Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
P-029 - A Frota Dos Saltadores - Kurt Marh
P-029 - A Frota Dos Saltadores - Kurt Marh
Tradução
RICHARD PAUL NETO
Digitalização
VITÓRIO
Revisão
ARLINDO_SAN
A Terceira Potência, resultado da feliz aliança entre a
supertecnologia arcônida e o espírito de iniciativa do homem, já
existe há alguns anos, segundo a contagem de tempo terrestre.
Muita coisa aconteceu nesses anos: a defesa contra as
invasões vindas do espaço, a decifração dos velhos mistérios do
planeta Vênus, a luta contra os tópsidas no sistema Vega e a
descoberta do planeta da imortalidade; isso para mencionar
apenas algumas das realizações mais dramáticas da história,
ainda recente, da Terceira Potência, criada e dirigida por Perry
Rhodan.
Mesmo o Supercrânio, um mutante dotado de um incrível
poder hipnótico, pôde ser eliminado.
Mas sua ação nefasta teve uma conseqüência grave: os
mercadores galácticos, também conhecidos como saltadores,
tiveram sua atenção despertada para o planeta Terra, e para a
Terra enviaram seus espiões; em compensação, Perry Rhodan
incumbiu Julian Tifflor, um cadete da Academia Espacial, de
realizar a contra-espionagem. Para isso, o transformou num
verdadeiro chamariz cósmico. Mas, quando o senhor da Terceira
Potência quer livrar Julian Tifflor de uma situação bastante
desagradável, defronta-se com A Frota dos Saltadores...
= = = = = = = Personagens Principais: = = = = = = =
Perry Rhodan — Chefe da Terceira Potência.
Julian Tifflor — Que vai para o espaço numa missão secreta; tão secreta, que nem
mesmo ele nada sabe.
Humpry Hifield, Klaus Eberhardt, Mildred Orson e Felicitas Kergonen — Que
conseguem fugir pouco antes da hora em que seriam libertados, e vão de
mal a pior.
Orlgans e Ornafer — Dois saltadores cuja nave foi a primeira a descobrir a Terra.
RB.013 — Um dos robôs da Terceira Potência.
1
***
***
***
— Não há qualquer reflexo que indique a existência de matéria num raio de vinte
anos-luz — anunciou o localizador.
Perry Rhodan estava sentado diante do painel do piloto da Stardust-III. Na tela via-
se o negrume do espaço vazio, entremeado por um véu de pontos luminosos, frios e de
contornos indefinidos.
Duas manchas apagadas e desbotadas também apareciam na tela — os cruzadores
Terra e Solar System.
— E fora do raio de vinte anos-luz? — perguntou Rhodan, falando para o interior
do microfone.
A resposta foi imediata:
— Beta-Albíreo fica a uma distância de 21,85 anos-luz do ponto em que nos
encontramos. Trata-se de uma estrela geminada da constelação de Cisne.
Rhodan confirmou com um aceno de cabeça.
— Há mais alguma coisa?
— Há mais dois sóis a uma distância de 53,56 e 62,72 anos-luz.
— Obrigado.
Reginald Bell, que já se levantara há algum tempo, se encostou de lado contra o
painel de instrumentos.
Rhodan lançou-lhe um olhar.
— Saltamos por uma distância de trezentos e cinqüenta anos-luz — disse em tom
pensativo. — Beta-Albíreo fica a trezentos e vinte anos-luz de nosso sol. Segundo o
cérebro positrônico, a margem de erro dos cálculos realizados é de 9,2%.
Ficou em silêncio e voltou a entrar em contato com o localizador.
— Preciso saber a distância entre as duas estrelas desconhecidas e o Sol — disse.
No receptor ouviu-se o zumbido da calculadora automática. A resposta não se fez
esperar.
— A mais próxima das duas fica quase exatamente sobre o prolongamento da linha
que une a Terra à Stardust-III. Conclui-se que a distância do Sol é de cerca de
quatrocentos anos-luz. A outra se afasta dessa linha na proporção de um Pi positivo. A
distância do Sol é de cerca de trezentos e oitenta e três anos-luz.
Rhodan desligou e voltou a olhar para Bell.
— Você ouviu?
Bell realizou alguns cálculos mentais.
— Ouvi, sim — disse em tom pensativo. — Trezentos e cinqüenta com 9,2% de
margem de erro significa que o objetivo se encontra no espaço situado entre trezentos e
dezoito e trezentos e oitenta e dois anos-luz. O valor de trezentos e vinte pode ser correto,
o de trezentos e oitenta e três talvez também o seja. Mas o de quatrocentos pode ser
excluído.
Rhodan confirmou com um aceno de cabeça.
— Está bem. Podemos escolher entre dois objetivos. Por qual deles devemos optar?
Bell contorceu o rosto num sorriso combativo.
— Pelo mais provável dos dois: Beta-Albíreo.
***
Pela sua origem, os saltadores podiam ser considerados uma raça arcônida. No que
diz respeito à tecnologia, eram iguais, se não superiores aos arcônidas, os senhores do
império galático.
As naves dos saltadores, tanto as de guerra como as mercantes, estavam equipadas
com sensores estruturais que registravam, a grande distância, o abalo do espaço
quadridimensional provocado pela transição de uma nave.
A Orla XI não teve a menor dificuldade em localizar o forte abalo provocado pela
transição das três naves de guerra terrestres.
Foi quando Orlgans, dono e comandante da Orla XI, começou a perceber que
provavelmente o empreendimento em que se metera ultrapassava suas forças.
Conversou com a pessoa que, a bordo de uma nave terrestre, seria designada como
o imediato. Os saltadores eram negociantes, e a bordo de suas naves ninguém ostentava
dignidades militares.
O nome dessa pessoa era Ornafer. Um terreno que visse os dois homens não
conseguiria distingui-los, a não ser que os conhecesse há muito tempo. Tinham a mesma
estatura — ambos mediam dois metros — e o mesmo feitio maciço do corpo. Os cabelos,
da mesma cor, não eram cortados, e ambos traziam a barba aparada segundo a moda que
então prevalecia entre os saltadores.
— Alguém está no nosso encalço — disse Orlgans em tom sério.
Ornafer deu uma risada de desafio.
— E daí? Ficarão sabendo com quem estão lidando.
Orlgans balançou a cabeça.
— É possível que nós também fiquemos sabendo com quem estamos lidando —
ponderou.
Ornafer ainda estava rindo.
— Quem poderá fazer alguma coisa contra nós? Afinal, somos os saltadores!
Orlgans era de outra opinião.
— Esses seres conhecem o mundo da vida eterna. Não conhecemos os recursos
técnicos de que dispõem.
Ornafer contemporizou.
— Está bem — disse. — Já que está preocupado, podemos pedir que mandem
algumas naves de guerra para nos socorrer.
Orlgans levantou ambas as mãos, num gesto de concordância.
— A última localização indica uma distância de vinte anos-luz. Se chegarem mais
perto, chamarei as naves de guerra.
***
***
***
Ornafer riu.
Costumava rir sempre que se via diante de uma situação extraordinária.
Estava assustado e sentia um pouco de medo.
O sensor estrutural deu notícia de outra transição, ainda mais intensa que a anterior
por ser mais próxima.
Apenas uns dois anos-luz.
Orlgans não se encontrava na sala de comando. Ornafer entrou em contato com ele
para lhe transmitir o aviso.
— Chame as naves de guerra! — ordenou Orlgans. — Imediatamente! E mande
reforçar as sentinelas na nave inimiga. Os corredores mais importantes devem ser
ocupados. Não quero que essa gente aproveite a confusão para fugir.
Ornafer confirmou e dispôs-se a cumprir as ordens que acabara de receber.
Os saltadores eram seres estranhos. Não tinham pátria; viviam nas naves em que
viajavam pela galáxia. Viam a finalidade de sua vida em praticar o comércio e impedir
que qualquer outro ser o praticasse. Reivindicavam o monopólio do comércio
intergaláctico. Por mais abertas que suas mentes fossem para o Universo, afirmavam com
um fervor verdadeiramente religioso que no começo de sua história uma lendária
divindade lhes havia concedido o monopólio do comércio intergaláctico.
De certa forma, a situação dos saltadores no âmbito do império galático, cujo centro
era o mundo de Árcon, não deixava de ser singular. Desde tempos imemoriais, os
arcônidas foram de opinião que o comércio com quem quer que fosse era uma prática
inferior à sua dignidade. Os saltadores, que eram parentes afastados dos arcônidas,
preencheram o espaço vazio e se tornaram indispensáveis, a ponto de que qualquer um
que quisesse fazer algum negócio a grande distância não poderia prescindir de seu
auxílio.
Acontece, porém, que os “comerciantes” só visavam ao seu proveito. Eram eles que
fomentavam as rivalidades no interior do império, pois a formação de grupos dissidentes
abria campo mais amplo às suas manobras.
Mostravam-se tolerantes perante todos, porque não havia nada pelo que valesse a
pena lutar. Só numa hipótese perdiam a tolerância: quando alguém tentava romper seu
monopólio. Sua imensa frota de guerra conferia-lhe um grande poder; na verdade, esta
frota já era muito mais forte que a de Árcon. Os saltadores, que por convicção eram
indivíduos cujo maior prazer consistia em arrancar o lucro de um colega, não haviam
tardado a compreender que mesmo um individualista tem que se dedicar à defesa dos
interesses comuns. Por isso haviam construído uma frota de guerra que andava pelo
espaço, aguardando o momento em que qualquer nave mercante solicitasse seu auxílio.
Nos momentos de perigo, embora costumassem viver espalhados pelos quatro
cantos da galáxia, competindo entre si, os saltadores formavam uma unidade compacta.
“Viver separados, defender-se juntos” — esta frase, que tanto se parece com certo
provérbio terrestre, se transformou na concepção fundamental da política dos saltadores.
Ornafer, que transmitiu seu grito de socorro pelas hiperondas, poderia ter certeza de
que o auxílio chegaria num brevíssimo espaço de tempo.
Depois tratou de cumprir a segunda parte da ordem de Orlgans: mandou que mais
cinco sentinelas se deslocassem para a nave inimiga.
***
Tiff levou vinte minutos para ativar os agregados da Good Hope-IX. Mais uma hora
se passaria antes que os propulsores da nave trabalhassem a toda força, libertando-a da
tenaz magnética da Orla XI.
Estava decidido sobre uma coisa: tal qual Deringhouse, não faria nada ao inimigo.
Tiff saiu da sala de comando sem ser visto. Assobiou um trecho da melodia
combinada. Imediatamente Hump, Eberhardt e os três cadetes que os acompanhavam
nessa parte da missão saíram dos nichos da escotilha da sala de carga em que estiveram
escondidos.
Ainda se ouviam as risadas das moças, vindas da direita.
— Tudo em ordem? — perguntou Hump.
