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Introdução

A intenção desta zine é providenciar um recurso útil a identidade social e política contemporânea enquanto
e raro (ou mesmo inexistente) no contexto português: FTM. Esperamos que compreendam as nossas escolhas
um que sirva de meio de informação e reflexão em e que ninguém se sinta excluíd*; comprometemo-nos
torno de questões trans, das dimensões mais médicas a expandir o nosso trabalho futuro para que abranja o
e pragmáticas dos processos de transição às múltiplas máximo de identidades e experiências.
reflexões e discussões políticas que os discursos de re-
sistência e afirmação trans têm construído nos últimos Os grandes catálogos médicos internacionais desig-
anos. Vivemos numa sociedade profundamente cissex- nam a transsexualidade como uma patologia mental
ista e transfóbica, que nega e reprime o direito de cada e exigem ao sujeito trans passividade em relação a
um* à vivência do seu corpo nos seus próprios termos, uma série de minuciosos protocolos médicos e psic-
de acordo com os seus desejos, afectos, necessidades oterapêuticos, processos esses que impingem uma
e visões. Antes, determina-se que somos homens ou noção de género normativa de forma coerciva. São pou-
mulheres, incontornável e inquestionavelmente, e que quíssimos os centros de atendimento clínico e cirúrgi-
sujeito nenhum poderá interrogar ou transformar o seu co em Portugal. Os bebés intersexo são submetidos a
encaixe num ou noutro – e que, desejando-o, será um cirurgias ditas corretivas que os forçam a habitar um
sujeito doente e transtornado, que só a patologia e a de- ou outro género normativo, sem qualquer preocupação
sordem explicarão. Queremos opor-nos clara e sistem- com o consentimento por parte do corpo que assim se
aticamente a todas essas opressões materiais e simbóli- transforma violentamente. As crianças trans têm pou-
cas, legais e quotidianas, a que vemos submetidos os ca ou nenhuma voz e capacidade de determinação da
nossos corpos. Formulámos este documento para lhes sua identidade e dos tratamentos a que têm direito.
resistirmos e para tornar claro que vivem (e vivem bem) A lei não protege as pessoas trans, não reconhecendo
outros entendimentos do género e da identidade. Urge apropriadamente as discriminações que lhes são espe-
abrir espaços a outros corpos e outros modos de os viv- cíficas. O próprio direito ao nome é posto em causa por
er e é isso mesmo que achamos que a informação e o uma barreira de burocracias impeditivas da autodeter-
pensamento crítico possibilitam. Acreditamos que tra- minação. O acesso ao trabalho é altamente fragilizado,
balho como o que aqui tentamos pode ser determinante sem legislação que combata o profundo preconceito
em esculpir alternativas de vida e de sentido, alternati- das entidades empregadoras... E nisto não fazemos mais
vas que energizem todas as pessoas que se sintam su- do que apontar somente alguns dos pontos da luta que
focadas, silenciadas e suprimidas pela gestão normativa urge fazer pelos direitos trans, de entre as múltiplas e
dos corpos que esta sociedade exerce tão prepotente e tremendas discriminações que observamos. Só podem-
violentamente. os esperar que este nosso pequeno passo ajude no pro-
cesso de construir outro discurso e de possibilitar outra
Compilamos aqui uma série de artigos internacion- consciência da luta que temos pela frente.
ais que traduzimos para português, de modo a tornar
acessíveis discursos que circulam já com maior grau de
consolidação no estrangeiro a tod*s *s que talvez não
saibam navegar os recursos existentes autonomamente
ou que pura e simplesmente não compreendam as suas
línguas de origem (Castelhano e Inglês). Pretendíamos
oferecer uma visão de conjunto, mas nesta primeira NOTA IMPORTANTE
experiência acabámos por dar particular atenção a dois
eixos centrais. Por um lado, este número inaugural da A linguagem desta zine tenta ser inclusiva e não-
zine surge como uma iniciativa das Panteras Rosa e da binária. O que quer isto dizer? Que evitamos mas-
campanha internacional Stop Trans Pathologization, culinizar e/ou feminizar os pronomes e as palavras.
cujo tópico deste ano foi a identidade de género na in- Escolhemos utilizar o * (asterisco) porque sabemos
fância; incluímos por isso na zine uma série de imagens que existem múltiplas identidades e pronomes pelos
produzidas para a campanha, que direta e indiretamente quais preferimos que nos tratem. Desejamos que
refletem sobre esta temática. Por outro lado, esta zine toda a gente sinta que a sua identidade e pronome
partiu da urgência pessoal de um dos organizadores em escolhido são igualmente visíveis e valorizados
encontrar e partilhar recursos especificamente refer- (quer sejam enquanto “ele”, “ela” ou qualquer outra
entes à experiência FTM (“Female-to-Male”); segue-se opção). Acreditamos, ainda, que esta interrogação
que salientamos informação sobre a sexualidade FTM e da linguagem é uma parte importante de uma práti-
ca trans crítica.

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Ficha técnica

Selecção de textos:
Daniel Lourenço
Mi Guerreiro

Tradução:
Daniel lourenço
Sérgio Vitorino

Revisão:
Isidro sousa
Mi Guerreiro

Design e paginação:
Tiago Braga

panterasrosa.blogspot.com

panteraslisboa@gmail.com

panterasporto@gmail.com

// imagem por Ana Faria & texto por Daniel Lourenço.

o bicho-criança tem papá e mamã para lhe explicarem o


mundo. mentira: o bicho-criança tem papá e mamã para
lhe fazerem o mundo, precisamente no que não é explicado,
não é justificado: no que não tem nem lógica, nem argumen-
tação, nem espaço de manobra. e se o bicho-criança é meni-
na, menos espaço de manobra ainda. o bicho-criança grita;
o papá e mamã agrilhoam. que forças temos para protestar,
para proteger esse ser, quer bicho-criança quer bicho-adul-
to, de todas as violentas imposições que vive?

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Perspectivas Trans

O MANIFESTO DO PODER TRANS


por Asher Bauer

Tenho tanto na cabeça. Tenho carregado este fardo de os que sabemos serem os apropriados para nós – são
raiva durante semanas. Provavelmente já o carrego há discutidos e contestados pel*s outros. Outr*s no uni-
meses, ou até há um ano, mas só recentemente con- verso académico. Outr*s na TV. Outr*s nas nossas es-
segui articulá-lo. Só nos últimos dias é que, finalmente, colas, nos nossos locais de trabalho, nas nossas casas.
aceitei a minha raiva e decidi dar-lhe um nome – estou a
chamá-la de “poder trans”. A roupa que usamos foi declarada inapropriada para
nós. As maneiras como falamos e nos movemos foram
Desde que decidi não afastar os meus sentimentos intensamente monitorizadas e denunciadas como ina-
quanto a viver num mundo cis e aceitar a minha raiva ceitáveis.
como válida, dignificando-a com um nome, sinto-me
reenergizado. Estas duas pequenas palavras carregam Depois, talvez nos tenhamos apercebido de que não
possibilidades infinitas. Estou entusiasmado com o que podíamos contar com a ajuda da polícia quando éramos
elas podem significar. atacad*s, raptad*s, violad*s, assaltad*s. Aprendemos
que os media, quando nos virávamos para eles, relata-
A minha raiva, como dizia, não é nova. Apresento-me vam a nossa estória apenas com sensacionalismo pueril
frequentemente como um “transexual zangado”, fazen- e crueldade mesquinha. Aprendemos que seria ainda
do rir as pessoas. E sim, se calhar quero dizê-lo como mais difícil conseguir trabalho e o mesmo aconteceria
piada, pelo menos em parte – mas é uma piada com (e muito) em relação a encontrar casa. Se conseguíamos
dentes. É uma piada pensada para informar as pessoas aguentar até ao fim da universidade, encontrávamos
de que não se safam com merda à minha frente. Só ag- frequentemente os nomes errados nos nossos diplo-
ora me apercebo de que se calhar fui demasiado subtil. mas.

Alguns dos meus textos são para pessoas cis e pretend- Alguns/algumas de nós fomos parad*s pela polícia
em explicar coisas que a maior parte das pessoas trans por “andarmos enquanto trans”, tratad*s como tra-
já compreende. Este é para pessoas trans. As pessoas balhador*s do sexo. Alguns/algumas de nós fomos tra-
cis podem escutar, com a consciência de que parte disto balhador*s do sexo, só para sobreviver. Alguns/algumas
lhes pode voar sobre a cabeça. Tenho algo a dizer, algo de nós fomos pres*s por diversos motivos, e acabámos
que sinto ser importante dizer especificamente à comu- em prisões que não correspondiam ao nosso género.
nidade trans, e não me quero alongar em explicações. Alguns/algumas de nós ficámos doentes e descobrimos
Por isso, eis o que tenho a dizer. que não podemos contar com os serviços de saúde.
Alguns/algumas de nós fomos vítimas de violência na
Olá, pessoas trans. É um mundo fodido, não é? Temos escola e descobrimos que ninguém quer saber. Tod*s
tod*s bastantes problemas. Como pessoas trans, sofre- aprendemos que a comunidade LGBT cisgénero não
mos com a pobreza, a violência, a falta de emprego, a fal- quer ter nada a ver connosco. O T está lá como uma for-
ta de educação, o preconceito, o desprezo e o constante malidade. O T é irrisório.
escrutínio público hostil. Estamos desesperad*s e não
temos para onde nos virar. Foi-nos dito, várias vezes, que não “nascemos” trans-
género. O termo “identidade de género” foi apropria-
Desde cedo, descobrimos que não podíamos contar do pelos condescendentes para significar “ilusão de
com a família e amig*s. Depois, aprendemos que não género” («Bem, não faz mal, podes identificar-te como
podíamos usar uma casa-de-banho pública com con- queiras», disseram, fazendo-nos a vontade). Fomos con-
fiança, sem sofrermos assédio ou coisas piores. Até as stantemente assediad*s quanto aos nossos corpos. As
partes mais básicas de nós – nomes, pronomes e géner- pessoas cis, mesmo aquelas que alegavam com

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preensão, procuravam imparavelmente definir-nos em ra; situações em que podes perder um emprego, uma
função da nossa biologia. casa ou até a tua vida. Reconhecer que estamos em
minoria a maior parte das vezes é outra face do poder
Quando finalmente surgiu legislação que supostamente trans, porque o poder trans passa por nunca minimizar
serviria os nossos interesses, veio com farpas instaladas o que nos está a acontecer a tod*s, o tempo todo. Te-
nela. (...) mos de encontrar formas de construir redes e de nos
organizarmos e darmos apoio uns/umas aos/às outr*s.
Perante tudo isto, é esperado de nós que enfrentemos É difícil quando temos tão poucos recursos, mas pos-
a violência com martírio pacifista, a intolerância com suímos um recurso em abundância: a nossa raiva. Acho
tolerância, a ignorância com esclarecimento. É-nos dito que a raiva pode ser a nossa força, a nossa reserva de
que temos de agradecer pelo avanço que se vai fazendo, emergência, o nosso shot de energia de cinco horas.
que as coisas melhoram e que devíamos estar grat*s a Porém, nunca poderá ajudar-nos se continuarmos a
tod*s cujas intenções em relação a nós não sejam assas- canalizá-la contra nós própri*s em vez de permitir aos/
sinas. Não podemos dar-nos ao luxo de perder a paciên- às noss*s atacantes que a sintam.
cia, pois perderemos a nossa delicada causa se nos
zangarmos. Acima de tudo, não devemos em quaisquer Estou a fazer sentido? Estarei louco? A exagerar? Ou
circunstâncias deixar os nossos ditos aliados, ou mesmo será esta estória a tua estória, e esta verdade a tua ver-
os nossos opressores, de modo algum desconfortáveis. dade também?
O poder trans, para mim, é a atitude que diz «Que se
foda isso». O poder trans é recusarmos dar a outra face “Poder trans” dá nome à raiva que sentes hoje?
e sermos civilizados com quem nos é violentamente
ofensiv*, providenciando educação grátis a pessoas que
não conseguem dar-se ao trabalho de se educarem a si
próprias (ou mesmo de aderirem ao senso-comum e à
etiqueta, mantendo a boca calada quando não sabem
de que raio falam). O poder trans é rejeitar o martírio a
favor da sobrevivência.

