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Os Lusíadas
Os Lusíadas
Os Lusíadas são uma obra do séc. XVI. Este século, caracterizado por uma
grande viragem no pensamento humano, é marcado por três grandes movimentos
culturais: o Humanismo, o Renascimento e o Classicismo.
Foi durante o século XVI que viveu Camões. A vida de Luís Vaz de Camões já
se tornou uma lenda pois, concretamente, com base documental, sabe-se muito
pouco da sua história.
Pensa-se que terá nascido por volta de 1524. A sua formação académica foi
realizada em Coimbra. A sua vida foi especialmente marcada por duas
actividades: as armas, nos combates em que participou no Norte de África e onde
perdeu um dos seus olhos, e as letras. Terá sido na Índia que o poeta iniciou a
escrita do primeiro Canto d’Os Lusíadas. Mais tarde, em Macau, terá composto
mais seis Cantos. Conta-se que durante uma viagem para Goa, o barco em que
Camões seguia naufragou e o poeta salvou o seu poema épico, nadando apenas
com um braço e erguendo o outro fora da água. Pensa-se que foi em
Moçambique que terminou a epopeia, que veio a ser publicada pela primeira vez
em 1572 com o apoio do rei D. Sebastião. Esta obra é, hoje, mundialmente
conhecida e Camões tornou-se o escritor português mais célebre. Apesar da sua
grandiosidade, Camões viveu sempre com muitas dificuldades e desilusões. A
sociedade corrompida e decadente em que se inseria nunca o reconheceu. As
pessoas do seu tempo não souberam valorizar nem a obra nem o poeta. Após
vários anos amargurados pela doença e pela miséria, o poeta morreu em 1580, no
dia 10 de Junho.
Camões escreveu Os Lusíadas sob a forma de narrativa épica ou epopeia, forma
muito utilizada na Antiguidade Clássica e que Camões conhecia bem.
Definição de epopeia Uma epopeia, forma literária da Antiguidade Clássica,
define-se como uma narrativa, estruturada em verso, que narra, através de uma
linguagem cuidada, os feitos grandiosos, de um herói, com interesse para toda a
Humanidade.
Estrutura da Obra
Divisão em partes:
1. Proposição
2. Invocação
3. Dedicatória
4. Narração
A narração inclui:
Intervenções do maravilhoso
Episódios (narrativas menores)
Narrações retrospectivas, retrocesso no tempo em relação à acção central, isto é,
1498, ano em que se efectuou a primeira viagem de Vasco da Gama para a Índia:
1. De Vasco da Gama ao rei de Melinde, contando a história de Portugal desde a
sua fundação lendária - cantos III e IV
2. De Vasco da Gama ao rei de Melinde, contando a viagem de Lisboa a
Moçambique, já que no canto I a narração começa in medias res - canto V
3. Profecias, avanços no tempo em relação à acção central:
Profecia de Júpiter a Vénus - canto II;
Profecia dos rios Indo e Ganges a D. Manuel - canto IV;
Profecias do Gigante Adamastor a Vasco da Gama - canto V;
Profecias de Tétis a Vasco da Gama durante o banquete - canto X;
Profecias de Tétis no monte, frente à bola de cristal - canto X,
Matéria Épica
O Poeta soube adaptar sabiamente a matéria épica à realidade portuguesa,
respeitando o cânone do género: grandeza do assunto e da personagem principal
(herói da epopeia), unidade de acção, concentrada no tempo e no espaço.
Forma
Em termos formais, o Poema está escrito em estilo "sublime", elevado, adequado
à temática abordada e seguindo estritamente as regras clássicas para a elaboração
de uma epopeia. O Poema está dividido em 10 cantos, totalizando 1102 estâncias,
sendo cada uma constituída por oito versos.
Planos narrativos
1. Plano da viagem
2. Plano dos Deuses
3. Plano da História de Portugal
4. Plano do Poeta
5. A descoberta de caminho marítimo para a Índia
6. A viagem de Vasco da Gama
Legenda:
© = Amor
& = História
% = Aviso de perigo
h = Viagem
O = Perigo
V = Religião
? = Opinião do Poeta
J = Cómico
Canto I
· 1-3 Proposição: o Poeta expõe o tema do seu poema.
