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Introdução

Visão geral:

A – No primeiro período do desenvolvimento histórico, o homem se encontrava


integrado à natureza, sentindo-se parte dela, tendo na coleta de frutos a base da sua
subsistência.

Num segundo momento, organizado em tribos, visando a sua proteção e sobrevivência,


o homem passou a sentir a necessidade de normas reguladoras da vida em grupos e,
consequentemente, em relação ao uso dos bens, em especial a terra. Escritos
históricos referentes a Moisés (Bíblia), sobre a terra prometida, indicam a existência de
regras relacionadas com o adequado cultivo e aproveitamento da terra. O Decálogo de
Moisés, relacionado à terra, com regras para as 12 tribos.

O Código de Hamurabi, do povo babilônico, que data de 1.690 AC, pode ser
considerado o 1º código agrário da humanidade. Dos 280 parágrafos (artigos), 65 eram
dedicados a questões agrárias, como o cultivo, a distribuição e a conservação da terra,
além de regras de proteção a agricultores e pastores, e a proteção do produtor diante
de situações de intempéries (no caso de perda da lavoura, o agricultor não pagava
juros no ano respectivo e não pagava o credor naquele ano). Além disso, o referido
código traz as primeiras normas de que se tem notícia na história, correlatas a normas
ainda hoje existentes, em relação à posse, usucapião, penhor e indenização, locação,
seguro.

Lei das XII Tábuas (450 AC) – Esta norma histórica foi resultante da luta entre patrícios
e plebeus. Também continha regras de conteúdo agrário, entre as quais a proteção ao
possuidor e a usucapião. Assim, diversos povos da antigüidade (hebreus, judeus e
romanos) também tinham regras de combate à concentração da terra. Reis romanos
foram mortos por tentarem a reforma agrária. No império romano = lei licínia, dos
irmãos Gracco; Júlio César garantiu terra para cidadãos pobres e veteranos de guerra.
Tibério Gracco, através da Lex Semprônia, em 133 a C, fixou regras sobre reforma
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agrária. Historicamente, percebe-se a preocupação geral com a apropriação da terra


apenas em áreas necessárias ao uso e exploração (para a efetiva produção). Agora,
com a sociedade mais povoada, a preocupação e as regras deveriam ser mais
rigorosas neste sentido. Fase histórica em que ocorre a separação do trabalho manual
e intelectual.

D – Civilização Inca (América espanhola). Trata-se de uma civilização que foi


praticamente dizimada com o processo de ocupação europeu, ignorando e destruindo
técnicas avançadas de cultivo da terra, entre as quais a irrigação, a conservação e o
uso do solo apenas dentro do necessário, num profundo respeito à terra, mesmo
porque esta era considerada sagrada e o trabalho era em comum.

– Na história mais recente, as experiências são bastante diversificadas no que diz


respeito à distribuição e uso da terra, e com diferentes concepções sobre a sua função
social. Na Argentina e no Uruguai foram aprovados códigos agrários ainda no final do
século XIX. No século XX, multiplicaram-se as experiências de reforma agrária pelo
mundo afora, mesmo que com concepções totalmente diferenciadas. Na Europa o
modelo predominante é de pequena empresa rural, com forte presença do
cooperativismo. Modelo dos EUA e o modelo cubano, com perspectivas bem
diferentes.

História do Direito Agrário


Oficialmente, como ciência o nascimento do direito agrário ocorreu em 1922 na Itália
com o jurista Giangastone Bolla fundador da Rivistta di dirrito agrario, que
ordenou todo o material existente na época, o que deu a esse ramo de Direito um
rumo e seu reconhecimento com ramo autônomo.
Em 1954 realizou se o I congresso de direito agrário, onde Bolla divulgou os
princípios doutrinários do novo direito.

Existem 2 etapas bem definidas na evolução de uma construção de uma ciência para
a construção de uma ciência para o direito agrário, uma delas corresponde ao período
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clássico e moderno, situado entre 1922 e 1962, e outra corresponde ao período


moderno, cuja a primeira etapa se situa entre 1962 e 1998.

Período Clássico 1922 – 1962


Período Moderno 1962-1998.

No período clássico se encontram 2 escolas nascidas sob o calor da autonomia e


especialidade do Direito agrário.

2.1 O período clássico do Direito Agrario.

Foi uma discussão iniciada por Giangastone Bolla e contestada por Ageo
Arcangeli. Teve o seu ponto culminante durante o debate sustentado nas paginas da
Rivista di Direto Agrario, entre 1928 e 1931, porém a projecção desta polêmica se
manteve durante toda primeira metade do seculo XX, com vigência em muitas
localidades onde a disputa se manteve viva.
As escolas poderiam ser identificadas com o nome dos seus mestres Bolla e
Arcangeli, ou pelas suas teses vinculadas autonomia ou a especialidade da matéria.
A divisão das escolas clássicas se manteve por falta de provas, princípios gerais
próprios e exclusivos do direito agrário. Nesse sentido aceitou se certa especialidade
do direito privado, mas nunca com características de autónomo.

Bolla, no primeiro da Rivistta di diritto agrario, no principio do seculo passado em


1992, com extraordinária visão do futuro, aspira estabelecer uma coordenação entre
as normas com objectivo de revisar os institutos antiquados, preparar os novos e
conduzir a unidade e princípios gerias tudo quanto esta disperso e dessa forma
contribuir para a formação da ciência. Realmente trata ele, de impulsionar a teste
autonomista seguindo critérios impelidos por outras disciplinas, mas no seu caso,
directamente inspirados em teses de SCIALOJA em relação ao direito marítimo. Para
o efeito sustenta o tecnicismo da matéria, tecnicismo todo particular da actividade
agraria a especial função é a consequente disciplina dos factores aplicáveis a
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produção agrícola (terra/capital) além da peculiaridades de alguns institutos jurídicos,


que levados à especial economia adquirem uma condição própria, aconselha a não
retardar mas a investigação.
Trata-se de uma ideia primitiva, mas de grande alcance para a época, porque a tarefa
do agrário assim pensada, deve ser necessariamente se vincular com sistemática da
disciplina
A tese de um direito agrário com possibilidade de se bastar a si mesmo, dentro do seu
próprio sistema, naturalmente teve adversários os civilistas da época. De modo
particular Ageo Arcangeli, que combateu energicamente qualquer tipo de autonomia
da disciplina baseado em sustentar a unidade de direito privado e em evitar, a este
movimento natural, o surgimento de quaisquer obstáculos.
De maneira especial, foi quem com maior clareza conceitual, e sobretudo, ardor,
chegou a formular obstáculo mais infranqueável a qualquer tipo de autonomia porque
defendeu a incapacidade dos autonomistas para demonstrar a existência de
princípios gerais de direito agrário.
Bolla dizia: Não podemos demonstrar a existência de princípios gerais de direito
agrário que fossem próprios e exclusivos.
Da se a tarefa de reformulou a teste sobre a base da confluência de elementos
históricos, critérios económicos e motivos ideológicos, e, dessa forma, começar a
impulsionar a necessidade de iniciar a construção de um sistema coerente, completo
e orgânico.
Neste sentido, surge o abrir do capítulo de estudo das fontes do direito agrário, mas
na sua concepção, muito vinculada ao direito romano e ao direito comparado.
Só consegue sustentar a importância do costume como forma de manter o ambiente
histórico e económico próprio do agrário.
Porém, agrega uma serie de critérios interessantes, tal é o caso da necessidade de
não recorrer as fontes distintas do direito agrário, por isso implicaria a desnaturação
do sistema sugerindo aplicar as próprias fontes mesmo quando possuem categorias
inferior em relação as normas de disciplinas distintas.
Incorre também no tema dos contratos agrários, aos quais lhes dá um tratamento
especial pela importância cardinal dentro da disciplina, porque eles oferecem
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particularidades próprias a matéria desde a sua gênese histórica até o


desenvolvimento dessa época como manifestação técnica económica do fenómeno
produtivo, encontrando certa tipicidade da causa consistente em proveito do complexo
unitário funcional, cuja estrutura e continuidade refletem todo o conjunto de direitos e
obrigações, para Bolla, não é só o objecto, é um bem definido por sua função.
Por essa razão, as partes contratantes têm a obrigação de se conduzirem segundo as
boas normas técnicas e do progresso, de onde nascem as limitações aos direitos
clássicos das pessoas, pois deve se garantir a integração do fundus institutos
quando constitui a base da empresa agraria, em torno do qual giram os demais
factores de produção.

Mais tarde, chega ao cerne de sua constituição científica quando afirma a existência
do ius proprium da agricultura. Nesse sentido, estuda o tema da produção. Bolla
entende que todas as normas referentes à agricultura têm um sentido teleológico
relacionado com o momento objectivo e subjectivo da actividade económica.
Tratando-se de edificar, sob o tecnicismo, em critério sistemático e metodológico,
para demonstrar a existência e completude do sistema.

2.2 O Período Modernos do Direito Agrário


Período moderno identifica se com a figura de Antonio Carrozza.
A tradição da universidade de Pisa, onde se funda a primeira Cátedra de Direito
Agrário do Mundo.

Carroza converteu- se em director da rivista de dirrito agrario e impulsiona toda


uma linha de estudos de direito comprado. Enfrenta toda uma serie de temas próprios
da teoria geral e também em conseguir as bases da nova ciência agraria, impulsiona
por sua vez, a criação de organizações com particular destaque para a união mundial
de universitários rurais.

Importa lembrar que Giangastone Bolla, morre em Florença em 1972.


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O novo ponto de referência passou a ser PISA com Antonio Carrozza. Este se
converte em mentor dos defensores das causas agrarias do mundo e em fundador da
escola de PISA que tem a vantagem de estar muito vinculada ao direito di dirritto
agrario internazional e comparato de Florença fundada por Bolla, onde também
ocorre o encontro com Emilio Romagnoli e outro ilustres académicos.

Neste contexto surge uma grande quantidade de estudiosos de todas as partes do


mundo com a finalidade de buscar orientação sobre as linhas do direito comparado
internacional, junto a estes estudiosos do Direito Agrário existem inúmeros idealistas
da disciplina distribuídos por todo o mundo cujo sonho tem sido conseguir uma
espécie de direito agrário ideal, que possa representar um modelo, uma aspiração,
uma finalidade do Direito.
A essa ideia tem- se respondido de diversas formas, segundo o grau de evolução da
cultura jurídica do direito agrário e segundo os avanços alcançados em diversas
etapas.

Carrozza é o fundador do modernismo do Direito Agrário seu mérito foi de ter


começado a difundir a necessidade de se ocupar de certa teoria geral da matéria para
iniciar sua construção sistemática, e assim conseguir um fundamento geral.
Neste aspecto, aparentemente Carrozza constitui uma espécie de fusão com a linha
de Bolla, formulando os seguintes requisitos, desde a partir de uma prespectiva
moderna de maior projecção científica.
Porém existem muitas particularidades próprias de sua visão do futuro, cujos os
elementos os distanciam consideravelmente de Bolla, apresentando-se, dessa forma,
como gestor de um movimento distinto.
Carrozza emocionalmente identifica se com a escola de Bolla, a qual frequenta em
Florença, como todos os teóricos da questão agraria a da época, a respeito da
escolha dos elementos levados em consideração para início do processo constitutivo
da nova ciência
Período moderno identifica se com a figura de Antonio Carrozza.
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Ao contrário da sua junção jurídica acerca-se mais da linha de Arcangeli porque


Bolla é menos exigente.
A cultura de Carrozza sustenta indissolúvel o rigor de seu mestre Funaioli, que o
conduz baseando se numa linha de análise distinta, mais vinculada a tradição romana
e a elaboração civil. Isso se evidência nos seus primeiros trabalhos referentes a
MEZZADRIA e as terras incultas.
Nesses pode-se descobrir uma linha metodológica sobre a qual vai trabalhar durante
toda sua vida e, inclusive, já se descobre na sua projecção em relação a temas como
os Institutos”, cujo desenvolvimento também vai ocupar toda sua existência, porque
são tratados com extraordinária disciplina, buscando seu espirito, tentando a
sistemática é, sobretudo, inserindo-os na figura dos institutos.
Superfície beneficiando com irrigação tiveram as obras realizadas com recursos
públicos, em atendimento aos agricultores comerciais, que não tiveram de pagar esse
enorme subsídio oculto.
Esse período volta a ilustrar a falta de aplicação do espirito da legislação se converte
em factor que dificulta a mudança social. As leis eram praticamente as mesmas que
as do período precedente, mas os rumos políticos foram outros resultados finais foi a
crise de produção agropecuária e das relações sociais no campo. Crise que teve
início de maneira silenciosa em meados dos anos 70.

