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NORDESTINOS EM BLUMENAU – MIGRAÇÃO E

IDENTIDADE CULTURAL

Paulo Herôncio de Medeiros1


Cristina Danna Steuck2

Resumo:

Pautando-se nos pressupostos dos descolamentos migratórios, que buscam na dinâmica


sócio-econômica novas perspectivas de vida, revelou-se, neste artigo, uma investigação sobre
a migração e a cultura nordestina na cidade de Blumenau – SC. Os migrantes nordestinos
que aqui chegaram, criaram, nesse novo espaço geográfico, mecanismos para perpetuarem
sua cultura e reconhecerem-se através de suas identidades culturais, promovendo a cultura
nordestina, com a criação da Associação dos Nordestinos de Blumenau. Esta associação
reúne em torno de si personagens que foram e são frutos dos processos migratórios,
condensando elementos culturais que representam os valores e sentimentos de se pertencer a
um grupo regional, expressando e recuperando os valores autênticos da “nordestinidade”
dos que vivem em Blumenau.

Palavras-chave: Identidade cultural. Migração. Associação de Nordestinos de Blumenau.

1. INTRODUÇÃO
Até meados do século XX, a história tradicionalmente explicava os fatos históricos
sob olhares meramente economicistas e/ou políticos, gerando assim, determinismos como
únicas vertentes possíveis de explicação. Com a Escola dos Annales3, os fatos históricos
passaram por “mutações”, surgindo novas abordagens e problematizações, tanto na dimensão
do documento, quanto no aporte epistemológico.

A multiplicidade do enfoque sobre a ação humana no tempo possibilitou à oficina do


historiador desenvolver instrumentos teóricos para trabalhar desde o mental até o conflito
social. Nesse sentido, Hebe Castro (1997) ressalta a importância da História Social para a
historiografia contemporânea ao favorecer diferentes enfoques metodológicos, tendo como
principal objeto de estudo, a ação política coletiva e sua relação com contextos sociais
singulares no tempo. A referida autora também mostra que a História Cultural se estrutura na
interdisciplinaridade, ao aproximar-se da Sociologia e Antropologia, para a compreensão dos
costumes, tradições, etc., produzindo outra “postura historiográfica frente à historiografia
tradicional” (CASTRO, 1997, p. 45).

Nesta sistemática de novas abordagens, ângulos e objetos de pesquisa proporcionada


pela revolução historiográfica dos Annales, tem-se a história cultural como um destaque de
pesquisa entre os historiadores. Esmiuçando as várias possibilidades de objetos dentro da
1
Bacharel e licenciado em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
2
Mestre em Educação pela Fundação Universidade Regional de Blumenau.
3
BURKER, Peter. A Escola dos Annales (1929-1989): a revolução francesa da historiografia, 1997.
2

história cultural, chegou-se ao estudo de um sistema de representação das relações entre o


indivíduo e o grupo: a identidade cultural.

Segundo os ensinamentos da Sociologia e da Antropologia, a cultura é cumulativa4,


ou seja, cresce por um processo de acumulação onde cada geração contribui para adicionar
algo que foi socialmente herdado, e contínua. Assim, desde o surgimento do homem, após o
agrupamento do mesmo e o convívio social, uma troca de experiências e reciprocidade foi
estabelecida. Também o reconhecimento deste indivíduo perante os seus, quer seja pelo modo
de agir, de falar, dos seus valores no seu convívio social, ou fora dele, são formas de
identidade cultural, ou seja, numa linguagem mais crassa, é como se esse indivíduo fosse
“rotulado” a partir dos modos específicos de sua cultura.

Dessa forma,
A identidade cultural é um sistema de representação das relações entre indivíduos e
grupos, que envolve o compartilhamento de patrimônios comuns como a língua, a
religião, as artes, o trabalho, os esportes, as festas, entre outros. É um processo
dinâmico, de construção continuada, que se alimenta de várias fontes no tempo e no
espaço (SERRA, 2008, p.32).

De acordo com Serra (2008), a identidade cultural é um conjunto vivo de relações


sociais e patrimônios simbólicos historicamente compartilhados que estabelece a comunhão
de determinados valores entre os membros de uma sociedade. É também um processo de
reconhecimento, de igualdade, de união com o semelhante que está ou foi inserido em um
determinado contexto cultural diferente do seu. Assim, embora as formas de identidade
cultural não estejam impressas em nossos genes, é como se elas fizessem parte da nossa
natureza essencial.