· 4-5 Invocação: O Poeta pede inspiração às ninfas do Tejo, Tágides, para
escrever a sua obra.
· 6-18 O Poeta dedica o seu poema ao rei: D. Sebastião.
· 19 h Início da narração: a armada de Vasco da Gama está no Oceano Índico.
· 20-42 % Consílio dos deuses para decidir o futuro dos Portugueses.
· 43-104 h A viagem prossegue com alguns problemas e intervenções dos deuses
e finalmente chegam a Mombaça.
· 105-106 ? O Poeta reflecte sobre a fragilidade do homem.
Canto II
· 1-10 A armada está em Mombaça.
· 11-63 Intervenções de Baco, Vénus, Júpiter e Mercúrio.
· 64-108 h Chegada a Melinde: o rei pede a Vasco da Gama que lhe conte onde
fica Portugal, como foi a viagem e a História de Portugal.
Canto III
· 1-2 O Poeta invoca a musa Calíope para, através de Vasco da Gama, iniciar a
narração da história de Portugal.
· 3-143 Discurso de Vasco da Gama que responde às perguntas do rei de
Melinde. Assim, começa por dar a localização de Portugal; em seguida fala da
dinastia de Borgonha: de D. Afonso Henriques a D. Fernando. Neste discurso são
referidos vários episódios:
· 42-54 V Batalha de Ourique.
· 101-106 © Formosíssima Maria.
· 107-117 & Batalha do Salado.
· 118-135 © Inês de Castro.
Canto IV
· 1-75 Continua o discurso de Vasco da Gama ao rei de Melinde: história da
dinastia de Avis (de D. João I a D. Manuel), inclui dois episódios:
· 28-44 & Batalha de Aljubarrota.
· 67-75 % Sonho de D. Manuel
· 76-104 Os preparativos para a viagem e as despedidas em Belém, inclui um
episódio:
· 94-104 % Velho do Restelo
Canto V
· 1-89 h Vasco da Gama conta ao Rei de Melinde como foi a viagem de Lisboa
até ali, que inclui os seguintes episódios:
· 18 O Fogo de Santelmo
· 19-23 O Tromba Marítima
· 30-36 J Fernão Veloso
· 37-60 O Gigante Adamastor
· 81-83 O Escorbuto
· 90-100 ? O poeta lamenta-se do desprezo pelas artes e letras.
Canto VI
· 1-91 h A armada sai de Melinde, inicia-se aqui a última etapa da viagem rumo à
Índia, no decorrer da qual são inseridos os seguintes episódios:
· 16-37 % Consílio dos deuses marinhos.
· 43-69 O Os doze de Inglaterra.
· 70-91 O Tempestade
· 92-94 h Chegada à Índia.
Canto VII
· 1-77 Na Índia: contactos; Vasco da Gama visita o Samorim e o Catual visita as
naus.
· 78-87 ? O Poeta invoca as ninfas do Tejo e do Mondego e comenta quem (não)
merece ser incluído no seu poema.
Canto VIII
· 1-46 Na Índia: Paulo da Gama recebe o Catual a bordo da sua nau e, através da
descrição das bandeiras, refere alguns ilustres portugueses. Em seguida o Catual
regressa a terra
· 47-95 Intervenção de Baco e alguns incidentes, mas finalmente Vasco da Gama
consegue regressar à nau.
· 96-99 ? Reflexões do Poeta sobre o poder do ouro.
Canto IX
· 1-17 h Inicia-se aqui a viagem de regresso a Portugal.
· 18-91 h A armada avista uma ilha e resolve aportar; trata-se afinal da ilha que
Vénus preparou para homenagear os Portugueses: um paraíso povoado de ninfas;
inclui episódio:
· 52-91 © Ilha dos Amores
· 92-95 ? Considerações do Poeta: como atingir a glória.