O poder trans não é tanto o que pedimos, como a forma


como o exigimos. Não é uma lista limpinha de objec-
tivos, mas o nosso compromisso absoluto com esses
objectivos. É acreditarmos ferozmente na nossa digni-
dade enquanto pessoas trans em todas as situações. É
recusarmos aceitar ser identificad*s com o género er-
rado com a desculpa débil de que “as pessoas cometem
erros” e responder ao ofensor com a verdade ruidosa:
«Pessoas como tu sofreram uma lavagem cerebral.»

O poder trans é recusarmos pedir desculpa pelas nos-


sas emoções, necessidades ou a nossa existência.

Pessoas trans, ouçam! Eu sei que muit*s de vocês já


sabem isto... mas recebemos tão pouca e tão preciosa
validação por esta verdade nas nossas vidas quotidianas
que é fácil começar a pensar.: «Estarei louc*? Estarei a
 
exagerar? Estarei a “armar-me em vítima”?» Vocês não //imagem por Joana Sousa & texto por Daniel
são louc*s e não estão a exagerar – de facto, se forem Lourenço.
como eu, ou como a maioria das pessoas trans que já
observei, cerca de 99% das vezes vocês estão a reagir a
menos – e a melhor maneira de deixarem de se sentirem um, dois, um, dois, um, dois, menino, menina, isto,
vítimas é atacando quando são atacad*s e respondendo aquilo, é, não é, um, dois. ele que faça e seja isto
a qualquer ofensa verbal com um ruidoso «Fode-te!». e ela que faça e seja aquilo e nunca nada mais,
nunca o outro e nunca além. até ao dia em que se
Uma pequena dose de realidade: não interessa o quão esgote, em que a raiva e mágoa da escolha forçada
bom tudo isto soe, eu apercebo-me, claro, que há situ- virem resistência e um fazer diferente e de mais:
ações nas quais a retaliação simplesmente não é segu- hoje eu sou outra coisa qualquer: o gozo é meu.

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A ARCA DOS CORPOS ERRADOS
por Miguel Missé

O discurso de vida das pessoas trans está repleto de sos. Já não se trata apenas de outrem poder pensar que
metáforas relacionadas com a ideia do corpo errado. temos um problema, mas sim de nós própri*s também
E talvez o meu esteja também impregnado dessa ideia. estarmos convencid*s disso mesmo. E por mais que
Após a operação diz-se que se “renasceu”; para explicar consigamos obter o corpo correcto, há algo que nun-
o porquê da mudança de género e/ou sexo diz-se que ca poderemos mudar: a experiência de nos sentirmos
se “nasceu no corpo errado” ou que se “está preso num diferentes e estranh*s em relação ao resto. O facto de
corpo que não é o seu”. Vive-se o corpo como um fatíd- sabermos que um dia não fomos normais. E às vezes,
ico erro de cálculo por parte da natureza, uma injustiça mesmo mudando completamente o corpo, o estigma e
inexplicável que nos levou a nascer num corpo incor- a frustração de termos nascido anormais podem acom-
recto. Segue-se que é também fatídico o encontro a sós panhar-nos para sempre.
com o espelho, com a nudez e, inclusive, com a sexuali-
dade. Como está errado, deve ser mudado. E na espera Acumulam-se as perguntas: está certo que os nossos
da mudança pode-se maltratar, censurar, esconder e corpos estejam errados? É possível viver sem modi-
punir esse corpo até que se atinja o desejado. ficá-los? É possível modificá-los sem aceitar a ideia de
que estão errados?
Quando parece que tudo está perdido e não vale a pena
viver neste sítio, chega Noé, atravessando mares em Na minha opinião, diz-se que os corpos estão errados
que não saibamos banhar-nos e convidando-nos a subir porque não se ajustam ao que se espera deles social-
à sua arca, com a promessa de nos levar a um destino mente. Não se passa nada com eles instrinsecamente;
melhor. A arca está cheia de outras silhuetas, também de facto, todos os órgãos estão sãos e funcionam. Mas
elas ensaios falhados de corpos que não funcionam, que é a forma de viver nesse corpo o que achamos errado. E
estão de alguma forma quebrados e não servem para o olhar d*s outr*s sobre ele, a imensa literatura da qual
este mundo. Quanto mais a arca se aproxima, mais dese- falamos, o olhar do cinema, das estórias, dos passagei-
jamos entrar nela, para embarcarmos na viagem rumo ros do metro: tudo nos relembra que os nossos corpos
a uma nova Ítaca, onde possamos ser outr*s sem que estão errados. Esses olhares provavelmente não de-
ninguém conheça a estória da nossa travessia. Podem- saparecerão durante muito tempo, mas cada vez mais
os subir à arca com uma única condição: reconhecer o surgem outros. Às vezes pergunto-me como seria se, ao
nosso sofrimento e a nossa diferença, saber dizer que pé da arca, encontrássemos livros, cinema, estórias, nos
houve um problema nas maquinarias, que chegámos ao quais os nossos corpos aparecessem rodeados de ideias
mundo inacabados. Noé é generoso e abre-nos a sua positivas. Se as nossas famílias, amig*s, professor*s, en-
arca para nos transportar a algum lugar em que nos de- fermeir*s e vizinh*s nos dissessem que gostam da nossa
volverá um corpo habitável. diferença. Se chegassem pessoas que nos desejam nest-
es mesmos corpos, sem alterar absolutamente nada.
A arca dos corpos errados chegará algures e, mais cedo
ou mais tarde, algumas/alguns poderão descer à terra, Este caleidoscópio de olhares já existe. Muit*s de nós
deixando nela essas carcaças pesadas, para viverem já os conhecemos, e, apesar disso, é-nos muito difícil
por fim num corpo normal. Os corpos errados serão deixar de sonhar com outros corpos e não pensar, na
fotografados e analisados e escrever-se-ão livros para rotina quotidiana, que nos aconteceu algo de injusto.
descrever tais anomalias. Uma imensa literatura para *s No entanto e apesar de tudo, continuo convencido de
que sofrem do mesmo mal, o de nascer no corpo errado. que podemos ressignificá-los, livrá-los deste lastro de
Aparentemente, o problema fica resolvido assim que, serem incorrectos, reconquistá-los. E vai dar ao mesmo
finalmente, conseguimos construir o nosso corpo ver- se no processo foi preciso modificá-los. Não importa o
dadeiro. Mas na verdade há um pequeno detalhe na que contámos a Noé para subir à arca. Importa apenas
história da arca que é importante. Para aceder à arca, há que não tenhamos acabado por acreditar tanto nisso
que reconhecer primeiro que o nosso corpo está errado que acabámos por odiar a nossa própria história.
e realmente acreditar nisso. Para subir, é necessário ter São possíveis outras formas de navegar o mar.
concluído que existem corpos correctos e incorrectos, e
que sofremos a desgraça de nascer num dos defeituo-

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ENCONTRARES-TE A TI PRÓPRI*
por Micah
original em // http://neutrois.me/2013/09/05/finding-yourself

Encontrei o teu blog e identifiquei-me muito com ele e fez-me muito sentido – mais alguém sentia-se como eu! Não estava
sozinh*! Dei o salto e cortei o cabelo muito, muito curto, comprei um binder e roupas de homem. Assumi-me como não-
binári* e simplesmente pedi às pessoas que o aceitassem. Nenhum dos meus amigos sequer piscou os olhos, e sinto que a
sensação de erro que tinha foi corrigida.
Mas ainda tenho este sentido incómodo de que me falta alguma coisa – algo simples. Se toda esta sensação de erro tivesse
sido corrigida, então eu não me sentiria assim. Sinto que se consigo viver como eu própri*, então eu não devia voltar con-
stantemente à questão do meu género, como um cão que insiste em voltar em roer um osso no qual já não resta qualquer
nutrição. Algo me está a escapar. Não sou um rapaz por dentro, não quero viver como homem, mas vivo constantemente as
tensões da minha auto-identidade em relação a ser mulher. Principalmente, eu pergunto-me como certas pessoas conseg-
uem sentir-se tão certas quanto a este tipo de coisa. Sinto-me estranh*, porque não sou de género binário, mas continuo a
sentir que não encaixo em lado nenhum.

A Identidade não é Estática do em alguns aspectos em particular, “homem” faz-me


retorcer-me, “rapariga” faz o meu coração explodir com
Vou começar por citar-me a mim própri*: raiva e as minhas entranhas gritar, e “mulher” é algo
com o qual eu simplesmente não conseguiria viver.
As pessoas estão em fluxo constante. Nós envelhecemos,
crescemos, compramos roupas, mudamos de emprego, A coisa mais clara para mim – o meu farol, a luz que me
mudamos de casa, fazemos famílias – nunca sabemos real- conduz – tem sido sempre o meu desconforto. Eu não
mente o que vem aí. sou nem nunca claramente me senti como do género
feminino.
Tod*s temos muitas identidades – sendo o género ap-
enas uma delas – que estão em constante desenvolvi- Provavelmente também não sou do género masculino,
mento. apesar de me considerar trans-masculin*. Talvez eu fos-
se um rapaz outrora mas tenha entretanto perdido o
Nem toda a gente está certa da sua identidade, nem rumo. Talvez eu tenha crescido e ultrapassado isso Ou
agora nem nunca – mesmo aquel*s com identidades de talvez eu cresça para me tornar num mais tarde. Mas
género binárias. Frequentemente, trata-se mais de uma tudo isso é secundário.
questão de desaprender todas as coisas que cresceste
a acreditar toda a tua vida e construir algo de novo e Por isso segui o que soube ser verdade, e deixei que o
assustador e desconhecido. resto se fosse resolvendo. O meu único objectivo ao
começar foi uma mastectomia. Depois disso, o género
O meu género tem mudado de alguma forma – pelo continuou a voltar para me roer a cabeça. Lentamente
menos na forma como eu o expresso no mundo. Por desempacotei e deconstruí tudo, tentando perceber
vezes, sinto que não encaixo em lado nenhum; o com- o que me deixa mais confortável. Enfio um dedo na
boio do “mas que raio estou a fazer?” ainda me atro- água até estar satisfeit* com a temperatura antes de
pela. Nenhumas das minhas decisões aconteceram do prosseguir. Até agora, esta provou ser uma estratégia
dia para a noite, ou simplesmente porque sim. Levou bem-sucedida.
muita instrospecção e análise de prós- e contras- para
percorrer mentalmente cada situação e “e se?” até que Ainda luto com definir qual será o próximo passo cor-
as minhas opções estavam completamente esgostadas. recto a dar. Já passaram mais de 3 anos, e sei agora que
Mesmo aí, não tive sempre a certeza, mas simples- nunca acabarei o processo. Mas gradualmente aban-
mente continuei por causa de uma vaga noção de que donei o desconforto e passei a conhecer o conforto na
seria pior não o fazer. Eventualmente, soube-me mel- minha própria pele.
hor tê-lo feito.
É um processo lento, mas vais olhar para trás de aqui
Encontrar o Encaixe Certo, a alguns meses ou anos e perceber o quão longe che-
Encontrares-te a Ti Própri* gaste. Simplesmente continua a empurrar-te em frente
e eventualmente vais ver a resposta, acompanhada de
“Rapaz” é complicado porque não me incomoda tiran- muitas mais novas questões.

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// imagem por Ana Farias & texto por Daniel Lourenço.

  nasce-se e o primeiro momento de se ser feito sujeito, de


começar a construção da pessoa através da sua diferen-
ciação, é o da inscrição de uma de duas categorias: é rapaz,
é rapariga. a palavra faz tudo: marca esse sujeito incontor-
navelmente, arranca o fazer-pessoa num “ele”, num “ela”. o
discurso reveste o corpo de uma fala da diferença, mas é
uma diferença de fala estrita e espectro curto: ou um ou o
outro e nunca mais além. que outra fala de fazer o corpo
imaginamos nós?

