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Arnnx Scener
Eorronus
Joáo de Almeida
Joáo Luiz da Silva Almeida

CoNsELHo EDtrÕRre CoNsELHo Corsurrrvo


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Clessrcos DE TEoRTA Do DrRErro
Lúcio Antônio Chamon Junior
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2a
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Marcos Juruena Villela Souto revista e ampliada
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Sumário

Nota à 2a Ediçáo.... xul

John Austin (A Delimitaçáo do Obieto do Direito) t


Introduçáo I
1". A delimitação do objeto do Direito (apresentação)...................... 1,

2. As "leis" (the laws) 2


3. Os componentes "elementares" do Direito 4
4. A centraÌidade da idéia de soberano 6
5. O "soberano" e os outros "superiores políticos" de Austin........ 9
5.L. A superioridade do soberano............. 1'2
5.2. Soberanos "monocráticos" e soberanos "colegiados 13
6. O pacto civil. fundamental .......... 1.4
7. A "sançáo" l-6
B. Comandos sáo artefatos do soberano....".^........ 17
9. "Fontes do direito" e "legislaçáo delegada' 18
10. "Nulidades" como "sanções" 21'
I1.. "Deveres" e "dever jurídico" 2t
12. Os "direitos subjetivos". 23
13. Leis "anômalas" .......... 25
L4. Moral e direito...... 26
15. Os governos "de fato" e "de direito"................ 27
16. Conclusão 28
Nota biográfica............. 28
Nota bibliográfica.......... 29

Hans Kelsen (Teoria Pura do Direito) 31


Introduçáo 31
1,. Teoria Pura do Direito (apresentação)....."........ 32
2. O significado da Teoria Pura do Direito 33
3. Ciência, ciência do Direito, ciência da natureza 34
4. Normas em geral e normas jurídicas 35
4.1". O Direito como técnica social específica 35
4.2. Coer.cítiva ...........,.. 36
4.3. Diversa da ordem natural ....... 37
5. Relaçóes de funclamentaçáo. Dinâmica e estática 40
6. Constituiçáo, co':cretizaçáo e o ato do salteador de estradas... 42
'/. Nonna furrdamenlal e pirâmide 45 -: Il,rr|, Aru;l.ttr c o "l)irt;il<-l"........"....... 105
B Com os "oculos" de Kant..'... 49 i iiolrrc rr <lcÍirricit<-r cle "Direibo' 105
9. Eficácia gtobat da ordem jurÍdica e revoluçáo 53 .l ( )lx)r;t(ioosArrstin
ar 1.O7

10. A justiça e o direito natural....'." 55 4 l. lrrsrríiciência da caracterizaçáo do Direito como "ordens


56 lxrseaclas em ameaças" ................ 108
1,1. "Ciência iurídica" e "preditividade"
12. Conclusão 61 4 2. lrrsrrficiência do critério do soberano como "chave do Di-
Nota biográfica ..........'.. 63 rr: i l.o " . . . . . . . . . . 113
Nota bibtiográfica......'... 63 4 1Ì Deficiência na noção de soberania ilimitada de Austin....... 117
I l;illiLos e regras sociais 118
Alf Ross (Sobre o Direito e a Justiça) 65 ír "St:rrtir-se" obrigado e "estar" obrigado 1.22

Introduçáo 65 ljir;l.emas simples e sistemas complexos 1.23

L. Sobre o direito e a justiça (apresentaçáo) ."""" "" 65 ll


A "determinaçáo" da regra de reconhecimento e a "relevância"
2. Kelsen e Ross 66 r lo grupo que a determina........... r26
3. Linguagem, normas, ordenamento jurídico" ' 67 l)irt.oìogia e surgimento dos sistemas jurídicos 1.28

4. Uma ciência social emPírica 70 lo "'I'extura aberta": o direito entre o formalÍsmo e o antiforma-
5. A vigência do "jogo de xadrez" 71. 1isrno."......... 130
6. O "direito" vigente 74 il A regra de reconhecimento diante da "textura aberta".......".". 133
7. Institucionalizaçâo, destinatários das normas e força""' 75 | .t. (jaracterísticas da regra de reconhecimento ............ 135
8. Os fatores da realidade psicofísica do direito"' 79 l.ì Norma fundamental e regra de reconhecimento: diferenças..... 135
L Atos "interessados" e atos "desinteressados""""" 82 l/l lìegra de reconhecimento como constituiçáo?...... 1.37

10. A ideologia das "fontes do direito" 84 llr Moral e direito......... 1.37

1,1,. Constituiçáo, norma básica e reforma 87 l{; Conclusáo 143


12. "Ciência", "direito vigente", "ciência jurídica" 8B Nota biográfica ............. 144
12.1". Norma "aPlicada".. 91 Nota bibliográfica.......... 144
L2.2. Norma "aplicada pelos tribunais"..." """' 92
12.3. Verificaçáo de proposições jurídicas atinentes às normas lÌonald Dworkin (Levando os Direitos a Sério) 1.47

de comPetência ....'....... 93 Introduçáo 1.47

1,2.4. Duelívas (normas), proposiçÕes ( as serçõe s ) verificáveis e Levando os direitos a sério (apresentaçáo)...............
I 1.48

grau de cetteza"..... 94 :). Dworkin e Hart 1.49

12.4.L Incerteza Relativa ao Elemento Probatório 95 Modelo das regras e modelo das regras e dos princípios......'... 150
1.2.4.2. Incerteza Relacionada à Atividade Interpretativa " 96 ,1 "Casos difíceis" 155
1"3. Um conhecimento integrado (ciência do Direito e sociologia ju- lr Discricionariedade judicial 1.57

rídica) 97 Í; Direitos "jurídicos" e o juiz Hércules 162


1.4. O direito natural 99 O jogador que sorri, teia inconsútil e resposta certa...'.... 165
15. Duas questões para Ross '......'... 99 O Império do Direito... L68
16. Conclusáo 100 1) A tese do aguilháo semântico 1.70

Nota biográfica ............. 101 l0 Dworkin e a interpretaçáo jurídica................ 174


Nota bibliogrâfíca.......... 1.O1. 10.1. O Direito como uma "prática social" interpretativa........." 174
10.2. Conceito e concepçáo ............. 1.75

Herbert L.A. Hart (O Conceito de Direito). 103 10.3. Interpretaçáo construtiva, interpretação literária e "hipó-
Introduçáo.... 103 tese estética" ............"... 177
1.. O conceito de 1.04 10.4. Atitude interpÍetativa e cortesia............... 1.79

X
xi
Fundamentos e força do direito
1.1..

12. Direito como integridade


1.84
188
Nota à 2a Ediçáo
13. Teoria do Direito e integridade 192
L4. Conclusáo 193
Nota biográfica 195
Nota bibliográfica 195
(iaro Leitor,
John M. Finnis (Lei Natural e Direitos Naturais) 1.97
Introduçáo 1.97 Llsta ediçáo que agora é publicada mantém os mesmos propósitos
1". Lei natural e direitos naturais (apresentação)......... 198 r l;r ;rrrLerior: condensar material de estudo sobre as principais tradições
2. O ponto de partida de Finnis 199 yrrri<licas apartir da análise das obras de seus protagonistas.
.t. Casos centrais e casos periféricos 201. Assim, neste volume, como antes, tivemos o cuidado de propor-
4. Pressupostos da teoria de Finnis 203 {:r()niìr uma breve introduçáo indicando a corrente de pensamento sob
4.1. As formas de "florescimento" humano: os ,,bens básicos" . 203 lot;o, a importância do autor e como entender, em linhas gerais, os
4.2. As exigências da razoabilidade prática ................. 208 ;r:;1;octos destacados de sua contribuiçáo. Isso, sem descuidar de notas
4.3. Comunidade e autoridade. 21.2
lrror;ráfica e bibliográfica individualizadas' Neste sentido, a funçáo
5. Leis injustas e a obrigaçáo moral de obedecer ao direito 21.6
r lq;l.c' livro é claramente a de servir de apoio aos estudos de introdução
6. O Estado e a imposiçáo de sanções................ 21"9
7. "Bem-comum", "justiça", "direitos humanos,,.. ,ro rlireito, filosofia do direito e teoria do direito dos cursos univer-
220
8. "Direitos" e "direitos absolutos" 221,
r; rl,;i rioS.
9. O "Império do Direito" Tendo em vista a orientação acima, realizamos uma revisáo no
223
10. Conclusáo tcxl.o original com o objetivo de torná-lo menos imperfeito. Além disso,
225
Biografia 226
;rt:rOscentamos um quadro de síntese ao capítulo "Ronald Dworkin -
Bibliografia 227
(l,cvando os Direitos a Sério)" e ainda apresentamos ao Leitor um Ca-
lrit,rrlo inédito intitulado "John Mitchell Finnis - (Lei Natural e Direitos
Referências Bibliográficas 229 N;rt,qrais)". Sinceramente, esperamos que a lacuna inicial de este tra-
lr;rlho náo possuir nem mesmo uma referência ao "neojusnaturalismo"
Indice Remissivo 233 c:;l.r:ja momentaneamente resolvida.
Por fim, agradeço pela gentil acolhida destes trabalhos e sirvo-me
r lcsta ediçáo para expressar minha alegria por terem possibilitado que
u;1.t,'s escritos não ficassem apenas destinados à minha gaveta'

Rio de Janeiro, março de 2008.


Adrian Sgarbi
As "Leis" segundo John Austin
Hans Kelsen
(Teoria Pura do Direito)
Leis "divinas" Leis estabelecidas por''superiores
polÍticos" aos Ínferiores "políticos" "A despolitizaçáo que a Teoria Pura do Direito exige
Leis "propriamente Íjo refere à ciência do Direito, não ao seu objeto, o Direito'
drtas" Leis produzidas pelos "superiores
Leis "em sentido O Direito náo pode ser separado da política, pois é essen-
políticos subordinados"
estreito"
cialmente um Ínstrumento da política. Tanto sua criação
Leis produzidas pelos "indivíduos como sua aplicaçáo sáo funçóes poiíticas, é dízer, funções
privados"
determinadas por juízos de valor. Porém, a ciência do
"Leis em sentido Leis interpretativas Direito pode e deve ser separada da política, se é que
arn plo
Leis revogadoras
pretende valer como ciência."
Leis "anômalas"
H. KeÌsen
Leis imperíeitas

Ditados de moda

Leis "por
Honraria lntroduçáo
Leis "impropriamente analogia" [-eis internacionais
ditas''

considerado um dos maiores nomes da teoria jurídica do século


ldéias ÕÕmuns entÍe os homens
(moral positiva)
Leis observadas pelos xX, Hans Kelsen assume o objetivo primário de elaborar uma teoria
animais Ìnferiores
Leis "por
qlokral ou geral do Direito (allgemeine RechtslehÍe). Seu empreendi-
l-eis de crescimento e
metáforâs" deteriorização dos animais Inento cobrou esforços em inúmeros setores do conhecimento, tais
Leis que deierminam o movimento como, dentre outros, a epistemologia, a política, a sociologia, a teolo-
L das massas e dos corpos inanimados
qia e a psicanálise. É Oificit no que diz respeito a um autor de sua
()nvergadura destacar a influência que desempenhou e desempenha.
Atualmente grande parte dos conhecimentos transmitidos e utiliza-
clos no mundo jurídico resulta de assimilaçóes dos ensinamentos de
I(elsen que praticamente no dia-a-dia perdem o seu nome, mas, caso
se procure em seus escritos, "ele está Iá"'
De fato, Kelsen alcançou notoriedade como sendo o autor da Teoria
Pura do Direito. Entretanto, a Teoria Pura do Direito náo é apenas o
nome de um livro, mas de um projeto; projeto de elevar o direito à posi-
ção de "ciência jurídica". Desde as Problemas F|ndamentais do Direito
Publico, ano de 191-1", passando pelas versóes do livro "Teoria Pura" de
1.934 (laediçáo), 1953 (ediçáo francesa intermediária), L960 (2a edição),
ate a Tëoria Geral das Normas, livro editado postumamente no ano de
1979, Kelsen se esforçou por estabelecer limites claros, além de respos-
t.as, ainda que nem sempre bem acabadas, ao seu maior propósito: a
elaboraçáo de uma teoria do direito positivo que fosse independente
cÌos particularismos da realidade de cada país.

