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A FORMAÇÃO DE PROFESSORES NO BRASIL: SUBSÍDIOS PARA A


HISTÓRIA DA PROFISSÃO DOCENTE

Jane Soares de Almeida

Com a expulsão dos jesuítas da Colônia em 1759, como decorrência da política


reformadora do ministro português Marquês de Pombal, a educação que até então
estivera a cargo dos padres da Companhia de Jesus, desarticulou-se e o Governo não
conseguiu organizar qualquer outro sistema que substituísse a ação dos jesuítas.
Atrelada às determinações do Reino, a educação sofria reveses variados, havendo
dificuldade de se recrutar mestres eficientes, havendo grande contingente de leigos
atuando nas escolas de primeiras letras.
Nesse período, a educação escolar destinava-se principalmente aos filhos da
elite econômica, excluindo de seus benefícios o grosso da população, mantida longe da
escola e do conhecimento. Com o estabelecimento no Brasil da sede da monarquia
com a vinda da família real para o Rio de Janeiro, se aboliu o regime de dependência
que a Colônia vivera até então. Mesmo nesse quadro de súbita prosperidade, as
escolas de primeiras letras sofriam de males vários como professores mal preparados,
população escolar reduzida, falta de amparo em infra-estrutura física e didática,
remuneração insuficiente dos mestres, o que tornava a profissão pouco procurada.
Nos primórdios da emancipação política, as idéias liberais trazidas da Europa,
(pelos viajantes ou pelos que lá iam completar sua formação), através dos ideais
expressos desde a Revolução Francesa, levou o país à grande euforia no sentido de
democratizar o ensino através do oferecimento de uma escola que atendesse à toda a
população. Mudava-se o enfoque ideológico propondo-se uma educação ao alcance de
todos e não mais restrita às camadas detentora do poder econômico.
No entanto, mesmo as idéias revolucionárias, inspiradas no pensamento
ilustrado europeu só eram acessíveis a um número reduzido de pessoas letradas
pertencentes às categorias mais representativas da sociedade como funcionários
públicos, políticos, fazendeiros, comerciantes, médicos, advogados, entusiasmados
com os ventos de modernidade que chegavam ao país. Os núcleos urbanos pouco
povoados se constituíam em apêndices administrativos e comerciais da economia rural,
contando com uma incipiente e inexpressiva burguesia encarregada de veicular os
ideais europeus. A elite orgânica dos intelectuais entusiasmados com a ideologia liberal
dos pensadores ingleses e franceses que tinha como princípios gerais o individualismo,
a liberdade, o direito de propriedade, a igualdade e a democracia, concordava com a
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organização da sociedade em classes separadas pelo abismo do poder aquisitivo e


defendia o racismo e a escravidão.
Na Independência a organização social permaneceu quase sem alterações
significativas. A Constituição de 1824 ao fixar o preceito da educação primária para
todos, atribuía a esta o poder de facilitar a ascensão social. Encarregavam-se as
províncias da precária educação do povo e o poder central se voltava para a educação
da elite. A classe média emergente, pouco significativa em número e aspirações, não
tendo outros meios para educar seus filhos se incorporaria ao sistema de educação
popular, a esta conferindo algum prestígio. Nessa procura por educação pela classe
média, a necessidade de preparação de professores para o ensino que começava a
expandir-se e ser oferecido com maior regularidade, tornou-se maior. Assim, a
necessidade de escola para toda a população vai fazer com que se invista na formação
de professores, criando-se escolas normais.

As Escolas Normais nos tempos imperiais

A Escola Normal Brasileira foi a princípio uma instituição de caráter precário que
abria ou fechava em função de decisões políticas nem sempre acertadas, criada para
atender às necessidades de formação de professores para o ensino primário que
tentava expandir-se no Império. Eram instituições frágeis, com limitações
orçamentárias significativas que impediam seu bom funcionamento. Ministravam um
tipo de ensino elementar, mais propriamente voltado para aquilo que se deveria
ensinar no curso primário do que num aprofundamento de estudos e numa real
formação profissional. As primeiras escolas normais possuíam um único mestre e a
princípio eram dirigidas apenas ao sexo masculino. O preconceito herdado
culturalmente de Portugal fazia com que a instrução feminina fosse vista com
desconfiança e a maior parte das mulheres e moças vivia em situação de inferioridade
e dependência, recebendo nas famílias mais ricas algumas noções de leitura e escrita,
dedicando-se o mais das vezes às prendas domésticas, condição mais do que
necessária para conseguirem um bom casamento.
A primeira escola normal brasileira foi criada em Niterói em 1815 e em São
Paulo, fundada em 16 de março de 1846, atendia exclusivamente ao público
masculino. A instituição não conseguiria nas décadas seguintes se alicerçar no
precário sistema escolar, o que somente iria acontecer quando as moças passaram a
procurar por esse tipo de ensino, praticamente uma das únicas vias de acesso da
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parcela feminina a uma educação escolarizada com o objetivo de fornecer uma


