E, se o meu leitor é ateu, então imagine que o recado
pareça ser dado pela natureza. Deus e a natureza se reconhecem e tem na ciência o seu porta- voz. O que peço apenas é que leia, independente das suas crenças. Leia. Um vírus surge, transforma-se em pandemia e paralisa o Planeta Terra. Mas, vamos combinar, o mundo já deveria ter paralisado há algum tempo! Vivemos e morremos neste estágio da civilização de forma totalmente desrespeitosa em relação ao outro, ao que instituímos chamar de humano. Não reconhecemos mais o outro. Preferimos viver a ditadura dos idênticos. Na política, o sistema que definiu a liberdade e a busca da igualdade como objetivos maiores foi o mesmo sistema que aprisionou milhões e impôs a igualdade mais igual para alguns, como nos diz o grande literato. O outro só interessava para validar o poder constituído. Comunismo. Já o sistema que impera no mundo hoje ilude o tempo inteiro o sentido de liberdade – é-se livre quando quase 1 bilhão de pessoas passa fome ? – como também professa a igualdade, traduzindo-a cotidianamente no direito de um ser melhor que o outro, a igualdade reside no direito de competir, mesmo que eu tenha direito de queimar a largada, sendo Usain Bolt. Capitalismo. Todos os demais sistemas são variações. No primeiro, o estado controla os meios de produção e tutela o privado; no segundo, o privado controla os meios de produção e tutela o estado. Os dois sistemas leram Hobbes e, claro, vieram depois do contrato social e firmaram os contratos que conhecemos. E mesmo quem leu Habermas, os do poder político, não entendeu Habermas, esfera pública não vingou sobre o estado e o privado. E tudo quanto se lê, na verdade, se coloca como um debate oportuno nas academias para que nos filiemos a A ou a B, para que estudemos à luz do que já foi, que perdura até hoje e continua realizando este mundo medíocre em que nos encontramos. Um pouco de Mafessolli e o inconformismo do intelectual, dele, me acolhem. Um pouco de Milton Santos e os buro-professores também me confortam. Mas não será este texto que vai dialogar com os intelectuais. Este texto quer falar a cada um que se queira como o outro autônomo e independente. Não há justificativa para, em Cuba, há 61 anos um cidadão não ter direito à opinião. Não há justificativa para, nos EUA, talvez, desde 1780, um cidadão, eleito e com poder, ter direito a invadir qualquer outro país que dele divirja. Por vezes, paro de escrever me achando óbvio demais. Porque o argumento contra essas obviedades é que somos ingênuos. A ingenuidade mudou de significado. É compreensão. Mas compreensão do sistema. E compreendê-lo é fundamental para que possamos assentar os nossos princípios na premissa da hipocrisia. Também me revolta ser contra o sistema. Porque se somos contra o sistema é por que o reconhecemos. Isso explica a paralisação do mundo. Tínhamos de parar mesmo, mas antes da chegada do vírus. Daí o recado, que é de Deus e é da natureza. Não paramos. Ao contrário, estamos avançando a passos largos em direção alguma. As religiões crescem e fidelizam pessoas, amealhando dízimos. Todas. E quem aqui não conhece ou leu sobre um pastor corrupto ou um padre pedófilo? E os mesmos que pregam a palavra de Jesus – aquele homem pobre, que nasceu na Galileia, que pregou o amor ao próximo, que defendeu pecadora, indagando se os que a desejavam apedrejar não tinham pecado, este mesmo, que em um só momento de sua vida evangelizada ergueu-se de forma violenta, quando o seu templo virou comércio, quando nele se instalou um negócio – pregam que o caminho é usar armas para matar se necessário. Eu disse matar, defendem o direito de matar. No lugar de pregarem uma outra civilização. Gandhi para eles foi um idiota. O segundo e sagrado Mandela, um imbecil. Que pacificismo nada. Tem de matar. E essa visão de mundo é propalada com adesão da maioria. Tínhamos de parar antes. Mas a velocidade, que se tornou um valor, não nos deixa parar. A era digital- informática é avassaladora. Hoje a discussão de boteco tem endereço no facebook. Quando terminava o jogo de futebol no sábado à tarde e íamos para o bar tomar uma cerveja gelada, uma Pepsi, discutíamos os mais diversos assuntos. E quando um dos amigos ali dizia uma bobagem inominável todos “se deitavam na cabeça do cara”. E, de alguma maneira, o autor da besteira, acionava o seu senso de ridículo e recuava, normalmente dizendo “levou a sério a minha brincadeira, né?” Hoje não!!! Hoje o este nosso amigo, à distância de quilômetros, encontrou um outro de outra turma e se identificam. Sem tempo de acionar o ridiculômetro, sente-se confortável com