ou mística dentro de uma orientação mos nestes notáveis ensaios, para
religiosa corresponderam assim exac- além de uma interessante introdução tamente ao chamado «nerve of the à história das religiões, uma apresen- time», marcado por uma certa inte- tação da situação histórica na qual riorização do indivíduo. nasceram disciplinas como a antro- No último capítulo, Kippenberg pologia ou sociologia da religião. Fi- acentua mais uma vez a ambivalência nalmente, Kippenberg conseguiu es- que se esconde atrás do fenómeno crever um livro interdisciplinar que da modernização. A partir de uma ultrapassa de uma maneira admirável referência a Peter L. Berger, Kippen- e extremamente informativa o sim- berg destaca que muitas pessoas ples horizonte histórico. Neste senti- entendem a modernização como uma do, a leitura do livro pode ser acon- possibilidade de se libertarem de al- selhada a historiadores da religião, gumas tradições velhas e muitas ve- bem como a antropólogos e sociólo- zes sentidas como sufocantes. Por gos que concentram os seus estudos outro lado, o indivíduo moderno em fenómenos religiosos. Hans G. sofre logo um desassossego meta- Kippenberg é professor de Ciência físico, ou seja, um receio de viver das Religiões na Universidade de sem abrigo transcendental. Parale- Bremen e fellow no prestigiado Max lamente a este processo, numa so- Weber Center for Advanced Cultural ciedade moderna o lugar e a função and Social Studies da Universidade da religião mudaram fundamental- de Erfurt. mente. E é especialmente este facto que determina hoje em dia o trabalho STEFFEN DIX científico acerca das religiões: «The need for reliable knowledge of world- views and norms has grown as modernization has led to a break with the traditional world. The experience of the loss of certainty and self- François Jost, Comprendre la télé- evident truths demanded a reflection vision, Paris, Armand Colin, 2005; on what was remaining of past and Régine Chaniac e Jean-Pierre foreign religions. Along with the di- Jézéquel, La télévision, Paris, La senchantment of all ways of life grew Découverte, 2005. the individual’s need for meaning» (p. 192). Em termos das disciplinas cientí- A centragem da comunicação glo- ficas, o Discovering Religious His- bal através da língua inglesa tem por tory in the Modern Age é sobretudo consequência a primazia dada na aca- um livro que devia ser considerado demia e na edição aos estudos anglo- 644 histórico. Por outro lado, encontra- -americanos, apagando-se involunta- Recensões
riamente a atenção sobre trabalhos serir elementos sobre a evolução do
de qualidade noutras línguas. Nos media e dos seus géneros. O autor estudos televisivos, esse apagamen- pretende também, ao longo do livro, to é evidente, tendo menor circula- estabelecer as características que ção do que trabalhos medianos em distinguem a televisão, em especial inglês, trabalhos de qualidade em do cinema, valorizando o «contexto» francês, alemão, português e tantas em que os programas existem en- outras línguas. Os autores nórdi- quanto produtos culturais. Nesse cos optaram por usar com fre- sentido, aproxima-se da pragmática quência o inglês, publicando nessa dos estudos televisivos britânicos, língua na Internet (por exemplo, que estabelecem uma análise dos www.nordicom.gu.se) ou em livro, conteúdos televisivos em três verten- o que tem permitido uma justa visi- tes: o texto (valorizando-se a análise bilidade a autores como o norueguês semiótica), a institucionalidade (per- Jostein Gripsrud (Understanding mitindo explicar condicionantes do Media Culture, Oxford, Arnold, resultado final através da análise do 2002). Seria muito positivo para a canal, empresa, legislação, economia investigação em Portugal que hou- dos media, etc.) e as audiências (ele- vesse uma política estruturada de mento decisivo não só nos conteú- tradução e divulgação em inglês dos dos, como na sua colocação em trabalhos de referência de investiga- «grelha» televisiva). Daí que, além dores de língua portuguesa. do texto, cuja análise parece em ge- Em França, os estudos televisivos ral sobrevalorizada em França, o au- não têm esta denominação, estando tor acentue a necessidade do estudo englobados nos estudos comunica- da programação e ainda do género, a cionais, mediáticos e de imagem. que já dedicou trabalhos anteriores, François Jost, autor de Comprendre por considerá-lo fulcral no estudo la télévision, é professor de Ciências dos programas. da Informação e da Comunicação na Tal como autores de língua ingle- Universidade de Sorbonne Nouvelle sa, como Jason Mittell1, o autor con- Paris III e director do Centro de sidera que o género é definido tam- Estudos das Imagens e dos Sons bém pela audiência e pela instituição, Mediáticos (CEISME), em Paris; os e não apenas pelo texto quando ana- seus trabalhos mais importantes da lisado pelos especialistas. Jost usa o última década dedicaram-se à televi- conceito feliz de «promessa de géne- são. Este livro de 2005 é um peque- ro» (p. 43) como âncora para essa no manual de 128 páginas que per- mite, em simultâneo, desenvolver 1 ferramentas de análise da televisão e Jason Mittell (2004), «A cultural ap- proach to television genre theory», in Robert aplicá-las em casos práticos. Mas C. Allen e Annette Hill, The Television Stud- Jost consegue ao mesmo tempo in- ies Reader, Londres, Routledge, pp. 171-181. 645 Análise Social
definição: o canal promete um pro- o partido do espectador» (p. 5) não