profissão.
Há que se atentar que no Império a educação das moças de melhor poder
aquisitivo se processava no interior das residências citadinas ou nas casas grandes das
fazendas, sob a responsabilidade de pais ou professores contratados, sendo-lhes
oferecido um conhecimento que se limitava às prendas domésticas, aprendizagem das
primeiras letras, com noções de leitura e escrita, conhecimento da vida dos santos,
leitura de romances edificantes, além de música, dança e culinária, e em alguns casos
o aprendizado da língua francesa.
A partir da metade do século XIX a educação das meninas das famílias de
recursos passaria a ser confiada aos colégios particulares leigos ou religiosos, mas
mesmo a essas jovens privilegiadas eram reduzidas as opções escolares, o que não
dizer do grosso da população flagrantemente ausente da instrução, tanto homens
como mulheres. Portanto, a Escola Normal surgiria como uma alternativa possível para
a instrução feminina, além de suprir a necessidade de mão de obra para um ensino
que tinha como meta expandir-se e estender-se à população, de acordo com os ideais
liberais e democráticas que passavam a disseminar-se com a proximidade da República
entre as mentes ilustradas do País.
A influência da Igreja Católica, apesar da sua indisposição com o governo
imperial, se manifestava nos programas escolares, numa época marcada por um
pensamento apegado ainda aos valores e tradições européias. Os currículos se
organizavam para fornecer uma formação geral desvinculada de um caráter
profissional e voltada para as especificidades de um mundo social que ainda não
definia concretamente seus objetivos, evidenciando a fragilidade de uma experiência
escolar que apenas aprofundava os conhecimentos do curso elementar.
Após algumas tentativas infrutíferas de fortalecer a formação de professores na
província, em 1880, se inaugurou a terceira Escola Normal em São Paulo, com curso
de três anos, classes mistas e cinco professores ministrando aulas em cinco cadeiras.
Essa escola, criada pela Lei n. 130 de 25 de abril de 1880, daria origem ao Instituto de
Educação Caetano de Campos da Praça da República. Junto à escola foi criado um
curso preparatório anexo, com duas classes, uma para cada sexo. Não houve
inovações significativas em seu currículo ou no seu funcionamento, a não ser a
introdução das aulas mistas, fato claramente progressista para os padrões da época,
provavelmente com inspiração norte-americana.

As escolas normais no período republicano


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Após a República, urgia dar continuidade ao projeto civilizador da Nação com a


meta de estender a educação para todos, nos moldes de uma ação democrática que
visava fortalecer o país, o que poderia ser alcançado através da escola. A formação de
bons professores era parte integrante desse projeto.
As mudanças que as idéias pré-republicanas introduziram na sociedade
brasileira, mais a elevação do nível econômico das classes média e superior e a
influência cultural dos imigrantes europeus, levaram a uma revisão de valores que até
então permeavam a sociedade com resquícios do colonialismo. O Positivismo passa a
influenciar o pensamento político e as mentes ilustradas. A escravidão, até então
considerada mesmo pelos ideólogos liberais como um mal necessário, dada sua
importância para a poderosa classe senhorial da antiga colônia, entra em franco
processo de extinção até culminar com a abolição em 1888. Além disso, a separação
da Igreja do Estado de forma oficial era iminente e escolas estrangeiras eram
inauguradas no país, trazendo inovações nos métodos de ensino e no ideário
pedagógico.
Em todo o mundo se discutia a educação como fator de desenvolvimento e o
Brasil acompanhava essa tendência. Isso acabou por promover mudanças na
imagética social, entre elas, o novo valor atribuído à escola e a necessidade da sua
extensão à população, já que o país necessitava de um povo mais esclarecido para
poder desenvolver-se e equiparar-se às grandes nações do mundo. No entanto, no
plano concreto, a população continuava na mais extrema pobreza e ignorância, com
baixos níveis de saúde, alimentação, habitação e naturalmente educação, sendo altos
os níveis do analfabetismo.
Nesse contexto, a Escola Normal volta-se para a educação feminina como parte
do projeto civilizador da nação e cumpre funções de educar e instruir as futuras
esposas e mães, as donas de casa encarregadas da educação familiar e do
fortalecimento da família. A idéia de introduzir classes mistas nas escolas passa a ser
debatida, mesmo que fosse como experiência pedagógica, e colocar as mulheres para
ensinar meninos e meninas ao mesmo tempo são visto com agrado e como a melhor
alternativa para ampliar a escolaridade da população.
Os movimentos pela educação feminina seriam reforçados principalmente pelo
Positivismo. Seus seguidores admitiam a inferioridade orgânica e intelectual das
mulheres, porém as consideravam superiores do ponto de vista moral, o que as fazia
merecedoras da abnegada e louvável missão de educar as crianças, rompendo assim
com as idéias anteriores de destinar à parcela feminina apenas a função de procriar,
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embora mantivessem a estreita relação professora-mãe. O Positivismo também se


oporia à influência da Igreja Católica e ao ensino religioso, propondo uma escola laica,
pública e obrigatória, proposta essa aceita com entusiasmo pela intelectualidade e pela
classe média que passaria a ver a escola como um meio de ascensão social, o que
possibilitaria a esse segmento social concorrer com a classe dominante.
Entretanto, no período de transição do Império para a República, a Escola
Normal, da mesma forma que o sistema educacional, pouca significação teve no
panorama social do país, que continuava alinhavando conteúdos literários de
inspiração européia e servindo mais como apoio às relações hegemônicas da
sociedade.
Quando os fatores de ordem econômica e social se aliaram aos fatores
ideológicos de origem externa, aconteceu a República, implantando-se em definitivo a
idéia liberal republicana da educação como salvação dos males sociais do país. A
formação de professores competentes e versados nas inovações educacionais ganhou
força, assim como a aspiração de se criar um curso que atendesse à essa necessidade.
Com a incumbência dada a Caetano de Campos de reformar a Escola Normal em São
Paulo, como primeiro passo para a reforma geral da Instrução Pública, a instituição vai
viver um período áureo e desenvolver-se, estendendo-se nas décadas seguintes ao
interior do Estado, sendo procurada por moças desejosas de ampliar sua instrução e
melhorar seus conhecimentos para gerenciar o lar e criar os filhos. Os homens também
continuariam a freqüentar a escola, porém já em minoria.
A reforma efetuada por Caetano de Campos seria referendada pelo Decreto de
12 de março de 1890. Adepto da ideologia veiculada pela Doutrina Positivista,
implantaria uma reforma baseada nos princípios da escola pública democrática e
universal, gratuita, laica e obrigatória, na qual a formação dos professores seria
determinante e fundamental, atingindo assim toda a reforma do ensino. Para Caetano
de Campos essa formação não poderia mais ater-se somente aos princípios teóricos
enciclopédicos e tradicionalistas, mas deveria ser prática, voltada para o treinamento
profissional e visar obter os resultados rápidos e concretos que a nação esperava.
A importância da reforma realizada por Caetano de Campos deveu-se
principalmente à implantação das escolas-modelo, num momento histórico em que a
difusão do método intuitivo criado por Pestalozzi era considerado o método por
excelência e começou a ser utilizado nas escolas-modelo como auxiliar na prática dos
futuros professores. Mesmo assim, a Escola Normal continuava não atendendo à
crescente demanda por professores para lecionarem no curso primário que se achava
em franca expansão.
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Em São Paulo, nos primeiros anos republicanos, cresceram as escolas normais e


