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2004 número 1
Revista bimestral do
Lectorium Rosicrucianum
9 O SOL ESPIRITUAL
15 O JUGO DO INTELECTO
O conceito Gnosis remete ao Conhecimento, 19 CORAGEM, TEMERIDADE,
HUMILDADE
o conhecimento misterioso e secreto.
22 AMPLIAÇÃO E
No sentido original, Gnosis é a soma das
APROFUNDAMENTO DA
36 O PROFETA
vida verdadeiramente humano-divina.
38 NIKOLAI BERDIAIEV – O
(De leste para oeste, página 9) FILÓSOFO DA LIBERDADE
42 NADA DE PRESENTE,
TUDO EMPRESTADO.
ANO 26
NÚMERO 1
2
As montanhas
do Himalaia, nas
quais o pintor
Roerich se
inspirou. Foto
Pentagrama.
São Petersburgo.
3
Prometeu e ra a Teosofia de Blavatsky. No entan- tenso indica, por exemplo, sentimen-
a águia. to, apesar de ele ter sido tocado por tos puros e religiosos; vermelho escu-
Litogravura de essas idéias, não se sentiu atraído por ro, ganância, egoísmo e raiva. Tais in-
Michelangelo
esse movimento, não se tornando mem- dicações também se encontram na
bro dele e nem de outra sociedade partitura da ígnea poesia de Skriabin,
esotérica. Mesmo assim, mantinha Prometeu (1908-1910). Nela existem
contato com ocultistas e esotéricos, duas vozes associadas a luz e cor. Ele
como era costume entre as camadas indicou a cor pertencente a determi-
dirigentes daquela época. nada nota e a atmosfera que ela deveria
transmitir: misteriosa, fogosa, refleti-
“O brilho do aço” va, ou ainda o despertar da consciência
do ser humano, alegria de viver, dor,
Sem descanso ele procurava por êxtase. Desse modo ele tentou expres-
novos temas, novas técnicas, novos sar a transcendência do ego. Ele de-
tons, combinados com um espectro signava a base de todas as experiências
de doze cores, que estavam em con- como “pleroma”. Esta é uma expres-
traposição com os espectros de sete são gnóstica que significa “plenitude”,
ou oito cores usados na época. Por ser ou seja, o mundo divino, completa-
vidente, ele podia perceber a analogia mente apartado da realidade terrena.
entre cores e tons, e para expressar Alexander Skriabin buscava con-
tais relações, utilizava, por exemplo, cretizar seus pensamentos em uma
três cores “azuis”. Com o “brilho do filosofia absolutamente pessoal. Com
aço”, ele caracterizava a emergente isso ele se distanciava de forma mar-
tecnologia do período industrial, po- cante do cristianismo, o que indicam
rém não são conhecidos os significa- suas anotações de 1894. Regularmen-
dos de todas as cores que utilizava, te ele tomava parte nos encontros da
nem o que queria expressar com elas. associação religioso-filosófica de Mos-
Em todo caso, na visão do mundo teo- cou, nos quais também teve contato
sófico, cores estão relacionadas com o com as idéias de Soloviev sobre o
estado de alma do homem. O azul in- mundo. No início, não deu muito va-
lor às tendências místicas desse autor,
pois, para Skriabin, era mais um
“renunciar ao pequeno eu para con-
quistar o grande eu (a consciência uni-
versal, liberta do tempo e espaço)”.
Portanto, estou consciente de que o
mundo é minha criação, de que tudo
deve ser resultado de meu livre-arbí-
trio e de que nada pode existir fora de
mim. Eu sou um ser absoluto. Todo o
restante são fenômenos nascidos das
radiações da minha consciência.
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posições de Skriabin. Ele experimen-
tava combinações com muitos instru- Skriabin: “Em uma sociedade verdadeira e sincera,
mentos, no estilo de Richard Wagner, os artistas devem estar no topo da hierarquia.
em moda na época. Mas Skriabin foi Os artistas e as pessoas sábias, pois são eles que têm
mais longe do que Wagner, a quem as mais elevadas e maiores idéias e que possuem a
atribuía pouca profundidade. mais elevada clareza. Montanhas e massas – são
Nas suas obras sobressai, acima de sempre matéria, mas nós precisamos aspirar à
tudo, sua dedicação ao Mistério, as- desmaterialização”.
sim como ele mesmo o definia e escre- Da mesma maneira, músicos modernos fazem
via com letra maiúscula. Esse Mistério experimentos com luz. Nos concertos de música
devia se consumar na Índia, em um pop, rock e em discotecas, é provocada a ilusão de
templo de finíssima matéria etérica, um majestoso templo musical através de fumaça e
um templo feito de música, cores e luz colorida. Mas não era a isso que Skriabin aludia.
luz. Eu pensei muito a respeito de co-
mo seria possível vocês fazerem a es-
trutura do templo fluídica e criativa. E
de repente ocorreu-me que as colunas alemão von Helmholz fazia experi-
poderiam ser de incenso. Elas serão mentos com sons e cores. Sendo as-
irradiadas pelas luzes da orquestra de sim, a idéia de Skriabin não era nova,
luz, expandindo-se e contraindo-se! mas foi ele quem realmente começou
Serão enormes mastros de fogo. E o a apresentá-la, e em grande estilo. Di-
templo interior deve ser feito deles. A ferente de Wagner que, por exemplo,
construção deve ser fluídica e mutável expressava seus mistérios em óperas,
como a música. Suas formas devem Skriabin procurava por novas expres-
refletir as esferas da música e dos sons. sões de estilo. Ele recebia os impul-
Quem adentrar esse templo deve sos da nova época e estava conscien-
iniciar como candidato e percorrer as te de não dispor de muito tempo
diversas fases da iniciação. Após a re- para a obtenção de resultados positi-
velação desse Mistério, o tempo, como vos. Portanto, tinha de duplicar seus
dimensão, não deveria mais existir. esforços. Incansavelmente ele cha-
Com essa visão Skriabin esteve muito mava a atenção da elite social para
além de seu tempo. Na sua opinião, suas visões e experimentos, pois esta-
através desse Mistério, toda a huma- va convicto de que existia um princí-
nidade percorreria um outro caminho pio superior, do qual tudo provinha:
evolutivo, que a levaria a um plano a unidade da criação.
superior. Não lhe foi possível realizar suas
Todas as músicas sinfônicas escritas idéias de forma completa. Morreu re-
por Skriabin foram especialmente lativamente jovem, de uma infecção
pensadas para a preparação desse gran- inicialmente inofensiva. Muitos escri-
de Mistério. Ele assim pensou, pres- tores, poetas, compositores e pinto-
sentiu e o expressou. Mas ele não era res, tanto de sua época quanto poste-
o único que refletia a respeito de mú- riores a ela, foram por ele inspirados.
sica, luz e cor. Ainda no século XVII,
o jesuíta francês Castel tinha cons-
truído uma espécie de címbalo com
teclado, com o qual ele podia combi-
nar música e cor e, em 1863, o físico
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O homem verdadeiro não morre
Conversa entre o staretz Pamwa, Anton, Kwadraat e Amigo.
Trecho extraído de “Narciso” de Grigori Skovoroda.
A migo: – Diga-me, Pamwa, tu, que luz? Dize-me, será que uma toupeira
estudas há tanto tempo, conheces um poderia nos explicar a diferença entre
salmo de Davi? o dia e a noite?
Pamwa: – Sim, conheço um. Anton: – Uma toupeira não poderia,
Amigo: – Só um? mas um homem, sim.
Pamwa: – Sim, só um. Pamwa: – Acreditas que um cego po-
Amigo: – Qual? deria, diante de um quadro, dizer on-
Pamwa: – Aquele que inicia assim: de se encontra a parte clara?
“Disse comigo mesmo: Guardarei os Anton: – Não, isso ele não poderia.
meus caminhos, para não pecar com a Pamwa: – E por que não?
língua” (Salmo 39 – red.). Mas já não Anton: – Porque ele nunca viu o escuro.
tenho medo disso porque pus um fer- Se ele conhecesse uma das duas cores
rolho em minha boca e um selo em opostas, ele poderia identificar a outra.
minha velha língua.
Amigo: – Falar é verter um fluxo de
palavras cuja fonte é a língua. Porém,
meu caro Pamwa, se o Senhor te liber-
tou da vaidade de tua língua, é porque
Ele te revelou a exatidão da língua de
Davi, que estudou cada dia a verdade
divina e anunciou seu poder para a
posteridade.
Kwadraat: – Sim, é claro. Podemos
falar do branco sem conhecer o preto?
É o mesmo sentido do paladar que nos
ensina ao mesmo tempo o amargo e o
doce. Similarmente, se o Senhor per-
mite a uma língua melíflua que se ex-
presse, não inspirará Ele também a pa-
lavra justa ao que estudou a sabedoria?
Anton: – Ah, dizes aqui algo de for-
midável. Aquele que, portanto, não co-
nhece a palavra nova só pode ignorar
a antiga, não é mesmo?