Canto X
· 1-142 Na Ilha de Vénus ou dos Amores: decorre um banquete. Tétis explica a
máquina do mundo e faz profecias sobre o futuro dos Portugueses na Ásia, África
e América. O próprio naufrágio de Camões é referido. Inclui os seguintes
episódios:
· 1-7 © Ilha dos Amores (continuação)
· 10-42 © Ilha dos Amores (continuação)
· 108-118 V Episódio de S. Tomé.
· 143-144 h Embarque e regresso a Portugal.
· 145-156 ? Considerações do Poeta: lamenta a decadência do seu país; apela ao
rei, D. Sebastião, para que governe bem.
Figuras de estilo
Alegoria
Metáfora desenvolvida de modo a sugerir, por alusão, uma ideia diferente;
geralmente, o autor pretende apresentar uma verdade moral ou espiritual
subjacente à acção.
N’Os Lusíadas
A alegoria da ilha dos Amores
(Ilha = recompensa, paraíso)
C. IX, 52-91
C. X, 1-7; 10-142
Aliteração
Repetição de um som ou sílaba no início, no meio ou no fim das palavras;
utilizada para criar um efeito auditivo de harmonia ou de onomatopeia.
N’Os Lusíadas
Que um fraco rei faz fraca a forte gente
C. III, 138.8
Alusão
Referência breve a uma pessoa ou circunstância supostamente conhecida do
leitor, de modo a alargar o saber para além do próprio texto.
N’Os Lusíadas
D’água do esquecimento
C.I, 32.7
= Rio Letes que, segundo a lenda, se situava no Inferno pagão, cujas águas
tiravam a memória aos que dela bebessem.
Anáfora
Repetição de uma ou mais palavras no início de dois ou mais versos.
N’Os Lusíadas
Dai-me agora um som alto e sublimado,
................................................................
Dai-me ua fúria grande e sonorosa,
................................................................
Dai-me igual canto aos feitos da famosa
C.I, 4.5, 5.1, 5
Anástrofe
Processo que consiste na inversão da ordem habitual das palavras, de forma a pôr
em relevo elementos da frase. Neste caso, a inversão é menos violenta do que
no Hipérbato.
Que sejam, determino, agasalhados (Os Lusíadas, I, 29, v. 5
Antítese
Expressão de ideias opostas numa só frase; tese significa afirmação, anti- contra.
N’Os Lusíadas
A pequena grandura de um batel
C. VI, 74.6
Antonomásia
Identificação de alguém através de um epíteto ou de qualquer outro termo que
não seja o seu nome próprio.
N’Os Lusíadas
Cessem do sábio Grego e do Troiano
C. I, 3.1
(Sábio Grego: Ulisses; Troiano: Eneias)
Apóstrofe
Interpelação de uma pessoa, entidade ou coisa personificada, no meio de uma
narração, por exemplo, a invocação às Musas na poesia. Pode ser utilizado para
chamar a atenção do leitor, mudando de assunto.
N’Os Lusíadas
"Tu só, tu, puro Amor, com força crua,
III, 119.1
Assíndeto
Sequência de palavras ou frases às quais se omitiu a conjunção e, substituída por
vírgula, condensando várias ideias numa só frase, possibilitando, por vezes,
diversas interpretações.
N’Os Lusíadas
Fere, mata, derriba, denodado;
C.III, 67.3
Assonância
Repetição dos mesmos sons vocálicos em palavras muito próximas.
N’Os Lusíadas
As armas e os barões assinalados
C.I, 1.1
Comparação
Método de aproximação de duas pessoas, ideias ou circunstâncias de modo a
evidenciar as suas semelhanças ou diferenças. Distingue-se da metáfora pela
utilização de alguns nexos inter-frásicos: como, tal como, assim como.
N’Os Lusíadas
Assi como a bonina, que cortada
C.III, 134
Qual o reflexo lume do polido
Espelho de aço ou de cristal fermoso
C.VIII, 87.1-2
Elipse
Supressão de palavras que facilmente se adivinham, tendo em consideração o
contexto.
N’Os Lusíadas
Agora, pelos povos seus vizinhos,
Agora, pelos húmidos caminhos.
C. II, 108.7-8
(Agora, pergunta pelos povos seus vizinhos)
Eufemismo
Suavização de uma ideia desagradável ou cruel através de palavras ou expressões
seleccionadas. Pode confundir--se com a perífrase.