Em Moçambique:

A – A origem do Direito Agrário moçambicano está na primeira legislação sobre terras,


a legislação das sesmarias. Trata-se de legislação de Portugal aplicada no
Moçambique Colônia. A origem da legislação de Sesmarias data de 1.375, quando, em
Portugal, visava corrigir as distorções no uso das terras, forçando os proprietários a
trabalhar a terra, tendo em vista a falta de alimentos na época. Assim, as terras não
aproveitadas seriam confiscadas. A lei Régia de Dom Fernando, portanto, tentava
reverter o quadro de êxodo rural existente na época. O objetivo, como dito, era o
aumento da produção, o aproveitamento das terras pelos proprietários.
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Em Moçambique, a utilização da mesma legislação teve um objetivo bem diferente.


Visava a ocupação dos imensos espaços vazios, sendo suporte para a colonização.
Esta lei determinava a colonização, a moradia habitual e cultura permanente, o
estabelecimento de limites e a cobrança de impostos.

B – O Tratado de Tordesilhas (07/06/1494) é outra referência histórica importante para


a formação territorial das colonias. Este tratado, homologado pelo Papa, dividia entre
Portugal e Espanha, o direito sobre as terras que fossem descobertas, garantindo a
Portugal as terras à direita de uma linha imaginária definida a 370 léguas das ilhas de
Cabo Verde.

C - O território moçambicano, no processo de colonização, foi loteado e, por


concessões feitas pela Coroa Portuguesa, entregue em grandes áreas para os
colonizadores (prazos), visando principalmente o povoamento e a defesa, sendo
Martim Afonso de Souza o 1º, em 1531, recebendo área de 100 léguas de terras, ou
seja 660 Km, medidas na costa marítima, sem limites para o interior.
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Depois da indepedência

A frente de libertação de Moçambique definiu a Luta Armada de Libertação Nacional,


desde o seu desencadeamento, como combate que tinha por objectivo libertar a terra e
aos Homens. Durante o processo de edificação da nova sociedade nas zonas
libertadas, tornou-se claro que a indepedência politica não teria um sentido real para o
povo, não seria uma verdadeira independência, se a terra continuasse nas mãos de um
punhado de latindiários, estrangeiros ou nacionais.

Depois da usurpação e espoliação das melhores terras, feita ao longo de quinhentos


anos pelo colonialismo português, arrancar a terra à sujeição e a exploração
estrangeiras, devolvendo-a ao Povo moçambicano, era exigência do processo
histórico, condição de uma independência real e efectiva. Era também uma das
principais condições para a edificação de Socialismo.

Assim o artigo 8 da Constituição da República Popular de Moçambique, estabeleceu


desde logo que Ä terra e os recursos naturais situados no solo e subsolo, nas águas
terrtoriais e na plataforma contimental de Moçambique, são propriedade do Estado> O
Estado determina as condições do seu aproveitamento e de seu uso”.

Quando se diz que a terra é propriedade do Estado, isto significava que sendo, o
Estado de oprários e camponeses, a terra pertencia ao povo moçambicano.

O III cogresso da FRELIMO aprovou o programa para a construção do Socialismo em


Moçambique. Nesse quadro foram traçadas directivas fundamentais para a agricultura,
silvicultura e recursos renováveis, fixando-se objectivos prioritários para cada um dos
sectores.

A 1ª Reunião da Assembleia Popular, reunida de 31 de Agosto a 1 de Setembro de


1977, definiu orientações para a implementação destas directivas do II congresso.
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Segundo o entender da época a Lei de terras visava disciplinar e organizar o uso e


aproveitamento da terra, criando instituições cujo funcionamento tornava possível a
planificação socialista das actividades a ela ligadas. A lei criava mecanismos
adequados para o Estado materializar o principio de que a terra não pode servir de
meio de exploração do homem pelo homem.

Foram criadas zonas de desenvolvimento agrário planificado que têm em vista o


aproveitamento racional dos recursos disponiveis, o desenvolvimento da agricultura,
pecuária e silvicultura em bases ciêntifcas e que constituem o quadro principal da
utilização da terra para fins agrários. Nestas zonas o uso e aproveitamento da terra era
condicionado pelo respectivo plano director definido pelo Estado em função dos
interesses, objectivos e prioridades que prosseguiam.

Para reforçar e desenvolver as formas de propriedade socialista, a lei estabeleceu a


figura de Uso e aproveitamento da terra pelo sector estatal e cooperativo fosse
atribuido gratuito e definitivo.

A lei atribuiu igualmente o uso e aproveitamento gratuito às explorações famíliares, aos


mesmo tempo que estimulou e apoiou a sua integração em cooperativas.

Quanto a exploração da terra a título privado ela foi admitida, e devia submeter-se às
directivas do Plano, era de caractér oneroso e estava sujeita a prazos de duração.

Porque o Estado de operários e camponeses era o único proprietário da terra, toda a


terra moçambicana ficava integrada num fundo Estatal.
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2. CONCEITOS DE DIREITO AGRÁRIO: (e denominação)

A maioria dos autores (agraristas) apresenta conceitos de Direito Agrário, de


formulação própria, além de relacionar uma série de conceitos de diversos autores
nacionais e estrangeiros. Isto demonstra a diversidade de enfoques sob os quais é
visto o Direito Agrário. Contudo muitos conceitos são limitados e incompletos, não
conseguindo alcançar a amplitude do conteúdo deste novo e importante ramo do
Direito. Conceito de Paulo Torminn Borges: “Direito Agrário é o conjunto sistemático de
normas jurídicas que visam disciplinar as relações do homem com a terra, tendo em
vista o progresso social e econômico do rurícola e o enriquecimento da comunidade”.

Direito Agrário é o ramo do Direito que visa o estudo das relações entre o homem e a
propriedade rural.

Hoje o Direito Agrário acompanha a evolução do Direito Ambiental, na medida em que


vai sendo estudado sob as novas teorias Geopolíticas. As formas hoje existentes de
direito alternativas, vem surgindo com a evolução de novas ideias e novos estudos
interdisciplinares. Trazendo da História e dos conhecimentos Geográficos as ideias
sobre a relação entre o Homem e a terra rural, o próprio homem foi criando regras
jurídicas para disciplinar seu comportamento sobre o meio ambiente em que vive, para
que utilize da topografia regional de maneira adequada. À Luz da Geopolítica, o Direito
Agrário se inter relaciona primeiro com o Direito Ambiental e depois com o Direito
Territorial e o Direito Internacional.

Nosso conceito:

Direito Agrário é o conjunto de princípios e de normas que visam disciplinar as relações


jurídicas, econômicas e sociais emergentes das atividades agrárias, as empresas
agrárias, a estrutura agrária e a política agrária, objetivando alcançar a justiça social
agrária e o cumprimento da função social da terra. Como se pode observar, os
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conceitos, em termos gerais, acabam tendo seus limites fixados pelo próprio direito
positivo agrário. Contudo, há interesses, dentro da perspectiva do “dever ser”, que não
estão inseridos no ordenamento jurídico oficial. De qualquer forma, cabe ter presente a
dinamicidade do Direito, de forma que se trata de um processo de constante
construção, onde as verdades de hoje se encontram superadas pela realidade prática
do dia de amanhã.

Conceito de Paulo Torminn Borges: “

Direito Agrário é o conjunto de princípios e, de normas, de Direito


Público e de Direito Privado, que visa a disciplinar as relações
emergentes da atividade rural, com base na função social da terra”.

Quanto a este conceito, cabe ressaltar que a dicotomia entre Direito Público
e Privado está superada pelas regras atuais onde se evidencia a
interdependência Além disso, o Direito agrário, em seu conteúdo, vai além da
regulação da atividade agrária. Conceito de Raimundo Laranjeira: “

D i r e i t o A g r á r i o é o c o n j u n t o d e p r i n c í p i o s e normas que, visando imprimir


função social
Á terra, regulam relações afeitas á sua pertença e uso, e disciplinam a prática das
explorações agrárias e da conservação dos recursos naturais.”

Nosso conceito
Direito Agrário é o conjunto de princípios e de normas que visam
d i s c i p l i n a r a s relações jurídicas, econômicas e sociais emergentes das
atividades agrárias, as empresas agrárias, a estrutura agrária e a política agrária,
objetivando alcançar a justiça social agrária e o cumprimento da função social
da terra. Como se pode observar, os conceitos, em termos gerais, acabam tendo
seus limites fixados pelo próprio direito positivo agrário. Contudo, há interesses,
dentro da perspectiva do “dever ser”, que não estão inseridos no
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ordenamento jurídico oficial. De qualquer forma, cabe ter presente a


dinamicidade do Direito, de forma que se trata de um p r o c e s s o de
constante construção, onde as verdades de hoje se encontram
superadas pela realidade prática do dia de amanhã.

3. AUTONOMIA DO DIREITO AGRÁRIO:

O que caracteriza a autonomia de um determinado ramo do Direito? A


autonomia não pode significar a completa independência. O Direito Agrário não se
rege apenas por normas completamente agrárias. O que caracteriza o ordenamento
jurídico atual é a sua interdependência e relação, sob vários aspectos, com os
outros ramos do direito. Ainda assim, alguns elementos
caracterizam a autonomia de u m determinado ramo do Direito. A
autonomia de um ramo jurídico se caracteriza sob os aspectos legislativo, científico,
didático e jurisdicional.

3.1. Autonomia Legislativa

A p a r t i r d e s t a possibilidade, estabeleceu-se um conjunto de normas próprias


(um corpo jurídico, m e s m o q u e n ã o e x a u s t i v o ) d e c o n t e ú d o a g r á r i o q u e o
i d e n t i f i c a m c o m o r a m o próprio. Assim, a Lei de terras e, posteriormente, o seu
regulamento e as leis agrárias que regulam os dispositivos constitucionais, são
atualmente as principais referências legislativas do Direito Agrário e que lhe conferem
autonomia neste campo.

3.2. Autonomia científica:

Até o advento da autonomia legislativa vigoravam também para a realidade agrária, as


regras do Direito Civil, apesar das características próprias das atividades agrárias.
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Contudo, a partir de um arcabouço legal próprio e aproveitando-se das experiências


anteriores, inclusive das referências legais e doutrinárias de
o u t r o s p a í s e s , construiu-se a autonomia científica do Direito Agrário.
Esta autonomia baseia-se, então, num conjunto de princípios específicos. Diferentes
do direito civil e no conjunto de normas a disciplinar as atividades agrárias, a pertença
da, terra e apolítica Agrária Os princípios do D. Agrário encontram-se
inseridos na legislação agrária existente, servindo de norte ao processo
legislativo agrário e á efetiva e correta aplicação das leis. (orientam a
interpretação das normas). Actualmente, possuímos um conjunto, além da
doutrina que tem feito estudo sistematizado do Direito Agrário, o que lhe garante
autonomia científica.

3.3. Autonomia didática:

Esta caracteriza-se pela existência de disciplina específica de Direito Agrário


nos estabelecimentos de ensino superior (graduação, pós-
g r a d u a ç ã o ) , t a n t o c o m o matéria obrigatória ou como complementar e eletiva, de
forma que o conjunto de n o r m a s e p r i n c í p i o s a g r a r i s t a s r e c e b e m ,
d e s t a f o r m a , e s t u d o e d i v u l g a ç ã o especial como verdadeiro ramo
a u t ô n o m o d o D i r e i t o . A l é m d i s s o , o r g a n i s m o s nacionais e internacionais
(ONGs) se encarregam do estudo e divulgação da matéria jus-agrarista em
congressos, seminários, encontros de professores, etc.. As obras
doutrinárias que vem crescendo em volume e qualidade, por sua vez
reforçam autonomia didática e científica permitindo o estudo sistematizado da
matéria.

3.4. Autonomia jurisdicional = justiça agrária. (bom ou ruim?)

Neste campo, nosso ordenamento jurídico ainda carece de um passo a mais,


no sentido de estruturar a justiça agrária, com estrutura própria, especializada para as
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questões agrárias. Apesar das propostas apresentadas neste sentido quando


da elaboração discussão
Para dirimir conflitos fundiários,
Entanto, a expressão proporá, apesar de ser uma determinação,
continua vaga e não garante a estruturação destas varas especializadas. A ideia de
uma justiça agrária u m , portanto, de definir critérios prévios e claros para o acesso
ao cargo de juiz agrário.

4. CONTEÚDO/OBJETO DO DIREITO AGRÁRIO:

O objeto do Direito. Agrário é mais do que as atividades agrárias. É correto dizer que
os f a t o s jurídicos agrários (atividade agrária, estrutura agrária,
e m p r e e n d i m e n t o agrário, política agrária) geram as relações jurídicas agrárias,
objeto do Direito. Agrário.
Para alguns o elemento terra, também denominado de ruralidade, seria central na
definição do objeto do Direito Agrário. No entanto, este elemento por si, se torna
estático e foge da dinamicidade que caracteriza o direito agrário. Assim, o
núcleo central do Direito Agrário está nas atividades agrárias. Como bem lembra
Orlando Gomes, o objeto é o bem no qual incide o poder do sujeito ou a prestação
exigível. A s s i m , a t e r r a c o m s e u s c o n d i c i o n a m e n t o s r e s t r i ç õ e s e
o b r i g a ç õ e s d e u s o c onservação, faz parte do objeto do Direito Agrário. Quanto
ao conteúdo, este engloba o direito de propriedade condicionado pelas
obrigações referentes ao cumprimento da função social da terra, nas suas diversas
dimensões, englobando a produtividade e a busca da justiça social. O Direito agrário
tem como objeto o estudo da atividade agrária e as relações jurídicas desenvolvidas
pelos sujeitos agrários.