Tiff confirmou com um aceno de cabeça.
— Tudo em ordem. Daqui a uma hora a Good Hope-IX deverá se soltar da nave
inimiga. Até lá teremos de estar preparados para dar um jeito nas sentinelas. Vamos
voltar à sala de comando — ordenou. — Temos de avisar os outros.
Mal havia dado um passo quando as campainhas de alarma soaram pela nave. Tiff
parou e prestou atenção ao ritmo do sinal. O som das campainhas foi interrompido vez
por outra, a intervalos irregulares. Não conhecia o significado do sinal.
Em compensação, ouviu as pisadas ruidosas das sentinelas.
— Vamos embora! — cochichou Tiff. — Não devem nos pegar por aqui.
Correram um pedaço. Assim que ouviram os dois saltadores atrás deles, passaram a
andar devagar, para não despertar desconfianças.
— Pare! — gritou um deles. — Pare, senão atiro!
Falava em intercosmo, uma língua ensinada a todos os cadetes da Academia
Espacial.
Tiff começou a conversar com os amigos e continuou a andar, como se não tivesse
ouvido nada. Um tiro disparado por uma das longas armas de impulsos térmicos usadas
pelas sentinelas passou com um chiado acima da cabeça dos cadetes e traçou uma linha
de fusão da largura de um cabelo no metal do teto.
Tiff parou e se virou. Contorceu o rosto, como se estivesse assustado.
— O que... o que houve? — gritou.
Uma das sentinelas se aproximou.
— Eu mandei que parassem — resmungou. — Não ouviram?
Tiff sacudiu a cabeça.
— Não ouvi nada. O que houve?
— Alarma — respondeu a sentinela. — Por onde vocês andaram?
Tiff deu de ombros.
— Estávamos dando uma volta. Afinal, a gente não pode ficar sentado o tempo todo
naquela sala.
A sentinela lançou um olhar por cima do ombro.
— Feria, dê uma olhada na sala de comando. Veja se não fizeram uma das suas.
Feria abriu a escotilha e entrou na sala de comando. A luz se acendeu. Feria olhou
em torno.
— Não há nada — disse. — Tudo em ordem.
Tiff suspirou aliviado. Ainda bem que tivera a idéia de inutilizar as luzes de
controle do painel de comando.
Alguém subiu pelo poço do elevador; era um saltador, alto e de ombros largos, com
a arma de impulsos térmicos embaixo do braço. Foi seguido por quatro criaturas da
mesma espécie.
— Ah! Ah! Ah! — riu a sentinela. — O que vieram fazer por aqui?
— Alarma — respondeu um dos saltadores, também com uma risada. — Há
transições nas proximidades.
Apontou para os cadetes.
— Vamos trancar esses rapazes e vigiá-los direitinhos, para que não nos causem
problemas.
Tiff e seus colegas tiveram bastante juízo para não formular qualquer objeção.
Sabiam que o tempo trabalhava a seu favor; por enquanto a melhor coisa que
tinham que fazer era esperar. Esperar uma hora.
Foram levados de volta à sala dos tripulantes, juntamente com as duas moças. A
escotilha foi fechada.
Tiff levantou os braços. Era o sinal convencionado, através do qual Deringhouse e
os cadetes ficaram sabendo que o plano havia sido executado. Depois disse:
— Colocaram mais cinco sentinelas na nave. Não querem assumir qualquer risco.
Registraram algumas transições nas proximidades.
2
***
***
Na sala dos tripulantes da Good Hope-IX não se notava que a Orla pusera-se em
movimento juntamente com seus prisioneiros. Os neutralizadores da nave prisioneira
continuavam a funcionar e conseguiram absorver uma aceleração muito maior que a que
vinham enfrentando no momento.
De tempo em tempo, Tiff olhava para o relógio.
Faltavam dez minutos para o momento X.
Apesar das horas, o major Deringhouse sorriu. Na sala reinava um silêncio quase
completo. Entendiam-se perfeitamente as palavras que Deringhouse proferiu no seu leito:
— Eu daria os vencimentos de um ano se pudesse ver seus rostos.
De início Tiff se assustou. Mas pôs-se a calcular e concluiu que Deringhouse não
assumira nenhum risco. Mesmo que os saltadores introduzissem todas as palavras ali
pronunciadas no tradutor positrônico, demoraria mais de dez minutos até que tivessem
diante de si a tradução daquela frase pronunciada em inglês; e ainda mais até que
compreendessem seu sentido.
Faltavam cerca de três minutos para o momento X. Conforme havia sido
combinado, um dos cadetes pôs-se a martelar a escotilha. Dali a menos um minuto, a
escotilha deslizou para o lado e os rostos de duas sentinelas saltadoras surgiram na
abertura.
— O que houve? — perguntou um deles.
— Estamos com fome — respondeu Tiff.
— Preparem comida!
— Não temos nada — disse Tiff.
A sentinela riu. Virou-se e gritou:
— Honap, arranje comida.
A voz retumbante de Honap soou do corredor principal:
— Não posso ir para lá. Com a velocidade em que estamos a travessia é muito
perigosa.
A sentinela voltou a se dirigir a Tiff.
— É isso mesmo — resmungou. — Estamos viajando há alguns minutos. Vocês
terão de esperar até que a Orla XI não esteja acelerando mais.
Tiff estava muito surpreso, mas sabia que, apesar disso, não poderia deixar de
aproveitar a oportunidade que se oferecia. Sabia perfeitamente que da próxima vez a
sentinela não se mostraria tão confidente.
Tiff encarou os companheiros. Os rostos dos outros cadetes revelavam a mesma
surpresa. Um deles perguntou:
— Por que a Orla XI está acelerando?
Apesar da pergunta, Tiff começou a assobiar.
Viu que todos viravam a cabeça; estavam compreendendo. A Orla XI estava
viajando, com a Good Hope-IX a reboque, e ninguém sabia por quê. O momento era este!
Tiff saltou para a frente. Antes de voltar ao chão, seu braço enlaçou a enorme nuca
da sentinela. O impacto levou-o para o corredor; mas Tiff encolheu as pernas e arrastou a
figura maciça do saltador para dentro da escotilha.
O corpo se tornou flácido. Tiff deixou-o cair.
— Cuidem dele! — gritou.
Os cinco cadetes destacados para vigiar os prisioneiros puseram-se a desempenhar
suas funções.
Hump, ajudado por dois cadetes, dominou a outra sentinela.
Honap teve a atenção despertada para o ruído. Aproximou-se, caminhando
ruidosamente. Tiff e Eberhardt se lançaram simultaneamente sobre ele. A arma de
impulsos térmicos de Honap não lhe serviu de nada, pois quando conseguiu levantar o
cano já era tarde. Um tiro sem pontaria se perdeu com um chiado pelo corredor. Um
instante depois disso, Honap jazia no chão, inconsciente.
— Faltam quatro — disse Tiff, fungando. — Vamos para a sala de comando.
Não viram nenhuma das quatro sentinelas que restavam. Um bando de cadetes
correu pelo corredor principal.
***
***
O major Nyssen não pretendia atingir a Orla XI. Agora, que a Good Hope-IX
conseguira se desprender da máquina ruidosa dos saltadores, estava interessado apenas
em confundir o inimigo até que conseguisse capturá-lo com um campo gravitacional; da
mesma forma como os saltadores haviam aprisionado a Good Hope-IX.
Nyssen tinha plena certeza de que a nave inimiga era muito inferior à Solar System.
Não respondera ao fogo no momento em que foi ultrapassada. Não poderia haver início
mais poderoso.
Nyssen mandou que todas as reservas de energia fossem utilizadas para alimentar o
gerador gravitacional.
Todos os observadores da Solar System estavam ocupados em localizar eventuais
inimigos que se aproximassem. Não encontraram nenhum. A Solar System, a nave
inimiga e a Good Hope-IX estavam sozinhas naquele setor do espaço.
Mais uma vez Nyssen passou a algumas centenas de quilômetros do inimigo e
mandou disparar uma salva, errando a pontaria de propósito.
Ficou satisfeito ao notar que a nave inimiga iniciou manobras desviacionistas.
Descreveu uma curva ampla e continuou a acelerar.
Nyssen mandou que a Solar System fizesse meia-volta e mais uma vez se lançasse
ao ataque.
Enquanto as duas naves se aproximavam, ordenou:
— Preparar o campo gravitacional para a captura.
***
***
Orlgans acompanhava as manobras da nave inimiga com uma exaltação que lhe
provocava tremores.
Ornafer, imobilizado, encarava as telas.
— Desta vez eles nos pegam — resmungou Orlgans. — Não vão errar a pontaria
mais uma vez.
A nave esférica voltara a passar em disparada perto da Orla XI. Ainda desta vez
disparara vários tiros, mas nenhum deles acertara o alvo. Numa manobra arriscada, o
inimigo modificou sua rota e voltou a se aproximar.
Orlgans deu ordem para que desta vez os artilheiros respondessem ao fogo. A
esperança de que as peças pesadas da Orla XI pudessem causar algum mal à outra nave
era muito reduzida. Mas nem mesmo um mercador gosta de morrer sem tentar a defesa.
***
Rhodan aguardava. Estava impaciente. Não havia notícias de Nyssen, nem da Good
Hope-IX.
O cronômetro, regulado para a contagem de tempo terrestre, marcava 21:12 h do dia
28 de julho, tempo de Terrânia.
— Já está na hora de darem sinal de vida — resmungou Bell.
Rhodan lançou mais um olhar para o relógio. Aproximou-se do microfone.
— Rhodan para MacClears. Prepare-se para o salto. Precisamos verificar o que está
acontecendo.
***
***
No momento em que o sensor estrutural reagiu, Ornafer se sentiu tão surpreso que
levou algum tempo para transmitir a notícia a Orlgans.
— Há uma transição muito forte nas imediações — fungou. — Estamos perdidos de
vez.
Mas, dali a dois segundos, Orlgans gritou com a voz retumbante:
— São nossas naves de guerra! Estamos salvos!
***
***
A primeira salva passou a algumas centenas de metros da Good Hope-IX; Tiff deu
ordem para responder ao fogo, mas não conseguiu muito. Sua tripulação era muito
reduzida; além disso a experiência dos tripulantes com o manejo dos pesados
desintegradores, radiadores térmicos e canhões neutrônicos era muito limitada.
Apesar disso, uma das naves inimigas foi destruída.
Os cadetes começaram a exultar. Mas nem chegaram a abrir bem a boca quando a
Good Hope-IX sofreu um forte solavanco e foi deslocada alguns quilômetros para fora de
sua rota, com tamanha rapidez que os compensadores de aceleração mal conseguiram
reagir.
— Houve um impacto na sala de máquinas! — gritou alguém.
As sereias começaram a uivar, e a luz vermelha de controle da sala de máquinas
começou a piscar.