N’Os Lusíadas
Tirar Inês ao Mundo determina
C. III, 123.1
(=matar Inês)
Hipérbato (cf. Anástrofe)
Inversão violenta dos elementos da frase, alterando a ordem sintáctica normal.
Utiliza-se para enfatizar o discurso ou para imitar a estrutura sintáctica do latim.
Os versos de Os Lusíadas são formados por uma série de hipérbatos.
N’Os Lusíadas
A Deus pedi que removesse os duros
Casos, que Adamastor contou futuros.
C. V.60.7-8
Hipérbole
Expressões que exageram intencionalmente o pensamento. Utiliza-se para
enfatizar o discurso. É um dos recursos estilísticos mais utilizados n’Os Lusíadas.
N’Os Lusíadas
Agora sobre as nuvens os subiam
As ondas de Neptuno furibundo;
Agora a ver parece que desciam
As íntimas entranhas do Profundo.
C.VI, 76.1-4
Imagem
Impressão mental ou representação de um animal, pessoa ou coisa que permite
criar imagens nítidas, através de uma linguagem metafórica.
N’Os Lusíadas
O mar se via em fogos acendido
C.II, 91.6
Ironia
Recurso, que segundo Aristóteles é um disfarce que conduz à essência da
verdade, pois as palavras adquirem um significado diferente daquele em que são
empregues.
N’Os Lusíadas
Vede, Ninfas, que engenhos de senhores
O vosso Tejo cria valerosos,
Que assim sabem prezar, com tais favores,
A quem os faz, cantando, gloriosos!
C.VII, 82.1-4
(Camões ironiza a incompreensão dos seus compatriotas)
Metáfora
Comparação abreviada, implícita, sem a partícula comparativa como, que permite
identificar uma coisa com outra através de um processo imaginativo.
Tomai as rédeas Vós do Reino vosso
(Tomai as rédeas = governai)
C. I, 15.3
Metonímia
Substituição do nome dum objecto ou duma ideia por outro relacionado com ele.
Assim, dizer a coroa ou o ceptro em vez de o soberano; a cruz e a espada em vez
de a religião e o exército; os copos em vez de as bebidas alcoólicas são exemplos
de metonímia.
N’Os Lusíadas
De Portugal, armar madeiro leve
(madeiro = nau, feita de madeira)
C. VI, 52.3
Onomatopeia
Palavras cujo som evoca um determinado objecto ou ideia, muitas vezes, são
sons da natureza. Trata-se, portanto, da utilização de palavras imitativas para
alcançar um efeito estilístico. Pode coincidir com a aliteração.
N’Os Lusíadas
Bramindo, o negro mar de longe brada
C. V, 38.3
Perífrase
Consiste em dizer em muitas palavras, o que poderia ser dito apenas numa.
N’Os Lusíadas
Mas assim como os raios espalhados
Do Sol foram no mundo, e num momento
Apareceu no rúbido Horizonte
Na moça de Titão a roxa fronte,
C. II, 13.5-8
(= Aurora, deusa; aurora, nascer do dia)
Personificação / Prosopopeia
Atribuição de características humanas a abstracções, animais, ideias ou objectos
inanimados.
N’Os Lusíadas
A figura do Gigante Adamastor, personificação de um cabo, que aparece a falar.
... e Guadiana
Atrás tornou as ondas de medroso
C. IV, 28.3-4
Pleonasmo
Repetição desnecessária da mesma ideia utilizando muitas palavras.
N’Os Lusíadas
Vi, claramente visto, o lume vivo
C. V, 18.1
Sinédoque
Consiste em se tomar a parte pelo todo ou o todo pela parte.
É uma espécie de metáfora, por exemplo, dizer velas por navios ou cabeças por
animais; na expressão o pão nosso de cada dia, pão significa não apenas
alimento, mas todo o sustento duma maneira geral. Esta figura de estilo tem
ainda algumas semelhanças com a perífrase e a metonímia.
