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Implementação de bancos de dados georeferenciados das Viagens

Filosóficas Portuguesas (1755-1808) na Biblioteca Brasiliana USP

Ermelinda Moutinho Pataca


Professora Doutora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo.
ermelinda.pataca@gmail.com

Camila Franco
Graduanda em Geografia pela Universidade de São Paulo.
Bolsista de iniciação científica do BNDES.
ca-milafranco@hotmail.com

RESUMO
O presente trabalho aborda as Viagens Filosóficas Portuguesas ao Brasil no século XVIII, almejando
criar um banco de dados biobibliográfico sobre os viajantes e as redes de relações às quais se submetiam.
Optamos por apresentar os dados de forma georreferenciada, que possibilite a compreensão da
abrangência das viagens desde uma escala global mostrando o conjunto das colônias portuguesas, até
escalas locais, para o entendimento da situação institucional luso-brasileira. Apresentaremos o
desenvolvimento do mapeamento das informações obtidas pelos Viajantes para compreendermos a
abrangência dos trabalhos e a importância estratégica que estes significavam para a Coroa. Pretende-se a
democratizar as informações, de maneira didática e interativa com sua inserção em um mapa atual,
contendo os trajetos e principais realizações desses viajantes. Os dados sobre as atividades de campo e de
gabinete das Viagens Filosóficas, serão georreferenciados, apresentando o envolvimento institucional dos
viajantes e a rede de relações entre eles. Traçamos os percursos das viagens para avaliarmos os
deslocamentos e permanências dos viajantes entre as colônias portuguesas e a metrópole. As
informações extraídas dos textos, imagens e mapas resultantes das viagens serão associadas aos locais
explorados pelos viajantes através dos dados inseridos no programa Google Earth.

PALAVRAS-CHAVE: Viagens Filosóficas, georreferenciamento, história natural

ABSTRACT
In this paper we study the Portuguese Philosophical Journeys to Brazil in the eighteenth century, aiming
to create a biographical and bibliographical database about travelers and networks of relationships that
they submitted. We chose to present the data in georeferenced form, which enables the understanding
of the scope of travel in a global scale, showing all the Portuguese colonies, and local scales to
understanding the Luso-Brazilian institutional situation. We present the mapping of information
obtained by the travelers to understand the scope of work and the strategic importance to the Crown. It
is intended to democratize information, in a didactic and interactive way with their integration in a
current map, containing routes and main achievements of these travelers . Data on the activities of field
and office of Philosophical Travels will be referenced, presenting the institutional involvement of the
travelers community and the relationships between them in network. We trace the routes to evaluate the

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mobility and permanence of the travelers between Portuguese colonies and metropolis.The information
extracted from the texts, images and maps resulting of trips will be associate to the locations explored by
the travelers through the inserted data in the Google Earth program.
KEYWORDS: Philosophical Journey, georreferencing, natural history

INTRODUÇÃO
O projeto idealizou a criação de material didático virtual, voltado para acesso público de
estudantes, professores e quem desejar obter informações acerca das viagens filosóficas durante os anos
de 1755-1808, período que compreende os últimos anos da colonização portuguesa. A necessidade da
democratização dessas informações se dá pela escassez de materiais didáticos sobre esse importante
período da historia do Brasil. Os viajantes como exploradores tinham como missão recolher e aprontar
produtos das localidades que visitavam e também fazer observações filosóficas e políticas sobre todos os
objetos da viagem.
Pretendemos reproduzir a mobilidade, a permanência, relações e experiências dos viajantes e
naturalistas, através de mapas atuais que mostrem os locais que eles transitaram. O georreferenciamento,
nesse caso, se faz extremamente importante, visando a valorização do lugar para os estudos em história
natural, dentro do contexto em que se inseriam as viagens portuguesas na época.
O final do século XVIII teve grande importância para Portugal, com a clara intenção de
intensificar a exploração colonial, visando explorar e investigar a natureza, de caráter
predominantemente cientifico. As Viagens Filosóficas foram compostas por filósofos, matemáticos,
desenhistas, engenheiros e naturalistas, que partiam às colônias e, também, pelo trabalho de
magistrados, médicos, religiosos, ministros, governadores, vice-reis, naturalistas e desenhistas que, muitas
vezes, ficavam no Reino e não realizavam viagens, mas trabalhavam na preparação (pré-campo), no
financiamento e no trabalho com as coleções (pós-campo).
A construção da rede de informações em uma plataforma virtual permite o contato entre saberes
distintos e a reformulação contínua e facilitada das análises realizadas. Assim, se viu necessário o
georeferenciamento dos dados acerca do deslocamento e permanência dos viajantes entre Brasil e
Portugal. Utilizaremos programas computacionais como instrumentos para a representação de dados
espacialmente referenciados, podendo ser utilizados de maneira interdisciplinar, interligando aspectos
sociais e naturais. Para isso, serão atribuídas informações em pontos específicos, coincidentes com os
verdadeiros locais de visitas portuguesas, com ajuda do programa Google Earth, amplamente usado em
diversos ramos da pesquisa.

