Propor a neurose como patologia das relações amorosas não é nada novo. Isso está em
Freud que, sabemos, a vê como alteração da capacidade de amar e trabalhar.
O objeto da pulsão, que Freud teoriza nos Três Ensaios (1905/1990), introduz algo
muito complexo na própria idéia de pulsão. A fonte e a finalidade, de algum modo, não
trazem nenhuma complicação, nada que a sexologia da época não pudesse resolver com
seu aporte médico. O objeto, contudo, traz o outro e, sobretudo, retira o sujeito da pura
individualidade e o posiciona nas relações amorosas que, como sabemos, são relações
complexas, que levam em conta história e sociedade. A neurose, pois, aí se coloca como
uma forma do sujeito posicionar-se nessas relações, seja do ponto de vista de sua
constituição, seja do ponto de vista atual.
Do primeiro ponto de vista, o da constituição, a histeria vê-se teorizada enquanto
constituída a partir de certa forma de relação com os objetos primitivos. Em Freud há
uma ênfase no complexo de Édipo; o sujeito frente à sexualidade, isto é, às relações
amorosas adultas sofre uma regressão, buscando posicionar-se em relações pretéritas,
infantis de natureza incestuosa, que já deveriam ter sido ultrapassadas. De forma
simplificada, é o que temos em Dora (Freud, 1905/1990) que, frente ao dizer sim ou não
às propostas amorosas do senhor K, “prefere” a regressão, por meio de sintomas. É bem
verdade, contudo, que, em “A sexualidade feminina”, Freud questiona-se se realmente o
complexo de Édipo é o núcleo fundamental das neuroses e isso devido ao fato de que as
relações pré-edipianas com a mãe ganham um papel de inesperada importância na teoria
do desenvolvimento da mulher. Seja como for, Freud propõe, então, considerar o
complexo de Édipo de forma mais abrangente e ver nele todas as relações da criança
com ambos os pais.
Esse é um caminho retomado por um sem-número de autores pós-freudianos, que vão
desde um Judd Marmor (1953, apud Ramos, 2008) com a surpreendente idéia de que a
histeria deriva de uma fixação oral e não genital até uma Uti Ruprecht Schampera
(1995, apud Ramos, 2008), que propõe um triângulo não edipiano no desenvolvimento
da criança.
Do ponto de vista do atual, passemos a ele, temos também que desde os anos 50, os
autores têm divulgado a idéia de que a histeria já não é a mesma da época de Charcot e
Freud, pois já não se apresenta na forma de sintomas, mas aparece, sobretudo, como
uma neurose de caráter. Isto quer dizer que sua manifestação é no modo de ser, e ser é
ser com o outro. São pessoas insatisfeitas, que não evitam as relações objetais, mas
sofrem muito dentro delas. Alfredo Namnum (apud Laplanche, 1974, cit. p. Ramos,
2008) chama a atenção para o fato de que (desde os anos 50) a histeria se apresenta
principalmente na forma de relações conjugais conturbadas.
É, então, bastante chamativo que tanto a teoria psicanalítica quanto o fenômeno
analisado por ela caminharam, depois de Freud, no sentido de enfatizar as relações. O
que se expõe em seguida é uma proposta de interpretação da histeria que vai justamente
por esse caminho de inclusão do outro no arsenal explicativo.
Parte-se da Teoria da Sedução Generalizada (TSG), de Jean Laplanche.
A proposta de base é a de que entre a criança e o adulto existe uma assimetria capaz de
provocar todo um movimento. Tanto adulto como criança vivem certa passividade, no
sentido de que ambos são afetados; o adulto é afetado por seu inconsciente e a criança,
devido a sua imensa dependência, é afetada pelo adulto, que lhe destina mensagens
inconscientes (para si mesmo) que ela não poderá decifrar inteiramente. A imagem que
está aí é aquela bem conhecida do paciente de Freud que presencia o coito dos pais,
excita-se com ele, porém não pode compreendê-lo. Trata-se, pois, do que Laplanche
denomina mensagem enigmática do outro. É uma mensagem traumática, excessiva e
que aparece na forma de enigma. O não decifrado que permanece apesar da tentativa
que faz o infante de metabolização do conteúdo da mensagem será, pois recalcado,
dando origem ao que Freud nomeou Inconsciente. Essa é uma teoria que aceita
literalmente a idéia de recalcamento primário, em que este seria fruto da falha em
traduzir. Essa última faria de nós hermeneutas eternos, pois o enigma resultante estaria
sempre pressionando para ser decifrado. Substancialmente, esse enigma poderia ser
contido numa fórmula genérica: “que quer o outro adulto de mim”, que é o que aparece
na transferência e, sobretudo, na neurose. Ora, pode-se bem pensar que essa última seja
um produto possível dessa tentativa tradução.