31
Arlrl;üì j;rtir

1. Teoria Pura do Direito (apresentação) 2. O significado da Teoria Pura do Direito

Resultado de muitos outïos escritos de Kelsen e, inclusive, de ao A cornpreensão do significado da Teoria Pura do Direito cobra a
menos outra versáo conhecida (versão de 1934), a Teoria pura do "pura";e o entendi-
lrcrt:r,'pçáo de dois pontos básicos: o significado de
Direito é uma das obras mais importantes de todo o século xx. A nrorrlo "a quê" essa "pureza" se refere.
sucessão dos capítulos segue rigorosamente a pretensáo de seu Com respeito ao primeiro ponto, diga-se que "pura", bem como
autor: o desenvolvimento de uma "teoria jurídica consciente da sua "l)rrïeza", é palavra que expressa o que os teóricos do Direito ainda náo
especificidade porque consciente da legalidade específica do seu t;onsequiram obter, mas que cabe, a ele, Kelsen, viabilizar: uma leitura
objeto".t Assim, no Capítulo I, a idéia de norma jurídica é exposta gspecífica da "juridicidade", sem interferências de outros campos do
como um esquema de interpretação objetivo dos fatos relevantes r;onhecimento que não agem na precisa delimitação do direito: a nolma
para o Direito, de modo que temas como a ordem ,,social" e a ordem lrrrídica. isso significa que os aspectos "factuais" (por exemplo, o con-
"jurídica" encontram espaço neste capítulo inaugural. Após explÍcar l,<.,udo da norma), "políticos" (finalidade econômica, religiosa, social
a importância da idéia de sanção, o Direito é apresentado como uma ()t.c.), ,,sociais" (o comportamento dos sujeitos), "psicologicos" (a inten-
prescriçáo), se náo
técnica específica de controle social, o que possibitÍta seja, já no çáo do legislador) e "éticos" (o valor envolvido na
capítulo II, enunciada a distinçáo entre direito e moral. No capítulo ;rqxiliam na descriçáo especificamente "jurídica" das normas, devem
III, I(elsen distingue "normas" e "proposições jurídicas" com a conse- ser afastados de seu campo explicativo.2
qüente delimitaçáo do papel das autoridades normativas em compa- Exatamente por isso, como segundo ponto, a qualificadora "pura"
raçáo ao que cumpre aos juristas ou aos cientistas do Direito fazer. No refere-se à "doutrina" e, não, ao "direito". Porque o "direito", bem sabe
capítulo I\d a mais influente exposição dos conceitos fundamentais I(elsen, é campo da disputa poÌítica e d"a afirmação de valores. ou seja,
do direito até os dias de hoje é exposta; isso, como que pontilhando o papel da ciência jurídica é diverso do da política. Enquanto a política
as observações metodológicas assentadas nos capítulos I, II e III. t.rata da utilidade ou inutilidade de produzirem-se certas normas, ou'
Pode-se considerar este o ponto de partida para qualquer reflexão tÌÌesmo, a bondade ou a maldade de determinadas condutas com o
contemporânea sobre as idéias de "sanção", ,,dever jurídico", ,,direi_ objetivo de protegê-}as ou náo, cumpre à ciência jurídica identificar e
to subjetivo", "capacidade jurídica", "relação jurídica" e ,,sujeito jurí_ clescrever as normas que compóem determinada ordem jurídica.
,,Identificar" paÍa se saber o que se deve descrever; "descrever" para
dico" (individual e coletivo). No capítulo V a teoria da dinâmica jurí-
dica ó desenvolvida; com ela, Kelsen ilustra o que se deve entender se poderem transmitir informaçÓes sobre o que elas, as normas, esta-
por "teoria escalonada da ordem jurídica", "norma fundamental", belecem Como comportamento devido. Poltanto, quando se descreve
"rompimento" da referôncia constitucional e "princípio da eficácia algo, deve-se caracterizar esse "aÌgo"; náo, partir-se de compreensões
que possam obscurecer o caráter informativo do que se examina. Este
global da ordem jurídica". No capítulo vI aplica a metodologia da
Teoria Pura ao Estado. No capítulo vII nosso autor ilustra as relaçóes
o objetivo da teoria pura. Diz l(elsen: 'A despoÌitizaçâo que a teoria
Pura do Direito exige se refere à ciência do Direito, náo ao seu objeto, o
entre Estado e Direito Internacional, bem como expõe a teoria da
direito. O Direito não pode ser separado da política, pois é essencial-
norma fundamental da ordem internacional. No último capítulo,
mente um instrumento da política. Tanto sua criaçáo como sua aplica-
capítulo vIII, Kelsen desenvolve uma idéia toda particular do que por juízos de
seja a "interpretação jurídica" e em que se diferenciam os advogados,
çáo sáo funções políticas, é dizer, funções determinadas
valor. Porém, a ciência do Direito pode e deve ser separada da política,
os juízes e os juristas quando se mantêm adstritos ou náo à moldura
se é que se pretende valer como ciência".3
de possibilidades semânticas das normas.

2 H. KeÌsen (1960), p. 1.
H. I(elsen (1934), preÍácio. 3 H. I(elsen (1953), P. 29.
Arlrrrtrr iirl;rr ( ilrulrrlorr rlr, 'll'nt tit rl

3. Ciência, ciência do Direito, ciência da natureza :ro). Apcrrirs acerÌtua a importância de se saber quando está em ques-
tir() rÌiìo rrrn dever em geral, mas um dever jurídico em particular.
Nesse sentido, "ciência", para Kelsen, é conhecimento que
"explica", que apresenta algum "controle" e que torna possível a ,,pre- 4. Normas em geral e normas jurídicas
diçáo"; portanto, um conhecimento conseqüente cujo mérito é o de
possibilitar afirmações em certo sentido "seguras" com respeito às Tïês aspectos auxiliam a responder essa pergunta: a) a idéia de
ocorrências futuras. :;cr o direito uma técnica social específica; b) coercitiva; e c) diversa da
O modelo que Kelsen tem em mente, como referência, é o modelo orrlem natural.
da "ciência da natureza". o cientista da natureza descreve os "fatos
naturais". os fatos naturais são regidos pelo "princípio da causalida- 4.1,. O Direito como técnica social específica
de". Dessa forma, os cientistas da natureza, através de observaçáo e
testes, formulam "leis" gerais com o objetivo de transmitir o conheci- O Direito é uma técnica de motivaçáo indireta das condutas
mento aprendido.4 A utilização desse conhecimento fornece, por con- Irrrmanas, diz Kelsen. "Indireta" porque o comportamento conforme
seguinte, previsão acerca das possibilidades de certos eventos nova- r'r obtido através do uso de sançóes punitivas socialmente organiza-
mente ocorrerem. rl:rs. Isso náo apenas implica a racionalidade do homem como ser
Pensando-se em um lápis na mão de uma pessoa, sabe-se que o (lue compreende o prejuízo da sanção; mas, também, a função da
lápis apenas fica suspenso em razáo da mão que o ergue. ,,Solto", a r;ançáo de atuar como instrumento de reflexáo entre as opçóes de se
força da gravidade atua no Ìápis, inexoravelmente; forma-se, assim, a rrgir conforme os próprios desejos e estar sujeito à sanção, ou agir
"trajetória de queda". Portanto, o homem náo criou a gravidade; ele, r;onformando-se ao prescrito pelas normas jurídicas e evitar o prejuí-
apenas, conseguiu descrever o fenômeno de sua ocorrência. como se zo que ela estatui.s
pode notar, o teste empregado foi o da experimentação por controle Nesses específicos termos, a conseqüência jurídica de qualquer
empírico. A partir dele, formulou-se a "lei geral da gravidade,', que, regra do Direito resulta de um ato do Estado. Mas isso não significa que
por sua vez, possibilitou a transmissão do conhecimento obtido. Sabe- a condição de toda norma jurídica tenha de ser um ato ilícito, um deli-
se, agora, que, dada a "força" da gravidade, os objetos ,,formam traje_ lo. É plenamente possível que seja um fato natural, como uma epide-
tória de queda" quando soltos no ar; assim, em todo lugar que se man_ rnia que resulte na decretaçáo de quarentena. De qualquer forma,
tiver mesma condiçáo, iguaÌ efeito sucederá. Tem-se, dessa forma, a ainda que seja um "ilícito", longe de ser um ato "antijurídico", é, por
possibilidade de prevê-lo. definiçáo, um "ato jurídico". Sobre o assunto, entende Kelsen, a condu-
Kelsen, com o objetivo de formular uma ,,ciência do Direito", quer ta ilícita náo é um ato "contra" o Direito, mas o "pïessuposto" que
o mesmo para o conhecimento jurídico. ouer formulações que permi- licencia o uso da sançáo.
tamtrazer segurança ao que se diz sobre o Direito, isto é, sobre as nor- Disso decorre que a "paz" produzida pelo Direito apenas pode ser
mas jurídicas. Entretanto, Kelsen se depara com um problema: a norma "relativa". "Relativa" porque, se se entende por paz a "ausência de
jurídica é uma estrutura de dever; estrutura de dever que também está força", como o Direito precisa da força para conter os impulsos agressi-
presente no campo "moral" e no campo "religioso,'. portanto, precisa vos, a paz que promove não é absoluta. O Direito combate a força arbi-
circunscrever o "dever jurídico". Evidentemente que isso não significa trâtia substituindo-a pela força regulada por normas e parafraseada em
seja impossível haver um dever jurídico "moral" (ou consentâneo com pressupostos, requisitos e ritos de aplicaçáo.6
a moral), ou com o dever religioso (ou consentâneo com o dever religio-

5H Kelsen (1941), pp. 225-226.


4 H. Kelsen (1960), p.2. 6H Kelsen (1941), p. 232.

34 35
Arlrrirrr liryillri ( il;'llitrlrl; tlr''lì'ttt t;t t I

A segurança coletiva visa à paz, pois a tr)az é ausência


emprego da força física. Determinando os pressupostos
do ;r c;orrduta devida designa de normas "secundárias", de "espectros" ou
quais deve recorrer-se ao emprego da sob os "r<-'flexos" das primeiras.T Com isso, reconstrói a formulação de lhering,
força e os inàivíduos peros tlre havia chamado de "primárias" as normas atinentes aos cidadãos; as
quais tar emprego deve ser efetivado, instituindo
um monopório da normas, de conduta; e de "secundárias", as normas dirigidas aos juízes,
coerção por parte da comunidade, a ordem jurídica
paz nessa comunidade por ela mesma constituída.estaberece a pois e deles a tarefa de aplicar as sanções, no caso de desobediência.8
Direito, porém, é uma paz relativa, e náo uma paz
A paz do Contudo, nem todas as normas presentes no conjunto normativo
absoluta, pois o são dotadas de sanção. Para esse problema, Kelsen oferece duas res-
Direito não exclui o uso da força, isto é, a coaçát
física exercida por postas. Em primeiro lugar, as nulificaçóes sáo concebidas como san-
um indivíduo contra o outro. Não constitui uma
ordem isenta de
coação, tal como exige um anarquista utópico. çóes em sentido amplo (Kelsen segue aqui construção que alcançou
o Direito é uma notoriedade com John Austing). Em segundo lugar, no que toca às
ordem de coerção e, como ordem de coerção, _
é conforme o grau
de evolução - uma ordem de segurança, queï demais normas, elas sáo noïmas "incompletas", "náo-autônomas" ou
dizer, uma ordem de "fragmentos de norma", cuja característica é a de serem identificadas
paz [H. Kelsen, Tp2, p. 41,].
a partir de uma dependência em relação às normas sancionadoras.l0
4.2. Coercitiva Por outro lado, consigna l(elsen que a ordem social náo apenas regu-
la as condutas humanas quando vincula um específico comportamento a
Foi dito que uma norma em geraÌ exprime uma sançáo, mas também quando não proíbe uma conduta, ou deixa de
um dever; este, por sua prescrever algo como devido: uma conduta não juridicamente proibida é,
vez' participa do contexto técnico-jurídico de
atuar como instrumento
de motivação para as condutas humanas. em ao menos algum sentido, juridicamente permitida. Portanto, nem
Kelsen, contudo, afirma que os "deveres" normativo-jurídicos toda conduta permitida importa em uma obrigaçáo correlativa de outra
não pessoa; logo, pode haver um conflito para o qual a ordem jurídica náo
se diferenciam, em essência, dos ,,deveres,,
morais, porqú" todos eles
estatuem compoïtamentos devidos. Nega l(ersen estatui qualquer disposiçáo. Uma conduta pode não ser proibida a um
a reÌevância da dis_
tinção, particurarmente professada durante os indivíduo, e, ao mesmo tempo, também não ser interdita a outro indiví-
séculos XVII e XViII,
segundo a quar uma corresponde a sançóes internas duo em açáo que àquela se opóe. Dessa forma, como as ordens jurídicas
(morar), e outra, a
sanções externas (direito). Tanto o direito quanto náo têm como limitar a totalÍdade da conduta dos indivíduos, mas, sim,
a moral pïescrevem
normas de conduta; ambos compõem estruturas ,,sociais,,. restringi-la mais ou menos, conforme a quantidade de prescrições edita-
Portanto, com vistas a diferenciá-los, acentua
l(elsen a peculiari- das, para Kelsen há, sempre, um "mínimo de liberdade", mesmo nos
dade de o direito ser formado por comandos sancionados, regimes mais totalitários. Esse mínimo é relativo à ausência de discipli-
paldadas no uso da força física monopolizada ordens res-
peÌo Estad.o. ou seja, a na da conduta humana, da limitaçáo técnica do próprio direito.ll
ordem jurídica se diferencia da ordem normativa
morar pelo modo
mediante o qual prescreve ou proíbe certa conduta. 4.3. Diversa da ordem natural
O Direito
impedir a realização de determinado conÌportamento, procura
(imputando) à conduta contrária um ato atribuindo
cle coerÇáo socialmente orga_ AIém de o direito ser uma "técnica especÍfica de motivaçáo" e de
nizado: o Direito possui carâter coercitivo. ser constituído por "deveres apoiados na força", seu princípio de regên-
E exatamente pelo fato de o direito se valer cia, como princípio social, difere, entende Kelsen, do princípio de regên-
da técnica de motivação
indireta, através do emprego de sanções pr,r'itivas
socialmente organiza-
das, que cumpre, às sançoes, a tarefa crc, rrir
composição da operaciona-
lidade jurídica, condicionar as cond'[as rrrr'ranas, 7 H. KeÌsen (1945), p. 86.
inculcando o devido e 8 R.Von Iherlng (1883), pp. 232-233.
desalentando o proibido. Kelsen as intil.rrl., por
isso, de normas ,,primá_ 9 J. Austin (1861), p. 457.
rias" e as predica de "verdadeiras Já as normas que explicitam 10 H. Kelsen (1960), p.62.
'orrrrirs;". 71, H. Kelsen (1960), pp. 46-48.