Sentado diante do painel do piloto, Julian Tifflor distribuía suas instruções com a
calma, objetividade e segurança de um comandante experimentado.
— Temos capacidade de manobrar? — perguntou tranqüilamente.
A resposta não se fez esperar:
— É quase nula. Não chega a cinco por cento.
Tiff acenou com a cabeça.
— Atenção, artilheiros! Continuem a disparar. Mantenham o inimigo à distância.
— Entendido.
Tiff virou-se com a cadeira.
— Vamos descer — decidiu.
Hump perguntou:
— Nós quem? Só temos um destróier a bordo, e nele não cabem mais de três
pessoas.
Tiff deu de ombros.
— Pois teremos que fazer com que caibam cinco: as duas moças e três homens.
Sugiro que Deringhouse seja um dos três.
A sugestão encontrou a concordância dos demais.
— Está bem — respondeu Eberhardt. — Quem serão os outros?
Tiff já estava andando.
— Veremos. Venham comigo. Correram para a sala dos tripulantes. O impacto
violento atirara o major Deringhouse fora do leito. Ele arrastara-se até a mesa e procurava
se levantar.
Tiff expôs a situação em que se encontravam.
— Vamos levá-lo para fora — concluiu.
Deringhouse deixou-se cair novamente e fez um gesto de recusa.
— Nem pensem nisso — disse. — Tive tempo de sobra para quebrar a cabeça sobre
os planos de Rhodan. Tifflor, você se encontra numa missão muito importante. Acho que
convém que dê o fora daqui. Leve as moças e estes dois — apontou para Eberhardt e
Hump — e não se esqueça de levar armas. Tomem as armas de impulsos térmicos dos
saltadores.
Tiff protestou, mas Deringhouse cortou-lhe a palavra.
— Nada de discussões, cadete Tifflor! É uma ordem!
Tiff fez continência.
— Entendido!
Perto da escotilha, os cinco saltadores estavam deitados no chão, amarrados. Mais
adiante viam-se os canos compridos dos radiadores de impulsos térmicos, que os cadetes
lhe haviam tomado.
— Peguem os cinco! — ordenou Tiff. — Nunca poderão ser demais.
Eberhardt e Hump recolheram as armas. Tiff parou na escotilha e olhou para
Deringhouse.
— Sinto-me como se fosse um... — principiou, mas logo foi interrompido por
Deringhouse.
— Cale a boca, cadete — gritou. — Trate de dar o fora o quanto antes. Procure
abrir caminho para a Stardust-III. De qualquer maneira, entre imediatamente em contato
com o chefe.
Tiff voltou a fazer continência e se retirou. Hump e Eberhardt seguiram-no. Foram
buscar as moças nos seus camarotes.
No hangar do destróier, Tiff deu as últimas instruções.
— Suspendam o fogo e procurem salvar ao menos a vida — ordenou aos cadetes.
— Por enquanto o inimigo leva vantagem sobre nós. Não façam tolices.
As duas moças já se encontravam na cabina. Hump deu-lhes as armas. Ainda estava
com o último dos radiadores na mão quando a escotilha interna começou a emitir um
zumbido e se abriu lentamente.
Eberhardt se encontrava sobre a asa esquerda do destróier. Ficou perplexo quando
viu o que havia atrás da escotilha.
— Cuidado! — gritou.
Tiff deixou-se cair para a frente e rolou em direção a Hump. Um disparo de
radiações chiou através do recinto. Hump compreendeu com uma rapidez espantosa.
Apontou a arma e disparou uma série de tiros contra a escotilha. Um grito horrível saiu
da abertura. Um vulto alto e largo cambaleou para dentro do hangar, procurou se manter
de pé e acabou tombando ao chão com um forte baque. Passos apressados se afastaram
pelo corredor que dava para o hangar.
Hump saltou em direção à escotilha, passando por cima do saltador gravemente
ferido.
— Fique aqui! — gritou Tiff. — Não temos tempo a perder!
Hump estacou em meio à corrida e voltou. Virou o saltador inconsciente, deitando-o
de costas. Apresentava uma grande queimadura bem no ombro esquerdo.
— Vai escapar — disse Hump laconicamente.
Saltou para cima da asa do destróier e entrou na cabina. Tiff foi o último a entrar;
enfiou-se no assento do piloto.
Numa mensagem apressada, informou a sala de comando de que um dos dois
saltadores que continuavam em liberdade estava deitado no hangar, gravemente ferido, e
que o outro havia escapado.
Depois ordenou:
— Fechem os trajes espaciais! Preparem-se para sair!
***
***
A menor unidade independente da frota militar dos saltadores era o grupo. Cada
grupo era formado de vinte e cinco a trinta e cinco naves e comandado por um indivíduo
cuja posição correspondia à de um capitão-de-fragata terrestre.
O grupo do comandante Harlgas era a unidade que se encontrava mais próxima ao
sistema de Beta-Albíreo quando Ornafer emitiu seus desesperados gritos de socorro para
o espaço, valendo-se de uma freqüência especial de hiperondas.
Harlgas agiu imediatamente.
Poucos segundos depois de concluir a transição, obteve um quadro nítido da
situação. A Orla XI, que se encontrava em posição difícil, afastava-se apressadamente do
sistema. Próximo a ela, havia uma nave inimiga de tipo arcônida. A uma distância um
pouco maior, havia outro veículo espacial, que parecia pequeno e inofensivo, motivo por
que Harlgas acreditou que não haveria o menor risco em atacá-lo.
Mas logo viu que havia um risco: foi quando uma das suas naves se dissolveu em
poeira. Assim que a perda lhe foi anunciada, Harlgas soltou uma furiosa gargalhada.
Poucos segundos depois, a artilharia do grupo conseguiu produzir um impacto no
pequeno veículo, que perdeu a capacidade de manobrar. Harlgas mandou suspender o
fogo e aguardou a reação do inimigo.
Enquanto isso, não tirava os olhos da nave muito maior, que até então se mantivera
inativa a uma distância de cerca de vinte mil quilômetros e subitamente passou a se
deslocar.
Não demorou muito a compreender que o inimigo se lançava ao ataque e mandou
que as naves de seu grupo assumissem posições de defesa.
Ficaria mais à vontade se soubesse quem era o inimigo que tinha diante de si. Uma
ligeira palestra mantida com Orlgans, na Orla XI, informara-o de que, embora as naves
fossem de origem arcônida, o que já percebera, o inimigo não poderia pertencer àquela
raça.
Harlgas não se sentia muito seguro. A situação se complicou ainda mais quando o
observador anunciou que um veículo de reduzidíssimas dimensões saíra da nave que
havia sido inutilizada.
Harlgas ordenou a dois dos seus comandantes que perseguissem o pequenino
veículo espacial. As vinte e sete restantes permaneceram nas posições que lhes haviam
sido indicadas, com a recomendação de não cometerem o erro de subestimar o inimigo.
Logo verificou que a recomendação se justificava: de uma distância da qual um
comandante saltador nem teria pensado em disparar, a nave inimiga deu a primeira salva
e, nessa primeira investida, transformou duas das naves de Harlgas numa nuvem de
poeira e cinza.
***
Conforme se planejara, o destróier saiu da nave e disparou pelo espaço. Tiff lhe
imprimiu uma aceleração não muito elevada.
— Para onde vamos? — perguntou Hump.
— Deringhouse disse que devíamos entrar em contato com Rhodan — respondeu
Tiff. — Não tenho a menor idéia de onde Rhodan possa estar metido, mas...
— ...mas, se Rhodan diz alguma coisa — interrompeu-o Hump — você acredita
como acreditaria numa passagem da Bíblia.
Tiff não perdeu a calma.
— Não é isso — respondeu. — Mas Deringhouse deve saber o que diz.
O espaço no interior da cabina era muito limitado. Só havia três assentos; por
questão de comodidade, tanto Hump como Eberhardt seguravam uma moça no colo.
Por causa do perigo que os ameaçava, mantinham os trajes espaciais fechados; por
isso as comunicações tinham que se realizar através dos emissores e receptores de
capacete. Tiff ouviu que Felicitas chorava baixinho.
Esteve a ponto de animá-la, quando a imagem da tela do rastreador começou a se
movimentar. Até então o aparelho havia seguido os movimentos da frota inimiga, que se
projetava na tela em forma de pontos imóveis. Mas, subitamente, dois desses pontos se
destacaram dos outros e começaram a se deslocar em direção ao centro da tela.
Tiff alterou a rota e imprimiu maior aceleração à nave.
— Vamos ter o que fazer — disse em tom indiferente. — Estamos sendo
perseguidos.
***
***
Às 21:45 h, hora de Terrânia, a Solar System avisou que havia recolhido a Good
Hope-IX.
Dois minutos depois, a Terra, disparando a uma distância segura, inutilizou uma das
naves do grupo do comandante Harlgas.
Às 21:51 h, os ocupantes da Stardust-III e da Terra perceberam que as outras naves
do grupo puseram no espaço pequenos veículos de socorro, que recolheram os
sobreviventes da nave gravemente danificada. Rhodan proibiu qualquer interferência na
operação de socorro. Bell protestou.
— Como poderemos saber com quem estamos lidando?
Rhodan respondeu com a maior tranqüilidade:
— Examinando os destroços, saberemos.
Pouco antes das vinte e duas horas, a Stardust-III deu cabo de mais uma nave
inimiga. Também desta vez notou-se que o inimigo se esforçava para salvar os
sobreviventes.
Depois disso Rhodan deu ordem para iniciar a manobra de frenagem. À medida que
a Terra e a Stardust-III reduziam a velocidade, a frota do comandante Harlgas se afastava
rapidamente.
Harlgas já soubera que os dois veículos espaciais mandados em perseguição do
destróier estavam perdidos. Assim que o grupo atingiu uma velocidade suficiente,
Harlgas se preparou para a transição. Dali a alguns minutos, suas naves desapareceram
dos céus do setor de Beta-Albíreo.
Rhodan observou a manobra com a maior tranqüilidade. Reginald Bell, que se
encontrava atrás dele, cerrou os punhos.
— Lá vão eles! — resmungou. — Não conseguimos nada.
Rhodan se levantou.
— Prepare dois grupos de salvamento, que sairão da nave dentro de dez minutos —
ordenou laconicamente, sem dar atenção às palavras de Bell. — Dirigirei pessoalmente
um dos grupos. Diga a Crest que peço que me acompanhe. O outro grupo será dirigido
por Nyssen, que se encontra bem mais próximo dos destroços.
Bell se apressou em retransmitir as ordens.
Poucos minutos depois, receberam a notícia, transmitida pela Solar System, de que
três cadetes e duas estudantes da Academia Espacial haviam saído da Good Hope-IX
num destróier, antes que esta fosse recolhida a bordo da Solar System.
Um dos cadetes, de paradeiro desconhecido, era Julian Tifflor.
