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Como a LGPD afetou o marketing?

Por Reges Antonio Bronzatti


Se existe uma área de negócios que, timidamente, pouco se deu conta de como será
impactada pela LGPD é o marketing ! Ouso dizer que os maiores problemas que a LGPD irão
ocasionar, para as organizações, não serão no RH, muito menos no Jurídico e talvez nem tanto
assim na área de Tecnologia. Mas no marketing o desconforto, quando cair a ficha, será
avassalador.

Talvez pela minha formação multidisciplinar que reúne o direito + tecnologia +


marketing, o diagnóstico possa ser mais óbvio, mas para a maior parte dos profissionais de
privacidade de dados o problema passa um tanto desapercebido ainda.

Por quê tenho tanta convicção sobre isso ? Algumas evidências ou ponderações
abaixo.

Para ser mais preciso, pelo menos, dez(10):

 Nos meus mais de 40 (quarenta) cursos de LGPD ministrados, desde 2018, só


tive, em sala de aula, online e presencial, apenas quatro (4) pessoas ligadas ao
tema marketing ou comercial; Para os profissionais destas áreas, a LGPD não
existe e não a reconhecem como uma mudança que afetará suas atividades
profissionais.

 Avaliando os principais casos de condenação, na Europa, em função da GDPR,


uma grande parte deles se refere ao envio de email marketing para clientes, de
grandes empresas multinacionais, que supostamente, deveriam estar mais
alinhadas as diretrizes, após 3 anos do início da sua vigência no velho
continente; Claramente, mesmo em uma região que as diretrizes de
privacidade foram impostas há mais tempo, o comportamento dos
profissionais e das organizações seguem sem processos adequados.

 “Speakers” tradicionais de LGPD, no mercado, falam muito da lei, em si, das


consequências, citam exemplos de RH, de ajustes em contratos em geral,
políticas de segurança, mas raramente tocam no assunto de ajustarem, em
função da LGPD, os mecanismos de captura de leads através de “pixel de
rastreamento”, “remarketing”, “cold-calls”, “landing-pages”, “web-beacons”,
etc; Aliás, alguns cometem heresias jurídicas ao afirmarem categoricamente
que a base legal “legítimo interesse” dá direito do controlador enviar
mensagens não autorizadas para quem eles quiserem ( kkkkkkkkkk); Aliás,
ontem recebi de uma seccional da OAB regional, um spam marketing pedindo
meu aceite, sem, minimamente, estar adequado ao artigo 8 da LGPD. Sério,
pessoal ? aconteceu na OAB !!!

 As áreas comerciais das organizações, por sua natureza, são indisciplinadas por
essência na captura de clientes, prospects, leads e atropelam qualquer
processo organizado para gerir funil de vendas e nesse sentido usam e abusam
de envios de mail marketing, sem consentimentos de seus alvos, na tentativa

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de gerar negócios a fórceps, como se o cliente fosse obrigado a comprar em
função de uma campanha ou promoção;

 A lista de abusos citados no site Reclame Aqui, em poucas semanas após a


entrada em vigor da LGPD, referente a violação de direitos do titular de dados
por conta de tentativas forçadas para vender ou promover produtos ou
serviços através do telemarketing invasivo é quase que inacreditável...e
utilizado por grandes marcas nacionais ou internacionais ( aliás, onde está o
Diretor de Marketing destas empresas neste momento ? Será que ele sabe do
que se trata a LGPD ? ou ele acha que a lei não vai pegar, assim como o seu
CEO ?);

 A primeira empresa a ser condenada, no Brasil, efetivamente, através de uma


sentença judicial de primeiro grau, no último dia 29.09.2020, em uma ação
indenizatória por dano moral, é uma grande construtora brasileira que após
vender um imóvel para um cliente compartilhou seus dados pessoais com toda
uma cadeia produtiva vinculada, tais como arquiteto, empresas de móveis
planejados, corretores, sem a sua mísera e infantil permissão. Exatamente
uma ação comercial e de marketing para maximizar e privilegiar parceiros de
negócio, sem dar chance do seu cliente dizer “Não, obrigado!”