Pamwa: – Sem dúvida nenhuma. O
Pomba em
antigo ressoa até o momento em que
mármore. Foto o novo se afirma. Já se viu alguém
Pentagrama. atestar da escuridão sem conhecer a
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Pamwa: – Sim, e isso é também válido Grigori Skovoroda (ver Pentagrama n°6, ano 25,
no caso que nos interessa. Se compre- p.24) chamou ao seu diálogo “Narciso” (ca. 1870)
endemos a juventude, podemos com- seu “filho primogênito”. As cinqüenta páginas desse
preender a velhice. livro encerram numerosos aspectos do caminho espi-
Anton: – O que me surpreende, mes- ritual. No prólogo, Skovoroda oferece uma visão
mo assim, é que não temos um conhe- insólita do mito de Narciso e define o transfiguris-
cimento inato nem sobre a juventude, mo como uma doutrina relativa a um processo de
nem sobre a velhice, e muito menos união, de fusão e de transformação. O staretz Pamwa
sobre nascer de novo. toma parte dessa sétima conversação, que acabou de
Pamwa: – A luz ilumina o que não dis- ser apresentada. Até o século XX, o staretz (o ancião)
tinguimos no escuro. Do mesmo mo- era um conselheiro amado e respeitado. Em “Os ir-
do, somente Deus pode conceder a mãos Karamazov”, Dostoievski faz o retrato de um
verdade absoluta. O homem terreno staretz. “Mas, o que é um staretz senão uma espécie
tende a compreender. Mas não é tam- de eremita ou de monge? Na época muito ilumina-
bém desse modo que um recém-nas- da em que vivemos, ouvimos muitas vezes pronun-
cido vê coisas, num estado de semi- ciar a palavra monge com uma ponta de ironia; tor-
consciência, em realidade, invisíveis? nou-se até mesmo um insulto. E quanto mais se fa-
A Luz nascente apaga todos os outros la, pior fica. É verdade, é infelizmente mais do que
clarões. Cada um conhece conceitos verdade que entre os monges perambulam malan-
como tempo, vida, morte, amor, pen- dros, lúbricos, glutões, os que fogem das tarefas e os
samento, alma, paixão, consciência, que não têm nem fé, nem lei. É contra esses que as
graça, eternidade. Acreditamos saber pessoas honestas têm algo: ‘Em nossos dias, nos
o que significam. Mas quando se trata meios esclarecidos, pronuncia-se este termo com iro-
de explicá-los, esgotamo-nos ao refle- nia, por vezes mesmo como uma injúria’. E isto vai
tir sobre eles. Quem pode dizer o que aumentando. É verdade, ai, que se contam, mesmo
significa o conceito de tempo antes de entre os monges, muitos mandriões, sensuais, libidi-
ter penetrado até as profundezas divi- nosos e desavergonhados vagabundos. ‘Não passais
nas? O tempo, a vida, e todas essas de preguiçosos e membros inúteis da sociedade, vi-
idéias estão em Deus. Quem pode com- vendo do trabalho alheio, mendigos sem vergonha.’
preender alguma coisa dessas criações Entretanto, quantos monges são humildes e mansos,
visíveis e invisíveis, se não discerniu aspiram à solidão para nela se entregar a fervorosas
delas nem o princípio nem o funda- preces! Não se fala deles, cercam-nos de silêncio e
mento[...]? causarei espanto a muita gente dizendo que são eles
Se, portanto, queres conhecer e que salvarão, talvez, ainda uma vez a terra!
analisar uma coisa, deves primeiro es- Porque estão verdadeiramente prontos para ‘o dia e
calar a montanha do conhecimento de a hora, o mês e o ano’. Guardam na sua solidão a
Deus. Lá, serás iluminado pela irradia- imagem do Cristo, esplêndida e inata, na pureza da
ção secreta de Deus e poderás explo- verdade divina.”
rar tudo o que quiseres. Não somente Dostoievski, F.M., Os irmãos Karamazov, São Paulo:
a primeira infância e a velha veste gas- Abril Cultural, 1970.
ta, mas também tempos muito mais
antigos e até mesmo o céu dos céus.
Mas, quem nos alçará para fora do teu coração. Tua Palavra é a Verdade.
abismo da ignorância? Quem nos Teu evangelho é uma lâmpada acesa.
conduzirá à montanha de Deus? On- Tu és a Luz das Luzes. Esse é o único
de estás, Tu, nossa Luz, Jesus Cristo? meio de escapar à ilusão e às trevas
Somente Tu exprimes a Verdade em geradas pela ignorância. Essa é a casa
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de Davi, onde o Trono da Justiça con- sufocada sob o granito e a cinza dos
dena e aniquila toda mentira. O que túmulos que somos! Ó divina cente-
mais queres saber, Anton? Busca o in- lha, semente e embrião! Semente de
terior dessa casa bem-amada. E se não Abraão. Filho de Davi. Jesus Cristo.
encontrares a entrada da primeira sa- O novo homem celeste. Cabeça, co-
la, bate a uma outra porta, à décima, à ração e Luz da criação inteira. Centro
centésima, à milésima, à décima milé- absoluto. Força, Lei e Reino da Li-
sima. Exteriormente a casa de Deus é berdade. Destra de Deus. Ó Res-
semelhante a um estábulo, mas, no in- surreição! Quando poderei provar
terior, a Virgem dá a luz àqueles a tua Graça? Tu és o verdadeiro ho-
quem os anjos louvam sem cessar. [...] mem, a carne tornada pura. Esse ho-
Não entres lá como um ladrão. Busca mem, nós não o conhecemos; só co-
as portas e bate até que elas se abram. nhecemos o homem mortal comum.
Não serás encontrado digno de entrar O homem verdadeiro não morre.
enquanto concederes tua preferência Aquele que conhece o homem verda-
a este mundo em vez de preferires a deiro, imperecível, se torna imortal.
montanha de Deus. Ninguém terá A morte não tem mais poder sobre
acesso a ela se ainda tiver a menor resis- ele. Como fiel servo, ele governa com
tência. E não tentes forçar uma porta, seu Senhor para todo o sempre. Ele
pois, então, serás mergulhado em tre- despojou-se da carne como de uma
vas ainda mais profundas. veste usada e recebeu um novo cor-
Amigo: – Já não posso me calar po, criado para ele. Ele não adorme-
agora que ouvi a santa e suave mensa- cerá na morte, mas se transformará;
Caniços gem da serena ressurreição. Embora mãos inalteráveis substituirão suas
ondulantes
permaneça na escuridão gelada e mãos carnais, e no lugar de seus ouvi-
vergam, mas não
mortal, percebo em mim mesmo um dos, de seus olhos, de sua língua de
se rompem.
Lago Balaton.
misterioso raio que aquece meu cora- animal e de todos os seus membros,
Hungria. Foto ção. Ah, Pamwa, que possamos ele receberá os membros verdadeiros
Pentagrama. impedir essa centelha divina de ser ocultos em Deus.
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O sol espiritual
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O deus Dionísio, sido feito. Esse Verbo é a força de da vida gnóstica e passar à prática.
nascido do crescimento e de realização de todas Depois de um longo período de clan-
abraço de Zeus as coisas. A força que aperfeiçoa a destinidade e uma breve fase prepara-
e criado por
Criação irresistivelmente, metodica- tória, levada a bom termo por pionei-
Hermes.
Baixo-relevo,
mente. O acaso e o arbitrário estão ros como H.P. Blavatsky, Max Hein-
Museu do totalmente excluídos disso. del, Rudolf Steiner e muitos outros, a
Vaticano, Roma. Gnosis foi desvelada. Esse novo passo
O conhecimento vivo da foi decisivo para levar a humanidade a
vida original um outro estágio de desenvolvimento.
Extraído das cavernas e dos deser-
O Livro dos preceitos áureos, do tos do esquecimento, um ensinamen-
qual ignora-se as fontes e do qual H.P. to intacto apareceu à luz do dia. Des-
Blavatsky tirou A voz do silêncio, tra- cobertas como a de Nag Hammadi,
ta do Jnâna, que significa o puro co- no Egito, voltaram a colocar a Gnosis
nhecimento ou sabedoria. Infeliz da em foco. Apesar da oposição inicial
corça que é alcançada pelos demônios de um grupo de conservadores, os
ladradores antes de ter atingido o vale manuscritos foram traduzidos e apre-
do refúgio chamado de Jnâna Mârga. sentados a um grande público. A sa-
Jnâna Mârga é traduzido literalmente bedoria dos antigos gnósticos ressur-
por senda do puro conhecimento. Um giu em nossa época e pouco a pouco
livro sânscrito, o Jnanashwari, traz, obteve reconhecimento.
em uma magnífica exposição, o teor A Gnosis é amplamente recebida
do ensinamento que Krishna transmi- como uma fonte secreta de inspiração,
te a Arjuna. como a voz de um outro mundo, de
Os gregos chamam de Gnosis esse um mundo que, especialmente nos
conhecimento vivente da vida original. círculos esotéricos, é objeto de pro-
Quando o conceito cristão “Deus” fundos estudos. Porém “Herodes”,
começou a perder seu conteúdo, a pa- ainda sempre presente como eterno
lavra “Gnosis” foi redescoberta e re- adversário, tenta manter o controle.
cuperou toda a sua importância. De- Ele joga sobre a Gnosis uma luz sinis-
pois da Renascença, os tempos esta- tra, ao mesmo tempo em que reco-
vam maduros para investigar as raízes nhece a marca que ela deixou como
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fenômeno histórico. Mas pouco im-
porta, pois isso não impede a Gnosis
de envolver a humanidade com amor
inefável e de guiá-la com paciência no
caminho da evolução. É preciso que a
criança cresça, torne-se robusta e se
desembarace das faixas do tempo e da
ilusão.
Para o homem do presente, é da
mais alta importância “respirar” com
a cabeça e o coração, preencher-se da
força divina, vivente e regeneradora, a
Gnosis, a fim de se elevar acima dos
caminhos de perdição nos quais se en-
contra extraviado. Essa é a condição
básica. Somente um coração e uma
cabeça iluminados fazem de nós ser-
vidores da Gnosis. O caminho gnós-
tico de evolução é rico de testemu-
nhos. Ele foi seguido por todas as ci-
vilizações. No decorrer de um passa-
do mais recente, esse fio condutor foi
agarrado pelos bogomilos, os cátaros,
os franco-maçons e os rosacruzes.
