escola. Como refere Orlandi (2015) há a necessidade de ressignificar o sujeito para que possa
tomar corpo social, a verdadeira acessibilidade à vida social e isso não acontece somente com
mudanças físicas estruturais da escola, tem que começar com o próprio indivíduo estar
inseridos socialmente.
Nos discursos pedagógicos compreendemos a padronização esperada, o consenso
imaginário marcado pela normatização das crianças, o que ocorreria com a introdução de
fármacos , o “politicamente correto” já-dito antes em algum momento. Que, segundo Pitombo-
Oliveira (2007), o funcionamento do interdiscurso, assim se apresentou nas falas: “ahh não
vou levar porque vai medicar meu filho e eu não vou dar medicação”, “A gente percebia que
precisava de medicação também porque não era dele aquela situação comportamental toda,
né”, “eu via que ele era uma criança é....desenvolvida, inteligente porém era mais forte do que
ele” , “a gente percebia que precisava de uma medicação e a médica havia passado
assim...medicação na primeira consulta”.
86

4 A MATERIALIIDADE DO LAUDO DIAGNÓSTICO E NOVOS SENTIDOS

O laudo diagnostico de TEA é o documento resultante da avaliação clínica realizada


por uma equipe multidisciplinar composta por neurologista e/ou psiquiatra, fonoaudiólogo e
psicólogo.
São realizadas de 3 a 8 sessões de 40 minutos a uma hora, em que observa-se os quesitos
inseridos em extensos protocolos padronizados, avalizando o que os pacientes não realizam de
acordo com o esperado para a idade ou comportamento social.
A avaliação é clínica, pela classe médica é a partir da anamnese, o exame físico e com
solicitação de exames laboratoriais de sangue ou de neuroimagem, mas, estes exames atuam
mais como excludentes de lesões, não como a confirmação de alguma alteração cerebral que
defina o TEA, são para diagnóstico diferencias de sinais de cromossopatias ou anomalias
genéticas possíveis. As pesquisas genéticas estão em processo evolutivo para maior
compreensão do TEA que identificaram marcadores genéticos para a patologia.
A avaliação é realizada inicialmente com uma anamnese14 com os pais, no caso se for
uma criança, colhendo dados referentes ao seu desenvolvimento e relacionando-os com a
queixa que os motivaram a procurar o atendimento médico.
Após a conversa inicial, inicia-se o processo de avaliação, que ocorre na presença dos
pais, se a avaliação for realizada pelo médico neurologista ou psiquiatra. E quando a avaliação
é realizada pelos terapeutas pode ser ou não na presença dos pais, pois é avaliado as relações
e interações comportamentais sem o auxílio dos mesmos. Além das (in) capacidades dos
mesmos, seguindo os critérios dos protocolos, em que, segundo Orrú (2016), os critérios estão
presentes nos manuais de diagnóstico da área médica que tem a finalidade de nomear,
identificar a falta de capacidade das coisas ou dos fatos difíceis de explicar, qualidades do que
é normal. Este termo representa a capacidade de distinguir o que é verdadeiro do falso, o bom
do mau, é autoridade. Qualifica os indivíduos por categorias.
Os terapeutas têm por regra a realização de visitas extra clínicas, nos espaços de
interação e convívio se o paciente for criança, como no espaço escolar e espaço de lazer. Faz-
se necessária a observação dos comportamentos extra sala clínica, pois segundo o DSM-V
(2013) a criança deve apresentar as alterações apontadas em todas as instâncias que possam se
relacionar, como segue o modelo:

14
Anamnese: (do grego ana, trazer de novo e mnesis, memória) é uma entrevista realizada pelo profissional de saúde um
questionário para saber o histórico de todos os sintomas narrados pelo paciente ou seus tutores, no caso de crianças, sobre
determinado caso clínico, dados não somente refentes à queixa, mas ao processos que estariam relacionados à esta.
87
88