grama de um certo género, a apre- significa que este livro se destina ciação pelos especialistas e pela au- apenas ao público em geral que pos- diência permitirá confirmar se a sa querer iniciar-se na literacia dos promessa é cumprida. O capítulo media (ou «educação para os me- sobre o género é um dos mais con- dia», p. 7), mas antes representa seguidos, embora o autor não expli- uma atitude analítica independente que a afirmação pressuposta do «di- não só das instituições mediáticas, recto» como género. Apesar da sua mas também do que parece ser a importância fundamental para a corrente maioritária nos estudos tele- «ontologia» do media, o directo é visivos franceses, de «oposição» às um tipo de comunicação transversal indústrias culturais tout court. Neste a vários géneros, não sendo auto-su- aspecto, Jost aproxima-se dos seus ficiente quanto a conteúdos e até à colegas anglo-americanos, que pou- inserção neles: por exemplo, além da co cita, aliás, preferindo dar ao leitor informação e dos programas de en- portas de acesso apenas a estudos tretenimento de variedades, não só quase todos franceses. Essa opção é houve programas ficcionais (teatro) aceitável num livro de iniciação e por em directo nos primeiros anos da se tornar necessário um conheci- TV, como se voltou a esse tipo de mento dos conteúdos analisados: transmissão recentemente (por exem- muitas vezes é complexo estudar te- plo, episódio da novela Anjo Selva- levisão quando os estudos se repor- gem em directo, TVI). tam apenas a programas que o leitor Jost considera que os programas desconhece. No caso específico do de televisão se inserem num de três leitor português, essa bibliografia «mundos» — o do real, o da ficção serve como índice de um corpus a e o do jogo — ou na sua intercep- par do anglo-americano. Este livro, ção. Na sua análise não recorre ape- em geral, tem como outro interesse nas a conceitos da literatura, da an- para o leitor português as muitas se- tropologia e da sociologia. De facto, melhanças da história da televisão em Jost é um autor que nunca deixa de França e em Portugal, não só do lado o contexto social como chave ponto de vista institucional, como de explicativa dos programas, sendo conteúdos e audiências. este seu trabalho um exemplo de Este livro serve como ponto de aplicação de uma definição ampla de situação da televisão no início do cultura. A ferramenta analítica dos século XXI. Todavia, falha na ausência três mundos (pp. 62-103) torna-se da consideração sobre a evolução do útil para o estudo concreto de casos, media: nada diz quanto a novas téc- passo que o autor exemplifica no nicas de transmissão de conteúdos, último capítulo deste livro. novas técnicas de interactividade, O facto de Jost se apresentar des- fragmentação crescente de canais e 646 de a primeira página como «tomando de audiências, sobre a diminuição do Recensões
peso social do media. Desta forma, interrogam-se ainda sobre as novas
Comprendre la télévision é um ma- possibilidades resultantes da conver- nual quase exclusivamente sobre a gência de técnicas de informação e televisão generalista e as suas formas da «polivalência das redes e termi- de apresentação. nais» e ainda sobre a interactividade. Como que colmatando essa falha, Terão estas evoluções necessaria- também em 2005 uma socióloga e mente consequências sobre o género um economista franceses publicaram de programas que a televisão oferece um pequeno manual cuja caracterís- aos espectadores? Embora o texto tica determinante é a atenção presta- do último capítulo e o da conclusão da à evolução recente do media, a sejam claros e bem justificados, é par de um enquadramento histórico. pena que os autores não tenham de- O pequeno livro (122 páginas) faz senvolvido o conceito promissor de um acompanhamento correcto da «desprogramação» (pp. 89 e seg.), evolução da televisão, mostrando isto é, sendo a programação essen- quanto o envolvimento institucional e cial à definição de televisão (como comercial determinou em boa parte o também refere Jost), o seu esvazia- modelo de televisão estatal para a co- mento poderá levar ao próprio desa- mercial, hoje ainda em torno da tele- parecimento do que definimos como visão generalista (capítulos I e II), televisão: «A questão central para o mas já em mudança para um modelo futuro da televisão, quaisquer que que ainda se desconhece na sua in- sejam os modos de difusão, man- teireza. A evolução técnica também tém-se a sua capacidade de criar influi, mas os autores desde o início programas susceptíveis de conquis- rejeitam uma interpretação determi- tarem os públicos e de constituírem nista a este respeito. assim um património à sua medida» Apesar de a maior parte dos (p. 114). exemplos sobre a televisão generalista no livro serem dos anos 80, o que EDUARDO CINTRA TORRES revela alguma paragem no tempo da sua investigação, eles são ilustrativos e Chaniac e Jézéquel avançam sem falhas para o tema da multiplicação dos canais e da introdução da televi- são paga (III) e daí para a «emergên- cia de um novo modelo de televisão» Zygmunt Bauman, Confiança e (IV): a diversificação da oferta, mas Medo na Cidade, Lisboa, Relógio com uma programação «regida pela d’Água, 2006. penúria», a fragmentação dos públi- cos e as interrogações sobre o «fim dos canais generalistas». Sobre o Zygmunt Bauman, um dos mais futuro da televisão (V), os autores prolíficos sociólogos da actualidade, 647