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ONDE FORAM PARAR AS BUTCHES TODAS?
por Roey Thorpe
original em http://www.shewired.com/lifestyle/2013/09/05/op-ed-where-have-all-butches-gone?page=full

Na companhia de lésbicas da minha geração e de out- verem problemas com isso, é o seu sexismo ou homo-
ras mais velhas, ouço frequentemente conversas sobre fobia a vir à tona.
como as coisas mudaram desde que éramos novas. E,
invariavelmente, alguém pergunta: «Onde foram parar Mas esta não é a experiência de toda a gente, nem nun-
as mulheres butch?» ca foi. Mulheres butch podem parecer similares exter-
namente, mas não são todas iguais por dentro.
A pergunta é motivada em parte pela nostalgia e em
parte pelo desconforto com o que parece ser uma trans- Em meados dos anos 90, quando fazia uma pós-gradu-
formação no modo como as jovens lésbicas pensam o ação, escrevi sobre a história lésbica de Detroit. Entre-
género. E a primeira pergunta leva muitas vezes a out- vistei 48 mulheres, maioritariamente entre sessenta
ras questões: Porque estão (todas) as mulheres butch a e setenta anos, que tinham vivido como lésbicas entre
tornarem-se homens? Porque não compreendem que o 1930 e 1970. Dessas 48 mulheres, quatro – quase 10%
género é uma construção social e que as mulheres não – disseram que se fossem ainda jovens fariam a tran-
têm de se confinar a um ideal feminino? Não é por isso sição de género e tornar-se-iam homens.
mesmo que estávamos a lutar – por um mundo no qual
as mulheres pudessem usar cintos de ferramentas e Na verdade, isto não me surpreendeu, por causa de
gravatas e fazer tudo o que lhes desse na cabeça, sem os todas essas confissões que já ouvira em noites tardias.
constrangimentos do género? No seu núcleo, era esta Sabia que para muitas pessoas butch era o mais próx-
a visão do movimento feminista, e as lésbicas, mais do imo que conseguiam chegar de uma palavra que de-
que ninguém, perceberam o quão transformativo isto screvesse a experiência de ser um sujeito masculino no
poderia ser. corpo de uma mulher. Para estas pessoas, embora butch
fosse melhor do que “mulher” ou “lésbica”, não chegava.
Há anos, eu coloquei as mesmas questões, mas hoje em Provavelmente já ouviram falar de butches que diziam
dia esta conversa deixa-me desconfortável. Como sou não usar o termo “lésbica butch”, mas sim butch. Isto não
de uma geração mais velha, já vi muitas coisas mudar- é uma negação da sua orientação sexual, mas sim o rec-
em - e não mudarem - ao longo de um longo período de lamar de uma identidade de género complicada.
tempo.
Um dos erros que cometemos enquanto feministas lés-
Na minha vida, amei muitas mulheres butch. As minhas bicas é combinar a orientação sexual e a expressão de
relações e casos têm sido quase sempre com mulheres género num ideal fufo andrógino: cabelo curto, nada de
masculinas e, mais recentemente, também com homens maquilhagem, capaz de consertar um carro ou fazer pão
trans. Desde que me encontrei em circunstâncias ínti- com igual facilidade, frequentemente acusada de estar
mas com butches/machos/mulheres de identificação na casa-de-banho pública errada (para nossa grande in-
masculina – desde há muito, quando era demasiado dignação).
nova para frequentar os bares onde conhecia estas
pessoas e de onde ia para casa com elas –, aconteceu Como sabias que eras lésbica? Foste expulsa das guias
sempre uma coisa curiosa. Sempre que se estabelece e detestavas a Barbie, e nunca te sentiste confortável
confiança suficiente, torno-me testemunha de um mo- com um vestido e saltos altos. Por mais bem-intencio-
mento de confissão... qualquer coisa como «Não sei nadas que possamos ter sido, muitas lésbicas nunca
como explicar isto, mas não sinto que seja bem uma corresponderam a esse ideal. Não só homens trans
mulher. Quer dizer, sou butch, e isso está perto, mas mas também lésbicas como eu, que se deliciavam com
honestamente, não tenho a certeza do que sou». a revista Glamour e adoravam tudo o que brilhasse. A
orientação encaixava, mas as minhas tentativas de com-
Não me interpretem mal, há muitas, muitas mulheres portamento fufo correcto eram um fracasso miserável.
butch orgulhosas que são exactamente isso: mulheres. Sucintamente, o género de quem amamos sempre foi
Na terminologia actual, a sua expressão de género é uma questão distinta da nossa própria expressão de
masculina e a sua identidade de género é feminina. género, e a nossa tentativa de consolidar a identidade e
Usam os seus cintos de ferramentas orgulhosamente, expressão de género com a orientação sexual levou-nos
e eu observo o espectáculo com agrado. Para elas, uma a um equívoco fundamental quanto à experiência trans.
identidade butch resolve o assunto – se as pessoas ti-

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Quando as lésbicas perguntam para onde foram as No entanto, para alguns, o espaço e liberdade pelos
butches, o que estamos a dizer é que não compreen- quais lutámos para experimentar formas diferentes de
demos os homens trans. Estamos presas a três crenças expressão de género confirmaram o que sabiam lá no
nucleares: fundo: que, fundamentalmente, não são de todo mul-
heres. E sabem isso porque tiveram espaço e liberdade
- Para muitas de nós, particularmente de uma geração para serem butch, e mesmo assim não estava certo.
mais velha, viver fora do armário enquanto lésbicas e
feministas tem sido a viagem da nossa vida – e a muito A maioria dos homens trans que conheço assumiram-se
custo. As comunidades que construímos como abrigo como lésbicas, posteriormente reclamaram uma iden-
da tormenta de uma cultura misógina são-nos particu- tidade butch e depois realizaram a transição. Alguns
larmente caras. Como uma amiga próxima me disse, aperceberam-se de que nunca se sentiram de todo
«Gosto tanto de ser mulher que não consigo imaginar atraídos por mulheres e são hoje homens gays – isto
abrir mão disso». E a ideia de tornar-se homem – com não é tão estranho como possa soar, se aceitarmos que
todo o privilégio sem mérito e sem análise que a id- a comunidade lésbica é o único espaço seguro para ex-
eia sugere – é especialmente incompreensível: é uma plorar o género e, por isso mesmo, onde muitos homens
traição de confiança. trans começam a sua viagem. Talvez seja por isso que as
lésbicas sentem tê-los perdido: porque acreditávamos
- Outras acreditam que escolher fazer a transição de que eles eram nossos.
butch para homem mostra uma falta de coragem ou im-
aginação, que de algum modo a pessoa não foi corajosa As pessoas transgénero estão a tentar perceber como
o suficiente para ser uma mulher butch. mudar o que é, possivelmente, a identidade mais pro-
funda de uma pessoa, aquela com a qual mais somos
- E há ainda outras que pensam que falhámos, en- identificad*s desde a nascença. Os desafios, quer em
quanto comunidade, na criação de um espaço onde termos de navegar o próprio corpo em mudança, quer
qualquer mulher se possa vestir e comportar como bem no mundo exterior, são impressionantes, inclusive nas
lhe agrade. Esta foi a minha primeira reacção àquelas comunidades que mais os apoiam. Tomar uma decisão
butches e machos de Detroit: que os tempos eram tão destas é como saltar de um penhasco com pouca ideia
duros que as conduziam a desejar um escape. Ques- do que haja lá em baixo, mas sabendo que recusar o sal-
tionei-me se, caso tivessem nascido numa geração mais to é outro tipo de agonia. Esta coragem merece o nosso
tardia, teriam encontrado apoio nas comunidades lésbi- respeito e o nosso apoio.
cas feministas de que careciam na caótica cultura de bar
que era o seu único refúgio. Onde foram, afinal, todas as mulheres butch parar?
Ainda andam por aí, apesar de algumas viverem com
Mas, desde então, aprendi que a transição não é uma outros nomes. Parte delas ainda são butches e machos
traição, uma falta de coragem ou um desejo de escapar orgulhosas; outras, particularmente entre a malta mais
a uma comunidade pouco receptiva. É isso que estas nova, preferem o termo genderqueer, com subcategori-
butches e studs de Detroit me ensinaram. Viveram as as infinitas a sublinharem que a identidade e expressão
suas próprias vidas com imenso coração e contra todas de género podem intersectar com a orientação sexual
as probabilidades. Foram as pessoas mais corajosas que mas não lhe são totalmente equivalentes. Chegaram ao
eu conheci. Eram sobreviventes, tão astutas e orgulho- entendimento de que as pessoas dissidentes de género
sas como qualquer pessoa que eu tivesse conhecido podem posicionar-se ao longo de um largo espectro de
em círculos lésbicos feministas. Eu simplesmente não feminilidade e masculinidade, mas que o que têm em co-
conseguia acreditar que não tivessem a coragem ou a mum é a experiência de caírem fora das expectativas da
visão necessárias para viver plenamente os seus modos sociedade sobre o seu género.
de ser.
No foco desta experiência está uma enorme criativ-
Por isso, cheguei a um entendimento diferente. Agora idade e uma análise de género enquanto construção
acredito que todas as batalhas que travámos e todo o social que teve as suas origens no feminismo lésbico e
trabalho que fizemos criou uma comunidade na qual no movimento pela liberação gay. O nosso trabalho não
as mulheres podem ser quem realmente são a um grau está esquecido; foi continuado e expandido por uma
muito maior, em todos os aspectos das nossas vidas. E, nova geração que procura ser leal a si mesma, tal como
ao fazer isso, criámos um espaço onde não faz mal ex- nós sonhámos que o poderíamos ser.
perimentar diferentes formas de expressão de género,
de super-femme a andrógina ou butch. Isto foi incrivel-
mente libertador para muitas de nós.

10
DE E PARA TRANS
Alguns links úteis

Grupos de e para trans em Portugal

Fórum FTM Portugal:


http://ftm-forum-pt.heliohost.org

GTP (Grupo Transexual Portugal):


https://www.facebook.com/pages/Transexual-Portugal

Campanha Stop Patologização Trans:


https://www.facebook.com/pages/STOP-PATOLOGIZAÇÃO-TRANS-2012

GRIT (Grupo de Reflexão e Intervenção Transexual):


http://grit-ilga.blogspot.pt

Grupos e eventos de e para trans no mundo

Campanha No + Transfobia en Chile:


http://nomastransfobia.tumblr.com

Festival Anormales?:
http://festival-anormales-stef.blogspot.pt

Venir Al Sur:
http://veniralsur.org

Cultura Trans:
http://culturatrans.org

Espai Obert Trans/Intersex:


http://espaitransintersex.blogspot.pt

Grupo Trans Maribolheras da Galiza

Colectivo Tabú:
http://maribolheras.blog.com

Transfeminismo:
http://transfeminismo.com

11
Grupos LGBT portugueses com trabalho feito sobre questões trans

Panteras Rosa (frente de combate contra a lesbigaytransfobia):


http://panterasrosa.blogspot.pt

PATH (Plataforma anti-Transfobia e Homofobia):


http://marchadecoimbra.blogspot.pt/p/path.html

MOL (Marcha do Orgulho LGBT de Lisboa):


https://www.facebook.com/marchalgbtlx

MOP (Marcha do Orgulho LGBT do Porto):


https://www.facebook.com/OrgulhoPorto
https://www.orgulhoporto.org

Caleidoscópio LGBT:
http://www.caleidoscopiolgbt.org

Clube Safo:
http://www.clubesafo.com

APF (Associação pelo Planeamento Familiar):


http://www.apf.pt

Rede ex-aequo (rede de jovens LGBT):


www.rea.pt

Recursos online

Sites de partilha de informação

Trans Bucket:
http://www.transbucket.com

Trans Body Pride:


http://transbodypride.tumblr.com

Laura’s Playground:
http://www.lauras-playground.com

12
Grupos de redes sociais

Grupo de Notícias Trans:


https://www.facebook.com/groups/189409992692/?ref=ts&fref=ts

Sinfonias Genderqueer:

Genderqueer:
http://genderqueer.tumblr.com

Genderfork:
http://genderfork.tumblr.com

13
Saúde & Sexualidade
SOBRE O PROCESSO DE MUDANÇA DE NOME & SEXO EM PORTUGAL
por Mi Guerreiro
O processo oficial de mudança de sexo inclui acom- ambíguo. Para isso, é necessário fazer um requerimento
panhamento psicológico e cirúrgico, obrigatórios. Este no qual se justifica a escolha do nome (sem ser justifica-
procedimento é comparticipado pelo Serviço Nacional do pelo facto de se ser trans*). É possível consultar doc-
de Saúde (SNS) e * paciente fica isent* de pagar taxas umentos escritos por outras pessoas que requereram a
moderadoras, exames ou cirurgias. O processo tem na- alteração do seu nome, mesmo sendo cisgénero. Existe
tureza secreta e dura, em média, quatro a cinco anos uma lista de nomes permitidos, publicada online pelo
(dependendo de cada caso). Conservatório Civil.