Em todas as práticas discursivas apresentadas, os sujeitos relataram como era a criança


antes e depois que se materializou o laudo, como foi boa a mudança ocorrida, superando as
expectativas de que um sujeito com deficiência teria só limitações. No caso do TEA, como
uma área muito afetada é a comportamental, houve notórias atitudes frente aos colegas, aos
professores e aos familiares.
Nestas referências de antes e depois, o que segundo Pitombo-Oliveira (2007 p.50) “é
fundamental para se compreender o funcionamento do discurso e sua relação com a ideologia
o fato de que há um já-dito que sustenta a possibilidade de todo dizer”, como observaremos
nas falas:

EPAI: antes do laudo: A dificuldade de você ficar repetindo várias


vezes, de você falar, falar, falar, falar. Falar alto às vezes porque ele
não entendia, não entendia que era com ele, tanto é que ele fala sempre
na terceira pessoa. Ele não fala: “ahh eu quero comer, é o ... quer
comer”. “O quer beber” ele não vê o eu, então acho que isso dá uma
certa dificuldade. Não se entendia isso. Meu filho tem uma certa
deficiência em tal área né. A partir do momento que você recebe este
laudo você tem que abraçar a causa porquê ... você ama teu filho, você
quer bem ele, você não tem como, ahh, nasceu, tenho problema, vou
virar as costas e descartar este daí e vamos fazer outro. Não é assim
que funciona. A gente recebeu o laudo, eu te confesso que eu fiquei
triste mas, é o nosso filho não pode se virar, então a gente tem que
reverter esta situação, como te falei, hoje eu me desdobro em leva e
traz e busca, ensina, pinta, cria para ele ser motivada e ter gosto em
fazer alguma coisa.

Depois do laudo: então aquele passado antes pra mim não importa, o
que importa o hoje, o dia de hoje, ensinar ele e ver que ele tem
melhora, ver que ele tem (pausa) e ver que ele tem ensinamento no dia
a dia, tem interação, consegue se comunicar com as crianças,
consegue brincar com as crianças do jeito dele, do jeito dele, então
tem algumas brincadeiras que ele, como qualquer outro menino
também que consiga se desenvolver normal, ele também faz
normalmente mas algumas coisas ele.
89

A materialização do laudo diagnóstico teve seu real papel representado, em que sua
maior função é identificar, classificar e nomear a patologia específica. Como refere Foucault
(1999, p. 156) a escrita serve para esta classificação. Mas para o pai em questão, o laudo não
apareceu como um vilão para estigmatizar seu filho, mas sim despontou o deslocamento,
impelindo a uma fronteira, à um novo mundo, se posicionando como novos sentidos que a
nova linguagem lhe deu de aceitar e posicionar como pai, cuidador e orientador de seu
descendente.
EMÃE: antes do laudo: de fugir um pouco dos amiguinhos, se isolar,
no começo interage, mas quando você vê, já está saindo na tangente
ali e ficando mais sozinho. Realmente ele fazia isso, mas só como ele
interagia um pouco no começo, eu achava que não, que ele tinha
interação, mas depois ele dava as escapadas dele né. Ali que eu via
mesmo, é realmente ele gosta mais de ficar sozinho e brincar com as
coisas, ele não brincava com os brinquedos do jeito certo, o brinquedo
tem aquela função, ele sempre usava para outra né.

Depois do laudo: é que eu tinha, morria de medo de efeito colateral,


morria de medo de ficar dopadão... [mas não é uma dose muito baixa]
(fala da médica). E eu não imaginava que isso ia fazer uma diferença,
essa diferença que fez, sei lá, acalma ele, na concentração, ele está
mais concentrado, no foco, ele consegue se socializar mais hoje. Foi
Fantástico!

E estas coisinhas que eu fui depois do laudo e eu estudando mais que


eu fui ver que realmente ele se encaixa, né? Que até então você não
cai a ficha que você acha que é normal, sei lá, né, ahh não gosta faz
parte dele, eu também não gosto de certas coisas, você acha que é
assim, né, muda! Porque até você não ter, mas será fica aquela coisa
no ar, né? Será, será que tem mesmo? E aí você com certeza modifica
seu modo de pensar depois de ter o LAUDO.