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níveis de vida
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manidade se beneficia dessa ajuda. O gnóstico transfigurista J. van
À época do trabalho para o homem Rijckenborgh escreve, em A Gnosis
e com o homem segue-se a época em Universal, que o conceito “gnosis”
que a Gnosis trabalha por meio do remete ao Conhecimento, o conheci-
homem, desde que ele esteja prepara- mento misterioso e secreto. No senti-
do. O gnosticismo pode representar do original, ela é a soma das antigas
aos olhos de alguém autoritário e con- sabedorias, o conjunto do conheci-
servador uma corrente herética; aos mento relativo à vida original divina, à
olhos de um outro, ele será uma fonte corrente de vida verdadeiramente hu-
dessedentadora para sua árida visão mano-divina. A Gnosis não está nos
da Criação e de sua própria existência livros. Isso não é possível. Ela só se
e o fará descobrir numerosas possibi- transmite oralmente, onde for útil e
lidades e, acima de tudo, o alvo novo necessário, e no momento exigido.
e libertador a ser alcançado. Está fora de questão que a Gnosis se
A Gnosis não está ligada ao tempo. revele e se transmita em sua integrali-
Ela o transcende. Ela é a verdade dade, como um sistema.
vivente desde a aurora da Criação, o
Verbo do princípio pelo qual todas as O Graal é uma baliza na
coisas foram feitas, e sem ele nada do noite dos tempos
que foi feito se fez.
A humanidade chegou ao final de Todos os livros de sabedoria uni-
um período de desenvolvimento. A versal, inclusive a Bíblia, não são reve-
luz matinal de uma nova era de evolu- lações da Gnosis; ainda não. Esses
ção anunciou-se. O homem de hoje textos especiais testemunham da Gno-
deve testemunhar do Verbo, da Gno- sis, dão informações sobre a intangí-
sis, em ação e em verdade. Na Bíblia é vel unidade original e sobre o aconte-
dito que Jesus Cristo se fez carne. Isso cimento que constituiu a separação
Hefestos forja
um escudo. Novo
significa que o Conhecimento vivo e a entre o divino e o não divino. Eles
museu do Palazzo Verdade desceram no homem para aparecem muitas vezes em forma de
Conservatori, Roma. serem revelados nele e por ele. diálogo entre um mestre e um aluno
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em busca da unidade original. Muitas soa é tocada pela Gnosis. Elas podem Relevo de uma
lendas e relatos aludem também à ori- fechar o coração, mas também podem palmeira.
Palmira, Síria.
gem e ao caminho que leva a ela. O abri-lo. Neste caso, elas se tornarão
Foto
Graal é muitas vezes mencionado cada vez mais conscientes do sentido Pentagrama.
como o símbolo final desse processo. verdadeiro da vida e sentirão como a
O Graal segue de leste para oeste, da promessa da aurora surge no oriente e
luz para as trevas, e representa uma como aproxima-se o dissipar das tre-
baliza na noite dos tempos. vas. O tempo chegou, e elas percebem
Ele é o emblema deste segundo pe- o impulso que as impele para uma
ríodo do cristianismo: o tempo da co- nova evolução.
lheita e do testemunho daqueles que Para compreender a Gnosis é preci-
encontraram o caminho do Graal e so uma nova alma. As considerações
puseram em prática suas exigências. filosóficas sobre o passado gnóstico e
Esse caminho está registrado nos qua- seus vestígios na História são, para a
tro Evangelhos da Bíblia. Mas eles nova alma, de um interesse secundá-
não são os únicos a dar testemunho dis- rio. O que conta, antes de tudo, é o
so. Um certo número de escritos apó- ato, é reagir de forma positiva ao cha-
crifos lançou uma nova luz sobre pas- mado da Gnosis. O conhecimento
sagens obscuras dos Evangelhos e adquirido pela nova alma é, assim,
levantou o véu da Gnosis, revelando-a. ampliado, pois a Gnosis é o conheci-
Em sua maioria, os próprios men- mento vivente alimentado pelo fogo
sageiros da Gnosis não deixaram original. Quando o candidato se torna
escritos. Suas palavras foram transmi- consciente do processo, essa realidade
tidas por outros, e as transcrições ori-
undas dessas tradições foram objeto
de uma recompilação.
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permeia totalmente sua vida. Porém, No livro Os mistérios gnósticos da
ele deve velar para não deixar seus Pistis Sophia, ele escreve: Quando
conceitos sobre Gnosis e gnóstico voltais vosso olhar para a aurora e
escorregarem para o nível do desco- vosso inteiro comportamento está em
nhecimento generalizado. São concei- sintonia com ela, então a Luz se eleva
tos muito elevados e, com a ausência no oriente. A vibração do microcosmo
de pura compreensão, existe o terrível se eleva e as correntes magnéticas do
risco de nivelar por baixo: cai-se facil- oriente e as do ocidente devem se har-
mente no falatório e na dispersão, monizar com ela. A corrente que sai
acarretando mais mal-entendidos e expulsa o que é ímpio, e a corrente que
confusão. entra evoca o passado original dos
Filosofar sobre Gnosis é uma ilu- filhos de Deus.
são, diz J. van Rijckenborgh. Segundo Em seu livro O anjo na janela do
ele, a Gnosis não é nem filosofia, nem ocidente, Gustav Meyrink descreve o
religião, nem método do que quer modo pelo qual as forças que repeli-
que seja. Ela não apela nem aos nos- mos continuam tentando exercer sua
sos poderes intelectuais, nem aos influência magnética, batendo muito
emocionais. No início, ela se apresen- tempo na porta do eu, para aí serem
ta ao pesquisador sob uma forma admitidas novamente. É por isso que
especial. Ela é justamente a força do a neutralidade do eu é a base e o pon-
verdadeiro reino, que veio unir-se ao to de partida do processo de liberta-
microcosmo da maneira mais simples. ção. A Gnosis trabalha na câmara in-
terior quando o candidato, na Sua
força, dá forma ao trabalho exterior.
A terra, como todos os corpos celestes do sistema Todos os homens de nosso tempo são
solar, é alimentada, mantida e purificada pela chamados a essa nobre tarefa. O tra-
energia do sol. A corrente de energia chamada balho sobre o exterior é uma colabo-
vento solar, emanada do sol, lançou, nestes últimos ração consciente com a colheita, pela
onze anos, chamas a até um milhão de quilômetros preparação daqueles que não encon-
de altura. Em outubro e novembro de 2003, essa traram ainda o caminho. O trabalho
“circulação sanguínea” do sol mostrou sinais de na câmara interior prepara para a re-
arritmia. Entre dois “batimentos do coração” cepção da descida da Gnosis no cora-
houve uma erupção, no dia 28 de outubro, de ção ardente de desejo.
potência estimada em sete megatons, seguida, no O sol avança infalivelmente de leste
dia 29 de outubro, de uma erupção de dez mega- para oeste, em toda a vida material
tons e, no dia 4 de novembro, por uma tempestade assim como em toda a vida espiritual.
solar de potência de vinte e oito megatons. Em dez Por isso é dito: “Trabalha enquanto é
dias foram contadas seis erupções muito fortes, dia e aguarda tua hora”.
mais fortes do que normal. A última erupção foi Assim testemunhamos da Glória
filmada e vemos uma chama gigantesca, como a de intangível de Deus.
um cuspidor de fogo. Mas os aparelhos medidores
dos satélites, ultrapassados por uma tal violência,
ficaram momentaneamente em pane.
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O jugo do intelecto
“O mais elevado saber é nada saber.” leva sempre de volta do exterior para
No mundo inteiro, há pessoas que che- o interior, para a enigmática e inson-
garam a esta conclusão. Para os ou- dável profundeza. Ele orienta sua pes-
tros, a antiga sentença dos rosacruzes é quisa especialmente para as motiva-
um paradoxo incompreensível. O que ções de nossos atos e luta a vida toda
é, pois, a verdade? contra o domínio do cérebro biológi-
co. Essa é uma das razões pela qual é
contado entre os filósofos mais im-
A classificação em categorias e os li- portantes do século XX. Ele fala da
mites estabelecidos pelo intelecto po- compreensão objetiva ilimitada, por-
dem servir para ordenar a vida co- que ele mesmo venera esse conceito
mum. Mas enquanto esses métodos que domina todos os poderes supe-
governam o pensamento, eles blo- riores do ser humano. A tendência de
queiam sua expansão e novamente reprimir a vida puramente interior e
nos encontramos no caminho errado. colocar à frente o intelecto de manei-
O filósofo russo Leon Chestov ra parcial não é nova.
(1866-1938) é um dos maiores pensa-
dores que desenvolveram a “filosofia “O filósofo das profundezas”
religiosa”. Para ele, o intelecto é por
demais limitativo. Em Paris, ele fre- Para se distinguir de todos os mo-
qüentou os encontros semanais de seu vimentos que se ocupam dessa ques-
amigo, o filósofo russo Berdiaiev. Nas- tão, ele se autodesigna como “o filó-
cido em Kiev, seu nome civil era Leon sofo das profundezas”; contra a ten-
Isaak Schwarzmann. Ele estudou nas dência à extensão ilimitada do intelec-
universidades de Moscou, Roma e to, propõe a apoteose da profundeza
Berna e, fugindo dos bolcheviques, insondável. Ele quer mostrar que as
foi para Genebra. Convidado pela profundezas enigmáticas e ocultas são
Sorbonne, passou seus últimos anos inacessíveis ao intelecto, porém, que é
em Paris. Faleceu em 1938, deixando nelas que se revela a dimensão espiri-
uma importante obra filosófica. tual, pois é justamente essa profunde-
No decorrer de sua busca pela ver- za que abre espaço para a manifesta-
dade, Chestov concebe muitos pensa- ção de aspectos espirituais. Ele fala da
mentos profundos que incessante- própria vivência porque tudo o que
mente reformula. Ele descreve o mo- experimenta do Mistério e do inefável
do como cada pessoa, constrangida lhe oferece finalmente a chave para a
pelo mental, desvia-se do caminho profunda compreensão da existência.