N’Os Lusíadas
Vós, ó novo temor da Maura lança,
(canto I,6.5),
(= poderio militar dos mouros)
Sinestesia
Associação de sensações recebidas por vários sentidos, por exemplo, uma nota
azul (ouvido, vista) ou um verde frio (vista, tacto). são expressões sinestésicas.
N’Os Lusíadas
As areias ali de prata fina;
C. VI, 9.2
(vista: prateado; tacto: textura fina)
Estrutura externa
Os Lusíadas estão divididos em dez cantos, cada um deles com um número
variável de estrofes, que, no total, somam 1102. Essas estrofes são todas oitavas
de decassílabos heróicos, obedecendo ao esquema rimático "abababcc" (rimas
cruzadas, nos seis primeiros versos, e emparelhada, nos dois últimos).
Estrutura interna
Camões respeitou com bastante fidelidade a estrutura clássica da epopeia. N' Os
Lusíadas são claramente identificáveis quatro partes:
Proposição - O poeta começa por declarar aquilo que se propõe fazer, indicando
de forma sucinta o assunto da sua narrativa; propõe-se, afinal, tornar conhecidos
os navegadores que tornaram possível o império português no oriente, os reis que
promoveram a expansão da fé e do império, bem como todos aqueles que se
tornam dignos de admiração pelos seus feitos.
Invocação - O poeta dirige-se às Tágides (ninfas do Tejo), para lhes pedir o estilo
e eloquência necessários à execução da sua obra; um assunto tão grandioso exigia
um estilo elevado, uma eloquência superior; daí a necessidade de solicitar o
auxílio das entidades protectoras dos artistas.
Estrutura da narração
A narração d' Os Lusíadas tem uma estrutura muito complexa, o que decorre dos
objectivos que o poeta se propôs. Desenvolve-se em quatro planos diferentes,
mas estreitamente articulados entre si.
1) Como vimos, a simples narrativa da viagem seria algo monótona, tanto mais
que Vasco da Gama e os seus marinheiros têm um carácter rígido, quase
inumano: são determinados e inflexíveis, imunes às hesitações, à dúvida, às
angústias. Não há ao nível da viagem qualquer conflito. Para introduzir o
necessário dramatismo na narrativa, Camões teve que imaginar um conflito
externo, o conflito entre Vénus e Baco.
Análise da Proposição
O facto de o seu herói ser colectivo e a sua acção se estender por um intervalo de
tempo muito vasto permite-lhe desdobrá-lo em subgrupos, conforme
verificaremos a seguir. O plural utilizado para designar cada um deles confirma o
carácter colectivo do herói: "barões assinalados", "Reis", "aqueles".
Através da poesia,
se tiver talento para isso,
tornarei conhecidos em todo o mundo
os homens ilustres
que fundaram o império português do Oriente
todos os portugueses
dignos de admiração pelos seus feitos.
Pelo esquema, vemos que Camões apresenta três grupos de agentes ("agentes" e
não heróis, porque herói é " o peito ilustre lusitano ").
O primeiro é constituído pelos " barões assinalados ", responsáveis pela criação
do império português na Ásia. É evidente que o poeta destaca principalmente a
actividade marítima, a gesta dos descobrimentos (" Por mares nunca dantes
navegados,/ Passaram ainda além da Taprobana ").
No entanto, este terceiro aparece como um grupo aberto: nele se incluem não
apenas heróis passados, mas todos aqueles que se venham a evidenciar no futuro.
Note-se que, para os dois primeiros grupos, o poeta utiliza o pretérito perfeito,
enquanto aqui recorre ao presente perifrástico - "vão libertando" .
A proposição não é uma simples indicação dos seus heróis, mas obedece já a uma
estratégia de engrandecimento dos portugueses. A expressão "por mares nunca
dantes navegados" evidencia o carácter inédito das navegações portuguesas;
observe-se o destaque dado à palavra "nunca". A exaltação continua com a
referência ao esforço desenvolvido, considerado sobre-humano (" esforçados /
Mais do que prometia a força humana ").