Bell estava muito nervoso quando transmitiu a notícia a Rhodan. Mas este
demonstrou uma calma bastante estranha e sorriu.
— Ótimo! Tifflor saberá se arranjar.
De tão perplexo, Bell levou algum tempo sem conseguir dizer uma palavra. Quando
finalmente estava prestes a falar, Crest entrou na sala de comando.
Rhodan foi ao seu encontro.
Crest caminhava de forma tranqüila, quase relaxada. Já os passos de Rhodan
refletiam a energia daquele homem. Os brilhantes cabelos brancos de Crest e o cintilar
vermelho de seus olhos eram de uma beleza tão surpreendente que nem pareciam
verdadeiros. Os cabelos de Rhodan estavam arrepiados, pois na excitação dos últimos
minutos passara muitas vezes as mãos pelos mesmos. Mantinha os olhos semicerrados,
como se a luz do recinto os ofuscasse. Ali viam-se frente a frente o arcônida,
representante de uma raça antiqüíssima, e o homem terrano, que pertencia a uma espécie
cuja unidade biológica mal começara a se constituir.
— Gostaria de dar uma olhada numa das naves danificadas — disse Rhodan. —
Será que poderia me acompanhar?
Crest confirmou com um ligeiro aceno de cabeça.
— Será um prazer.
Dali a cinco minutos, chegou o aviso de que o grupo de salvamento estava pronto
para entrar em ação. Rhodan e Crest pegaram o elevador e desceram à comporta.
O pequeno grupo utilizou um veículo primitivo. Fora concebido especialmente para
o transporte entre várias naves que se encontrassem no espaço. Consistia basicamente
numa plataforma quadrada, de metal plastificado, que abrigava confortavelmente vinte
pessoas. Embaixo dela havia um mecanismo de propulsão que, face ao feitio primitivo da
mesma, desenvolvia uma potência bastante elevada, permitindo uma aceleração ou
desaceleração de até 100 g. Ainda embaixo da plataforma estava instalado o neutralizador
de pressão; o campo por ele gerado envolvia o espaço situado acima da plataforma,
protegendo seus ocupantes e impedindo que fossem atirados para o espaço.
Rhodan manteve contato radiofônico com Reginald Bell. Pouco depois que a
plataforma havia saído da Stardust-III, o mesmo comunicou a Rhodan que o major
Nyssen e seu grupo também se haviam posto a caminho.
A plataforma levou dez minutos para atingir a nave inimiga, que estava gravemente
danificada. O neutralizador criou um campo de gravitação direcional acima da
plataforma, não influenciável pelos impactos de aceleração e desaceleração. Com isso, os
homens que se encontravam no tosco veículo tiveram a impressão de que o vulto
gigantesco da nave descia sobre eles.
A nave era um verdadeiro monstro. Rhodan calculou que seu comprimento original
devia ser de uns duzentos e cinqüenta metros. O diâmetro do corpo cilíndrico era
seguramente superior a cinqüenta metros.
Rhodan já vira muitas naves de raças extraterrestres. Todas elas não passavam de
anões em comparação com o gigante ao qual a plataforma se encostava com o maior
cuidado.
Mesmo aquela nave inimiga, volatilizada pela metade, ainda emitia os raios
odientos de energia concentrada e capacidade de luta.
No momento em que o impacto suave sacudiu a placa de metal plastificado, Rhodan
estava ao lado de Crest. Olhou para o arcônida. Através da lâmina flexível do visor viu
que seus lábios se moviam. No alto-falante de capacete ouviu estas palavras:
— É uma nave dos saltadores!
Rhodan acenou com a cabeça; parecia pensativo. Face a um treinamento hipnótico
intensivo e prolongado, seus conhecimentos eram praticamente iguais aos do arcônida.
Conhecia a história dos saltadores tão bem quanto os arcônidas, e sabia que eram a única
raça que construía naves do tamanho da que tinha diante de si.
— O que será que essa gente tem contra nós? — perguntou Rhodan.
Crest levou algum tempo para responder.
— É possível que tenha chegado ao conhecimento deles que a Terra comercia com
Ferrol. E não gostariam disso.
— São de opinião — completou Rhodan — que só eles têm o direito de praticar o
comércio em maior escala e a grande distância. Foi esta a razão do ataque?
— Exatamente — confirmou Crest com a voz tranqüila.
Um jovem tenente desceu da plataforma e passou a caminhar sobre o casco da nave,
à procura de uma comporta. Rhodan ouviu seu aviso:
— Não encontro nenhuma abertura.
— Veja se conseguimos entrar no local de impacto — retrucou Rhodan.
O tenente impeliu-se para longe do casco da nave e flutuou até o lugar em que o
disparo do desintegrador da Stardust-III havia atingido a nave. Ali seus destroços
terminavam numa parede esfacelada e deformada.
O jovem oficial desapareceu por algum tempo. Mas logo Rhodan ouviu sua voz:
— Não há problemas; podemos entrar por aqui.
Rhodan respondeu à mensagem:
— Deixarei quatro homens aqui. Os outros irão comigo.
Em grupo de sete, passaram ao lado do envoltório da gigantesca nave, dobraram
cautelosamente a parede quebrada e dirigiram os feixes de luz de suas lanternas para a
escuridão da nave vazia.
A construção era simples e fácil de abranger com a vista. O eixo da nave cilíndrica
era formado por um amplo corredor que, segundo parecia, prosseguia até a proa e, antes
do impacto, provavelmente só terminava na popa agora gaseificada.
Rhodan foi o primeiro a entrar. Deu um passo e apoiou as pernas firmemente no
chão recortado, para absorver o impacto da gravidade, caso houvesse um neutralizador e
o mesmo estivesse intacto.
Mas não havia nada disso. A ausência de gravidade se espalhara por todos os cantos
da nave sem vida. Rhodan empurrou-se com o pé e, de holofote na mão, flutuou pelo
corredor.
Crest seguiu-o.
— Bem que poderia contar o que está procurando aqui — disse Crest.
— Procuro indício — respondeu Rhodan. — Não me contento em adivinhar quais
são suas intenções e por que nos atacam. Quero ter certeza.
Em ambas as paredes do corredor havia grande número de nichos e escotilhas.
Rhodan dividiu o grupo, incumbindo cada um dos homens a dar busca em alguns dos
recintos que ficavam atrás das escotilhas.
As informações começaram a chegar enquanto Crest e Rhodan ainda se esforçavam
para chegar à proa.
— Cápsulas energéticas destinadas a armas gravitacionais — anunciou alguém.
— Depósitos para peças de reposição dos canhões — disse outro.
Rhodan murmurou uma confirmação.
— Bem que eu desconfiava que os recintos mais importantes da nave ficam na proa
— ouviu Crest dizer.
Chegaram a um lugar em que o corredor se alargava para o dobro. As escotilhas se
abriam em todas as direções.
Rhodan chamou dois dos homens que revistavam salas menos importantes situadas
na parte traseira da nave.
— Peguem a parte da esquerda — ordenou. — Crest e eu daremos uma olhada à
direita.
A primeira sala inspecionada parecia ser o posto de observação da nave inimiga.
Rhodan viu uma série de instrumentos que lhe pareciam familiares e uns poucos de que
não sabia a utilidade.
Crest também não sabia.
Os dois soldados avisaram que haviam encontrado uma posição de combate e
provavelmente a sala de comando da nave. Rhodan ordenou que procurassem encontrar
registros escritos. Explicou em poucas palavras que os livros dos saltadores eram
formados por pequenas pilhas de fitas de plástico, amarradas de um lado.
Dali a alguns minutos, um dos soldados avisou em tom exaltado:
— Encontrei um cadáver!
Rhodan interrompeu a busca que vinha realizando e, acompanhado de Crest, correu
para o lugar de onde havia vindo o aviso.
O feixe de luz ofuscante do holofote que o soldado tinha na mão estava dirigido
para um vulto de ombros largos, estendido no chão.
O morto envergava seu traje espacial, mas, quando o tiro do desintegrador rompeu o
casco da nave, o capacete não estava fechado. O homem falecera em virtude da
descompressão explosiva.
— É alto e largo — murmurou Rhodan. — Foi feito para suportar gravitações mais
fortes. É um saltador.
Crest virou o rosto. Não suportava a visão do morto. Fez seu holofote percorrer o
restante da sala em que se encontravam.
Ficou perguntando a si mesmo o que teria sido feito da inteligência dos saltadores,
já que no início da luta não haviam ordenado aos tripulantes da nave que fechassem os
trajes espaciais.
Como seria possível que, numa nave da guerra, um dos membros da tripulação fosse
surpreendido com o capacete aberto durante um combate?
A pergunta tanto preocupou Crest que, por várias vezes, passou os olhos por cima
da caixa metálica alongada encostada a uma das paredes sem que a notasse. Só da terceira
vez seu olhar caiu na mesma e ele a examinou.
Ninguém viu quando o arcônida arregalou os olhos de susto. Rhodan e o soldado
estavam examinando o cadáver do saltador. Crest foi o primeiro a sentir a pressão suave
da gravitação, que subitamente retornava.
Alguns segundos se passaram até que
Crest conseguisse vencer o susto a ponto de soltar uma advertência.
— Cuidado!
Rhodan virou-se precipitadamente, com o holofote na esquerda e o radiador de
impulsos térmicos engatilhado na direita.
— O que houve?
Crest fez um débil movimento de mão em direção à caixinha estreita.
— Ali. Uma bomba-relógio gravitacional!
***
***
***
Dez minutos depois de ter cochichado o último pedido aflito dirigido ao major
Nyssen, Perry Rhodan perdeu os sentidos.
Nyssen sabia o que estava em jogo. Não conhecia nada sobre o funcionamento da
bomba-relógio; só sabia que gerava certa gravitação, da mesma forma que um gerador
gravitacional do tipo que já conhecia.
Mas compreendeu imediatamente que Rhodan se encontrava em perigo. Não tinha a
menor idéia de quem seriam as pessoas a que Rhodan aludira ao usar a palavra nós; mas,
mesmo que fosse somente Rhodan que se encontrasse em perigo, isso teria levado
Nyssen a empreender as mais audaciosas ações.
Nyssen partiu do pressuposto de que, na nave danificada em que Rhodan se
encontrava, a bomba devia ter sido colocada na mesma sala que naquela que ele mesmo
examinara. Essa suposição se confirmou quando dois homens do grupo de Nyssen,
munidos de gravímetros, mediram as condições gravitacionais reinantes nas
proximidades da nave destroçada em cujo interior Rhodan estava preso.
Nyssen pedira às outras pessoas do grupo de Rhodan que saíssem da nave
inutilizada e voltassem à Stardust-III.
A plataforma comandada por Nyssen arrastava atrás de si a bomba gravitacional
ativada, e por isso a manobra era muito difícil, mesmo para alguém que tivesse de cuidar
apenas de si mesmo.
