Você está na página 1de 16

Motrivivência Ano XX, Nº 31, P. 50-65 Dez.

/2008

O Ensino de Atividades Circenses


para Alunos de 5ª. Série
nas Aulas de Educação Física

Eliza Chiquetto e
Lílian Aparecida Ferreira

Resumo Abstract
O objetivo deste estudo foi analisar The aim of this study was to analyze
as possibilidades/dificuldades ao the possibilities and difficulties
se ensinar atividades circenses nas when teaching circus activities in
aulas de Educação Física. O estudo Physical Education classes. The
se orientou pelas idéias gerais da study was guided by ideas of action
pesquisa-ação. As técnicas de coleta research. The techniques were:
foram: observação participante, participant observation, question-
questionários respondidos pelos naires completed by students and a
alunos e uma entrevista semi-
semi-structured interview with the
estruturada com a professora de
Physical Education teacher of the
Educação Física da turma. Foi
class. It was possible to develop the
possível desenvolver o conteúdo
atividades circenses nas aulas, uma circus content in classes, since the
vez que o espaço físico, os materiais area, the materials for the class, the
para a aula, o envolvimento da involvement of the Physical Educa-
professora de Educação Física na tion teacher in the construction and
construção e planejamento de planning of such content, responsi-
tais conteúdos, a receptividade ao veness to the content by students,
conteúdo pelos alunos, contribuiram have contributed to the encourage-
para o favorecimento deste processo. ment of the process.

Palavras-chave: Atividades circenses; Key-words: Circus activities; Circus;


Educação Física Escolar; Alunos da School Physical Education; 5th grade
5ª. série. students.
Ano XX, n° 31, dezembro/2008 51

Introdução Tendo em conta este con-


texto, o presente estudo surgiu do
A partir da década de 1980 interesse em desenvolver um con-
os profissionais de Educação Física teúdo de ensino não tradicional nas
no Brasil questionam de forma mais aulas de Educação Física escolar: as
rigorosa a sua prática (MEDINA, atividades circenses. Tal conteúdo
1995). Muitos estudiosos (TANI et. foi escolhido por se tratar de uma
al., 1988; FREIRE, 1989; SOARES et. prática corporal rica quanto a as-
al., 1992) passam a entender que a pectos históricos, sociais, afetivos
Educação Física Escolar necessita e corporais.
sofrer modificações tanto no que diz Com tal encaminhamento,
respeito à estrutura das aulas quanto o objetivo da referida pesquisa foi
às estratégias de ensino, avaliações, analisar as possibilidades e as difi-
conteúdos e objetivos. culdades encontradas no processo
Segundo Betti (1991), em de ensino e de aprendizagem do
1964 ainda no governo militarista, conteúdo atividades circenses.
passou-se a investir no esporte, A população escolhida
como tentativa de transformar o país para a realização desta pesquisa
em uma potência esportiva. Nesta foram os alunos de uma 5a. série do
época, o esporte era o conteúdo ensino fundamental e a professora
exclusivo nas aulas. Associado a de Educação Física da turma de
este conteúdo, muitos professores uma escola pública de uma cidade
manifestavam uma postura rígida e do interior de São Paulo. Os alunos
autoritária de ensino, mais próxima da 5a. série são apontados por al-
da figura do treinador que do orienta- guns autores (DOMINGUES, 1995;
dor ou educador (BRACHT, 1997). DIAS-DA-SILVA, 1997; LUCKESI e
Pode-se dizer que este mo- FERREIRA, 2009) como aqueles que
delo esportivista se mantém até hoje enfrentam um intenso processo de
em muitas aulas de Educação Física mudança ao passarem da 4a. para a
nas escolas brasileiras. O esporte 5a. série, em função das caracterís-
ainda é mantido como conteúdo ticas peculiares de cada ciclo (ciclo
prioritário e hegemônico. Apesar de 1 – 1a. até a 4a. série e ciclo 2 – 5a.
esta perspectiva ser muito criticada até a 8a. série).
no cenário acadêmico, muitos pro- Desta forma, espera-se
fessores alegam a dificuldade de se com este trabalho: ampliar as pos-
propor um conteúdo diferente dos sibilidades de ação do professor de
jogos esportivos, sobretudo, por con- Educação Física na escola; desen-
ta da não aceitação dos alunos. volver a diversidade de conteúdos
52

