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Foi um carro que passou em minha vida

Alceu A. Sperança

Sabemos bem pouco sobre a casa em que moramos: a Terra.


Malucos de todos os tipos sempre tentam explicar de onde ela veio,
quando o mais sensato é empurrá-la para onde precisa ir.
Adoram opor, bestamente, a crença em um “ser” que “criou” o
universo contra as conclusões incompletas de cientistas que mal
arranham os mistérios do universo. O mais fácil e menos duvidoso é
concluir, com a lei de Lavoisier, que na natureza nada se perde, nada
se cria, tudo se transforma.
Não venham com crenças aqui para minha apimentada gororoba
científica que não irei com teorias imbecis para seu delirante angu
místico. Voltem quando souberem como viajar no tempo e
teletransportar a matéria. E aproveitem para não atravessar o samba.
Entretanto, irritantes pesquisadores da Universidade do Arizona,
qual ousada Comissão de Frente, analisaram um meteorito
encontrado na Antártica e viram que ele trouxe consigo registros da
química dos primórdios do sistema solar.
Esse meteorito primitivo, sustentam, é que trouxe para a Terra o
nitrogênio, elemento químico fundamental em todos os organismos
terrestres.
Pois é, caro Mestre-Sala: a vida veio lá do espaço, como se um
anjo vingador cuspisse meteoritos para cá e as condições para haver
vida aqui neste planeta viessem com eles.
Isso dá na tal da
exobiologia. Nossa
vida tem origem
alienígena, dona
Madrinha da
Bateria!

Em sentido contrário, um fenômeno corriqueiro: sempre que há


crises violentas, surgem histórias sobre profetas e seres
extraterrenos. Aí é tomar laranjada envenenada para embarcar na
cauda de um cometa divino, milagres aqui e ali, santas chorando ou
vertendo sangue, profecias desastrosas e demais baboseiras para
desviar a atenção das pessoas do que realmente interessa: nada vai
cair do céu ou virá em seu socorro se não pagar as contas nem lutar
por um mundo melhor.
É por causa de crenças ridículas e de uma ciência desumana,
colocada a serviço da invasão rapineira dos povos inermes, que a
humanidade está sempre à beira de guerras sangrentas.
Por isso, melhor descartar os quesitos fantasias religiosas e
adereços pseudocientíficos e ouvir o agrônomo Lester Brown, que,
beirando os 80 anos, é um sábio sempre capaz de lavar a alma de
quem o escuta.
Mas agora, pobre alma suja!, ele pegou pesado. Disse que o preço
alto dos alimentos não é apenas uma canalhice provisória dos
capitalistas gananciosos: ela veio para ficar e nos arrebentar.
Vão cobrar sempre mais caro por tudo aquilo que nos é
imprescindível.
O que deveria ser de graça – o
essencial à vida, como ar puro,
alimentos e remédios de uso
contínuo – ficará bem caro, o que
nos obrigará a trabalhar mais.

Culpa de quem? Do automóvel que eu finalmente iria comprar


depois do Carnaval. Para guardar os 20 milhões de carros vendidos
anualmente será preciso tirar da produção de comida no mínimo cem
mil hectares. Carro em cima, nada de comida por baixo.
“Quando se adicionam carros”, diz o assustador Brown,
“pavimenta-se solo e perde-se terra agricultável”. E assim, além do
trânsito assassino e sua poluição doentia, perdemos boas terras
debaixo daquelas rodas inflacionárias.
Até o dia em que vai sobrar apenas sucata de carros para mastigar
nas refeições. Wall-E alertou, mas ninguém ouviu. Agora, vovô
Brown avisa que, a bordo de um carro nada alegórico, a fome está
aí, gente, e muita gente vai sambar.

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