Nyssen manteve a bomba presa a longos cabos de plástico, a uma distância de dois
quilômetros. Ainda assim a gravitação artificial era perceptível. Mas, como a gravitação é
uma das grandezas físicas que se regem pela lei do 1/r2, a bomba não representava um
perigo direto para Nyssen e seus homens.
Nyssen mandou que dois de seus homens abrissem caminho para a sala de comando
da nave destroçada, usando os radiadores de impulsos térmicos. Os homens soltaram
vários metros quadrados das chapas do casco da nave, abrindo um caminho
suficientemente largo para dar passagem à bomba.
Outros homens prosseguiram nas medições, e apuraram a posição da bomba que
mantinha Rhodan preso, com uma margem de erro não superior a cinqüenta centímetros.
Nyssen entrou em contato com a Stardust-III e pediu que o cérebro positrônico
executasse a toda pressa uma série de cálculos baseados nos dados por ele fornecidos.
Quando recebeu os resultados, soube que sua missão seria bem sucedida, desde que
conseguisse manobrar seu perigoso reboque com uma exatidão suficiente.
Pediu aos homens de seu grupo que voltassem à plataforma assim que estes, depois
de medir cuidadosamente a bomba, haviam aberto um caminho suficientemente largo e
extenso para a mesma.
Não gastou mais de três minutos para explicar aos homens o que pretendia fazer.
Recomendou-lhes o seguinte:
— O que está em jogo é a vida de Rhodan e de mais algumas pessoas que estão
presas ao seu lado. Temos muita pressa, mas não podemos agir precipitadamente.
Estamos manipulando o objeto mais perigoso em que já pusemos as mãos.
Aguardou pelas objeções que surgiriam. Mas não houve nenhuma.
— Vamos começar! — murmurou.
***
***
Tiff consumiu noventa e nove por cento de suas reservas de energias para fazer a
marcha do destróier e colocá-lo na órbita do planeta desconhecido. Notava-se
perfeitamente que esse mundo possuía uma atmosfera. Restava saber se era respirável. Os
instrumentos de análise não funcionavam mais.
Mas Tiff constatara mais uma coisa: o planeta ficava a quase um bilhão de
quilômetros do sol azulado, e a mais de um bilhão de quilômetros do sol alaranjado.
Não falou a este respeito. Preferiu não assustar ninguém enquanto isso não fosse
absolutamente necessário. Na verdade, o anão azulado era um gigante no que dizia
respeito à potência de suas radiações. Era bem possível que, apesar disso, as condições
fossem suportáveis para a vida num mundo que ficava a uma distância de um bilhão de
quilômetros; sete vezes a distância que separa a Terra do Sol.
Quando Tiff descreveu a primeira parábola de frenagem, viram que a superfície do
planeta estava coberta de neve e gelo. Tiff nem conseguiu localizar o eixo do planeta.
Mas acreditava que o equador devia ficar na região em que as massas de gelo e neve
apresentavam uma coloração mais escura.
Mildred começou a gemer.
— Santo Deus, isso é pior que a Groenlândia!
Era a primeira vez que dizia alguma coisa depois do instante em que o destróier
havia sido atingido.
Com os olhos semicerrados, Hump acompanhou a rota seguida por Tiff.
— Ali, onde a cor é mais escura... deve ficar o equador — disse.
— Obrigado — respondeu Tiff em tom mordaz. — Era o que eu imaginava.
No mesmo instante se arrependeu da resposta indelicada. Estava próximo do
esgotamento nervoso.
— Por que não segue nessa direção? — perguntou Hump. — É provável que no
equador não seja tão frio.
— Não posso — respondeu Tiff. — Se fizer qualquer manobra, por menor que seja,
a energia não será suficiente para o pouso.
Hump se exaltou.
— Por que não se lembrou disso mais cedo, seu idiota? Por causa da sua estupidez
vamos morrer de frio.
Quando Eberhardt virou a cabeça, ouviu-se um farfalhar. Antes que Tiff pudesse
dizer qualquer coisa, Eberhardt resmungou:
— Escute aí, Hump! Com todo o aperto eu lhe quebro a cabeça se você não parar de
dizer tolices.
Não disse mais nada; mas essas palavras foram proferidas com tamanha fúria que
Hump calou a boca.
A irrupção de Hump deixou Tiff mais contente que aborrecido. Aquilo provara que
Hump também chegara ao limite das suas energias. Como cadete que era, devia saber
perfeitamente que alguém que só dispõe de pequena parte dos instrumentos usuais não
tem condições de calcular o plano equatorial de um planeta estranho em tempo de
orientar o pouso aerodinâmico pelo mesmo.
Durante a primeira parábola de frenagem, Tiff mergulhou a uma profundidade
bastante perigosa na atmosfera do mundo estranho. O termômetro externo, que não
dependia de qualquer suprimento de energia e por isso continuava a funcionar
perfeitamente, subiu a mais de quatro mil graus. Mas o aço arcônida conservou seu poder
de resistência, e o aparelho de condicionamento de ar, colocado em situação de
emergência, conseguiu limitar a dois graus a elevação da temperatura no interior da
cabina.
A velocidade do destróier, que durante a manobra de conversão já baixara para oito
quilômetros por segundo, ficou reduzida à metade.
O destróier voltou a sair da atmosfera gelada, ganhou altitude, passou pelo ponto
máximo e voltou a se dirigir para o envoltório atmosférico.
— Atenção! — disse Tiff. — Vamos iniciar a segunda frenagem.
***
— Muitos dos senhores já devem ter adivinhado meus planos — disse Rhodan em
tom pensativo, olhando para o chão... o chão seguro da sala de comando da Stardust-III.
— Mas na situação em que nos encontramos não podemos depender de adivinhações. Por
isso vou dar uma explicação detalhada.
Seu corpo de ouvintes era formado pelos oficiais das naves Stardust-III, Terra e
Solar System, inclusive os mutantes, e por Crest e Thora, os arcônidas.
Crest, ainda estava esgotado em virtude da perigosa aventura que acabara de viver,
e Thora, que fitava Rhodan com uma expressão irônica, erguia as sobrancelhas num gesto
de arrogância.
— Descobrimos que certas inteligências desconhecidas passaram a demonstrar
interesse por nós — prosseguiu Rhodan. — Constatamos que pousaram em Vênus e
também espalharam seus agentes pela Terra. Mas procederam com tamanha habilidade
que nem na Terra nem em Vênus conseguimos capturar qualquer um deles. Além disso,
moveram-se no espaço com tamanha agilidade que chegamos à conclusão de que nos
defrontamos com uma raça cujo nível tecnológico é, pelo menos, igual ao nosso.
Também tínhamos de supor que suas intenções eram hostis. Se não fossem, teriam
encontrado um meio de estabelecer contato conosco. A suposição se transformou em
certeza quando a Good Hope-IX foi capturada.
Olhou em torno para verificar se alguém estava adivinhando a conclusão final.
— Quem quer lutar — prosseguiu — tem de saber antes de tudo contra quem vai
lutar. Os desconhecidos não estavam dispostos a nos revelar esse detalhe, motivo por que
tivemos de fazer alguma coisa para desvendar o mistério.
“O cadete Julian Tifflor, que todos conhecem, é o homem que devia descobrir
alguma coisa sobre o inimigo. No organismo de Tifflor foi implantado um
micromodulador de vibrações celulares, que o transformou numa espécie de farol
telepático. Nossos telepatas conseguem localizá-lo a uma distância de dois anos-luz.
“Lançamos Tifflor pela forma que nos pareceu mais adequada. O truque foi coroado
de êxito. Os desconhecidos grudaram-se nos calcanhares do cadete. Acabaram por raptá-
lo, e isso de uma maneira pouco agradável para nós. Não contávamos com a
possibilidade de que os desconhecidos tivessem condições de prender uma das nossas
naves a uma das suas, e realizar um hipersalto com as duas naves assim ligadas; mas foi o
que aconteceu com a Good Hope-IX.
“Pois bem, os senhores sabem perfeitamente que dificuldades tivemos de enfrentar
para reencontrar a pista. Mas acabamos por localizá-la e entramos em toda esta confusão,
sobre a qual já estão informados.
“Que resultado colhemos de tudo isso? Bem, já sabemos quem são nossos inimigos.
Pertencem a um ramo da raça dos arcônidas. É bem verdade que as relações entre esse
ramo e a raça arcônida propriamente dita são apenas regulares. Chamam a si mesmos de
saltadores. Mandarei distribuir fitas gravadas com informações entre as várias naves.
Poderão se instruir com elas. Permitam, porém, que lhes adiante os detalhes mais
importantes.
“A tecnologia dos saltadores é pelo menos equivalente à dos arcônidas. E, como nós
mesmos não dispomos de outra tecnologia senão a dos arcônidas, os saltadores estão,
pelo menos, em nível idêntico ao nosso. Viram como as bombas-relógios gravitacionais
por pouco não nos pregam uma peça.
“Dispomos de todas as informações sobre a raça dos saltadores de que dispõe a
civilização arcônida. Mas não sabemos o que estão planejando contra a Terra. Não
sabemos sequer quantos membros da raça dos saltadores, cujo número total atinge a casa
dos dez bilhões, participam do empreendimento. Daí se conclui que continuamos a
depender de novas informações. E estas devem ser colhidas diretamente na fonte.
“Como sabem, meu encarregado Julian Tifflor fugiu da Good Hope-IX num
destróier. Dois cadetes e duas estudantes da Academia Espacial o acompanharam. O que
os senhores não sabem é que a Stardust-III localizou o destróier, que este foi perseguido
por duas naves da frota dos saltadores e se empenhou em combate com as mesmas.
“Confesso que brinquei com a vida de Tifflor ao ocultar os avisos de localização,
para que ninguém pudesse estragar meus planos através de um apressado gesto de
solidariedade. Deixei propositadamente de partir em auxílio de Tifflor, embora soubesse
que ele se encontrava em dificuldades.
“Meus cálculos foram corretos. Tifflor conseguiu se livrar dos seus perseguidores; é
bem verdade que o destróier foi danificado durante o combate. Neste meio tempo o
veículo saiu do alcance dos rastreadores da Stardust-III, e parece que o hipercomunicador
de Tifflor está avariado ou inutilizado. Mas não há a menor dúvida de que Tifflor deverá
passar relativamente perto do segundo planeta do sistema, se é que ainda não passou.
Faço votos de que consiga pousar no mesmo.
“A Divisão Astronômica apurou que o sol geminado de Beta-Albíreo possui um
total de quatro planetas. O mundo para o qual Tifflor está rumando fica a mais de um
bilhão de quilômetros do centro de gravidade do sistema. Não há dúvida de que as
condições de vida no local devem ser bastante precárias.