traçado. Ele se pergunta quem for- Ele sente e supõe uma tremendamen-
mou sua vida e por que sua pesquisa o te criadora liberdade por detrás dos
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limites do intelecto. Portanto, ele uti- verdade eterna (1929), ele emprega a
liza sua própria energia e atenção para mesma imagem: É dito que tudo o que
se livrar de princípios intelectuais pré- vem de Jerusalém deve ser pesado em
estabelecidos. Atenas. O que isso significa? Chestov
Chestov observa com precisão que designa por Atenas a capital do puro
ater-se ao racional em tudo represen- intelecto, e Jerusalém, a do sentimen-
ta um perigo para a vida espiritual. to religioso. Ele não vê nenhum com-
No livro O poder das chaves ele mos- promisso possível entre a intelectuali-
tra como o intelecto cultivado é teme- dade de Atenas e a espera cheia de
rário e presunçoso: ele quer até de- esperança de Jerusalém. As duas se
monstrar Deus. O que a razão já não excluem. O saber não pode ser o mais
se permitiu no decorrer da história! A elevado objetivo do homem! É por
razão extraviada até estabeleceu seus isso que Chestov condena a caça ao
próprios critérios da existência da saber em filosofia. Segundo ele, todos
divindade, e Deus só precisa ajustar- os conhecimentos impedem de perce-
se a esses critérios. Com que compla- ber o verdadeiro dom de Deus. Com
cência o pretensioso intelecto dignou- essa expressão ele designa a liberdade
se a demonstrar a existência de Deus! absoluta e criadora surgida da fé que,
ela sim, pode perceber. É preciso re-
A solução está onde não jeitar o jugo do intelecto: Deus está
há mais solução onde nenhum saber domina, mas on-
de a liberdade respira e vive. Ele está
Aonde leva a via que Chestov to- convencido de que a primeira precau-
mou? Ele afirma: A única verdadeira ção em relação às atividades do inte-
solução começa quando já não há mais lecto ressoa no mito da queda. Para
solução segundo os critérios humanos. Chestov, a queda é exclusivamente de
Precisamos nos voltar para o insondá- ordem intelectual, tendo o homem se
vel para nos aproximarmos do impos- fechado à penetração do Mistério in-
sível [...] Lá está Deus. E isso justa- sondável. A queda foi provocada pelo
mente porque o insondável não cor- desejo do saber, por comer dos frutos
responde a nenhuma categoria inte- venenosos.
lectual. Num outro relato, ele explica:
Devemos mergulhar em Deus e nos li- “O fechamento do caminho
bertar de um só golpe de todo o racio- da verdade”
nal. Podemos fazer um paralelo entre
Chestov e um dos primeiros autores Chestov qualifica a ciência moder-
cristãos, Tertuliano, que declara: Cre- na de tumor cancerígeno. A ciência
do quia absurdum! Creio porque é ganha terreno de hora em hora e tor-
absurdo, porque isso ultrapassa os li- na as nuvens em torno do Mistério
mites da compreensão. Em Atenas e original mais espessas. Como todos os
Jerusalém (1938), Chestov dá sua vi- autênticos exploradores das frontei-
são do mundo: Jerusalém deve ir a ras, ele sente intensamente o muro de
Atenas para receber a benção. E no separação da contra natureza, que se
livro A balança de Jó, nas fontes da ergue entre o ser e o insondável. Des-
16
se aprisionamento, ele diz: É como se
uma força houvesse resolvido, desde
antes da criação do mundo, fechar o
caminho da verdade. Depois, a razão
erra por caminhos obscuros. Ou nos-
sa construção do mundo é falsa, ou en-
tão temos tomado o caminho errado
para ir para a verdade!
Chestov não reprova o pensamen-
to, porém volta-se contra sua depen-
dência, que provoca todo tipo de des-
vios de modo que o mais sutil intelec-
to já não compreende a si mesmo. Ele
busca em vão a harmonia entre o co-
ração e a cabeça. Para ele, a consciên-
cia está envolta em véus. O homem
vive envolto por um número infinito
de mistérios [...] A forma pela qual ele
se separou de sua origem, da fonte de
sua vida, permanece um enigma. Ele
está convencido de que imensas for- Jesus no Monte das Oliveiras, e apre-
ças dormitam na alma humana e que senta esta imagem a seus irmãos hu-
somente elas podem induzir a expe- manos para que reflitam. Os esforços
riência direta da profundeza insondá- intelectuais intensivos só concernem
vel. Em 1898, no livro A idéia do bem, aos domínios inferiores da vida. As
ele mostra como isso pode acontecer: verdades materiais alcançadas desse
O amor fraterno não é Deus. É prefe- modo são para ele apenas erros encar-
rível encontrar o que ultrapassa a com- nados. Ele sente sua filosofia como
paixão, a comiseração, o bem. É preci- uma música superior. No sentido de
so buscar a Deus! Sua busca começa Platão.
onde o caminho ultrapassa a razão e a
moral. Depois da publicação de suas “O homem deve se manter
obras, Chestov passou a ser conside- sobre sua balança interior”
rado como o mais importante repre-
sentante do renascimento religioso na Chestov, como filósofo, não vivia
Rússia. retirado. Ele manteve intercâmbio com
Quais são os pontos culminantes pensadores famosos como Martin
de sua busca? Ele experimenta que a Buber, Albert Einstein, Marinan Zve-
contradição entre fé e ciência é irredu- taïeva, Martin Heidegger e Edmond
tível. Além disso, ele prova que, pela Husserl. Boris Pasternak foi inspirado
As funções
sua fé, recebeu revelações interiores e por sua visão do mundo. Seu jovem cerebrais
que a revelação é absolutamente dife- amigo filósofo, Serguei Bulgakov, es- representadas
rente do saber; que ela só acontece na creveu: Era impossível não amar Ches- num modelo em
montanha. Ele vê Moisés no Sinai e tov e não compartilhar de sua visão de porcelana.
17
mundo. Sua extraordinária delicade- Ele ignora os raciocínios dos amigos de
za, sua surpreendente bondade e sua Jó. Assim se manifesta a lei das leis e a
benevolência o explicam. Essa era a reconhecemos. Eis a apoteose das pro-
nota fundamental de suas relações fundezas, uma realidade superior que
com outrem, sem a menor ambição do permanece oculta à inteligência isola-
que quer que seja. Ao mesmo tempo, da. Deus é uma força que ultrapassa a
ele travava um duro combate para sua razão humana. A compreensão, tal
realização espiritual. como ela se desenvolve no gênero hu-
Para ele, o mais importante é se mano atual, não é senão temporal.
manter sobre sua balança interior. O Quem se agarra a ela se enraíza na
potencial da alma deve se revelar. Ele escuridão.
escolhe como exemplo o personagem Chestov mostra que o buscador
de Jó, do Antigo Testamento. Jó per- deve se subtrair à tutela do intelecto
manece fiel a sua consciência. Ele para experimentar a verdadeira vida.
mantém sua confiança em Deus ape- É renunciando à visão do mundo de-
sar de seus sofrimentos e de sua misé- finida pela razão que ele encontrará o
ria. Quando estes se tornam mais pe- caminho de retorno para a pátria espi-
sados do que a areia dos mares, ele ritual. Como Jó, ele não deve alimen-
grita em sua angústia e desespero (Jó tar a menor esperança no mundo. Ele
6:3 e 31:6): Pese-me em balanças fiéis está consciente de ser um estrangeiro
e saberá Deus a minha sinceridade! no mundo diário e ao mesmo tempo
Chestov é profundamente impressio- experimenta-o como uma graça, pois
nado pelos males suportados por Jó pode se libertar do jugo do intelecto.
em seu caminho, mas acima de tudo No livro A voz do silêncio, traduzido
por sua tenacidade. Sem protestar, ele por H.P.Blavatsky, é dito: o mental é
aceita e suporta seu destino. Se tivesse o grande destruidor. É preciso aniqui-
se confiado ao intelecto, ele teria lá-lo e, segundo Chestov, substituí-lo
entrado em contenda com Deus. Sua por um novo pensar. A filosofia da
aceitação fascina Chestov, que consi- Rosacruz Áurea descreve em detalhes
dera essa a marca do verdadeiro bem como se desenvolve esse novo pensar
em um ser humano. Sedutores cercam que ultrapassa os limites do humano.
Jó nas pessoas de sua esposa e de seus
amigos que lhe dão, com “bons moti-
vos” – pensam eles – o conselho de ab- Fontes:
jurar Deus, pois onde está a justiça di- Leo Schestow: Athen und Jerusalem, Versuch
vina quando alguém sofre tanto? Mas einer religiösen Philosophie, Matthes & Seits,
Jó nada quer saber desses conselhos Munique, 1994.
“razoáveis”, e permanece surdo a eles. Idem, Potestas clavium – die Schlüsselgewalt,
Verlag Lambert Schneider, Heidelberg, 1956.
“A apoteose do insondável” Idem, Tolstoj und Nietsche, die Idee des
Guten in iheren Lehren, Matthes & Stein,
Munique, 1994.
Com o tema de A balança de Jó,
Idem, Auf Hiobs Waage, Wanderungen durch
Chestov quer mostrar que em sentido das Seelenreich, Verlag Herder, Viena, 1950.
profundo o que importa não é a com- Sergei Bulgakow, citando Gustav A. Conradi
preensão intelectual porque Deus vê o em: Leo Schestow oder das paradiesische
coração. Ele ouve os gritos desespera- Leben in der Schrift die Idee des Guten.
dos que saem das profundezas, mas Antigo Testamento, Livro de Jó, 31:6.