Nesse sentido, este artigo científico irá problematizar uma investigação histórico-
cultural pautada na emergência da Associação de Nordestinos de Blumenau 5 (ANB), como
uma organização que através da associação e trabalhos desenvolvidos na cidade, reúne os
nordestinos que promoveram deslocamentos migratórios na busca de uma região
industrializada, tentando encontrar novas e amplas perspectivas de participações econômicas
em suas vidas e, nesse novo espaço geográfico, buscam principalmente a manutenção do
reconhecimento identitário, como uma forma de não perderem suas raízes históricas e
culturais diante de uma nova identidade espacial-cultural tipicamente germânico-colonizadora
da região.

2. MIGRAÇÃO E NORDESTINOS EM BLUMENAU

4
Para os sociólogos, cultura é o conjunto acumulado de símbolos, idéias e produtos materiais associados a um
sistema social, seja ele uma sociedade inteira ou uma família. Juntamente com estrutura social, população e
ecologia constituem um dos principais elementos de todos os sistemas sociais e é conceito fundamental na
definição da perspectiva sociológica. [...] a cultura não-material inclui símbolos de palavras à notação musical –
bem como as idéias que modelam e informam a vida de seres humanos em relações recíprocas e os sistemas
sociais das quais participam. As mais importantes dessas idéias são as atitudes, crenças, valores e normas
(JOHNSON, 1997, p. 63).
5
A Associação de Nordestinos de Blumenau foi fundada em dezembro de 2006, na Sociedade Ipiranga em
Blumenau. Hoje, a associação reúne em torno de 1500 associados e, através da Lei Municipal n° 7.192, autoria
da então vereadora Maria Emília de Souza, a ANB foi declarada como uma organização de utilidade pública.
3

Para Freyre6, o Nordeste é um espaço geográfico de onde nasceu o Brasil, lugar esse
que se constitui culturalmente e civilizatoriamente a partir da casa grande e da senzala,
separando-o dessa forma do Norte, como era conhecido até meados de 1910. Concordando
com as idéias de Freire, Albuquerque7 em sua obra, mostra como até meados de 1910, o
Nordeste ainda não existia. Não se pensava em “Nordeste”, nem muito menos eram
percebidos os “nordestinos”.

Para Albuquerque, o Nordeste emergiu aos poucos, no seio dos discursos


jornalísticos, artísticos, científicos e literários, e na mídia em geral, sobretudo a partir da obra
“Os Sertões” (1906) de Euclides da Cunha e dos textos regionalistas da década de 1920, sob a
assinatura de autores como Gilberto Freyre.

O Nordeste é nacionalmente conhecido como uma região que, ao longo dos séculos,
promove um processo migratório para as regiões mais industrializadas do país, na busca de
novas perspectivas de vida na dinâmica socioeconômica. Esses deslocamentos migratórios
acontecem em virtude da falta de emprego na região, da industrialização centrada na zona
litorânea, dos fatores climáticos, entre outros. Segundo o último censo demográfico do IBGE
(Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), a região Nordeste continua sendo a campeã
em fluxo migratório8: foram 1.457.360 saídas entre 1995 e 2000 - um aumento de 7,6% em
relação ao período de 1986/1991. O principal destino dos migrantes é a região Sudeste, que
recebe 70,9% dos migrantes nordestinos.

Para alguns estudiosos, a partir do final da década de 1980 a absorção de mão-de-


obra nordestina na região sudeste está cada vez mais comprometida, em virtude da dinâmica
econômica e até mesmo do contingente populacional e da mão-de-obra excedente, ou seja, as
oportunidades para os migrantes estão ficando cada vez mais raras. Segundo Jannuzzi (2000,
p.88),
A década de 80 foi marcada pela perda do dinamismo da economia brasileira e em
especial a paulista – em criar postos de trabalho na indústria, pelo menos no ritmo
em que isto vinha se dando na década anterior. Também deixou-se de observar a
continuidade do processo de “estruturação’ do mercado de trabalho paulista e
nacional, com estagnação da parcela relativa da mão-de-obra contratada sob regimes
formais de trabalho e engajada nos setores mais organizados e dinâmicos da
economia. Na “década perdida”, ainda que o emprego urbano continuasse se
ampliando, oferecendo oportunidades para quem saía do campo, para quem não
fosse qualificado, para quem viessem do Nordeste, as condições oferecidas já não
eram as mesmas prevalecentes no período em que a industrialização acelerada
espraiava seu dinamismo criando postos de trabalho mais remunerados, com níveis
crescentes de formalização das relações de trabalho nos demais setores ocupacionais
urbanos. As regiões de atração que outrora garantiam oportunidades de inserção
laboral para quem nela chegasse, aparentemente tornavam-se menos fluidas em
termos das possibilidades de mobilidade ocupacional.