Segundo a Lei de Identidade de Género (Artigo


7º/2011), qualquer pessoa de nacionalidade portugue- Passos necessários no processo médico/hospitalar de
sa, maior de idade, que “não se mostre(m) interdita(s) “mudança de sexo”:
ou inabilitada(s) por anomalia psíquica” e a quem seja di-
agnosticada perturbação de identidade de género, tem 1) Contactar o médico de família, para que este passe
legitimidade de requerer o início do processo. uma credencial e relatório a ser entregue num hospital
público, com equipas especializadas em transsexuali-
O Estado Português reconhece a alteração de registo dade. Alternativamente, pode-se ir ao centro de saúde
de sexo efetuada por pessoa de nacionalidade portu- da área de residência e pedir a atribuição de um novo
guesa que, tendo outra nacionalidade, tenha modifica- médico;
do o seu registo de sexo perante as autoridades desse
mesmo Estado 2) Ir a um hospital e marcar uma consulta de triagem no
serviço de sexologia. Os hospitais portugueses que têm
serviço de sexologia e acompanhamento transexual são:
Alteração legal do nome e sexo nos documentos de
identificação: Lisboa: Hospital Santa Maria, Hospital Júlio de Matos
Porto: Hospital de São João
Segundo a Lei de Identidade de Género (Artigo Coimbra: Hospital de Coimbra
7º/2011), a Conservatória Civil exige a apresentação
de: 3) Segue-se o processo de confirmação de diagnóstico,
que inclui:
• ”Requerimento de alteração de sexo com in-
dicação do número de identificação civil e do nome próprio •Acompanhamento psicológico;
pelo qual o requerente pretende vir a ser identificado, po-
dendo, desde logo, ser solicitada a realização de novo assen- •Testes e exames psicológicos para traçar o
to de nascimento; perfil psicológico (estes testes culminam na produção
de um relatório);
• Relatório que comprove o diagnóstico de per-
turbação de identidade de género, também designada como •Exames físicos (acompanhamento feito por
transexualidade, elaborado por equipa clínica multidiscipli- um endocrinologista ou andrologista, que analisa o teu
nar de sexologia clínica em estabelecimento de saúde públi- nível hormonal e prescreve o medicamento e dose, que
co ou privado, nacional ou estrangeiro.” Este relatório deve poderá variar durante o processo);
ser subscrito pelo menos por um médico e um psicólogo.
•”Avaliação independente” (segunda aval-
No prazo de oito dias a partir da apresentação do pedi- iação feita por uma equipa médica distinta da que segue
do, o conservador decide favoravelmente, pede aper- o processo desde o início; os testes e exames psiquiátri-
feiçoamento do pedido ou rejeita o pedido quando este cos são repetidos e analisados por outros médicos; cul-
não se coaduna com as normas acima expressas. mina na emissão de um relatório final);

De forma alternativa, é possível alterar o nome legal, •Reunião final da equipa da Ordem dos
sem mudar o sexo presente nos documentos de identifi- Médicos.
cação. Existem alguns nomes permitidos cujo género é

14
4) Seguidamente, a equipa autorizará o início do trata-
mento hormonal e dos processos cirúrgicos (cirurgia
ao peito, cirurgia genital) (ver artigo aqui incluído sobre
tratamentos hormonais e cirurgias).

Alternativamente, algumas pessoas transsexuais,


transgénero ou demais, procuram e obtêm tratamentos
hormonais fora do âmbito médico-legal. É importante
saber que nem sempre as hormonas vendidas no “mer-
cado negro” são seguras ou testadas. De facto, já algu-
mas pessoas trans* faleceram devido a complicações da
toma de certos tipos de hormonas. Caso sintas que ne-
cessitas de o fazer e não tens outra alternativa boa para
ti, é essencial assegurares-te da segurança das hormo-
nas que tomas e/ou estás consciente dos seus efeitos.
Tal como farias na toma de qualquer outro medicamen-
to. Para além disso, algumas hormonas (testosterona e/
ou estrogénio) podem ser obtidas em farmácias banais,
sem serem requeridas receitas médicas ao paciente. Há
bulas disponíveis sobre cada medicamento, em form-
ato eletrónico. De qualquer das formas, é necessário
estar ciente das consequências da toma de hormonas
e fazer exames físicos frequentes, tal como na toma de
qualquer outro medicamento.

ALTERAÇÕES HORMONAIS – TESTOSTERONA (CASO FTM)


por Hudson’s FTM Resource Guide

AVISO
Nota
A informação aqui contida destina-se a ser usada so- apresentamos aqui a primeira parte da tradução
mente para fins educacionais. O autor não é um médico deste artigo, procurando partilhar alguns dos es-
profissional, e esta informação não deve ser considera- clarecimentos mais urgentes que ele proporciona.
da conselho médico. Esta informação NÃO deve ser usa- Por motivos de limite de número de páginas, não
da para substituir consultas com/tratamento por médi- pudemos apresentar aqui o artigo inteiro. Publi-
co profissional treinado. A lista de medicação citada não caremos a continuação do artigo (Mitos 8 a 12) no
implica a sua recomendação pelo autor. próximo número deste boletim (versão em papel).

No entanto, o artigo integral em Português pode


ser lido em

http://panterasrosa.blogspot.pt/2013/10/altera-
coes-hormonais-testosterona-caso.html

15
INTRODUÇÃO O objectivo da terapia com testosterona num homem
transexual é trazer o nível de T no seu corpo para o que
Mitos e equívocos sobre pessoas transexuais e trans- é considerada uma gama masculina saudável, de forma
género são demasiado comuns. Muitas pessoas, mes- a induzir e manter características sexuais secundárias
mo indivíduos bem intencionados, simplesmente não masculinas tais como o baixar do tom de voz, um pa-
sabem muito sobre questões de identidade de género, o drão masculino de distribuição de gordura e muscular,
processo de transição, ou as opções de tratamento hor- crescimento de pêlo facial e corporal, e por aí fora. Ha-
monal e cirúrgico disponíveis actualmente para pessoas bitualmente, um regime de hormonas de um homem
transexuais e transgénero. Esta falta de conhecimento trans também se destina a manter um nível estável e
geral pode ser agravada por certas noções pré-concebi- saudável de T no seu sistema ao longo da sua vida.
das sobre homens e mulheres, papéis de género, sexual-
idade humana e mesmo a Medicina ou a Ciência. Isto contrasta com o objectivo do uso de testosterona
O resultado destes factores combinados é que pare- por culturistas e atletas, que é elevar o nível de testos-
cem circular certos equívocos sobre transexuais FTM terona no corpo até um nível inabitualmente elevado
(feminino para masculino), apesar da disponibilidade de forma a produzir rapidamente resultados de per-
de provas em contrário, ou mesmo do senso comum. A formance desejados, tais como músculos maiores, au-
seguinte secção descreve alguns dos mitos e equívocos mento de força, um tempo mais curto de recuperação
comuns em torno dos homens trans, incluindo mitos muscular, maior potência e por aí fora. A quantidade de
sobre a testosterona e a transição. Se algumas das re- testosterona que é usada por alguns atletas e culturis-
spostas parecem longas, trata-se apenas de um esforço tas focados na sua capacidade de performance é tipi-
de providenciar informação e matéria crítica em torno camente muito mais alta em dose e em frequência do
de áreas onde estereótipos ou lendas urbanas tendem que a quantidade usada por homens transexuais para a
a obscurecer a lógica e o conhecimento. transição e a manutenção ao longo da vida. Além disso,
os utilizadores de “esteróides” usam frequentemente
MITOS SOBRE TESTOSTERONA uma bateria completa de drogas para lá da testostero-
na (ou outro esteróide anabolizante), dependendo dos
Mito #1 objectivos do atleta. O uso de esteróides é nestes casos
frequentemente utilizado num ciclo caracterizado por
Tomar testosterona (“T”) para a transição tornará os padrões variantes.
homens transexuais incontrolavelmente furiosos e
voláteis ou causará “fúria esteróide”. Devido a estas muitas diferenças, comparar o uso T
da maioria dos homens transexuais com o uso de “es-
Este é um dos mitos mais comuns sobre transexuais teróides” por culturistas e atletas é um pouco como
FTM que tomam testosterona, mas não existe pro- comparar maçãs e laranjas. Assim, receios de “fúria es-
va convincente para suportar uma generalização tão teróide” desenfreada num transexual FTM em transição
abrangente. De facto, enquanto alguns homens tran- são, no melhor dos casos, infundados.
sexuais anedoticamente relatam que se sentem mais
impacientes ou irritáveis durante um período após
começarem a tomar T, muitos outros relatam que se
sentem mais calmos e equilibrados desde que tomam T.
Contudo, vezes sem conta, homens transexuais e seus Níveis hormonais e estados de espírito
entes próximos exprimem o temor de que, de alguma
forma, tomar testosterona irá transformar automatica- É importante salientar que os níveis hormonais no cor-
mente um transexual FTM numa pessoa terrível, furiosa po humano fazem parte de um equilíbrio delicado que
ou violenta. envolve sistemas de comunicação química complexos.
É razoável assumir que alterar os níveis das hormo-
Provavelmente, este mito é alimentado por histórias nas nos nossos sistemas pode ter um efeito em nós,
sobre o uso de “esteróides” causar raiva ou volatilidade tanto física como emocionalmente. Qualquer mulher
(frequentemente chamada “fúria esteróide”) em cultur- que tenha padecido de síndrome pré-menstrual, ou
istas e outros atletas que tomam drogas potenciadoras qualquer homem que tenha sofrido com baixos níveis
da performance. De forma a compreender as difer- de testosterona, pode atestar esta possibilidade. No
enças entre uso atlético de “esteróides” e terapia com entanto, alguns efeitos físicos e emocionais da alteração
testosterona tal como é seguida pelos homens transex- do equilíbrio hormonal podem estar relacionados com
uais, compensa explorar exactamente o que significa os níveis das hormonas em questão, ou com mudanças
“esteróides” em cada contexto. (...) dramáticas nos níveis hormonais, mais do que com a
simples presença das próprias hormonas. Por exemplo,