“O objeto do D. Agrário seriam, assim, os fatos jurídicos que emergem do


campo, consequência de atividade agrária, de estrutura agrária, de empresa
agrária e da política agrária;
o que caracteriza a relação jurídica agrária.”
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Trata-se, portanto do estudo das normas e questões atinentes às atividades agrárias e


aquelas que regulam os direitos e obrigações sobre o próprio elemento terra.
O Direito Agrário regula as atividades agrárias de produção, extração
conservação, além de atividades conexas. Contudo, os contornos ou limites de
alcance do que se denomina de direito agrário não são totalmente nítidos, mas o
elemento ruralidade é fundamental, englobando a ideia de espaço fundiário, onde se
deve desenvolver a atividade de produção e de conservação dos recursos
naturais. Nem tudo o que ocorre ou se desenvolve no espaço rural é de conteúdo
agrário.

CLASSIFICAÇÃO DA ATIVIDADE AGRÁRIA:


A atividade agrária pode ser assim classificada:- A t i v i d a d e a g r á r i a d e e x p l o r a ç ã o
t í p i c a : l a v o u r a , p e c u á r i a , h o r t i g r a n j e a r i a e extrativismo (animal e vegetal);-
atividade agrária de exploração atípica (agroindústria): que modifica a aparência
exterior do produto agrário ou o transforma, de maneira que esta
especificação fique no mesmo imóvel onde foram obtidas os resultados da
atividade atípica. É, p o r t a n t o , r e q u i s i t o p a r a q u e a a t i v i d a d e s e j a
a g r o i n d u s t r i a l e n ã o i n d u s t r i a l , o rigem no próprio fundus
Agrário daqueles produtos ali transformados. Contudo, há c e r t a f l e x i b i l i d a d e
diante desta exigência, sobretudo diante da realidade das
cooperativas, cuja atividade de agro-industrialização se utiliza de produtos
vindos das diversas propriedades dos cooperados. A cooperativa é vista como
extensão da propriedade.- actividade complementar ou conexa da exploração rural:
trata-se da atividade de transporte e venda dos produtos de origem do prédio rústico.-
Atividade agrária de conservação.

Conforme Emilio Alberto Maya Gischkow, (apud B. F. Marques


- i n D . A g r á r i o Brasileiro – AB Editora), a atividade agrária se subdivide
em atividade imediata: t e n d o p o r o b j e t o a t e r r a c o n s i d e r a d a e m s e n t i d o
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lato e a atuação humana em r e l a ç ã o a t o d o s o s r e c u r s o s d a


n a t u r e z a ; o s o b j e t i v o s e i n s t r u m e n t o s d e s s a atividade: envolvendo a
preservação dos recursos naturais a atividade extrativa, a captura de seres orgânicos e
a ação produtiva (agricultura e pecuária); atividades conexas: transporte,
industrialização e comércio dos produtos. A atividade agrária típica se divide em:
lavoura temporária e permanente; pecuária de pequeno, médio e grande porte. Destas
formas derivam os prazos legais fixados para os contratos agrários, como se verá mais
adiante. A atividade agrária atípica sofre constantes questionamentos sendo que para
muitos f o g e d a e s f e r a d a a t i v i d a d e a g r á r i a , d e v e n d o s u b m e t e r -
s e à s r e g r a s g e r a i s disciplinadoras da atividade industrial. No entanto a
própria legislação a enquadra c o m o atividade agrária. O mesmo
questionamento é feito à atividade de comercialização da
produção, sob o argumento de que se situam no setor terciário da economia
(atividade mercantil). Contudo, para que a atividade de transporte e
comercialização seja entendida como conexa à atividade agrária deve ser feita pelo
produtor. Assim, o profissional que se dedica apenas a adquirir os
produtos, transporta-los e a revendê-los para a
indústria ou para o Consumidor, evidentemente se enquadra no
âmbito da atividade mercantil.

5. FONTES, INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DO D. AGRÁRIO

Quanto às fontes do Direito Agrário, valem as regas gerais de qualquer


ramo do Direito, Assim, a grande fonte material (a fonte
p r i m e i r a ) e m o t i v a d o r a d a elaboração e aplicação das normas é a
r e a l i d a d e s o c i a l a g r á r i a , e n g l o b a n d o a estrutura agrária, as concepções de
direito de propriedade, as carências sociais, a consciência popular traduzida em
reivindicações, etc.
As fontes formais tem como referência principal as leis de conteúdo agrário, e entre
estas, como já mencionado, a indicação maior está no texto constitucional,
em vários de seus dispositivos Da mesma forma, como ocorre em outros ramos do
18

direito, o D. Agrário também se serve de elementos secundários para preencher


as lacunas da lei, recorrendo á analogia, aos costumes e aos princípios gerais. Os
costumes acabam tendo grande importância na fixação do conteúdo das relações
agrárias. Resta observar que, em qualquer circunstância, a lei, de natureza cogente, se
sobrepõe aos costumes.
Neste s e n t i d o , o Direito. Agrário traz dispositivos expressos no
s e n t i d o d e e s t a b e l e c e r a irrenunciabilidade de direitos e obrigações que visam
proteger a parte mais fraca na relação jurídica agrária, além de cláusulas obrigatórias e
irrenunciáveis referentes à conservação dos recursos naturais.

A doutrina e a jurisprudência também são utilizadas na interpretação das


leis, na sua atualização diante da dinamicidade dos fatos da realidade
social, devendo, p o r é m e s t a r d i r e c i o n a d a s p a r a o a l c a n c e d a j u s t i ç a
social e o cumprimento da função social da terra, que são as
r e f e r ê n c i a s c e n t r a i s d o s o b j e t i v o s d o D i r e i t o Agrário e do i n t e r e s s e d a
coletividade.
Quanto à interpretação da lei, para se chegar a seu alcance e
melhor sentido dentro da realidade concreta, utilizam-se das formas
comuns a outros ramos do Direito: a interpretação gramatical, lógico-sistemática,
histórica e a sociológica.

6. PRINCÍPIOS DO DIREITO AGRÁRIO

A fixação do conceito, conteúdo e autonomia do Direito Agrário já


evidenciam os seus principais princípios. Contudo, assim como ocorre em outros países, há
autores que apresentam relação exaustiva de princípios retirados dos próprios textos
legais, muitos dos quais não passam de decorrência dos princípios fundamentais
.. Princípio fundamental: função social da terra (produtividade e justiça
social, com preservação ambiental): é possível dizer que esta é a referência central do
D. Agrário. Em torno deste princípio, completando-o, aparece uma série de
19

outros, conforme estudos doutrinários apresentados por diversos autores. O


princípio da função social da terra, ou da propriedade imobiliária rural, será
estudado mais adiante. Paulo T. Borges (in Princípios Básicos do D. Agrário,
p.) relaciona 14princípios fundamentais do Direito Agrário. Na sequência
enumera os princípios universais de Direito Agrário apresentados pelo autor
espanhol Juan J. Sanz Jarque.

]7. Natureza Jurídica Das Normas De Agrário:

Alguns autores, ao definir o D. Agrário, indicam tratar-se de conjunto de normas de


direito público e de direito privado. No entanto, esta dicotomia é cada vez |
menos evidente. O que se percebe é a ocorrência de uma crescente
interdisciplinaridade, de forma que o direito privado possui inúmeras normas
de ordem pública, e vice-versa. H á u m e n t r o s a m e n t o p e r f e i t o e n t r e o s
d o i s g r a n d e s r a m o s d o d i r e i t o . O u t r o s autores, seguindo a moderna
doutrina, preferem dizer que o D. Agrário, assim como outros ramos, compõe-se de
normas imperativas (cogentes) e normas dispositivas (supletivas, permitindo nestas
últimas o exercício da autonomia privada. É possível d i z e r q u e o D . A g r á r i o
c a r a c t e r i z a - s e p e l a p r e d o m i n â n c i a d e n o r m a s d e o r d e m pública, tese
esta reforçada pelos dispositivos constitucionais referentes à política agrária e á
função social da terra.

Em muitos paísese não existe direito agrário como ramo autonomo, em Moçambique o
direito agrário tem autonomia legislativa, cientifica e didatica.

O direito agrario visto ao longo dos tempos como direito de propriedade rústica, veio a
ser dominado por um outro conceito jurídico: o direito à exploração agrícola. Esta
20

substituição do fundamentodo Direito agrário- a exploração em vez de propriedade-


modificou toda fisionomia legislativa, e teve influência decisiva, como não podia deixar
de ser, na própria interpretação dos textos legais.

Por outro lado, em seguida e como consequência daquela substituição, o Direito


passou, em grande medida, no campo do Direito privado para o campo do Direito
público.

A vontade do mais forte deixou de ter livre campo de aplicação, porque o Estado veio
limitá-la e condicioná-la.

Como resultados da referida evolução, o sujeito do Direito agrário deixou de ser


exclusivamente o proprietário, para ser em princípio aquele que, directa e
efectivamente, explora a terra. O objecto do Direito agrário deixou de ser a propriedade
no sentio napoleónico, para passar a ser a exploração agrícola, e a garantia dos
direitos e obrigações entre os vários intervenientes das relações jurídico-agrárias
deixou de estar totalmente entregue aos tribunais comuns, para passar a estar, em
parte, adstrita a jurisdições especializadas.

A traços muito largos, procurou esquematizar-se o que há de essencial no Direito


agrário de hoje.

O problema do arrendamento da propriedade rústica, nos seus aspectos jurídicos, não


poderia ser compreendido, sem que, primeiramente, se fizesse menção ao ramo de
Direito de que faz parte.

Quando se diz que o proprietário deixou de ser o único sujeito de direito agrário, para
ser substituido pelo explorador, não se quer dizer que o direito de propriedade tenha
sido violado, na sua essência e nos seus caracteres fundamentais. O que se pretende
frisaré uma realidade diversa- a que no campo da produção agrária, o mero proprietário
passou a ter influência secundária. Ficam lhe reservados todos os direitos civis
concernentes ao direito de propriedade. Mas ao servir nas relações juridico-agrárias,
deixou de poder ditar unilateralmente a sua vontade. Em contraposição, surgiu o direito
21

do explorador. E, porque este direito é o que em primeiro lugar merece a contemplação


da economia agrária, o império da lei deve surgir, para resolver o conflito de interesses.

Deste modo, no Direito agrário moderno, a evolução legislativa veio destruir a chamada
autonomia da vontade individual ou arbítrio.

Como diz o professor Giorgio Del Vecchio, “no Direito agrário, como qualquer outro
campo, o individual e o social devem equilibrar-se, porém sem violar os direitos
fundamentais da pessoa humana. A lendária paz dos campos deve ser uma paz
operosa, e à obra dos agricultores, iluminada pela técnica, deve corresponder a dos
legisladores, iluminada pela justiça”.

Quer dizer que o social fez a sua entrada no Direito agrário e, juntamente com a
economia, forçou a evolução.

Mas esta evolução não deve ser feita, sem que se respeitem os quadros fundamentais
duma determinada ordem jurídica.

Ressalvados os aspectos de revolução- e não é o caso de que estamos tratando-, pode


afirmar-se que, no campo do Direito, a tradição não é uma palavra vã. O desenvolver
dos fenominos juridicos é um processo de séculos.

E assim, o progresso jurídico-agrário só é possível, no aspecto evolutivo, mediante o


enquadramento dos novos conceitos na estrutura jurídica existente.

Quando o agricultor passa a figurar em primeiro plano nas relações jurídico-agrárias,


quando se entende que, como diz ainda Del Vecchio, “a propriedade deve ser
ordenada em tal modo que conceda a todos o uso dos instrumentos de trabalho e dos
meios de produção, de maneira que ninguém seja excluído da actividade e dos frutos
que resultam dela, em razão da sua obra”, - isto não quer dizer que se destruam as
instituições e as figuras jurídicas em vigor.
22

Pelo contrário, tem o jurista, como trabalho, o de procurar o enquadramento da


evolução, nos esquemas pré-existentes.

Em Moçambique:

Período colonial

A – A origem do Direito Agrário moçambicano está na primeira legislação sobre terras,


a legislação das sesmarias. Trata-se de legislação de Portugal aplicada no
Moçambique Colônia. A origem da legislação de Sesmarias data de 1.375, quando, em
Portugal, visava corrigir as distorções no uso das terras, forçando os proprietários a
trabalhar a terra, tendo em vista a falta de alimentos na época. Assim, as terras não
aproveitadas seriam confiscadas. A lei Régia de Dom Fernando, portanto, tentava
reverter o quadro de êxodo rural existente na época. O objetivo, como dito, era o
aumento da produção, o aproveitamento das terras pelos proprietários.

Em Moçambique, a utilização da mesma legislação teve um objetivo bem diferente.