nas aulas de Educação Física na afeto, sem estabelecer vínculos


perspectiva de ampliar os conheci- com a criança, é possível educá-
mentos dos alunos sobre a cultura la?” (DIAS-DA-SILVA, 1997, p.
de movimento e contribuir com 75). Essa mesma autora relata que
reflexões acerca de propostas de se identifica com as crianças nesse
ensino de conteúdos não esportivos período da passagem da 4ª. para a
na Educação Física Escolar. 5ª. série, entendendo o sofrimento
pelo qual elas passam. As crianças/
Educação Física na Escola e as adolescentes, ao se depararem com
Atividades Circenses um universo novo e repleto de pro-
fessores variados, que sequer sabem
seus nomes, não demonstram nada
Segundo Betti e Zuliani
de afeto e nem ao menos esboçam
(2002) a formação de crianças e
um sorriso, têm dificuldade em
jovens deve ser integral, ou seja,
respeitar as ordens e regras que lhes
cuidar da mente, do espírito e do
são exigidas.
corpo. É por este motivo que a
Os professores acreditam
Educação Física ganha relevo e
que ao falar e se movimentar, a
importância em constar no currí-
criança não esteja aprendendo,
culo escolar e fazer parte da vida
e é na questão cognitiva que se
formativa de todo aluno. consolida o papel da escola (LUC-
Segundo Dias-da-Silva CHESI, 2006). Porém, sabe-se que a
(1997) a ruptura entre a 4ª e a 5ª criança é capaz de falar e pensar ao
série é dramática, uma vez que as mesmo tempo, e até as professoras
diferenças entre essas duas séries quando questionadas admitem isto
são gritantes e ocorrem em um (DIAS-DA-SILVA, 1997). Segundo
curto espaço de tempo, ou seja, esta mesma autora, o silêncio em
não há um período de adaptação sala corresponde a uma exigência
para o aluno. Complementando do sistema, que ainda tende para
essa questão, Domingues (1985) uma visão tradicional da ação do-
questiona se essa passagem rápida cente. Geralmente, essa demasia-
não estaria conduzindo o aluno a da necessidade de que os alunos
uma falta de coerência entre o que fiquem quietos está relacionada ao
espera de si mesmo e o que acredita programa de conteúdo, organiza-
que o professor espera dele. do e planejado de acordo com a
Em função de tais apon- quantidade do conteúdo e o tem-
tamentos, questiona-se o seguinte: po cronometrado disponível para
“Sem qualquer demonstração de desenvolvê-lo.
Ano XX, n° 31, dezembro/2008 53

Normalmente, pensando que, na grande maioria dos casos, se


nas aulas de Educação Física, os mostra como uma área de interesse
professores deste componente cur- e simpatia dos alunos.
ricular, a partir de sua formação, Segundo Dias-da-Silva
são habilitados para ministrar aulas (1997), muitos estudos atuais vêm
a qualquer seriação. Sendo assim, mostrando que as crianças apre-
os educadores físicos são os profis- sentam rendimento melhor quando
sionais que têm maiores chances incluídas em atividades de aprendi-
de acompanhar a maioria de seus zagem cooperativa, uma vez que o
alunos na transição da 4ª para a 5ª apoio e ajuda mútua presentes nestes
série, assim como continuar esse tipos de atividades fazem com que
acompanhamento ano após ano aprendam a resolver problemas em
(no caso de permanência na mesma conjunto antes mesmo que sejam
intituição escolar). Este é um dos capacitadas a resolvê-los sozinhas.
motivos que torna possível constatar É de acordo com esta afirmação que
o laço afetivo que professores de se inclui a necessidade eminente da
Educação Física têm com seus alu- Educação Física para os alunos. Em
nos, uma vez que apresentam maior sua maioria, o conteúdo da Educa-
tempo de convivência, desenvol- ção Física conta com a necessidade
vendo um grau maior de confiança. do trabalho em pares, trios e grupos,
Essa questão afetiva é lembrada por contribuindo para satisfazer a neces-
Lucchesi (2006), que destaca o fato sidade das crianças em dividir suas
de que os professores abertos ao tarefas, e assim, sentirem-se mais
diálogo, dotados de sensibilidade e seguras, algo importante aos alunos
afetividade, têm maiores chances de da 5ª série.
realizar um trabalho comprometido As crianças podem pensar
com a aprendizagem dos seus alu- falando, isto é fato! Então, se elas
nos, assim como a possibilidade de podem verbalizar suas alternativas
diminuição dos conflitos gerados na de pensamento ou se necessitam do
transição da 4ª para a 5ª série. confronto de idéias com os demais
Assim sendo, fica eviden- colegas para garantir sua segurança,
te a importância do professor de e que desta forma possam aprender,
Educação Física para os alunos da tentativas de silenciá-las só prejudi-
5ª série. Este atua também como carão o seu desenvolvimento (DIAS-
um “ponto de apoio” confiável, em DA-SILVA, 1997). Neste sentido, o
um ambiente tão turbulento. Além professor de Educação Física tem
disto, é este professor que ensina em suas mãos uma grande parcela
sobre a cultura de movimento e de responsabilidade pelo aprendiza-
54