Para o sujeito mãe, o deslocamento fronteiriço agiu de forma à aceitar que seu filho
não faz parte de uma sociedade homogeneizada, onde todos ao receberem uma medicação se
90

apresentaram da mesma forma comportamental e formular os sentidos que o laudo não definiu
os limites reducionistas de aprendizagens, mas sim, o colocou participativo e integrado ao
convívio não somente escolar, mas na sociedade como um todo.

ECOORD: hoje a gente fala do F, causa bastante emoção na escola pra


todo mundo, porque a gente pegou ele numa situação bem crítica...não
quer ver aquilo que está instalado...se a gente for falar do F do ano
passado e esse ano, teve um a mudança assim brusca mesmo, né?

Questão comportamental, questão de aprendizagem... agente percebia


que precisava da medicação porque não era dele aquela situação.

EPROF: Então, isso me entristeceu muito, e por outro lado eu fiquei


muito feliz é....da questão dele estar tão diferente este ano...sempre foi
feliz, mas hoje ele é mais feliz, você precisa vê-lo, É um sonho...e digo
assim, é todo mundo viu a melhora ...não concentrava, por mais que
não está na minha sala, a gente vê o progresso dele a cada dia....uma
criança com falta de limite não faria uma mudança tão radical em
pouco tempo assim de medicação “

Para os discursos escolares, o laudo diagnóstico, nesse caso, não trouxe o estigma de
tornar o aprendiz em aluno autista. Como a coordenadora afirmou, há a possibilidade do laudo
tornar-se um meio de rotular a criança, pois, para ela, o maior empecilho da inclusão se
estabelecer são as barreiras humanas que consistem em coisificar as pessoas diferentes.
Embora como Pêcheux nos afirma, é necessário o deslocamento para outro mundo para que
se estabeleça uma nova linguagem compreensível à todos, e na inclusão faz-se necessário por
hora muitas quebras de barreiras invisíveis.
91

5 EFEITO DE FECHO

Essa pesquisa que tem o objeto de estudo, o laudo diagnóstico como fronteira discursiva
possibilita a compreensão de que submeter uma criança a exames que levem a um diagnóstico,
encontra resistência de aceitação de que o filho é diferente por parte da família.
Essa resistência da família se deve à memória discursiva que é constituída por todas as
formulações que já foram ditas e esquecidas como nos coloca Orlandi (2015), sobre ter um
filho com deficiência. A sociedade está organizada para excluir e rejeitar o diferente,
considerando-o incapaz para exercer qualquer atividade de produção.
Nesse contexto, o laudo diagnóstico proporciona a possibilidade de um novo olhar
sobre a criança e, ao mesmo tempo, proporciona novas possibilidades. Vem para esclarecer
quais são as condições de produção nas quais essa criança dever ser tratada, confirmando a
necessidade de ter um atendimento diferenciado, com atividades direcionadas e medicamentos
que possam auxiliar a criança a se tornar um sujeito inserido na sociedade. Sendo assim, o
laudo diagnóstico passa a ser a fronteira discursiva do antes e depois de se tomar consciência
da patologia, com a mudança da imagem, das ações, e do tratamento dedicado à criança, pois
após o laudo, o sujeito na posição de autista passa a ter direitos garantidos, passa a ter
cidadania, medicamentos adequados, acompanhamento especializado e melhores condições de
vida e adaptação.
Dando sequência aos objetivos propostos por essa pesquisa, são trazidas para discussão
as análises que se referem à família, na posição sujeito pai e sujeito mãe. No discurso do pai,
observa-se que a materialidade do laudo, significa a compreensão de que o filho necessita de
atenção especial e de que é dependente dos pais para poder viver. Já no discurso materno, o
laudo está ancorado no sentimento de aceitação de que o filho precisa ser medicado, e que
mesmo enfrentando a possibilidade de ocorrência de efeitos colaterais provocados pela
medicação, esta mesma medicação pode auxiliar no processo de inserção desta criança nas
atividades familiares e escolares.
As análises que se referem ao discurso pedagógico são representadas na posição sujeito
professora e na posição sujeito coordenadora. Os discursos apresentados pela posição sujeito
professora são de que o laudo diagnóstico representa apenas a confirmação do que já sabia,
ou seja, não precisa do laudo para saber que o aluno tinha alguma patologia, pois as atitudes
da criança eram evidentes.
92