18
Coragem, temeridade, humildade
19
que está no impasse, já não é mais pos- Pitágoras dá o seguinte conselho: Se não
sível deixar covardemente tudo acon- tens coragem, toma, contudo, coragem.
tecer. É preciso que ele aja: o homem Quando a força da vontade já não po-
não é chamado a ser guardião de seus de dar coragem porque o eu foi neu-
irmãos? Em seus comentários sobre o tralizado, é possível haurir coragem
Tao Te King, J. van Rijckenborgh diz: no coração renovado pela Alma. Já não
O único meio de ajudar a humanida- se trata da coragem do eu, mas da mo-
de é na aplicação mais radical da força déstia, da humildade ou auto-rendição
do amor universal. Esse amor divino, o à força do amor universal. É assim que
amor que está acima de tudo, pode a nova alma cresce e que, graças a um
nascer naquele cuja alma é liberta. comportamento verdadeiramente pu-
O que isso significa? Primeiramen- ro, podemos liberar uma corrente de
te, que há uma possibilidade de auxiliar amor contínua.
o homem de maneira absoluta; em se-
gundo lugar, que é preciso ter uma al- “Bem-aventurados os mansos”
ma liberta. Poderíamos expressar essa
idéia com as palavras: estar no mundo, O que segue é inspirado nas três pri-
mas não ser mais do mundo. Será isso meiras bem-aventuranças do Sermão
possível? Supondo que alguém esco- da Montanha relatadas no Evangelho
lha esse rumo, que queira alcançar esse de Mateus. A primeira é assim conce-
estado, uma coisa é certa: para isso é bida: Bem-aventurados os pobres em
preciso coragem, mas uma espécie de espírito pois deles é o Reino dos Céus.
coragem pouco comum. É preciso, de Trata-se de seres humanos que, após
início, ousar examinar todas as liga- terem corajosamente combatido neste
ções que retêm o eu e o mantém preso mundo, se afastam dele, consternados,
a este mundo. É preciso, portanto, ad- pois se dão conta de que são realmen-
quirir um rigoroso autoconhecimento te “pobres em espírito”. São aqueles
para, em seguida, usar o machado de aos quais se refere J. van Rijckenborgh
modo radical e renunciar a todo ego- em O Mistério das bem-aventuranças:
centrismo. Na Bíblia é dito a respeito Tendo experimentado tudo no terreno
daquele que domina semelhante medo: das experiências e tentativas humani-
Aquele que vence a si mesmo é mais tárias, alguns chegaram à conclusão de
forte do que aquele que conquista uma que eram habitantes de Éfeso, ou seja,
cidade. E no budismo: O sábio não tem sujeitos às limitações de uma bondade
nenhum medo. que a cada momento pode se transfor-
Esse processo é uma penosa luta in- mar em seu contrário, pois o humanita-
terior que exige uma coragem formi- rismo é a bondade organizada que
dável. De fato, ver cada vez melhor e persegue o mal, sem jamais alcançá-lo.
compreender quem somos traz muitas O humanitarismo tenta neutralizar o
desilusões, e o desânimo pode ser tão mal; ora, ao longo dos séculos, em sua
grande que caímos no desespero di- corrida na natureza dialética, ele está
zendo a nós mesmo: Não conseguirei. atrasado em muitas voltas.
Não, não conseguirei me tornar uma Encontrar-se em tal impasse traz
alma liberta capaz de pôr em prática o profundo desespero de alma, até que
amor universal. Em Os versos áureos, se reconheça estar “desprovido de es-
20
pírito”. Essa humildade, que nos faz aliás, poderia fazê-lo, em virtude do
ver nossa fraqueza e nossa impotência, estado de ser interior do aluno que se
é a condição necessária para sentir o apóia sobre duas colunas. A primeira é
chamado do amor universal. Pensamos a ligação com o Reino, e a segunda é a
aqui no oitavo cântico de arrependi- força para executar o trabalho. Esta
mento da Pistis Sophia, do qual J. van dupla graça divina deve ser estabeleci-
Rijckenborgh diz: Ela renuncia a to- da na natureza com doçura, e com ela
das as afirmações de sua personalidade a grande vitória deve ser alcançada.
até os recônditos mais afastados do bem. A coragem segundo a natureza sem-
Ela se entrega e engaja-se no período pre tem algo de forçado. Freqüentemen-
da humildade. Ela tem a coragem de te ela é a expressão de um instinto, de
aceitar o não-agir com a prece: ‘Lem- uma paixão. Agindo sob o seu impulso,
bra-te de mim, segundo tua graça e em tem-se sempre o aspecto de um assal-
nome de tua bondade, ó Senhor.’ Assim tante. A coragem segundo a natureza
ela realiza o maior ato que poderia exe- sempre fere; ela dilacera ou destrói.
cutar segundo seu estado natural, em Mas a coragem nascida da ordem espi-
relação à Gnosis. ritual de Jesus Cristo é o efeito de um
A segunda bem-aventurança é a novo equilíbrio da vontade.
seguinte: Bem-aventurados os aflitos, O manso não anseia pelo êxito ime-
pois serão consolados. Trata-se aqui da diato e retumbante. Ele sabe que o bri-
aflição do coração e da alma dilacera- lho de semelhante êxito é passageiro.
da pelo imenso sofrimento do mundo O manso não se desencoraja diante de
e da humanidade. O idealista que che- um trabalho sem resultado aparente,
gou ao impasse está profundamente nem mesmo quando o seu campo de
aflito e cheio de piedade no mais íntimo trabalho é envolvido pelas forças satâ-
de seu ser. Então, a Luz responde a ele nicas do desentendimento. Por detrás
e envia-lhe o consolo que a compreen- de tudo isso, ele vê a consecução final
são representa: saber como se preparar do seu objetivo brilhando como um sol
para poder verdadeiramente trazer seu que nunca se põe. [...] Em nome da
auxílio à humanidade. A consolação é Eternidade, o manso brilha no tempo
grande quando se compreende que o como uma luz suave e calma; e a con-
caminho da libertação da alma é aces- solação crística é o combustível que
sível e que a alma liberta pode pôr em não cessa de afluir para ele com regu-
prática o amor universal. laridade constante.
A terceira bem-aventurança é a se-
guinte: Bem-aventurados os mansos,
pois herdarão a terra. Quando alguém Fontes
se ligou à força do amor universal, re- RIJCKENBORGH, J.V., A Gnosis chinesa,
cebe igualmente a força para trabalhar Editora Rosacruz. (No prelo);
RIJCKENBORGH, J.V., O mistério das bem-
com a luz do amor e estabelecê-la na
aventuranças, São Paulo: Lectorium
natureza. A única chave necessária é a
Rosicrucianum, 1983.
bondade. Deixemos mais uma vez fa- RIJCKENBORGH, J.V., Os mistérios gnósticos
lar J. van Rijckenborgh tal como ele se da Pistis Sophia, Editora Rosacruz (no prelo),
dirige a seus alunos: Mansidão é a cap. 4,6.
coragem absoluta que nada força nem, PITÁGORAS, Os versos áureos.
21
Ampliação e aprofundamento
da infra-estrutura
22
Inauguração em
Sofia, Bulgária.
Foto Pentagrama.
Abaixo: Jornal
búlgaro: “Quem
pesquisa pode se
tornar um
rosacruz.”
pela qual o chamado da Gnosis podia seus discípulos, a Trácia “era o país da
tocar a Europa. Onde a Luz brilhou pura doutrina e das santas lendas”. A
uma vez, para lá ela retorna. A Bul- Bulgária era também o país dos pauli-
gária é a antiga Trácia, o país dos mis- cianos e do messianismo, movimen-
térios de Dionísio e de Orfeu. A pala- tos que atuaram nos primeiros sécu-
vra Trácia significa “espaço etérico”, e los do cristianismo gnóstico. Na Ida-
também “firmamento”. Para Platão e de Média, os bogomilos retomaram o
23
archote e o passaram, em seguida, aos derosa e maciça, de tal magnitude, que,
cátaros. No século XX, o mestre espi- mesmo após todos esses séculos, per-
ritual Peter Deunov (1864-1944) maneceram mitos e contos extrema-
atraiu aproximadamente quarenta mil mente surpreendentes, apesar de esta-
alunos, cuja intenção era de viver rem misturados com relatos insensatos,
segundo o impulso gnóstico. Ele mor- deformados pelos que não compreen-
reu uma hora antes que a polícia diam nada disso. Há milhares de anos,
secreta da Rússia o detivesse. No rela- essa parte do mundo foi um vasto foco
tório da polícia constava esta frase de um toque universal e os povos que
dele: Meus alunos estão neste mundo, habitavam esse grande território vi-
mas não são deste mundo. venciaram essa graça. O Egito, Canaã,
Em sua alocução inaugural, o Sr. a Síria, a Pérsia e o sul dos Bálcãs fo-
G. Friedrich, membro do Presidium, ram o objeto de uma grandiosa colhei-
declarou: Pelo que vivemos em con- ta por parte dos santos mistérios da
junto esta noite, o mistério de Dio- Fraternidade Universal. Podemos di-
nísio-Orfeu-Cristo se liga novamente zer que a colheita daquela época con-
ao país búlgaro. Uma base é colocada tava muito mais do que dez mil almas
e, pelo trabalho a serviço da Escola libertadas para a nova vida.
Espiritual, um “espaço etérico puro” No decorrer da consagração do tem-
pôde ser novamente formado para os plo, o Sr. A.H. van den Brul, da Di-
pesquisadores. reção Espiritual Internacional, pro-
Em A pedra do cume de abril de nunciou estas palavras: Na Idade Mé-
1976, J. van Rijckenborgh escreveu so- dia a Bulgária era considerada como
bre o caráter muito peculiar dessa re- “fonte de todas as heresias”, o que ar-
gião em Os mistérios de Orfeu: Nós rastou a Igreja a perseguições sangren-
compreendemos que há doze mil anos tas. Podemos, no entanto, afirmar que
os mistérios órficos e dionisíacos des- a luz da Gnosis brilha novamente na
pertaram para a nova vida milhares Bulgária e que o chamado dos Amigos
de pessoas; ocorreu aí uma reação po- de Deus, nunca foi totalmente apaga-
do. O fato de a chama ter-se perpetua-
do, apesar da extrema força da contra-
natureza, é comprovado pela ação de
Peter Deunov, que realizou um imen-
so trabalho preparatório. Citamos
dele as seguintes palavras: “Vossa al-
ma é um botão de rosa que aguarda
desabrochar. Se vossa consciência se
concentra nela, vivereis, então, o ins-
tante mais grandioso de vossa vida.