 Continuo a receber, por dia, nada mais, nada menos do que uns 20 emails
marketing de empreendimentos variados onde não tenho a menor idéia de já
ter sido clientes deles algum dia, sem a opção de descadastramento da sua
base de emails. Me parece que os estas empresas, ou seu marketing, não tem
a mínima noção do que seja a LGPD ou, em maio a crise, o desespero de
vender é tão grande, que o risco vale a pena. Imagino que possa ser alguma
destas alternativas.

 Ao entrar em alguns sites de e-commerce, ou de empresas tradicionais de


mercado vejo formulários de cadastro pedindo até data de nascimento dos
filhos para poder participar de promoções e ofertas daquele negócio. Um
excesso atrás do outro. Alguém poderia explicar para as agências de marketing
digital que existem 3(três) princípios básicos na LGPD em que voçê só pode
coletar dados pessoais que sejam para uma finalidade específica, adequada
para o contexto da solicitação e não maior do que a necessidade exigida ?
Sim, milhões de formulários em sites precisarão ser reorganizados e de forma
urgente, respeitando o seu próprio visitante, consumidor ou cliente. É tão
simples isso, basta se colocar no lugar do seu cliente e tudo vai dar certo.

 Pesquisas de satisfação, em sua maioria, ainda obrigam a colocar nome e


email do respondente, como se um cliente ao responder um formulário destes
tivesse alguma vantagem ou benefício em fazê-lo. Uma pesquisa de satisfação
beneficia quem faz a pesquisa e não quem a responda, portanto porque devo
colocar meu email ou nome ? Claro, porque em um futuro breve esta coleta de
emails vai gerar alguma campanha de marketing para tentar vender algum
produto. Será que o este é melhor modelo de conhecer mais o seu cliente ?

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 Formulários de sites que solicitam permissões de envio de newsletter ainda
fazem afirmações genéricas misturando 3 ou 4 finalidades em uma única
afirmação textual gerando um mix de opções para parecer ser “esperto” e
burlar o artigo 8. da LGPD. O princípio básico de quem quer vender mais é
perguntar mais, então porque não abusar de finalidades distintas em um
formulário e conhecer mais o seu cliente ? Será que é tanto trabalho assim
gerir melhor bases de dados, por canal de comunicação preferencial, se o
cliente gosta de atendimento customizado ? Porque marketing massificado e
não customizado com tantos algoritmos de inteligência artificial disponíveis ?
OAB olha esta dica, de novo !!!!

Com a LGPD, a prospecção de clientes e geração de leads para áreas comerciais,


obrigatoriamente deverá mudar. Aliás, a forma como voçê deve se comunicar com o seu
cliente precisa se transformar. Nesse sentido, por uma pequena peculiaridade e inteligência, o
mercado de marketing digital regulado e as redes sociais estão ganhando em todos os
aspectos.

Hábitos de consumo online são dados pessoais e valem muito!

As redes sociais ( todas ! ) já tem o consentimento dos seus “usuários” para fazerem o
que fazem desde a origem. Hoje “vendem” espaços publicitários, de bases de dados já
consentidas ( exatamente com a LGPD pede ) já que voçê mesmo não tem o consentimento do
seu cliente e ainda afirma que o seu serviço é gratuito, ampliando mais e mais novos
usuários !!!

Que golaço do ponto de vista legal e de marketing !!!

Serviços do Google, Facebook, Instagram, Linkedin, TikTok entre outras redes


populares já garantem o consentimento dos seus usuários na origem. Veja que eles não se
utilizam do legítimo interesse como base legal para fazerem o que fazem. Eles simplesmente
pedem e os seus usuários aceitam, pois senão não poderia usar o serviço que é gratuito. E são
sempre gratuitos em troca de permissões, quase que ilimitadas, para oferta de qualquer
produto ou serviço dadas pelos seus “clientes”. Isso por si só já os coloca na vanguarda e
liderança para qualquer negócio que queira explorar, por tabela, consumidores cadastrados
nestas redes sociais.

Então, talvez seja a hora ( apenas uma provocação), de organizações criarem suas
próprias comunidades digitais, seus próprios apps, com consentimento na origem, para
evitarem o pagamento, em excesso, de impulsionamento de campanhas através de redes
sociais de terceiros. Qual é a melhor relação custo x benefício? Desenvolver um app que crie
uma rede social dos seus clientes ou pagar impulsionamento de campanhas de vendas? É uma
bela pergunta, com sentimentos distintos para uma resposta precisa. Se a resposta é utilizar
redes já consolidadas, para venderem seu portfólio, alimentarão, cada vez mais, o poder dos
dados dos grandes players de redes sociais, ampliando controles e monopólios mundiais.