Partindo de tais prerrogativas, percebe-se que muitos nordestinos buscam encontrar,


em novas regiões industrializadas, novas e amplas perspectivas de participação econômica em
suas vidas, pois para alguns, esta seria uma nova oportunidade de mobilidade social e

6
FREYRE, Gilberto. Casa Grande & Senzala: formação da família brasileira sob o regime de economia
patriarcal. Rio de Janeiro: Maia & Schmidt, 1933.
7
ALBUQUERQUE JR, Durval Muniz de. A invenção do Nordeste e outras artes. 2 ed. Recife/São Paulo:
Massangana/Cortez, 1997.
8
IBGE. Disponível em: <www.ibge.org.br>. Acesso em: 05 fev 2010.
4

econômica ou até mesmo, uma estratégia inevitável de sobrevivência básica, garantindo uma
posição na estrutura social. Mesmo assim, a região Sudeste ainda é a maior região em receber
os migrantes nordestinos.

Com a escassez de empregos na região sudeste, começaram novos deslocamentos


espaciais na tentativa de encontrar melhores condições de vida e, na região Sul do país, os
migrantes nordestinos encontram essa possibilidade, em virtude de ser a segunda região mais
rica do Brasil, com grande potencial industrial, produção agrícola aliada à tecnologia e amplo
crescimento da construção civil. Dessa forma, a região Sul se torna um forte atrativo de
absorção da mão-de-obra e mobilidade socioeconômica para os nordestinos, pois “a
mobilidade geográfica (horizontal) induz à mobilidade social (vertical). Os indivíduos que
vivem em um lugar diferente de onde nasceram tendem a alcançar um status ocupacional mais
alto do que os indivíduos que permanecem no mesmo lugar” (PASTORE apud JANNUZZI,
2000, p. 90).

Dados tais enveredamentos e de acordo com dados migratórios levantados pelo


IBGE, nota-se que no ano de 1996 a região Sul recebeu o número de 24.9149 migrantes
nordestinos, tornando-se dessa forma, a terceira maior região do Brasil a receber essa mão-de-
obra da região Nordeste.

Diante dessa dinâmica econômica presente na região Sul, tem-se a cidade de


Blumenau, localizada no Vale do Itajaí, região nordeste do estado de Santa Catarina, como
um dos municípios mais desenvolvidos do país. Hoje, a cidade conta com cerca de três mil
indústrias – incluindo pequenas e médias empresas – mais de cinco mil estabelecimentos
comerciais e milhares de prestadoras de serviços. O “carro chefe” da economia blumenauense
é a indústria têxtil, sendo considerada como o maior pólo têxtil da América Latina. Pela sua
localização, população, equipamentos e economia, Blumenau é a principal cidade da região,
exercendo suas influências no vale do Itajaí-Açu, Itajaí - Mirim e Benedito. Assim, Blumenau
é um dos mais interessantes destinos econômicos do estado de Santa Catarina.

Sendo assim, a cidade de Blumenau é uma ótima oportunidade para a atração de


mão-de-obra de diversos lugares do país, principalmente gaúchos, paulistas, paranaenses e,
também, nordestinos.

Porém, a gênese da presença nordestina em Blumenau, não é proveniente da


industrialização na cidade. Pesquisando documentos no Arquivo Histórico José Ferreira da
Silva, descobriu-se que o primeiro nordestino a se instalar por aqui data da segunda metade do
século XIX. Esta personagem era José Bonifácio da Cunha, baiano, médico e político que
assumiu por duas vezes a superintendência (prefeitura) de Blumenau, sendo a primeira de
1890 a 1892, sendo o quinto administrador da cidade e, na segunda vez, foi superintendente
de 1899 a 1903. José Bonifácio da Cunha foi eleito deputado pelo estado de Santa Catarina e
lutou também na Revolução Federalista. Ainda de acordo com os documentos do Arquivo
Histórico, “José Bonifácio casou-se aqui e uma vez enraizado, o Dr. Cunha tornou-se
blumenauense de corpo e alma. Era altruísta de ótima forma e muito estimado pela população
inteira10”. A sua esposa, Lili Schmidt, era uma imigrante de origem alemã.

