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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

GESTÃO PÚBLICA PARA O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SOCIAL

PLANEJAMENTO MUNICIPAL E USO DO SOLO URBANO

DOCENTE: ÍSIS MARTINS

DISCENTE: JAQUELINE DO NASCIMENTO ROSA

2019.1 – TURMA: 152

AVALIAÇÃO III – RESENHA CRÍTICA

Rio de Janeiro / 2019


O trabalho publicado no ano de 2011 pelos pesquisadores Orlando Alves dos
Santos Junior, doutor em Planejamento Urbano e Regional pelo IPPUR-UFRJ e Daniel
Todtmann Montandon, doutor em Arquitetura e Urbanismo pela FAUUSP e diversos
colaboradores, numa parceria entre o Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e
Regional, Ministério das Cidades, Secretaria Nacional de Programas Urbanos e o
Governo Federal teve como propósito realizar uma análise qualitativa dos Planos
Diretores em diversas localidades do Brasil após 10 anos de instituição do Estatuto da
Cidade, através do projeto Rede Nacional de Avaliação e Capacitação para
Implementação de Planos Diretores Participativos. As avaliações foram realizadas de
acordo com eixos temáticos definidos na metodologia do estudo, sendo eles: acesso à
terra urbanizada, habitação, saneamento ambiental, transporte e mobilidade e sistema de
gestão e participação democrática.
O capítulo V da pesquisa, intitulado “A política de mobilidade urbana e os
Planos Diretores”, desenvolvido por Liane Nunes Bom, engenheira especialista em
gestão em transporte público e diretora do Instituto Ruaviva, trata das questões
referentes à mobilidade urbana nos municípios analisados. A autora traz um conceito
ampliado do termo, fundamental para compreensão das complexidades deste sistema:
“... mobilidade urbana é mais do que aquilo que se costuma chamar de “transporte
urbano”, ou seja, mais do que o conjunto de serviços e meios de deslocamento de
pessoas e bens. É o resultado da interação entre os deslocamentos de pessoas e bens
com a cidade e a disponibilidade de meios (automóveis, ônibus, metrôs, bicicletas,
pedestres etc.) e infraestrutura adequados para os deslocamentos intraurbanos.” (p.
155)
O modelo brasileiro de mobilidade urbana é apontado por Liane como principal
causador dos problemas relativos a este tema, uma vez que existem grandes estímulos à
adoção do transporte motorizado individual. O advento da indústria automobilística
como propulsor do desenvolvimento econômico a partir da década de 1960 incutiu na
sociedade brasileira uma cultura “rodoviarista” e como resultado houve uma falta de
investimento nas outras modalidades de transporte. Este fato somado ao processo
acelerado de urbanização da época, que se deu de forma desorganizada, somente
reforçou a cultura do uso do automóvel, desconsiderando que a maior parte da
população depende essencialmente do transporte coletivo e dos modos não motorizados
para seus deslocamentos.
Através de análises de propostas do Governo Federal para esta área, notou-se
que nunca existiram políticas sólidas com perspectivas de longo prazo, apenas ações
pontuais e desarticuladas com as reais necessidades da população, conforme a
conjuntura. Como exemplo desta situação, pode-se destacar os investimentos em
mobilidade urbana nos grandes centros urbanos do Brasil que sediaram os mega eventos
esportivos (Copa do Mundo de 2014 e Olimpíadas e Paraolimpíadas de 2016). Ao final
dos eventos, muitos projetos nesta área foram abandonados, uma vez que o contexto
político do Brasil havia mudado, descontinuando assim as propostas para a área.
Após o reconhecimento do transporte público como serviço público essencial
pela Constituição Federal de 1988, houve a transferência da responsabilidade de gerir os
serviços de transporte e trânsito para os municípios, o que representou, na prática, a
retirada do Governo Federal no enfrentamento da questão como um problema que
deveria ser gerido nível nacional, contrariando o que é definido no Artigo 3º, nos
parágrafos II e III do Estatuto da Cidade como competência da União:
II – legislar sobre normas para a cooperação entre a União, os Estados, o Distrito
Federal e os Municípios em relação à política urbana, tendo em vista o equilíbrio do
desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional;
III - promover, por iniciativa própria e em conjunto com os Estados, o Distrito Federal
e os Municípios, programas de construção de moradias e melhoria das condições
habitacionais, de saneamento básico, das calçadas, dos passeios públicos, do
