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INTRODUÇÃO
Com esse estudo pretendemos discutir a importância do Programa Mais Educação para
a aquisição de capital cultural pelas crianças de duas escolas do pequeno município de
Sobradinho, localizado no Norte da Bahia. Desse modo, pretendemos questionar se
efetivamente o programa, que prevê a realização de uma gama de atividades culturais alarga a
percepção dos educandos para a realidade.
Não por acaso, uma das propostas do Mais Educação visa atrair pessoas da
comunidade dotadas com um conhecimento específico para ministrar atividades. Por sua vez,
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Criado pela portaria interministerial nº 17/2007, sendo regulamentado pelo decreto 7.083/10, sua criação está
relacionada com a construção de medidas governamentais que visam ampliar a jornada escolar. Nesse sentido, o
programa possui enquanto principal prerrogativa, lançar as bases para o fomento de uma educação em tempo
integral, nas redes estaduais e municipais do ensino básico. Para cumprir tal meta o Mais Educação definiu eixos
de atuação ou macrocampos, que compreendem áreas como cultura e arte, cultura digital; promoção da saúde;
comunicação e uso de mídias, investigação no campo das ciências da natureza e educação econômica, além do
acompanhamento pedagógico ou letramento, única atividade constante e obrigatória dentre as previstas pelos
macrocampos. Assim, a partir dos eixos, cada escola deve definir seis atividades, que devem ser substituídas
anualmente. Coordenado pela Secretaria de educação básica (SEB/MEC), em conjunto com as secretarias de
educação dos estados e municípios, o Mais educação recebe recursos do Programa Dinheiro Direto na Escola
(PDDE), do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação. Sua estrutura de gestão prevê a formação de
comitês regionais ou metropolitanos, formados pelos representantes das secretarias, gestores escolares e
universidades, comitês locais, compostos pelos coordenadores, professores e monitores do programa, além de
representantes da comunidade (ANDRADE NETO; ALMEIDA; OLIVEIRA, 2014: 501).
os resultados obtidos a partir da realização dessas atividades deveram orientar a construção
dos princípios basilares de uma escola em tempo integral, definida nos seguintes termos:
Para os engenheiros, profissionais com maior qualificação técnica foi construída a Vila
Santana. A única que deveria permanecer após a construção da barragem para obrigar os
técnicos responsáveis pela operacionalização da Usina. Essa Vila destaca-se das demais,
essencialmente, pelas excelentes moradias que a constitui. Para os técnicos menos
qualificados foi construída a Vila São Francisco, caracterizada por suas casas pré-moldadas,
que deveriam ser desmontadas com o termino das obras. Por último, a Vila São Joaquim
ocupada pelos trabalhadores menos qualificados: pedreiros, armadores, carpinteiros e
ajudantes.
Com o passar dos anos, a Vila São Joaquim, por ser a mais populosa tornou-se a
centro comercial de Sobradinho. Além disso, com a emancipação recebeu uma série de
instituições: prefeitura, bancos, delegacia etc. Mas, apesar de ser considerada a principal vila
da cidade, nela estão também os principais problemas sociais, pois nessa vila mora grande
parte da população mais carente da cidade.
Não por acaso, as quatro escolas que a princípio foram contempladas pelo Mais
Educação estão localizadas na Vila São Joaquim. São elas: a Escola Maria José de Lima
Silvera, a Escola Prefeito Geraldo Silva, a escola Vinte Quatro de Fevereiro e o Centro
Educacional Luiz Eduardo Magalhães.
De acordo com Bourdieu (1996: 20) os agentes sociais são socializados em “conjunto
de posições distintas” nos espaços sociais. Durante esse processo de socialização, que se dará
por meio de constrangimentos sucessivos, os agentes incorporam de modo inconsciente tanto
na sua dimensão corporal, quanto psíquica um conjunto de estruturas, que se manifestam nas
suas disposições para o agir. Essas disposições que dependem do meio no qual os indivíduos
são socializados são os habitus.
Segundo Bourdieu (2008) esses desníveis serão aprofundados pela escola, pois ela
valorizará, essencialmente, aqueles que reconhecem os códigos culturais mobilizados para
interpretar as linguagens das artes e ciências. Códigos que serão compreendidos apenas por
estudantes consideradas naturalmente inteligentes. Aqueles que se mostrarem incapazes de
compreender tais códigos serão considerados inaptos para a vida intelectual, sofrendo
violência simbólica. Com o passar do tempo eles também se perceberão enquanto
naturalmente incapazes.
É um projeto interessante! Mas ele acaba sendo prejudicado pelos vícios políticos.
Esse programa veio para que o menino tivesse no contraturno uma atividade extra,
que essa atividade pudesse auxiliar em seu desenvolvimento. Mas acaba que os
estudantes do mais educação são escolhidos para cobrir uma vaga de emprego. Não
é feita uma seleção mais adequada para saber se a pessoa tem capacidade de
executar aquela tarefa. Então falta gerenciamento do que é feito, pois as crianças
abusam, acabam deixando o programa. A escolha dos monitores é fundamental. É
um programa muito bom, mas é aplicado vergonhosamente (Professora M. R. C. S.
Sobradinho, 23/02/2019).
Como vimos as opiniões acerca da efetividade das atividades desenvolvidas pelo Mais
Educação não são Uníssonas. Isso porque, o sucesso do programa dependerá da convergência
de um conjunto heterodoxo de variáveis como relataram as professoras. Enquanto na escola
da primeira, as atividades não tiveram o êxito esperado, essencialmente, pela cooptação
política do programa que serviu de “cabide” de empregos. A segunda considerou importante o
conjunto de atividades que são realizadas em sua escola para ampliar o capital cultural dos
estudantes.