Visava a ocupação dos imensos espaços vazios, sendo suporte para a colonização.
Esta lei determinava a colonização, a moradia habitual e cultura permanente, o
estabelecimento de limites e a cobrança de impostos.

B – O Tratado de Tordesilhas (07/06/1494) é outra referência histórica importante para


a formação territorial das colonias. Este tratado, homologado pelo Papa, dividia entre
Portugal e Espanha, o direito sobre as terras que fossem descobertas, garantindo a
Portugal as terras à direita de uma linha imaginária definida a 370 léguas das ilhas de
Cabo Verde.

C - O território moçambicano, no processo de colonização, foi loteado e, por


concessões feitas pela Coroa Portuguesa, entregue em grandes áreas para os
colonizadores (prazos), visando principalmente o povoamento e a defesa, sendo
Martim Afonso de Souza o 1º, em 1531, recebendo área de 100 léguas de terras, ou
seja 660 Km, medidas na costa marítima, sem limites para o interior.
23

Depois da indepedência

A frente de libertação de Moçambique definiu a Luta Armada de Libertação Nacional,


desde o seu desencadeamento, como combate que tinha por objectivo libertar a terra e
aos Homens. Durante o processo de edificação da nova sociedade nas zonas
libertadas, tornou-se claro que a indepedência politica não teria um sentido real para o
povo, não seria uma verdadeira independência, se a terra continuasse nas mãos de um
punhado de latindiários, estrangeiros ou nacionais.

Depois da usurpação e espoliação das melhores terras, feita ao longo de quinhentos


anos pelo colonialismo português, arrancar a terra à sujeição e a exploração
estrangeiras, devolvendo-a ao Povo moçambicano, era exigência do processo
histórico, condição de uma independência real e efectiva. Era também uma das
principais condições para a edificação de Socialismo.

Assim o artigo 8 da Constituição da República Popular de Moçambique, estabeleceu


desde logo que Ä terra e os recursos naturais situados no solo e subsolo, nas águas
terrtoriais e na plataforma contimental de Moçambique, são propriedade do Estado> O
Estado determina as condições do seu aproveitamento e de seu uso”.

Quando se diz que a terra é propriedade do Estado, isto significava que sendo, o
Estado de oprários e camponeses, a terra pertecia ao povo moçambicano.

O III cogresso da FRELIMO aprovou o programa para a construção do Socialismo em


Moçambique. Nesse quadro foram traçadas directivas fundamentais para a agricultura,
silvicultura e recursos renováveis, fixando-se objectivos prioritários para cada um dos
sectores.

A 1ª Reunião da Assembleia Popular, reunida de 31 de Agosto a 1 de Setembro de


1977, definiu orientações para a implementação destas directivas do II congresso.
24

Segundo o entender da época a Lei de terras visava discilplinar e organizxar o uso e


aproveitamento da terra, criando instituições cujo funcionamento tornava possível a
planificação socialista das actividades a ela ligadas. A lei criava mecanismos
adequados para o Estado materializar o princvipio de que a terra não pode servir de
meio de exploração do homem pelo homem.

Foram criadas zonas de desenvolvimento agrário planificado que têm em vista o


aproveitamento racional dos recursos disponiveis, o desenvolvimento da agricultura,
pecuária e silvicultura em bases ciêntifcas e que constituem o quadro principal da
utilização da terra para fins agrários. Nestas zonas o uso e aproveitamento da terra era
condicionado pelo respectivo plano director definido pelo Estado em função dos
interesses, objectivos e prioridades que prosseguiam.

Para reforçar e desenvolver as formas de propriedade socialista, a lei estabeleceu a


figura de Uso e Aproveitamento da Terra pelo sector estatal e cooperativo fosse
atribuido gratuito e definitivo.

A lei atribuiu igualmente o uso e aproveitamento gratuito às explorações famíliares, aos


mesmo tempo que estimulou e apoiou a sua integração em cooperativas.

Quanto a exploração da terra a título privado ela foi admitida, e devia submeter-se às
directivas do Plano, era de caractér oneroso e estava sujeita a prazos de duração.

Porque o Estado de operários e camponeses era o único proprietário da terra, toda a


terra moçambicana ficava integrada num fundo Estatal.

A Ocupação da Terra

Nos períodos mais recentes e sob pressão crescente da crítica ao colonialismo, o


governo português, a par com objectivo de uma exploração mais sitemática aparece
com a preocupação de apresentar uma imagem de acietabilidade.É assim que o
“Regulamento da Ocupação e Concessão de Terras nas Províncias
25

Ultramarinas”legislação que garante ao estado colonial e aos colonos os instrumentos


jurídicos para espoliar as populações e ocupar as suas terras, pretende também,
hipocritamente a “ defesa intransigente dos interesses e direitos das populações sobre
os terrenos por elas ocupados e explorados”

De Acordo com Quadros é util lembrar que algumas das disposições deste
regulamento de ocupação, classificava os terrenos em função da qualidade da terra, ou
do seu valor, da seguinte forma:

Terrenos de 1ª Classe- eram os terrenos abrangidos pelas povoações classificadas e


seus subúrbios, habitadas pelos colonos;

Terrenos de 2ª Classe – demarcados para atribuição conjunta às populações,


correspondendo ao quintuplo da área ocupada por cada regedoria;

Terrenos de 3ª Classe- eram chamados terrenos vagos que não pertenciam nem à 1ª
`a 2ª

Para este autor os terrenos de 1ª e de 3ª classe eram susceptíveis de concessão


adquirindo –se sobre os mesmos direitos de propriedade definitiva devidamente
titulados- adianta dizendo que eram terrenos destinados ao Estado colonial e aos
colonos. Porque os de 2ª classe, destinados aos indígenas, mais tarde “vizinhos de
regedoria”ou simplesmente “autótctones”, esses não eram susceptíveis do direito de
propriedade individual.

O Regulamento determinava que as concessões fossem gratuitas quando se tratasse


de colonos ou das “missões catolicas nacionais”.

Neste último caso podiam abranger áreas até 2000 ha, estando esta faculdade de
consessão prevista no Acordo Missionário entre Portugal e a Santa Sé de 1940. Este
era apenas um dos aspectos do engajamento da Igreja no colonialismo portugês.
26

A necessidade de se defender das criticas que cada vez mais punham a nu o sistema,
leva o colonialismo português `a demagogia hipócrita de estabelever a proibição de
“sob pena de sanção , fazer deslocar as populações para terrenos diferentes daqueles
que estejam a ocupar com o intuito de incluir estes, no todo ou em parte, nas
demarcações provisórias”.

Esta disposição mais fazia do que pretender limpar o Estado colonial-fascista da


responsabilidade pela usurpação violenta de terras a que as empresas e os colonos
procediam de forma sistemática, com a conivência directa das estruturas coloniais, o
Administrador, os serviços Geo-cadastrais e, na cúpula, a secretaria provincial de
povoamento, que sempre promoveram ou providenciaram a necessária cobertura
político-juridico a essas actuações.

Torna-se assim evidente que todo o sistema se constituiu na base de apropriação de


quase todas as terras úteis existentes no País, uma vez declaradas “terrenos vagos”,
isto é, a terra de ninguém. Aos originários donos da terra moçambicana reservava-se o
quíntuplo da área ocupada pelas regedorias- as terras de 2ª.

Luta de libertação Nacional como reacção a este estado de coisas

Foi contra este estado de coisas que se ergueu e se manteve sempre viva a chama da
Resistência. Tratava-se de resistência contra a ocupação da terra e contra a sujeição
dos homens à dominação estrangeira.

Quando o Comité Central da Frelimo proclamou a insurreição geral armada contra o


colonialismo português, em 25 de Setembro de 1964, o objectivo central foi desde logo,
a libertação da terra e dos homens contra o domínio e a exploração a que estavam
sujeitos.

Esse combate não cessaria senão com a liquidação total e completa desta dominação
e exploração.
27

Foi assim que no acto de Proclamação da Independência, as 0 horas do dia 25 de


Junho de 1975, a Constituição Da República Popular de Moçambique estabeleceu que
“a terra e os recursos naturais situados no solo e no subsolo, nas águas territóriais e na
plataforma continental de Moçambique, são propriedade do Estado”, do Estado de
operarios e camponeses. Concretizando deste modo um dos objectivos centrais do
combate libertador, e redimia-se o sangue vertido ao longo de gerações, o sacrifício
dos combatentes nacionalistas, e realizava-se uma das aspirações mais profundas de
todo o povo Moçambicano: voltar a ser dono da terra.

A recuperação da terra pelo povo moçambicano não é uma consequência lógica ou


natural da independência do país. Pois em muitos países, independentes há mais
tempo assistimos à transferência da terra do colonialismo para as mãos do povo. Na
maior parte dos casos assistiu-se antes a reformas visando adptar o direito colonial e o
direito costumeiro à nova situação em que a burguesia nacional se substituiu à
burguesia colonial..

Entre nós a recuperação da terra integra-se no processo da revolução moçambicana.


Por isso ela nunca poderia significar a mera substituição dos nomes nos titulos de
propriedade ou o retorno a formas de apropriação e de utilização próprias da tradição
feudal.

A recuperação da terra pelo povo significou a abolição definitiva da propriedade privada


da terra enquanto património do povo.

Pois segundo Quadros há duas formas possíveis para se analisar a evolução da


estrutura rural e de classes em Moçambique no período colonial, tendo cada uma
dessas posições consequencias bastante diferentes nas estratégias de transformação
socialista. A primeira posição argumentaria que ao longo do período colonial o
campesinato moçambicano permaneceu ligado a modos de produção pré-capitalista. O
capitalismo colonial serviu-se de medidas extra-económicas para explorar o
campesinato: a força política foi a base para o cultivo obrigatório de culturas de
rendimento tais como o algodão, para a contratação de mão de obra para as
28

plantações e para a venda de força de trabalho às minas da África do Sul. Estas formas
de exploração distorcem mas não alteram fundamentalmente a natureza pré-capitalista
da produção camponesa. Esta primeira posição analisa portanto a economia colonial
em termos dualistas: um pequeno sector capitalista assente na agricultura dos colonos,
transportes e indústria e, consequentemente, com uma classe operária pequena e
desorganizada, cresce em paralelo com uma economia de subsistência pré-capitalista
mantida no seu atraso por formas de exploração colonial.

Esta visão dualista da estrutura de classes no período colonial pode fornecer uma
explicação para a participação do campesinato numa luta nacionalista. O camoesinato
ter-se-ia revoltado contra o Estado colonial que organiza tanto a sua opressão como a
sua exploração. A teoria estabelece, no entanto, que será dificil manter a participação
do campesinato no processo de uma revolução socialista. Logo que o Estado colonial
que o explorava seja esmagado, o campesinato ficará livre de regressar à sua
economia pré-capitalista de subsistência. Retirar-se-á portanto da produção de
excedentes e retirar-se-á do mercado, rejeitando tanto a produção de culturas de
rendimento como a migração de mão-de-obra. Tem pouco interesse nas vantagens da
produção colectiva, na maior produtividade do trabalho e em maiores níveis de
produção de excedentes sociais.

Nestas condições só há na realidade duas formas de integrar o campesinato em


cooperativas. Ou tem de se oferecer incentivos materiais consideraveis ou tem-se que
utilizar pressão politica. Esta última estratégia implica a existência de uma relação
antagónica entre o campesinato e o Partido e Estado que se opõe totalmente aos
termos da aliança operário-camponesa. A estratégia anterior porém, parece não ser
praticável a curto prazo. A capacidade do Estado fornecer incentivos materiais para a
cooperativização em grande escala depende em úlitima análise da produtividade do
sector estatal, tanto machambas estatais como unidades industriais. Pareceria assim
necessário adiar em certa medida a cooperativização do sector familiar até que seja
consolidada a produtividade das machambas estatais e fábricas.
29

Assim a posição dualista implica claramente que a socialização da produção familiar


seja quase necessariamente um processo lento e prolongado que se deveria
concentrar numa primeira fase em destruir as condições de produção pré-capitalista.

Existem muitos aspectos da história da exploração imperialista em Moçambique e em


muitos aspectos da África subsahariana que parecem corresponder à visão dualista.
Nestes casos, a politica colonial encontrava-se bastante explicitamente envolvida na
manutenção de diversas formas de propriedade comunal e no bloqueio do
desenvolvimento de qualquer classe de trabalhador sem terra; a força de trabalho
ainda ligada à terra significava força de trabalho barata. Existem também muitos
aspectos da história recente de Moçambique independente que aparentemente
confirmariam a visão dualista: quebras na comercialização da produção camponesa,
particularmente do algodão, uma ex cultura forçada, falta de trabalhadores para a
machambas estatais e plantações; usualmente baixa de consolidação da produção
cooperativa. Assim, a visão dualista encontra pouca dificuldades em tomar partido das
fragilidades actuais do movimento cooperativo; este poderia de facto sugerir que o
problema consistia antes na falta de uma base material a apoiar o problema da
socialização traçado pelas directivas do terceiro congresso.