Abrireis vossa alma aos raios do sol
universal que ilumina o mundo divi-
no.” Pois bem meus amigos! As semen-
tes que foram assim espalhadas na Bul-
gária, através dos séculos, começaram
a germinar. Entramos, meus amigos,
24
em um período de forte atividade Programa
gnóstica. O Sr. van den Brul terminou do simpósio
sua alocução com esta prece bogomila: Retorno à
Fonte.
Purifica-me, ó meu Deus,
purifica meu interior e meu exterior.
Purifica Corpo, Alma e Espírito para
que em mim cresça a semente de Luz
e eu possa me tornar um archote.
Possa eu ser minha própria chama
para levar para a Luz tudo o que está
em mim e ao meu redor.
26
ções fisiológica e espiritual do cora-
ção. Após um relatório dos desenvol-
vimentos e resultados dos cinco últi-
mos anos, em quatro línguas, a Sra.
Hamelink-Leene concluiu: É preciso
compreender bem que em todo o vos-
so trabalho é a força da intuição divi-
na que inspirará a compreensão neces-
sária para vossa ação. A força de Be-
thesda é alimentada e mantida de múl-
tiplas maneiras. Saibam que a força
colocada à disposição do doente que
está voltado para ela é absolutamente fachadas, escadarias, quartos e corre-
impessoal. dores, bem como o aquecimento cen-
tral. Foi construído um galpão subter-
O vigésimo quinto aniversário râneo utilizado como garagem. Novos
do Lar Catharose de Petri projetos relacionados com os sanitá-
rios e o aquecimento são difíceis de ser
Dia 9 de setembro de 1978 foi con- bem resolvidos.
sagrado o primeiro templo no que foi Muito rapidamente o primeiro tem-
o Grande Hotel de Caux, depois o plo, provisório, revelou-se muito pe-
Hotel Regina. No dia 22 de janeiro de queno e foram feitas plantas para o
1989 aconteceu a consagração do tem- conjunto templário exterior ao prédio
plo atual, o sétimo Grande Templo do principal. Essa magnífica construção
trabalho gnóstico. Anteriormente, as foi consagrada dia 22 de janeiro 1989
Conferências de Renovação ocorriam por Catharose de Petri.
em Zurique.
Entre as duas guerras, esse hotel era No campo de trabalho
considerado o mais amplo e confortá- brasileiro
vel da Suíça. Durante sua construção
chegava-se a ele por uma trilha por Com a unificação nacional dos te-
onde subiam burrinhos carregados de mas das palestras, o Trabalho Público
materiais de construção. A rainha Eli- brasileiro tomou um novo impulso.
zabeth da Inglaterra ficou nesse hotel Em muitas cidades palestras foram
quando pequena, e a imperatriz da Á- realizadas, também fora do âmbito da
ustria, Sissi, tinha aí sua residência. Em Escola. Em 2003, novas salas de con-
1899 foram acrescidos um andar e tato foram instaladas em Jundiaí e
duas torres. O hotel tem 400 quartos e Ribeirão Preto. Em Goiânia, Salvador
salas. Em 1947, ele foi comprado pela e num lindo local na Vila Madalena
União do Rearmamento Moral e, em em São Paulo, as palestras das quar-
1978, pelo Lectorium Rosicrucianum. tas-feiras foram iniciadas.
Por causa do estado deteriorado e da Graças ao empenho e à unidade de Centro de
meta almejada, foi necessário realizar grupo dos alunos de Patos de Minas, Conferências Foyer
reformas indispensáveis: foram res- a doações e ao financiamento da fun- Catharose de Petri,
taurados o telhado, o elevador, as dação internacional, foi possível com- Caux, Suíça.
27
Ampliação do núcleo de Bonn,
Alemanha
Reconstrução do núcleo
de Milão, Itália
28
cidade e adaptado, tendo em vista as uma cabeça-de-ponte para a difusão Jardim do núcleo
Conferências de Renovação que acon- da Escola Espiritual em direção ao sul. de Eindhoven,
Holanda.
teceram ali até 1995. Depois disso, La
Nuova Arca, em Dovadola, tornou-se Aquisição de um Centro de
o Centro de Conferências Nacional. Conferências em Oristano,
Como o núcleo de Milão ficou, então, Sardenha
muito grande, buscou-se um novo local
e, em 25 de setembro de 2003, os alunos Em setembro de 1997, os alunos da
italianos, e em especial os de Milão, Sardenha haviam alugado uma cons-
abriram as portas do lindo novo núcleo. trução modesta, em Oristano, para
evitar fazer a cada vez a longa viagem
“É preciso pedras vivas para até o Centro de Conferência La Nuo-
construir o Templo” va Arca, em Dovadola. Um pequeno
templo foi aí consagrado para Con-
Esta divisa presidiu a celebração dos ferências locais, mas faltavam dormi-
dez anos de existência do núcleo de tórios. Então, esse pequeno núcleo foi
Eindhoven, na Dierenriemstraat, no dia comprado e totalmente reformado.
16 de setembro de 2003. Muitos alu-
nos e membros da Escola assim como “Em tua Luz contemplamos
“os construtores da primeira hora” se a Luz”
encontraram em torno de um bufê frio Alojamentos
para fazer uma retrospectiva do passa- No Centro de Conferências Reno- em Oristano,
do e lançar um olhar no futuro. No va, aproximadamente quatrocentos e Sardenha.
domingo 21 de setembro houve outra
festividade para a qual foram convida-
dos todos os habitantes do bairro.
O trabalho de Eindhoven começou
no dia 9 de setembro de 1979 em uma
antiga fábrica situada na Kleine Berg,
onde foi realizado um dos desejos mais
explícitos de J. van Rijckenborgh. Ele
considerava a região de Brabant como
No livro de Fludd, Summum Bonum (1629) (O Bem
supremo), aparece uma representação da Rosacruz
sob a forma de uma rosa com sete vezes sete pétalas,
cercada de colméias e teias de aranha. Uma abelha
está sobre uma rosa, uma outra voa em direção a ela.
No fundo, à direita, encontram-se quatro colméias
cercadas de abelhas, à esquerda uma cerca coberta de
teias de aranha. Essa ilustração tem por legenda: “A
rosa dá seu mel às abelhas”. A rosa representa a força
e a sabedoria da Rosacruz. A abelha simboliza o
zelo. Ela deposita o mel na colméia, onde se alimenta
quando os tempos são difíceis. As operárias traba-
lham para sua rainha. Elas sacrificam sua vida para
as próximas gerações. É possível ver aí a imagem de
uma meta sublime.
O inverso da abelha é a aranha. Esta tece sua teia redação de comentários e à defesa da
como a abelha forma os raios de sua colméia. Ela não Fraternidade da Rosacruz. Em todas
a tece para acumular o doce mel da rosa, mas para as suas publicações, ele se destacava
sugar até a morte os insetos capturados. O que a ara- por um conhecimento enciclopédico
nha produz é um veneno mortal, enquanto a abelha sobre as leis do macrocosmo e do
elabora a vida nova. microcosmo. Uma projeção de slides
mostrou claramente até que ponto
sua visão das coisas era justa e uni-
A torre de Babel. cinqüenta convidados assistiram, em versal e quanto sua obra e seu enga-
Athanasius novembro, a um simpósio sobre jamento contribuíram para a trans-
Kircher, Robert Fludd (1574-1637), também missão da sabedoria, muitas vezes
Amsterdam, 1679. incompreendida, da Rosacruz.
conhecido como De Fluctibus, o
defensor da herança hermética dos
rosacruzes clássicos. Fludd consa- Um templo provisório em
grou uma grande parte de sua vida à Melbourne, Austrália
30
que aparece em ilustrações dos séculos
XV, XVI e XVII não corresponde à
dupla espiral do Inferno e do Purgató-
rio de A divina comédia de Dante. A
relação tornou-se flagrante graças aos
slides e aos comentários que foram
acompanhados com grande atenção.
Novos desenvolvimentos
nos Bálcãs
31
A música das esferas
32
vitória sobre o caos. Quando ele toca-
va, todas as criaturas ficavam ensimes-
madas a ouvi-lo, todos os conflitos e
mesmo as guerras eram interrompidos,
Áries (Marte) cessava de fazer correr
sangue. A música de Apolo elevava o
espírito dos homens e lhes dava paz de
alma. A alma que experimenta a har-
monia contempla o cosmo (cosmo sig-
nifica ordenação). Nos mistérios órfi-
cos aparece Dionísio, que leva o homem
ao êxtase. Segundo J. van Rijckenborgh,
Dionísio é o terrível guardião do Es-
pírito. Quem estuda esse personagem
pode afirmar, com grande seriedade,
que ele encarna a atividade do Espírito
Santo, o Espírito que, como um vento
de tempestade, sopra sobre o mundo
para acordar os seres humanos de
todos os lugares (A Pedra do Cume,
abril de 1976).