.íb
3t
Arltitrtr Stlirrlrr (.ll;irritrror tlr'lÌrttt iit tltt I )ltltltt

cia dos fenômenos não-normativos, ou seja, daqueles


que náo expres- Nesle Çontexto, "mundo do ser" significa realidade natural (mun-
sam um "dever". Não obstante, o termo "lei"
é empregado r16 Íísico), plano existencial determinado pela ocorrência de um nexo
"o-rr-Àt"
tanto com referência a fenômenos normativos (como
as ,,leis,, jurídicas, rratturalístico necessário, o qual o pensamento humano meramente
as "leis" morais etc.), como náo-normativos (como
as ,,leis da fisica,,). (jonstata. De outra parte, é caso pertencente ao mundo normativo,
Esse é o caso quando se diz; "Essa 'lei' foi
elaborada pelo legislador oxplicável pelo "princípio da imputação" (relaçáo de condição e conse-
constituinte"; "É ,rma 'tei' da física a dilatação dos
metais quando
- aque- qüência atribuída pelo homem), quando há a descriçáo de uma relação
cidos"; "Respeitar os mais velhos é uma ,tói, morat,,
etc. <-'specífica estabelecida entre dois fatos diferenciados dos aconteci-
Para extremáìos, Kelsen afirma que, enquanto
as ,,leis,, dos fenô_ rnentos causais, em virtude de ser essa relação alheia aos fatos que
menos da natureza são edificadas com base ,,princípio
no da causarida- clescreve; ou seja, eles encontram sua razâo de ser apenas nas normas
de", os acontecimentos normativos se apóiam em princÍpio
"princípio da imputaç ão" .12 por outras paÌavras, diverso, no que os vinculam, transformando as ações humanas em ações humanas
cia específica do mundo da natureza, e, poÍtanto,
trata-se de circunstân_ normativamente qualificadas.14 O mundo dos "deveres" expressa con-
salidade" (reração de causa e efeito), quando rrá
do "princípio da cau- tingôncia, mutabilidade histórica, e, náo, necessariedade "natural".
impiicaçào entre um Natureza e sociedade são realidades heterogêneas; o direito é um arte-
fato temporarmente anterior que seja determinante
materiar e necessá_ fato, um produto do engenho humano.
rio da ocorrência do fato posterior. se aquecermos
um metal x, ere dila-
ta. Essa diÌatação é decorrência necessária do
aquecimento do metal x A forma verbal em que são apresentados tanto o princípio da
e o experimento se repete em todo lugar e em quarquer
que o método causar-explicativo satisfàz
tempo, com o causalidade como o da imputaçáo é um juízo hipotético em que
a exigência da ilustração. um determinado pïessuposto é ligado a uma determinada conse-
Por outras palavras, com base no princípiã
Oa imputação, assume_ qüência. O sentido da ligação, porém, ó - como já vimos - diferen-
se um fato como condição de um outro conectado
com o anterior poï te nos dois casos. O princípio da causalidade afirma que, quando
uma vontade atrihrutiva do víncuro: "ouem mata
deve ser punido,, ou é A, B também ó (ou será). O princípio da imputação afirma que
"Matar alguém, pena". A reraçáo entre o
ato de matar e a punição não quando A é, B deve ser. Como exemplo de uma aplicaçáo do prin-
existe "por natureza", por "relação causal", mas
em razão da norma cípio da causalidade numa lei natural concreta, remeto para a lei
que instaura a primeira como conseqüência
da segunda. ,,Matar já referida, que descreve a açáo do caìor sobre os metais. Exem-
alguém, pena" é a relação estabelecida pela vontade
h,mana; a condi_ plos de aplicações do princípio da imputaçáo no domínio das ciên-
ção "Matar alguém" não é condicionada, ela náo constitui conseqüên_
cia de uma precedente condição; e o ,,comportamento,, cias sociais normativas são: quando alguém te fez algum bem,
e a ,,condição,, deves mostrar-te agradecido; quando alguém sacrifica a sua vida
estabelecidas sem a norma nada significam para
o Direito. pela pátria, a sua memória deve ser honrada; quando alguém
Comparando essa situaçáo com a reÌação de causalidade,
que a reração de causaridade não é criada pera tem_se pecou, deve fazer penitência [H. Kelsen, TP2' p. 100].
vontade humana, pois
os metais se dilatam quando aquecidos independentemente
da vonta_ É exatamente pelo fato de as normas pertencerem à vontade
de do homem; a causa, ,,o calor que provocou o
aquecimento,,, está humana que, como valoraçóes que sáo de fatos aos quais qualificam,
ligada ao evento anterior que promoveu o calor;
a conseqüência, o náo há necessariamente mesmas normas em ordens jurídicas diversas
aquecimento do metal, está relacionada ao caror.
ou seja, demais da como, também, perpetuidade de normas em uma mesma ordem jurídi-
vontade humana interferente, a reração de causalioaáe
pressupoe,
sempre, uma outra causar ao passo que a relaçáo ca. Não há necessariamente mesmas normas em ordens jurídicas dife-
de imputação não é
necessariamente dependente de alguura conseqüência rentes pela razão de culturalmente fatos considerados dignos de prote-
anterior.l3 prote-
çáo em um dado país poderem náo desfrutar de mesma posição
72 H. KeÌsen (1945), pp.64_66
13 H. KeÌsen (1960), p. 101.
t4 H. Kelsen (1945), p. 64.
Arlrrntrlì1lrllrr { ;lr'urriir'orl r lo 'll'ot tit t I

Loríì clrÌ outro país de cultura distinta. Além disso, náo há pL.rpetuida- rlrrirl, jtrst.agtertte por Ser uma ngrma, posSui o Sentido que o autor pre-
de de normas porque as valorações humanas mudam no tempo. Hoje, t,crrrlc: clar-lhe; para se saber se esse ato (esse sentido) é um aconteci-
tem-se uma determinada conduta como merecedora de proteção; ama- rrrr:rrLo jurídico (váIido), deve-se verificar se o sentido subjetivo mani-
nhã, esta mesma conduta é tida como irrelevante. É nesse sentido que ÍOsf.ado pelo agente concorda com o sentido objetivo da norma, isto é,
a técnica das revogações normativas desempenha papel crucial para o rc esta lhe fornece fundamento.
Direito: ela possibilita a contínua alteração das normas à mercê das seguindo esse ponto de vista, o vocábulo "validade" expressa a
mobilizaçoes valorativas e discussões políticas que as envolvem. ( joÌnpreensáo de que a norma existe e que, por existir, é
juridicamente
Em síntese, há três ingredientes a partir dos quais Kelsen constrói gbrigatória.16 Mas obrigatória em um duplo sentido: de que é obrigató-
sua idóia de "direito": o primeiro ó formal; o segundo é material; e o ter- r ia para os sujeitos normativos e de que é obrigatória
para os órgãos
ceiro é funcional. o "ingrediente formal" consiste na percepção de que lurisdicionais, os quais devem aplicá-Ia coativamente, toda vez que
as normas sáo estruturas de "dever" e que, portanto, o direito é com- t.iver sido descumprida. Portanto, conforme a teoria kelseniana, dizer
posto por "normas", por "prescrições,' para as condutas humanas, (lue uma norma é válida é o mesmo que dizer que existe no conjunto
enfim. o "ingrediente material" respalda-se no entendimento de o con- rrormativo e que, por existir, deve ser obedecida e aplicada juridica-
teúdo das normas jurídicas serem "sanções negativas',, isto é, são, rnente. A questáo, assim, passa a ser qual o critério objetivo de aferi-
sempre, previsões de coação. o terceiro ingrediente, "ingred.iente fun- ção da validade das normas. segundo l(elsen, há dois tipos de deriva-
cional", apóia-se na compreensão de o direito ser uma "específica téc- cáo possíveis: (L) ou bem a derivaçáo é "estática", ou bem (2) a deriva-
nica social". Nesse particular, o papel da ciência jurídica é descrever ção normativa é "dinâmica".17
este objeto, as estruturas de d.ever com essa tríplice composiçâo enun- Em um "sistema normativo estático", a derivação normativa pode
ciada. Entretanto, é imprescindível que isso seja feito de acordo com o ser traduzida como uma seqüência de deduçóes lógicas; por essas deri-
"princípio de imputação", ou seja, a específica percepçáo de serem vações, dá-se a leitura de pertencimento ao conjunto normativo em
esses vínculos de "fato" e "conseqüência" estabelecidos pela vontad.e razão de seu conteúdo. Sua característica é o de as normas já estarem
humana, não decorrência da natureza. "implicitamente" estabelecidas pela norma de origem, pois dela foram
Já se sabe, assim, em que consiste o ,,objeto" da teoria ,,pura" e obtidas mediante uma "operação intelectual de inferências". Para
como este se encontra circunscrito. Mas, L) o que torna o resultado de Kelsen, os sistemas normativos morais sáo exemplos típicos de siste-
um ato humano umâ norma jurídica? 2) por que considerá-lo? Na mas estáticos, porque, a partir de normas consideradas auto-eviden-
seqüência, o ponto 1) será analisado no item (b); e o ponto 2), nos itens tes, é possível se obter outras tantas normas que delas sáo ilaçóes.
(6), (7), (8) e (e). Normas tais como "náo deves mentir", "não deves enganar", "deves
ser fiel à tua promessa" sáo deduzíveis de uma norma geral que pres-
5. Relações de fundamentaçáo. Dinâmica e estática creve a honestidade. Da norma "amarás o teu semelhante", podem-se
deduzir normas tais como "náo deves ferir teu semelhante", "deves
"Fundamentar" o Direito significa responder à interrogação do atudá-lo quando ele estiver necessitado", e assim por diante'18
porquê devem ser acatadas as normas de um ordenamento jurídico Por outro lado, em um "sistema normativo dinâmico", a relaçáo
positivo. Essa relaçáo de fundamentaçáo é necessária para atribuir ao normativa pode ser traduzida por sucessivas autorizações, isto é, as
sentido subjetivo dos atos de vontade (a avaliaçáo individual de seu normas sáo organizadas a partir de outras normas que conferem o
significado) um sentido objetivo, um sentido que auxilie na distinção poder de produção normativa a alguém, pois instituem "autoridades
entïe um acontecimento exterior "relevante" de um acontecimento prod.utoras de normas". com efeito, uma norma será váIida se e somen-
"irreÌevante".para o Direito.ls por outras palavras, uma norma indivi-
16 H. Kelsen (1960), P. 11.
1,7 H. Kelsen (1960), PP. 277-227.
15 H. Kelsen (1960), p. 4 18 H. Kelsen (1945), P. 164.