Já para a posição sujeito coordenadora o efeito de sentido do laudo se concretiza no


discurso jurídico, de que o laudo proporciona a materialidade necessária para garantir os
direitos fundamentais do aluno como cidadão, além de passar a ter atendimento especializado
e adequado para atender às necessidades especiais. O laudo representa para a escola a verba
financeira que garante à criança autista o auxílio de uma profissional a mais em sala, que se
instaura na figura da auxiliar ou da bolsista.
No entanto, a resistência ao laudo é bastante frequente no que se refere à aceitação da
família, que sofre por ter que aceitar o filho como o “diferente”. Nesse sentido, o laudo se
apresenta como uma fronteira discursa que estabelece novas possibilidades para a criança
constituir-se como filho e de que a família possa compreender e acompanhar suas “diferenças”
nas várias fases da vida.
É preciso vislumbrar que a partir do diagnóstico deve-se preparar o filho para que seja
inserido na sociedade, que passe a exercer os direitos como cidadão. É preciso que os pais
tenham plena convicção de que ser diferente não significa ser melhor, nem pior, significa
apenas ser ele, com sua individualidade numa sociedade em que nada, nem ninguém é
homogêneo.
Mas a resistência em aceitar o diferente não se limita apenas às famílias, mas
principalmente, à sociedade que está pronta para evitar a diversidade, ao produzir ações que
levam à homogeneização de todos dentro das instituições, não respeitando a heterogeneidade
que é constitutiva dos sujeitos.

As formas de individu(aliz)ação do sujeito, pelo Estado, estabelecida pelas


instituições e discursividades, resultam, assim, em um indivíduo ao mesmo
tempo responsável e dono de sua vontade, com direitos e deveres e direito de
ir e vir. Esse indivíduo funciona, por assim dizer, como um pré-requisito nos
processos de identificação do sujeito, ou seja, uma vez individuado, este
indivíduo (sujeito individuado) é que vai estabelecer uma relação de
identificação com esta ou aquela formação discursiva. E assim constitui a
posição-sujeito na sociedade. (ORLANDI, 2016 p. 228).

O maior responsável por esse processo é o Estado, que garante pela lei que todos, ou a
grande maioria dos sujeitos estejam inclusos, mas que na prática a inclusão do que se apresenta
como “diferente” ainda não ocorre, pois o espaço discursivo é caracterizado pela segregação
dos iguais e diferentes. O Estado é articulador simbólico-político que individualiza o sujeito
em um inconsciente ideológico social que separa o normal do anormal por meio de laudos, em
tentativas de categorizar os sujeitos com o suposto benefício da inclusão.
93

Assim, para que a inclusão se efetive de forma concreta faz-se necessário que o Estado
ofereça ao sujeito com deficiência uma educação não somente assistencialista e reprodutiva do
discurso da inclusão. É preciso que sejam cultivados espaços sociais politicamente
ressignificados que possam discutir novos sentidos, em que a individuação possa se instalar,
instaurando novos modos enunciativos sobre as deficiências e as diferenças.
Falando da posição de Fonoaudióloga, no entremeio da educação e saúde, analisando
os discursos produzidos sob o prisma da Análise do Discurso é possível dizer que houve
crescimento e transformações nos conhecimentos produzidos. O olhar objetivo e direto exigido
pela função de fonoaudióloga permeado pela análise não subjetiva das subjetividades
analisadas da linguagem e da subjetivação que envolve os sujeitos analisados na pesquisa
transformou a maneira de se perceber a patologia do TEA, pois o que antes determinava
características peculiares da patologia por meio do laudo diagnóstico, mais como registro do
que como significação, após a pesquisa permitiu a descoberta de novos sentidos em que o laudo
passou a ocupar um novo funcionamento discursivo, a representar a mudança de atitude, de
imagens, de percepções que não se evidenciavam de forma tão marcante como se fez após os
estudos realizados.
94