Um dia, o sátiro Marsias, que sim-
boliza a humanidade – metade animal,
metade deus – encontrou uma flauta
enviada por Atenas. Ele começou a
tocar e decidiu imediatamente que na- riais um movimento que emite um
da o impediria de se equiparar a Apo- som. No Primeiro Livro de Pimandro
lo. Sua audácia foi duramente punida, (versos 9 a 10), Hermes Trismegisto
pois ninguém pode sobrepujar Deus e declara: Pouco depois surgiu, numa
sua música. Orfeu, que com sua melo- parte dela, horrível e sombria escuri-
dia subjugava homens e animais, per- dão, que se movia para baixo e girava
sonificava o ser que compreende a em espirais tortuosas, tal como uma
harmonia divina. Seus poderes espiri- serpente, segundo me pareceu. Então,
tuais eram tão grandes que mesmo os essa escuridão transformou-se numa
espíritos infernais se calavam para natureza úmida e indizivelmente con-
ouvi-lo. Ele podia atravessar os infer- fusa, da qual se levantou uma fumaça
nos porque se fazia acompanhar de como a que provém do fogo, ao passo
sonoridades divinas e estava destituí- que ela produzia um som como de um
do de medo. indescritível gemido. Então, da úmida
natureza ressoou um grito, um cha-
No princípio era o Verbo mado sem palavras, que comparei à A música das esferas.
voz do fogo, enquanto que da Luz se Ilustração de Robert
Deus, criador desconhecido do propagou sobre a natureza um santo Fludd em Utriusque
universo, imprimiu nos átomos mate- Verbo, e um fogo puro ergueu-se ful- Cosmi, 1617.
33
Pitágoras gurando da natureza úmida, fogo su- Anteriormente comparamos o ser
demonstra seu til, impetuoso e poderoso. humano com um instrumento musi-
ensinamento No “estrato terrestre dos arquéti- cal. Ele não está consciente disso por-
musical. Gravura
pos” (J.v. Rijckenborgh, , O advento que esse instrumento está em tão mau
em madeira em
Theorica musica
do novo homem, São Paulo, cap. 8) en- estado que não pode produzir a justa
de F. Gaffario, contram-se os arquétipos de todas as sonoridade da harmonia divina. No
Milão, 1492. criaturas. Cada arquétipo vibra e emi- cérebro encontram-se sete cavidades
te um som que lhe é próprio. Os áto- repletas de éteres, cada uma emitindo
mos que o arquétipo atrai se agrupam uma entonação de acordo com os tons
segundo essa vibração e constituem da gama sétupla. E cada ser humano
uma forma que lhes é particular, de possui sua própria nota fundamental.
acordo com o plano vivente e vibran- Todas essas modulações têm uma
te de Deus relativo a cada ser huma- tarefa a cumprir, de acordo com seu
no. É pelo arquétipo que podemos lugar no plano divino. Quando as
sentir a harmonia divina e nos mani- cavidades cerebrais estão preenchidas
festar verdadeiramente. de éteres terrestres, elas não estão em
condição de reagir ao chamado do
Cada criatura possui sua campo de vida original. O fogo ser-
própria nota fundamental pentino que, para continuar a analo-
gia, pode ser considerado como o dia-
pasão pessoal de cada um, não emite a
pura sonoridade e cada ser humano
faz soar uma nota falsa. Se ele não po-
de soar de acordo com a harmonia
divina, não pode fazer outra coisa se-
não se manifestar em dissonância e,
para ele, uma vida superior está fora
de questão. Entretanto, sua reminis-
cência lembra-o de que seu ser ressoa-
va, antigamente, de acordo com a har-
monia das esferas. Podemos conside-
rar a música em geral como uma rea-
ção a essa reminiscência.
Pitágoras começava o
dia com música
34
É possível que um compositor ou musicista aben-
çoado pela Gnosis possa servir como ponto focal
harmoniosas agem direta e positiva- para as irradiações que emanam da harmonia
mente sobre os éteres, concorrendo das esferas, dos núcleos da melodia primordial
para o justo acorde das sete notas do sétupla. Por isso, através de gênio musical, cada
sistema de cada indivíduo e atraindo tom pode ser emitido em toda sua pureza, porém
as forças correspondentes. Encon- – digamo-lo francamente – a esfera divina difi-
tramos as mesmas práticas nas reli- cilmente se deixa circunscrever. Para poder julgar
giões de todos os povos, há séculos. se toda a plenitude gnóstica está refletida neste
Como as condições etéricas são es- ou naquele repertório musical clássico elevado,
pecíficas para cada raça, os instru- seria necessário, no mínimo, conhecer o conteúdo
mentos e formas musicais são diferen- de toda a plenitude gnóstica.
tes. Em certas regiões domina o rit- (Trecho tirado de Cartas, Catharose
mo, em outras, a melodia. Cada povo de Petri, São Paulo: Lectorium Rosicrucianum, 1987)
tem sua própria música, mas isso não
quer dizer que ela esteja de acordo
com a harmonia divina e que tenha dirige-se ao Espírito e desse modo o
efeitos positivos. espírito-fogo acende-se, no foco do
encontro forma-se uma estrutura
É possível retornar à luminosa de linhas de força (como em
harmonia original? uma flama – red.). É então que o
homem hermético encontra Piman-
A vida divina está sempre minima- dro. E dessa estrutura de linhas de for-
mente presente no ser humano como ça que assim se formou flui uma vibra-
centelha provinda do domínio origi- ção para o interior do homem hermé-
nal. Podemos reanimar e inflamar no- tico. Esta vibração tem um som e uma
vamente essa centelha se, como um cor, os quais estão em perfeita harmo-
instrumento musical, nos ajustamos à nia com o propósito do homem hermé-
harmonia divina. Então voltamos a tico de elevar-se ao Campo do Es-
nos ligar à força de Cristo, cuja nota pírito. E, deste modo, esta manifesta-
fundamental é o amor divino. Pode- ção, este encontro, adquire uma carac-
mos visualizar isso como uma corda terística muito especial. Só deste modo
que vibra continuamente, embora, é que Deus fala ao homem. Este é o
evidentemente, no início esse ainda encontrar e ouvir o Nome Inefável.
não seja o caso. Esse processo de vi-
bração em acorde perfeito acompanha
a transmutação de todo o ser a fim de
que surja uma nova consciência, uma
consciência gnóstica. Então poderá
ser dito que o homem voltou a se tor-
nar um instrumento musical que par-
ticipa da harmonia original das esfe-
ras. J.van Rijckenborgh descreve esse
processo no primeiro tomo de A
Arquignosis egípcia, São Paulo, 1984,
p.21: Quando a consciência hermética
35
O Profeta
Alexandre Puchkin (1799-1837)
E m busca do Espírito
avançava penosamente nas areias
de solidões desérticas.
Alcancei a extremidade de meu país.
Um anjo, guarnecido de seis asas,
ergueu-se diante de mim.
36
Nikolai Berdiaiev – o filósofo
da liberdade
38
porém pode também ser um fardo in-
conveniente que é jogado fora de bom
grado na esperança de aliviar o desti-
no. Para Berdiaiev liberdade é uma
força de uma totalmente outra dimen-
são, algo transcendente. Ele escreve:
A liberdade humana consiste no fato
de existir fora do reino de César – nos-
so mundo estruturado pelo poder – o
reino do Espírito. A existência de Deus
é revelada na existência do espírito no
homem. E Deus não se iguala à força
da natureza e menos ainda ao poder
da sociedade e do Estado.
Toda a vida de Berdiaiev foi acom-
panhada de uma forma especial de “té-
dio doloroso do mundo”. Não era a
tristeza de um ser humano que sente
falta de algo ou que perdeu algo. Não
o afligia a falta de algum bem material
terreno específico. Esse “tédio dolo-
roso do mundo” também não era me-
lancolia e nem fruto de seu tempera-
mento. Ele mesmo o denominou co-
mo uma saudosa dor pelo transcen-
dente. Essa dor era a constante com-
panheira que estimulava seu desen- Nikolai Alexandrovich Berdiaiev O filósofo russo
ela se tornava cheia, qual maré, torna- Kiev) em 6 de março de 1874. Sob
va-se forte e mais forte, para então a influência do filósofo religioso
vazar. Essa “dor do mundo” muitas Vladimir Soloviev, ele se ocupou de
vezes tornava-se muito mais intensa questões religiosas. Em 1919, fundou
quando ele experimentava momentos a Academia Moscovita Livre para a
de grande felicidade. Exatamente nes- Cultura Espiritual. Em função de
ses momentos ele se lembrava espe- suas “atividades inimigas ao idealis-
cialmente do sofrimento da vida. Em mo comunista” foi expulso da União
O sentido da História (1950) ele assim Soviética em 1922, fixando-se
expressa a causa da dor: Isto é, enfim, em Berlim, onde fundou a
a questão entre a relação de tempo e Academia de Filosofia das Religiões
eternidade. Existe como que uma opo- e teve uma participação considerável
sição sem trégua entre tempo e eterni- na estruturação do Instituto
dade, e nenhuma conexão poderá ser Científico Russo em Berlin. Em
estabelecida entre eles. O tempo é co- 1924, mudou-se para Paris, onde
mo que a negação da eternidade, um igualmente inaugurou a Academia
estado que não possui nenhuma raiz de Filosofia das Religiões. Faleceu
na vida eterna. em 23 de março de 1948, em
Em suas obras, Berdiaiev muitas Clamart, Paris.
39
A ciência do mistério da vida cós- sar filosófico que inicia com o autoco-
mica foi proibida pela consciência nhecimento e avança em direção ao
religiosa. O trabalho dogmático conhecimento do homem e do mun-
dos professores das igrejas e dos do. Ele descreve a essência de seu
concílios ecumênicos não era gnós- autoconhecimento da seguinte forma.
tico. Ele consistiu na elaboração Eu descubro o significado de meu pen-
de fórmulas para a prática religio- samento existencial quando compreen-
sa comum e em um trabalho de do que há dois caminhos: o caminho
refutação das falsas doutrinas. da objetividade e o da transcendência.