do dos alunos, pois ao desenvolver vivência das crianças, assim como


atividades corporais é comum que a Educação Física Escolar. O autor
os alunos se socializem e compar- incentiva essa prática, uma vez
tilhem seus sentimentos, idéias e que representa uma manifestação
estratégias, mesmo quando não são corporal dotada de expressividade,
direcionados para tal. comunicação e cooperação.
Diante de uma gama enor- Nas aulas de Educação
me de produções culturais, podemos Física é importante valorizar a vi-
destacar algumas ligadas à Educação vência dos alunos, proporcionando
Física, como os esportes, os jogos, as um maior contato com a cultura de
danças, as lutas e as ginásticas. E são movimento existente. O interesse
destas culturas que o professor de educacional não é centralizado na
Educação Física deve se utilizar para perfeição técnica dos elementos, e
desenvolver suas aulas de maneira sim na abertura de um espaço des-
mais diversificada possível, dando tinado à convivência e aos valores
oportunidade de vivência e expe- humanos (DUPRAT; BORTOLETO,
rimentação desse mosaico cultural. 2007).
Desta forma, o aluno usufruirá deste Atualmente nos depara-
conhecimento para um exercício mos com uma desvalorização de
crítico destas práticas e de sua cida- diversas formas de manifestações
dania, e ainda, para a melhoria de artísticas, como por exemplo, a
sua qualidade de vida. pintura, a escultura o teatro, e o
Bortoleto e Machado circo. Sendo assim, já é possível
(2003) justificam a inserção das destacar um ponto que justifique o
atividades circenses na escola ensino deste conteúdo em contexto
utilizando-se do pressuposto que as escolar (âmbito formal): o resgate
instituições de ensino se apresentam e a oportunidade de apreciação
comprometidas em transmitir o le- das mais diversas formas de arte
gado cultural existente e, portanto, possíveis e produzidas pela raça
o circo não pode ficar fora disso. humana. Considerando que este
Existem outros fatores que trabalho aprova a inserção de ativi-
defendem a utilização de elementos dades artísticas na Educação Física
circenses nas aulas de Educação Escolar, nada mais coerente que de-
Física Escolar. Baroni (2002), por fendermos a utilização das práticas
exemplo, considera que é muito circenses, uma vez que apresentam
interessante essa aproximação, na sua totalidade situações típicas
levando em conta a relação que de caráter motriz (BORTOLETO e
o circo tem com a imaginação e a MACHADO, 2003).
Ano XX, n° 31, dezembro/2008 55

Ferreira (2006) considera reciclados ou de baixo custo para


o fato de que o circo pode desen- confeccioná-los, sempre em parce-
volver o apoio mútuo e a confiança ria com os alunos, fazendo com que
entre os colegas, pois em muitos eles participem de todo o processo
exercícios, faz-se necessário o in- de aprendizagem. Segundo Freire
centivo dos parceiros, assim como (1997), a reutilização de materiais
sua ajuda para que se consiga atin- considerados lixo pode enriquecer
gir determinado objetivo. Desta ainda mais a prática pedagógica. O
forma, a autora ainda salienta que autor ainda complementa que esse
esta prática não exclui os menos material inutilizável nas mãos dos
habilidosos, pois os seus próprios adultos pode criar vida nas mãos
resultados não dependem de outros, das crianças. Assim, é possível fazer
mas podem ser melhorados e aper- com que criem seus próprios obje-
feiçoados com a parceria. tos auxiliadores de um processo de
O conteúdo circense pro- aprendizagem artístico e corporal.
porciona uma variedade de apli-
cação muito grande (FERREIRA, Metodologia
2006). O professor, somente com o
tema circo, pode realizar atividades Tendo em vista que o obje-
que envolvam equilíbrio, expressão tivo do presente trabalho foi analisar
corporal, flexibilidade, coordenação as possibilidades e as dificuldades,
motora, entre outros, auxiliando no tanto do ponto de vista dos alunos
desenvolvimento integral do aluno. quanto do da professora de Educa-
Além de poder trabalhar todas essas ção Física da turma, encontradas ao
capacidades individuais, ele pode se ensinar atividades circenses nas
deixar a competição um pouco de aulas de Educação Física, a pesquisa
lado e motivar a cooperação entre qualitativa (ANDRÉ, 1995), por suas
os alunos. características, atende melhor as
Algumas atividades cir- metas desta investigação.
censes exigem materiais para serem Dentre os vários tipos
realizadas, ainda que sejam de de pesquisas qualitativas, aqui o
tamanho pequeno. Diante desta enfoque está ancorado na pesquisa-
circunstância, fica evidente que no ação estratégica (FRANCO, 2005),
ambiente escolar, principalmente a qual permite uma aplicação do
nas instituições públicas brasileiras, conteúdo, ou seja, uma intervenção
a aquisição de materiais especializa- no campo.
dos é bem mais difícil. Desta forma, As técnicas de coleta uti-
o professor pode usar materiais lizadas para a pesquisa, baseadas
56