Ainda de acordo com Conceição Quadros uma caracteristica que define o sector
capitalista em Moçambique durante o período colonial é a sua dependência extrema do
sector familiar, não só na agricultura mas também na industria e transportes. Há
aspectos principais nesta dependência: mão-de- obra barata e muitas vezes sazonal,
recrutada numa base migrante a partir do sector familiar; alimentação barata para os
trabalhadores e matérias primas produzidas pelo sector familiar; um fundo de divisas
gerado não pelo próprio sector capitalista doméstico mas pela venda de força de
trabalho numa base migratória para a África do Sul e Rodésia.

Esta dependência para acumulação de capital de exploração de campesinato foi


construida materialmente na estrutura da produção capitalista:
30

-A monocultura de chá, açucar, algodão e arroz nas machambas e plantações


capitalistas requeria, necessariamente, grande número de trabalhadores sazonais; o
fornecimento destes trabalhadores e o seu baixo salário dependia do facto de eles se
conservarem disponíveis para o sector familiar;

-O nível salarial pago aos trabalhadores no sector capitalista, era em geral


extremamente baixo; cobria apenas os custos imediatos da sua reprodução porque
estes comiam em primeiro lugar alimentos produzidos pelo campesinato e adquiridos a
preços baixos e controlados: madioca, feijão e mesmo arroz e milho em certas áreas
do país;

-Os capitalistas investiram em indústrias de transformação, tais como descaroçamento


de algodão e cajú, precisamente porque a sua rentabilidade estava garantida pela
certeza de que abstecimentos adequados de matérias primas baratas poderiam ser
fornecidas pelo sector familiar;

-Nos últimos anos do domínio colonial, Moçambique registou consisitentemente um


défice na sua balança comercial, em certa medida refletindo importações de petróleo,
máquinas e matérias primas que entravam na expansão da base industrial. A
continuação da acumulação foi no entanto possível porque este défice era cobert em
parte, pela venda à África do Sul e Rodésia de força de trabalho migrante.

No âmbito da transformação socialista pretendia-se quebrar a dependencia em relação


a mão-de-obra barata recrutada a partir do campesinato trabalhando no recentemente
criado sector estatal. O trabalho migratório é em si uma base fraca para o
desenvolvimento de qualificações, de disciplina e de organização produtiva entre a
classe operária para além da saída periódica dos trabalhadores mais produtivos que
também bloqueia a transformação da produção camponesa em formas colectivas mais
solidas. Romper com esta estrutura ecnómica é, porém, necessariamente um processo
de transformação, pois a criação em si não transforma a estrutura de rentabilidade do
sector estatal, cinstruído como estava na base do capitalismo colonial. O sector estatal
não consegue de um momento para outro começar a reproduzir a sua força de
31

trabalho, a produzir as suas próprias matérias-primas e a gerar as suas próprias divisas


modificações estruturais deste tipo necessitam de investimento, que por sua vez
necessita de excedente, que por sua vez ainda necessita que a produção seja rentável.

O sector Estatal tinha grandes dificuldades desde a indepedência para recuperar os


niveis de produção passados, e maiores dificuldades ainda em baixar os custos de
forma a tornar a produção rentável.

Segundo um artigo com o titulo “A questão fundiária em Moçambique: dinâmicas


globais, actores e interesses locais” escrito por Fernando Bessa Ribeiro

A privatização inacabada: Estado, actores e interesses locais em torno da terra


Liquidado o sector empresarial do Estado e restabelecidos os mercados de capital e de
trabalho, falta a privatização da terra. Tendo em vista a aprovação de uma nova lei
reguladora da propriedade e uso da terra, em meados dos anos 90 do século passado
iniciou-se um debate intenso, envolvendo partidos políticos, associações camponesas
e ONG. Desde as primeiras intervenções públicas, amplamente reportadas pelos media
(v., entre outros, Tempo, n.º 1225 de 12/6/1994), ficou claro que os objectivos e
interesses dos camponeses e da agricultura familiar, com uma forte componente de
produção para auto-consumo, opõem-se aos dos investidores privados e da elite
político-burocrática. À semelhança do que se verificou com a privatização da indústria,
estes olham para os recursos fundiários como mais uma possibilidade de negócio e,
sobretudo, de reforço patrimonial. Estamos perante a repetição de um conflito bem
conhecido noutros países africanos, onde a segurança alimentar dos camponeses e
das suas comunidades rurais são questionados pelo interesses capitalistas, implicando
ainda outros direitos, como o acesso à água, à madeira, às árvores e demais recursos
ligados à terra e essenciais à reprodução social dos indivíduos envolvidos (v. Pitcher
2001).

A lei 19/97 de 1 de Outubro, commumente designada por “lei da terra”, é uma


expressão forte do compromisso a que a Frelimo e o governo moçambicano tiveram de
chegar para acomodar influências e interesses em contenda. Ainda demasiado fracas e
32

ocupadas com a consolidação dos ganhos obtidos nos sectores industrial e comercial,
as forças burguesas no interior da Frelimo aceitaram o compromisso que tinha como
elemento fundamental, e principal obstáculo aos seus interesses fundiários, a
preservação da propriedade pública pela inclusão de normas ligadas ao direito
consuetudinário e tradicional (Negrão 2003: 253).

Ao mesmo tempo que protege os camponeses que exploram a terra, atribui amplas
garantias e possibilidades efectivas a todos os interessados na sua exploração
comercial. Como princípio geral (art.º 3º), a terra é propriedade do Estado, não
podendo ser vendida ou, por qualquer outra forma, alienada, hipotecada e penhorada.
O direito de uso e aproveitamento da terra (art.º 12º) é adquirido por: (i) ocupação por
pessoas singulares e pelas comunidades locais, segundo as normas e práticas
costumeiras; (ii) ocupação por pessoas singulares nacionais que, de boa fé, estejam a
utilizar a terra há pelo menos dez anos; (iii) autorização de pedido solicitado por
pessoas singulares ou colectivas. Dando primazia aos interesses dos camponeses, o
artº.13º, §3º estabelece que o processo de titulação do direito de uso e aproveitamento
da terra inclui o parecer das autoridades locais, precedido de consulta às respectivas
comunidades, para efeitos de confirmação de que a área está livre e não tem
ocupantes. Em termos sociais, a Frelimo, apesar da oposição da Renamo, defensora
da privatização da terra para adequar o seu regime de propriedade à economia
capitalista em que Moçambique se passou a inserir, entendeu o que estava em causa:
a preservação da terra na posse de quem nela vive e trabalha, de forma a conter
movimentos brutais de desapropriação do campesinato que, sem opções, rumaria em
massa para as cidades (v. www.mozambique.mz/awepa/awepa19/awepa19.htm).

Trata-se de um compromisso instável e precário. Não só porque “lógicas diferentes – a


do mercado, por um lado, e a da produção de subsistência, por outro – são difíceis de
amalgamar” (Arnfred 2001: 181), mas sobretudo devido à vontade dos interesses
dominantes.
33

De facto, assim que a sua influência política e social da burguesia se enraizou na


Frelimo e, mais largamente, no aparelho de Estado moçambicano, o statu quo foi
colocado em causa.

Aliás, pode-se dizer que a lei tem estado, desde a sua aprovação, sujeita à crítica
intensa das elites e das próprias instituições do Consenso de Washington, mormente
através dos seus consultores e organizações que no terreno disseminam as teorias
neoliberais e tentam

legitimar do ponto de vista ideológico a opção pela privatização. Como salienta Mejia,
“a estratégia de desenvolvimento da agricultura baseia-se na procura de investimento
estrangeiro na agricultura intensiva para exportação” (1997: 3), entendendo as elites e
o poder político que tal só é possível desde que a propriedade privada da terra seja
restabelecida. Ora, é de referir que a privatização da terra jamais foi um problema para
o grande capital genuinamente

interessado na exploração agrária produtiva. Grupos empresariais, como o Entreposto


eFS,4 e empresas como a Madal (Pritcher 2001: 153), nunca tiveram problemas em
explorar e extrair mais-valias da terra pelo facto de ela não lhes pertencer
juridicamente, mesmo durante o período nacional-popular. Em suma, tal como
aconteceu com as empresas estatais,

estabelece-se uma conexão entre privatização e desenvolvimento. Observando a crise


em que mergulharam as empresas privatizadas, nada permite augurar que a situação
agrícola em Moçambique melhore com a transformação da terra em mercadoria. Como
justamente referiu Marcelino dos Santos, antigo ministro de Samora Machel e figura
destacada da história da Frelimo, em entrevista ao autor, os nossos ministros olham
para as privatizações como a coisa mais bela que o paraíso jamais fecundou. Porquê?
Para imporem as imposições do Fundo Monetário Internacional não é preciso cobri-las
com papel dourado. Quando as dificuldades caíram sobre os trabalhadores tivemos
muitas dificuldades em lhes explicar. Porque nós já tínhamos dito que era uma coisa
bela.
34

É num quadro político marcado pela hegemonia política e social da Frelimo que a
pequena elite local em Manjacaze organiza a sua rede de influências e defende os
seus interesses. Como modus operandis, ela elegeu as estratégias engendradas pela
grande elite na capital. Entre ambas existem relações clientelares. A pequena elite
actua de modo concertado com os seus patronos, normalmente posicionados em
cargos políticos de nível provincial ou nacional, defendendo os interesses destes ao
mesmo tempo que manobra para defender os seus. Para além da acumulação de
recursos patrimoniais, fundiários e outros, a pequena elite tenta também, explorando as
contradições e os conflitos existentes no seio da grande elite, negociar a sua posição
na estrutura social desta camada. Durante a liderança machelista, a margem de
manobra era mais reduzida. Além disso, a escassez de recursos financeiros e a guerra
concorriam para conter as ambições patrimoniais e económicas da elite local. Acabada
a guerra e implementada a ruptura política e económica com o projecto socialista, o
discurso neoliberal funciona como um mecanismo legitimador da acumulação privada
de capital e propriedade. Num distrito rural carenciado de infra-estruturas favoráveis ao
invComo salientou há já quarenta anos Moussa (1966: 75), escasseando outras
alternativas para a subsistência e a produção de riqueza, o solo adquire uma
importância económica da maior grandeza.

Para as elites, o grande escolho na lei reside no facto dela não lhes permitir a posse
privada da terra, de modo a que a possam usar como uma mercadoria negociável,
alienando-a ou participando, de forma dependente, nos eventuais investimentos
produtivos que o capital internacional venha a fazer no domínio agrícola em
Moçambique. Naturalmente, na mira estão as terras com aptidão agrícola, florestal ou
cinegética, ou, num quadro bem diferente, as localizadas próximas das grandes
cidades e, como tal, susceptíveis de serem alocadas para fins especulativos,
nomeadamente ligados ao imobiliário ou a outras actividades de rápida valorização. A
terra constitui-se, pois, numa renda potencial, negociável junto de investidores
estrangeiros, em função das suas aptidões e recursos, a juntar a outras de onde já
extraem rendimentos relevantes (v. F. B. Ribeiro 2005b). Ao contrário do que
aconteceu com a privatização do sector empresarial do Estado, em que se evocava
35

como sendo do interesse de Moçambique a formação de uma burguesia nacional,


neste caso o argumentário neoliberal em defesa da mercantilização da terra esgrime
com a defesa dos camponeses pobres, considerando que serão estes os principais
beneficiários desse processo. Com desfaçatez, é amiúde referido que a privatização
contribuirá para a democratização do acesso à terra, nada se dizendo, por exemplo,
sobre a democratização das relações de produção na indústria ou nos serviços. Ora, é
manifesto, como reconhecem os próprios camponeses, que desde a independência o
acesso à terra está efectivamente garantido, não só juridicamente como de facto.
Implicando relações de posse e uso muito densas, reguladas pelos direitos
costumeiros, eles sabem e sentem-na como sendo deles; falam dos seus cajueiros
como sendo efectivamente os seus cajueiros. No norte do país, na província de
Nampula, Vijfhuizen et al. (2003: 10) constataram igualmente a configuração complexa
que assume a posse e uso da terra, com a existência de diversos padrões que
asseguram sempre a transmissão por via hereditária. Neste quadro sócio-político,
todos os envolvidos, incluindo as mulheres, sobre as quais incidem discriminações dos
mais variados tipos, gozam de uma razoável segurança no acesso e posse da terra.5 O
acesso à terra por parte das famílias camponesas, efectivamente garantida desde a
independência, começa agora a romper-se, com a violação grosseira da lei em
vigor.interessados nela para fazer exploração pecuária, florestal e plantações
ordenadas de cajueiros. Ou visam detê-la, simplesmente, aguardando uma eventual
privatização. Nesta “corrida” à terra, marcada por rivalidades e conflitos entre os
diversos actores sociais envolvidos, destacam-se os homens mais influentes da
vereação do município e antigos governador de província e administrador de distrito. As
tensões entre eles fazem-se sentir.