Vejamos que essa proposta não é dessexualizante como outras que enfatizam a mãe
provedora. Mesmo assim, fica o histórico problema de se a causa da histeria é ou não o
complexo de Édipo.
A experiência nos leva a dizer que sim, pois o sintoma histérico e mesmo o quadro todo
quando interpretado seguidamente desse ponto de vista responde bem ao tratamento.
Mas, sabemos também que a oralidade aí é muito forte e a relação da histérica com a
mãe é de muita dependência.
A tentativa de tradução do enigma do outro antecede, pois, qualquer estádio
psicossexual organizado. Digamos, então, que qualquer dessas organizações é tradução
conseguida parcialmente. Desse ponto de vista, então, o fantasma é produto do esforço
de decifração, portanto, o que causa as neuroses é também produto. Pode-se, então,
pensar que se o resultado desse esforço não for o fantasma, não se tem uma neurose,
mas se está no reino das psicoses.
Se a oralidade e também a genitalidade edípica estão fortemente impregnadas no
fenômeno histérico, é talvez porque ambas são sexuais e a sedução é o que as enlaça. Há
sedução oral, como há sedução genital e é possível pensar que, partindo dos pais, ambas
são edipianas. A criança está colocada para o adulto genitor em posição de passividade
e nela são “introduzidas” mensagens tanto orais como genitais provindas do adulto. As
mais fundadoras, digamos, seriam as mais primitivas, as mais fragmentárias e parciais,
desse modo, o genital seria menos importante (ver Laplanche, 2007). Mas, não se pode
esquecer que o genital infantil é também sexualidade parcial, fálica. Também não se
pode esquecer que o oral na histeria é um oral genitalizado e vice-versa. Isso quer dizer
então que a organização neurótica é algo já bem complexo e estruturado.
Mas, a experiência também mostra que o neurótico não é apenas “realização de desejo”,
cumprimento do fantasma, mas é alguém que tem a perda como uma espécie de tônica
no seu discurso, no plano da enunciação, do interpretado. Como, então, perda com
sedução generalizada?
A princípio pode-se pensar que toda sedução comporta uma perda, pois na sedução
“promete-se” o que não se tem e não se cumpre, senão não seria sedução. É algo para se
pensar. Mas, o fato é que se propõe aqui que o neurótico vive o enigma do outro – que o
pressiona toda a vida – na forma de um luto, um luto que já iniciado, mas que segue
indefinido, daí os estados depressivos freqüentes. A perda, digamos, de algum modo dá
uma tradução para a mensagem do outro e o luto temporaliza, isto é, propõe um
momento na história de uma relação. Além disso, o luto é presença do objeto, mas
presença na forma de excesso e a perda (ou morte) impõe um enigma, na verdade,
irrespondível: “por que não me quis?”. No trabalho analítico é interessante observar que
isso aparece na vida atual. Isto é, o sujeito se nos aparece sofrendo pela perda de um
namorado, de um amante, de um marido ou de uma amiga e, por vezes, de um grupo e
um ideal. Muitas vezes a elaboração desse luto adulto é o começo de elaborações bem
mais essenciais. Outras vezes, quando o paciente vem a nós não traz nada disso, no
entanto, é interessante notar que o objeto atual e sua perda surgem no decorrer no
tratamento, fazendo emergir todo o drama explícito que outros trazem desde o começo.
É possível pensar que esse objeto não é nem mais menos que um deslocamento da
figura do analista, cuja função é explicitar esse drama e, através da abstinência analítica,
propiciar a sua superação.
Bibliografia
FREUD, S. “Fragmento de análisis de un caso de histeria”, in Obras completas,
vol. VII. Trad. José Etcheverry. Buenos Aires: Amorrortu, 1990 [1905].
FREUD, S. “Tres ensayos de una teoría sexual”, in Obras completas, vol. VII.
Trad.José Etcheverry. Buenos Aires: Amorrortu, 1990 [1905].
FREUD, S. “Sobre la sexualidad femenina”, in Obras completas, vol. III. Trad. José
Etcheverry. Buenos Aires: Amorrortu, 1990 [1931].
LAPLANCHE, Jean. Inceste et sexualité infantile. In : Sexual. Paris : PUF, 2007.
LAPLANCHE, Jean. Novos fundamentos para a psicanálise. Trad. Cláudia Berliner.
São Paulo: Martins Fontes, 1992.
RAMOS (MELLO NETO), Gustavo Adolfo. Histeria e psicanálise depois de Freud.