em Negrine (2004), foram: a obser- turma de 5ª série de uma escola


vação (organizadas em diários), a pública e sua respectiva professora
entrevista semi-estruturada (recurso de Educação Física, que por sua vez
utilizado somente com a professora não possuía nenhuma experiência
de Educação Física da turma), além com as atividades circenses.
de questionários aplicados, durante A seleção da seriação a
as aulas, aos alunos. Foram aplica- ser trabalhada, no caso a 5ª série
dos três questionários: um sobre o do Ensino Fundamental (atual 6º.
bloco de atividades de expressão ano), se deu devido ao interesse em
corporal, outro sobre o conteúdo entender um pouco mais esta fase,
das acrobacias e por último, um que considerada complexa por conta da
questionava os maiores interesses transição da 4ª. (atual 5º. ano) para
e dificuldades dos estudantes nas a 5ª. série.
aulas. Esses questionários além de Inicialmente, a pesquisado-
auxiliarem na identificação dos re- ra procurou se aproximar dos alunos
sultados deste estudo, puderam ser e da professora de Educação Física
usados para a avaliação bimestral da turma, permanecendo na escola
dos alunos. por um período de dois meses para
No caso da presente pes- acompanhar as aulas e construir uma
quisa, o papel da observadora (uma relação de proximidade entre os alu-
das autoras deste estudo) foi a de nos e a professora, observando suas
participante, uma vez que discutiu/ características e comportamentos
elaborou e aplicou o conteúdo das durante este período.
atividades circenses, ao longo de Após este período, a pes-
um bimestre letivo aos alunos da 5a. quisadora deu início às reuniões de
série, juntamente com a professora planejamento das aulas junto com
de Educação Física da turma. a professora de Educação Física e,
Ao final da aplicação do logo em seguida, começou a imple-
referido conteúdo, a pesquisado- mentação do conteúdo atividades
ra se reuniu com a professora da circenses nas aulas. Tais aulas, ao
turma para uma entrevista semi- longo de dois meses, eram constan-
estruturada, buscando captar, na temente avaliadas e re-planejadas
perspectiva da docente, as dificul- pela pesquisadora junto com a
dades e possibilidades do ensino e professora.
da aprendizagem de um conteúdo A preocupação principal
não tradicional nas aulas. ao abordar o tema circo com a 5ª
Os sujeitos participantes série A foi situar os alunos quanto
do estudo foram 34 alunos de uma à importância e o porquê do con-
Ano XX, n° 31, dezembro/2008 57

teúdo circo nas aulas de Educação agrupadas, constituindo um texto


Física Escolar. O principal foco das único que será apresentado na parte
aulas foi despertar o interesse pela dos resultados e discussão.
arte circense, através de atividades No sub-tópico abaixo,
práticas (conteúdos procedimen- foram usadas inúmeras falas dos alu-
tais), já que aquele foi o primeiro nos manifestadas durante as aulas,
contato dos alunos com o circo na para identificá-las foram adotadas
escola. Porém, não foi esquecido algumas siglas empregadas aleato-
que um trabalho completo exige riamente (A1, A2, A3, etc.).
uma intervenção com conteúdos
atitudinais e conceituais (DUPRAT, Resultados e Discussão
2007). Quanto ao planejamento
das aulas, estruturou-se o conteúdo Um ponto importante per-
procedimental a partir de três blocos cebido durante as aulas foi que,
de atividades circenses: expressão desde o início do trabalho até o
corporal (“clown”), acrobacias e momento no qual os alunos já
manipulações. Para isto, escolheu- estavam familiarizados ao novo
se uma ou mais atividades especí- conteúdo, eles ainda perguntavam
ficas de cada um destes blocos. As se jogariam futebol. Vale destacar
modalidades circenses escolhidas
que no Brasil o futebol exerce
foram: os palhaços de rua (espe-
grande fascínio entre os alunos e é
cificamente os famosos homens-
constantemente solicitado nas aulas
sombra), as acrobacias individuais
de Educação Física o que pode gerar
de solo, malabares com bolinhas,
desinteresse e desmotivação pelas
lenços e o “swing” (balangandão).
aulas quando se desenvolve um
Os dados da pesquisa
foram organizados, após intensa outro conteúdo. Especificamente
leitura e articulação com o referen- no caso deste estudo, os alunos
cial teórico do estudo, a partir de falavam do conteúdo futebol, po-
categorias de análise (MINAYO, rém, demonstraram muito interesse
1994), a saber: a aprendizagem do e envolvimento pelo conteúdo
conteúdo atividades circenses para atividades circenses. Além disto, o
os alunos da 5ª série e a professora futebol é visto, especialmente por
de Educação Física no processo de crianças e jovens menos favorecidos
ensino das atividades circenses. De economicamente, como forma de
modo a valorizar a linguagem mais ascensão social. Vários exemplos
direta e sintética de um artigo cien- de jogadores brasileiros de futebol
tífico, estas duas categorias foram estão na mídia e com grande núme-
58