Localmente, é bem conhecida, por exemplo, a disputa que opôs um antigo governador
de Gaza ao primeiro administrador do distrito pós-independência em torno de terras
para criação de gado, que terminou com a vitória deste. A acumulação de facto de
propriedade fundiária é levada a cabo com o recato possível, de forma a colocar os
envolvidos ao abrigo da concorrência ou da censura de outros actores sociais bem
colocados na estrutura políticoadministrativa do Estado. Estes, perante as denúncias
36

da população e a pressão social e política promovida pela imprensa e pelos partidos da


oposição, vêm-se constrangidos a intervir de modo a não fragilizar os apoios sociais e
eleitorais da Frelimo. Para além de tornar visíveis as profundas contradições que
trespassam a sociedade moçambicana, estes aspectos deixam antever a existência de
posições críticas. Muito circunscritas e frágeis, constituem um capital de influência que,
a prazo, poderá contribuir para mudanças sociais e políticas de cunho emancipatório.

Este processo de “acumulação” de terras acarreta problemas do ponto de vista social.


Se em zonas de baixa densidade demográfica, como é regra na província de Gaza, o
impacto deste processo na ocupação do solo não se coloca, nos territórios onde a
pressão demográfica é relevante o cenário é bem diferente. Nestas circunstâncias, a
exploração da terra pode não ser compatível com a presença humana. É o caso da
criação de gado bovino em regimeextensivo que pode exigir, em ecossistemas deste
tipo, mais de 4 ha por cabeça e áreas por exploração superiores a 1.000 ha.
Explorando a sua facilidade de acesso a recursos públicos e dos doadores e, por outro
lado, as relações de dependência clientelar que estabelecem com os funcionários
locais e nacionais das organizações internacionais, é possível alocar força de trabalho
paga pelo programa “comida pelo trabalho” do Programa Mundial da Alimentação para
a realização de tarefas como a desmatagem e a vedação de terrenos. Na posse real
da terra, beneficiando da expectativa das populações locais que, apesar de afastadas,
esperam tirar algum proveito por via da criação de emprego, resta

Artigo 1

(Propriedade da terra)

1. Nos termos da Constituição a terra na República de Moçambique é propriedade


do Estado que determina as condições do seu uso e aproveitamento;
37

2. Na República de Moçambique a terra não pode ser vendida ou por qualquer


outra forma alienada, nem arrendada, hipotecad ou penhorada;

3. O trabalho da terra como meio universal de criação da riqueza e bem-estar


social é direito de todo o Povo moçambicano;

4. O direito de uso e aproveitamento da terra é regido pela presente lei e os seus


regulamento, tendo em vista a constante melhoria das condições de vida do
povo moçambicano e a construção do Socialismo.

Quanto a propriedade da terra, quanto ao conceito importa dizer que os romanos


não definiram o direito de propriedade. A partir da Idade Média é que os juristas, de
textos que não se referiam à propriedade, procuraram extrair-lhe o conceito. Assim,
com base num rescrito de Constantino (C. IV, 35, 21), relativo`a gestão, definiram o
propriétário como “suae rei moderator et arbiter”(regente e árbitro de sua coisa); de
fragmento do Digesto sobre o possuidor de boa fé, deduziram que a propriedade seria
o ius utendi et abutendi re sua (direito de usar e de abusar de sua coisa), e de outra lei
do Digesto, em que se deine a liberdade, resultou a aplicação desse conceito à
propriedade que, então, seria a naturalis in re facultas eius quod cuique facere libet,
nisi si quid aut ui iure prohibetur”( faculdade natural de se fazer o que se quiser sobre a
coisa, exceto aquilo que é vedado pela força ou pelo direito).

Ainda hoje, os juristas se defrontam com problema da conceitualização do direito de


propriedade. Ele reside, com relação ao direito vigente em cada país, na dificuldade de
se resumirem, numa definição, os múltiplos poderes do proprietário. Quanto ao direito
romano, a questão se torna ainda mais complexa em face das alterações por que
passou a estrutura desse direito ao longo de uma evolução de mais de uma dezena de
séculos. Para que se possa avaliar a intensidade dessas modificações, basta atentar
para o facto de que, em épocas relativamente próximas, o conteúdo do direito de
38

propriedade se reduz ou se alarga em face, não só do regime político, mas como


também das exigências econômico-sociais.

Em vista disso, as definições que tem sido propostas pelos mais notáveis romanistas
pecam, sempre, sempre, por incompletas. Mesmo o conceito formulado por Bonfante- e
muito difundido principalmente pela literatura italiana-, segundo o qual a propriedade “é
a senhoria mais geral sobre a coisa, seja em acto, seja pelo menos em potência”reflete
como salienta Volterra a concepção que o autor tinha da propriedade romana
primitiva( soberania do pater familias sobre a coisa), mas não se aplica exactamente à
propriedade como se apresenta nos direitos clássico e pós-clássico.

O que distingue o direito de propriedade dos outros direitos reais (os iura in re aliena) é
a circunstância- como acentua Carlo longo – de ser ele o direito real de conteúdo mais
amplo, e único autônomo.

Hipoteca

O conteúdo do penhor ou da hipoteca são as faculdades que esses direitos dão ao seu
titular, a saber:

A) O ius possidenti (direito à posse) com relação à coisa (no penhor, desde o
instante de sua constituição; na hipoteca, a partir do momento que débito não é
pago);

B) Entrando o credor na posse da coisa, o direito de perceber os frutos produzidos


por ela, compensando com o seu valor, em primeiro lugar, os juros do débito, e,
depois, o próprio capital, e isso a menos que tenha sido celebrado entre o credor
e o devedor um pacto- denominado antichresis (anticrese)-, pelo qual o credor
39

percebe os frutos da coisa a título, apenas, de pagamento de juros; por outro


lado, note-se que o penhor ou a hipoteca, sendo direitos que visam a garantir o
pagamento de um credito, não atribuem ao seu titular na posse da coisa do
devedor a faculdade de usar dela, e se o credor o fizer, incorrerá no delito de
furto do uso;

C) Se a divida não fosse paga, o credor, o credor pignoraticio ou hipotecário, a


principio não tinha o direito de ficar com a coisa dada em garantia, nem de
vendê-la, a fim de pagar-se; para isso, era preciso que, quando a da constituição
do penhor ou da hipoteca, houvesse um pacto entre o credor e devedor dando
àquele uma dessas duas faculdades (pactum de distrahendo pignore, para
poder vender a coisa, sem qualquer formalidade, pagando-se com o produto da
venda e restituindo o restante, se houver, ao credor, e lex commissoria, para
poder ficar, a título de pagamento, com a coisa dada em garantia); já no direito
clássico, porém, se admitia que a faculdade de vender a coisa- ius distrhendi-
fosse elemento naturaldo penhor ou da hipoteca, existindo, assim para o credor
ter o direito de ficar com a coisa para ele era necessária a existência desse
pacto, mas o imperador Constantino,no principio do período pós- classico,
proibiu a lex commissoria, permanecendo valido, no entanto, o pacto pelo qual o
credor, não pago, depois de certo espaço de tempo, podia tornar-se propriedade
da coisa a título de compra e venda, estimado o justo preço da coisa; e

Fundo Estal de Terra

Na República de Moçambique, toda a terra constitui o Fundo Estatal de Terras

O conjunto de todas as terras fazem parte de um fundo, ou seja o Estado deve ter o
conhecimento da porção que possui, como ela está dividida, informações sobre tipo de
terra. Quais as potenciais actividades que podem ser desenvolvidas.
40

Cadastro Nacional de terras

1> O Cadastro Nacional de Terras compreende a totalidade dos dados necessários,


nomeadamente para:

a) Conhecer a situação económico-juridica das terras;

b) Conhecer os tipos de ocupação, uso e aproveitamento, bem como a


avaliação da fertilidade dos solos, manchas florestais, reservas hídricas, de
fauna e de flora, zonas de exploração mineira e de aproveitamento turístico;

c) Organizar eficazmente a utilização da terra, sua protecção e conservação;

d) Determinar as regiões próprias para produções especializadas.

2. O cadastro Nacional de Terras procede `a qualificação económica dos


dados a planificação e distribuição dos recursos do país.

O Cadastro Nacional de Terras é um instrumento fundamental para auxiliar no


processo de regularização das terras, rurais e urbanas de propriedades e posses
rurais. Consiste no levantamento de informações georreferenciadas da terral, com
delimitação das Áreas de Proteção Total Parcial,, Reserva Legal remanescentes de
vegetação nativa, área rural consolidada, áreas de interesse social e de utilidade
pública, com o objetivo de traçar um mapa digital a partir do qual são calculados os
valores das áreas para diagnóstico.
ferramenta importante para auxiliar no planejamento da distribuição de terras, com
vista a mitigação de conflitos.

Dominio Público

Existe o conceito de Área protegida é um espaço geográfico claramente definido,


reconhecido, dedicado e gerido, através de meios legais ou outros igualmente
eficientes, com o fim de obter a conservação ao longo do tempo da natureza com os
serviços associados ao ecossistema e os valores cultura.
41

Esta definição foi expressa pela primeira vez no workshop sobre Categorias do 4º
Congresso Mundial sobre Parques Nacionais e Áreas Protegidas da IUCN em 1994,
sob a forma:

Uma superfície de terra e/ou mar especialmente consagrada à protecção e


manutenção da diversidade biológica, assim como dos recursos naturais e
património cultural associados, e gerida através de meios jurídicos, ou outros
meios eficazes.

A definição engloba o universo das áreas protegidas, nela se enquadrando todas as


suas categorias.

Ao aplicar o sistema de categorias a um determinado local, o primeiro passo deverá


sempre ser o de verificar se este se enquadra nesta definição, e o segundo o de
verificar em que categoria melhor se insere.

No contexto regional africano foi criada a definição de Área de Conservação, definida


como qualquer área protegida.

Os principais objectivos na gestão de uma área protegida são:

 Investigação científica
 Protecção de zonas florestais
 Preservação das espécies e da diversidade genética
 Manutenção dos serviços ambientais
 Protecção de características naturais e culturais específicas
 Turismo e recreação
 Educação
 Utilização sustentável dos recursos derivados de ecossistemas naturais
 Manutenção dos atributos culturais tradicionais

São de domínio público as zonas de protecção total e parcial

Segundo a lei de terras de Moçambique no seu artigo 7 consideram-se zonas de


protecção total as áreas destinadas a actividade de conservação ou preservação da
natureza e de defesa e segurança do Estado.
O artigo 8 da lei de terras de Moçambique, elenca as zonas de protecção parcial:
a) O leito das águas interiores, do mar territorial e da zona económica exclusiva;
b) A plataforma continental;
42

c) A faixa de orla marítima e no contorno de ilhas, baías e estuários, medida da


linha das máximas preia-mares até 100 metros para o interior do território;
d) A faixa de terreno até 100 metros confinante com as nascentes de água;
e) A faixa de terreno no contorno de barragens e albufeiras até 250 metros;
f) Os terrenos ocupados pelas linhas férreas de interesse público e pelas
respectivas estações, com uma faixa confinante de 50 metros de cada lado do
eixo da via;
g) Os terrenos ocupados pelas auto-estradas de quatro faixas, instalações e
condutores aéres, superficiais, subterrâneos e submarinos de electricidade, de
telecomunicações, petróleo, gás e água, com uma faixa confinante de 50 metros
de cada lado, bem como os terrenos ocupados pelas estradas, com faixa
confinante de 30 metros para as estradas primárias e de 15 metros para as
estradas secundárias e terciárias;
h) A faixa de dois quilometros ao longo da fronteira terrestre;
i) Os terrenos ocupados por aeroportos ao longo da fronteira terrestre;
j) A faixa de terreno de 100 metros confinante com instalações militares e outras
instalações de defesa e segurança do Estado;

A lei de terras no artigo 9 clarifica que nas zonas de protecção total e parcial não
podem ser adquiridos direitos de uso e aproveitamento da terra, podendo, no
entanto, ser emitidas licenças especiais para o exercício de actividades
determinadas.

O regulamento da lei de terras aprovado pelo decreto 66/98 de 8 de Dezembro no seu


artigo 4 afirma que o regime aplicável às áreas destinadas a actividade de conservação
ou preservação da natureza e de defesa e segurança do Estado será definido em
regulamento próprio,
O artigo 5 do referido regulamento determina quais as zonas de protecção parcial:
A) A faixa de terreno que orla as águas fliviais e lacustres navegáveis até 50 metros
medidos a partir da linha máxima de tais águas;
B) A Faixa de terreno até 100 metros confinante com as nescentes de água;
C) A faixa da orla marítima e no controno de ilhas, baías e estuários, medida da
linha das máximas preia-mares até 100 metros para o interior do território;
D) A faixa de terra no contorno de barragens e albufeiras até 250 metros;
E) A faixa de dois quilometros ao longo da fronteira terrestre;

Direito de Uso e Aproveitamento de terra


43

Como já foi referenciado a terra em Moçambique é propriedade do Estado,


ela não pode ser vendida, hipotecada nem de outra forma alienada.

O DUAT é o direito que as pessoas singulares ou colectivas adquirem sobre


a terra, é um direito real menor, na medida que a propriedade pertence ao Estado e
e este não prescindi dela.