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98

APÊNDICES

APÊNDICE 1: LISTA DE PERGUNTAS DAS ENTREVISTAS

Sujeito Família
1) Qual foi o dizer do professor e coordenador ao ser chamada para os relatos pedagógicos
e comportamentais de seu filho?
2) Em algum momento cogitou-se no discurso escolar algum diagnóstico em específico?
3) Qual foi a posição assumida ao ser comunicada que precisava de avaliação de um
especialista?
4) Qual foi o laudo diagnóstico dado ao seu filho?
5) O que mudou no discurso familiar em relação a escola após o laudo diagnóstico?
6) Você sente que a escola está preparada para trabalhar com seu filho?
7) Como é o discurso familiar após o laudo diagnóstico de TEA perante à sociedade?

Sujeito Coordenador de escola


1) Qual sua função na escola?
2) Qual a orientação dada aos professores para que analisem o desenvolvimento de cada
criança?
3) Há disponibilidade de capacitação oferecida aos professores pelo município?
4) Como ocorre o dizer da escola frente a um possível diagnóstico de TEA?
5) Em algum momento há hipóteses de diagnósticos partindo da família?
6) Qual é o tempo dado pela escola aos professores para que comuniquem aos pais sobre
a percepção de dificuldades apresentadas?
7) Quais as características incomuns apresentadas pelo aluno que promovam o
questionamento de TEA?
8) No momento da reunião escolar com os pais, o professor discorre sobre o
desenvolvimento de cada aluno, criando-se hipóteses diagnósticas?
9) Após efetivado o laudo diagnóstico por profissionais de áreas afins, qual é conduta da
coordenação perante ao aluno, à mãe e a professora?
10) A escola está preparada para trabalhar com o aluno com laudo de TEA?

Sujeito Professor
99

1) O que mais lhe chamou atenção no aluno em questão?


2) Por quanto tempo observou o aluno antes de comunicar à coordenação de um possível
laudo de TEA?
3) Frente a possibilidade de laudo de TEA você relutou para comunicar aos pais do laudo
para não houvesse rotulação do sujeito aluno?
4) Como foi a comunicação do desenvolvimento do aluno perante à mãe? Usou-se
alguma hipótese?
5) Como foi a feita à opção de qual profissional encaminhar?
6) Frente a avaliação pedagógica quais as características incomuns notadas no aluno?
7) Qual foi o laudo diagnóstico dado ao seu aluno?
8) Após o laudo diagnóstico qual a conduta perante o aluno e família?
9) Você se sente preparada para trabalhar com o aprendiz com diagnóstico de TEA?
100

APÊNCICE 2

Lei 12.764/12 (Lei destinada a pessoas com Transtorno do Espectro Autista/ Berenice Piana)
Art. 1º A pessoa com transtorno do espectro autista é considerada pessoa com deficiência,
para todos os efeitos legais.

Parágrafo único. Aplicam-se às pessoas com transtorno do espectro autista os direitos e


obrigações previstos na Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência
e seu Protocolo Facultativo, promulgados pelo Decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009, e
na legislação pertinente às pessoas com deficiência.

Art. 2º É garantido à pessoa com transtorno do espectro autista o direito à saúde no âmbito
do Sistema Único de Saúde – SUS, respeitadas as suas especificidades.