ro de patrocinadores ao seu redor, ao desenvolver uma pesquisa com


desfrutando de confortável posição os alunos em oito escolas públicas
na sociedade, construindo o sonho e particulares, verificou que o con-
de muitos garotos (BASSANI; TOR- teúdo das aulas se limitava a poucas
RI; VAZ, 2003). Junto com a questão modalidades esportivas, geralmente
do interesse pelo futebol, o espaço o futebol, voleibol e o handebol.
físico para as aulas, via de regra, Porém, os alunos responderam que
está circunscrito por uma quadra gostariam de aprender outras moda-
poliesportiva (futebol, basquetebol, lidades ou outras práticas corporais.
handebol e voleibol), incentivando Um outro fator alarmante quando
os alunos a reduzir a cultura de as aulas de Educação Física se res-
movimento a estes quatro esportes tringem ao desporto, é que sentidos
(BETTI, 1995). Portanto, aqueles como o expressivo, o criativo e o
acostumados a jogar “bola” na rua, comunicativo são pouco explorados
chegam à escola e ao se depararem (e às vezes, nada explorados!), pois
com a quadra poliesportiva querem estes são mais possibilitados em
jogar futebol. Porém, em oposição outros tipos de atividades corporais
a isso, um aluno em uma das aulas (KUNZ, 1989).
com o conteúdo atividades circen- A grande maioria dos alu-
ses, expressou à pesquisadora como nos aqui investigados demonstrou
se sentia em relação ao futebol: nos questionários ter entendido
o porquê do conteúdo atividades
“É legal essa atividade, não es- circenses estar presente nas aulas
quenta a cabeça” (A6). de Educação Física:
“Como assim?” (pesquisadora).
“É que assim, no futebol, por “Sim pode ser nas aulas de edu-
exemplo, fica todo mundo ner- cação física e também nas ou-
voso, brigando, aqui não, a gen- tras aulas por que isto é legal
te relaxa brincando disso!” (A6). para aprender” (A10).
“São da Ed. Física. Por que os
Apesar de o futebol ser movimentos que nós aprende-
uma prática muito desejada no mos fazem parte dessa matéria”
Brasil, existem alunos que não se (A11).
interessam por ela, e pensando nisto, “Na aula de Ed. Física. Por que
seria justo permitir só este tipo de nós fazemos movimentos com
prática? Será que o professor de Edu- pernas e braços, como homem-
cação Física não deve variar os con- sombra, acrobacia e malabaris-
teúdos de suas aulas? Betti (1995), mo” (A12).
Ano XX, n° 31, dezembro/2008 59

“Educação física, por que tem ferenciada nas aulas, evidenciou-se


movimentos iguais na Educa- que, quando o professor diversifica
ção Física” (A13). o conteúdo das aulas, além de
“Sim, porque nós usamos o nos- agradar e conquistar o interesse de
so corpo” (A14). alguns alunos, ele cumpre com uma
de suas metas de professor: ensinar
Outros alunos apresenta- o legado da cultura de movimento
ram opiniões de como a aula havia que foi produzido pela humanidade
mudado, trabalhando atividades ao longo de sua história.
totalmente novas, usando materiais Sobre a dificuldade de
diferentes dos que estavam acos- aprendizagem das atividades circen-
tumados e realizando atividades ses foi possível constatar dificuldades
divertidas: dos alunos em relação aos conteú-
dos mais complexos e desafiadores,
“Sim. Porque nós usamos mate- que exigiam um número maior de
riais diferentes, aulas diferentes repetições. Um exemplo disto foram
tudo mudou” (A15). os conteúdos das acrobacias e dos
“A educação física é quase a
malabares com bolinhas. Para que
mesma coisa nas aulas e a de
se atinja um sucesso ou resultado
circo não, é mais legal” (A16).
positivo, é necessário que o prati-
“A diferença é que os movi-
mentos realizados nas ativida-
cante tente várias vezes realizar os
des circenses são diferentes e movimentos. Estabelecendo uma
usamos objetos para realizar comparação com os jogos coletivos,
esses movimentos” (A17). é possível perceber que para que se
“As atividades circenses são atinjam momentos de sucesso duran-
bem legais e divertidas. A dife- te a prática basta fazer um gol, uma
rença é que a 5ªA está tendo a cesta, um ponto, etc., e esses mo-
oportunidade de aprender coi- mentos são facilmente alcançados
sas novas e diferentes da Ed. Fí- em praticamente todos os jogos. Por
sica tradicional” (A8). outro lado, durante algumas ativida-
“A diferença é que estamos des circenses que exigiam seqüência
aprendendo coisas novas, coi- de tentativas, os alunos tenderam a
sas diferentes” (A12). desistir por não verem esses resul-
tados positivos. Ainda sobre esta
Considerando que a maio- questão da dificuldade e o enfren-
ria dos alunos atribuiu caráter tamento do desafio, foi observada
positivo ao fato de estarem tendo uma controvérsia. A preferência dos
uma oportunidade de vivência di- alunos (mostrada nos questionários)
60