Será difícil, realmente, se surpreender com documentários tipo “O Dilema das redes”
ou “Privacidade hackeada” se as próprias pessoas é que autorizarão o uso de suas próprias
informações em troca de prazeres virtuais discutíveis e que dão tanto poder de persuasão a
estes conglomerados.

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Esta é a verdadeira guerra do marketing como queiram chamar. Temos, agora,
plataformas com praticamente todos os consumidores do mundo, portanto, mercados se
curvam a sua força influenciadora. As redes de comunicação de TVs e Rádios já estão se
curvando a eles, como cordeirinhos.

O resto é para peixe pequeno.

Email marketing, sem governança, diminui drasticamente em função da LGPD!

Whatsapp marketing, se mal gerido, sucumbe em função da LGPD!

Telemarketing, se mal abordado, morre em função da LGPD!

Aquisições de listas de contatos tornam-se ilegais sem consentimento dos titulares!

Data brokers são, agora, estigmatizados como nunca foram antes!

Landing pages sem política de privacidade e sem finalidade clara é amadora!

Uso de cookies, em sites de e-commerce, se mal geridos, serão gol contra!

Um novo marketing, customizado ao cliente, precisará surgir. Será que o conceito de


marketing de relacionamento, de Peppers & Rogers, da década de 90, irá realmente ocupar
um espaço de protagonismo? Lembrando que a primeira edição do bestseller, em 1994, se
chamava “ Marketing Individualizado na Era do Cliente”. Agora é a hora e vez do cliente ? Ou
em 2030, 2040 ? Talvez a LGPD dê um empurrão neste conceito tão profundo, mas
considerado antiquado por muitos. Minha opinião é de que nunca esteve tão na moda, desde
que se utilizem as melhores tecnologias para conhecer ainda mais o seu cliente, respeitando os
seus direitos de intimidade e privacidade. É uma grande oportunidade para todos os negócios
emergentes do século XXI.

Este “novo” futuro do marketing tem a ver com conteúdo, onde o cliente busca seu
fornecedor ou parceiro de negócios baseado em critérios de inteligência artificial ou com bases
de dados geridas de forma espartana. Caso contrário, a ANPD ( Autoridade Nacional de
Proteção de Dados) vai cansar de aplicar sanções em empresas que violarem direitos básicos
dos titulares de dados, em simples ações de telemarketing, email marketing, SMS marketing,
inbound marketing, outbound marketing ou qualquer outro semelhante que vise forçar a
atenção para o seu produto, sem obter a permissão do seu futuro cliente.

É tempo ainda, antes das primeiras sanções da LGPD, deste novo modelo de
marketing, que deve surgir agora, promover esforços a repensar como coleta e usa endereços
de e-mail, telefones, IP, cookies e adotar uma abordagem mais centrada no cliente
considerando, verdadeiramente, seus desejos e necessidades para obter essa aceitação inicial,
respeitando sua privacidade e criando conteúdos de valor, sofisticados e que realmente façam
este cliente se sentir no centro da sua organização.

A partir da LGPD, as listas de clientes em potencial estarão em baixa, mas as vendas


estarão em alta para aqueles negócios que tirarem vantagem da sua base de dados e
construírem relacionamentos digitais sólidos. Bases de dados de clientes serão potencialmente
reduzidas excluindo falsos positivos e usuários desinteressados com base em automação
cognitiva.

Possuir bases gigantescas de potenciais clientes não é um poder de fogo em vendas a


partir de agora. É uma bomba relógio, na prática. No entanto, ter um mercado-alvo, mais

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restrito, onde a atração de um cliente é baseada na sua permissão de te conhecer mais e saber
mais sobre seus produtos e serviços é o que garante a fidelização, receita recorrente e
crescimento exponencial de vendas.

Será que o marketing percebeu toda esta mudança a partir da LGPD ?

Torço que sim...serão os protagonistas de novos negócios mais rentáveis no século XXI.

O tempo de mudar está passando...

Bons negócios a todos e até o próximo artigo !

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