16
um dos sintomas por vezes observado em homens com les que o rodeiam podem ser rápidos a atribuir toda e
baixos níveis de testosterona é irritabilidade. Nestes qualquer emoção ou acção sua (negativa ou positiva) à
casos, não parece ser a testosterona em si a causar a testosterona no seu sistema. Contudo, é importante re-
irritabilidade, mas antes o facto de o nível de testoster- cordar que as crenças e estereótipos próprios de cada
ona ser considerado baixo. Assim, aqueles que declaram indivíduo sobre homens e mulheres – bem como os
uma simples relação entre testosterona e estados de seus próprios traços de personalidade pré-existentes
espírito negativos poderão querer reconsiderar como – podem também influenciar o seu comportamento
os níveis e o equilíbrio global de várias hormonas (bem enquanto ele se adapta às mudanças da transição. Cul-
como outros factores, tais como os ambientais) podem par a testosterona por toda e qualquer acção ou senti-
entrar em jogo; de facto, essas relações anda não são in- mento negativo é um bode expiatório fácil para o que
teiramente compreendidas pela ciência médica. pode simplesmente ser mau comportamento ou fracas
estratégias individuais para lidar com a situação.
Quando um homem trans inicia terapia com testoster-
ona, ele poderá experienciar algumas alterações de hu- A testosterona é apenas um factor na transição, e nem
mor. Isto é normal, porque iniciar terapia com T é habit- toda a gente responde a ela da mesma forma. Com isto,
ualmente um momento emocional significante na vida não se pretende negar que a testosterona pode ter – e
de uma pessoa trans, e também porque o seu corpo está tem – efeitos significativos nos estados de espírito e
a começar uma alteração hormonal importante. Como sentimentos de alguns homens trans, mas antes salien-
mencionado acima, de facto alguns homens transexuais tar que nos comportamentos de uma pessoa jogam mui-
relatam anedoticamente que se sentem a enfurecer-se tos factores. Podemos conhecer dez pessoas trans dif-
mais rapidamente ou com menos paciência. Mas muitos erentes exactamente com o mesmo esquema de toma
outros relatam um efeito calmante e/ou um dissipar de de testosterona, e elas poderão ter dez experiências de
sentimentos depressivos. Outros relatam muito poucas transição dif
mudanças na sua disposição, enquanto alguns só notam erentes!
diferenças de estado de espírito no dia ou nos dois dias Em resumo, simplesmente tomar testosterona não cri-
antes da sua próxima toma (poderão sentir-se mais ir- ará um monstro. Mudanças nas nossas hormonas po-
ritáveis quando os níveis de testosterona atingem um dem afectar cada pessoa de forma distinta, mas muitas
mínimo no seu ciclo de toma). Alguns acham que os seus das preocupações sobre T e transição FTM baseiam-se
estados de espírito se equilibram com o tempo ou com o no medo e em equívocos, mais do que numa pesquisa
ajustar do regime de toma. em larga escala de homens transexuais reais em terapia
com T.
Seja qual for o caso, se um homem trans ou os seus en-
tes próximos notam alterações de humor significativas
que não se resolvem com o tempo, ele poderá querer Mito #2
discutir o ajustar do seu regime de toma de T com o
seu médico. Ele também poderá desejar considerar se Tomar testosterona vai provocar-te cancro.
aquelas alterações de humor estão relacionadas com
os eventos em curso na sua vida. A transição pode ser Chamar a isto um “mito” é de alguma forma impróprio,
uma altura de grandes alterações na vida social, na vida porque não há prova sólida, num sentido ou noutro,
doméstica e na vida laboral, podendo todas elas ter um quanto a um risco aumentado de cancro em transexuais
efeito tremendo no estado de espírito de alguém. Falar FTM que tomem testosterona por motivo de transição.
com um terapeuta ou com um grupo de apoio entre A verdade é que os transexuais FTM, enquanto popu-
pares pode ajudar a facilitar estas alterações. lação, não foram estudados numa amostra suficiente-
mente ampla e ao longo de tempo suficiente para de-
terminar os riscos de cancro a longo prazo, associados
Testosterona e estereótipos de género com o uso de testosterona para transição e manutenção
ao longo da vida de características sexuais secundárias
Cedo na transição, alguns homens trans (mas certa- masculinas.
mente não todos) podem ficar consumidos por preocu-
pações quanto a como acreditam que os homens devem Dito isto, as duas preocupações mais frequentemente
parecer, falar, actuar e/ou sentir-se quanto ao mundo citadas em relação a homens transexuais que tomam T
que os rodeia. Isto é compreensível até certo ponto, são o cancro do fígado e o cancro dos aparelhos repro-
já que a transição pode ser um momento de teste, e o dutores femininos (útero/endométrio, colo do útero, e/
início da transição em particular envolve uma certa ou ovários).
quantidade de adaptação à mudança. Durante esse
período tão tempestuoso, um homem trans e aque-

17
Cancro do fígado Devemos apontar que é difícil saber se o risco destes
cancros é aumentado pela terapia com testosterona em
As doenças do fígado, incluindo o cancro, já foram as- homens transexuais. Os transexuais FTM são à partida
sociadas ao uso de certos esteróides anabolizantes, uma população pequena e muitos realizam histerecto-
incluindo algumas formas de testosterona, em homens mias/oferectomias numa fase inicial do seu tratamento
cisgénero. Mais especificamente, o uso de testosterona hormonal, tornando-se assim difícil estudar os efeitos a
C-17 alfa-alquilada (particularmente no caso da testos- longo prazo da testosterona sobre o útero e os ovários.
terona oral) já foi associado ao cancro do fígado. Por Para além disso, muitos homens transexuais podem ter
isso em geral a administração de testosterona C-17 al- tido SOP antes de começarem o seu tratamento hor-
fa-alquilada por via oral não é encorajada, sendo que se monal, tornando mais difícil saber se sintomas relacio-
pensa que os métodos de injecção, transdérmico, bocal nados com o SOP têm uma origem anterior ou posterior
ou com aplicador apresentam menos riscos. à terapia com T.

Também se deve apontar que os homens têm em geral Como a relação entre o uso contínuo de androgénio
um risco maior de ter cancro do que as mulheres, emb- e a saúde ginecológica ainda não é inteiramente com-
ora não seja claro como isto se correlaciona com o caso preendida, e como muitos homens transexuais frequen-
específico de transexuais FTM. temente sentem embaraço e/ou têm dificuldades no
acesso ao cuidado ginecológico contínuo, alguns podem
Tendo em conta o conhecimento médico actual, é difícil sentir que é apropriado realizar estas cirurgias como
dizer se o uso de testosterona por homens transexu- uma medida preventiva. Discute sempre a pesquisa
ais em doses com o propósito de realizar a transição e médica mais recente e os prós e contras destes proced-
subsequente manutenção dos níveis de testosterona imentos com o teu médico. (...)
aumentará o risco de cancro do fígado ou não.
Se um homem trans escolhe não fazer uma histerecto-
Quando se está a tomar testosterona no processo de mia/oferoctomia, ele deve continuar a fazer esfregaços
transição, o médico responsável normalmente pedirá regulares (para controlar o cancro do colo do útero)
testes sanguíneos periódicos para monitorizar o es- e deve procurar um médico se experienciar alguma
tado geral da saúde do paciente. Normalmente, estes hemorragia vaginal irregular (incluindo a presença de
testes incluem a medição de certos níveis de enzimas manchas), cãibras ou dor. Não é raro homens transexu-
e/ou outras substâncias no sangue, cuja presença pode ais que não realizaram uma histerectomia experienciar-
indicar que o fígado ou os tecidos vitais estão danifica- em um acumular de tecido endometrial, especialmente
dos. Como o risco para o fígado não é plenamente com- durante os primeiros anos da terapia com testosterona.
preendido, indivíduos que tomam testosterona devem O tecido endometrial é normalmente expulso com a
pedir aos seus médicos que lhes façam testes sanguí- menstruação, mas visto que este processo é normal-
neos com alguma regularidade, para monitorizar a sua mente interrompido depois de alguns meses de terapia
saúde. hormonal, tecido adicional pode continuar a acumu-
lar-se e pode eventualmente começar a libertar-se na
forma de manchas. Como hemorragias irregulares po-
dem ser um sinal de cancro (apesar de frequentemente
não ser o caso), os homens transexuais que experienci-
Cancro dos órgãos reprodutivos femininos am qualquer forma de hemorragia /manchas devem ver
um médico que realize testes para determinar a causa.
No que respeita a cancros dos órgãos reprodutivos fem- Estes testes podem incluir uma biopsia endometrial e/
ininos, alguns médicos recomendam a histerectomia ou um ultra-som. O doutor pode aconselhar que se re-
(remoção cirúrgica do útero) e a oferoctomia (remoção alize uma toma temporária de progesterona para fazer
cirúrgica dos ovários) durante os primeiros 5 anos de com que o útero liberte o tecido endometrial em exces-
terapia com testosterona. Existe alguma preocupação so – isto é parecido com induzir um período. Embora
de que o tratamento com testosterona a longo prazo isto possa ser desagradável, deve ser compreendido
possa fazer com que os ovários desenvolvam sintomas como uma medida preventiva, visto que a acumulação
semelhantes aos que são observados na síndrome do anormal de tecido endométrico já foi associada ao can-
ovário policístico (SOP). A SOP foi relacionada com cro do endométrio.
o risco aumentado de hiperplasia endometrial (uma
condição que ocorre quando a membrana da parede do Em conclusão, os riscos de cancro associados a tomar
útero (endométrio) cresce demasiado), logo, com o can- testosterona para uma transição FTM não estão sufi-
cro endometrial, bem como com o cancro dos ovários. cientemente bem estudados e não são bem compreen-
didos. No entanto, os benefícios da terapia de testos

18
terona para a qualidade de vida podem compensar
largamente preocupações com tais riscos. Para muitos Apesar de os ossos pararem de crescer em compri-
homens transexuais, a possibilidade de um ligeiro au- mento no início da idade adulta, eles podem continuar
mento na probabilidade do cancro (caso isso venha de a aumentar em grossura ou diâmetro (chama-se “cresci-
facto a ser provado) pode ser um risco que valha a pena mento aposicional”) pela vida fora, em resposta a even-
correr de forma a viverem as suas vidas como homens. tos como o aumento da actividade muscular ou do peso.
Se um homem trans pode garantir a sua paz de espíri- No entanto, este engrossar não causaria uma diferença
to com uma histerectomia/oferoctomia, então talvez significativa em altura.
a cirurgia seja uma boa opção para alguns, até que da-
dos mais precisos sobre o risco de cancro estejam dis- Há outro factor importante que não o crescimento ós-
poníveis. seo que influencia a altura de uma pessoa: a postura.
Muitos homens transexuais, e particularmente se são
capazes de realizar cirurgias de reconstrução do peito,
Mito #3 começam a endireitar a sua postura, parecendo mais al-
tos do que antes. Isto pode fazer uma diferença tremen-
Tomar testosterona vai tornar-te mais alto. da na altura, especialmente se a pessoa em causa se en-
colhia para esconder o seu peito pré-cirurgia. Também
A não ser que comeces a terapia de testosterona logo há um factor de confiança e orgulho na melhoria da
durante os teus anos pubescentes, ela não te fará postura; esses sentimentos aumentam frequentemente
crescer de forma significativa. pós-transição e podem fazer com que uma pessoa se
apresente mais direita, atingindo a sua plena altura po-
O motivo para isto é que o crescimento dos ossos lon- tencial.
gos pára perto do fim da puberdade. “Ossos longos”
são ossos no teu corpo que são mais longos do que são
largos, e incluem a coxa (fémur), parte inferior da perna Mito #4
(tíbia e fíbula), parte superior do braço (úmero) e ante-
braço (ulna). Tomar testosterona vai fazer com que os teus seios
encolham completamente.
Durante a infância e a adolescência, os ossos longos
são compostos, individualmente, por um eixo chama- Um dos efeitos da terapia hormonal em muitos tran-
do “diáfise” e de extremidades chamadas “epífises”. As sexuais FTM é a redistribuição da gordura corporal, de
epífises são separadas do eixo por uma camada de carti- um padrão de tipo “feminino” para um padrão de tipo
lagem chamada a “placa epifisiária” ou “placa de cresci- “masculino”. Uma redução no tecido adiposo à volta da
mento”. Quando os nossos membros crescem durante área dos seios não será, portanto, rara. No entanto, a
a infância e adolescência, as células de cartilagem das não ser que o homem em causa tenha à partida um pei-
placas epifisiárias dividem-se e aumentam em núme- to muito pequeno, esta redução não será significativa o
ro. A cartilagem recém-formada por sua vez absorve o suficiente para fazer com que o seu peito pareça mais
cálcio e desenvolve-se, tornando-se osso, num proces- masculino (sem intervenção cirúrgica).
so chamado “ossificação endocondral”, causando um
aumento no comprimento do osso. Por volta do fim da O tecido mamário é composto por gordura, tecido
puberdade, o crescimento da cartilagem pára, e a carti- conectivo, tecido glandular ou “lobos”, e um sistema
lagem no extremo das placas de crescimento é comple- ductal. Isto aplica-se quer a homens, quer a mulheres. O
tamente convertida em osso. As placas de crescimen- tecido glandular e ductal da maior parte das mulheres
tos são então “fundidas” e os ossos longos não podem desenvolve-se bastante durante a puberdade, princi-
crescer mais em comprimento. (...) palmente devido ao estrogénio, e muito do crescimento
das células de gordura nos seios ocorre neste período.
Muitos homens trans começam a terapia hormonal já
anos depois das placas de crescimento dos seus ossos A testosterona pode reduzir alguma da distribuição
longos se terem fundido, e assim sendo, é impossív- de tecido adiposo em torno dos seios, mas provavel-
el que se observe um aumento de altura significativo mente não toda, e os tecidos glandular e ductal que já
causado pelo crescimento ósseo. Se estás a começar se tenham desenvolvido permanecerão também. Por
a tomar testosterona durante a puberdade, ainda isso, esperanças de ver os seios simplesmente “desvan-
poderás vir a crescer em altura (tendo em conta, no en- ecerem-se” quando se começa a tomar testosterona
tanto, que a altura e o crescimento estão relacionados a só verão fruto no caso dos poucos que à partida já têm
um complexo número de factores, sendo a testosterona muito pouco desenvolvimento mamário.
apenas um deles).