Análise da Invocação
E vós, Tágides minhas, pois criado
Tendes em mi um novo engenho ardente,
Se sempre, em verso humilde, celebrado
Foi de mi vosso rio alegremente,
Dai-me agora um som alto e sublimado,
Um estilo grandíloco e corrente,
Por que de vossas águas Febo ordene
Que não tenham enveja às de Hipocrene .
POESIA LÍRICA
verso humilde
agreste avena
frauta ruda
POESIA ÉPICA
novo engenho ardente
som alto e sublimado
estilo grandíloco e corrente
fúria grande e sonorosa
tuba canora e belicosa
E ao referir-se à " tuba canora e belicosa ", acrescenta: " que o peito acende e a
cor ao gesto muda ". Com esse verso pretende transmitir a ideia de que o estilo
épico exerce sobre o leitor um intenso efeito emotivo, semelhante à exaltação
sentida pelos próprios heróis que vai cantar. Note-se o recurso à metáfora "o
peito acende", que sugere uma espécie de fogo interior avassalador, reforçada
pela inversão (colocação do complemento directo antes do verbo).
O "Velho do Restelo"
Mas um velho, de aspeito venerando,
Que ficava nas praias, entre a gente,
Postos em nós os olhos, meneando
Três vezes a cabeça, descontente,
A voz pesada um pouco alevantando,
Que nós no mar ouvimos claramente,
Cum saber só de experiências feito,
Tais palavras tirou do experto peito:
Este episódio insere-se na narrativa feita por Vasco da Gama ao rei de Melinde.
No momento em que a armada do Gama está prestes a largar de Lisboa para a
grande viagem, uma figura destaca-se da multidão e levanta a voz, para condenar
a expedição.
Por um lado, representa aquela corrente de opinião que via com desagrado o
envolvimento de Portugal nos Descobrimentos, considerando que a tentativa de
criação de um império colonial no Oriente era demasiado custosa e de resultados
duvidosos. Preferiam que a expansão do país se fizesse pela ampliação das
conquistas militares no Norte de África.
Essa ideia era, sobretudo, defendida pela nobreza, que assim encontravam
possibilidades de mostrarem o seu valor no combate com os mouros e, ao mesmo
tempo, encontravam nele justificação para as benesses que a Coroa lhes
concedia. A burguesia, por seu lado, inclinava-se mais para a expansão marítima,
vendo aí maiores oportunidades de comércio frutuoso.
Por outro lado, se ignorarmos o contexto histórico em que o episódio é situado,
podemos ver na figura do Velho o símbolo daqueles que, em nome do bom
senso, recusam as aventuras incertas, defendendo que é preferível a tranquilidade
duma vida mediana à promessa de riquezas que, geralmente, se traduzem em
desgraças. Encontramos aqui um eco de uma ideia cara aos humanistas: a
nostalgia da idade de ouro, tempo de paz e tranquilidade, de que o homem se viu
afastado e a que pode voltar, reduzindo as suas ambições a uma sábia mediania
("aurea mediocritas", na expressão dos latinos), já que foi a desmedida ambição
que lançou o ser humano na idade de ferro, em que agora vive (cf. est. 98). Neste
sentido o episódio pode ser entendido como a manifestação do espírito
humanista, favorável à paz e tranquilidade, contrário ao espírito guerreiro da
Idade Média.
Assim, o episódio do "Velho do Restelo" está de certo modo em contradição com
aquilo mesmo que Os Lusíadas , no seu conjunto, procuram exaltar - o esforço
guerreiro e expansionista dos portugueses. Essa contradição é real e traduz, de
forma talvez inconsciente, as contradições da sociedade portuguesa da época e do
próprio poeta. De facto, Camões soube interpretar, melhor que ninguém, o
sentimento de orgulho nacional resultante da consciência de que durante algum
tempo Portugal foi capaz de se destacar das demais nações europeias. Mas
Camões era também um homem de sólida formação cultural, atento aos valores
estéticos do classicismo literário e imbuído de ideais humanistas. Se, ao cantar os
feitos dos portugueses, ele dá voz a esse orgulho nacional, que sentia também
como seu, na fala do "Velho do Restelo" e em outras intervenções disseminadas
ao longo do poema, exprime as suas ideias de humanista.