o ensino primário por conta de melhores condições sócio-econômicas que também
possibilitavam maior desenvolvimento educacional. Apesar das tentativas republicanas
nem sempre terem dado certo na organização de um sistema escolar que realmente
atendesse às necessidades e expectativas da população, o ideal plantado pelo
liberalismo de ver a escola como via de ascensão social se solidificou num panorama
social em que as transformações de classe iniciadas no Império se completaram e as
camadas médias forneceriam o contingente que se dedicaria ao magistério, entre
outras profissões. Esse contingente também marcaria presença nos movimentos
político-sociais que intentavam estabelecer mudanças na sociedade, entre elas, a
crença no poder transformador da educação.
A Escola Normal em São Paulo continuaria ao longo da República Velha
passando por reformas, mas nenhuma significativa e que modificasse estruturalmente
os modelos de escola anteriores, havendo apenas uma ampliação da cultura geral que
lhe dava feições de escola secundária. As mulheres passaram a se fazer cada vez mais
presentes na instituição normalista e a procuravam para obter conhecimentos, preparo
para a vida no lar e também ter uma profissão que lhes permitisse sobreviver com seu
próprio rendimento. Os homens que buscavam pela escola, uma vez ingressos no
magistério, aspiravam a cargos de chefia e direção, diferentemente das mulheres que
permaneciam nas salas de aula.

Os anos após a República

Três décadas após a República ser proclamada, ao aumento de crianças em


idade escolar não correspondeu a oferta das escolas, nem ao número de profissionais
querendo se dedicar ao ofício do magistério. As escolas primárias continuavam
precárias e sem condições materiais como espaço físico, mobiliário e material didático,
o que contrariava o ideal da escola para todos apregoado nas intenções dos
republicanos liberais. Com o desenvolvimento do processo de industrialização e
urbanização, as condições de vida e de trabalho modificaram-se e nos principais
centros urbanos se solidifica uma classe média que passa a ter maior evidência, ao
mesmo tempo em que surgem líderes políticos dela oriundos, enquanto se forma um
núcleo ainda pequeno do segmento proletário, que aos poucos se estrutura. Essas
mudanças se refletem na ordem de poder com a burguesia industrial e financeira
apoiada pelas classes médias urbanas, disputando o controle do Estado às oligarquias
rurais, tradicionais grupos dominantes.
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Essas oligarquias, símbolo de um país agrário e atrasado, que tinham como


base social os latifundiários, representados em São Paulo e Minas Gerais pelos
denominados barões do café, são deslocadas do poder em conseqüência da crise
econômica que se desencadeia no setor cafeeiro. Isso vai promover mudanças na
organização social e as filhas dos oligarcas falidos pela quebra financeira, pressionadas
pela urgência econômica, também irão sentar-se nos bancos escolares da Escola
Normal já ocupados pelas jovens filhas de comerciantes, profissionais liberais e
pequenos fazendeiros.
Em vista da insuficiência de alunos atendidos pelo sistema escolar, em 1920 a
Reforma Sampaio Dória reduz a escola primária em dois anos de estudos, visando
estender a escolaridade para uma faixa maior da população e buscando não onerar o
Estado com maiores gastos com educação. Com isso o poder público procurava
atender às reivindicações da população, convencidas do valor da educação escolar
como forma de ascender socialmente. Assim, uma escola de curta duração, simples na
sua estrutura, serviria perfeitamente aos propósitos da educação para o povo. Definida
agora mais claramente como uma instituição social mantida pelo Estado e de natureza
obrigatória e gratuita, a escola pública passa a fazer parte do cotidiano social.
Durante os anos 20 do século XX, as modificações na Escola Normal
continuariam processando-se em intrínseca relação com o desenvolvimento
quantitativo da escola primária. As freqüentes reformas no curso são originadas
principalmente no problema básico levantado acerca do novo ideal de escolaridade a
ser implementado no curso elementar, na visão de que seu desenvolvimento positivo
dependeria da qualificação dos professores que nele atuavam.
Os educadores progressistas da década de 20, adeptos de uma maior
renovação do ensino, criticariam duramente o perfil retrógrado e tradicionalista da
Escola Normal, e a consideram como uma instituição extremamente conservadora, por
ocasião do Inquérito realizado por Fernando de Azevedo em 1926. Participaram do
Inquérito acerca do Ensino Primário e Normal, a pedido do Jornal O Estado de S.Paulo,
vários educadores envolvidos com a educação paulista: Francisco Azzi, advogado e
lente catedrático da Escola Normal de Casa Branca; Almeida Júnior, médico e lente da
Escola Normal do Brás; Renato Jardim, ex-professor catedrático e ex-diretor do
Ginásio de Ribeirão Preto e da Escola Normal da Capital; José Escobar, professor da
Escola Normal da Praça da República; Sud Menucci, Delegado Regional de Ensino,
nome de letras, imprensa e magistério; Lourenço Filho, professor de Psicologia e
Pedagogia da Escola Normal da Praça da República e reorganizador do ensino no
Ceará.
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Nos anos 20 também emergem protestos dos educadores e legisladores quanto


ao excesso de escolas normais e de professores primários no Estado de São Paulo,
com indicações, como a de Fernando de Azevedo, para que se reduzissem o número de
escolas normais, e propondo a transformação de algumas em escolas normais rurais.
No entanto, havia poucos professores que se dispunham a lecionar nas distantes zonas
rurais, com grandes dificuldades de acomodação e locomoção, principalmente as
mulheres, maioria no curso, relutantes em deixar a cidade e a família.
Ao mesmo tempo que os anos 20 dos novecentos foram pródigos em reformas
e inovações na Escola Normal do Estado de São Paulo, também promoveram a
ampliação do curso aos interessados em se dedicar ao magistério com a disseminação
de escolas normais livres e particulares, principalmente pelo interior do estado.