40 41
Arltirrrr lirtrrrlrj ( ;litrrl{rrr tlo'llrot lrr rI

te se for produzida pela autoridade competente para tanto, atendidos :;c crrl.ender a que regula a criação da inferior-fundada; e, por sua vez,
os procedimentos estabelecidos para o desempenho dessa atividade. E
l)()Ì rìorÌna "inferior-fundada" aquela que foi regulada em sua criaçáo
é exatamente em razáo do uso dessas normas de competência que
l)or uma norma superior-fundante.2O Esse processo peÌo qual se obtém
estes sÍstemas se modificam.
lÌ()rrnas cada vez mais específicas Kelsen chama de "concrelizaçáo" e,
A partir dessas teses, Kelsen conclui que os ordenamentos jurídi- irÍj vezes, de "determinação".
cos possuem composiçáo "dinâmica", porque as derivações normati-
Segundo Kelsen, é exatamente essa sucessiva relaçáo de funda-
vas sáo obtidas mediante sucessivas autorizaçóes iniciadas por uma
rrrentação que diferencia o ato de um salteador de estradas de um ato
norma autorizadora. como é possível ao poder instituído de um orde-
namento nomear outras autoridades, neste caso terá ocorrid.o o fenô- lrrrídico. Conforme exemplo que fornece, o ato de um funcionário da
Írrzenda e o ato de um salteador de estradas têm o mesmo significado
meno da "delegação". com isso, insere a idéia de o Direito náo apenas
"subjetivo" (significado perceptível a todo observador da ocorrência),
ser um conjunto normativo de "índole dinâmica", mas também dotado
pois ambos ordenam que seja entreEue o dinheiro. Todavia, se a ordem
de "cadeias de autorização".
<lo funcionário da fazenda se faz de acordo com uma norma válida (de
Portanto, na leitura de Kelsen, os sistemas jurídicos (todos eles)
são "dinâmicos", porque as normas têm origem em uma complexa rrrodo que não passa, assim, de um ato de concretizaçáo), entáo a ordem
organizaçáo de produção normativa por "competência" e "delegações rlo funcionário apresenta tambóm um significado "objetivo", porquanto
de competência". Já os sistemas estáticos - típicos dos conjuntos ti um ato dotado de significado jurídico atribuído pela norma. A norma
morais - são constituídos mediante operações intelectuais de dedução. :;uperior conferiu-lhe um sentido especial, em que pese o fato ser o
com isso, pode-se notar que, enquanto o campo moral é formado ape- ÌÌìesmo, do ponto de vista empírico. EIa atuou como um "padráo de ava-
nas por "normas de conduta", o campo normativo-jurídico precisa de liaçáo" objetivo diante da subjetividade das opiniõe5.2l
algo mais que as noÍmas de conduta, ele necessita de normas atributi- Com esse apoio argumentativo, I(elsen infere náo apenas que o
vas de "poderes jurídicos", isto é, normas de competência para que Direito regula sua própria criação, mas também que toda criação de
outras noïmas jurídicas sejam produzidas. Direito é, ao mesmo tempo, aplicaçáo do Direito^ Portanto, produzir e
aplicar náo são movimentos separados como "o legislador produz leis"
6. ConstÍtuição, concretizaçáo e o ato do salteador c o "judiciário as aplica". Porque, quando o legislador produz leis, ele
está aplicando a Constituiçáo e, por seu turno, quando o Judiciário
de estradas
aplica leis também está criando outras normas, estas, individuais, as
sentenças (com exceção, evidentemente, das decisÓes que em alguns
T\rdo considerado, sob o enfoque jurídico-positivo, é a constituição
que fixa os critérios a partir dos quais uma norma deve ser considera- sistemas possuem caráter geral). Todavia, deve-se notar ser a consti-
da jurídica. uma vez que de um ser (mundo dos fatos, mundo regido tuiçáo apenas resultado de criação (já que náo há norma jurídico-posi-
pela causalidade e cuja manifestação se observa pelas leis físicas) não tiva que lhe anteceda) e a execuçáo de uma decisáo judicial ser apenas
deriva um dever (mundo das normas, mundo regido pelo princípio da aplicaçáo (pois da execução nenhuma outra norma é produzida).
imputação e que se manifesta nos comandos jurídicos), apenas de uma Observe-se, contudo, que a teoria da produçáo escalonada das nor-
noïma pode advir a validade de outra norma.19 ou seja, a existência de rnas jurídicas não aparece desde logo na obra de Kelsen. De fato, em
um dever somente pode apoiar-se em outro dever superior ordenado e Problemas Fundamentais do Direito Publìco,livro que, como foi pontua-
normativamente fundado. conseqüência disso é o ordenamento juddi- dr:, inicia propriamente o projeto da teoria pura, náo há referência a tal
co se apresentar como uma estrutura de normas superiores-fundantes escalonamento. No quadro teórico de L91L havia, apenas, uma "teoria
e inferiores-fundadas. sendo que por norma "superior-fundante" deve- plana" do Direito. Kelsen identificava o direito à lei sem maior tratamen-

?,o H. Kelsen (1964), p. 81


19 H. I(elsen (1960), pp. 4-5
?.1 H. I(eÌsen (1945), p. 67

42
Árlri;rrr Sr;rrrlrr
( llit:litt'rtti tlrt'llrot tit rlr

to; a totalidade do direito era pensada, tão-somente, como um conjunto Nilo obstante, a pirâmide merkliana ó invertida, comparada à de
de normas legislativas. l(clson, pois, em sua base, encontra-se a Constituição; e, no alto, os
O salto para a teoria "escalonada" é devido a um aluno de I(elsen, ;rl.os clecisórios, provimentos e negócios jurídicos: "Se do plano das
Adolf Julius Merkl; aluno sempre elogiado por seu professor que se tor- rÌornÌas olhamos do alto para baixo, a vista se abre sobre aquela que é
nou, depois, grande administrativista. Ell:razão dessa contribuiçáo, re- ;r base comum a tudo isto que é jurídico, a Constituiçáo. Todavia, para
conhecida no prefácio da segunda ediçáo de "Problemas Fundamen- <:irna da escala do edifício advém um número variado de planos. En-
tais...", ano de 1923, Kelsen abandona sua teoria plana, podendo já ser (;ontramo-nos no setor dos regulamentos, o qual, na seqüência - se-
encontrada tal alteração no livro Teoria Geral do Estado, de 1925, e na tlLrndo a hierarquia de autoridade - se apresenta um articulado de
primeira versão da Teoria Pura do Direito, ano de 1,934.22 Distingue, rrrais graus; e o edifício culmina em um grande número de decisões,
assim, as normas em superiores e inferiores, formando uma "hierarquÍa ltrovimentos, sentenças ou como se possam chamar esses fenômenos
de diferentes tipos de normas".23 Essa a afirmaçáo presente no referi- jurídicos individuais".2T
do prefácio: "O mérito de ter concebido e exposto o ordenamento jurí- Com isso, segundo Merkl, quem observa o ordenamento jurídico
dico como um sistema genético de normas de direito que segue concïe- se vê em franca confrontaçáo com uma multiplicidade de normas as
tizando-se gradualmente desde a Constituição, passando pela lei e o quais, analisadas em seu conjunto, apresentam tanto relaçóes tempo-
decreto e demais fases intermediárias, até os atos jurídicos de execu- rais de precedência e posteridade, como, também, de posicionamento
çáo, deve-se a Adolf Merkl".2a cliferenciado em instâncias superiores e inferiores. E é exatamente essa
Como acenâdo, Adolf Merkl foi aluno de Kelsen. Como aluno, escre- estrutura escalonada que possibilita perquirir sobre o seu fim, ou seja,
veu, no ano de L917, um texto intitulado O Direito do Ponto de Vista de até onde se pode retloceder na ascendência dos escalões. Desse modo,
sua Aplicaçáo e, outro, nomeado ADupla Face do Direito, no ano de 1918. embora a "teoria da construçáo escalonada da ordem jurídica" seja dis-
O campo apreciado em ambos os textos é a análise da dinâmica jurídica, linta da "teoria da norma fundamental", como se verá, ambas estáo
constituindo, como análise, um tateio da concepção escalonada, embora claramente associadas; associadas em virtude da "relaçáo de valida-
mencione claramente no primeiro texto a expressáo "pirâmide" e "vérti- de" presente entre as normas de uma mesma ordem jurídica. Essa a
ce da pirâmide" para descrever o encadeamento normativo.2s Porque afirmação de l(elsen: "Se o Direito é concebido como uma ordem noÍ-
apenas no ano de L93L, com o escrito Prolegômenos de uma Teoria mativa, como um sistema de normas que regulam a conduta dos
Escalonada do DÍreito, é que Merkl assenta com detalhes a sua especu- homens, surge a questáo: O que é que fundamenta a unidade de uma
lação, podendo-se encontrar, no artigo, afirmações como a seguinte: pluralidade de normas, por que é que uma norma determinada perten-
"Entre as normas jurídicas concatenadas náo existe apenas uma priori- ce a uma determinada ordem? E esta questáo está intimamente rela-
dade ou posteridade temporaÌ, mas, em particular, também lógica. cionada com esta outra: Por que é que uma norma vale, o que é que
Enquanto uma norma não pode ser concebida sem uma outra que a pre- constitui o seu fundamento de validade?".28
ceda e deva, pois, a esta, sua validade, esta última pode ser considera-
da superior e aquela que dessa depende inferior (...). Dessa forma, vem 7. Norma fundamental e Pirâmide
definida como superior àquela norma jurídica sem a qual o resultado de
determinados atos náo poderiam ser reconhecidos como normas jurídi- Observada essa descrição de fundamentação e, caso se pergunte
cas existentes e, natuÍaÌmente, este grau de superioridade encontra-se por que razáo nós nos encontramos obrigados a obedecer a uma sen-
calcado por esta mesma relação".26 tença judicial, Kelsen responde remetendo-nos ao código que autoriza
ao juiz a decidir o caso. Se perguntarmos depois "por que o código é
22 H. Ketset (1951), p.99. váIido?" (leis editadas pelo legislador, os contïatos formulados pela
23 H. Kelsen (1998a), p. 181.
24 H. Kelsen (1,997), p.28.
25 A. Merkl (191.7a), p. 102; Id. (1917b), p. 304. 27 A" Merkl (1918), p. 102
26 A. Merkl (1931), pp. 37-38. 28 H. Ketsen (1960), p. 215