Segundo o artigo 1302 do código civil o proprietário goza de modo exclusivo


dos direitos de uso, fruição disposição das coisas que lhe pertence dentro dos
limites estabelecidos pela lei.

Sujeitos de uso e aproveitamento da terra

Sujeitos nacionais artigo 10 da lei de terras

1. Podem ser sujeitos de uso e aproveitamento da terra as pessoas


nacionais, colectivas e singulares, homens e mulheres, bem como as
comunidades locais.

2. As pessoas singulares ou colectivas nacionais podem obter o direito de


uso e aproveitamento da terra, individualmente ou em conjunto com
outras pessoas singulares ou colectivas, sob a forma de co-titularidade.

3. O direito de uso e aproveitamento da terra das comunidades locais


obedece aos princípios de co-titularidade,, para todos os efeitos desta eli.

Sujeitos estrangeiros

Foi importante fazer-se referência ao estrangueiros pois importa lembrar


que está lei surgiu num momento em que Moçambique pretendia atrair o
investimento estrangueiro para a agricultura e fala-se muito da vinda dos
farmeiros sul africanos, projecto que fracassou justamente pelo facto da
44

terra não servir de garantia em caso de créditos bancários, juntos das


instituições, bancarias

O artigo 11 da lei determina que as pessoas singulares ou colectivas


estrangeiras podem ser sujeitas do direito de uso e aproveitamento da
terra, desde que tenham projecto de investimento devidamente aprovado
e observem as seguintes condições:

a) Sendo pessoas singulares, desde que residam há pelo menos cinco


anos na República de Moçambique;

b) Sendo pessoas colectivas, desde que estejam constituídas ou


registadas na República de Moçambique

Aquisição do DUAT

De acordo com o artigo 12 da lei de terras o direito de uso e aproveitamento


da terra é aduirido por:

a) Ocupação por pessoas singulares e pelas comunidade locais, segundo as


normas e práticas costumeiras no que não contrariem a constituição; a
figura de comunidades locais foi uma inovação desta lei, pois a anterior
ignorava a existência de pessoas que usavam a terra segundo prática
costumeiras, facto que originava enormes conflitos, a necessidade de tais
praticas não violarem a constituição tem que estar explicita, pois em
Moçambique existem muitas práticas usos e costumes que são
descriminatórias principalemente para com as mulheres;

Conjugando com o artigo 9 do regulamento da lei de terra, As


comunidades locais que estejam a ocupar a terra segundo as práticas
costumeiras adquirem o direito de uso e aproveitamento da terra;
exceptuam-se os casos em que a ocupação recia sobre áreas reservadas
45

legalmente para qualquer fim ou seja exercida nas zonas de protecção


parcial.

Quando necessário ou a pedido das comunidades locais, as áreas onde


recaia o direito de uso e aproveitamento da terra adquirido por ocupação
segundo as práticas costumeiras, poderão ser identificadas e lançadas no
cadastro Nacional de Terras de acordo com os requisitos a serem
definidos num anexo técnico.

Segundo o documento produzido pela ORAM que foi apresentado na


Reunião Nacional Sobre Delimitação de Terras Comunitárias realizada
em Março de 2010, “ Com a entrada em vigor da lei de terras, a lei n
19/97, de 1 de Outubro, as comunidades locais passaram a ser tratadas
como entidades jurídicas a quem lhes foi reconhecido o direito
“natural”que elas tem sobre as terras comunitárias. Com efeito, sendo a
comunidade local um dado sociologico anterior ao surgimento do Estado,
era lógico que a elas lhe fosse reconhecido o direito que elas ocupam
enquanto um aglomerado de pessoas que, de forma homogênea,
apresentam interesses comuns sobre a respectiva terra comunitária.

É assim que a Lei de terras determina que as comunidades locais


adquirem o direito de uso e aproveitamento da terra (DUAT) por
ocupação. O significado jurídico da aquisição do DUAT por ocupação é
que a atribuição deste direito às comunidades é feita directamente por lei
e não por via de intermediação de nenhum acto administrativo a praticar
pela Administração Pública.

Portanto, com a aprovação da Lei de Terras em 1997, as comunidades


adquiriram automaticamente e por via legislativa o DUAT, ou seja, e
dseguindo de perto o pensamento do Professor José de Oliveira
Ascensão, o DUAT das comunidades locais sobre a terra é uma posição
jurídica absoluta, na medida em que ela independemente de qualquer
46

relação jurídica; resultando tal posição de simples aplicação directa da lei


aos pressupostos de facto nela fixados com a consequente combinação
legal de reconhecimento do DUAT comunitário.

Com objectivo fundamental de evitar conflitos de terra e de facilitar a


própria administração da terra, bem como o desenvolvimento local, a lei
criou a figura de Delimitação de Äreas Comunitárias, que culmina com a
emissão e o registo do título do DUAT das Comunidades locais.
Juridicamente, a Delimitação das Áreas Comunitárias é um processo
declarativo de um direito já existente. Por outras palavras, quando a
Administração Pública delimita uma área comunitária não está a atribuir
nenhum direito `a comunidade local, pois este direito já foi atribuído por
lei.

Limita-se a administração a declarar para todos os efeitos jurídicos a


existência de um DUAT sobre uma determinada área, ou conforme
escreve Maria da Conceição Quadros, “O despacho do Governador não é
de autorização, mas apenas de reconhecimento do direito, já que este é
adquirido por efeito de ocupação.”

O documento afirma ainda que no entender da ORAM, a alteração feita


no artigo 35 do Regulamento da Lei de Terras,(artigo 35 Processo relativo
ao direito de uso e aproveitamento da terra adquirido por ocupação pelas
comunidades locais), bem como a circular n 009/DNTF/09, de 16 de
Outubro de 2007, restringem o direito comunitário atribuido por acto
normativo de valor superior, violando desse modo o princípio da
hierarquia das leis. Com efeito a exigência de que as comunidades locais
devem passar a requerer a delimitação das áreas comunitárias, instruindo
o seu pedido acompanhado de um “documento contendo os objectivos
para os quais as comunidades locais pretendem com tais áreas”é
manifestamente ilegal, na medida é que os objectivos, para que existe
uma comunidade local já se encontram estabelecidos pela Lei de Terras,
47

no artigo 1”a comunidade local... visa a salvaguarda dos interesses


comuns através da protecção da áreas habitacionais, áreas agrícolas,
sejam cultivadas ou em pousio, florestas, sítios de importância cultural,
pastagens, fontes de água e áreas de expansão.”

Por isso, a lei já fixou os objectivos visados pela comunidade local e a


delimitação da terra comunitária não pode exigir a existência de um
documento que indique os objectivos da comunidade, pois ela não pode
ter outros senão os definidos por lei.E mais a sujeição do processo de
delimitação das áreas comunitárias ao formalismo processual semelhante
ao da autorização, quanto à matéria de competências, em resultado da
alinea d do artigo 35 do Regulamento da Lei de Terras, em função
extensão das áreas onera e torna mais dificil o exercício do direto de
delimitação das terras comunitárias. Na verdade, dizer que a comunidade
local deve apresentar documento contendo objectivos, está-se a exigir um
plano de exploração da terra comunitária e dai pode iferir-se que se a
comunidade não cumprir tal plano corre o risco de perder a terra
comunitária. E isso é um consenso.

O procedimento da delimitação das terras comunitárias é um mecanismo


criado para fortalecer a segurança jurídica das referidas terras, bem como
facilitar o formalismo processual de titulação delas. Com a revisão do
artigo 35 da Lei de Terras, ao qual se acrescentou a alinea d., passou a
ser mais difícil às comunidades locais procederem ao reconhecimento
das áreas comunitárias. Em termos práticos, passou-se a dizer que na
maioria dos casos, o pedido de delimitação da terra comunitária de uma
comunidade no interior do país deve passar a ser decidido pelo Conselho
de Ministros, sabido quão carregada é a agenda deste órgão governativo.
48

b) Ocupação por pessoas singulares nacionais que, de boa fé, estejam a


utilizar a terra há pelo menos dez anos, também foi uma
inovação;analisando o artigo 10 do regulamento da lei de terras, vimos
que as pessoas singulares nacionais que, de boa-fé, estejam a utilizar a
terra há pelo menos dez anos, adquirem o direito de uso e
aproveitamento da terra.

Exceptuam-se os casos em que a ocupação recaia sobre áreas


reservadas legalmente para qualquer fim ou seja exercida nas zonas de
protecção parcial.

Quando necessário ou a pedido dos interessados, as áreas onde recaia o


direito de uso e aproveitamento da terra aquirido por ocupação de boa fé,
poderão ser identificadas e lançadas no cadastro nacional de terras, de
acordo com os requisitos a serem definidos num anexo técnico.

c) Autorização do pedido apresentado por pessoas singulares ou colectivas


na forma estabelecida na presente lei.

Titulação

Tem que haver um documento que evidencia a existência de um DUAT , o


titular tem que usar cuidar e dispor do direitopois o direito tem que ser oponivel a
terceiros

O artigo 13 de lei de terras prescreve os termos da titulação

1. O Titulo será emitido pelos Serviços Públicos de Cadastro, gerais ou


urbanos.

2. A ausência de titulo não prejudica o direito de uso e aproveitamento da


terra adquirido por ocupação;
49

3. O processo de titulação do direito de uso e aproveitamento da terra inclui


o parecer das autoridades administrativas locais, precedido de consulta
às comunidades, para efeitos de confirmação de que a área está livre e
não tem ocupantes

4. Os titulos emitidos para as comunidades locais são nominativos,


conforme a denominação por elas adoptada.

5. As pessoas singulares, homens e mulheres, membros de uma


comunidade local podem solicitar títulos individualizados, após
desmembramento do respectivo terreno das áreas da comunidade.

O regulamento da lei de terras no seu artigo 12 fala da co-titularidade do


direito de uso e aproveitamento da terra que se aplicam as regras da
compropriedade.

O artigo 13 do mesmo regulamento fala dos direitos dos titulares

São direitos dos titiulares do direito de uso e aproveitamento da terra, seja


adquirido por ocupação, eja por autorização de um pedido:

a) Defender-se contra qualquer intrusão de uma segunda parte, nos


termos da lei;

b) Ter acesso à sua parcela e aos recursos hídricos de uso público


através das parcelas vizinhas, constituindo para o efeito as
necessárias servidões.
50

Os requerentes ou titulares do direito de uso e aproveitamento da terra


podem apresentar certidão da autorização provisória ou título às
instituições de credito, no contexto de pedidos de emprestimos.

É importante não que não se confundam as coisas essa apresentação


do titulo ao banco não significa hipoteca, mas meio de confirmação
sobre a legitimidade do requerente do credito

Registo

O artigo 14 da lei de terras de Moçambique determina que a constituição, modificação,


transmissão e extinção do direito de uso e aproveitamento da terra estão sujeitas a
registo.

O artigo 20 do Regulamento da lei de terras no seu número1 fala dos registo feito pelos
serviços de cadastro

a) Das informações relativas `a identificação das terras onde recaia o direito de uso
e aproveitamento da terra adquirido por ocupação pelas comunidades locais ou
por pessoas singulares nacionais;

b) Da autorização provisória;

c) Da revogação da autorização provisória;

d) Do título;

e) Das servidões que se refere o artigo 17 do presente regulamento( servidões de


interesse público);

f) Do valor das taxas devidas e de quaisquer alterações;


51

2. Os titulares do direito de uso e aproveitamento da terra devem solicitar aos


Serviços de Cadastro que procedam ao registo:

a) Da compra e venda e oneração de infra-estrutura, construções e benfeitorias


existentes em prédios rústicos;

b) Da compra e venda e oneração de prédios urbanos;

c) Das servidões a que se referem os artigos 13 e 14 do presente regulamento;

d) Dos contratos de cessão de exploração celebrados para a exploração parcial


e total de prédios rústicos ou urbanos;

e) Dos restantes factos previstos na legislação aplicável.

3. O pedido de registo deve ser apresentado no prazo máximo de um ano após


a data em que ocorreu o acto sujeito a registo.

4. No caso de transmissão por herança do direito de uso e aproveitamento


adquirido através de pedido de emissão de um título, devem os herdeiros do(a)
falecido(a), munidos de documentos comprovativo da sua qualidade, solicitar
aos Serviços de Cadastro o registo, no prazo de umm ano após a respectiva
habilitação ou sentença judicial.

5. A apresentação do pedido de registo fora dos prazos referidos nos ns 3 e 4 do


presente artigo implicará o pagamento de multa, nos termos fixados no presente
Regulamento.