Os anos 1930

A década de 1930, considerada por alguns intelectuais como uma época de


inovação e crítica, traria radicais mudanças no Sistema Escolar, ainda visto como
elitista e seletivo. O período também viu crescer o prestígio dos educadores liberais, o
que mais tarde seria abafado com a implantação da política autoritária do Estado
Novo.
O pensamento liberal que impregnou as propostas de legisladores e educadores
da época, também convivia com as idéias que defendiam o escravismo e a monarquia
e, associado ao positivismo, legitimava a ditadura das oligarquias e a repressão aos
trabalhadores. A educação escolar, utilizada até o final do Império como símbolo de
classe social, situação que em quase nada se alteraria na Primeira República, nos anos
30 passou a ser encarada como uma forma de ter a população sua oportunidade de
alcançar os privilégios da classe dominante.
A expansão da demanda pela escola porém não refletiria as necessidades
efetivas do desenvolvimento econômico, por sua insuficiência e por caminhar em
sentido inverso ao das necessidades criadas. Isso promoveu um aprofundamento do
abismo existente entre a educação e o desenvolvimento. Mais uma vez alinhada ao
poder dominante, a educação acabaria por desempenhar o mesmo papel conservador
dos anos pré-republicanos. Nesse período, marcado por ideologias distintas: - de um
lado, após a Revolução de Trinta, o crescimento do prestígio do Liberalismo e dos
ideais democráticos; de outro lado, o caráter anti-liberal e anti-democrático que
caracterizou o Estado Novo na era Vargas - , a preocupação com a melhoria do ensino
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esteve bastante presente, fato esse que iria refletir-se na organização curricular da
Escola Normal.
O espírito de federação que se alastrou pelo país entre 1930 e 1937, deu ensejo
a que os estados viabilizassem várias reformas no seu sistema de ensino. No Rio de
Janeiro, Anísio Teixeira, então Diretor Geral do Departamento de Educação, reformaria
o Ensino Primário e o Ensino Normal, transformados em Institutos de Educação,
incorporando a concepção de educação como instrumento de transformação social e
nivelador das desigualdades sociais. A reforma de Anísio Teixeira serviria de inspiração
para os reformadores paulistas, preocupados em equiparar o sistema escolar brasileiro
ao das grandes nações desenvolvidas.
As mudanças que se efetivaram em 1931 em São Paulo, coordenadas por
Lourenço Filho, visavam reorganizar o sistema educacional de forma definitiva. A
Escola Normal passaria novamente a funcionar em curso de quatro anos, que no
Governo Júlio Prestes havia sido reduzido para três.
As transformações operadas no país possibilitariam a abertura de um espaço
político para a classe média que ampliava cada vez mais suas exigências educacionais.
A parcela feminina da população reclamava maior nível de instrução e a Escola Normal
se tornaria um dos objetivos a ser alcançado por parecer ter melhor satisfeito as
aspirações das jovens paulistas, oriundas não apenas das classes médias, mas
também das famílias mais abastadas do Estado. Para a admissão na escola era exigida
a verificação da idade, da saúde, da inteligência e personalidade dos candidatos, fato
que demonstra a elitização do curso no período, nos rastros de uma política
educacional bastante autoritária. Para as moças era necessário apresentar autorização
do pai ou do marido no ato da matrícula.
A Conferência Nacional de Educação realizada em 1931, e a publicação do
Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova em 1932, demonstrariam inequivocamente a
crença de ser a escola um poderoso instrumento de transformação social, atuando
também como um aparelho de equalização de oportunidades para o indivíduo e
corrigindo a injustiça social, além de possuir o poder de suprir as deficiências de um
meio social desfavorável ao educando. A declarada função social atribuída à escola
levaria a novas preocupações com a formação de professores, os responsáveis diretos
pelo sucesso educacional. Assim, com a incorporação dessas idéias, em 1933 é
proposta uma nova reforma para a Escola Normal, na qual se procuraria efetivamente
colocar em prática a idéia há muito veiculada quanto ao preparo técnico dos
professores primários.
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O Decreto n. 5885 de 21 de abril de 1933 instituiu o Código de Educação do