Nesse caso, a docente apontou que esses alunos não teriam acesso as várias oficinas
desenvolvidas pelo programa fora do âmbito escolar. Além disso, a ampliação da jornada
escola diminui os impactos de um cotidiano violento em crianças que vivem em situação de
risco social. Contudo o caráter diversos das opiniões sobre as contribuições do programa
também foram percebidos nos relados dos monitores. Vejamos trechos das entrevistas deles:
Olha, em nosso cenário nos lidamos com crianças que vivem na extrema pobreza.
Muitas a principio só freqüentavam as atividades do programa pela comida que era
oferecida no lanche. Então, tinha muito desinteresse, as crianças que mais se
interessavam não eram de famílias tão pobres. Mas notei que no final de um ciclo de
atividades voltadas para música nenhuma criança saiu da maneira como entrou.
Notamos que os horizontes foram abertos para as questões culturais. Tinha alunos
que não conheciam as músicas trabalhadas, não tinham acesso a instrumentos
musicais, mas passaram a gostar de música nas oficinas de flauta (Monitor do
Programa Mais Educação, G. W. A. S. Sobradinho, 25/02/2019).
O relato do primeiro monitor nos chama a atenção para a importância da arte enquanto
elemento diverso em um espaço escolar marcado pela prevalência de um conjunto de rotinas
monótonas, previamente estabelecidas. Contudo, o segundo descreveu as dificuldades de litar
com o desinteresse de crianças famintas que a princípio freqüentava as oficinas do programa
pelo lanche oferecido aos participantes, após as oficinas. Em todo caso, para eles as atividades
proporcionam novas experiências para crianças que dificilmente teriam acesso as expressões
artísticas trabalhadas fora do espaço escolar.
Na verdade nos dialogamos bastante nos planejamentos ne? Nos trocamos muitas
informações sobre os alunos, quais as dificuldades de cada um. Nesse ponto os
professores colaboraram bastante, aqueles que tinham mais dificuldades nos
procuramos dar um tratamento diferenciado (Monitor do Programa Mais Educação,
W. S. S. Sobradinho, 20/02/2019).
Eu não tive dificuldade com professores, não vou mentir! Na verdade eles
colaboraram bastante comigo ne? Chegamos a desenvolver muitas atividades juntos,
como apresentações artísticas em datas comemorativas. Com os professores não tive
nenhuma dificuldade (Monitor do Programa Mais Educação, G. W. A. S.
Sobradinho, 25/02/2019).
Existem dificuldades. As escolas nem sempre dispõem de tudo que precisamos para
realizar as atividades. Em algumas escolas não tinha o material, mas eles
conseguiram, quando não tinha jeito acabei levando meu material. Mas não
deixamos de realizar o projeto (Monitor do Programa Mais Educação, W. S. S.
Sobradinho, 20/02/2019).
Nos sabemos que o programa dispõe de verba, mas nem sempre a gente tem o
material necessária para os trabalhos. A única coisa que não foi difícil foi às flautas
compradas com o dinheiro do programa. Mas precisei de caixas de som com
microfones sem fio. Não tive esses equipamentos a disposição, tanto que o
encerramento das atividades foi realizada na capela. Então, teve essa dificuldade
(Monitor do Programa Mais Educação, G. W. A. S. Sobradinho, 25/02/2019).
Não queremos lançar dúvidas sobre a importância das iniciativas individuais descritas
no relato acima, mas um programa que pretende lançar as bases que possibilitarão a transição
de uma educação de meio período para a educação integral não pode ser dependente do
voluntarismo dos monitores. Desse modo, a falta dos equipamentos e matéria necessários para
a realização das atividades é preocupante, principalmente porque o Mais Educação recebe
recursos do programa Dinheiro Direto na Escola. Esse aspecto mostra o quanto às políticas
públicas são desvirtuadas quando transposta para a realidade. Aspecto que revela a
necessidade de repensar permanentemente o programa.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com relação à efetividade das atividades realizadas pelo programa nas escolas
percebemos que os relatos não foram uníssonos. Entre os professores entrevistados as
opiniões foram diversas. Porém, apesar dos contrastes discursivos contidos nas falas dos
monitores constatamos que eles conceberam mudanças significativas nas crianças com as
quais trabalharam.
ANDRADE NETO, Guilherme Ernesto de; ALMEIDA, Sara de Barros; OLIVEIRA, Kleyton
Gualter de. O Programa Mais Educação enquanto Política Pública Educacional e seus
Desafios. Anais do VIII Simpósio Nacional Estado e Poder: educação, política e movimentos
sociais – Juazeiro/BA, 2014.
BOURDIEU, Pierre. Razões Praticas: sobre a teoria da ação – Campinas, SP: Papirus, 1996.
LECLERC, Gesuína de Fátima Elias; MOLL, Jaqueline. Programa Mais Educação: avanços
e desafios para uma estratégia indutora da Educação Integral e em tempo integral Educar em
Revista, Curitiba, Brasil, n. 45, p. 91-110, jul./set. 2012. Editora UFPR.
PESSOA, Patrícia dos Santos; KLUMPP, Carolina Ferreira Barros; FERNANDES, Janaína
da Silva Gonçalves; ANDRADE, Márcia Siqueira de. PROGRAMA MAIS EDUCAÇÃO:
revisão de literatura. Psic. Da Ed.,45, 2º sem. De 2017, pp. 87-94. São Paulo.