19
Mito #5 optam por cirurgia ao peito sem testosterona, e estas
pessoas geralmente não experienciam um regresso do
Se parares de tomar testosterona depois da cirurgia crescimento dos peitos pós-cirurgia.
ao peito, os teus seios crescerão de volta.

Para responder a este mito, reconsideremos o Mito #4, Mito #6


e exactamente do que são feitos os seios: tecido adipo-
so, tecido conectivo, tecido glandular ou “lobos”, e sis- Tomar testosterona vai tornar-te gay.
tema ductal. Mais uma vez, o tecido glandular e ductal
da maior parte das mulheres desenvolve-se bastante Alguns homens transexuais podem descobrir que as
durante a puberdade, e há também em simultâneo suas sensações e atracções sexuais se alteram depois
bastante crescimento das células adiposas. de começarem a terapia hormonal, enquanto para
outros este não será o caso. Alguns homens trans sen-
A maior parte dos homens transexuais fazem cirurgias tem-se atraídos por mulheres antes da testosterona e
de reconstrução do peito já muito depois do desen- continuam a sentir-se atraídos por mulheres pós-tes-
volvimento pubescente dos seios. Quando um* cirur- tosterona. Alguns sentem-se atraídos por homens
gião remove tecido numa cirurgia de reconstrução do pré-testosterona e continuam a sentir-se atraídos por
peito FTM, el* está a remover tecido glandular/fibroso, homens pós-testosterona. Alguns podem descobrir que
para além de tecido adiposo em excesso. * cirurgiã* (se as suas atracções mudam, de mulheres para homens ou
estiver a fazer um bom trabalho) remove o máximo do de homens para mulheres, pré e/ou pós-testosterona.
tecido glandular/ductal possível e bastante do tecido A sexualidade humana é um fenómeno complexo e os
adiposo também. Deixa-se alguma gordura porque sem transexuais FTM não são diferentes nesta dimensão.
nenhuma gordura, o peito pareceria demasiado liso ou Há homens transexuais heterossexuais, homossexuais,
até côncavo em comparação com o resto do torso. A bissexuais e assexuais, tal como há pessoas que na ver-
quantia e localização do tecido deixado dependerá das dade não se identificam com nenhuma dessas catego-
capacidades d* cirurgiã* e do método cirúrgico usado rias.
para remover o tecido.
Portanto, não há correlação específica entre tomar tes-
Assim que o tecido glandular/ductal tiver sido cirurgi- tosterona e subitamente tornares-te gay. No entanto,
camente removido do corpo, ele foi-se de vez. Não vai este mito pode ter ganho credibilidade porque há de
crescer de volta espontaneamente. Qualquer quantia facto uma porção de homens transexuais que vivem uma
mínima de tecido glandular/ductal que fique pode sof- mudança nos seus sentimentos sexuais pós-transição.
rer algum encolhimento ou crescimento, mas tratar-se- No entanto, isto pode ter mais a ver com as mudanças
iam de alterações menores. emocionais que vêm com viver como um homem e com
ser visto pelo resto do mundo como um homem do que
Tecido adiposo deixado no corpo pode passar por com a simples presença da testosterona em si. Ou seja,
frases de crescimento e de encolhimento, tal como toda assim que um homem trans começa a sentir-se con-
a gordura do corpo é susceptível ao crescimento e ao fortável no seu corpo e no seu papel enquanto homem,
encolhimento. Células adiposas podem sempre crescer pode sentir-se mais confortável em explorar emoções
devido a influências no consumo de comida, alterações sexuais por homens do que estaria pré-transição. Mui-
metabólicas, ou níveis hormonais. Se um homem trans tos homens transexuais estão desconfortáveis nos seus
interromper a toma de testosterona e ainda tiver ovári- corpos pré-transição, e conforme se tornam mais confi-
os funcionais, pode haver uma alteração na distribuição antes pós-transição, alguns podem sentir-se mais confi-
geral da gordura corporal para um padrão mais de tipo antes em territórios sexuais novos ou diferentes.
“feminino”, o que pode incluir um pequeno aumento na
gordura na área do peito. Mas mantém em mente que, O mito provavelmente também ganha alguma força
na maior parte dos casos, um homem trans pós-cirurgia porque toca em alguns dos medos dos parceiros dos
ao peito teve uma quantia muito grande do tecido re- homens transexuais conforme eles iniciam a transição.
movido do seu peito, de modo que mesmo algum cresci- Ou seja, muit*s parceir*s podem perguntar-se, “será
mento nessa gordura provavelmente não será significa- que ele ainda se vai sentir atraído por mim?” ou “será
tivo o suficiente para ser equivalente ao crescimento de que ainda me sentirei atraíd* por ele?” Preocupações
“seios” tal como ele antes os teve. quanto à identidade, quanto à comunidade e quanto à
lealdade podem também intensificar esta questão, es-
Mantém igualmente em mente que alguns homens pecialmente para as pessoas trans FTM que podem ter
trans têm cirurgia ao peito pré-testosterona (por vezes, raízes em comunidades LGB.
anos antes de iniciar a testosterona) e algumas pessoas

20
A verdade é que ninguém pode prever todas as coisas “normal”. Assim sendo, tomar doses muito grandes de
que acontecerão a um indivíduo durante ou depois da testosterona provavelmente não é boa ideia.
transição, e às vezes, há surpresas. No entanto, se a
testosterona tornasse todos os homens transexuais As alterações derivadas da toma da testosterona são
gays, então não haveria nenhuns homens transexuais cumulativas, o que quer dizer que ocorrem de forma
pós-transição com parceiras do género feminino, e este estável e regular ao longo do tempo. Embora algumas
pura e simplesmente não é o caso. das primeiras mudanças (tipicamente na voz, na oleosi-
dade da pele e na libído) possam ocorrer nas primeiras
semanas ou meses, a maior parte das outras mudanças
Mito #7: (tais como o crescimento do pêlo corporal e do pêlo fa-
cial) demoram muitos meses ou até anos. Um homem
Se alguém toma doses enormes de testosterona, a sua trans pode observar alterações rápidas numa área e
transição acontece mais rápido do que com uma dose mudanças lentas em outras áreas, enquanto que noutro
normal. caso talvez se observe o oposto. Os resultados e a linha
cronológica geral das mudanças induzidas pela terapia
Durante os primeiros meses da terapia com T, muitos hormonal não podem ser previstos com segurança. A
homens transexuais sentem-se impacientes, à espera paciência é uma qualidade chave (embora possa ser
que aconteçam alterações masculinizantes. Alguns po- difícil de preservar, no caso de alguns homens trans que
dem considerar a possibilidade de duplicar ou triplic- querem observar mudanças imediatamente).
ar a sua dosagem, pensando que quanto mais tomem, Se sentes que a tua transição não está a acontecer a
mais rápido virão as mudanças. No entanto, aumentar um ritmo razoável, fala abertamente com o teu médico,
dramaticamente a tua dose de T pode ter o efeito de pede que os teus níveis de testosterona sejam anali-
atrasar as tuas mudanças. Isto acontece porque testos- sados regularmente (especialmente durante o primei-
terona em excesso no teu corpo pode ser convertida em ro ano do tratamento), presta atenção às alterações
estrogénio por uma enzima chamada “aromatase”. Esta no teu corpo e ao que sentes em relação ao mesmo e
conversão faz parte do sistema natural de comunicação ajusta a tua dosagem dentro dos limites do razoável,
química do teu corpo – se há uma abundância de tes- se necessário. Talvez até descubras que uma dose mais
tosterona no teu corpo, ela é convertida (“aromatizada”) baixa funciona melhor para ti. (…)
em estrogénio, para manter um equilíbrio hormonal

ALTERAÇÕES HORMONAIS – ESTROGÉNIO (CASO MTF)


Terapia de Reposição de Hormonas em mulheres trans (MTFs)
por Aline Freitas

original em https://www.facebook.com/notes/horm%C3%B4nios-para-transg%C3%AAneros/faq-hormoniza%C3%A7%
C3%A3o/183128951832014
(...) Como funciona a Terapia de Reposição Hormonal? − O antiandrogénio é o responsável por bloquear os
efeitos da testosterona no organismo, impedindo a
masculinização.
A terapia é basicamente composta de:

− Um estrogénio (estradiol e derivados) Vou ficar feminina? Em quanto tempo? Quais são os
efeitos?
− Um antiandrogénio (acetato de ciproterona ou es-
pirinolactona) Cada corpo reage da sua forma. Os efeitos dependem
de uma série de fatores como: genética, a idade em que
Em poucas palavras: se inicia a TRH (Terapia de Reposição Hormonal), o
peso, e o quanto o corpo é capaz de absorver o estrogé-
− O estrogénio é o responsável pela feminilização do nio. Em geral, quanto mais nova iniciar, mais mudanças
organismo. terá. A puberdade feminina em raparigas cis pode levar
até 7 anos, portanto é preciso ter paciência.

21
Em quanto tempo vou notar mudanças no meu corpo? Algumas mulheres tomam verdadeiros cocktails hor-
monais, misturando etinilestradiol com valerato de es-
No começo a maior parte das mudanças são internas. tradiol, com beta estradiol com enantato de estradiol
Algumas mulheres percebem mudanças em menos de (perlutan). Estas combinações são perigosíssimas e po-
um mês das quais: crescimento dos seios, pele mais dem trazer prejuízos sérios e irreversíveis para a saúde.
macia, mudanças na distrubuição de gordura no rosto, Um único tipo de estrogénio é o suficiente para uma
coxas, nádegas e crescimento dos seios. Mas se não no- hormonização eficiente, eficaz e segura. Um só medic-
tar mudanças em 4 ou 5 meses talvez valha verificar a amento com estrogénio e um só anti-androgénio é tudo
dosagem. o que precisa.

Quais são as melhores hormonas? Qual é a dosagem recomendada?