Estado de São Paulo, estabelecendo que a formação de professores primários deveria
ser feita em dois anos de estudos, antecedidos por um curso secundário fundamental
de cinco anos e um curso primário de quatro anos. O currículo das escolas normais
passou a ser organizado por seções e as aulas semanais eram distribuídas de acordo
com o Regimento Interno de cada estabelecimento de ensino.
Um nacionalismo exacerbado tomaria de assalto setores do imaginário social
quando do golpe de 1937 que instituiu o Estado Novo, inaugurando uma fase política
de extrema contenção das liberdades democráticas. Posteriormente isso alteraria
também a estrutura educativa por meio de uma política educacional empenhada em
garantir os interesses das elites, enquanto se faziam algumas concessões às camadas
médias e aos segmentos populares. Estes, por sua vez, reafirmavam sua crença no
poder transformador da educação, reivindicando a universalização do ensino.
Consolidou-se assim nesse período um novo dualismo social e educacional: de um lado
as elites nas escolas de elevado padrão educativo, de outro as classes populares sendo
preparadas para o trabalho através do ensino profissionalizante.
O princípio da nacionalidade e patriotismo, promoveria a centralização do
ensino pregando a unidade nacional e a paz social. Isso limitaria a autonomia dos
estados quanto aos seus sistemas de ensino. A incipiente democratização cederia lugar
ao autoritarismo, calando-se as vozes dos educadores liberais no novo estado político
que se desenhava no território brasileiro. O Estado Novo seria tão elitista quanto a
República Velha, reforçando-se a intenção de manter um regime forte e autoritário.
Essa política teria por objetivo fazer do sistema educacional o ponto de partida
para exercer a dominação dos segmentos populares através de manobras de falsas
concessões. O ensino profissionalizante acenava para as classes populares com o
cobiçado diploma que lhes possibilitaria ascensão social e, mesmo pretendendo
garantir a unidade nacional pela unificação dos conteúdos e dos métodos, acentua-se
também a resistência à penetração de novas idéias pedagógicas, com o Estado
orientando e selecionando os conteúdos escolares segundo suas necessidades
econômicas.
A Constituição do Estado Novo dispunha sobre o ensino profissionalizante
dirigido às classes populares, visando a escolarização da futura mão-de-obra para o
crescente mercado de trabalho. Portanto, a formação de professores pelas escolas
normais também se atrelava à ideologia vigente do período político que a Nação
atravessava. Assim, a ideologia da classe dominante estará sempre nas diretrizes
adotadas para a educação popular e, consequentemente, caberia a ela orientar o
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processo de formação profissional daqueles que se incumbiriam dessa educação,


servindo de apoio e instrumento para sua efetivação prática.

Os anos 1940

A política educacional do Estado Novo só veio mesmo a ter uma real definição
através das Leis Orgânicas do Ensino. Promulgadas por Capanema nos anos 1940,
quando este era o Ministro da Educação, essas leis se caracterizaram pela
centralização ao Governo Federal e pela sujeição às suas determinações. Envolveram
reformas em todos os graus de ensino, representando a ingerência do poder central
em todos os níveis educacionais. Uma das tônicas era a ênfase e valorização do ensino
profissional, acentuando ainda mais a dualidade do sistema de ensino com objetivos
diferentes para a educação das classes altas e do povo.
A Escola Normal seria organizada como um ramo do ensino profissional,
buscando habilitar professores para o trabalho com crianças do ensino primário. Essa
formação procurou ser uniformizada em todo o país através do nivelamento da
orientação impressa no curso. Dentro dessa organização se promoveu também uma
divisão interna ao curso: para os locais economicamente pouco desenvolvidos se
propunha um curso reduzido quanto ao seu conteúdo; os centros mais prósperos como
as grandes cidades ofereceriam cursos mais aprofundados. Além disso, se instituiria
uma sub-divisão: o Curso de Regentes do Ensino Primário, com quatro anos de
duração e o Curso de Formação de Professores Primários, funcionando em três anos.
A formação de professores se faria através de três modalidades de cursos: pela
Escola Normal, que oferecia o segundo ciclo, formando professores primários; pelo
Curso Normal Regional, em nível de segundo ciclo e preparando regentes para o
ensino primário; pelos Institutos de Educação, encarregados da formação de
professores primários e lhes fornecendo habilitação profissional para o Magistério e em
Administração Escolar.
O currículo único adotado para todas as escolas do país se destacava pelo
predomínio de disciplinas de caráter técnico-pedagógico, onde figuravam disciplinas
como Psicologia, Pedagogia, Didática e Prática de Ensino, ministradas nos anos finais
do curso. As escolas normais continuavam a ter maioria feminina freqüentando seus
cursos e se solidificava a tendência das mulheres serem as mais indicadas para
lecionar para crianças, tendência já anunciada nas décadas anteriores.
As transformações realizadas na Escola Normal durante a década de 40,
principalmente com a Lei Orgânica de 1946, irão coincidir com o fim do regime
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ditatorial em outubro de 1945, que marcaria o início do processo de redemocratização


do País.
No final da década o processo de industrialização, mesmo dependente, era
irreversível, e o setor agrário-exportador tinha dificuldades em sustentar o mito da
vocação agrária do país. Expandia-se o capitalismo e, com a urbanização, aumentava a
importância das classes sociais emergentes como a burguesia industrial e financeira, o
proletariado urbano e as camadas médias ligadas à burocracia do Estado, as empresas
privados e o setor de serviços.