(Do livro: Liberdade e Espírito) No primeiro somos prisioneiros de um
poder perfeitamente fantasmagórico e
maciço, e no segundo estamos no cami-
vezes denomina o homem de micro- nho da transcendência em direção a
cosmo, no qual estão compreendidas um mundo transfigurado e liberto, o
estruturas do divino, do terrestre, do mundo divino. Não somente o pensa-
humano e do pessoal. Interessavam- mento criativo, porém a paixão criado-
lhe o desenvolvimento e o objetivo do ra e o sentir apaixonado têm de abrir a
homem e a época na qual este vivia. consciência petrificada e torná-la flui-
Nunca me interessou a pesquisa do da ao mundo objetivado por ela. Eu
mundo tal qual ele é, porém o destino pude me manter no mundo sem me
do mundo e o meu próprio. A mim in- apoiar em nada a não ser na busca pela
teressam, portanto, “a finalidade das verdade divina (Autoconhecimento).
coisas”. Minha filosofia não é científica, Na história, bem como na natureza,
porém profética e escatológica quanto à existe um ritmo, um desenrolar rítmi-
sua classificação [...] Trinta anos atrás co de épocas e mudanças de tipos de
eu imaginava saber muito mais do que culturas. Maré e vazante, crescimento
acredito saber hoje, no nível atual de e fenecimento, ritmo e periodicidade
meus conhecimentos [...] Eu principio a são parte de toda a vida. Nikolai Ber-
saber que nada sei (Autoconhecimen- diaiev descreve em seu livro O sentido
to, 1950). Ele sempre via todas as ex- da História que, com a queda do im-
periências, consigo mesmo e com as pério romano, a antiga civilização
pessoas de sua época, tendo como pa- chegou ao final. A seguir, veio a Idade
no de fundo a evolução até o homem- Média, que ele denomina de “período
divino: Nos homens, um eu inferior e noturno”, na qual as estruturas crista-
um eu superior muitas vezes me decep- linas da Antigüidade foram demoli-
cionaram; eu experimentei muitas bai- das. Todos os valores dos quais a
xarias, mentiras, armadilhas, dureza de humanidade vivia nos períodos cultu-
coração, traição, inúmeras decepções rais anteriores perderam sua validade.
nas relações com os seres humanos, e O mundo adentrou novamente em
fui eu mesmo o causador e o culpado um novo “período noturno” com o
dessas decepções [...] E mesmo assim eu término da Idade Moderna, no início
preservei a fé no plano de Deus com os do século XX: A contar pelos indícios,
homens (Autoconhecimento). nós já ingressamos no período notur-
Autoconhecimento é para Berdiaiev no. As falsas aparências cairão, e será
o instrumento que permite a viagem revelado o que é bom e o que é mau.
para o “imutável”. O Homem conhece- Esse período, porém, também já está
te a ti mesmo é o início de todo pen- sendo impregnado com idéias para o
40
O aparecimento de Cristo, o deus- mação do pragmatismo de que a ver-
homem, é justamente a união per- dade seja útil à vida. A verdade crísti-
feita de dois movimentos: de Deus ca pode até ser muito perigosa... E por
para o homem e do homem para isso a verdade pura do cristianismo foi
Deus; o nascimento definitivo de adaptada à vida cotidiana do ser hu-
Deus no homem e do homem em mano e tão extensamente mutilada, que
Deus, a realização do mistério da se corrigiu a obra de Cristo, como diz
unidade do dois em um, do misté- o Grande Inquisidor em Dostoievski.
rio da humanidade-divina. O segundo grupo é formado pelos
(Do livro: Liberdade e Espírito) homens que não retrocedem ante a
visão do abismo. Eles dão atenção aos
sinais da época, e uma saudade dolo-
tempo vindouro. Idéias antigas e no- rosa e inexprimível se apodera deles.
vas se debatem e tornam o ser huma- Sobre isso diz Berdiaiev: Quando
no inseguro. Simultaneamente, esse acreditamos na salvação por meio da
período força o homem a uma refle- verdade, nós o fazemos em um senti-
xão positiva sobre sua origem. Sua do completamente diferente. Através
vivacidade espiritual nunca esteve tão da verdade acontece a divisão do que
ativa; suas possibilidades de com- é “de Deus” e do que é “de César”, en-
preender a origem primeva de sua tre o Espírito e o mundo. A verdade,
existência humana raramente foram porém, é percebida somente após um
tão grandes. elevado grau de comunidade espiri-
As épocas culturais que são deno- tual. Somente em comunhão com ou-
minadas por “período diurno” são tros seres humanos o homem está em
superficiais e via de regra não permi- condição de alcançar um nível espiri-
tem um olhar profundo na evolução tual elevado, além do mundo subjeti-
da humanidade. Um tal “período vo e do mundo objetivo. Não existe
diurno” foi a denominada Idade Mo- nada superior à busca pela verdade e
derna. Ela trouxe à tona a visão atô- ao amor por ela. A única e oniabar-
mica do mundo. A ciência começou a cante verdade é Deus, e o conheci-
fragmentar todas as inter-relações, a mento da verdade é um penetrar a
reduzir todas as partes a pequenos vida divina (A nova Idade Média,
elementos, para poder descrevê-los e 1927).
classificá-los. O ser humano experi-
mentou uma individualização e uma O cristianismo é a religião do amor,
isolação como nunca anteriormente. não a religião da justiça. No cristia-
Vivemos atualmente em uma fase nismo a lei é superada, tanto a lei
noturna. Nesta época, as comportas natural como a lei da justiça humana.
do abismo serão arrebentadas e o ser O ser humano que se tornou parte
humano será confrontado com todas do mistério da salvação, que aceitou
as mazelas de sua existência neste Cristo em si e faz parte da linhagem
mundo. Nesta fase duas reações da de Cristo, não está mais sujeito às
humanidade são possíveis: medo e leis cármicas. Ele escapa do dever de
pânico ou entrega ao Espírito Divino. viver o passado em evoluções infini-
Para o primeiro grupo Bardiaiev tas, segundo um processo contínuo,
escreve em O reino espiritual e o reino sistemático e imparcial.
de César (1952): Muito falsa é a afir- (Do livro: Liberdade e Espírito)
41
“Nada de presente, tudo emprestado”
42
duto de história e cultura, sem, contu-
Três palavras sumamente do, enfatizar o meio ambiente nacio-
singulares nal polonês, observou um outro tra-
dutor de suas obras.
Quando pronuncio a palavra Com doce maravilhamento ela re-
Futuro a primeira sílaba gistra seus comentários. A pena com a
conduz ao passado. qual ela cria sua poesia é maleável e
solta. Ainda menininha, com poucos
Quando pronuncio a palavra anos de idade, ela descobre a força da
Compreensão eu a destruo. gravidade. Ela puxa a toalha da mesa e
se pergunta como as xícaras e as co-
Quando pronuncio a palavra lheres que balançam no canto da mesa
Nada crio algo que em nenhuma se comportarão: Voarão para o teto?
existência cabe. Ou ao redor da lâmpada? Saltarão
para o parapeito da janela e de lá para
a árvore? Ela se recorda do medo que
do Yeti (tradução livre: O chamado sentia, quando criança, de pisar numa
do yeti) e com a coletânea Sól (Sal) poça de água de chuva e escreve:
editada em 1962. Depois disso, ela pu-
blicou 12 coletâneas poéticas, algumas Eu iria dar um passo
das quais traduzidas para o alemão, e de repente afundar-me totalmente;
inglês e holandês. Na Alemanha, sua voaria para as profundezas
obra foi premiada com o Prêmio Goe- e mais profundo, sempre mais profundo,
the da cidade de Frankfurt (1991) e iria ao encontro das nuvens refletidas,
em com o Prêmio Herder (1995). talvez até mais além.
Sua popularidade é fruto da simpli-
cidade da linguagem com a qual ela Tudo isso pode contribuir para
aborda as complicadas questões da despertar a admiração da alma. Mas a
vida tantas vezes tratadas pela “gran- poça poderá secar, e daí não se pode-
de” literatura. Seu pensamento é com- rá voltar mais. E quando a própria
plexo, mas sua linguagem é simples, Szymborska se encontra sem pala-
disse um tradutor de suas obras, vras, no cemitério, perto das covas de
quando ela recebeu o Prêmio Nobel. três crianças pequenas, não está tão
Um outro motivo para sua populari- comovida a ponto de não poder
dade é, na opinião dos críticos, o fato admiti-lo:
de que sua obra é para os leitores po-
loneses um “ponto de referência”. Ela Mas o que podes dizer de um
aborda temas universais da vida de dia de vida,
cada um, que vão muito além do coti- um minuto, um segundo:
diano, da política ou da igreja. Szym- escuridão, daí um raio de luz e
borska é uma poetisa do cotidiano, do novamente escuridão?
incompreensível e do inexprimível na Cosmos – macrocosmos,
existência humana; e também do ser Cronos – paradoxos.
humano que se maravilha com sua Somente o petrificado idioma grego Abertura em
existência como ser humano, que ele tem palavras para isso. unidade de grupo,
vê como produto de um milhão de Portugal. Foto
anos de evolução contínua, como pro- Existe incompreensão e incompre- Pentagrama.
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ensão. A primeira provavelmente en- ler a seguinte poesia, que tem como
colheria os ombros diante do acúmu- título Nada de presente?
lo de fatos. A segunda, a incompreen-
são de Szymborska, não teoriza a res- Nada de presente, tudo emprestado.
peito para então encolher os ombros, Estou atolada em dívidas até às orelhas.
pois onde ela vê uma oportunidade Eu tenho comigo
qualquer, ela apreende a realidade e se que tenho de pagar para mim mesma,
curva profundamente diante dela. A dar minha vida pela minha vida.
vida, então, talvez seja inexplicável,
mas as perguntas que daí nascem não Assim, fica estabelecido
o são. A alma, por exemplo, é algo que o coração precisa retornar
intangível, mas em Algumas palavras e que o fígado precisa retornar
sobre a alma, a poetisa escreve: e cada dedo em especial.
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A vida divina está sempre minimamente presente no
ser humano como centelha provinda do domínio original.
Podemos reanimar e inflamar novamente essa centelha se,
como um instrumento musical, nos ajustamos à harmonia
divina. Então voltamos a nos ligar à força de Cristo,
cuja nota fundamental é o amor divino.