Campinas, SP, Editora da UNICAMP, 2008.
Depressão na histeria: uma dialética da paixão
Viviana Velasco Martínez
Sim, amo!1
A proposta aqui é discutir o amor como sintoma na histeria e a depressão como uma das
suas manifestações.
A necessidade extrema de amor, na histeria, implica em constantes perdas e decepções
amorosas, do que supomos decorrer a depressão. No entanto, para Ostow (1966), a
histeria seria a própria defesa contra a depressão. Para evitar o agravamento, o outro,
tomado como objeto de amor hipersexualizado, funcionaria como eficiente
antidepressivo, embora sempre temporário porque insuficiente. Desenrola-se, assim um
drama em torno da impossibilidade de satisfazer demandas fantasmáticas de amor.
E de que amor se trata?
O amor edípico, dirão alguns autores. Feigenbaum (1926) indicará nessa trama a
presença de amores e desamores. Uma costureira que, cedo, descobre, por um abraço
fraterno forçado, os segredos da exuberante anatomia masculina. Teme e rejeita esse
irmão, no entanto, ama um outro que, pouco antes de morrer de câncer, lhe entrega uma
aliança de presente, com o que ela desmaia; ama também o pai que igualmente morre
cedo e diz ser rejeitada pela mãe, que ama apenas o irmão, aquele que a abraça...
Temos também, os amores que decepcionam. A paciente de Cuevas (1996) justifica a
sua procura por amantes, por se sentir insatisfeita no casamento. Também neste caso,
temos um cenário que se repete: um pai morto, irmãos que parecem substituí-lo
eroticamente e uma mãe que rejeita.
É interessante apontar que nessas cenas edípicas com o pai ou irmão, como seu
representante, a mãe aparece como alguém que rejeita e maltrata. Tratar-se-ia de uma
vitimização conveniente para encobrir ou justificar o “crime” do desejo incestuoso?
Quanto à insatisfação nos relacionamentos, Ostow (1966) considera que o investimento
libidinal genital excessivo na histeria é uma forma de atenuar a dor psíquica, porém,
alimenta a fantasia de ter adquirido um pênis, motivo pelo qual o sexo deve ser rápido
ou sem orgasmo. Frente à insatisfação e nova ameaça de depressão é preciso culpar o
parceiro e, quem sabe, um novo amor para mitigar a dor.
Fessler (1950, apud Martínez e Mello Neto, 2007) também nos fala de decepção
amorosa. A impossibilidade de ter filhos, quando chega o climatério, instalaria uma
1
. Frase de uma paciente em plena transferência erótica.
espécie de histeria, pois a realidade indicaria que não é mais possível fantasiar pela
restituição fálica através de um filho do pai.
Amores triangulares, incestuosos e proibidos, a histérica fantasia sua realização e sua
interdição simultaneamente na forma de um amor sempre fracassado.
Mas há também outros amores extremos. Desde os textos sobre a feminilidade de Freud,
a histeria não se refere apenas a uma sedução fantasmática do pai, mas toma a mãe
como objeto de amor e de satisfação, e como conseqüência de frustração. Destacamos
assim as perdas, do objeto e do seu amor causando uma ferida narcísica, do que
decorrem as tentativas constantes, na histeria, de substituir sempre por um outro, aí está
o analista, como promessa de satisfação, além de edípica, pré-edípica também.
Será precisamente essa ferida narcísica que causará a depressão. Segundo Wallerstein
(1981, apud Martínez e Ramos Mello, 2007), a menina não pode sustentar a fantasia de
possuir fálica e ativamente a mãe e, mesmo quando ela abandona esses impulsos fálicos
e desloca a libido para o pai e depois para outros homens, a mudança para a condição
receptiva provocaria a depressão. No caso da histeria, defesas patológicas são acionadas
e conflitos antigos impedem o abandono da ligação fálica com a mãe. O oral estaria na
origem dessa depressão.
Já, para Ostow (1966), a oralidade na histeria seria um indicativo de que o investimento
libidinal da função genital não funciona mais como um antidepressivo, o ego, então,
procurará desesperadamente recuperar os objetos de cuidado. Oralidade e dependência
marcantes farão com que o amor escolhido possa ser identificado com a figura materna
de quem se exige em excesso. Contudo, o que pareceria ser um novo calmante, esconde
novas angústias, pois surge a ameaça de fusão.