§ 1o Ao Ministério da Saúde compete:

I – promover a qualificação e a articulação das ações e dos serviços da Rede de Atenção à


Saúde para assistência à saúde adequada das pessoas com transtorno do espectro autista, para
garantir:

a) o cuidado integral no âmbito da atenção básica, especializada e hospitalar;

b) a ampliação e o fortalecimento da oferta de serviços de cuidados em saúde bucal das


pessoas com espectro autista na atenção básica, especializada e hospitalar;

c) a qualificação e o fortalecimento da rede de atenção psicossocial e da rede de cuidados de


saúde da pessoa com deficiência no atendimento das pessoas com o transtorno do espectro
autista, que envolva diagnóstico diferencial, estimulação precoce, habilitação, reabilitação
e outros procedimentos definidos pelo projeto terapêutico singular;

II – garantir a disponibilidade de medicamentos incorporados ao SUS necessários ao


tratamento de pessoas com transtorno do espectro autista;
101

III – apoiar e promover processos de educação permanente e de qualificação técnica dos


profissionais da Rede de Atenção à Saúde quanto ao atendimento das pessoas com o transtorno
do espectro autista;

IV – apoiar pesquisas que visem ao aprimoramento da atenção à saúde e à melhoria da


qualidade de vida das pessoas com transtorno do espectro autista;

V – adotar diretrizes clínicas e terapêuticas com orientações referentes ao cuidado à saúde


das pessoas com transtorno do espectro autista, observando suas especificidades de
acessibilidade, de comunicação e atendimento.

§ 2º A atenção à saúde à pessoa com transtorno do espectro autista tomará como base a
Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde – CIF e a Classificação
Internacional de Doenças – CID-10.

Art. 3º É garantida proteção social à pessoa com transtorno do espectro autista em situações
de vulnerabilidade ou risco social ou pessoal, nos termos da Lei nº 8.742, de 7 de dezembro
de 1993.

Art. 4º É dever do Estado, da família, da comunidade escolar e da sociedade assegurar o


direito da pessoa com transtorno do espectro autista à educação, em sistema educacional
inclusivo, garantida a transversalidade da educação especial desde a educação infantil até a
educação superior.

§ 1º O direito de que trata o caput será assegurado nas políticas de educação, sem
discriminação e com base na igualdade de oportunidades, de acordo com os preceitos da
Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência.

§ 2º Caso seja comprovada a necessidade de apoio às atividades de comunicação, interação


social, locomoção, alimentação e cuidados pessoais, a instituição de ensino em que a pessoa
com transtorno do espectro autista ou com outra deficiência estiver matriculada
disponibilizará acompanhante especializado no contexto escolar, nos termos do parágrafo
único do art. 3o da Lei no 12.764, de 2012.
102

Art. 5º Ao tomar conhecimento da recusa de matrícula, o órgão competente ouvirá o gestor


escolar e decidirá pela aplicação da multa de que trata o caput do art. 7º da Lei nº 12.764, de
2012.

§ 1º Caberá ao Ministério da Educação a aplicação da multa de que trata o caput, no âmbito


dos estabelecimentos de ensino a ele vinculados e das instituições de educação superior
privadas, observado o procedimento previsto na Lei no 9.784, de 29 de janeiro de 1999.

§ 2º O Ministério da Educação dará ciência da instauração do processo administrativo para


aplicação da multa ao Ministério Público e ao Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com
Deficiência – Conade.

§ 3º O valor da multa será calculado tomando-se por base o número de matrículas recusadas
pelo gestor, as justificativas apresentadas e a reincidência.

Art. 6º Qualquer interessado poderá denunciar a recusa da matrícula de estudantes com


deficiência ao órgão administrativo competente.

Art. 7º O órgão público federal que tomar conhecimento da recusa de matrícula de pessoas
com deficiência em instituições de ensino vinculadas aos sistemas de ensino estadual, distrital
ou municipal deverá comunicar a recusa aos órgãos competentes pelos respectivos sistemas
de ensino e ao Ministério Público.

Art. 8º A Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, juntamente ao Conade,


promoverá campanhas de conscientização sobre os direitos das pessoas com transtorno do
espectro autista e suas famílias.

Sancionada em 2 de Dezembro de 2014, pela Presidente Dilma Rousseff

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