“De qualquer maneira, vamos providenciar para que Tifflor receba os suprimentos
essenciais. Quanto ao mais, faremos o possível para que sua posição atual se torne
conhecida, a fim de que possa ser encontrado quanto antes.”
Uma perplexidade sem limite se espalhou entre os circunstantes. Murmúrios
percorreram as fileiras dos oficiais. Rhodan sorriu.
— Senhores, permitam que eu explique. De acordo com o resultado das medições, o
campo gravitacional das duas bombas-relógios tem um gradiente temporal muito fraco. É
de se supor que as bombas tenham sido colocadas tão somente no intuito de reter nossos
comandos a bordo. Se tivessem a intenção de matar seus integrantes, o gradiente
temporal teria sido mais forte.
“Daí se conclui logicamente que devemos contar com o retorno da frota dos
saltadores num futuro muito próximo. Provavelmente trará grandes reforços.
“Não nos envolveremos num combate. Lembre-se do que acabo de dizer sobre a
tecnologia dos saltadores. É provável que, num ataque maciço, as três naves de que
dispomos ficariam em situação de inferioridade. A esta hora os saltadores já sabem que
terão de enfrentar um supercouraçado e tomarão seus preparativos para isso.
“Os saltadores se interessarão por Tifflor, e este, segundo espero, colherá todas as
informações de que precisamos. Quanto a nós, temos outra coisa a fazer. Oportunamente
serão informados a este respeito. Com isso...”
Interrompeu-se, olhou em torno e sorriu.
— Ah, não, esquecemos uma coisa muito importante. Já devem ter tomado
conhecimento do relato do major Deringhouse, segundo o qual a Good Hope-IX até
poucas horas atrás ficou presa por meio de fitas magnético-mecânicas à nave dos
saltadores denominada Orla XI, que a havia capturado nas proximidades da órbita de
Plutão.
“Quando a luta começou, a Orla XI se afastou de fininho do sistema. Não devemos
duvidar de que essa nave será a primeira a saber em que lugar pousou Tifflor, que aos
olhos dos saltadores é um elemento muito importante. Com isso o contato de Tifflor
estará garantido de antemão.”
Dispensou os oficiais com um sorriso. Os homens se retiraram lentamente, em
atitude pensativa. Apenas Reginald Bell e os dois arcônidas permaneceram na sala.
De pé diante de Rhodan, Bell olhou-o de baixo para cima.
— Então, grande mágico, o que me diz? — disse com um misto de ironia e
veneração.
***
Depois da quinta frenagem, a máquina não saiu mais do envoltório gélido daquele
mundo estranho.
O destróier ainda desenvolvia uma velocidade de mach 5, elevada demais para que
a indicação do termômetro externo permitisse qualquer conclusão sobre a temperatura
real reinante na atmosfera do planeta.
A superfície branca que se estendia embaixo do veículo não fornecia o menor ponto
de referência que tornasse possível a avaliação das distâncias. A partir da primeira
parábola de frenagem, Tiff acreditou que o planeta fosse do tamanho da Terra, talvez um
pouco menor.
A essa altura, porém, já não sabia se a velocidade ainda seria suficiente para
ultrapassar a zona polar sem a atuação dos propulsores. Esteve a ponto de pedir a
Eberhardt que procurasse descobrir um local apropriado para o pouso. Mas de que
serviria um local desses se o destróier ainda não estava em condições de pousar?
A velocidade teria de se consumir por si.
Mach 5; mach 4,5; mach 4...
— Será que a energia é suficiente para realizar a frenagem? — perguntou Hump
subitamente.
Sua voz parecia preocupada. Agora, que as coisas se tornavam sérias de verdade,
parecia ter mais medo de morrer que vontade de brigar com Tiff.
— Começarei a frear quando atingirmos metade da velocidade do som —
respondeu Tiff em tom áspero.
Hump gemeu; parecia apavorado:
— A atmosfera só poderá sustentar a máquina até mach 1; abaixo disso despencará.
Estava com a razão. As asas do destróier só haviam sido concebidas para facilitar as
manobras a velocidades superiores a mach 1, numa atmosfera cuja densidade fosse
aproximadamente igual à da atmosfera terrestre.
Não eram verdadeiras superfícies de sustentação. Durante a concepção da máquina,
chegara-se à conclusão de que a mesma se sustentaria no ar graças aos seus propulsores
que, quando a máquina se encontrasse em condições normais, poderiam trabalhar em
todas as direções.
Mas Tiff se limitou a resmungar:
— Que despenque!
Hump protestou. Mas Tiff não teve tempo nem vontade de se envolver em
discussões, e com Eberhardt parecia acontecer a mesma coisa. Este último disse:
— Cale a boca!
E Hump calou a boca. O destróier prosseguiu em sua corrida vertiginosa.
...mach 3; mach 2,5...
— Será que teremos que morrer? — perguntou Felicitas com a voz trêmula.
Embora mais tarde se arrependesse, Tiff não encontrou outra resposta senão esta:
— Naturalmente! Daqui a dois minutos.
Felicitas começou a soluçar.
Quando os dois minutos se tinham passado, a máquina ainda voava a uma
velocidade de mach 0,8.
— Eberhardt! Descobriu algum local em que podemos pousar? — gritou Tiff.
Eberhardt fitou a tela lateral.
— Descobri um campo de pouso bem grande — respondeu em tom indiferente. —
O planeta é um único campo de pouso. Resta saber como parecerão as coisas quando
tivermos descido mais.
Realmente era isso. A superfície branca não apresentava qualquer relevo, a não ser
que o mesmo fosse menor que um morro de tamanho regular. A nave ainda voava a uma
altitude de três mil metros. Mas descia rapidamente.
— Vou pousar! — disse Tiff.
Não lhe restava outra alternativa.
Dali a mais alguns segundos, quando o aparelho já havia descido bastante, viram
que na verdade o terreno não era nada plano.
Tiff fazia votos de que em sua maioria as elevações só fossem formadas por neve
acumulada. Se houvesse rochas maciças por baixo...
Não devia pensar nisso!
O destróier fora concebido para realizar pousos verticais. Não dispunha de trem de
aterrizagem; e, se possuísse um, este adiantaria muito pouco.
— Segurem-se!
A área estava cheia de pequenos morros.
— Atenção! É agora!
Houve um solavanco acompanhado de chiados e gritos. Tiff segurava os controles
dos propulsores com tamanha força que por pouco não quebrou os pulsos. Com o rosto
contorcido de dor, puxou o controle para trás, a fim de acionar os jatos de frenagem com
o que ainda lhes restava de energia.
Houve outro solavanco quando a máquina saltou por cima de um dos morrinhos.
Por um segundo, a neve turbilhonante encobriu a visão das telas até que estas se
apagassem de vez.
As luzes também se apagaram. A escuridão tomou conta da pequena cabina.
Ainda faltava muito para que o destróier se imobilizasse. Por algum tempo parecia
girar em torno do próprio eixo; apesar disso ainda parecia se deslocar para a frente.
Houve um último solavanco, muito forte. O metal, que se rasgava, emitia sons
estridentes. Depois tudo foi silêncio.
Tiff estava pendurado nos cintos em posição inclinada. Endireitou-se no assento e
olhou em torno. A escuridão era completa e impenetrável. Mas o alto-falante de seu
capacete transmitiu o som de uma respiração apressada.
— Chegamos! — disse.
5
Não havia a menor dúvida de que o destróier ficara totalmente inutilizado. Não era
possível abrir a cabina pela forma usual.
Felicitas perdera os sentidos. Eberhardt se certificou de que seu traje espacial estava
devidamente fechado.
Hump e Tiff, juntos se esforçaram para abrir a cabina à força.
Só conseguiram depois de bastante esforço. A cobertura caiu para trás com um
baque. De um instante para outro, o ar quente e úmido da cabina, misturado com a
baixíssima temperatura do planeta, fez com que os visores dos capacetes espaciais se
cobrissem com uma fina camada de gelo.
— Liguem o aquecimento — ordenou Tiff.
Esperou até que a poderosa calefação de seu traje espacial atingisse a lâmina do
visor de seu capacete e derretesse a camada de gelo.
Depois se arrastou para cima e saiu da cabina. Hump ia segui-lo, mas Tiff deu-lhe
um grito:
— Espere!
Hump obedeceu. Por um instante, Tiff sentou-se de costas sobre a beira da cabina e
procurou descobrir o que lhe causava uma expressão tão estranha naquele mundo.
Era a coisa mais simples que se podia imaginar: a gravidade. Era ao menos vinte
por cento inferior à da Terra; devia atingir aproximadamente 0,8 g. Tiff saltou da
máquina. Afundou quase até o joelho na neve pulverulenta. Uma onda de calor
percorreu-lhe a espinha quando se deu conta da leviandade que acabara de cometer. A
neve solta poderia perfeitamente ter vinte metros de profundidade. Se fosse assim, teria
afundado como um pato de chumbo na água.
Respirou fortemente e lançou os olhos em torno. Havia um vento fraco que podia
ser ouvido nos microfones externos e tangia finas nuvens de neve diante dele. Tiff
levantou o braço direito para olhar o termômetro de pulso. Quando viu a posição dos
ponteiros, levou um susto:
Cento e sessenta graus absolutos!
Isso equivalia a cento e doze graus negativos da escala centígrada.
“Muito bem”, pensou Tiff, resignado. “Enquanto a calefação dos trajes espaciais
estiver funcionando, ninguém se importará.”
Andou cautelosamente em torno do destróier para examinar as avarias. Eberhardt,
que se encontrava do lado de dentro, gritou:
— Como está nossa máquina?
Tiff respondeu com um sorriso de amargura:
— Não temos mais nenhum destróier... apenas um destruído.
Não havia a menor dúvida de que do aparelho não sobrara mais nada além do
material de que fora feito. Uma rocha tinha aberto um rombo em seu casco, do centro até
o mecanismo propulsor. Se a nave tivesse sido atingida mais à frente, a rocha teria
representado um desastre para as cinco pessoas que se encontravam na cabina.
Não se via mais nada dos bocais dos jatos. Estavam reduzidos a chapas de metal
plastificado deformadas que cobriam as aberturas.
Tudo terminado!...
Se Rhodan não aparecesse, teriam de passar o resto da vida — isto é, o tempo que
durassem as reservas de energia de seus trajes espaciais e as provisões de emergência da
cabina — naquele mundo de gelo.
Se Rhodan não chegasse ou se não conseguissem descobrir uma civilização
independente naquele planeta.
A idéia provocou risos em Tiff. Uma civilização naquele mundo! Se ali já existira
uma, ela estava morta desde o tempo em que o planeta se afastara dos sóis geminados a
tal ponto que sua temperatura média descera abaixo dos níveis mínimos suportáveis.
Os sóis geminados...