Registo uma forma de fazer persistir determinada informação durante um período de t


O registo predial destina-se essencialmente a dar publicidade á situação jurídica dos
prédios, tendo em vista a segurança do comércio jurídico imobiliário.” È assim que o
CRP consagra, no seu artigo 1º, a principal finalidade desta componente específica e
52

particular do Direito Registral, e que muita controvérsia tem levantado entre posições
jurisprudenciais e doutrinais. O Direito Registral Predial apresenta-se desde muito cedo
como uma necessidade das sociedades organizadas, sendo que encontramos no
Antigo Egipto, na Grécia Antiga e na Civilização Romana resquícios de tentativas de
organizar as transmissões, permitir a cobrança de impostos sobre as mesmas e
mesmo proibir a proliferação da dupla venda e das fraudes (Cfr. J.A Mouteira
Guerreiro, in Noções de Direito Registral Predial e Comercial), o que desmistifica a
ideia, já caída em desuso, de que o Direito Registral é um mero acessório, que carece
de autonomia e funciona como simples instrumento ao Direito subjectivo, aos Direito
reais no caso específico do Direito Registral Predial. Se pensarmos que ele contende e
regula situações jurídicas tão relevantes como transmissões de propriedade,
aquisições através da usucapião, registo de hipotecas e de servidões facilmente se
tempo.

Prova

artigo 15 da Lei de Terras

A comprovação do direito de uso e aproveitamento da terra pode ser feita mediante:

a) Apresentação do respectivo título;

b) Prova testemunhal apresentada por membros, homens e mulheres, das


comunidades locais;

c) Peritagem e outros meios permitidos por lei

Os Drs. Antunes Varela e Henrique Mesquita pronunciaram-se sobre esta questão ao


defenderem que “ terceiros para efeitos de registo, relativamente a

determinada aquisição não registada, são não apenas aqueles que adquiriram (e

registaram) direitos incompatíveis do mesmo transmitente, mediante negócio que com


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ele celebrem, mas também aqueles que adquira (e registem) direitos incompatíveis em

relação ao mesmo transmitente, sem a cooperação da vontade deste, através de um


acto

Lei de terras em vigor

Esta lei começou por determinar o conceito operacional das palavras principais da lei,
que são as seguintes:
1. Comunidade local: agrupamento de famílias e individuos, vivendo numa
circunscrição territorial de nível de localidade ou inferior, que visa a salvaguarda
de interesses comuns através da protecção de áreas habitacionais, áreas
agrícolas, sejam cultivadas ou em pousio, florestas, sítios de importância cultural,
pastagens, fontes de água e áreas de expansão;
2. Direito de uso e aproveitamento da terra: direito que as pessoas singulares ou
colectivas e as comunidades locais adquirem sobre a terra, com as exigências e
limitações da presente lei;
3. Domínio público: áreas destinadas à satisfação do interesse público;
4. Exploração familiar: actividade de exploração da terra visando responder às
necessidades do agregado familiar, utilizando predominantemente a capacidade
do trabalho do mesmo;
5. Licença especial: documento que autoriza a realização de quaisquer actividades
económicas nas zonas de protecção total ou parcial;
6. Mapa de uso da terra: carta que mostra toda a ocupação da terra, incluindo a
localização da actividade humana e os recursos naturais existentes numa
determinada área.
7. Ocupação: forma de aquisição do direito de uso e aproveitamento da terra por
pessoas singulares nacionais que, de boa fé, estejam a utlizar a terra há pelo
menos dez anos, ou pelas comunidade locais.
8. Pessoa colectiva nacional: qualquer sociedade ou instituição constituída e
registada nos termos da legislação moçambicana, com sede na República de
54

Moçambique, cujo capital social pertença, pelo menos em cinquenta por cento, a
cidadãos nacionais, sociedades ou instituições moçambicanas, privadas ou
públicas.
9. Pessoa colectiva estrangeira: qualquer sociedade ou instituição constituída nos
termos de legislação moçambicana ou estrangeira, cujo capital social seja detido
em mais de cinquenta por cento por cidadãos,sociedades ou instituições
estrangeira.
10. Pessoa singular nacional: qualquer cidadão de nacionalidade moçambicana.
11. Pessoa singular estrangeira: qualquer pessoa cuja nacionalidade não seja
moçambicana.
12. Plano de exploração: documento apresentado pelo requerente do pedido de uso e
aproveitamento da terra, descrevendo o conjunto de actividades, trabalhos e
construções que se compromete a realizar, de acordo com um determinado
calendário.
13. Plano de uso da terra: documento aprovado pelo Conselho de Ministros, que visa
fornecer, de modo integrado, orientações para o desenvolvimento geral e sectorial
de determinada área geografica.
14. Plano de urbanização: documento que estabelece a organização de perimetros
urbanos, sua concepção e forma’parametros de ocupação, destino das
construções, valores patrimónias a proteger, locais destinados à instalação de
equipamento, espaços livres e o traço esquemático da rede viária e das infra-
estruturas principais.
15. Propriedade da terra: direito exclusivo do Estado, consagrado na Constituição,
integrando, para além de todos os direitos do proprietário, a faculdade de
determinar as condições do seu uso e aproveitamento por pessoas singulares ou
colectivas.
16. Requerente: pessoa singular ou colectiva que solicita, por escrito, autorização para
o uso e aproveitamento da terra ao abrigo da presente Lei.
17. Titular: pessoa singular ou colectiva que ten o direito de uso e aproveitamento da
terra ao abrigo duma autorização ou através de ocupação.
55

18. Titulo: documento emitido pelos Serviços Públicos de Cadastro, gerais ou urbanos,
comprovativo do direito de uso e aproveitamento da terra.
19. Zona de protecção da natureza: bem de domínio público, destnado `a conservação
ou preservação de certas espécies animais ou vegetais, da biodiversidade, de
monumentos históricos, paisag;isticos e naturais, em regime de maneio
preferencialmente com a participação das comunidades locais, determinado em
legislação especifica.

Parte II

A terra em Moçambique

A propriedade da terra

O acesso a terra é feita nos termos da lei n° 19/97 de 1 de Outubro lei que revoga a
lei n° 6/79 de 3 de Julho, a actual lei a 19/97 foi elaborada de modo a adequar o
acesso a terra à nova conjutura economica e social de modo a garantir o seu uso.

Artigo 3 da lei de terras


“A terra é propriedade do Estado e não pode ser vendida ou, por qualquer outra
forma, alienada, hipotecada ou penhorada.

Venda
Inalienabilidade
A primeira consequência que decorre do principio de que a terra é propriedade do
Estado é que não pode ser vendida. Esta proibição é absoluta, isto é , tanto os
cidadãos como o Estado não podem vender a terra. Por isso, a terra é um bem
inalienável
A terra não pode ser vendida, arrendada, hipotecada ou penhorada. Estas onerações
são admissiveis em países em que vigora o regime da propriedade privada da terra
tais como Portugal, Brasil, Ëstados Unidos de América etc.
56

Hipoteca consiste em dar a terra como garantia do pagamento de uma dívida


Nocaso de não pagamento o credor pode fazer-se pagar pelo valor da terra.

Penhora: Consiste na apreensão de bens para com o valor dos mesmos a fim de
obter a satisfação de uma divida.

Fundo Estatal de Terras

De acordo com o artigo 4 da lei 19/97 de 1 de Outubro “Na República de Moçambique


toda terra constitui o Fundo Estatal de Terras.

A ideia do fundo segundo Quadros parte da consideração de que sendo todas as


terras pertença do Estado, é necessário organiza-las de forma que em cada momento
se possa conhecer o estado da sua utilização. É para isso que serve o fundo , para
fazer balanço da utilização das terras que constituem o territorio nacional.

O artigo 5 da lei de terras prevâ a existência do Cadastro Nacional de terras.


1. O cadastro nacional de terras compreende a totalidade dos dados necessáriios,
nomeadamente:
a) Conhecer a situação económico-jurídica das terras;
b) Conhecer os tipos de ocupação, uso e aproveitamento, bem como a avaliação
da fertilidade dos solos, manchas florestais, reservas hídricas de fauna e de
flora., zonas de exploraçào mineira e de aproveitamento turístico;
c) Organizar eficazmente a utilizaçào da terra, sua utilização da terra sua
protecção e conservação;
d) Determinar as regiões próprias para produções especializadas.
2 O Cadastro Nacional de Terras procede à qualificação económica dos dados
definidos no número anterior do presente artigo, de modo a permitir fundamentar a
planificação e a distribuição dos recursos do país.
57

O proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e


disposições das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com
observância das restrições por ela impostas
O conteúdo do direito de propriedade consiste no conjunto de poderes que o
proprietário tem sobre a coisa.

A propriedade, que é o mais amplo dos direitos reais, em geral atribui ao seu
titular, principalmente, a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa (iura, utendi,
fruendi e abutendi) a que se referem os autores desde a Idade Média.
No que diz respeito a terra, em Moçambique este direito pretence apenas ao
Estado
Contudo, o direito de propriedade não mais se reveste do caráter absoluto e
intangível, de que outrora se impregnava. Está ele sujeito, na atualidade, a
numerosas limitações, impostas pelo interesse público e privado, inclusive pelos
princípios de justiça e do bem comum.’

Importa lembrar que logo apos a independência o país optou por uma via de
desenvolvimento socialista, adoptando uma constituição inspirada na constituição
da antiga União das Repúblicas Socialista Sovieticas, facto que fez com o Estado
que nasçeu em 25 de Junho de 1975 optasse por nacionalizar grande parte das
estruturas;
No

Direito de Uso e Aproveitamento da Terra’

Tendo em conta que a terra é propriedade do Estado, o seu acesso é feito atravez
da figura do Direito de Uso e Aproveitamento da Terra que pode ter como sujeitos,
pessoas nacionais, colectivas e singulars, homens e mulheres, bem como as
comunidades locais;
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O número 2 do artigo 110 da CRM determina que o direito de uso e


aproveitamento da terra é conferido às pessoas singulares ou colectivas tendo em
conta o seu fim social ou economico.
Segundo o número 2 do artigo 10 da lei de terras “as pessoas singulares ou
colectivas nacionais podem obter o direito de uso e aproveitamento da terra,
individualmente ou em conjunto com outras pessoas singulares ou colectivas, sob
a forma de co-titularidade
Os estrangeiros também podem ser sujeitos do direito de uso e aproveitamento da
teraa nos termos do artigo 11 da lei de terras, desde que tenham projecto de
investimento devidamente aprovado e observem as seguintes condições:
-Sendo pessoas singulares, desde que residam há pelo menos cinco anos na
República de Moçambique;
-Sendo pessoas colectivas, desde que estejam constituídas ou registadas na
República de Moçambique.

Aquisição
Este direito pode ser adquirido por:
-Ocupação por pessoas singulares e pelas comunidades locais, segundo as normas
costumeiras no que não contrariem a constituição,
O legislador recolhece que existem pessoas que vivem e praticam actividades em
parcelas de terras há muito tempo e que herdaram as mesmas dos seu antepassados
segundo praticas costumeiras, mas não possuem nenhum documento escrito,
nenhum titulo, mas podem provar via testemunhal.
O legislador fez questão de frisar que estás praticas não podem contrariar a
constituição ciente de que em algumas zonas existem praticas discriminatórias em
relação ao genero ou seja existem situações em que as mulheres são preteridas
quando se trata do acesso a terra.
Este reconhecimento visa proteger estas pessoas dos provaveis oportunistas que
podem aproveitar se da falta de documento escritos para pejudicar as populações;
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-Ocupação por pessoas singulares nacionais que, de boa fé, estejam a utilizar a terra
há pelo menos dez anos
Grande parte dos cidadão não possuem nenhum documento escrito que lhes confere
a posse ou Direito do uso e aproveitamento de terras doa locais onde habitam ou
cultivam, o legislador reconheceu que não podem ser prejudicados por isso, desde
que a sua oupação não tenha sido feita por meio de esbulho;
O número 2 do regulamento da lei de terras exceptua os casos em que a ocupação
recaia sobre áreas reservadas legalmente para qualquer fim ou seja exercida nas
zonas de protecção parcial.
Autorização de pedido apresentado por pessoas singulares ou colectivas na forma
estabelecida na presente lei

Titulação
Para que o documento seja passivel de registto existe a titulação e segundo o número
1 do artigo 13 da lei de terras o mesmo será emitido pelos Serviços Públicos de
Cadastros gerais e urbanos.
É importante frisar que a ausência de titulo não prejudica o direito de uso e
aproveitamento da terra por ocupação,
O processo de titulação de direito de uso e aproveitamento da terra inclui o parecer
das autoridades administrativas locais, precedido de consulta as comunidades locais,
para efeitos de confirmação de que a área está livre e não tem ocupante.
A inclusão de consulta as comunidades locais é uma novidade na legislação de
terras, pois na anterior lei existiam casos de atribuir se DUATs centralmente sem o
conhecimento real do espaço e uma vez chegado lá, descobria se que a mesma
parcela encontrava se ocupada pelas comunidades locais ou por pessoas de boa fé;

-os titulos emitidos para as comunidades locais são nominativos, conforme a


denominação por elas adoptada. Muitas destas comunidades são o que restam das
antigas aldeias comunais, machambas estatais e cooperativas de produção e podem
adoptar os seus nomes’
60

-A lei dá a faculdade das pessoas singulares, homens e mulheres, membros de uma


comunidade local poderem solicitar títulos individualizados, após desmebramento do
respectivo terrenos das áreas da comunidade.

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