Os anos 1950

Na década de 1950 seria possível completar a integração da Escola Normal que,


juntamente com a equivalência de todos os cursos médios, passou a dar direito de
acesso ao ensino superior, descaracterizando-se assim como curso profissionalizante
para o magistério primário, equiparando-se aos outros cursos médios e
proporcionando também uma educação de caráter preparatório, voltada às
oportunidades que se abriam de continuação de estudos em nível superior aos
normalistas, além da habilitação ao magistério.
A proliferação de escolas particulares nesse período era objeto de preocupação
por parte dos educadores liberais que retomam o poder no cenário político-educacional
com força renovada, após a queda do regime ditatorial. O aumento de
estabelecimentos de ensino privado e pago, contrariava sobremaneira o espírito
republicano de manter o ensino público e gratuito para a população, de acordo com os
ideais explicitados pelo liberalismo. No entanto, a iniciativa de abrir escolas
particulares obtinha apoio de amplos setores e mesmo do próprio governo, numa
forma de restringir gastos com educação. Em 1954 existiam 258 estabelecimentos de
ensino normal em 122 diferentes cidades do estado, sendo que na capital funcionavam
60 escolas normais, destas 9 eram estaduais e 51 particulares, não havendo
participação do município na formação de professores. Há acusações quanto à política
adotada pelo Estado a respeito da formação de professores, ao número sempre
crescente de escolas normais, ao processo de degradação do magistério primário
causada pela inexistência de um programa efetivo de formação profissional e aos
baixos salários e más condições de trabalho.
O desenvolvimento econômico no período pós-Estado Novo estratificou uma
sociedade que tinha num extremo a classe alta representada pela oligarquia agrário-
comercial e burguesia industrial; no extremo oposto situava-se a classe trabalhadora.
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Entre ambas, a classe média formada por profissionais liberais e funcionários públicos.
Para o ingresso nessas profissões desempenhadas pelos segmentos médios, a escola
constitui o principal, senão o único patamar importante na busca de ascensão social e
a educação escolarizada continua sendo a via de acesso à participação efetiva na
sociedade.
Nesse panorama, a formação de professores na Escola Normal mantém-se
sujeita às oscilações sociais, econômicas e políticas, de acordo com a ideologia do
momento. A baixa remuneração e a desvalorização social dos professores dedicados ao
magistério primário fazem pauta das reivindicações da categoria e tomam corpo os
debates educacionais acerca da necessidade de uma Lei de Diretrizes e Bases para a
educação nacional. As mulheres cada vez afluem em maior número para a profissão,
levadas pela necessidade de buscar instrução e poder exercer uma profissão, numa
sociedade que principia a considerar o trabalho feminino como uma alternativa para
alcançar o desenvolvimento.
A partir da década de 1950 entra em pauta a questão de instituir um curso
normal noturno, dada a grande procura por esse curso. No entanto, a idéia sempre
presente da democratização do ensino, o que implicava em oferecer igualdade de
oportunidades aos alunos que trabalhavam no período diurno e queriam freqüentar as
escolas normais, esbarraria no funcionamento deficiente dos cursos noturnos. Uma das
maiores dificuldades estava no cumprimento das atividades práticas no curso primário
anexo que somente funcionava no período diurno, o que colocava dificuldades para os
alunos. Procurando melhorar essas condições, a Lei n. 3388 de 4 de julho de 1956,
através do Decreto n. 26526 de 5 de outubro, acrescentaria um ano ao curso noturno
de formação profissional dos professores primários.

Os anos 1960 e a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação


Nacional

As reformas introduzidas no período anterior seriam em parte abolidas com a


promulgação da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei n.
4024/61. Esta lei modificaria significativamente o quadro educacional do país,
representando um marco importante no sistema educativo dado ter sido a primeira
iniciativa de sistematizar as bases do sistema escolar e suas diretrizes em nível
nacional. Suas raízes remontam a 1946, quando tiveram início as primeiras discussões
sobre um plano único para a educação brasileira, num tumultuado processo que durou
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quase 15 anos. A Constituição de 1946 já havia atribuído ao Governo Federal o papel


de legislar sobre a educação e aos estados o poder de organizar seus sistemas de
ensino. Encaminhada ao Congresso em 1948 pelo então ministro da educação
Clemente Mariani, foi objeto de acirradas discussões antes de sua promulgação em
1961.
O projeto apresentado por Mariani, de base progressista, deu continuidade à
luta ideológica que se iniciou no período acerca das propostas de uma educação
realmente universal e democrática que beneficiasse toda a população escolar
brasileira. Essas propostas reacenderiam a oposição entre setores conservadores e as
novas forças sociais emergentes, representadas de um lado pela Igreja Católica e de
outro pelos educadores liberais, num conflito que se traduziu principalmente pelo
confronto entre escola pública e escola privada, centralização e descentralização.
Durante a tramitação do projeto da lei no Congresso foi mantida a política
educacional do Estado Novo, estando ainda em vigência as Leis Orgânicas. Não houve
por parte dos legisladores uma preocupação especial com a formação de professores
no país e as mudanças na Escola Normal limitaram-se a acompanhar aquelas
efetivadas no Ensino Médio nas suas linhas gerais.
O Conselho Federal de Educação e os Conselhos Estaduais de Educação foram
criados pela nova lei. O primeiro legislaria quanto às disciplinas obrigatórias e os
segundos quanto ao número de disciplinas que fariam parte do currículo, visando
principalmente homogeneizar a preparação de professores em todo o território
nacional. A criação do Conselho Federal de Educação concedeu autonomia aos estados
para criarem seus próprios sistemas de ensino, promovendo, pois a descentralização.
A regulamentação do Curso Normal pela Lei de Diretrizes e Bases não produziu
alterações significativas em sua estrutura e a formação de professores passou a ser
realizada em âmbito nacional pelas escolas normais de grau ginasial, funcionando em
quatro séries anuais, ou pelas escolas normais de grau colegial também com três
séries anuais, em prosseguimento ao curso ginasial. As primeiras formavam os
regentes do ensino primário e as segundas, os professores primários.
No Estado de São Paulo, a Secretaria da Educação regulamentaria o Curso
Normal em 1964, mantendo sua duração em três anos e exigindo para seu ingresso o
certificado do ginasial ou equivalente. Mais adiantado em termos econômicos do que
os demais estados da federação, eliminaria o curso de regentes e instituiria um
currículo voltado para as ciências humanas e para a formação específica. As disciplinas
obrigatórias eram as indicadas pelo Conselho Federal de Educação: Português,
Matemática, Ciências Físicas e Biológicas, História e Geografia; as disciplinas
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denominadas complementares, indicadas pelo Conselho Estadual de Educação:


Metodologia e Prática de Ensino, Psicologia da Educação, Sociologia da Educação e
Biologia Educacional; disciplinas optativas indicadas pelos estabelecimentos de ensino:
Filosofia e História da Educação, Desenho Pedagógico; e o elenco de disciplinas
denominado práticas educativas constando de Música e Canto Orfeônico, mais duas
práticas a serem escolhidas dentre Artes aplicadas, Economia Doméstica, Técnicas
audiovisuais aplicadas à educação, Artes Plásticas, Artes aplicadas, Técnicas
Comerciais, Técnicas Agrícolas, de acordo com a Regulamentação da Secretaria da
Educação do Estado, publicada no Diário Oficial de 8 de outubro de 1964.
Na segunda metade do século XX, a sociedade brasileira continuava
apresentando os profundos abismos sociais que diferenciavam as classes altas e o
grosso da população. Num panorama econômico de franco progresso, emerge uma
classe média produtiva e crescente, basicamente apoiada no emprego público que, a
exemplo das décadas anteriores, também considera a escola como o meio melhor e
mais eficiente no rumo da ascensão social. Suas principais reivindicações são obter os
meios para alcançar uma situação social de mais privilégios. Os segmentos populares
lhes seguem o exemplo e se organizam para lutar por seu direito à escola, embora
nem sempre com sucesso. Entretanto, a escola pública entra num processo de
expansão e na década de sessenta abre suas portas aos filhos dos trabalhadores.
As mudanças sociais se aceleram num mundo que vê crescer a tecnologia e a
comunicação entre os povos. Entra em cena nos anos 1960 uma ideologia basicamente
voltada para evolução da economia, oriunda da classe dominante, exclusivamente
direcionada para manter seus privilégios e estender sua visão de mundo aos vários
segmentos sociais, de forma a convencê-los a adotar essa mesma visão como sintoma
do progresso econômico do capitalismo. A ideologia liberal burguesa, moderna e
laicizada que domina o panorama social do período, veicula uma concepção liberal de
mundo e de educação, impregnada de uma visão tecnicista no campo educacional. A
classe média passa a considerar a utilidade do trabalho feminino como forma da
família alcançar maior bem estar social. Porém esse trabalho não deve transpor os
limites do socialmente adequado e a profissão de professora se alicerça como trabalho
feminino por excelência.
No governo autoritário que novamente se instala no País após o golpe militar de
1964, o sistema educacional brasileiro procurará sintonizar-se com o modelo do
desenvolvimento econômico que se intensifica nesse período. O Estado de São Paulo
particularmente promoveria algumas reformas para melhorar a preparação dos
professorandos que freqüentavam a Escola Normal e no ciclo colegial secundário. Ao
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unificar os dois primeiros anos de ambos os cursos, a Escola Normal passa a ser um
dos ramos do colegial, havendo um currículo comum para as primeiras séries.
A década de 60, caracterizada no plano político por um Estado repressor que
não hesitava em usar da violência contra seus detratores, não apresentou grandes
inovações no Sistema Educacional. A repressão da ditadura militar, que se estendeu
aos anos 70, atingiu escolas, professores e estudantes, proibindo quaisquer
manifestações de caráter político. A consciência cívica e patriótica seria estimulada
junto à população e a escola seria uma das vias preferidas como espaço para se pregar
o ufanismo nacional e o amor à Pátria. O Brasil tornava-se o país do "ame-o o deixe-o"
e nos bastidores da política, a invasão contra os direitos humanos fazia suas vítimas.

Os anos1970 e a Lei n. 5692/71

No panorama de estagnação intelectual inaugurado pelo medo e ausência de


liberdade, se tornou propício à promulgação de uma lei autoritária, gestada por
tecnocratas a serviço do poder e pelos militares desejosos de adesão política. A Lei n.
5692/71 viria fixar as novas diretrizes para a educação escolar brasileira, instituindo
entre outras inovações, a profissionalização obrigatória em todos os cursos do segundo
grau. Essa obrigatoriedade seria combatida principalmente pelo grupo francamente
atuante das escolas particulares, resistentes quanto a se equipar para profissionalizar
seus alunos destinados ao ensino superior. A obrigatoriedade, por força de grande
pressão, seria assim extinta em 1982 através da lei n. 7044. Portanto, a Lei n.
5692/71, imposta sem o mínimo debate à sociedade civil, de cunho marcadamente
tecnicista, pretensamente contra a seletividade do ensino, mas reforçando a divisão
em classes sociais da população, fracassaria em seus objetivos, apesar do discurso
igualitário que apregoava nos seus capítulos legais.
A legislação, ao defender escolaridade obrigatória dos 7 aos 14 anos, proporia a
formação profissional dos professores que iriam atuar nas séries iniciais do primeiro
grau através de uma habilitação de 2º grau, a Habilitação Específica de 2º grau para o
Magistério (HEM), extinguindo assim o Curso Normal. Concomitantemente, erguem-se
as vozes de vários educadores paulistas empenhados que no Estado de São Paulo a
formação se possa realizar em nível superior.
A escolaridade obrigatória de oito anos no primeiro grau exigiria mudanças
correlatas na formação de professores. O currículo passa a abranger um Núcleo
Comum em todo o território nacional e uma Parte Diversificada correspondente a cada
habilitação profissional. O primeiro ano seria básico para todos os alunos do segundo
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grau e se diversificaria a partir do segundo ano, quando os alunos fariam a opção