foi pelas atividades em que a maioria do por aquelas modalidades mais


achou difícil e desistiu. Acredita-se tradicionais do circo, vistas mais
que os alunos demonstraram maior freqüentemente na mídia quando é
encantamento pelas atividades que retratado algo do universo circense.
faziam maior referência ao circo, Estas modalidades, por sua vez,
como um espetáculo profissional, são mais complicadas de serem
se impressionando por aquilo que é executadas, levando os alunos à
mais difícil ou inacreditável, como desistência durante as aulas.
malabarismos e acrobacias. Algumas Ainda sobre a receptivi-
falas apontam para este aspecto: dade ao conteúdo, mais especi-
ficamente sobre a preferência às
“Malabarismo, porque achei modalidades circenses, a professora
legal é como no circo” (A20). da turma concordou que os alunos
“Acrobacias e malabarismo.
realmente gostam daquilo que é
Porque é bem divertido, nós
mais difícil ou o que faz referência
aprendemos a fazer coisas cir-
censes (A12)”.
ao espetáculo, porém, na hora de
participar, eles fazem aquilo que é
mais fácil:
Porém, os alunos não se
atentaram para o fato de que, para
“Na verdade é até uma carac-
que se atinja tal nível, são necessá-
terística deles, né assim... eu
rios treinos e dedicação e que este consegui fazer aquela coisa di-
não é o objetivo da escola. Dentre ferente, superou alguma dificul-
as atividades que foram mais facil- dade e também assim, na mídia
mente aprendidas, os alunos desta- aparece muito essa questão... o
caram a representação (“clown”). malabares é aquela coisa assim:
Na parte de expressão corporal, ao Oooh! A diferença... o homem-
abordarmos o “homem-sombra”, e sombra é engraçado, é legal, é
no conteúdo de manipulação com fácil participar, então todo mun-
os lenços, os alunos interagiram do participa. Mas o que é difícil
de modo muito positivo na aula, vai chamar mais atenção”. (pro-
executando todas as atividades fessora de Educação Física)
propostas. Visto por esse ângulo,
pôde-se concluir que as atividades Durante as aulas, os alu-
mais fáceis e divertidas atraíram nos puderam confeccionar diferen-
mais a atenção dos alunos durante tes materiais que usariam para a
a prática. Mas, em contrapartida, realização das atividades circenses.
houve um interesse mais acentua- A professora, de acordo com sua
Ano XX, n° 31, dezembro/2008 61

experiência, explica o porquê da sive, nos próximos anos irá investir


confecção de materiais ter dado tão em lenços de tule para desenvolver
certo com os alunos e ter despertado diferentes atividades que ainda irá
tanto o interesse por parte deles: criar: como brincadeiras com seus
alunos. Ainda, sobre a continuação
“(...) é algo que você tá pro- deste conteúdo na escola e em
duzindo. E eles, como são suas aulas, a professora disse que
crianças que normalmente não se sente capaz de ministrar esse
produzem nada, quando eles conteúdo para outras salas, mas
conseguem fazer uma coisa, que tentaria mudar alguns conteú-
fazer essa coisa tomar forma, dos de acordo com as turmas. Por
tomar jeito e funcionar, pra eles exemplo, para as 7as. e 8as. séries
é uma vitória”. (professora de
ela não ministraria o conteúdo de
Educação Física)
acrobacias e homens-sombra, pois
eles se recusariam a realizar os
Além disto, ela revelou movimentos. Segundo a docente,
que muitos alunos, mesmo passados tais alunos achariam que é coisa de
cerca de cinco meses da experiên- criança, uma vez que se encontram
cia, ainda perguntam sobre os ma- em uma fase de auto-afirmação e
teriais ou ainda dizem que fizeram acham que já são adultos e por isto
as bolinhas em casa junto com seus têm que fazer coisas de adulto. Já
irmãos. Houve inclusive uma aluna no Ensino Médio, como eles já se
que disse ter descoberto com isso reconhecem como jovens e não pre-
que até mesmo seu pai sabia jogar cisam provar nada para ninguém,
malabares e começou a praticar não vão se negar em participar de
com ele em casa. Contudo, a maior diversas brincadeiras, mesmo que
lembrança dos alunos é sobre as sejam caracterizadas como infantis.
bolinhas (usadas no malabares). De acordo com isto, como acre-
Elas estão relacionadas às perguntas dita a professora, o planejamento
mais freqüentes escutadas ainda em continuaria com as acrobacias e
sala de aula pela professora. as atividades de expressão corpo-
A professora, quando per- ral. Contudo, ela acredita e confia
guntada sobre qual foi o conteúdo muito no sucesso desse trabalho,
circense ministrado, que ela tinha e como citado anteriormente, vê
gostado mais, a resposta foi categó- claramente a possibilidade de dar
rica: manipulação com lenços. Ela continuidade a esse conteúdo em
acredita que os lenços são um recur- suas aulas. Quando questionada se,
so pedagógico ótimo, e que inclu- na opinião dela alguma atividade
62