o apoio. E aí viraliza como vírus, como o coronavírus. Então é preciso parar. Fomos contaminados há algum tempo. Freud já disse, no início do século XX, que a religião foi substituída pela razão, e a história nos conta que a razão já, antes, foi a própria religião. E os fracassos foram semelhantes. A modernidade nos prometeu as soluções, nos contemplou com o Iluminismo. E nos foi entregue que mundo? Atualmente alguns resistem a compreender que vivemos em uma condição pós-moderna. Pós-modernidade não é ideologia. É condição. E nela nos inserimos depois de tudo, depois da orgia como disse Baudrillard. Que fazer? Acordamos para trabalhar e acumular. E quanto mais bem sucedidos mais desumanos. Quanto mais ricos mais talentosos e perversos. E não quer dizer que o pobre, uma vez com a oportunidade de ser rico, não faça o mesmo. Isso não é uma concessão. Isso é compreensão do sistema. Porque dentro dele jogamos o jogo. Sabe aquele mendigo que se encontra deitado na porta do banco e que se torna um obstáculo ao nosso ingresso nas suas dependências? É um ser humano igual a nós. Igual nada!! É igual ou não? Claro que é. Não é. Como se ele sequer toma café da manhã; é forte, falta um trabalho naquele corpo isso sim. Sabe aquela criança na esquina pedindo esmola e aquela mãe dele sentada à distância, escorada em uma parede, com uma mão estendida e a outra abraçada no bebê que carrega em seu colo? São iguais a ti? Somos iguais? Sim! Somos! Que nada! Só sabe fazer filho . Mas é igual sim. Sabe o profissional bem sucedido que anda de BMW, que almoça a R$ 200,00, o chefe? É igual a gente! Igualzinho. Só o que faltava, agora, tu almoças a duzentinho? É igual, ué, só ele..., mas é igual! Ele está no direito dele, eu se pudesse gastava duzentos só em um bom vinho. Viu como somos iguais? Sabe aqueles 3% que detêm metade da riqueza do mundo? Tem dor de barriga, cálculo renal, pode pegar qualquer vírus e quando morrer ou será enterrado ou cremado. É igual a gente. Como temos direitos objetivos e subjetivos à igualdade, então não somos iguais. Somos diferentes. E a esta altura do mundo ter assentado a sociedade e suas constituições da era moderna na igualdade é que nos radicalizou a distância. Se tivéssemos admitido que somos diferentes e não iguais poderíamos pensar na igualdade que desejamos. Mas isso é filosófico, não? Por isso tínhamos de parar. Chegamos a um lugar no planeta que a palavra dos cientistas são contestadas pelos líderes políticos sem-cerimônia. Quando o homem descobriu o fogo quem negou foi lá se queimar para dizer que não queimava? Quando o homem descobriu a roda quem negou foi lá impedi-la de rodar, dizendo que ela não rodava? A ciência tem seu lugar. Mas o planeta hoje corre o risco do aquecimento global, e isso, antes de ser acordado, para inibir a poluição nos diversos países e contribuir com a perfuração da camada de oozônio, é negado pela política muitas vezes. Podes jogar a maçã para cima, vê se cai!? Isaac, que brincadeira é esta de gravidade. Em 2020, o negro em todas as estatísticas do mundo é minoritário em participações dos mais diversos postos. O negro, em 2020 , não tem os mesmos direitos do branco. Não me interessam as leis. Eis a nossa civilização do covid-19. A mulher não tem o mesmo direito que o homem. Sexo não é um direito privado. E ser pobre, bem, ser pobre, não ter o que comer, dá para entender as razões disso. O preço das comodities baixou , o dólar disparou, as bolsas caíram, é preciso rever a liquidez do mercado. Mercadeus! Somos muito pequenos, somos muito limitados, somos uns medíocres. Somos os que herdamos da natureza a racionalidade. A razão. De quê? Tínhamos de parar. Confesso que escrevi este texto em um fôlego só. Sem correção demasiada. Sem elaboração maior, quase ao ritmo do fluxo de consciência. Da minha tristeza e perplexidade resultou o texto. O coronavírus nos fez parar. Ainda tem os que querem seguir do mesmo jeito que caminhamos até agora. A maioria, talvez, imensa maioria. Não nos reconhecemos e não achamos tempo para nos entender. Encolhemos aos poucos. Ao anunciar que somos iguais, na modernidade, reafirmamos o direito de negar a igualdade como se ela não fosse possível. Ao contrário de tudo que se prega até hoje. Insisto com o tema, volto nele, porque é dele que surge este mundo em quem nos iguala é um vírus. Tínhamos de parar. E o recado de Deus, ou da natureza, ou da energia em que acreditas, ou da evolução traída do darwinismo, o recado foi dado, está sendo escrito e lido, não mais em praça pública, em casa, na frente de uma tela, de TV ou de telefone. E, tu, caro leitor, leste?