9
IBGE. Disponível em: < www.ibge.gov.br>. Acesso em: 05 fev. 2010.
10
Arquivo Histórico José Ferreira da Silva, Livro 01, Família A a G.
5

Outro nordestino que marcou presença em Blumenau na segunda metade do século


XIX foi o engenheiro e político Manuel Vitorino de Paula Ramos. Este pernambucano veio
para Blumenau em 1886 como “Chefe da Comissão de Terras e Colonização”, sendo
promovido à “Delegado da Inspetoria de Terras e Colonização”. Paula Ramos foi eleito
deputado em seis legislaturas e promovido a tenente-coronel do exército brasileiro por ter
lutado ao lado de Floriano Peixoto na Revolução Federalista. De acordo com os documentos
pesquisados, Manuel Vitorino de Paula Ramos, merecia “que a sua memória fosse cultuada e
que seu nome figure entre os dos grandes vultos do nosso passado11” em virtude deste
nordestino ser:
Unido aos homens que dirigiam a política republicana em Blumenau e que contava
com a quase unanimidade da população deste município, Paula Ramos foi, na
tribuna da Câmara, como na imprensa – pois foi um jornalista vibrante também –
prestou relevantes serviços a Blumenau, circunscrição eleitoral em que baseava o
seu prestígio político e que nunca lhe faltou nos momentos mais difíceis de sua
carreira12.

Fazendo este breve histórico, dos primeiros nordestinos que se instalaram em


Blumenau, pode-se perceber que, no final da segunda metade do século XX e início do século
XXI, os nordestinos continuaram fazendo seus deslocamentos migratórios em busca de novas
perspectivas de vida.

Dentro dessas prerrogativas, e diante do processo migratório existente, o número de


nordestinos em Blumenau foi aumentando consideravelmente. Para não esquecerem suas
origens, bem como para se reconhecerem em “terras germânicas”, foi fundada a Associação
de Nordestinos de Blumenau (2006), na perspectiva de perpetuar suas identidades e também,
promover a divulgação da cultura nordestina na cidade.

3. ASSOCIAÇÃO DOS NORDESTINOS DE BLUMENAU: UMA QUESTÃO DE


IDENTIDADE CULTURAL

Uma vez instalados nesse novo espaço geográfico, os migrantes criaram mecanismos
para não perderem as suas características culturais nordestinas. O mais contundente destes, a
fundação da ANB (Associação de Nordestinos de Blumenau, que integra pessoas oriundas
dos nove estados da região Nordeste – Pernambuco, Paraíba, Alagoas, Ceará, Rio Grande do
Norte, Maranhão, Sergipe, Piauí e Bahia), em dezembro de 2006, tendo como objetivos
principais, não interromper o processo cultural desses, mesmo estando distante de suas
regiões de origem, divulgar a cultura nordestina na cidade e, também, nesse espaço, promover
e legitimar encontros de reconhecimentos identitários. Desta forma, a ANB promove a
manutenção do regionalismo nordestino presente em suas vidas. Por outro lado, percebe-se
que essa manutenção vem aproximando os blumenauenses da cultura nordestina, levando-se a
crer que está em formação um processo de assimilação de culturas de diferentes origens13.
11
Arquivo Histórico José Ferreira da Silva, Livro 02, Família H a N.
12
Idem, Ibidem.
13
Exemplificando um desses momentos, temos o dia 02 de setembro de 2008, dia esse que Blumenau
comemorou o aniversário de 158 anos de fundação. Tradicionalmente existe o desfile festivo na rua XV de
novembro, com alas estilizadas, trajes típicos, clubes de caça e tiro, escolas públicas e elementos do folclore
blumenauense. De repente o público foi surpreendido com a vinda de uma nova “ala” no desfile: a da
Associação dos Nordestinos de Blumenau, trazendo em sua “comissão de frente”, um casal trajado de “Lampião
e Maria Bonita”, ícones tradicionais da cultura nordestina. Depois, apareceu mamulengos, tocadores de viola,
dança do frevo, bandeiras dos estados nordestinos. Foi a primeira vez que uma cultura “estranha” fez parte de
6

Nessa perspectiva de divulgar a “nordestinidade” em Blumenau, a ANB vem


condensando em torno de si uma série de elementos ancorados na cultura nordestina. Assim,
quanto mais a ANB consegue agrupar os elementos culturais em seus eventos, mais
representa os valores e sentimentos de pertencer a um grupo regional, expressando e
recuperando os valores autênticos da “nordestinidade” dos que vivem em Blumenau, pois
“trabalham na recuperação e na proteção de suas tradições em via de desaparecimento ou de
‘descaracterização’, e terminam por viver, eles próprios, desse trabalho identitário” (AGIER,
2001, p.18).