Não existe uma hormona melhor! Os melhores são Só é possível determinar a dosagem recomendada,
aqueles que funcionam para si e não aquele que fun- após os devidos exames com os níveis hormonais do seu
cionou para a sua colega ou para a prima da vizinha. organismo. Um bom endocrinologista saberá indicar a
dosagem mais adequada.

// imagem por Ana Faria & texto por Daniel Lourenço.

é pornografia, é ciência? os discursos dominantes não cap-


tam nem possibilitam vivências excêntricas em relação ao
binário de género, vivências que refaçam “homem” e “mul-
her” e outra coisa ainda além dos termos seguros e coer-
civos do sistema que vivemos. na hegemonia do binarismo
  de género deste sistema, nem a ciência nem a imaginação
criam o outro corpo, o terceiro e quarto e quantos mais haja.
resta a*s interssexo e trans e bichas e que mais ocupar um
corpo ilegítimo e abjecto; um corpo tomado por inumano.

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// imagem por Joana Sousa & texto por Daniel Lourenço.

menina faz isto mas menino faz aquilo, menino diz isto
mas menina diz aquilo, menina pode isto mas menino pode
aquilo. o corpo nunca está livre da regra e estão cá pais e
ciência e sociedade para corrigir qualquer desvio, organizar
as partes certas, censurar qualquer sentido extraviado do
corpo. mas temos e resistiremos pelo direito a outro fazer,

outro dizer, outro poder - outro corpo. a luta é também


descobrir que ainda vamos a tempo de recuperar e proteger
o melhor de ser-criança: o jogo do que somos e seremos.

23
SEXUALIDADE FTM original em http://library.catie.ca/PDF/ATI-20000s/24654.pdf

Mitos quanto aos homens trans parceiro(s) estão a pensar mais claramente e são ca-
pazes de tomar decisões lúcidas. Acariciarem-se ou es-
fregarem-se enquanto discutem sexo seguro pode ser
Homens trans não correm risco de contrair VIH um bom modo de se lembrarem que “mais seguro” não
significa “menos excitante”. Deixa claro que queres sexo
Este é um mito muito comum. Se tens sexo sem pro- seguro.
tecção, estás em risco. Isto porque é fácil o sémen,
sangue ou fluidos sanguíneos que contêm VIH serem
absorvidos pelo teu corpo durante o sexo desprotegido. Coloca o sexo seguro na mesa
Pensa no sexo que tens ou queres ter. Educa-te quan-
to aos riscos associados a essas actividades sexuais e Mantém os materiais necessários para sexo seguro
aprende sobre formas de reduzir os riscos que corres, perto do local onde vais foder e onde estejam visíveis.
ao mesmo tempo que preservas o prazer sexual nas for- Alguns gostam de fazer isto como forma de evitar ter de
mas de sexo que queres. falar sobre sexo seguro: se deixares as coisas à vista, o
teu parceiro recebe a mensagem de que tu esperas sexo
seguro. Se falares sobre isso, ter as coisas à mão pode
Homens trans não têm sexo com outros homens ser uma boa forma de arrancar a conversa sobre o tema.
Quanto mais confortável te sentires em abordar práti-
Como todos os homens, nós identificamo-nos como cas de sexo seguro, mais provável será que consigas
heterossexuais, bissexuais, gays, panssexuais, assexuais comunicar com confiança sobre como gostas de foder.
e por aí fora. Há uma falsa concepção de que, se és um
homem trans, por definição só quererás dormir com
mulheres. Alguns de nós querem. No entanto, outros de Sexy, sujo e seguro
nós gostam de dormir com homens – sejam estes trans
ou cisgénero. Torna o sexo seguro apelativo para o teu parceiro, man-
tendo-o divertido. Pede-lhe que faça três coisas sujas
que envolvam sexo seguro. Experimenta situações
Homens trans são todos passivos novas e torna a foder em segurança, é mais excitante.
Não há nada melhor do que seres capaz de expandir os
Este mito deriva do facto de muitos assumirem que não teus horizontes sexuais e, simultaneamente, reduzir os
temos pila. Não só alguns de nós fazem cirurgias que riscos.
nos permitem penetrar os nossos parceiros com os nos-
sos genitais, como existem outras opções como strap-
ons, dildos e as nossas mãos, que também usamos para Para além dos preservativos
foder. O aspecto dos nossos genitais não determina se
somos activos ou passivos, penetradores ou penetra- Torna o preservativo uma componente atraente e
dos. Muitos homens trans gostam de ser fodidos, out- agradável do sexo para ti próprio e para o(s) teu(s) par-
ros preferem foder. Alguns trocam de posição, dando e ceiro(s). Experimenta pôr um preservativo com a tua
recebendo, dependendo da altura e pessoa com quem boca ou pedir ao teu parceiro que o faça. Cuidado com
estamos. E há ainda outros que gostam de sexo sem os dentes, para não rasgarem ou furarem o preservati-
qualquer forma de penetração. vo. Há uma grande variedade de preservativos, com dif-
erentes formas e sabores, texturas, cores e outras “ac-
tualizações” – já não tens só os preservativos comuns.
Tornar o sexo seguro mais fácil e mais divertido

Continuar duro
Conversar
Lembra-te que alguns rapazes têm dificuldade em usar
Fala sobre sexo seguro durante os preliminares e na preservativos. Não é raro alguém perder a erecção
fase inicial de excitação sexual, quando tu e o(s) teu(s) quando põe um preservativo. Isso pode criar uma certa

24
ansiedade de performance sexual e sensação de verg- Manter a força
onha, levando alguns a praticarem sexo desprotegido
em vez de arriscarem perder a erecção e, de algum Alguns rapazes sentem que os preservativos são uma
modo, não serem capazes de manter a sua performance barreira ao prazer e intimidade. E há aqueles que
sexual. Se a picha do teu parceiro ficar mole com o pre- gostam de ejacular dentro dos seus parceiros ou de ter
servativo, diz-lhe que isso não é um problema para ti. os seus parceiros a virem-se dentro deles. Prepara-te
Aligeira a situação e usa-a como uma oportunidade para para teres de afirmar o teu desejo por sexo seguro se
fazer mais do que à partida o deixou duro. Diz-lhe que tiveres um parceiro que pressiona os teus limites e te
mantenha o preservativo posto e os dois podem inter- quer foder sem preservativo. Pensa em outras formas
agir de modo a deixá-lo de novo duro o suficiente para de criar intimidade, proximidade e prazer que não exi-
foderem. jam que se vejam livres do preservativo.

SEXO SEGURO PARA RAPAZES TRANS


por Stef

original em http://trans-ftm-gay.blogspot.pt/p/castillano-safe-sexe-chicos-trans.html?zx=d6db588398e27c6a

É importante esclarecer que cada prática sexual requer Ao nível do acompanhamento ginecológico ou urológi-
um tipo de protecção específico. co (para quem fez uma faloplastia ou metadioplastia),
encontramo-nos perante médicos que frequentemente
As luvas devem ser usadas caso haja penetração com reassignam como mulheres. A maior parte dos médicos
os dedos ou com a mão, visto que o preservativo nunca ignora os nossos corpos trans modificados pela testos-
cobre toda a área e o fluxo ou mucosa pode correr pela terona e/ou as operações (mastectomia e/ou faloplastia
mão. e/ou metadioplastia). O resultado é a inexistência de
acompanhamento.
Em caso de sexo oral: usar uma camada de látex, pre-
servativo “feminino” (marca “Camaleão”, que se obtém A toma de testosterona altera os genitais: o clítoris
facilmente na maioria das sex shops) ou preservativo cresce e designa-se muitas vezes por dickclit. Após o in-
“masculino”. ício da toma de testosterona, podem gerar-se poliquis-
tos no útero. Entretanto, o acompanhamento médico
Em caso de práticas anais: para penetração anal usar (para quem faça uma faloplastia) tem o mesmo prob-
sempre preservativo (também nos sex toys e em lema para muitos: pouquíssimos médicos conhecem o
qualquer outro objecto utilizado); no caso de um dicklit, pénis trans e são capazes de praticar uma consulta cor-
pode usar-se um preservativo feminino para penetrar a recta. Tudo isto sem mencionar a angústia do coming
outra pessoa analmente, devendo ela pôr o preservati- out (saída do armário) em ambiente médico.
vo feminino no ânus sem o anel no final. Se utilizarem os
dedos, deve usar-se luvas de látex. Para se falar de sexo seguro, precisamos de abordar não
só as doenças sexualmente transmissíveis (DST) mas
Em caso de penetração vaginal: usar preservativo fem- também o contexto geral da pessoa trans e as discrimi-
inino ou masculino (em caso de dicklit, a situação é a nações a que está sujeita.
mesma; coloca-se o preservativo feminino na vagina
com o anel agarrado aos lábios vaginais). Ao nível romântico e sexual, não podemos negar a real-
idade de que a comunidade trans sofre muita rejeição.
É importante saber que, ao passar de sexo anal para Se não aparentamos ser trans, ou se a nossa aparência
sexo vaginal, há que mudar sempre de preservativo. O física provoca a dúvida sobre se somos homens ou mul-
mesmo aplica-se aos sex toys ou outros objectos, de- heres, somos mais frágeis. Para aqueles que aparentam
vendo também ser limpos com água e sabão neutro e/ ter um género definido, a saída do armário em contexto
ou bactericida (nas sex shops encontram-se também romântico ou sexual toma maior importância.
produtos de limpeza de sex toys e/ou bactericidas).
Como trans (aparentando ou não um género definido),
Se trocas de parceir* no sexo em grupo, mudam-se os tens de tomar uma decisão quanto a dizer, ou não, «Sou
preservativos d*s envolvid*s. trans» à pessoa com quem estás envolvido ou com

25
quem vais fazer sexo. Cada pessoa tomará a sua decisão – Tens para onde ir?
em função da relação sexual que pretende ter, da parte
da transição em que se encontra, do lugar onde está, se – Podes sair do local em segurança?
se sente confortável e seguro, e de outros elementos a
considerar. Se decides revelar que és trans, eis algumas – Podes pedir ajuda a amig*s?
questões a ter em conta:
– Podes telefonar ou ir a casa de alguém
– Estás num lugar em que te sentes fisica- amig* que te possa assistir?
mente e emocionalmente seguro?
Ao nível das práticas sexuais, é muito importante que
– Podes abandonar rapidamente esse sítio, verbalizes os teus limites antes de chegares à relação
caso seja necessário? sexual.

– Após saíres do armário, podes ser forçado Alguns trans rejeitam ser tocados em algumas partes
a ser pedagógico no caso de alguém que saiba pouco so- do corpo (mamas e/ou vagina); outros utilizam todas
bre pessoas trans: terás disponibilidade para tal? as partes do seu corpo e disponibilizam-se a ser vagi-
nalmente e/ou analmente penetrados; outros ainda vão
E se a saída do armário é negativa: ter práticas mais “activas”, usando o dickclit, os dedos, a
língua e/ou um dildo: as práticas sexuais são variadas de
– Se as tuas emoções, o teu corpo, as tuas um trans para outro.
sensações e outros factores te indicarem que a situ-
ação ou a reacção da outra pessoa te põe muito descon- Para a penetração vaginal com dickclit, dildos, dedos ou
fortável, vais escutar essas indicações? pénis, é muito importante usar gel lubrificante (à base
de água) se não houver lubrificação física espontânea.
Para aqueles que fizeram uma faloplastia, o pénis é mais
vulnerável ao VIH por não ter mucosa, a saída da uretra
é mais larga, sendo uma entrada mais arriscada para as
DST. O preservativo é absolutamente necessário.

// imagem por Ana Farias & texto por Daniel Lourenço.

ele que crie e ela que cuide; o menino é humano e a menina


é mamã (sempre aquém de humana), o menino é fazedor
e a menina é doméstica (sempre aquém de fazedora). e no
entanto adivinhamos tantos outros modos de redistribuir e
recriar essas tarefas e características e desejos ao ponto de
explodir a coerência de um ser ou outro. a chave não é ca-
pacitar nem o menino, nem a menina. a chave é capacitar a
criança para ser tudo isso e nada disso, e ainda mais.
 