profissional desejada. Ao Conselho Federal de Educação caberia fixar os mínimos
curriculares para todos os níveis de ensino e a HEM deveria, além da
profissionalização, oferecer oportunidade para que os alunos continuassem seus
estudos em nível superior. A habilitação poderia funcionar em qualquer escola que
oferecesse o segundo grau.
Caem assim por terra as teses do liberalismo gestadas na primeira República da
escola ser a via de ascensão social e a educação não é mais vista como único meio de
transformação da sociedade.
Num país que, apesar das intenções apregoadas pelos vários governos, ainda
mantém a população sob altos índices de analfabetismo, a educação escolar, da forma
como se estrutura, continuaria alijando crianças e jovens da escolaridade, mesmo com
a obrigatoriedade instituída pela Lei n.5692/71. No magistério se acentuaria o
processo de desvalorização profissional com o ingresso nas escolas da população de
baixa renda. Nos cursos de formação de professores ingressam principalmente moças
desejosas de uma alternativa à profissões ainda menos valorizadas, o que se
concretiza com a abertura de cursos noturnos para as que já estão no mercado de
trabalho. As salas de aula ficam repletas no período noturno, causando dificuldades
aos professores do curso para conseguirem a realização dos estágios obrigatórios em
Prática de Ensino de forma eficiente perante o impasse apresentado destes terem de
ser realizados nas classes dos cursos primários que funcionam apenas no período
diurno e os futuros professores que freqüentam os cursos noturnos trabalharem
durante o dia.
A transformação da Escola Normal em mais uma habilitação profissional fará
com que o curso perca sua identidade e especificidade. Essa descaracterização
aparecerá também na ausência de bibliografia especializada e de qualidade para
disciplinas pedagógicas que são introduzidas no currículo por força da lei, no
empobrecimento dos programas de formação geral e sua desarticulação com a parte
específica do curso, na inadequação de métodos e conteúdos às necessidades de uma
formação plena. Assim, o baixo nível do ensino fundamental se ancora
irremediavelmente na baixa qualidade da formação de professores e os índices de
evasão e repetência aumentam.
Isso vem ao encontro das denúncias do fracasso da política educacional
implantada pelo regime militar, veiculadas pelos jornais: “O índice de evasão escolar
no 1º grau no Brasil é de cerca de 80% e coloca o país em situação pior do que países
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ainda mais pobres, como o Paquistão e a Etiópia.”(Folha de S. Paulo, 10/10/1989,


p.3).
A lei 5692/71 também introduziria a obrigatoriedade do ensino profissional,
denominada formação especial, que ao lado da formação geral vinha compor a
proposta educativa da escola. Estabeleceu-se um curso de 8 anos que eliminava o
curso primário e o curso ginasial, assim como os exames de admissão. No segundo
grau a profissionalização se caracterizaria como uma habilitação para o trabalho e
junto dos cursos profissionalizantes funcionaria um curso colegial destinado a
encaminhar seus egressos para o ensino superior e a Habilitação Específica de 2º grau
para o Magistério destinado a formar professores das séries iniciais do 1º grau e pré-
escola. Qualquer desses cursos permitiria o prosseguimento de estudos e normalmente
a destinação dos egressos da HEM era o Curso de Pedagogia.

Dos anos de 1980 ao século XXI

Em São Paulo, a Resolução SEE n. 14 de 28/01/1988 vai introduzir uma


inovação no ensino ao criar os Centros de Formação e Aperfeiçoamento do Magistério
(CEFAMs), buscando imprimir mais qualidade na formação de professores. A história
desses centros se insere num momento específico da política educacional paulista. Sua
proposta remonta a 1982, quando o Ministério da Educação elaborou e divulgou o
projeto junto às secretarias de educação dos estados, com o objetivo explícito de
promover um tipo diferenciado de formação de professores. O projeto indica mudanças
que vão desde a reestruturação curricular até formas específicas de funcionamento do
curso, buscando recuperar e renovar a prática educativa dos futuros professores e
contribuir para a qualificação profissional através da competência técnica e política
passível de responder com presteza às novas demandas das camadas populares.
Em 1988, com a promulgação da Constituição Federal, iniciam-se novamente as
discussões para se elaborar uma nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional,
condizente com os novos tempos que se anunciavam nas décadas finais do século XX.
Em dezembro de 1996, publica-se a Lei n. 9394 e a partir daí os rumos educacionais
do País trarão sua chancela.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, atualmente em vigor,
também inauguraria a Década da Educação. Um dos objetivos traçados é que ao final
da década que se iniciou em 1997, logo após a promulgação da LDB, todos os
professores encarregados da educação básica no País tenham diploma de nível
superior (art. 62). A formação profissional será efetivada nos Institutos Superiores de
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Educação através do Curso Normal Superior. Os Cursos de Pedagogia formarão os


profissionais para administração, planejamento, inspeção, supervisão e orientação
educacional (art.64). É dada especial ênfase à experiência profissional e capacitação
em serviço. Tais questões ainda se encontram no cerne das discussões educacionais e
ações são realizadas nos vários estados da federação para adequar-se ao cumprimento
da lei. Houve séria resistência a que o curso de Pedagogia deixasse de formar
professores, o que implicou em se reverter o artigo 64. Atualmente a formação de
professores na modalidade a distância tem sido uma realidade no território nacional.
Com a atual LDB se pretendeu inaugurar um espaço educacional que objetiva
instituir a qualidade do ensino como uma das metas mais relevantes no
aprimoramento da educação escolar brasileira. Para essa qualidade de ensino, que visa
o sucesso escolar, a inclusão e a cidadania, a qualificação de professores é a principal
meta a ser atingida, pois é nesses profissionais que residem a responsabilidade e o
potencial de mudanças que a sociedade brasileira do século XXI necessita e exige com
maior ênfase.
No magistério, como profissão feminina dos tempos atuais, torna-se crucial a
importância da atuação das mulheres na educação escolar. No século XXI, em meio
aos conflitos e à desigualdade, são elas as principais encarregadas da educação das
crianças e jovens, e as escultoras de uma educação que finalmente se volta, embora
ainda não na suas totalidades, para os direitos de cidadania da população. E, como
mães e professoras, são as encarregadas de fazer da educação um instrumento para a
paz, de recriar a esperança e serem as construtoras de uma utopia possível, sonhada
desde os tempos republicanos: a educação como direito de todos, princípio universal,
a ser adotada por todos os povos do mundo.

Bibliografia
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PERROT, Michelle. Os excluídos da História- operários, mulheres, prisioneiros. Rio de


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SAVIANI, Dermeval; ALMEIDA, Jane S. de; SOUZA, Rosa F. de; VALDEMARIM, Vera T.
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O legado educacional do século XX no Brasil. Campinas, Autores Associados, 2006,
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WEREBE, Maria José Garcia. Grandezas e Misérias do Ensino Brasileiro. São Paulo:
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