mobiliário urbano e dos demais espaços de uso público;
A ausência de políticas e programas nacionais integrados acarretou em graves
consequências para a mobilidade urbana, tais como: exclusão social, uma vez que
grande parte da população não tem acesso aos serviços de transporte público ou não
pode custear o uso do mesmo, o que impacta na utilização de outros serviços como de
saúde, lazer, educação, etc; acidentes de trânsito, que representam 30% de recursos do
SUS, gerando também uma sobrecarga física no sistema; congestionamentos,
considerando que os automóveis ocupam maior parte do espaço viário, transportando
um menor quantitativo de pessoas; poluição ambiental, considerando o tempo gasto
neste processo e o grande volume de veículos nas vias; e perda de competitividade das
cidades, uma vez que o aumento dos custos dos investimentos no setor inviabilizam as
melhorias, resultando em redução de produtividade e eficiência.
A inclusão social representa um tema de grande relevância nos Planos Diretores
analisados na pesquisa. Grande parte destes orientam para revisão das redes de
transporte e da política tarifária, sob a perspectiva da inclusão social. Diversos estudos
demonstram que a desigualdade social e a mobilidade urbana estão intimamente ligadas,
uma vez que a dificuldade de acesso aos serviços de transporte seja pela inexistência
desse fornecimento ou por execução precária aliada aos custos de uso do transporte
coletivo limitam a busca por oportunidades de trabalho ou dificultam o deslocamento
até o mesmo, restringem o acesso a serviços de saúde, lazer e educação e representam
fator decisivo na escolha de local de moradia.
Para reforçar essa relação, Pedro Xavier Araújo em sua dissertação de mestrado
pelo Programa de Pós-graduação em Planejamento Urbano e Regional pela
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, observou nos resultados de sua pesquisa
que “A desigualdade se reflete em muitos aspectos da sociedade brasileira e, de forma
especial no território. No espaço urbano, faz com que grupos sociais com melhores
condições de renda ocupem as áreas mais privilegiadas, equipadas e próximas às
concentrações de serviços e das oportunidades. Os grupos de menor renda, por outro
lado, não conseguem acesso a essas áreas, e acabam se concentrando em regiões
periféricas e precárias, distantes das oportunidades de emprego e serviços.” (p. 193)
De modo a assegurar o que foi determinado no Estatuto da Cidade que, de
acordo com o texto da Lei, “estabelece normas de ordem pública e interesse social que
regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-
estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental”, é fundamental que os Planos
Diretores dos municípios brasileiros, sobretudo os consolidados pós Estatuto da Cidade,
objetos da pesquisa aqui analisada, desenvolvam diretrizes voltadas para a
implementação eficiente de políticas e programas voltados para a mobilidade urbana,
considerando a grande parcela da população que vive em situação de vulnerabilidade
social. A melhoria no fornecimento dos serviços de transporte público, assim como
políticas adequadas voltadas para o uso de meios de transporte não motorizados,
acessibilidade e melhorias no sistema viário são essenciais para promover, a longo
prazo, uma cultura voltada para o uso do transporte coletivo. A participação efetiva e
em caráter deliberativo da sociedade civil na gestão democrática, conforme proposto
pelo Estatuto da Cidade é fundamental para a construção de políticas que de fato
considerem as reais necessidades da população brasileira, de modo a garantir de forma
plena o direito à cidade.
REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei Federal nº 10.257, de 10 de julho de 2001. . Brasília, Disponível em:


<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10257.htm>. Acesso em: 25 jun.
2019.

ARAÚJO, Pedro Xavier. A desigualdade social e o planejamento da mobilidade: o


caso da Região Metropolitana de Porto Alegre (1973 –2015). 2017. 228 f.
Dissertação (Mestrado) - Curso de Arquitetura, Universidade Federal do Rio Grande do
Sul, Porto Alegre, 2017.

SANTOS JÚNIOR, Orlando Alves dos; MONTANDON, Daniel T. (Orgs.). Os planos


diretores municipais Pós-Estatuto da cidade: Balanço crítico e perspectivas.
Capítulo V. Rio de Janeiro: Letra Capital e Observatório das Cidades, 2011.

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