44
Arlrr,rrr li,l,llri
I (Il.t:,r,I,r:, rI,, lì,rrt lll Iìrr''tIl

autonomia pdvada, ou, noutra apreciaçáo, as reis decorrentes (.iorrl.trclo, a "teoria da norma funclamental" não e uma construção
do criror
to costumeiro), a resposta de Kersen ó: ',o legislador está autorizaclo t()t.iìlÌìÌoÌìte orrginal de l(elsen. De fato, a "teoria da norma fundamen-
pela constituição a editar ieis", "os particulare l.;r1", clada a sua dependência com a teoria escalonada, apenas apare-
s, afazer contratos,,, ou,
ainda, que "a constituição reconhece o costume como (iorr com contornos mais bern definidos em 1920, no livro O Ptoblema da
norma de obriga_
tório cumprimento".2g A vista disso, em ambos os casos, ocorre que Soberania e a Teoria do Direito Internacional. NeIe, pode-se encontrar a
se
está a obedecer à constituição, pois é sob o fundamento seguinte frase: "(...) finalmente se atribui a urrla nolma geral suprema
da constitui_
ção que as leis sáo "postas", isto é, criadas por arguém ,,autorizado,,. cÌe origem logica, estabelecida como hipótese a partir da autoridade
Mas, como a constituição também pertence ao mundo normativo, constituinte" da qual "a Constituição recolhe sua validade jurídica".
tem-se inelutavelmente a questáo da validade da constituição. "somente o clogmatismo acrítico pode pensar que seja possível um sis-
sendo
assim, pode-se perguntar quaÌ é o seu fundamento, tema de direito positivo privado de pressupostos"'31
ou por qual razão a
ela devemos obediência. porque, se uma norma somente o próprio Kelsen reconhece - também no prefácio de Problemas
obtém ta] súa_
üus a partir de uma outra norma, é preciso admitir que Fúndamentais do Direito Publico, segunda ediçáo, ano de L923 -, que
deva haver uma
outra norma que fundamente a constituição. A constituição, quando o livro foi inicialmente publicado não havia desenvolvido o te-
nesse
passo, pode ter sido introduzid,a mediante uma ma da noÍma fundamental: "uma importante modificaçáo realizada no
rei com base na cons-
tituÍção anterior, peÌo que a validade da constituição depende sistema da Teoria Pura do Direito com respeito a sua primeira versáo,
da
constituição anterior, da quar provém. chegando-sã à constituiçáo taì como aparece na presente obra, consiste em que o conhecimento
anterior, todavia, é possível seguir o mesmo processo estático do direito que, em princípio, se sustentou como método exclu-
até a pergunta
sobre a razão de a ohrservarmos. sivo, se vê compÌetado por uma consideraçáo de tipo dinâmico"' 'A
Dessa forma, a validade pode ser rastreada até alcançar_se idéia da norma fundamental como constituiçáo no sentido lógico-jurídi-
a
constituição histórica primeira, a primeira constituição daquera co foi desenvolvid.a principaÌmente por Aifred \lerdross (...) que reco-
ordem
jurídica, normarmente marcada por um ato de nheceu a norma fundamental como uma hipótese relacionada ao mate-
independência de um
Estado frente a outro Estado.30 Mas, neste finat do caminho, poder-se-ia, rial do direito positivo analogamente à hipótese da ciência naturaì.
outra vez, questionar qual o fundamento de vatidade desta uma importante contribuiçáo à questáo da determinaçáo da norma fun-
constitui_
ção histórica primeira, porque, na farta de alguma fundamentaçáo nor- damentaÌ como pressuposto do conhecimento jurídico foi desenvolvida
mativa, todas as demais normas perderiam seus respectivos
suportes por Leônidas Pitamic. (...) Com base nos trabalhos de Merkl e de
de validade. Essa busca sem fim constitui o que se pode Verdross, tenho tratado nos meus sucessivos escritos a teoria dos graus
aqui designar
de "problema da fundamentaçáo normativa". portanto, o prontema como um elernento essencial no sistema da teoria pura do direito".32
da
fundamentação normativa expressa a necessidade de se De todo modo, importa assinalar que mesmo nào tenha sido
encontrar, em
termos últimos, o fundarnento normativo das normas. Kelsen a expor o tema da norma fundamental em termos iniciais, tendo
É exatamente para fornecer ïesposta a esse regresso provocado deta feito usO em seus trabalhos, imprimiu-lhe elaboração pessoal. De
pelo imperativo de se indicar, sempre, a "norma varidàrnente fato, Kelsen, atento aos escritos de Emrnanuel Kant, encontrou na teo-
superior,,
que l(elsen elabora a "teoria da norma fundamentai". ria da noÍma fundamental expressiva relaçáo parental Porque Kant,
segundo Kelsen,
a norma fundamental equivale à postura, necessária, rejeitando explicaçÓes que pudessem apresentar embustes, enfatizou
de se considerar
válida, e, portanto, como ponto de referência juríciico-positivo que enxergamos o mundo através de nossos sentidos, com os nossos
iniciar a
constituição histórica primeira não mais em disputa, pois "óculos" e que nosso alcance náo é a dos "objetos como eles sáo"' Ou
esta é uma
pressuposiçáo imprescindível para poderem-se identificar seja, Kelsen se submete à influência de Kant no específico da com-
as normas
da ordem jurídica. preensão deste de haver, em qualquer ramo do conhecimento, alguma

29H Kelsen (1960), pp. 7-8


30H KeÌsen (1960), p. 223.
31 H. I(eÌsen (1920), PP. IV e V
32 H. I(elsen (1920), P. V
Arlrrrtrr Srlrrrlrr ( :liìii;rií:r)ti tln'lïrttr iit t ltr I )tttrtl o

pressuposiçáo. segundo Kant, o trabalho de se encontrar os elementos (Lcórico-gnoseológica) da Teoria Pura do Direito é: sob a condiçáo
universais do conhecimento não se dá sem alguma pressuposiçâo, <le pressupormos a norma fundamental, devemos conduzir-nos
através da qual todo o resto obtém sentido.33 como a constituição prescreve, quer dizer, de harmonia com o sen-
com efeito, assim destaca Kelsen, já na primeira versão do livro tido subjetivo do ato de vontade constituinte, de harmonia com as
TeorÍa Pura do DireÍto, ano de tg34: 'A Teoria pura do Direito é teoria
do prescriçóes do autor da Constituiçáo" [H. Kelsen' 'IP2' p' 2251'
direito positivo, portanto, da realidade jurídica; ela transpõe o princípio
da lógica transcendental de Kant vendo no dever, no sol/en, uma cate-
tJ. Com os "óculos" de Kant
goria lógica das ciências sociais normativas em geral e da ciência do
Direito em particular" .s4
Basicamente Kelsen sustenta, em um primeiro momento, que a
Na edição francesa de 1953 - versão considerada de transição em
r.coria da norma fundamental desempenha papel similar ao exercido
relaçáo às de 1934 e L960 -, apenas insiste Kelsen no caráter essencial_ pontos
llclas categorias do entendimento de Kant. Nesse sentido' dois
mente formal e dinâmico da norma fundamental do ordenamento païa que consiste a "teoria do conhecimento" de
rlevem ser referido5: em
distingui-la da que corresponde ao ordenamento mora], afirmada como l(ant que l(elsen afirma aplicar "por analogia"; e o que significa "con-
de índole estática: 'A Teoria pura do Direito atrihrui à norma fundamen_
r I içáo lógico-transcend,ental" dessa inteïpretaçáo kantiana'
tal o papel de uma hipótese básica. partindo do suposto d.e que esta Com respeito ao primeiro ponto, "teoria do conhecimento", ao se
norma é válida, também resulta válido o ordenamento jurídico que lhe
Ì)erguntar qual o valor dos nossos conhecimentos e o que se deve
está subordinado".3s cltender por conhecer, Kant se via perplexo diante do marco explicati-
Na segunda ediçáo, ano de 1g60, encontra-se a formuraçáo mais vo. Kant se pergunta o que pode ser conhecido legitimamente e que
bem cuidada da norma fundamentar, ainda que afirme Kersen não t.ipo de conhecimento náo tem fundamento plausível'
dever ser ela considerada "uma exposiçáo em termos definitivos". o objetivo de Kant consistia em supelar as duas possibilidades em
voga à época: o racionalismo, por um lado; e, por outro, o empirismo'
Na medida em que só através da pressuposição da norma fun_ superar o "racionalismo" porque náo considerava adequado o entendi-
damental se torna possíver interpretar o sentido subjetivo do fato lÌÌento segundo o qual "tudo quanto pensamos vem de nós mesmos",
constituinte e dos fatos postos de acordo com a constituição como pois há pontos externos a nós; superar o "empirismo" porque náo con-
seu sentido objetivo, quer dizer, como normas objetivamente váli- siderava Corleto o entendimento de que "tudo o que conhecemos vem
das, pode a norma fundamentar, na sua descrição pela ciência jurí- dos sentidos", como se nada houvesse em nós que participasse do ato
dica - e se é lícito aplicar per anarogiam um conceito da teoria do de conhecer participando da construçáo do objeto. A partir desse ponto,
conhecimento de Kant -, ser designada como a condição rógico- explica ser o conhecimento integrado de matéria e forma' A "matéria"
transcendental desta interpretação. Assim como Kant pergunta: do conhecimento sáo as coisas; a "forma" do conhecimento somos nós.
como é possível uma interpretaçáo, arheia a toda metafísica, d.os o que Kant está a dizer é que se para "conhecer" precisamos da
fatos dados aos nossos sentidos nas Ìeis naturais formuradas pela ,,matéria", ou seja, "das coisas", essa experiência não será nada se
ciência da natureza, a Teoria pura do Direito pergunta: como é pos- náo for organizada por "nossa sensibilidade", isto é, pela "nossa
sível uma interpretação, não reconduzíver a autoridades metajurí- forma". Porque para conhecer precisamos partir do referencial do
dicas, como Deus ou a natureza, do sentido subjetivo de certos ,,tempo" e do ,,espaço", e ambos não existem na realidade externa.
fatos como um sistema de normas jurídicas objetivamente válidas por isso chamá-Ios de "a priori"" o termo "aptiori" signifÍca náo pas-
e descritíveis em proposições jurídicas? A resposta epistemológica sível de falsificação pela experiência. I(ant o empÍega em oposiçáo ao
termo "a posteriori", termo com o qual expressa o conhecimento
JJ E. Kant, CÍítica da razão pura, B XVi; H. Ketscn (1960), p. 22S. adquirido com base na experiência. Defende, portanto, não haver
34 H. Kelsen (1934), p. 60. conhecimento possível sem o uso de certos conceitos básicos " a prio'
2t H. Kelsen (1953), pp. 1,L6-1.77. ri" (aos quais chama de "categorias").
Arlrirrrr 51;irrllr
( :liulr(i(ll tlrt'llttttttr (l() I )llrrllo

De acordo com Kant, os enunciados (iuízos)


devem ser contempla- g;l.lrturas que "independem da experiência" e que, ao mesmo tempo'
dos por quatro ângulos subdivididos em
tïês partes, totalizando doze
categorias (categorizados por 1. Ouantidade; li<1rrem "adstritos ao que é possível de se conhecer". Escreve Kant:
4' Modalidade).36 Esses conceitos básicos sãoOualidade;
2. 3. Relação;
postos pelo próprio Na presunção de que haja porventura conceitos que se possam
sujeito, não são decorrências da experiência.
ouanto à rearidade objeto de nossas experiências, referir a priorì a objetos, náo como intuiçoes puras ou sensíveis, mas
Kant afirma não apenas como atos do pensamento puro e do conhecimento de razâo
haver como conhecê-ra em si (coisa-em-s
i ou noumenon): apenas nos pela qual pensamos objetos absolutamenle a priori. Tâl ciência, que
são acessíveis os fenômenos, o que aparece
a nós. portanto, se a reali_ determinaria a origem, o âmbito e o valor objetivo desses conheci-
dade náo é um dado exterior ao qual
nosso conhecimento deve-se ajus-
tar, pois, em primeiro lugar, utilizamos ,,nossa mentos, deveria chamar-se logica transcendenüaJ, porque trata das
forma,, e, em segundo Ieis do entendimento e d.a razâo, mas só na medida em que se refe-
lugar, náo é possível quanto à "matéria"
enxergarmos ,,como era é em
si", conclui-se que participamos da construção re a objetos a priori e náo, como lógica vulgar, indistintamente aos
do que conhecemos. conhecimentos da razão, quer empíricos quer puÍos [Kant, cRB B B2l.
Nosso orhar' dessa maneira, é ordenador
do mundo; o mundo não parte
dele mesmo ordenado a nós. Diz Kant:
Dessa forma, conclui ser impossível o conhecimento metafísico
porque emrazâo de náo termos experiência sensível de Deus (ou qual-
Até hoje se admitia que o nosso conhecimento
lar peÌos objetos; porém, todas as tentativas parase devia regu_ quer ser metafísico) escapa-nos qualquer afirmaçáo a respeito dessa
priori' mediante conceitos, algo que ampriasse descobrir a realidade. Kant, assim, não nega a existência de Deus (postura que
o nosso conheci- seria ateísta), mas consid,era-se incapaz de afirmar ou negar sua exis-
mento malogravam_se com este pressuposto.
Tentemos, pois, tência (postura agnóstica).
uma vez, experimentar se não se resorverá
meÌhor as tarefas da Exatamente em virtude dessas "críticas" designou sua obra de crí-
metafísica, admitindo que os objetos
devessem ser regulados tica da Razão Pura, porque ela questiona a possibilidade de uma "razáo
pelo nosso conhecimento, o que
assim já concorda melhor com o
que desejamos, a saber, a possibilidade pura", ou seja, d.a "razâo independentemente de toda experiência"'
de um conhecimento a Como Kant, Kelsen concebe as normas sob uma única idéia ou
priori desses objetos, que estabereça
algo sobre eres antes de nos
seïem dados' Trata-se aqui de uma semelhança razão. se se pode encontrar em Kant um esforço com vistas a se chegar
com a primeira a ,,uma razão legisladora para ordenar a natureza", Kelsen com a norma
idéia de Copérnico; não podendo prosseguir
na explicação dos fundamental deseja obter "a razão legisladora para o conhecimento jurí-
movimentos celestes enquanto admitia que
toda a multidão de dico": se se parte do suposto de que a constituição histórica primeira
estrelas se movia entoïno do espectador,
tentou se não daria náo mais em disputa é válida, dela resulta validado todo o conjunto nor-
melhor resultad_o fazer antes girar o espectador
e deixar os astros
imóveis [i(anr, CRB B XVII. mativo produzido em atos sucessivos. Conforme entende, a norma fun-
damental indica o ponto final suposto entre todas as diversas normas
Com as referências anteriores, é possível que integram um determinado conjunto normativo; "("..) a função inte-
entender, agora, o signi_
ficado do segundo ponto, o significado gral desta norma básica é conferir poder criador de direito ao ato do pri-
de "Ìogica-transcendental,,.
"Ttanscendental", em acepção kantiana, meiro legislador e a todos os outros atos nele calcados".37
significa ,,o que é ante_
rior a toda a experiência"; o ,,ponio de visra Antes, foi referido que Kant afirma haver doze maneiras de a
o"" ";;;r;;r" al conaiçoes
de possib'idade de todo o conhecimento". portanto, mente organizar a experiência; uma delas é a "relaçáo". segundo Kant,
por ,,1ógica-trans-
cendentar" se deve entender a forma de pensar a unidade da representação da "relaçáo" dá-se de modo "categórico",
construída a partir de
"hipotético" ou, ainda, "disjuntivo". Nesse sentido, seguindo o parale-
36 E. Kant, Cútica da razão pura, prefácio
dÍl scgrurrla ediçao, B 1,02_1,06.
37 H. Kelsen (1945), P. 170