ELABORAÇÃO DE MICRONARRATIVAS BIOGRÁFICAS


Compreendemos que a avaliação geral sobre a dinâmica das viagens deve ser realizada de forma
gradual, numa avaliação do processo de institucionalização das ciências em Portugal e no Brasil. O
processo de institucionalização não se restringe apenas a criação de instituições científicas, mas ao

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desenvolvimento de práticas, técnicas e representações científicas que envolvem a formação e a
consolidação da comunidade científica (FIGUEIRÔA, 1997).
Aprofundaremos a análise sobre as questões relativas às três fases distintas das viagens – o pré-
campo, o campo e o pós-campo, assim como todo o material resultante do processo. Para tal,
analisaremos as dimensões políticas e administrativas destacando as diretrizes e o comando das viagens;
o perfil, a formação e a atuação dos personagens; o cotidiano e as práticas dos viajantes no gabinete e no
campo; as dimensões geográficas e geológicas na definição dos percursos, os produtos investigados e, por
fim, as representações resultantes destas viagens, que compreende imagens, textos e coleções.
Posteriormente criaremos micronarrativas biográficas sobre os viajantes envolvidos nas Viagens
Filosóficas. No “Dicionário Biobibliográfico de Governadores, naturalistas, desenhistas e engenheiros
envolvidos nas expedições científicas portuguesas”, anexo à tese de doutorado de Ermelinda Pataca
(2006), já temos várias descrições sobre a vida dos viajantes, organizados em etiquetas (descritores). A
construção dos verbetes será realizada em grupos sobre a atuação dos personagens envolvidos nas
viagens, como mostra o esquema a seguir (Figura 1):

Figura 1. Esquema das micronarrativas. Fonte: Elaborado pelo autor.

Para atingirmos os objetivos de mapeamento das viagens filosóficas, selecionaremos alguns


parâmetros de análise, construiremos quadros conceituais para cada temática, e ao final buscaremos

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possibilidades de articulações multidimensionais na busca de um entendimento geral sobre as viagens.
As temáticas dos mapeamentos serão as seguintes:
Institucional – representação das situações física e simbólica dos viajantes na esfera de poder do
mundo português, materializadas na filiação institucional. Criaremos quadros conceituais que
mostrem as instituições envolvidas nas viagens e qual a importância política no período.
Destacaremos aqui a formação dos viajantes e as relações entre os mestres e aprendizes em cada
momento histórico;
Percursos das viagens – mapeamento dos locais por onde os viajantes passaram para compreensão
do processo de mobilidade e fixidez dos naturalistas e de como isso influenciou a criação de
referenciais, a implementação de novas instituições, o desenvolvimento de práticas, o
estabelecimento de conexões entre diversas regiões do Império Português (Figura 2);
Redes de correspondência entre os naturalistas – compreender as relações entre os naturalistas no
Mundo Português para avaliarmos sua atuação na dinâmica das viagens. Analisaremos
especialmente a troca de correspondências entre os viajantes.

Figura 2 – Mapa da Nova Lusitânia, adaptado com as informações das viagens. Fonte: Elaborado pelo
autor
Durante as viagens, as descrições minuciosas das paisagens tinham o objetivo de dominação
geográfica e serviam como “aparelhos discursivos mediante os quais os estados definem e representam o
território” (PATACA, 2011, p. 5). A utilização de imagens de satélite atuais serve, a principio, para a
compreensão de como, quando e por quê tal região foi explorada, quais foram as potencialidades já
descobertas no período da colonização, como se configurou a expansão da mancha urbana e se os
viajantes tiveram influência nesse processo.

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Pouco estudado e explorado, o acervo iconográfico das Viagens Filosóficas serve principalmente
como registro da natureza que os portugueses investigavam. A inserção dessas informações no meio
digital possibilita a compreensão das estratégias políticas de exploração colonial através da apreensão dos
produtos investigados em cada local.
As descrições geográficas escritas nos diários e textos da Viagem seriam
complementares às observações zoológicas, botânicas e mineralógicas, assim
como às coleções de história natural que deviam ser enviadas ao reino, pois na
época a ciência já considerava uma associação entre a localização geográfica e a
distribuição das espécies, conferindo a estes desenhos um caráter geográfico
implícito. Portanto, as observações de história natural deviam sempre ser
acompanhadas de descrições geográficas. (PATACA, 2001).