não tinha dado certo, ela disse que A proposta envolvendo


tudo tinha dado certo, mesmo nas o circo como tema das aulas não
aulas em que teve uma postura mais era de conhecimento da professora
rígida com os alunos que, vez ou da turma, mas para ela isto não foi
outra, não participavam muito das empecilho. A pesquisadora também
aulas. Para ela tudo dá certo, tem acreditou muito na possibilidade de
que tentar. E se uma aula específica se trabalhar com atividades diversi-
não der certo o professor tem que ficadas nas aulas, porém já possuía
tentar mudar a maneira de abordar um conhecimento um pouco maior
o conteúdo com sua turma. Para ela, sobre as atividades circenses, atra-
o que o docente não pode é deixar vés de leituras e dois cursos que
essa atividade de lado só porque a participou sobre a inserção do circo
receptividade ou a participação de nas aulas de Educação Física, onde
alguns alunos não foi muito boa. pôde aprender movimentos básicos,
conteúdos conceituais e idéias de
Considerações Finais confecção de materiais. Com estes
conhecimentos sobre o assunto,
Para as considerações finais é possível planejar e realizar um
é necessário relembrar o objetivo bimestre letivo para diferentes se-
riações, como o foi para a 5ª série
proposto inicialmente neste trabalho.
do estudo em questão.
A principal meta era analisar as pos-
Considerando que é im-
sibilidades e as dificuldades, tanto do
possível um professor ter vivência
ponto de vista dos alunos quanto do
em todos os elementos da cultura
da professora de Educação Física da
de movimento: esportes, jogos, lu-
turma, encontradas ao se ensinar e
tas, danças, ginásticas e atividades
se aprender atividades circenses nas
corporais alternativas, o docente
aulas de Educação Física. não deve se prender ao fato de não
Por meio desta pesquisa dominar muito bem aquilo que
foi possível identificar que um pretende ensinar. Ele deve buscar
conteúdo como o circo, de caráter recursos em outros lugares, e assim
motriz e artístico, é sim de interesse estar sempre atualizado e preparado
de muitos alunos. Ou seja, a velha para proporcionar aos alunos uma
desculpa, de que propor algo muito experiência rica em suas aulas.
diferente nas aulas (além do basque- Sobre a falta de infra-estru-
tebol, futebol, handebol e voleibol) tura e materiais na escola, o estudo
não dá certo porque os alunos não mostrou que as atividades circenses
aceitam, deve ser repensada. são uma ótima alternativa, pois os
Ano XX, n° 31, dezembro/2008 63