50
Arltt;ttt iiryrrrlrr ( jliulrtlol; rll'lïrot ttt rlo I )tti!rl.(r

Ìo sugerido por l(ersen, pode-se perguntar que tipo de juízo kirrrr.iirrr, "leitores" nessa pressuposiçáo quan-
l,lr;r;c o l)orìt.o: o que aproxima os
caracteriza a relaçáo normativo-jurídica em suas reÌaçoes de cÌeriverÇa,. rlo rcirlizarrÌ o ato de conhecimento das normas jurídicas?
(a) "categórico":6 o juizo cujo predÍcado encontra,se sutrorciinado
portanto, !). Eficácia gÌobal da ordem jurídica e revoluçáo
ao sujeito. enfatiza a reração de acordo ou desacordo
entre a representaÇáo-sujeito e a repïesentação-predicado. sua
l-bi dito haver um momento em que se deveria pïessupor a valida-
forma reside nos terfiìos "é" e "não ó". por exempìo: "Janaína
gosta de rer Darío Fo."; "o professor l(ersen é Austríaco". rlc (la norma fundamental que estivesse atrÍbuindo validade à consti-
(b) "Hipotéticos": são os juízos cuja afirmaçáo está suhrordinada a r1iÇáo histórica primeira náo mais em disputa. Mas a partir de quando
rrrrral Constituiçáo pode ser considerada náo mais disputada em sua
uma afirmação. por exernplo: ,,Se Ílzer sol irei à praia,,;
(c) "Disjuntivos": são os juízos que expressam alguma arternativa, ,rÍirrnaçáo de fundamento da ordem jurídica? A isso Kelsen responde:
rlrrirnd.o a ordem jurídica for "globatmente eftcaz". Mas como se pode
ou seja, que se expressa mediante o empïeEo do conectivo
"ou". por exemplo: ,Tosó é professor, ou arguiteto, ou medico,,. irl,t:star essa eficácia global?
Segundo l(elsen, dois sáo os critérios: L) a comprovaçáo de que as
Considerando essas possibilidades, fica claro que o juízo que rìormas estão servindo de parâmetro de obediêncía; e 2), no caso de náo
()starem sendo obedecidas, se é possível se observar que os funcioná-
retrata a relação jurídica de derivaçáo normativa é o juÍzo hipotótico:
se ilos as estáo aplicando. No primeiro teste, a questáo é respondida quan-
JV é válida, Nt, Nz, ffs , ffff sáo válidas, nos
mesmos termos.
Importa acrescentar que expressiva arteração a essas formulações <lo se informa se a norma Nestá servindo de referôncia para as condu-
da parte t.;rs. O segundo teste - importantíssimo para Kelsen - encontla satisfa-
de Kelsen será consignada no livro ,,Teoria Geral das
Norrnas". Nele, I(ersen, depois de ter reduzido consideravelmente (:áo se se responde que os funcionários estáo punindo aqueles que náo
foco sobre a norma fundamentar, rhe presta curta atenção.
o obedeceram à norma JV. Se a resposta for positiva, o ordenamento jurí-
E sob a epí- rÌico é eficaz nesse particular.3g Basta, assim, ampliar tais considera-
grafe "Problemas Lógicos do Fundamento de validade", afirma
tratar_
se de uma "ficção", e náo mais de um "pressuposto rógico-transcen- cões para as outras normas. AIiás, o mesmo raciocínio ocupa o centro da
dental".38 De todo modo, ai'da que como ficçáo, f'ncionairnente r:xplicaçáo sobre as repercussões de um golpe ou de uma revoluçáo.
seu
papeÌ está mantido: o de permitir rearizar a reitura das
norrnas que
resultam dos atos de agentes competentes. Poder Constituinte

Em surna, seja procedendo à reitura do "dever" jurídico através Ato de VonLade


do expediente "dos ócuros de Kant", seja através de uma ,,ficção" Constituiçáo
necessária de haver unìa ïegra que diz "procure a constituição positi- (ordem jurídica globalmente eficaz Ato de Vontade
va", a filnção de ambos os recursos ó o de "compreender', o material
jurídico posto. Norma Ato de Vontâde
Mas, se a norma fundamental corresponde à pressuposição de
haver unìa norma a partir da quaÌ todas as demais podem ser identifi- Norma
L

Ato de Vontade
cadas em sua seqúência de validações, ó plausível perguntar que
o
impede de se assumir uma norma que valide o comando de um
bando Ato de Vontade
de salteadores de estradas considerando que a noïma fundamentar
ó
uma suposição, em princípio, eleita pelo observador da ordem jurídica. I,
N

SS H. K"tÀ.n (1979), pp. 434-435.


39 H. Kelsen (1960), p. 12.

52
A.lllrrll fi{,nllrl ( ilitttttltrrtti rl,r'lìrrtt ttt tlt

hnagine*se um juiz J, que esteja dianle <jo urrrtr lor;islaçao proclrr_


l(:1ì (iolÌìo produto o sentido objetivo da Constituiçáo "como" COnstitui-
zida de assalto, por urn regime golpista. o juiz Jtem duas opçoes: (.:;r(), cêìso ela seja obedecida; se a ordem jurídica for globalmente eficaz.41
orr
considera o novo referencial de validade, ou o releita, afirmando ser
De tudo resulta que toda vez que for alterado o referencial fático
este irregular. A decisáo deste juiz J e de outros tantos funcionários
da :;oltre o quaÌ a norma fundamental repousa, ela mesma muda. Diz
ordem jurídica determinará, segundo KeÌsen, a sorte do regime ante_
l(0[sen: 'A modificaçáo da norma fundamentai segue-se à modi1i""n6o
rior. Eles podem resistir. podem, atendendo a juízos de foro interno,
rea_ tlcls fatos a seÍem interpretados como criaçáo e aplicaçáo dê normas
lizar atos heróicos. Inclusive, a disputa de força entre a nova ordem e o quanto à injustiça do ato usürpador?
grupo que defende a ordem anterior pode se proÌongar no tempo. lrrr:ídicas válidas".a2 Mas que dizer
Responder quando, nessa situação, deve-se atribuir validade à consti_ 10. A justiça e o direito natural
tuição outoïgada náo é questáo tranqüila e não cabe perguntar, à teo_
ria pura, o seu momento. porque este assunto concerne à realidade Segundol(elsen,náocabeàciênciadoDireitoresponderoqueé
política e à disputa militar. ..justo''ouconformea.,justiça''.ATeoriaPuradoDireito,Comoteoria'
o fato é que, não mais havendo disputa sobre a referência da [em por fim a compreensáo das ordens jurídicas independentemente
constituição, esta poderá ser lida, bem como todos os enlaces consti_ d.e suas peculiaridades d,e conteúdo; ela náo se ocupa da avaliação
tuídos sob os seus auspícios, como a norma positiva primeira. portanto, rnoral ou da validade moraì particular dos regimes políticos; esta é uma
deve-se notar que a eficácia é condiçáo "sine qua non,' parasua deter_ tarefa da política. A validade "moral" do regime usurpador é outro
jurídico, excluir de
minaçáo. É condição "sern a qual" porque, sem os fatos, não há a mate- assunto; náo cabe ao teórico, ao analisar o fenômeno
rialidade do direito; não há "dever" sem "ser". E a escolha procedida seu exame ordens normativas sob a alegaçáo de que "isso nâo é direi-
a proceder
partir da norma fundamental náo é arbitrârja.ao to". Como teórico, ao considerar a juridicidade' deve à leitura
dos enlaces de atribuiçáo normativa e relatar suas possibilidades, por
se queremos conhecer a natureza da norma fundamental, *'avalorativo" do conhecimento científico' e 2)
duas razóes: 1) o caráter
devemos, sobretudo, ter em mente que era se refere imediatamen_ a impossibilidade "racional" de se dizer o que é o
justo'
te a uma constituição determinada, efetivamente estabelecida, Ouanto ao primeiro ponto, em virtude principalmente da herança
produzida através do costume ou da eraboração de um estatuto, Kelsen afirma que ao se ana-
de um antigo professor seu, Max Weber,43
eficaz em termos grobais; e mediatamente se refere à ordem coer_ Iisar certo fenômeno jurídico o conhecirnento científico deve sel formu-
citiva criada de acordo com essa constituição, também eficaz em lado sem interferências valorativas, devendo seu plano discuÏsivo man-
teÍmos globais, enguanto fundamenta a varidade da mesma juízos de valor
teï-se limitado ao caráter descritivo^ A razâo é que os
constituiçáo e a ordem coercÍtiva de acordo com era criada. A sáo subjetivos e, portanto, apenas refletem os desejos' ternores e
noÍma fundamental não é, portanto, o produto de uma descoberta anseios de quem os formula. Por outras palavras, o que está afirmando
livre [H. I(elsen, Tp2, pp. 224-225]. pessoas jul-
ó que o papel da ciência ó "conhecer". Entïetanto, cabe às
gareÍn como devem utilizar o conhecimento obtido'
contudo, embora seja condição "sem a qual", a eficácia não é condi_
Sobre o segundo ponto - a impossibilidade racional de se dizer o
ção "pela qual". Não é condição ,,pela qual" (Çser quam) porque,
se o que é justo -, este se encontra intimamente relacionado com o pflmeiro.
fosse, bastaria observar o mundo paÍa encontrarmos a diferença normati_
va entre o ato do funcionário da fazenda e o do salteador de estradas,
Comoaidéiadejustiçamantémlaçoscomnossosdesejosetemores,o
ou conÌrecimento total do justo se vê impossibilitado pela oscilaçáo de opi-
seja, o dever de entregar o dinheiro. Mas, para tanto, é necessária "absoluto" (e não
a niões. E, se acaso se entender o valor do "justo" como
norma fundamental. Ela é que torna, inicialmente, possíveÌ pensar o irá se defrontar com a
sen_ relativo àqueles que opinam), sempre o agente
tido subjetivo dos fatos de modo objetivo. porque a norma fundamental