Analisando esses processos que estão garantindo a manutenção da cultura nordestina


na cidade, é relevante concordar com os argumentos de Stuart Hall (1997), quando o mesmo
analisa os impactos da globalização sobre as identidades culturais como uma desintegração
diante do “pós-moderno global”.

Para Hall (1997, p. 12), “a identidade [...] costura [...] o sujeito à estrutura. Estabiliza
tanto os sujeitos quanto os mundos culturais que eles habitam, tornando ambos
reciprocamente mais unificados e predizíveis”. Dessa maneira, pode-se entender,
hipoteticamente, que as representações culturais desenvolvidas pela ANB representam assim,
uma resistência a globalização cultural, já que houve um deslocamento espacial da “cultura
original” e a mesma se afirma numa cidade que expressa fortemente os valores culturais
trazidos pelos primeiros imigrantes alemães. Desta forma,

Em um mundo inteiramente globalizado, no qual as identidades tendem a perder


suas referencias locais, devemos nos perguntar a respeito do lugar onde toma forma
a criatividade cultural. Trata-se, em suma, de pensar conjuntamente as três relações
duais e problemáticas entre identidade e lugar, cultura e lugar, identidade e cultura
(AGIER, 2001, p. 17).

Nesta mesma perspectiva, Jameson (2001) discute a problemática da globalização em


ameaçar o desaparecimento de diversas culturas, onde essas dariam espaço para outra cultura
dominante. Segundo o referido autor, esse seria o “verdadeiro cerne da globalização14”.

Assim, objetivando a manutenção da cultura nordestina dos migrantes em Blumenau,


a ANB buscou legitimar o seu espaço, dando-lhe memória, importância histórica,
cartografando ou redesenhando culturalmente esse novo espaço geográfico de inserção. Com
a divulgação da cultura nordestina na cidade, a ANB passou a produzir um discurso que
legitimasse e desse conteúdo e particularidade a esse novo espaço, tendo como premissa
básica, o não desaparecimento da cultura nordestina diante de uma cultura dominante
tipicamente germânica e presente no cotidiano dos blumenauenses, quer seja na arquitetura
peculiar da cidade, nos pratos típicos, nos dialetos locais, nas festas culturais, etc. Além da
Associação se preocupar em manter as raízes culturais do povo nordestino e, também,
promover encontros identitários, ela também organizou e continua organizando eventos
típicos visando o entrosamento cultural com a comunidade blumenauense. Para tanto, desde o
ano de 2007, a cidade de Blumenau vem conhecendo um pouco da cultura nordestina através
de vários eventos realizados na cidade.

um desfile alegórico tipicamente blumenauense. Nesta ocasião, poderíamos citar um dos poemas de Gilberto
Freire que se adequaria muito bem na situação citada: “Eu ouço as vozes, eu vejo as cores, eu sinto os passos de
um outro Brasil que vem aí. (FREIRE apud ALBUQUERQUE JR, 2001, p. 13).
14
JAMESON, Frederico. Globalização e estratégia política. 2001.
7

Assim, diante dessa nova realidade cultural, a Associação dos Nordestinos passou a
divulgar a nordestinidade dos migrantes, nesse espaço geográfico, idealizando para terem
reconhecida a sua própria existência na cidade de Blumenau. Para tanto, como já comentado
anteriormente, foi necessário criar mecanismos para divulgar a cultura nordestino nesse novo
meio urbano. Desse ponto de vista,

“Os meios urbanos podem ser fatores de encadeamento ou reforço dos processos
identitários. A cidade multiplica os encontros de indivíduos que trazem consigo seus
pertencimentos étnicos, suas origens regionais ou suas redes de relações familiares
ou extra-familiares. Na cidade, mais que em outra parte, desenvolvem-se, na prática,
os relacionamentos entre identidades, e na teoria, a dimensão relacional da
identidade” (AGIER, 2001, p. 18).