Jeanneau (1985, apud Martínez e Mello Neto, 2007), por sua vez, se refere a um vazio
que apenas ameaça de depressão, decorrente da intervenção do pai, separando a fusão
da menina com a sua mãe. O pênis do pai, que falta à mãe, privaria a criança de um
apoio homossexual constitucional, de tal maneira que a identificação com a mãe seria
insuficiente. Contudo, pelo pênis contido na mãe, a fantasia de completude implicaria
no risco de uma devoração mútua. Cena primária, oralidade exacerbada e satisfação
alucinatória marcam a histeria para o autor, e a ameaça de abandono é a causa do
sofrimento.
De Matos (1985) também se refere a um estilo oral nas relações na histeria. Para o
autor, haveria na infância uma depressão não resolvida e encoberta por um
compromisso neurótico — eis a histeria —, implicando na procura incessante por um
objeto externo que satisfaça, dando a ilusão de perfeição e completude para preencher
um vazio do objeto interno fragilmente constituído. Mesmo que se estabeleça uma
relação precoce com suficiente e até excessiva satisfação pulsional, ela é meramente
funcional. Haverá, então, constantemente um conflito entre a demanda de amor e uma
recusa agressiva do objeto que, se sabe, negará a satisfação desejada. Assim a histérica,
continua De Matos (1985:375), “ao mesmo tempo em que está à procura permanente do
amor do outro, o recusa”. O amor, então, nunca chega e a espera por ele cria uma
expectativa angustiante que alimentará insônias, anorexia, inquietudes e múltiplos
investimentos, ou até indiferença, como forma de silenciar o sofrimento. A ausência do
objeto capaz de satisfazê-la e a falta de relações amorosas a manterá indefinidamente à
beira da depressão.
Há, finalmente, os amores excessivos de uma mãe por sua filha.
Pequena, abraçada à mãe, para dormir, como sempre — relata uma paciente — vê a mãe
tocar os genitais e lhe pergunta: “mãe, o que faz tua mão aí?”, rapidamente a mãe retira
a mão e diz: “onde? que mão? nada! Finge dormir e a mãe novamente se toca, então
senta abruptamente e apontando para os genitais da mãe afirma: “aí, mãe, aí!”
O que está aí para essa menininha que continua se interrogando anos depois na sua
análise? Prazer e horror parecem se entrelaçar nesse abraço erótico com a mãe.
As idéias de Jeanneau (1985, apud Martínez e Mello Neto, 2007) nos auxiliam. A mãe
da histérica, diz ele, utiliza o corpo da filha para se satisfazer sexualmente, procurando
para si alguma reparação narcísica ou recuperação fálica e para instalar nesse corpo suas
decepções masturbatórias. É, pois, no terreno do vínculo corporal e erótico que a criança
reencontrará sua mãe e um sentimento de estranha solidão na presença do outro. O
corpo da histérica é, então, um corpo solicitado e excitado, mas ao mesmo tempo,
decepcionado precocemente. O autor se refere aos cuidados da mãe.
Temos assim algo da ordem do impossível, onde cuidado e proteção, desejo e excesso,
oralidade e genitalidade, se contrapõem e se encontram para produzir o amor na histeria
como um sintoma conciliador. Se a procura por amor está em torno da procura de
satisfação edípica, ou mesmo de recuperar o objeto perdido do narcisismo, haveria aí,
talvez, uma tentativa de recuperar a sim mesmo como fonte de auto-satisfação. E perder
assim mesmo impõe o fracasso antecipado de qualquer possibilidade de luto, um amor
seria a salvação. Talvez, graças a esse amor que sempre se espera e se perde, a histérica
evite uma psicose, mas deixe como rastro uma melancolização, ou depressão narcísica.
Tratar-se-ia, finalmente, de um percurso em que com cada amor, além das satisfações
fantasmáticas edípicas — aí está a transferência erótica —, procure-se em si mesmo a
recuperação do corpo materno.
Referências
Cuevas P. A. Some changes observed in a clinical case. International Journal of
Psycho-Analysis. 73(2): 221-226, Sum.,1992.
De Matos A. C. De l’hysterie a la depression. Revue Francaise de Psychanalyse. 49(1):
374-379, 1985.
Feigenbaum, D. A case of hysterical depression. Mechanisms of identification and
castration. Psychoanalytic Review. 13: 404-423, 1926.
Martínez, V. e Mello Neto, G. Pathos histérico: depressão e teatralidade. Psychê,
20:79-98, jan-jun, 2007.
Ody, M. De l’opposition entre hystérie et dépression. Revue Francaise de
Psychanalyse. 50(3): 905-921, may-jun, 1986.
Ostow, M. The struggle against depression. Canadian Psychiatric Association Journal.
11(Supl): 193-207, 1966.
O amor oral e fálico na histeria
Francielle G. C. Gomes
Viviana Velasco Martínez