47 H. KeÌsen (1960), P.236.


40 H. Kelsen (1960), p.225
42 H. Kelsen (L96O), P.224.
43 M. Weber (1967), PP. 38-39.

54
Arlrlnrr ti1;rrrlri
( ;l,rlrlr:(,li tltt'litot tit tlrl I )itotlrr

ÌÌìutab'idade histórica de seu conteúdo. por


outro lado, a ,,irracionalida_
de" da idéia do justo também está presente lrtraginemos a seguinte situação' Afirmo que "chove"' Ao olhar
no fato de ser impossÍveÌ eÌa-
borar uma concepçào que seja exaìsti
ra e não contraditoria. Assim,
pclir jarrela, a pessoa que está perto de mim diz que eu estou errado,
Kelsen' o problema dos valores é
um problema do ,,conflito dos va,ores,,.
diz ít1o o conhecimento que transmiti ó falso. E e falso polque, olhando
Portanto' uma coisa é a ciência ào pr:la janela, ele constata que faz sol, náo havendo qualquer nuvem no
Direito; outra, a política. A ciên-
cia do Direito pïocuÍa fornecer um r;r':rr. Ou seja, o conhecimento transmitido foi "controlado" pelo critério
conhecimento seguro a respeito
de seu objeto, as normas jurídicas, de ,rrrrpírico, o "controle" dos "olhos" (rnas poderia ser, sem dúvida, do
informando quais-são válidas, quais
náo são, e o quadro interpretativo orrvido ou, mesmo, do oÌfato).
deras decorrente (se um indivíduo
comete um roubo, deve ser sancionado, O controle de que necessita l(elsen, todavia, náo é este, ou seja, não
nos termos da norma lv da
ordem jurídica o'/ com a pena de prisão). r': o controle empírico. Porque, quando alguém pergunta que pode ocor-
IVIas a
cabe à poÌítica. E uma política "rrrorrção
das normas rer comigr: se eu matar meu desafeto, trata-se apenas de uma situação
consentânea com,,rrrirrìrìoade
tiva, entende l(elsen, apenas é possível varora_ ;linda náo ocorrida de um referencial que náo é fático: a norma jurídica.
na democracia, um modelo de
decisão calcado na ,,tolerância,, Dessa forma, o controle utilizado por Kelsen é o controle "por coe-
e ,,igualdads,,.aa
Nesses termos, pode-se retomar rência", isto ó, o mesmo tipo de controle utilizado, por exemplo, pela
o caso do Juiz J e seu d'ema. rnatemática. Parte-se de algumas informações iniciais e, delas, afere-se
Empregando a teoria de Kelsen,
sabe ere, o Juiz J, identificar as normas
do regime golpista e, considerando a correção do afirmado em relaçáo a um caso dado'
o caso, pode aplicá-ra; basta seguir
estatuído peras normas de competência o Portanto, para se verificar se o conhecimento jurídico transmitido
firmadas de assarto. Mas tam_
bém sabe o Juiz J que não precisa está correto, deve-se, segundo Kelsen, verificar a sucessáo de delega-
ser necessariamente assim. porque, ngs teÏmos
como já se consignou, uma coisa ,,conhecer,,
é çóes (atribuiçóes de competência) até a norma fundamental
as normas (trr"f, da ciên- da descrição dos enlaces de imputaçáo. Isso porque a "verdade" ou a
cia jurídica) do regime gorpista;
outra, ,,ter,, que ,,on"a."à_Ls,, (questão ,,falsidade" da descriçáo da norma jurídica do caso depende de sua for-
política e moral). No primeiro
ato utiliza o juiz o ,,conhecimento,,
que possui; no segundo ato, pode técnico mulação: verdadeiro será o conhecimento que descreve Ìlma nolma
atuar ou náo sua adesão ao regime.
Dessa forma, a sorte da ordem jurídica válida; ,,Íalsa", a que descreve uma norma invátida, sendo que o parâ-
está a depender, em úrtima análi_ metro de validade, isto ó, o critério para a produçáo de documentos nor-
se' do comportamento do Juiz J,
dos demais juízes da ordem jurídica
dos destinatários gerais das normas e rnativos novos, é fornecido pelo próprio ordenamento jurídico.
em apreço. É a partir do ato deres com isso, a ciência jurídica descreve o caráter que uma determi-
que se firmará ou não novo referenciaÌ
É claro que esse relativismo _
de validade. nada açáo tem diante das normas estudadas, pois, ao fazë-Io por inter-
de se poder conhecer sem imaginar rnédio do referencial de validade, estabelece, em telmos teoricamente
a possibilidade de varores absorutos
imprica incertezas quanto às
escolhas pelos conteúdos normativos. - controláveis, o sentido objetivo que um comportamento social tem'
Contudo, como Oi" t<etsen, ,,E da Em resposta à pergunta sobre "o que pode acontecel se eu matar
natureza e da honra da democracia
puder f.azë-lo não será digna
arcar com tar perigo; e se era não alguérn", o jurista, por suâ vez, deve responder: "conforme o Díreito
de ser clefendida,,.as Não cabe à teoria Penal brasileiro, se você tirar a vida de alguém sem qualquer justifica-
pura dizer o seu destino.
tiva legal, a pena aplicável e de 6 a 20 anos de reclusáo". E esse ponto
11. "Ciência jurídica" e ,,preditividade,, é crucial: é crucial poïque ciência não é poesia, menos ainda mera
especutação. Por isso que l(elsen, para fornecer credibilidade ao seu
Todos os elementos estão apresentados mótodo, náo deixa o jurista sem alguma submissáo a teste, algum cri-
por Kelsen para a formu_
lação de sua ',ciência jurídica,,. tério de "investigaçáo controlada".46 Portanto, ao dizer "deve", encon-
tra-se no conjunto da teoria de Kelsen que o jurista náo confessa sua
ideologia: pode até repugnar-lhe a hipótese, mas em sua prediçáo o
44 H. IGÌsen (19S5-1956), pp 20L-203
+c H. KeÌsen (1,957), p. 25.
46 E. Nagel (1961), PP. 13-24.
56
Arlrrrrrr lir;rrrlrr ( jl;tll;trrolt rlr'l'rrot ttt tl

cientista do Direito apenas descreve as condiçóes


nos termos do critério de verificacão.
e as conseqúências se a água evapora a 1O0'Celsius, isso é a mesma coisa que afir-
rÌÌiìr que, atendendo a determinadas condições, a água evaporarâ, o
Com esse controle, o jurista
ir="" a lidar com dados seguros, atri_ rlrre permite objetivamente antever a conseqüência de sua fervura. Se
buindo consistência ao que afirma, podendo
antecipar acontecimentos, rrrn determinado agente coloca-se ern dada situaçáo, o órgáo estatal,
antevendo o que é apticável e o que não é
possibilidades combinatórias da ringuagem
apticávet; isso, mediante as v<.'ncidos todos os procedimentos estabelecidos paÏa tanto, encontÏa-
técnica a que recorre. r;r-' autorizado a puni-lo. Da mesma maneira que a água sempre evapo-
Especificamente, Kelsen designa estas descrições
de ,,proposi_ rará a 1OO" Celsius, todo sujeito que se colocar em dada situação pos-
ções jurídicas" e afirma que as proposiçóes normativo-jurídicas
verda- srbiÌitará a mobilização punitiva do Estado. A hipótese do jurista é
deiras são análogas às leis naturais formuladas pelas
ciãncias naturais, igualmente verificável: a ciência jurídica afirma que, sob determinadas
tratando-se, assim, de enunciados hipotéticos
similarmente comprová_ condições, tal é a conduta socialmente positiva ou negativa. o sentido
veis; trabarhando apenas com normas váÌidas,
o cientista do Direito rÌormativo que figura na frase "sicrano deve 500 reais" passa para o
encontra subsídios para afirmar que, sob determinadas
condÍções, um onunciado "vigora uma norma segundo a qual Sicrano deve 500 reais".
ato é lícito ou'ícito, ensejando ou não uma
conexão de antecedente, Especificamente: dispõe a constituição da RepúbÌica de 5 de outuhro
conseqüente, o que corresponderia ao atendimento
do enunciado cien- cle 1988, art. 35: "O Estado não intervirá em seus Municípios, nem a
tÍfico objetivo de verificação normativa, de
sorte que, para o arranjo Uniáo nos Municípios Ìocalizados em Território federai, exceto quando:
pensado desse sistema, é possível dizer
o que pode e o que não pode rnc. I: deixar de ser paga, sem motivo de força maior, por dois anos con-
verificar-se. são tais regularidades que aproximariam
as ,,duas Leis,,, secutivos, a dívida fundada". Enunciado doutrinário: 'Abre-se a possi-
as da "Natureza" e as "sociais": já hoje
se antevê o amanhã.a7 bilidade de intervenção estadual se, durante dois anos consecutivos, o
Assim, a pluraridade de normas gerais e individuais Município deixar de pagar a dívida fundada...".
pelas diferentes autoridades jurídicas criadas
se convertem em um sistema PeIa mesma razáa do primeiro exemplo, segundo Kelsen, essa
unitário (em razão da norma fundamentar) e coerente
(produto das seria uma afirmaçáo "informativa adequada", pois o enunciado doutri-
proposiçóes dos juristas), permitindo
tanto prognoses (conhecimen- nário coincide com o sentido da prescriçáo constitucional, cumprindo
to antecipado) quanto pós-gnoses (hipóteses qúrrrto
às ocorrências assim a tarefa do cientista do Direito, podendo ser reduzido à proposi-
prováveis pretéritas ). aB ,,se ocoÍrer A, deve-ser B: náo pagando o Município durante dois
çáo
anos consecutivos uma dívida fundada, o Estado está autorizado a
intervir. ou seja, uma coisa ó o direito como conjunto de normas; outra
coisa é o discurso científico sobre o direito. Enquanto o "direito" esta-
belece uma relaçáo de "autoridade", a "ciência jurídica" firma uma
F! d3 S *{3 pì{ Õ.S E relação de "conhecimento" (pretende descrever aquilo que os "legisla-
dores", como legisladores, produziram validamente).

47 E essa forma de preclição obviamente poderia


ser restringida ao mero pìano conjecturaÌ
As proposiçóes ou enunciados nos quais a ciência jurídica des-
de um modo tarnbém semerhante ao dãs "Leis
da Natureza,,. por exempìo: sabendo que creve estas relações devem, como proposigóes jurídicas, ser distin-
os metais dilatam, podê-se pegar um metal què
após sua dêstruição, caso se perguntassê
nunca foi aquecido d""trrrí_lo. Logo guidas das normas jurídicas que sáo produzidas petos órgáos jurídi-
"
se aqueie metal que foi destruído
tar em sêndo aquecido, a nossa resposta iria se dila_
seria positiva. E eis a tazão:diante de um
cos a fim de por eles serem aplicadas e serem observadas pelos
certo
sistema teórico, se sabe que os metais dilatam.
se a hipótese fosse diferentê, no sentido destinatários do Direito . Proposiçõe,s jurídicas sáo juízos hipotéticos
de que uma determinada pessoa faÌeceu
sem, em momento algum cie sua ilibada
têr cometido atgum delito, caso se perguntasse vida, que enunciam ou traduzem que, de conformidade com o sentido de
se tivesse comêtido um desrize se seria
passível de sançáo, iguaÌmente seria possíveÌ
responder à questão atentando-se para
uma ordem jurídica - nacional ou internacional -, dada ao conheci-
um determinado sistema teórico. mento jurídico, lnfib certas condiçÓes ou pressupostos fixados por
H. I(eÌsen (1998b), p. 92.
esse ordename :;o, devem intervir certas conseqüências pelo
A, lIrilrllrt,illri
{ ll;llilil('rrii llr,'lïrlrt l;t tl