Desde a fundação e posse da Diretoria Executiva15, a Associação dos Nordestinos de


Blumenau criou atividades específicas para os seus integrantes e promoveu diversos eventos
na cidade visando promover uma integração e reconhecimento da cultura nordestina, que
foram veiculados nos mais diversos meios midiáticos locais e/ou regionais:

• São João Fest (2007 a 2009) – Festa junina tipicamente nordestina, apresentada
no espaço cultural “Vila Germânica”;
• Feijoada Nordestina (2008) – Feijoada regada de muito forró na Associação da
Prefeitura de Blumenau;
• Desfile alegórico (2008/2009) – A Associação dos Nordestinos de Blumenau
contou com uma ala carregada de ícones e tradição nordestina no desfile de
aniversário de Blumenau no dia 02 de novembro;
• Carnaval (2008/2009) – Comemoração regada a muito axé, frevo, etc.
• Exposição de Literatura de Cordel16 (2009):
• Rua XV de Novembro (julho);
• Feijoada Vermelha (agosto);
• Conferência Municipal de Cultura (setembro);
• 1º Seminário Internacional de Culturas e Desenvolvimento (outubro);
15
Com a declaração da ANB como uma organização de utilidade pública, ela possui um Estatuto próprio,
registrada em cartório em 29 de janeiro de 2007, que rege a Associação.
16
Poesia popular impressa em folhetos e vendida em feiras ou praças -, tal como é cultivada no Brasil até hoje
(vésperas do Terceiro Milênio), teve origem em Portugal, onde por volta do séc. XVII se popularizaram as folhas
volantes (ou folhas soltas) que eram vendidas por cegos nas feiras, ruas, praças ou em romarias, presas a um
cordel ou barbante, para facilitar sua exposição aos interessados. Nessas folhas volantes, de impressão
rudimentar, se registravam fatos históricos, poesia, cenas de teatro, anedotas ou novelas tradicionais, textos que
eram memorizados e cantados pelos cegos que os vendiam. Difundidos por toda a Europa, essa forma popular
de literatura, chamada “de cordel”, foi transladada para o continente americano pela ação de seus descobridores
espanhóis e portugueses, na medida em que se instalavam nas terras por eles conquistadas. [...] Foi no Nordeste
do Brasil que essa literatura de cordel se arraigou mais profundamente e continua como forma viva de
comunicação, tornando-se uma das características diferenciadora dos costumes dessa imensa região em relação
às demais regiões brasileiras. Pela interpretação do grande pesquisador que foi Câmara Cascudo, sabemos que,
no Nordeste, por condições sociais e culturais peculiares, foi possível o surgimento da literatura de cordel, da
maneira como se tornou hoje em dia característica da própria fisionomia cultural da região. Fatores de formação
social contribuíram para isso: a organização da sociedade patriarcal, o surgimento da manifestações messiânicas,
o aparecimento de bandos de cangaceiros ou bandidos, as secas periódicas provocando desequilíbrios econômico
e sociais, as lutas de família deram oportunidade, entre outros fatores, para que se verificasse o surgimento de
grupos de cantadores, como instrumentos do pensamento coletivo e das manifestações de memória popular. Não
foi difícil à literatura de cordel introduzir-se neste ambiente. Tornou-se o meio de comunicação, o elemento
difundidor dos fatos ocorridos, servindo como que de jornal ao pôr a família ao corrente do que se passava:
façanhas de cangaceiro, casos de rapto de moças, crimes, estragos da seca, efeitos das cheias, tanta coisa mais.
E-Dicionário de Termos Literários. Disponível em: <www.fcsh.unl.pt/edtl>. Acesso em: 18 mar. 2010.
8

• A ANB ainda conta com o “time de futebol dos nordestinos” e com o grupo
musical “forrobodó”, proporcionando entretenimento a todos os membros da
associação.