GEORREFERENCIAMENTO DAS INFORMAÇÕES


A escolha do programa para o georreferenciamento dos dados se deu após uma extensa pesquisa
sobre as possibilidades que cada um deles fornecia. Os programas pagos, como o ArcGis, foi
considerado inicialmente, pela facilidade na execução e elaboração de informações através de sua
plataforma. Porém, por não ser um programa de cunho “livre”, foi desconsiderado, pois a aquisição do
mesmo seria inviável para o projeto. Assim, buscamos como alternativa o programa Google Earth™, um
software gratuito de imagens de satélite de boa resolução para obter as coordenadas dos trajetos dos
viajantes.
A possibilidade de utilizar o Google Earth™ para a finalidade de material didático se mostrou
atraente devido à facilidade de acesso que os usuários de internet tem a essa plataforma. Possui interface
simples, rápida e de fácil manipulação, e é considerado um programa promissor nos estudos de
cartografia e outras áreas da ciência geográfica.
O Google Earth™ dispõe de ferramentas de edição de vetores em formatos de
pontos, linhas e polígonos, permitindo o mapeamento de feições e
representação cartográfica de elementos identificados através das imagens de
satélite.” (LIMA, 2012).
Utilizando como base o Dicionário Biobibliográfico, estruturamos uma lista de localidades por onde
os viajantes passaram e os produtos que eles obtiveram nesses locais. Com essas informações, o próximo
passo foi inserir os locais, utilizando pontos e polígonos, que identificassem o mais próximo da região
que os viajantes estiveram. Algumas localizações são mais precisas, mas muitas delas carecem de
informações oficiais sobre os reais trajetos que foram percorridos.
Nesses pontos, inserimos as informações principais sobre a obra do viajante citado, dentro de
uma tabela de atributos, disponível nas ferramentas do programa. Com isso, conseguimos aperfeiçoar
essas informações, transformando os pontos e trajetos em objetos dinâmicos permitindo a apreensão
espacial local e apresentam as peculiaridades que os viajantes encontraram ali (Figura 3).

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Figura 3 - Descrição das atividades do viajante, representada no Google Earth. Fonte: Elaborado pelo autor

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A compreensão do conjunto de resultados das viagens filosóficas realizadas no Império Português
no final do século XVIII ainda não foi suficientemente abordada na bibliografia. Tal apreensão deve ser
realizada através de estratégias de visualização dos dados em várias escalas com as relações espaço-
temporal, o desenvolvimento científico e a criação de representações artísticas das viagens. Para
atingirmos tal objetivo, torna-se necessário um debate interdisciplinar envolvendo geógrafos,
historiadores, linguistas e cientistas para o tratamento das informações em conjunto, esforço que
estamos desenvolvendo na Faculdade de Educação no projeto em andamento para a criação de
estratégias de visualização do conjunto das viagens.
O georreferenciamento das informações permite a compreensão do esforço português de
exploração natural e geográfica em diversas escalas, do global ao local, revelando as relações entre os
viajantes, assim como os resultados das viagens expressos na elaboração de textos, imagens e coleções. Os
resultados alcançados até o momento permitem a visualização do conjunto das viagens que percorreram
a América Portuguesa durante as administrações de D. Rodrigo de Souza Coutinho. Por outro lado, já é
possível visualizarmos detalhes das biografias de viajantes expressos em suas percepções e experiências
vivenciados em cada local.
O desenvolvimento de estratégias de divulgação dos resultados das viagens de forma interativa
está ocorrendo de forma concomitante à análise dos dados. Os desafios apresentados até o momento são
de criação de uma interface interativa e dinâmica que possibilitem a apreensão da complexidade de
fatores envolvidos nas viagens.

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BIBLIOGRAFIA

FIGUEIRÔA, Sílvia Fernanda de Mendonça. As ciências geológicas no Brasil: uma história social e institucional, 1875-
1934. São Paulo: HUCITEC, 1997.
GOOGLE EARTH. Imagens de Minas Gerais, Diamantina, MG. Disponível em: <
http://www.googleearth.com.br/>. Acesso em: 20 de março de 2013.
LIMA, Raphael Nunes de Souza. Google Earth aplicado à pesquisa e ensino da geomorfologia. Revista de Ensino de
Geografia, Uberlândia, v. 3, n. 5, p. 17-30, jul./dez. 2012.
PATACA, Ermelinda Moutinho. Arte, Ciência e Técnica na Viagem Philosophica de Alexandre Rodrigues Ferreira: A
confecção e utilização de imagens histórico-geográficas na Capitania do Grão-Pará, entre Setembro de 1783 a Outubro de
1784. Dissertação (mestrado) – UNICAMP, São Paulo, 2001.
PATACA, Ermelinda Moutinho. Terra, água e ar nas Viagens Científicas Portuguesas (1755-1808). Tese
(doutorado) – UNICAMP, São Paulo, 2006.
PATACA, Ermelinda Moutinho. Congruências entre cartografia e pintura no prospecto da Vila de Cametá (1784)
de José Joaquim Freire. Anais do 1º Simpósio Brasileiro de Cartografia Histórica. Belo Horizonte - MG, 2011. p. 1-
16.

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