Tiff olhou para o céu. A luz daquele mundo era pálida e leitosa, mas sua intensidade
era muito maior do que devia ser na opinião de Tiff.
Viu um dos dois sóis em forma de um ponto luminoso ofuscante, que brilhava por
entre os véus de neve turbilhonante. O outro era uma mancha apagada, quase invisível.
Face à neve, a visão horizontal não chegava a cem metros. Nessa extensão o terreno
era plano, com exceção de alguns montículos.
Tiff procurava uma caverna. Uma caverna em que pudessem se instalar, e que
pudesse ser fechada. Só assim se tornaria possível tirar os trajes espaciais. Nos capacetes
dos trajes havia uma ração de emergência feita de alimentos concentrados. Bastava
comprimir o capacete com o polegar para introduzir o alimento na boca. Mas os
alimentos concentrados só alimentariam o portador por quinhentas horas. Nesse espaço
de tempo, segundo a opinião do construtor do capacete, qualquer um teria a possibilidade
de encontrar um recinto protegido.
Mas Tiff não tinha certeza de que eles o conseguiriam.
— Saiam! — gritou para os que se encontravam na cabina. — Não saltem muito
depressa. A neve é fofa e bastante profunda.
Saíram. Felicitas já despertara. Tiff olhou-a com atenção; quando ela o notou,
baixou os olhos.
— Sinto muito — disse com a voz baixa. — Não deveria ter sido tão infantil.
Tiff bateu-lhe carinhosamente no ombro.
— Esqueça-se disso, Felic!
Abatidos e desorientados, caminharam pela neve. O único que desde o início
aproveitou bem seu tempo foi Tiff. Examinou a bússola de pulso e verificou que, onde
quer que se encontrassem, ela sempre apontava na mesma direção. O campo magnético
desse mundo merecia tanta confiança quanto o da Terra.
Dali a meia hora, Tiff sugeriu que o robô fosse tirado da prisão. Tinha pouca
esperança de que a sorte desse engenho tivesse sido melhor que a do destróier. Mas não
teria sossego enquanto não tivesse certeza.
O pequeno depósito em que se encontrava o robô podia ser aberto pelo lado de fora
da nave. Conforme era de esperar, o fecho mecânico não funcionava.
Tiveram sorte, pois conseguiram abrir a escotilha. Ao que parecia, a única coisa que
continuava intacta era a fita rolante oblíqua. Libertada da presilha que lhe segurava o pé,
a mesma se movimentou com o peso do robô. A fita colocou-o no chão com um baque, e
o impacto, que agiu sobre determinado setor dos pés, despertou o robô de sua letargia.
Tiff e os cadetes arregalaram os olhos quando aquela máquina, que parecia tão
lerda, saltou sobre os pés e se colocou de frente para eles. Em si o fato nada tinha de
extraordinário. Apenas, era de admirar que as ocorrências que haviam dado cabo do
destróier não tivessem afetado o robô.
Utilizando as vias usuais — a acústica direta e o emissor de ondas ultracurtas nele
embutido — o robô anunciou:
— Robô RB.013 pronto para entrar em ação. Controles funcionais positivos.
Solicito enquadramento.
O RB.013 falava inglês. Não havia a menor dificuldade em ensinar o inglês e mais
alguns idiomas a um robô que originariamente falava em arcônida. Cada língua adicional
só representava uma carga de cinco a oito por mil da capacidade de armazenamento do
pequeno cérebro positrônico.
“Enquadramento”, era essa a tradução de um conceito arcônida, que na verdade
significava o registro da freqüência de comando. Entre as cinco pessoas que haviam
pousado com o destróier deveria ser escolhida uma cujos comandos seriam considerados
preferenciais pelo mecanismo.
Se a situação fosse diferente, Hump teria se adiantado imediatamente para trocar
com o robô as palavras codificadas que se tornavam necessárias para que o RB.013
pudesse reconhecer seu novo comandante a qualquer distância e em quaisquer
circunstâncias. Mas o vôo longo e desesperançado, o pouso catastrófico e a desolação
desse mundo de gelo eliminaram todas as ambições de Hump, que não formulou a menor
objeção quando Tiff se colocou diante do robô.
— Sou o cadete Tifflor — disse Tiff. — Julian Tifflor.
— Cadete Julian Tifflor — repetiu o RB.013.
— O quadrado da função ondular Pi de Schrõdinger fornece a densidade provável
da peça de que se trata.
O RB.013 respondeu:
— Isso através da multiplicação com o vetor local, que fornece a expectativa do
respectivo ponto, e da multiplicação com o vetor do impulso, que fornece o grau de
expectativa do impulso.
Era claro que essas palavras eram simplesmente ridículas. Não se tratava de um
intercâmbio de informações, e pouco importava que os dados fornecidos fossem
objetivamente corretos. A fala e a resposta haviam sido previamente ajustadas. A fala
proporcionava à memória positrônica do robô o armazenamento das vibrações
fundamentais da voz humana, enquanto a resposta do RB.013 dava a Tiff a certeza de que
tudo estava em ordem com o robô. A parte da memória em que estava armazenada a
resposta acoplava-se com o controle principal da máquina; a resposta não seria liberada
se alguma coisa não estivesse em ordem com o robô.
— Muito bem — disse Tiff. — Até aqui tudo em ordem.
Virou-se. Ao que parecia, Hump começava a se dar conta do fato de que alguém
com quem ele não concordava começava a atribuir-se as funções de comandante.
Tiff previu a objeção. Resolveu se adiantar.
— Vocês já devem ter percebido que antes de tudo precisamos de um lugar para nos
abrigar — disse. — As rações de emergência da cabina são suficientes para dois anos.
Mas para utilizá-las temos de encontrar, nas próximas quinhentas horas, algum buraco a
que possamos nos recolher. Não sabemos de que substâncias se compõe a atmosfera que
nos rodeia. É possível que aquilo que parece neve na realidade seja parafina, e que o ar
seja feito de hidrocarbonatos. Precisamos de uma espécie de caverna que, com os
recursos de que dispomos, possa ser fechada hermeticamente e tornada habitável. O
RB.013 poderá nos ajudar nesse trabalho; mas antes disso temos de encontrar a caverna.
Hump teve uma idéia.
— Por que não ficamos no destróier?
Tiff fez um gesto de recusa.
— Seria fácil voltar a fechá-lo hermeticamente. Acontece que é o único objeto
metálico que se encontra nestas redondezas. E acontece que os bocais dos jatos ainda
emitem radiações. Se algum dos saltadores ainda anda pelas proximidades e resolve nos
procurar por aqui, a primeira coisa que encontrará será o destróier. Por isso não o
usaremos.
O RB.013, com suas longas pernas em forma de vara e os quatro braços, dos quais
os dois inferiores na verdade eram canhões móveis, caminhou pela neve, fazendo seu
teste de locomoção.
Tiff se dirigiu ao robô.
— Temos que sair daqui — disse. — Acredito que devemos seguir... — voltou a
examinar o rastro deixado pelo destróier, certificando-se da direção — nessa direção.
Apontou para o sul, ou seja, na direção em que, antes do pouso, haviam visto as
áreas escuras.
O BR.013 respondeu:
— Sim, senhor.
Sua voz quase chegava a parecer humana.
***
Orlgans disse:
— São muito fortes, mas não tão fortes como a frota que daqui a pouco retornará ao
local.
Ornafer respondeu:
— Acontece que não estão mais por lá. A frota não conseguirá pegá-los.
Orlgans não respondeu, pois Ornafer tinha razão. De início desapareceram da tela
os pontos que representavam a frota chamada por Ornafer, e depois os três pontinhos
luminosos projetados pelas naves estranhas.
O que restava eram apenas as duas naves destroçadas. A Orla XI já se encontrava
longe do sistema, mas os instrumentos ultra-sensíveis registraram a alteração do campo
gravitacional do sistema, produzida pelas naves destruídas.
— Colocaram bombas-relógios — disse Orlgans. — Gostaria de saber como os
bárbaros conseguiram escapar desta vez.
Ornafer não sabia. Por algum tempo Orlgans olhou para a frente em atitude
pensativa. Quando voltou a erguer a cabeça enorme e cabeluda, Ornafer viu que sua boca
se contorcia num sorriso sagaz.
— Quanto tempo deverá passar até que nossa frota retorne? — perguntou Orlgans.
Ornafer refletiu.
— Umas quatro ou cinco horas.
Orlgans concordou.
— Talvez mais. Chame o observador.
Essa ordem foi uma surpresa. Ornafer torceu o rosto. Mas logo acionou o
intercomunicador.
O observador respondeu.
Orlgans se aproximara.
— Forneça-me todos os dados que os instrumentos forneceram sobre a pequena
nave que escapou.
O observador confirmou com um aceno de cabeça.
Poucos minutos depois, os dados, registrados em papel de coordenadas de rota,
encontravam-se nas mãos de Orlgans, que os estudou juntamente com Ornafer.
— Está vendo? — disse Orlgans, ligando com uma linha os diversos pontos
fornecidos pelos instrumentos. A posição dos dois sóis e dos quatro planetas, ao tempo
em que havia sido registrada cada medição, foram consignadas em órbitas coloridas.
Ao lado de cada ponto constava a indicação do tempo da medição.
Que pensassem de Ornafer o que quisessem; mas era um excelente astronavegador.
Até mesmo um diagrama bem mais complicado que o que tinha diante de si lhe permitiria
concluir quais eram as intenções de Orlgans.
— Estou vendo — respondeu. — O pequeno aparelho chegou bem perto do
segundo planeta do sistema.
Orlgans riu:
— Isso mesmo! Já que restam umas quatro ou cinco horas até que a frota de guerra
retorne, vamos aproveitar o tempo para procurar essa gente.
Enrolou o diagrama e se dirigiu ao intercomunicador, provavelmente para dar
ordem de pôr a nave em movimento. Parou a meio caminho e, olhando Ornafer por cima
do ombro, disse:
— Será que você está disposto a deixar a presa para outro?
— Não! — exclamou Ornafer.
***
As três naves de Rhodan flutuavam no espaço, imóveis, a oito horas-luz dos dois
sóis.
Rhodan tinha certeza quase absoluta que, face ao reduzido intervalo de tempo, os
dois abalos provocados pela transição — na imersão e na saída do hiperespaço — seriam
registrados como um único.
Que os saltadores quebrassem a cabeça quando seus instrumentos registrassem o
segundo abalo. Rhodan não acreditava que tivessem a idéia de que as três naves pesadas
haviam realizado uma transição apenas por um trajeto de oito horas-luz.
Rhodan esperou; estava preparado para intervir energicamente nos acontecimentos
que se seguiriam.
***
Para o RB.013 não houve o menor problema em carregar as duas moças no robusto
par de braços superiores. Tiff lhe ordenara que o fizesse. Tinha certeza de que Mildred e
Felicitas haviam chegado ao fim de suas forças, embora não quisessem confessá-lo.
