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As três eras do capitalismo do consumo (Marlimmendes)

A cultura do consumo (ou cultura-mundo) torna-se, em nossa era, uma espécie de


hipercultura universal: a do tecnocapitalismo planetário, das indústrias culturais, do
consumo total, das mídias e das redes digitais.

Três fases se destacam de acordo com Lipovetzky (2007) em sua obra “Felicidade
paradoxal: ensaio sobre a sociedade de hiperconsumo”:

a) Consumo sedução/distração
Começa por volta dos anos de 1880 e termina com a Segunda Guerra mundial.
Essa primeira fase se dá com a inauguração dos grandes magazines que
começam a fazer frente aos pequenos negócios (mercadinhos de “secos e
molhados”). Esses grandes mercados nacionais tornam-se possíveis pela infra-
estrutura moderna de transporte e de comunicação: estradas de ferro, telégrafo,
telefone. Com isso, aumenta-se a regularidade, o volume e a velocidade dos
transportes para as fábricas e para as cidades. Tudo isso agregado às redes
ferroviárias contribui para a ampliação e desenvolvimento do comercio em
grande escala, para o escoamento regular de quantidades maciças de produtos,
bem como para a gestão de fluxos de produtos de um estágio de produção a
outro.

b) Consumo padronizado
Institui-se a partir de 1950 e identifica-se com o que se chamou de “sociedade da
abundância” (que necessita de exibição ostensiva e notoriedade do produto e da
marca), democratizando os sonhos do Eldorado consumista (marketing voltado,
em essência, para a juventude), cuja máxima se transforma em palavras de
ordem do produtivismo repetitivo do fordismo: especialização, padronização e
elevação dos volumes de produção.
Difunde-se com a democratização e padronização do consumo e do crédito, além
de permitir que a maioria se libertasse da urgência da necessidade estrita.
Dominada por uma lógica econômica e técnica, por um lado, a sociedade do
consumo de massa apresenta-se como utopia realizada. Por outro, ela se pensa
como marcha rumo à utopia, exigindo sempre mais conforto, sempre mais
objetos e lazeres.

c) Consumo individualizado, caprichoso e emocional (visto como “antidestino”)


A sociedade do hiperconsumo inaugura-se em 1970 e cria o turboconsumidor ou
comprador móvel que não tem conta a prestar a quem quer que seja, já que o
consumo está desinstitucionalizado (é o dinheiro de que se dispõe, mais do que a
classe de origem, que faz a diferença nos gêneros da vida) – exalta-se o valor
imaterial e simbólico das marcas. Vendem-se não produtos e serviços, mas
sonhos e experiências idealizadas1 que remetem aos ideais da nova era do
hiperconsumismo (compra hedônica ou compra-festa). Segundo Lipovetzky
(2007) ocorre aí a instituição do homo consumans ou consumericus, bem como
de um novo cogito: “compro, logo existo”.
A partir daí, ressoam-se apelos à salvaguarda do “patrimônio comum da
humanidade” com o propósito de reconciliação da economia com a ecologia,
com a defesa dos grandes equilíbrios planetários, com o ideal de consumo
correto, despesa cidadã, ecológica e socialmente responsável: ecoconsumo. É o
hiperconsumidor supostamente cativado pela ética, pelo selo verde, pois o que
passa a contar é a produção de mercadorias recicláveis e as novas ordens
contemporâneas: “comam melhor, consumam saudavelmente”. Foi-se a época
feliz e despreocupada da mercadoria, o tempo agora é o da hipermercadoria
medicalizada, reflexiva e preventiva, carregada de preocupações e dúvidas,
exigindo mais atividade responsável de seus atores. É o tempo da medicalização
da saúde e da existência, onde as pílulas da felicidade (Prozac, Fluoxetina,
Viagra e outros) abundam: prevalece a vigilância higienista e a otimização da
saúde.
Por fim, segundo Lipovetsky (2007), o que se representa na cena
hiperconsumidora é tanto “Narciso libertado quanto Narciso acorrentado”.

1
Espiral consumidora construída pelo desejo de auto-governo e que produz sensações caleidoscópicas,
fugazes e lúdicas. Triunfa-se o “cliente-rei”, pois ocorre uma espécie de consumo regressivo
(adulescentes), ou seja, desejo de retornar ao princípio do puro prazer como uma condição de gozo,
próprio de uma cultura hedonista e juvenil.

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