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// imagem por Ana Farias & texto por Daniel Lourenço.

nasces e cais aqui ou ali. o teu corpo é recebido e repartido,


diferenciado e distribuído, por todas as forças sociais que te todos estes moldes, tornarmos elásticas as nossas existên-
dirão o que és e onde vais antes de teres sequer fala ou acto cias, darmos espaços aos que vieram e aos que venham
teus. és entregue a um trabalho de vida inteira de te fazeres para ser outra coisa, para ser outras mil coisas, rasgando a
o que se decidiu já que farás e serás. é altura de quebrarmos coerção a que somos submetid*s.

27
Campanhas em 2013

Manifesto STP 2013 – Diversidade de Género na Infância


STOP TRANS PATHOLOGIZATION – STOP PATOLOGIZAÇÃO TRANS

A Campanha Internacional Stop Trans Pathologization •A retirada das categorias trans-específicas


(Stop Patologização Trans) é uma campanha mundial (“Disforia de Género”, “Disforia de Género na Infância”
pela despatologização das identidades trans. e “Trastorno Transvestista”) no DSM-V (Manual da APA,
American Psychiatric Association);
Desde 2007 que a Campanha STP convoca, no mês de
Outubro, uma série de ações internacionais pela despa- •A luta pelo fim de cirurgias forçadas a bebés
tologização trans. As atividades desse mês (também intersexo.
conhecido como Outubro Trans) culminam no dia 19 de
Outubro (Dia Internacional pela Despatologização das •A luta pelo direito à saúde trans-específica
Identidades Trans), com manifestações simultâneas em e plena para as pessoas trans (transgénero, transexuais
diversas cidades do mundo. e demais).

Em Outubro de 2012, o “Outubro Trans” incluiu mais •O impulsionamento e reforço de atividades


de 100 atividades em 48 cidades de diferentes con- que promovam o debate e questionamento dentro do
tinentes, desde a América Latina, à Oceânia, América movimento trans.
do Norte, Ásia, África ou Europa. Mais de 350 grupos,
redes, plataformas e federações internacionais e organ- É a pensar na diversidade de género na infância, que
izações políticas declararam o seu apoio para com a STP. questionamos a utilidade clínica de uma categoria de di-
Atualmente, a campanha conta com a adesão de grupos agnóstico para crianças com expressões e trajetórias de
e redes de ativistas de todos os continentes do mundo. género diferentes das expectativas sociais associadas
À semelhança dos anos anteriores, também este ano o ao género que lhes foi atribuído à nascença.
Outubro Trans e o Dia Mundial de Acção pela Despa-
tologização Trans serão assinalados em Lisboa, com um A campanha STP está consciente que as crianças estão
evento previsto para sexta-feira, dia 25 de Outubro . particularmente vulneráveis a situações de discrim-
inação, abuso médico ou terapias “normalizadoras”.
No ano de 2013, a Campanha STP centra-se no lema Tal ocorre devido a uma falta de reconhecimento sis-
“Diversidade de Género na Infância”, em resposta às temática dos seus direitos de participação em decisões
mais recentes e diversas tentativas de a patologizar. clínicas. De facto, a tentativa de classificação como di-
Nesta área, os objectivos principais da campanha em agnóstico da diversidade de género na infância pode
2013 são: criar uma contradição com princípios estabelecidos na
Convenção Internacional de Direitos Humanos, no úl-
•A inclusão de um capítulo de atenção san- timo Conselho de Direitos Humanos ou nos Princípios
itária trans-específica, não baseada na doença, no CID- de Yogyakarta.
11 (Manual de Classificação Internacional de Doenças
e Outros Problemas de Saúde da OMS, Organização As crianças trans são na maioria das vezes sujeitas a
Mundial de Saúde) e a retirada da presença das identi- “tratamentos normalizadores” que deixam profundas
dades trans (categorias F64, F65.1 e F66) do Capítulo V marcas de instabilidade, estigmatizando e traumatizan-
deste manual. Esta alteração facilitaria a sua cobertura do as mesmas e, deste modo, comprometendo um fu-
pública em diferentes partes do mundo; turo saudável. É-lhes negado o reconhecimento da sua
identidade de género, bem como da sua livre exploração
•A retirada imediata da proposta de inclusão e expressão.
da categoria “Incongruência de Género na Infância” no
CID-11; A campanha nacional acredita que se devem consider-
ar os tratamentos com bloqueadores da puberdade, e
•A presença e participação continuada do apenas se a criança e a família o requererem. De facto,
movimento trans no processo de revisão do CID; estes tratamentos podem evitar a necessidade de mo-
rosos, caros e desagradáveis tratamentos para alterar
efeitos da puberdade que podiam ter sido sus

28
pensos. Assim, a utilização de bloqueadores pode ser Outras reivindicações nacionais da campanha STP:
um utensílio para oferecer tempo e espaço para a livre
descoberta da diversidade de género na infância. No •Uma verdadeira Lei da Identidade de Géne-
entanto, o objectivo principal no seu uso é dar à criança ro, que não patologize as identidades trans e permita
liberdade e não coagi-la a uma qualquer escolha binária, lutar mais eficazmente contra todo o tipo de discrim-
caso a mesma não o desejar fazer. inações de que são alvo no emprego, na habitação, no
acesso à saúde;
De acordo com os critérios de diagnósticos estabeleci-
dos para a “Disforia de Género na Infância” e no DSM-5, •Direito à mudança de nome e sexo nos doc-
pode-se notar a contradição entre dois pensamentos: umentos de identificação sem tratamento obrigatório
ou diagnóstico, ou qualquer avaliação médica ou judi-
1.Existe um reconhecimento da possibili- cial. Bem como a anulação do aumento exorbitante do
dade de identificação com “um género alternativo difer- preço da alteração de nome e género incluído nos re-
ente do atribuído à nascença” centes aumentos dos preços dos actos notariais;

2.Observa-se o pressuposto de que há jogos, •A inclusão da “Identidade de Género”, como


brinquedos e actividades infantis considerados “típicos” motivo pelo qual ninguém pode ser discriminado, no ar-
do género atribuído à nascença. Mais ainda, existe uma tigo 13º da Constituição da República;
preferência pelas actividades infantis associadas ao
“outro género” e usadas de forma estereotipada. •Descentralizar o atendimento cirúrgico,
limitado a Coimbra (HUC – Hospitais Universidade
Este último pensamento reproduz um modelo redutor de Coimbra) com a extinção da realização de cirurgias
do que é a diversidade de género em criança, reforça o em Lisboa, com perda de qualidade, bem como o aten-
binarismo de género e os estereótipos de género e re- dimento psiquiátrico e psicológico; exigir ainda que as
flecte o modelo diagnóstico ocidental. pessoas trans que o requererem possam obter infor-
mação detalhada sobre o serviço e a qualidade do aten-
Na verdade, a descoberta de diferentes expressões dimento cirúrgico praticados nos HUC;
de género e formas de o encarar, não está relacionada
necessariamente com uma experiência de sofrimento, •Descongestionar as longas e prejudiciais
doença, transtorno ou estado que necessite atenção listas de espera e diminuir o exagerado tempo dos pro-
médica. (Especialmente em contextos culturais afirma- cessos evitando a multiplicação de inúmeras avaliações
tivos.) psicológicas;

Nos casos em que crianças com expressões, vivências e •Fim das cirurgias à nascença e tratamentos
identidades de género diferentes das do género atribuí- normalizadores a bebés intersexo até que (ou se) os
do à nascença, estas devem poder requerer aconselha- desejem;
mento psicológico e social. Esse aconselhamento deve
ser um processo de livre exploração de expressões de •Fim da coação à esterilização de trans mas-
género e de aconselhamento, para si e para os seus culinos.
pais/familiares, sobre como lidar com as experiências
de discriminação de que pode sofrer. Para este apoio •Facultar às crianças trans tratamento hor-
específico, consideramos que não seria necessário cat- monal destinado a bloquear os efeitos da puberdade até
egorizá-lo especificamente no CID. Esse apoio seria fei- que as identidades de género se clarifiquem, de modo a
to com base na disponibilidade dos profissionais numa evitar tratamentos dispendiosos e morosos aos efeitos
abordagem não-patologizante e aberta à diversidade da puberdade que deste modo podem ser evitados. O
de género e multiplicidade de histórias. tratamento bloqueador nunca deve, contudo, ser usado
numa perspetiva de invisibilizar, evitar ou “normalizar”
Para facilitar a cobertura pública dos serviços de acon- numa perspetiva binária as identidades e expressões de
selhamento, a nossa proposta é a inclusão do conceito género trans.
de “identidade de género” nas regulamentações e códi-
gos de boas práticas relacionadas com aconselhamento •Fim dos atuais ataques ao Serviço Nacion-
ou experiências de discriminação. Finalmente, consid- al de Saúde, na área da prevenção de Infeções Sexual-
eramos muito relevante a possibilidade de manutenção mente Transmissíveis, no racionamento ou corte de
de contactos com grupos e redes de ativistas trans, por tratamentos e medicamentos no âmbito do memorando
parte do pessoal médico. da Troika e das medidas de austeridade acrescidas.

29
Outras reivindicações internacionais da Campanha •Condições de saúde e de segurança no de-
STP, igualmente necessárias em Portugal: senvolvimento do trabalho sexual, a que muitas pessoas
trans são forçadas a recorrer em consequência da sua
•Medidas de educação e proteção contra a sistemática exclusão social e laboral, e o fim do assédio
Transfobia, nomeadamente no meio escolar, e o recon- policial a estas pessoas, bem como do tráfico sexual;
hecimento da diversidade de expressão e identidade
de género de qualquer criança pelos colegas e profes- •Concessão imediata de asilo político às pes-
sores/auxiliares, desde os jardins-escola; soas trans imigradas que chegam ao nosso país fugindo
de situações de discriminação e violência em função da
•Garantia de acesso ao mundo laboral e sua identidade de género.
adoção de políticas específicas para acabar com a mar-
ginalização e a discriminação das pessoas trans;

CAMPANHA NO + TRANSFOBIA (CHILE)


Contribuições de Portugal para a campanha chilena No + Transfobia
Ver mais em: http://nomastransfobia.tumblr.com

Os homens com mamas e vulva existem. Sou um homem porque é que acham que o que eu sinto não é válido. Gos-
trans* (FTM) feminino que, às vezes, gosta de se maquilhar. taria de não ter de ser seguido por psiquiatras ou psicólogos
que me tratam mal, me desrespeitam e acham que a nossa
Gostaria de um dia poder ir à praia e mostrar o meu peito diversidade é uma doença a tratar.
não-operado, à vontade. Gostaria de, ao ser trans* e pre-
cário, poder ter mais perspetivas de futuro do que a miséria. Nada disto é possível, porque existe transfobia.
Gostaria que companheir*s trans* não se quisessem suici- No + Transfobia!
dar ou fossem assassinad*s. Gostaria de não ter medo de Mi Guerreiro
que alguém descubra que eu sou trans*. Gostaria que nin-
guém achasse que está no direito de dizer quem eu sou ou

 
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Sou como aí me vêem. E tenho medo de sair à rua sendo ciso. E tenho medo de uma sociedade que fica perplexa se
quem sou. me vir de vestido. Tenho medo de uma sociedade que fica
Tenho medo que alguém me bata, que me espantada, e se torna agressiva, porque eu decidi sair à rua
ataque verbalmente, que me espanque. Tenho medo que al- vestid*.
guém me mate. Tenho medo que alguém me deixe, aqueles E quero deixar de ter medo. No + transfobia!
que o fariam por lhes mostrar quem sou. Até em espaços
trans* tenho medo. Mesmo neles, a minha identidade é ne- Alice Cunha
gada, invisibilizada. Aqui dói mais, porque neste espaço de-
viam mesmo perceber. E tenho medo. Não tenho operações
nem faço intenção. Se precisasse, teria medo. Mas não pre-

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