Mesmo com as moças sobre os braços, o RB.013 marchava tão rapidamente que os
três cadetes, por causa da neve profunda, tiveram a maior dificuldade em manter passo
com ele. Tiff ordenou ao robô que andasse mais devagar.
Depois de cinco horas de marcha, mandou fazer uma pausa de descanso. O RB.013
parou imediatamente e colocou as moças no chão. Eberhardt cavou com as mãos um
buraco alongado na neve, onde podiam descansar. O RB.013 regulou seu mecanismo
para a posição de espera. O saco de mantimentos que haviam retirado do destróier
balançava levemente ao vento.
Hump se virou e olhou para Tiff.
— Não estou cansado — disse. — Posso prosseguir.
Tiff compreendeu que havia chegado o momento que há tanto tempo aguardara.
— Pois ande — respondeu tranqüilamente.
Hump não andou. Ou melhor, não andou na direção em que até então haviam
marcado. Foi em direção a Tiff e se plantou diante dele.
— Acho que você está doido para se livrar de mim, não está? — disse em tom
odiento.
Tiff ia sentar na neve. Fez de conta que a atitude de Hump não o incomodava.
— Não — respondeu.
Mas Hump não desistiu por tão pouco. Encostou os braços nos quadris e fungou:
— Ah, é? Quanta gentileza! Depois que você se arrogou o comando por um ato de
puro arbítrio, até chega a demonstrar um pouquinho de tolerância para com os colegas,
não é?
A palestra foi transmitida pelos rádios de capacete. Eberhardt entendeu tudo, e o
robô também. Só as duas moças estavam dormindo.
Eberhardt se levantou e chegou mais perto. Tiff fez um movimento tranqüilo com a
mão, que Hump não viu. Eberhardt parou.
Tiff olhou Hump com uma expressão séria.
— Em primeiro lugar — disse em voz áspera — não me arroguei o comando,
apenas dei a conhecer minha voz ao robô. Mesmo que formássemos em cinco um sistema
inteiramente democrático, o robô só daria atenção a uma única voz. E depois — a voz de
Tiff se tornou mais baixa e insistente — eu lhe dou um conselho: cale essa boca estúpida.
Seus nervos estão esgotados; mais nada.
Hum arregalou os olhos.
— Não diga! — falou com um sorriso de deboche. — Quem não estiver de acordo
com seus modos autoritários está sofrendo dos nervos, não é?
Voltou a assumir posição de luta e prosseguiu:
— Escute aí, meu filho. Vou lhe dizer uma coisa. Se você se atrever mais uma vez a
abrir sua boca enorme sem nos consultar antes, usarei esta mão bem acolchoada —
ergueu o punho cerrado — para quebrar o seu visor. Não queremos nenhum ditador.
Tiff sabia o que a situação exigia dele.
— Preste atenção, Hump — respondeu prontamente. — Agora mesmo abro a boca
sem consultar você, para dizer que é um idiota convencido. Pronto, pode quebrar o visor.
Hump não esperou que Tiff repetisse o desafio. Venceu a distância que o separava
de Tiff com um belo salto. Tiff viu-o chegar, desviou e, antes que Hump tocasse o solo,
pegou suas pernas. O vôo de Hump foi interrompido abruptamente. Tiff deixou que
Hump o arrastasse e caiu na neve bem a seu lado. Soltou as pernas de Hump e segurou-o
pelas costas. Deixou que Hump sentisse a força de suas mãos.
Hump estava imobilizado.
— Está vendo, Hump? — disse Tiff. — É muito simples. Basta que eu mova o dedo
por um centímetro para que o capacete e o fecho de seu traje espacial se abra. Você sabe
disso, não sabe? Mesmo que a atmosfera deste planeta não seja venenosa, você morrerá
de frio dentro de poucos minutos. São cento e doze graus abaixo de zero. Não se esqueça.
Deu um empurrão em Hump e se levantou de um salto.
— Daqui em diante — resmungou — você vai ficar bem quietinho, comportando-se
como um bom menino. Da próxima vez darei um bom aperto no contato de seu traje
espacial. Na situação em que nos encontramos não temos necessidade de pessoas que
queiram restaurar sua autoconfiança avariada à custa da comunidade.
Hump continuou deitado. Tiff ouviu-o soluçar.
— Por que não apertou? — disse, falando com dificuldade. — Não quero mais...
Foi interrompido. Quem o interrompeu foi uma voz que não se parecia comover
com os acontecimentos dos últimos instantes.
Pertencia ao RB.013.
O robô disse calmamente:
— Localização! Localização na posição R, quatro mil; Pi, vinte e oito; Teta,
sessenta e sete.
No mesmo instante Tiff se esqueceu de Hump.
— De que tipo é o objeto? — perguntou apressadamente.
Fez sinal a Eberhardt para que acordasse as moças.
— Circular e metálico — respondeu RB.013 com uma calma irritante. — O
diâmetro é de dez metros aproximadamente.
Mildred e Felicitas levaram trinta segundos para acordar. O RB.013 forneceu outra
informação:
— R, três mil e oitocentos; Pi inalterado; Teta, sessenta; Teta descendo.
Fosse qual fosse o objeto, ele estava descendo.
Mildred e Felicitas se levantaram; pareciam sonolentas e preguiçosas. Tiff
recuperou a calma.
— Vamos esperar! — disse. — Enquanto o objeto conservar a mesma distância,
devemos supor que seu interesse não se dirige a nós. RB.013!
— Sim, senhor!
— Prepare o desintegrador e a arma térmica.
— Sim, senhor.
Tiff sorriu. Passou os olhos pelo grupo, para que todos vissem que estava sorrindo.
— Vamos com calma — disse baixinho.
***
Orlgans logo localizou o destróier. Parou sua nave a mil quilômetros de altura; as
naves dos saltadores não foram feitas para pousos diretos. Se necessário poderiam
pousar, mas um comandante dos saltadores só as forçava a isso a contragosto e em caso
de emergência. Por isso, enviou certo número de pequenas naves auxiliares.
Os tripulantes das naves auxiliares informaram que o destróier estava reduzido a um
montão de destroços e fora abandonado. Os ocupantes de uma das naves encontraram
alguma coisa que acreditaram ser um rastro. Orlgans mandou que as outras naves
retornassem e mandou que aquela seguisse o rastro.
As naves auxiliares tinham dois tripulantes e mantinham contato ininterrupto com a
Orla XI. Os tripulantes da nave que seguia o rastro eram Mernok e Paradicsom. Se na
frota dos saltadores fosse observada a gradação hierárquica das forças terrestres,
Paradicsom ocuparia o posto de tenente e Mernok o de sargento.
— Tomara que o rastro não tenha sido coberto pela neve — murmurou Paradicsom.
Ganhou altitude e observou cuidadosamente a tela do rastreador, onde o rastro se
destacava sob a forma de um traço escuro contra a paisagem branca.
— Não acredito — respondeu Mernok, e regulou a rota.
O pequeno aparelho prosseguia tranqüilamente para o sul. Vez por outra,
Paradicsom avisava que havia perdido o rastro; sempre que isso acontecia, Mernok
descrevia uma curva fechada e voltava a um lugar em que haviam passado poucos
instantes antes, onde o rastro continuava bem visível.
Dessa forma não conseguiam avançar tão depressa quanto desejavam. Mas sabiam
que os fugitivos iam a pé, e por isso não tinham a menor dúvida de que conseguiriam
agarrá-los naquele dia.
Pelo que sabiam os saltadores, aquele planeta girava em torno de seu eixo a cada
trinta e uma horas, e naquele momento eram três horas depois do meio-dia.
***
Peregrino — era este o nome que Rhodan dera ao mundo artificial em que a
substância mental de uma raça fisicamente extinta formara um ser coletivo dotado de
faculdades inacreditáveis.
Todos os seres da galáxia — com exceção apenas daqueles que ainda não
conheciam a navegação espacial — sabiam da existência desse mundo. Mas ninguém
conhecia sua posição.
Ninguém, além de Rhodan!
Rhodan encontrara esse mundo, e o imortal lhe havia dado permissão para
proporcionar a todo ser que julgasse digno disso — desde que fossem homens do planeta
Terra — a ducha celular revitalizadora. Esse tratamento representava a vida eterna, desde
que fosse renovado a cada sessenta e dois anos. Não resguardava contra balas ou tiros de
radiações, mas detinha por completo o processo de envelhecimento.
Por ocasião de sua primeira visita, Rhodan não conseguira mais que o tratamento no
fisiotron, a ducha celular. Mesmo agora ainda não possuía muita coisa, embora soubesse
que no planeta Peregrino havia outros mistérios: eram mistérios tecnológicos, que
garantiriam a supremacia espacial absoluta a quem os possuísse.
Rhodan andava com a idéia de retornar mais uma vez ao planeta Peregrino, e pedir
ao grande imortal permissão para tirar proveito também dos mistérios tecnológicos.
Mas, por enquanto, era apenas uma idéia.
Havia coisa mais urgente para fazer.
***
Mernok se espantou.
Virou-se para Paradicsom, mas este ainda não havia percebido nada. Continuava a
fitar a tela do rastreador.
Mernok voltou a examinar o quadro projetado na tela do rastreador de microondas.
Esse quadro foi avançando em direção ao centro.
Metal!
Mernok refletiu calmamente, como era de seu feitio. A existência de metal podia
não estar ligada aos fugitivos. Era bem possível que houvesse algum veio exposto
naquele planeta desolado.
Todavia!...
Mernok chamou a atenção de Paradicsom. Este tinha um gênio muito mais
impulsivo que o de Mernok. Não perdeu tempo.
— Vamos descer imediatamente — gritou. — Prepare-se para pousar.
6
***
Paradicsom assumiu a direção da nave. Sem que quisesse admiti-lo, achou que
Mernok era muito indeciso para dirigir a máquina numa situação daquelas.
Mernok observava as telas de localização e rastreamento.
Paradicsom levou poucos segundos para percorrer a maior parte do trecho que ainda
os separava dos fugitivos. Teria prosseguido na mesma velocidade se naquele instante
não tivesse recebido uma mensagem do comandante Orlgans, que lhe recomendou que
procedesse com a maior cautela.
Paradicsom acreditou que o comandante devia ter um bom motivo para expedir essa
advertência. Ele mesmo era impetuoso, mas não fazia questão de demonstrar audácia,
custasse o que custasse. Por isso tomou a peito a recomendação de Orlgans, se desviou da
rota que vinha seguindo e voltou a parar a uma distância de mil metros do objeto
metálico.
Era bem verdade que dessa forma não sabia como descobrir se os fugitivos
poderiam ser atacados sem cautelas especiais. Mas acreditou que ele ou Mernok
acabariam tendo uma idéia aproveitável.
***
***
***
***
***
***
**
*