lÌìoslÌìo ordorÌaIÌìeÌìLo deLerrrtÌrÌadas. As rrorrni-r"s


Ìuri(lr(;rìsj, jj()lr ,lolr IJlricÌr lflug. Ouanto a isso, importa o fato de que a correspondên-
Ìado' não sáo ]uÍzos, isto é, enunciados sobre urn obleto l3or
cÌacro .' r:r;r l(<>lsen-I(ug, iniciada com uma carta remetida por l(elsen datada
conhecime'to. Eras são antes, de acordo com o seu sentido, julho de 1-965, fez com que
ma'da- r l0 (ì cle março de 1959 e ultimad.a em 28 de
mentos e, como tais, comandos, imperativos. Mas não
comandos, pois também são permissões e atribuições
sâo apenas l(r:lscn refletisse com intensidade sobre o assunto lógica e direito,
de poder ou rcÍlcxáo esba que o ocupou em Seus ulteriores estudos até seu faleci-
competôncia. Em todo o caso, não sâo _ como, pã, _rr"u",
identifi_ rrrcrrt.o. Este dado pode ser constatado com aS reformulaçÓes sobre o
cando Direito com ciência jurídica, se afrrma instruçóes (ensina-
mentos)' o Direito pïescreve, permite, confere poder
- t;rradro geral do projeto da teoria pura levadas a efeito com a obra
ou competên- "'lt.roria Geral das Normas".
cia - náo "ensina" nada [H. Kelsen, Tp2, pp. g0_g11.
Por fim, em virtude do que foi considerado, infere-se a possibilida-
o cientista, desse modo, apenas trakralha com dados verdadeiros rlg de haver "direito" independentemente da existôncia da "ciência
e' portanto, seguros. E essas proposições jurídicas lrrrídica", dado que sáo instâncias independentes: pode haver normas
serão verdadeiras se
e somente se as normas por elas descritas forem lrostas e não existir a preocupaçáo de "fazet ciência" com o material de
noïmas váÌidas dentro (lue se dispóe.
do ordenamento jurídico. Aqui a fórmula canônica: "para quaiquer pJ,
'FJ será verdadeira se fcr a descrÍção de uma norma NváÌida na ordem
jurídica CI,/". o sistema jurídico, desse rnodo, 12. Conclusáo
é um sistema de proposi_
ções descritivas verdadeiras, um conjunto de proposiçoes formuradas
a A Teoria Pura do Direito consiste no projeto de Kelsen de elevar o
partir de normas do ordenamento juríc1ico.
É exatamente em razáo desta descrição inteligível_organizada r;<>nhecimento jurídico ao patamar de conhecimento científico. como
promovida peia ciência jurídica que se pocÌe t.al, é uma teoria "pura" do "direito" e, náo' do "direito puro"' Kelsen
afirm", q.r* eÌa ,,constitui
seu próprio objeto", isso porque "interpreta" o material <listingue o campo da política, cuja tarefa é valorar e produzir normas,
caótico desta_
cando o relevante; "manipura-o", constituindo-o como rto campo da ciência do Direito, cujo propósito é o de elaborar um
objeto cra ciên_
cia jurídica; ',confere vaiidade objetiva"; e o "organiza,', possmilita'do <;onhecimento que explique o fenômeno normativo, de modo controla-
a eÌaboraçáo cle "Ìeis sociais". rlo, tornando, assim, possível a predição de possíveis ocorrências nor-
R.ealizados a distinção e o escrarecimento funcionar rrrativas futuras e especulaçóes pretéritas.
entre a norma
jurídica e a proposição jurídica, Kersen sustenta Problemático, contudo, é que o objeto da ciência jurídica, como
que os princípios d.a
Iógica sáo apricáveis diretamente às proposições jurídicas cstrutura de dever, não se d,iferencia, em essência, das estluturas de
e, por seu
intermédio, Índiretamente, às normas.49 E o motirro rlever da moral e da retigião. Por conta disso, Kelsen estabelece três
da náo-apiicahrri-
dade direta da rógica às normas se encontra na razãcl pontos de delimitaçáo das normas jurídicas: elas sáo instrumentos de
d.e que os princÍ- ,,motivaçáo indireta", respaldadas na "força monopolizada pelo
pios lógicr:s de contradição e a regra de i'ferôncia
tôm sido definidas
em termos de verdade" corno as normas são atos de ltstado", e pertencentes ao "mundo da cultura", ao "mundo da vonta-
vontade na com*
preensão keiseniana, eras apenas sáo passíveis rle e contingência humanas",
cre serem váiidas ou
inválidas estando excluídas do uso dÍreto desses principios. As normas juríd"icas, como resultado de valorações e da política
E exata- jurídica, mudam. Isso é devido à própria mudança de vaiores e discus-
rnente este ponto que acentua a relaçáo entre ,,verdade" ,,validade,,,
e
pois, corno acentuamos, a proposiçáo jurídica r;áo política, seja em comunidades distintas e comparadas, seja na
será verdadeira se e
enguanto descrever uma norma válida. rÌìesma comunid.ade a partiÍ de certa projeçáo de tempo. Exatamente
sobre a aplicação da lógica ao Direito, aigumas questões ltor isso que fundamentar significa responder o porquê as normas de um
fizeram
com que Kelsen, em correspondência epistorar, se correspondesse ordenamento jurídico devem ser acatadas. segundo l(elsen, há dois
t.ipos de fundamentaçáo: fundamentaçáo estática (que constitui os sis-
49 H. KeGen (194b), p. 84.
l.emas estáticos: como os morais) e fundamentaçáo dinâmica (que cons-
l.itui os sistemas dinâmicos: como os jurídicos). A fundamentaçáo está-
60
bt
Arlrtirn liqlrrrlrl
( il;r;litr:ol; tltt 'lllot tit tlr

tica caracteriza-
deduçÕes ou inrerências
de conreúd" p";'"::ttXffÏ1ïij,"r ou seja, t,urit clas possibilidades normativas da ordem jurídica em relaçáo aos
exercício oe competências e rrováveis eventos, dela, decorrentes.
o"
".J;,ãiïi:i:[ïff:":ffïffJï:
1

respeito peÌa forma païa respeito


pela .,forma,,
"competência" e,,procedimentos,,'fara forma t"rrt"rrãiJã como Nota biográfica
a produção jurídica).
Nesses específicos termos,
a constituição jurídico_positiva
norma que estaberece os critérios
a partir dos quais uma norma
éa HeNs KsLsnN nasceu em Praga (Áustria) no dia 11 de outubro de
ser considerada jurídica. Era deve 1881. A sua família deixa a cidade quando l(elsen contava com apenas
assenta os padrões que, de
nor''Ìa' mediante reraçoes; de norma para lJanos, mudando-se para viena. Toda sua formaçáo jurídica foi cons-
normas superiores_fundantes
fundadas' permitem a reitura e inferiores_
do exercício dos poderes jurídicos. Lr:uída em Viena, Heidelberg e Berlim. Ouando publicou seu primeiro
A norma fundamentar é a idéia primeira
gue possib'ita partir-se
trabalho ainda era estudante (1905). Seu estudo foi dedicado a Dante
de uma constituição como referencial
de varidade oá" ,rãrrrrr". segundo Alighieri. Em 19LL é nomeado professor ordinário na Faculdade de
I(elsen, deve-se considerar
como várida a constituição DÍreito da universidade d.e viena. Em 19L9 contribui na redação do
ra não mais em disputa Entretanto, histórica primei- "Projeto de constituição austríaca" (aprovada em I92O) a convite de
a eleição da cãnstituição histórica
prirneira não é arbitrária. I{arI Renner (n. L870-m. 1950), sendo o principal idealizador do contro-
Deve-se considerar como
vir de referêncÍa p.ara uma ordem juríctica tal aquera que ser_ Ie de constitucionalidade por "via concentrada". Em 1920 torna-se
grorrr-"r.ìuã".".
testes para se verlfical a eficácia Há dois membro e conselheiro permanente da Suprema Corte Constitucional
anaÌisar se os destinatários gerais órourr da ordem jurídica; L) deve_se Austríaca. É nomeado professor na Universidade de Viena de L919 a
ã*tao cumprindo'r" or"""rrnões jurí_
dicas' se' em reJaçào a etes,
houver mais ampÌu obàiência 1930, dando origem à conhecida "Escola de Viena". De 1"930 até 1933
desobectiência, esta ordem grobarmente
é
do que leciona na Universidade de Colonia, de onde se mudou para Genebra.
eficaz; 2) caso as normas
não estejam sendo respeitadas
petos destinatários gerais, Em 1933 deixa a universidade de colonia por imposiçáo do governo
lisar se os órgãos aplicadores deve_se
."tao ãort"ando as sançÕes. Se os ana_ nacional-socialista de Hitler, já que Kelsen era judeu. Muda-se desta
aplicadores estiverem apÌicando
mais
órgãos vez para Praga. Em L940 se vê forçado pela guerÏa a seguir para os
derando, a ordemjurídica é gtorahenff jffinut" do que as desconsi- Estados unidos, onde lecionou, em um primeiro momento, em Harvard.
Nesse particurar, na. cãbe Depois, no ano de L943, passa a lecionar em Berkeley no Departamento
a reoria pura do Direito dizer
o justo' A justiça ou a injustiça
das normas cabe ser avariada peros
o que é de ciências Políticas da universidade da califórnia. No ano de 1945
destinatários, pelos juízes pàto" obtém a cidadania americana. É junitado como professor no ano de
atores partÍcipes das mob'izações
políticas' cumpre à Teoria p"ta" oã ntt"no 1952, mas continua a desenvoìver intensa atividade intelectual. Falece
apenas fornecer instrumen_
tal para a descrição das norma" proàrri'as em Berkeley, no dia 1L de abril de L973, aos 92 anos de idade'
Teoria pura ,,náo prescreve,,, nas orA"rr".;,rridicas. A
ela não diz, ao homem, ,,como
pautar o seu destino". Dessa ele deve Nota bibliográfica
forma, considerando questionarnento
sobre a conseqüência de um
ato, ro jurista dizer as possib'ida-
des jurídicas estaruícras na ""r" .- As obras de Kelsen são muito numerosas. Dentre as mais destaca-
ordem j;;í;",
ihante ao cientista da naturezr, or*"ìãïJJ*ooo seme_ das encontram-se: "Problemas Ffundamentais de Direito Público"
rência' o jurista deve descr.,r*,
;;;;_oregando o controle por coe_
ã".-nor-r" ("Hauptprobleme der Staatsrechtslehre, entwickelt aus der Lehre vom
editadas conforme as
regras de produção jurídica.
se, porventura, descrever norma Rechtssatze" - ano de L91"L); "O Problema da soberania" ("Das Problem
a partir dos critérios fornecidos invárida
pela orau- jurídica, o conhecimento der Souverãnitát und die Theorie des Vólkerrchts. Beitrag zu einer
que transmite será falso;
caso .uàlir* a descrição de Reinem Rechtslehre" - 1,920); "Teoria Geral do Estado" ("AJlgemeine
uma norma vári_ staatslehre" - 1925); "Teoria Pura do Direito" (Reine Rechtslehte,
critérios oe prooução jurÍrìica,
,X:Jirrlï:ï::"i."^:
üidiisiiiiLÌürJ sera verdadeiro. o conhecimenro Einleitung in die rechtswissenschaftliche Problemaüú (TPl) - 1934);
Kersen, assim, protr. ,s arma
técnica de rei_ "Téoria Geral do Direito e do Estado" (General Theory of law and state
oz
63
Arlrinrr Stllrlrt

(TGDE) - tg41. Há tradução em português


pela Martins Fonres); ,,Á
Teoria Comunista do Direiio,,
(fnà Co__rni"t
"F\tndamentos da Democracìa"--lr"Jíorrtons Theory of Law,,_ 1955);
AIf Ross
"Teoria pura do Direito,, (Reine of n"^á"rr"v - 195s); (Sobre o Direito e a Justiça)
em português pela
a""iì"ì"nr" (Tp2) _ f gãõ. ìa tradução
Fontes); ,,Teoria
("AJrgemeine Theorie lvlal-ins
der Normen;,
C"nì- dlr wormas,, "A principal idéia deste tÍabalho ó levar no campo
tradução italiana realizada po, ";á de 1979. Existe uma excelente do Direito os princípios do empirismo às suas conclusões
wtiretta Torre últimas. Desta idéia emerge a exigência metodológica do
Professor Mario Losano).
";oã;rrada peÌo
sob o título ïurisdição "constitucional,,, estudo do Direito seguir os padrões tradicionais de
de r(ersen um
esre tema rambém foi pubricado observaçáo e de verificaçáo que animam toda a moderna
;:ljï:?rï",**ïl:" ",;;; ciência empirista, e a exÍgência analítica das noções
jurídicas fundamentais serem interpretadas obrigatoria-
mente como concepções da realidade social, do compor-
tamento do homem em sociedade""
A. Ross

Introduçáo
AIf Ross é o principal expoente do realismo jurídico escandinavo,
tradiçáo que concebe o Direito como um conjunto de fatos ou fenôme-
nos psicofísicos e cuja origem encontra, em Novecentos, 0 nome de
Hágerstrôm e, depois, os de Lundstedt e olivecrona. como caracterís-
tica básica de seus esforços, Ross manteve a pretensão de forrnular
uma "ciência jurídica" de base empírica.
o livro sobre o Direito e a Justiça, ano 1953, muito conhecido ern sua
versáo ingÌesa de 1,958, é considerado, junto com os livros Teorja Pura da
Direito d.e l(elsen (cf. cap. 2) e O Conceito de Direito de Hart (cf. cap. 4),
urna das obras mais importantes de Teoria do Direito do século XX.
Marcada por expressiva preocupação epistemológica sobre Os fundamen-
tos do conhecimento, possilcilidade do discurso moral e limites do positi-
vismo jurídico, com "Sobre o Direito e a Justiça" nosso autor pretende rea-
Iizar a eliminaçáo da vaiidade jurídica como categoria independente,
reduzindo-a a uma dimensáo da realidade. Assim, empreende esforços no
sentido de continuar orientaçáo já presente em livro que editou em L946,
Para uma Ciência Realista do Direito. Conforme escreve logo no prefácio
do trabalho que será aqui analisado, 'A principal ideia [é] levar no caÏnpo
do direito os princípios do empirismo às suas conclusÓes últimas".

L. Sobre o direito e a justiça (apresentaçáo)


Em termos essenciais, AIf Ross estrutula o livro "sobre o Direito e
a Justiça" (sDJ) com vistas a consignar basicamente quatlo teses.

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