Como projetos para o ano de 2010 a Associação dos Nordestinos de Blumenau visa
ampliar ainda mais a divulgação das raízes nordestinas em Blumenau. Além da pretensão em
desenvolver curso básico de informática, alfabetização de adultos e oficinas de teatro,
capoeira e artesanato, a ANB estará veiculando numa rádio local o programa “Raízes
Nordestinas”, trazendo aos ouvintes informações a respeito dos costumes, culinária, músicas e
variedades do povo nordestino. “Os Cabras de Lampião”, outro projeto que está sendo
desenvolvido, conta com a capacitação de vinte jovens em danças regionais nordestinas
(xaxado, frevo, maracatu e boi-bumbá), sendo que algumas apresentações já foram realizadas
e, o intuito maior deste, é divulgar essa cultura nas escolas públicas e particulares de
Blumenau.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Além de trazer uma pesquisa inédita, esta investigação também possibilitou fazer um
histórico da origem dos nordestinos na cidade, bem como a compreensão da dinâmica
migratória realizada por eles. A mesma revelou a necessidade desses migrantes de se
manterem unidos pelo laço cultural e, principalmente, reafirmar suas identidades construídas
culturalmente através das atividades desenvolvidas pela Associação dos Nordestinos de
Blumenau.
Dessa forma, a reafirmação identitária é visualizada ou externada simbolicamente
nessa Associação, porém, além de se reconhecerem nesse espaço simbólico, houve a
necessidade de gerar mecanismos para garantir a manutenção cultural dos mesmos e
promover a cultura nordestina na cidade de Blumenau, através dos seus mais variados
projetos que estão sendo desenvolvidos. Assim, foi possível fazer um mapeamento das
atividades desenvolvidas por esses nordestinos desde a fundação da Associação em 2006, até
os dias atuais, possibilitando a inserção destes personagens na historiografia local, tornando-
se, desta maneira, mais uma fonte para a produção do conhecimento histórico.
A pesquisa desenvolvida é resultado evidenciado de um ano de estudo sobre a
Associação dos Nordestinos de Blumenau, dando uma guinada subjetiva na história regional e
trazendo como resultado principal a necessidade de um determinado grupo de migrantes
manterem vivo esse conjunto de relações sociais e culturais em suas vidas, quer seja
simbolicamente compartilhado, estabelecendo a comunhão de valores culturais diferentes,
quer seja em forma de reconhecimento e auto-afirmação identitária entre os seus membros.
Por fim, com os pressupostos da Escola dos Annales, esta pesquisa trouxe relevância
para o saber acadêmico regional, já que foi problematizada uma investigação histórico-
cultural pautada nos nordestinos que migraram para a cidade de Blumenau, na busca de novas
perspectivas de vida, dentro da dinâmica econômica. Estes migrantes tornaram-se “micro-
organismos culturais” em uma cidade de valores tipicamente germânicos e sabiamente
resistiram, e continuam resistindo, a “globalização cultural” nesse novo espaço geográfico em
que estão inseridos.
9

REFERÊNCIAS

Arquivo Histórico José Ferreira da Silva. Livro 01, família A a G.

__________. Livro 02, família H a N.

AGIER, Michel. Distúrbios identitários em tempos de globalização. Scielo – Biblioteca


eletrônica de artigos científicos. Disponível em: <http://www.scielo.br/> Acesso em: 02 fev.
2010.

ALBUQUERQUE JR, Durval Muniz de. A invenção do Nordeste e outras artes. 2 ed.
Recife/São Paulo: Massangana/Cortez, 1997.

BURKER, Peter. A Escola dos Annales (1929-1989): A revolução francesa da historiografia.


São Paulo: UNESP, 1997.

CASTRO Hebe. História Social. In: CARDOSO, Ciro Flamarion; VAINFAS, Ronaldo (org.).
Domínios da História: ensaios sobre teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997.

E-Dicionário virtual. Disponível em: <http://www.fcsh.unl.pt/edtl> Acesso em 18 mar. 2010.

FREYRE, Gilberto. Casa Grande & Senzala: formação da família brasileira sob o regime de
economia patriarcal. Rio de Janeiro: Maia & Schmidt, 1933.

HALL, Stuart. Identidades culturais na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 1997.

IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Fluxo migratório brasileiro.


Disponível em: <http://www.ibge.gov.br> Acesso em 05 fev. 2010.

JAMESON, Frederico. Globalização e estratégia política. Revista CEBRAP, n 61, São


Paulo, novembro de 2001.

JANUZZI, Paulo de Matino. Cinqüenta anos de mobilidade social e migração no Brasil. In:
________ Migração e Mobilidade Social: migrantes no mercado de trabalho paulista.
Campinas: Autores Associados, 2000.

JOHNSON, Allan G. Dicionário de Sociologia – guia prático de linguagem sociológica. Rio


de Janeiro: Jorge Zahar, 1997.

SERRA, Monica Allende (org.). Diversidade cultural e desenvolvimento urbano. São


Paulo: Iluminuras, 2008.

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