aparelhos usados (bolinhas, ba- sem exceção, se identificaram com


langandãos, lenços, perna-de-pau, alguma das práticas, confirmando
etc.) podem ser confeccionados assim, o sucesso da proposta.
pelos próprios alunos, utilizando
materiais simples, como bexigas,
barbantes, fitas, painço, saqui- Referências
nhos plásticos, tule, entre outros.
Essa confecção, além de suprir a BETTI, Irene Conceição Rangel.
carência de aparelhos específicos Esporte na escola: mas é só isso,
em muitas escolas, ainda colabora professor? Motriz, Rio Claro, v.1,
para que os alunos aprendam a não n. 1, p. 25-31, 1995.
desperdiçar materiais e a ter cui- BETTI, M.; ZULIANI, L. R. Educação
dado com a reciclagem, podendo Física escolar: uma proposta de
estimular a criatividade. Além disto, diretrizes pedagógicas. Revista
as atividades circenses não necessi- Mackenzie de Educação Física
tam de um local específico para a e Esporte, São Paulo, n. 1, p.
prática, podendo ser na quadra, no 73-81, 2002.
pátio, em uma sala, ou onde mais
BOLOGNESI, M. F. O circo
for disponibilizado.
“civilizado”. In: 5th International
Ainda neste estudo, pode-
Congress Of The Brazilian
se notar que é verdade que alguns
Studies Association (BRASA),
alunos rejeitam um novo conteúdo,
6, Annals..., Atlanta: Brasa V,
mas deve-se pensar em outro ponto,
2002.
qual seja: o professor já parou para
BORTOLETO, M. A. C.; MACHADO,
reparar quantos alunos também
rejeitam o futebol ou o basquete- G. A. Reflexões sobre o circo
bol? O interesse de cada aluno é e a educação física. Revista
diferente, pois é baseado em his- Corpoconsciência, Santo André,
tórias de vida diferentes. Assim, é n. 12, p. 41-69, 2003. 56.
injusto proporcionar somente um BORTOLETO, M. A. C.; DUPRAT,
tipo de vivência. Essa experiência R. M. Educação física escolar:
nos revelou que os alunos recebe- pedagogia e didática das
ram muito bem o novo conteúdo atividades circenses. Revista
atividades circenses nas aulas Ain- Brasileira de Ciências do
da que alguns tenham mostrado Esporte, Campinas, v. 28, n. 2,
preferência por malabares, outros p.171-189, 2007.
pelas acrobacias e outros apenas BORTOLETO, M. A. C. (Org.)
pela confecção dos materiais, todos, Introdução à pedagogia das
64

atividades circenses. Jundiaí: FRANCO, M. A. S. Pedagogia


Fontoura, 2008. da pesquisa-ação. Educação e
BRACHT, Valter. Educação Física Pesquisa, v.31, n.03. São Paulo,
e aprendizagem social. 2ª. Ed. set./dez., 2005.
Porto Alegre: Magister, 1997. FREIRE, João Batista. Educação de
DARIDO, Suraya Cristina; RANGEL, corpo inteiro: teoria e prática
Irene Conceição Anadrade. da Educação Física. São Paulo:
Educação física na escola: Scipine, 1989.
implicações para a prática LUCHESSI, Felipe Del Mando. A
pedagógica. Rio de Janeiro: transição da 4ª. para a 5ª. série
Guanabara Koogan, 2005. na Educação Física. Monografia
DIAS-DA-SILVA, M. H. G. F. de Graduação, Departamento de
Passagem sem rito: as 5ªs séries Educação Física, Universidade
e seus professores. Campinas: Estadual Paulista, Bauru, 2006.
LUCHESSI, Felipe Del. Mando;
Papirus, 1997.
FERREIRA, Lilian Aparecida. A
DOMINGUES, Maria Herminia
transição da 4ª. para a 5ª. série
Marques Silva. A escola de
na Educação Física. Revista
primeiro grau: passagem da 4ª
Mackenzie de Educação Física
para 5ª série. Tese de Doutorado
e Esportes, São Paulo, v.8, n. 2,
em Educação, Pontifícia p.111-122, 2009.
Universidade Católica de São MEDINA, João Paulo Subirá. A
Paulo, São Paulo, 1985. Educação Física Cuida do
DUPRAT, Rodrigo Mallet. Atividades Corpo...e “Mente”. ,13ª ed.
circenses: possibilidades e Campinas, SP: Papirus, 1995.
perspectivas para a educação MINAYO, M. C. S. (Org.) Pesquisa
física escolar. 122f. Dissertação social: teoria, método e
de Mestrado, Faculdade de criatividade. Petrópolis, Rio de
Educação Física, Universidade Janeiro: Vozes, 1994.
Estadual de Campinas, Campinas, NEGRINE, A. Instrumentos de
2007. coleta de informações na
FERREIRA, Maria Cristina. Elementos pesquisa qualitativa. In: NETO,
da arte circense como conteúdo V. M.; TRIVIÑOS, A. N. S.
pedagógico da educação física (Org.) A pesquisa qualitativa
escola. 41f. Monografia de na educação física: alternativas
Graduação, Departamento de metodológicas. 2. ed. Porto
Educação Física e Motricidade Alegre: Sulina, 2004.
Humana, Universidade Federal de SILVA, Erminia. O circo: sua arte
São Carlos, São Carlos, 2006. e seus saberes: o circo no Brasil
Ano XX, n° 31, dezembro/2008 65

do final do século XIX a meados TANI, G. et al. Educação Física


do XX. 152 f. Dissertação de escolar: fundamentos de uma
Mestrado em História da Arte, abordagem desenvolvimentista.
Departamento de História do São Paulo: EDUSP, 1988.
Instituto de Filosofia e Ciências
Humanas, Universidade Estadual
de Campinas, Campinas, 1996. Recebido: 16/fevereiro/2010.
SOARES, C. L. et al. Metodologia Aprovado: 21/abril/2010.
do Ensino de Educação Física.
São Paulo: Cortez, 1992.

Você também pode gostar